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S U A V E R E V O L U Ç Ã O mas função cerebral do mesmo modo

P A R A E N S I N A R que a visão e a audição. Ele demonstra


claramente, ilustrando com impressio-
S E U F I L H O nantes fatos verídicos, como é fácil
A L E R ensinar uma criança a ler — e que e-
norme benefício a leitura aparente-
mente antecipada traz para a criança e
sua mãe.
Glenn Doman, que teve extraordiná-

“E sta obra, também conhe-


rio sucesso na recuperação de crianças
com lesão cerebral, descobriu em que
extensão o cérebro — especialmente o
cida como “A Suave Revolução”, está
destinada a produzir forte impacto nos de crianças — vem sendo desaprovei-
meios educacionais, já que apresenta tado. Seus estudos longos e minucio-
ideias totalmente novas a respeito do sos sobre o crescimento da criança
ensino de leitura e sua metodologia. mostram de forma dramática que te-
mos subestimado sua capacidade de
Estamos diante de informações verda- aprender enquanto se divertem.
deiramente revolucionárias! Entre outros tópicos, Como Ensinar
seu Filho a Ler acentua que as crianças
O mais importante é que não se tra- bem pequenas querem aprender a ler,
ta de uma simples opinião, e sim a podem aprender a ler, estão aprenden-
conclusão de exaustivas pesquisas do a ler e que, realmente, elas deveri-
científicas, levadas a efeito pelo Dr. am aprender a ler. Aborda e discute as
Glenn e sua equipe, com êxitos tão controvérsias existentes em torno da
satisfatórios quanto surpreendentes.” leitura antecipada (“Quem tem proble-
— RODOLFO ROLÃO (O Jornal, Rio) mas, os Leitores ou os Não Leitores?”)
e explica detalhadamente todo o méto-
Escrito para os pais, este livro fasci- do de ensino para uma criança peque-
nante admite, revolucionariamente, na.
que as crianças são muito mais inteli- O autor acentua nesta obra a alegria
gentes do que os adultos supõem. De que envolve todo o processo de apren-
fato, temos desperdiçado a fase mais dizagem. Na verdade, como este fabu-
importante da vida de nossos filhos, loso livro demonstra, a aprendizagem
impedindo-os de aprender o máximo pré-escolar não é um fardo para a mãe
que podem, justamente no período em e a criança; pelo contrário, é uma ex-
que lhes é mais fácil absorver novos periência riquíssima em divertimento,
conhecimentos. realização e orgulho. E, o mais impor-
O autor insiste em que a leitura não tante — é o meio mais amplo para a-
é uma disciplina, como a geografia, tingir-se a plena maturidade.
COMO ENSINAR
SEU FILHO
A LER
A SUAVE REVOLUÇÃO

GLENN DOMAN
5a edição

Tradução L ORMAN DE O. S ANTOS R EGINA M ARIA DA V EIGA


P EREIRA

Prefácio D R . R AYMUNDO V ERAS

RIO DE JANEIRO/1984

LIVRARIA JOSÉ OLYMPIO EDITORA


Título original da edição norte-americana:

HOW TO TEACH YOUR BABY TO READ


The Gentle Revolution
Copyright 1964 by Glenn Doman
Direitos reservados para a língua portuguesa à LIVRARIA JOSÉ
OLYMPIO EDITORA S.A. Rua Marquês de Olinda, 12 Rio de Janeiro —
República Federativa do Brasil Printed in Brazil / Impresso no Brasil

Capa

Eugênio Hirsch

FICHA CATALOGRÁFICA (Preparada pelo Centro de Catalogação-na-


fonte do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ)

Doman, Glenn.
D698c Como ensinar seu filho a ler: a suave revolução | tradução de
Lorman de O. Santos e Regina Maria da Veiga Pereira | 5a. ed. Rio de
Janeiro, J. Olympio, 1984. xxvi, 124p. 21cm.

Do original norte-americano: How to teach your baby to read:


the gentle revolution.

IV
Este livro é respeitosamente dedicado à minha
mulher, Hazél Doman, que, através das mães,
ensinou centenas de crianças de um, dois e três
anos, com lesão cerebral, a tomar gosto pela
leitura.
É também dedicado a quatro homens que, cada
um a seu modo, tornaram este trabalho e este
livro possíveis:
Samuel M. Henshaw
A. Vinton Clarice
Temple Fay
Jay Cooke
Eles deixaram pegadas de gigante pelos cami-
nhos que percorreram no mundo e marcas pro-
fundas em nossas mentes e corações.
VI
tábua da
matéria

Nota sobre o autor viii


Nota à 1.a Edição Brasileira ix
Introdução xii
Uma palavra aos Pais XXV

1. os fatos e Tomás 3

2. crianças pequeninas querem aprender a ler 13


3. crianças pequeninas podem aprender a ler 25
4. crianças pequeninas estão aprendendo a ler 46
5. crianças pequeninas devem aprender a ler? 56
6. quem tem
problemas, as que leem ou as que não leem? 66
7. como ensinar seu filhinho a ler 79
8. com alegria 110
Agradecimentos 122

VII
nota sobre o autor
Glenn J. Doman graduou-se pela Escola de Fisioterapia da Uni-
versidade da Pensilvânia em 1940 e depois tornou-se membro da
equipe do Hospital Universidade Temple de Filadélfia. Alistou-se
voluntariamente no Exército Americano, em 1941, como soldado
raso e retirou-se como tenente-coronel, tendo sido agraciado com a
Cruz do Mérito (D.S.C.), a Estrela de Prata, a Estrela de Bronze, a
Cruz Militar Britânica e outras condecorações.
Dentro de sua especialização, recebeu o Prêmio Roberto Simon-
sen do Brasil por suas contribuições às Ciências Sociais dessa
nação, a Medalha de Honra de Ouro do Brasil e no ano de 1966
foi-lhe concedida a mais alta insígnia dada pelo Governo Brasileiro
a cidadãos de outro país: a Comenda da Ordem do Cruzeiro do Sul.
É agora Diretor da Organização de Institutos de Pesquisa e Aper-
feiçoamento do Potencial Humano de Filadélfia.

VIII
nota à 1a edição brasileira
Honrado com o convite de escrever o prefácio em português do livro
que vem revolucionando os conceitos da educação da criança normal
na idade de 2 a 5 anos, da autoria de GLENN DOMAN, intitulado C OMO
ENSINAR SEU FILHO A LER, quero, em primeiro lugar, expressar a im-
portância do livro para aqueles pais que receberam o encargo divino —
embora cheio de sofrimentos e lutas — de possuírem no seio de suas
famílias uma criança portadora de LESÃO CEREBRAL.
Conhecendo como conheço o autor através de 10 anos de um conví-
vio científico e fraternal, sei que foi pensando em primeiro lugar nas
crianças de CÉREBRO LESADO que escreveu ele todos os conceitos que
regem o modo de lidar a família com sua criança ou anormal ou nor-
mal, na idade de 2 a 5 anos, no aprendizado da leitura.
Partindo da importância de dar-se ao ser em formação, além daque-
les conhecimentos de fala e compreensão auditiva também os conhe-
cimentos da leitura das palavras escritas, por serem todas estas três
funções, conforme vamos encontrar explicado no livro pelo autor, da
mesma ordem de dificuldades, sendo a leitura a mais simples delas.
“Ler”, diz GLENN DOMAN, “é função cerebral pura e simples.”
Por que, sendo assim, só se vai ensinar a criança a ler depois dos
sete anos, quando nesta idade já perde ela quase 50% do entusiasmo
e facilidade para a leitura? Por que confundir leitura com aprendizado
escolar? Por muitos anos cometeu-se a falta de só trazer os conheci-
mentos de leitura para aquelas pessoas de idade acima dos sete anos
— por só nesta idade a função visual se completar.
Nos Estados Unidos já se inicia a 8.a edição deste livro, que é tam-
bém best-seller na Inglaterra, onde foi editado

IX
especialmente para a Comunidade Britânica e que está traduzido
também para o dinamarquês, francês e mais outras 11 línguas.
Outro fator de grande satisfação para nós ao prefaciar a presente
edição é o fato de poder expressar a G LENN Do MAN , mais uma vez,
nosso reconhecimento por tudo que tem feito pelo Brasil no setor da
Reabilitação da Criança com LESÃO CEREBRAL , através da Organiza-
ção Neurológica. Foi ele que pessoalmente nos ajudou no curso des-
tes últimos seis anos, a organizar o Centro de Reabilitação Nossa
Senhora da Glória, entidade filantrópica com sede no Estado da
Guanabara, de socorro à criança de cérebro lesado, que por sua vez
deu margem à existência de entidades irmãs em São Paulo, Estado
do Rio, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, etc..., etc..., todas sob o
patrocínio do seu generoso saber e às quais todos os anos, pessoal-
mente, prestigia e estimula com sua presença.
A tradução para a língua portuguesa do presente volume represen-
ta assim mais um benefício além dos muitos que nos tem prestado o
autor. Já agora são milhares de crianças normais brasileiras as be-
neficiadas pela genialidade do seu saber. Não temos dúvidas de que,
como nas edições em outras línguas, a presente edição se multiplica-
rá rapidamente em novas outras tal o poder e a importância deste
livro.
G LENN D OMAN foi agraciado o ano passado pelo Governo brasileiro
com a mais alta insígnia que um cidadão de outro país, que não o
nosso, pode receber: a C OMENDA DA O RDEM DO C RUZEIRO DO S UL .
Ele que considera o Brasil sua segunda pátria, recebeu-a com lágri-
mas de emoção. Antes já tinha recebido no Brasil reconhecimento de
seu trabalho, através da M EDALHA R OBERTO S IMONSEN e da M EDA-
LHA DE O URO DA R EABILITAÇÃO , a 1a da Confederação Nacional da
Indústria e a 2a do Centro de Reabilitação Nossa Senhora da Glória.

X
Finalizando, recomendamos aos leitores, principalmente às mães,
que procurem, após a leitura deste livro, aproveitar os ensinamentos
nele contidos em benefício de suas crianças. Estarão assim concor-
rendo para que seus filhos sintam-se confiantes e seguros ao chega-
rem à escola e ao começar o seu aprendizado em condições psicoló-
gicas bem melhores do que os que ali chegam sem este precioso ca-
bedal: a leitura.

Rio, outubro de 1967.

DR. RAYMUNDO VERAS

Diretor Associado dos lnstitutes for the Achievement of Human Potential,


Philadelphia, U.S.A. Membro do Board de Direção da Universidade de Pla-
no, Dallas, Texas.
Diretor Honorífico dos lnstitutes for the Achievement of Human Potential,
Alberta, Canadá.
Diretor dos Institutos para Organização Neurológica, A. do Sul. Diretor do
Centro de Reabilitação N. S.a da Glória, Rio, Brasil. Diretor Cientifico e Su-
pervisor do Centro de Reabilitação do Peru. Diretor e Supervisor Cientifico
dos Institutos para Organização Neurológica, Buenos Aires, Argentina.
Presidente do Fórum Internacional para Organização Neurológica, Phila-
delphia, U.S.A.
Membro do Board de Direção dos I.A.H.P., Santo Antônio, Texas.

XI
introdução
Dar início a um projeto em pesquisa clínica é como tomar um
trem com destino desconhecido. É algo cheio de mistério e excita-
ção, mas nunca sabemos se arranjaremos uma cabina ou se iremos
de terceira classe, se o trem terá um carro-restaurante ou não, se a
viagem nos custará pouco ou todo o dinheiro de que dispomos e, o
que é pior, se alcançaremos o destino desejado ou iremos parar em
algum lugar estranho que jamais sonhamos visitar.
Quando os membros da nossa equipe tomaram este trem em su-
as diversas paradas, esperávamos que nosso destino fosse um me-
lhor tratamento para crianças portadoras de graves lesões cere-
brais. Nenhum de nós imaginava que, se alcançássemos esse obje-
tivo, fôssemos permanecer no trem até atingir um ponto no qual as
crianças afetadas por lesões cerebrais pudessem tornar-se superio-
res às crianças sadias.
A viagem levou, até agora, vinte anos e as acomodações foram de
terceira classe, o carro-restaurante quase só nos serviu sanduí-
ches, noite após noite, muitas vezes às três da madrugada. As pas-
sagens custaram-nos tudo o que tínhamos, alguns de nós não vive-
ram o bastante para terminar a viagem — e nenhum de nós a teria
perdido por coisa alguma que o mundo lhe pudesse oferecer. Tem
sido uma excursão fascinante.
A lista original de passageiros incluía um neurocirurgião, um
psiquiatra (um médico que se especializara em fisioterapia e reabi-
litação), um fisioterapeuta, um foniatra, um psicólogo, um educa-
dor e uma enfermeira. Agora somos mais de uma centena entre
essas especialidades citadas e muitos outros tipos de especialistas
vieram juntar-se a nós.

XII
No início, o pequeno grupo se formara porque cada um de nós
era individualmente responsável por determinada fase do trata-
mento de crianças portadoras de graves lesões cerebrais — e cada
um de nós, individualmente, estava falhando.
Se você for escolher um campo de trabalho criador, será difícil
encontrar um com mais margem para progresso do que aquele em
que o fracasso tenha sido total e o êxito nenhum.
Há vinte anos atrás, quando, juntos, começamos o nosso traba-
lho, nunca víramos ou ouvíramos dizer que uma criança com lesão
cerebral tivesse ficado boa.
O grupo que se formou depois de nossos fracassos individuais,
chamar-se-ia hoje uma equipe de reabilitação. Naqueles dias, já
tão distantes, nenhuma dessas palavras entrara em moda e não
nos considerávamos assim tão importantes. Talvez nos víssemos,
de um modo mais patético e mais nítido, como um grupo que parti-
ra unido, à semelhança de um comboio, esperando que juntos nos
revelássemos mais fortes do que nos havíamos mostrado separa-
damente.
Começamos por atacar o mais básico dos problemas com que se
defrontavam aqueles que lidavam com crianças portadoras de gra-
ves lesões cerebrais há duas décadas atrás. Esse problema era o
da identificação. Havia três tipos muito diversos de crianças defici-
entes, as quais invariavelmente eram misturadas como se fossem
iguais. O fato é que elas não tinham entre si nem a mais remota
ligação. Reuniam-nas, naquela época (e por mais trágico que isso
seja, ainda hoje isso acontece em quase todas as partes do mundo)
pela triste razão de que frequentemente elas parecem agir, c às
vezes agem, da mesma maneira.
Os três tipos de crianças constantemente agrupados eram as de-
ficientes, de cérebro qualitativa e quantitativamente inferior, as
psicóticas, com cérebros fisicamente

XIII
normais, porém com mentes doentias e, por fim, crianças realmente
portadoras de lesões cerebrais, cujos cérebros normais haviam sido
fisicamente lesados.
Nós estávamos interessados apenas no último tipo, cujos cére-
bros de conformação normal haviam sofrido lesões. Aprendemos
que, embora a criança realmente deficiente e a criança realmente
psicótica sejam comparativamente menos numerosas, centenas de
milhares de crianças eram e ainda hoje são dadas como deficientes
ou psicóticas, quando não passam, na verdade, de vítimas de le-
sões cerebrais. Em geral tais erros de diagnóstico se davam porque
muitas das crianças portadoras de lesões cerebrais possuíam um
cérebro perfeito mas sofreram tais lesões antes do nascimento.
Quando, após muitos anos de trabalho nas salas de operação ou
à cabeceira dos leitos, aprendemos a distinguir as crianças que
realmente sofriam de lesões cerebrais, começamos a atacar o pro-
blema em si — o cérebro lesado.
Descobrimos que pouco importava (exceto do ponto de vista da
pesquisa) se a criança sofrerá a sua lesão antes do nascimento, ao
nascer, ou depois de ter nascido. Seria mais ou menos o mesmo
que nos preocupar-nos em saber se uma criança fora atropelada
por um carro antes do meio-dia, ao meio-dia ou depois do meio-
dia. O que realmente importava era saber qual a parte do seu cére-
bro que fora afetada, até que ponto fora afetada e o que se poderia
fazer, no caso.
Descobrimos, além disso, que importava pouquíssimo indagar se
o cérebro normal de uma criança fora lesado em consequência da
incompatibilidade do fator RH dos pais, por sua mãe ter contraído
alguma moléstia infecciosa, como a rubéola, durante os primeiros
três meses de gravidez, por ter havido insuficiência de oxigênio no
cérebro no período pré-natal, ou por ter nascido antes do tempo. O
cérebro também pode ser lesado em virtude de um

XIV
parto muito demorado, de uma queda sofrida pela criança nos dois
meses de idade em que haja contusão da cabeça e ocorram coágulos
de sangue em seu cérebro, de febre alta com encefalite aos três a-
nos, de ter sido atropelada por um carro aos cinco ou de centenas
de outros fatores.
Repetimos que se isso pode ter alguma significação do ponto de
vista da pesquisa, seria o mesmo que nos preocuparmos em saber
se determinada criança fora atingida por um carro ou por um mar-
telo. O importante, no caso, era saber qual parte do cérebro da cri-
ança fora afetada, até que ponto isso se dera e o que iríamos fazer
por ela.
Antigamente as pessoas que lidavam com crianças que apresen-
tavam lesões cerebrais sustentavam a opinião de que os problemas
dessas crianças poderiam ser resolvidos mediante tratamento dos
sintomas que surgiam nos ouvidos, olhos, nariz, boca, peito, om-
bros, cotovelos, pulsos, dedos, quadris, tornozelos e dedos dos pés.
Em muitas partes do mundo, hoje em dia, ainda se acredita nisso.
Esse tratamento nunca deu resultado nem poderia dar.
Diante dessa absoluta falta de êxito concluímos que se quisésse-
mos curar os múltiplos sintomas apresentados por uma criança de
cérebro lesado, teríamos que atacar a causa do problema e tratar
diretamente o cérebro.
Conquanto a princípio isso parecesse uma tarefa impossível ou
pelo menos dificílima, nos anos que se seguiram nós e outros des-
cobrimos métodos, tanto cirúrgicos como não cirúrgicos, para um
tratamento direto do cérebro.
Alimentávamos a simples crença de que tratar os sintomas de
uma doença ou de uma lesão e esperar que o mal desaparecesse era
agir de maneira antimedicinal, anticientífica e irracional, e se todas
essas razões não bastassem para levar-nos a abandonar tal sistema,
restava a simples constatação de que crianças de cérebros lesados
tratadas dessa forma nunca saravam.
Pelo contrário, sentíamos que se conseguíssemos atacar

XV
o problema em si, os sintomas desapareceriam espontaneamente na
medida exata do sucesso que obtivéssemos no tratamento da lesão
feito diretamente no cérebro.
De início enfrentamos o problema do ponto de vista não cirúrgi-
co. Nos anos que se seguiram persuadimo-nos de que se quisésse-
mos obter êxito no tratamento direto do cérebro lesado, teríamos
que descobrir meios de reproduzir de alguma forma os moldes do
desenvolvimento neurológico de uma criança sadia. Isto significava
compreender como o cérebro de uma criança normal desperta,
cresce e amadurece. Observamos intensamente centenas de crian-
ças normais de todas as idades, inclusive recém-nascidas. Estu-
damo-las com o maior cuidado.
À medida que fomos aprendendo o que é e o que significa o de-
senvolvimento do cérebro normal começamos a descobrir que as
simples e tão conhecidas atividades básicas das crianças sadias,
tais como engatinhar e arrastar-se, são da maior importância para
o cérebro. Ficamos sabendo que se tais atividades forem negadas a
crianças normais por fatores culturais, mesológicos ou sociais,
suas potencialidades ficarão seriamente limitadas. O potencial das
crianças de cérebro lesado é ainda mais afetado.
Na proporção em que íamos aprendendo mais sobre os meios de
reproduzir esse padrão de desenvolvimento físico normal, começa-
mos a ver crianças portadoras de lesões cerebrais melhorarem —
ainda que ligeiramente.

Foi mais ou menos nessa época que os membros da nossa equi-


pe, especializados em neurocirurgia, começaram a provar de forma
conclusiva que a solução estava no próprio cérebro, desenvolvendo
bem sucedidas técnicas cirúrgicas. Havia certos tipos de crianças
com lesões cerebrais cujos problemas eram de natureza progressiva
e essas crianças, naturalmente, morriam cedo. Entre elas vinham
em primeiro lugar as portadoras de hidrocefalias — crianças

XVI
com “cabeça-d’água”. Essas crianças apresentavam cabeças enor-
mes dilatadas pela pressão do líquido cérebro-espinhal cuja reab-
sorção por vias normais não podia ser feita devido às lesões de que
sofriam. Não obstante, o líquido continuava a ser produzido como
nas pessoas normais.
Ninguém jamais se mostrara tão tolo ao ponto de tentar tratar os
sintomas dessa doença por meio de massagens, exercícios ou ata-
duras. Quando a pressão no cérebro aumentava, essas crianças
fatalmente morriam. O nosso neurocirurgião, trabalhando com um
engenheiro, inventou um tubo que levava o excesso de líquido cé-
rebro-espinhal dos reservatórios denominados ventrículos, existen-
tes bem no fundo do cérebro humano, até a veia jugular e desta à
corrente sanguínea, onde podia ser reabsorvido de forma normal.
No interior desse tubo havia uma engenhosa válvula que permitia
ao excesso de líquido extravasar-se, ao mesmo tempo que impedia
que o sangue retornasse ao cérebro.
Esse aparelho quase mágico foi cirurgicamente adaptado ao cé-
rebro e deram-lhe o nome de “desvio V-J”. Existem, hoje, no mun-
do, vinte e cinco mil crianças que não estariam vivas se não exis-
tisse esse simples tubo. Muitas dessas crianças estão vivendo vidas
perfeitamente normais e vão à escola com crianças sadias.
Aí estava uma bela evidência da absoluta inutilidade de atacar
os sintomas da lesão cerebral, bem como da incontestável lógica e
necessidade de tratar diretamente o cérebro lesado.

Outro surpreendente método servirá para exemplificar os muitos


tipos de cirurgia de cérebro em uso hoje em dia para resolver os
problemas de crianças portadoras de lesão cerebral.
Existem, realmente, dois cérebros — o cérebro direito e o es-
querdo. Esses dois cérebros situam-se na caixa craniana separados
por uma linha que vai da fronte à nuca. Nos

XVII
seres humanos normais o cérebro direito (ou se preferirem, a me-
tade direita do cérebro) é responsável pelo controle do lado esquer-
do do corpo, ao passo que a metade esquerda do cérebro responde
pelos movimentos do lado direito do corpo.
Se uma das metades do cérebro sofrer qualquer lesão profunda,
os resultados serão catastróficos. O lado oposto do corpo ficará
paralisado, a criança terá todas as suas funções extremamente
limitadas. Muitas crianças nessas condições sofrem graves e cons-
tantes crises de convulsões que não reagem a nenhum medicamen-
to conhecido.
Não é preciso dizer que essas crianças também morrem.
A velha lamentação dos que assistiam a isso sem fazer nada re-
petiu-se durante décadas: “Quando uma célula cerebral está mor-
ta, está definitivamente morta e nada pode ser feito por crianças
com células cerebrais mortas; portanto não adianta tentar.” Mas
por volta de 1955 os especialistas em neurocirurgia pertencentes à
nossa equipe começaram a realizar um tipo quase incrível de ci-
rurgia nessas crianças — chamava-se hemisferectomia.
A hemisferectomia é exatamente o que a palavra indica
— a extirpação cirúrgica de metade do cérebro humano.
Víamos, agora, crianças com metade do cérebro na cabeça e a
outra metade — bilhões de células cerebrais mortas e extintas —
num recipiente de hospital. Mas as crianças não estavam mortas.
Muito ao contrário, víamos crianças com apenas meio cérebro
que caminhavam, falavam e iam à escola como as outras crianças.
Várias dessas crianças revelavam inteligência acima da média e pelo
menos uma delas possuía um Q.I. na faixa relativa ao gênio.
Tornou-se óbvio que, se a metade do cérebro de uma criança so-
fresse uma lesão grave, pouco importava que a outra metade fosse
normal enquanto a parte doente permanecesse. Se, por exemplo,
essa criança sofresse convulsões

XVIII
causadas pelo cérebro esquerdo lesado, ela estaria impossibilitada
de demonstrar suas funções ou inteligência enquanto essa metade
não fosse extirpada, para que o cérebro direito, ileso, pudesse as-
sumir, sem interferência, a totalidade das funções.
Contrariamente à crença popular, sustentáramos durante muito
tempo que uma criança podia ter dez células cerebrais mortas sem
que sequer nos apercebêssemos disso. Talvez, dizíamos, ela pudes-
se ter centenas de células cerebrais mortas sem que o notássemos.
Talvez até milhares.
Nem mesmo em nossos mais absurdos sonhos ousáramos crer
que uma criança pudesse ter bilhões de células cerebrais mortas e
mesmo assim portar-se quase tão bem e às vezes até melhor do que
uma criança comum.
Agora o leitor terá que unir-se a nós numa especulação. Durante
quanto tempo poderíamos olhar para Joãozinho, que sofrera a ex-
tirpação de metade do seu cérebro, e vê-lo portar-se tão bem quan-
to Luisinho, cujo cérebro estava intacto, sem fazer a seguinte per-
gunta: “Que há de errado com Luisinho?” Por que razão Luisinho,
que possuía um cérebro duas vezes maior que o de Joãozinho não
agia duas vezes melhor, ou pelo menos melhor?
Tantas e tantas vezes vimos acontecer isso, que começamos a
olhar com novos olhos cheios de indagações para as crianças de
inteligência comum.
Estariam as crianças de inteligência comum dando tudo o que
poderiam dar? Aí estava uma importante pergunta que nunca so-
nháramos formular.
Nesse meio tempo os membros da nossa equipe que não eram ci-
rurgiões haviam adquirido uma soma muito maior de conhecimen-
tos de como tais crianças crescem e como seus cérebros se desen-
volvem. A medida que aumentavam nossos conhecimentos relativos
à normalidade, nossos simples métodos para reproduzir essa nor-
malidade nas crianças portadoras de lesões cerebrais também iam-
se aperfeiçoando.

XIX
Já agora começávamos a ver um pequeno número de crianças
com lesão cerebral alcançar a cura mediante o uso de simples mé-
todos de tratamento não cirúrgicos que não paravam de evoluir e
aperfeiçoar-se.

Não é propósito deste livro descrever conceitos ou métodos usa-


dos para resolver os múltiplos problemas das crianças portadoras
de lesões cerebrais. Outros trabalhos já publicados, ou ainda em
originais, abordarão o tratamento dessas crianças. Todavia, o fato
de estar-se conseguindo isso todos os dias é significativo para a
compreensão do caminho que conduz ao conhecimento de que
crianças normais podem adiantar-se infinitamente mais do que
atualmente se adiantam. Basta dizer que técnicas extremamente
simples foram criadas para reproduzir os moldes de desenvolvi-
mento normal em crianças com lesão cerebral.
Por exemplo, quando uma criança com lesão cerebral está im-
possibilitada de andar direito é simplesmente submetida, em or-
dem progressiva, às fases de crescimento que ocorrem com crian-
ças normais. Ajudam-na primeiro a mover os braços e pernas, de-
pois a engatinhar, depois a arrastar-se e por fim a andar. Ajudam-
na fisicamente a fazer essas coisas através de uma sequencia pa-
dronizada. Ela progride através desses estágios cada vez mais adi-
antados, da mesma maneira que uma criança o faz no programa
escolar e dão-se-lhe ilimitadas oportunidades de utilizar tais ativi-
dades.
Não tardou muito e começamos a ver crianças com graves lesões
cerebrais cuja atuação rivalizava com a de crianças de cérebros
normais.
Na medida em que essas técnicas cada vez mais se aperfeiçoa-
vam, passamos a ver surgir crianças com lesões cerebrais que não
só revelavam adiantamento igual ao de crianças normais, como, na
verdade, não podiam ser diferençadas delas.

XX
Na proporção em que a nossa compreensão do desenvolvimento
neurológico e da normalidade começou a adquirir contornos real-
mente nítidos e que os métodos de recuperação da normalidade se
multiplicavam, começamos a ver algumas crianças com lesão cere-
bral demonstrarem um adiantamento superior ao do nível médio de
inteligência ou até mesmo do nível superior.
Isso era algo que ultrapassava os limites do sensacional. Chega-
va mesmo a ser um tanto assustador. Parecia claro que, no míni-
mo, havíamos subestimado a potencialidade de todas as crianças.
Surgiu assim uma fascinante indagação. Suponhamos que o-
lhássemos para três crianças de sete anos: Alberto, que sofrerá a
extirpação de metade do seu cérebro; Luisinho, dono de um cérebro
perfeitamente normal; e Carlinhos, que recebera um tratamento
não cirúrgico e que agora revelava um comportamento totalmente
normal, embora conservasse ainda em seu cérebro milhões de célu-
las mortas.
Alberto, com apenas metade do seu cérebro, era tão inteligente
quanto Luisinho. O mesmo se dava com Carlinhos, com milhões de
células mortas na cabeça.
Que havia de errado com o simpático Luisinho, de inteligência mé-
dia e cérebro ileso?
Que havia de errado com as crianças sadias?
Durante anos a forte vibração que antecede os fatos importantes
e as grandes descobertas marcou o nosso trabalho. Com o passar
do tempo a impenetrável névoa de mistério que envolvia as nossas
crianças portadoras de lesão cerebral foi-se dissipando gradual-
mente. Começávamos também a observar outros fatos com os quais
não contávamos. Eram fatos relacionados com crianças sadias.
Uma conexão lógica surgira entre a criança de cérebro lesado (e,
portanto, neurologicamente desorganizada) e a criança sadia (e,
portanto, neurologicamente organizada) onde

XXI
antes havia apenas fatos desconexos e dissociados relativos a cri-
anças sadias. Essa sequencia lógica, à medida que surgia, indicara
insistentemente um caminho que nos levaria a modificar profun-
damente o homem — e para melhor. Seria a organização neurológi-
ca apresentada por uma criança normal necessariamente o fim do
caminho?
E então, com crianças de cérebros lesados que se comportavam
tão bem ou melhor do que crianças normais, a possibilidade de
prosseguirmos por esse caminho tornava-se clara.
Sempre se supusera que o desenvolvimento neurológico e sua
meta final — a capacidade — fossem um fato estático e irrevogável:
esta criança era capaz e aquela não o era. Esta criança era inteli-
gente e aquela não era.
Nada podia estar mais longe da verdade.
A verdade é que o desenvolvimento neurológico que sempre consi-
deráramos um fato estático e irrevogável, é um processo dinâmico em
permanente mutação.
Na criança de cérebro gravemente lesado vemos o processo do
desenvolvimento neurológico totalmente interrompido.
Na criança “retardada” vemos esse processo de desenvolvimento
neurológico em ritmo consideravelmente mais lento. Na criança
normal ele se dá em ritmo normal e na criança precoce com rapi-
dez acima do normal. Chegáramos, assim, à conclusão de que a
criança portadora de lesão cerebral, a criança normal e a criança
precoce não representam três tipos de crianças diferentes, mas
apenas uma progressão contínua que vai da extrema desorganiza-
ção neurológica provocada por uma grave lesão cerebral, ao alto
grau de organização neurológica que uma criança prodígio invaria-
velmente demonstra, passando por uma leve desorganização neu-
rológica decorrente de lesões cerebrais menos graves, e pela orga-
nização neurológica normal das crianças normais.

XXII
Na criança portadora de grave lesão cerebral conseguíramos res-
tabelecer esse processo interrompido e na criança “retardada” o
aceleráramos.
Estava pois claro que esse processo de desenvolvimento neuroló-
gico tanto podia ser acelerado como retardado.
Tendo conseguido repetidamente que crianças com lesões cere-
brais passassem da desorganização neurológica à organização neu-
rológica de um nível normal ou mesmo superior por meio do em-
prego de simples técnicas não cirúrgicas que havíamos desenvolvi-
do, havia razão de sobra para acreditarmos que essas mesmas
técnicas poderiam ser usadas para aumentar o grau de organiza-
ção neurológica demonstrado por crianças normais. Uma dessas
técnicas é ensinar crianças pequeninas que sofrem de lesões cere-
brais a ler.
Em ocasião alguma a possibilidade de aumentar a organização
neurológica é mais claramente demonstrada do que quando ensi-
namos um bebê sadio a ler.

XXIII
uma palavra aos pais

A leitura é uma das mais altas funções do cérebro humano — den-


tre todas as criaturas da Terra somente as humanas são capazes de
ler.
A leitura é uma das mais importantes funções da vida, uma vez
que, virtualmente, todo aprendizado se baseia na capacidade de ler.
É verdadeiramente espantoso que tenhamos levado tantos anos
para perceber que quanto mais cedo a criança aprender a ler, mais
fácil será para ela ler e melhor ela lerá.
As crianças são capazes de ler palavras com um ano apenas de
idade, sentença aos dois e livros inteiros aos três anos — e gostam
muito.
Levamos muito tempo para descobrir que elas tinham essa capaci-
dade e por que a tinham.
Embora não tenhamos, na verdade, começado a ensinar crianças
pequenas a ler nos Institutos senão a partir de 1961, a compreensão
de como funciona o cérebro humano (necessária para indicar a possi-
bilidade de se fazer isso), levara vinte anos para ser alcançada por
toda uma equipe de vários especialistas.
Essa equipe de especialistas em desenvolvimento infantil — médi-
cos, educadores, especialistas em leitura, neurocirurgiões e psicólo-
gos — começara seu trabalho com crianças portadoras de lesões
cerebrais e isso os conduziu a um estudo de muitos anos para desco-
brir como se desenvolve o cérebro de uma criança normal. Isto, por
sua vez, os levou a novas e espantosas descobertas de como as cri-
anças

XXV
aprendem, o que as crianças aprendem — e do que as crianças po-
dem aprender.
Quando a equipe viu muitas crianças de cérebro lesado lerem e le-
rem bem aos três anos de idade e até antes, tornou-se óbvio que
alguma coisa estava errada no que vinha acontecendo com as crian-
ças normais. Este livro é uma das várias resultantes disso.
O que ele diz é precisamente o que vimos dizendo aos pais de cri-
anças doentes e de crianças normais desde 1961. Os resultados
dessas palestras foram altamente compensadores tanto para os pais
das crianças como para nós.
Este livro foi escrito por insistência desses pais, pois desejavam
que aquilo que lhes havíamos dito fosse publicado para seu uso e de
outros pais.

XXVI
COMO ENSINAR SEU
FILHO A LER
1

os fatos e
Tomás
“Venho-lhe afirmando que ele sabe ler."
— SR. LUNSKI

Esta suave revolução começou espontaneamente. E o mais es-


tranho de tudo é que ela surgiu por acaso.
As crianças, gentis revolucionárias, ignoravam que, se lhes fos-
sem dados meios, seriam capazes de aprender a ler os adultos da
indústria da televisão, que finalmente lhes forneceram esses meios,
não sabiam que as crianças possuíam tal capacidade nem que a
televisão poderia dar ensejo a que eclodisse essa suave revolução.
A falta de instrumentos explica por que isso demorou tanto a a-
contecer. Agora que ela aí está, nós, pais, devemos nos tornar in-
centivadores dessa maravilhosa e esplêndida revolução, não para
torná-la menos suave, e sim mais rápida a fim de que as crianças
possam colher seus frutos.
É realmente espantoso que o segredo não tenha sido descoberto
muito antes pelas próprias crianças. É surpreendente que elas,
com toda a sua vivacidade — pois são realmente vivas — não o
tenham percebido. Se algum adulto não o revelou antes, tendo em
mira crianças de dois anos de idade, foi pela simples razão de que
nós, adultos, também o ignorávamos. Se o soubéssemos por certo
nunca

3
teríamos feito disso um segredo, já que se trata de algo tão impor-
tante para elas e para nós.

O mal é que imprimíamos os textos em letras muito pequenas.


O mal é que imprimíamos os textos em letras muito pequenas.
O mal é que imprimíamos os textos em letras muito pequenas.
O mal é que imprimíamos os textos em letras multo pequenas.

É até mesmo possível imprimir textos com letras pequenas de-


mais para o adulto ler, já que seu trajeto visual — que inclui o
cérebro — é complexo.
É quase impossível fazê-lo com letras grandes demais.
Mas é possível fazê-lo com letras demasiado pequenas e é isso
o que temos feito.
O alcance visual pouco desenvolvido entre o olho e as áreas vi-
suais do cérebro das crianças de um, dois ou três anos de idade
não lhes permite distinguir uma palavra da outra.
Mas agora, como já dissemos, a televisão, através dos seus co-
merciais, revelou todo o segredo. O resultado é que, quando o a-
nunciante diz, livro, livro, livro, livro, numa voz alta, clara e agra-
dável e o vídeo mostra simultaneamente a palavra LIVRO em le-
tras bonitas, nítidas e grandes, as crianças todas aprendem a re-
conhecer a palavra — e elas nem ao menos conhecem o alfabeto.
Pois a verdade é que crianças, até mesmo bebês podem apren-
der a ler. Podemos assegurar que especialmente crianças muito
pequenas podem aprender a ler, contanto que, no início, você uti-
lize letras bem grandes.
Hoje, porém, conhecemos esses dois fatos.
Agora que os conhecemos, temos que fazer algo a respeito, por-
que aquilo que irá acontecer quando ensinarmos todas as crian-
cinhas a ler será muito importante para o mundo.

4
Mas não será mais fácil para uma criança entender uma palavra
falada do que uma palavra escrita? De forma alguma. O cérebro
infantil, que é o único órgão dotado de capacidade para aprendiza-
gem, “ouve” as palavras altas e claras da televisão através do apa-
relho auditivo e as interpreta como somente o cérebro pode inter-
pretar. Simultaneamente, o cérebro infantil “vê” as palavras gran-
des e nítidas da televisão através dos olhos e as interpreta exata-
mente da mesma maneira.
Não faz diferença para o cérebro se ele “vê” uma figura ou “ouve”
um som. Ele pode compreender a ambos igualmente bem. É preciso
apenas que o som seja suficientemente alto e claro para o ouvido
ouvir, e as palavras grandes e nítidas o bastante para os olhos ve-
rem, a fim de que o cérebro possa interpretá-las. A primeira dessas
duas exigências tem sido cumprida por nós, a segunda, não.
As pessoas, provavelmente, sempre falaram às crianças em tom
de voz mais alto do que o que costumam usar para com os adultos,
e assim continuamos a fazê-lo, compreendendo instintivamente que
as crianças não podem ouvir e compreender ao mesmo tempo a
conversa em tom normal do adulto.
Ninguém pensaria em falar com uma criança de um ano de idade
no tom normal de voz — nós, praticamente, gritamos com elas.
Tente conversar com uma criança de 2 anos em tom coloquial e
não haverá chances de ser ouvido ou entendido por ela. É provável
que, se estiver de costas para ela, nem sequer preste atenção em
você.
E se houver sons conflitantes ou alguma outra conversa no am-
biente, até mesmo uma criança de 3 anos de idade, provavelmente,
pouco entenderá ou sequer dará atenção a quem lhe estiver falando
em tom coloquial.
Todos falam alto com crianças, e quanto menor a criança, mais
alto falamos.

5
Suponhamos, apenas como argumento, que nós, adultos, tivésse-
mos decidido conversar uns com os outros num tom tão baixo que
nenhuma criança pudesse ouvir ou entender. Suponhamos, entre-
tanto, que esses sons fossem suficientemente audíveis a ponto de
tornar a audição da criança suficientemente apurada para ouvir e
compreender sons abafados quando ela completasse 6 anos de
idade.
Sob tais circunstâncias provavelmente submeteríamos as crian-
ças a testes de “presteza auditiva” quando elas completassem 6
anos. E se verificássemos que elas podiam “ouvir” mas não “enten-
der” palavras (e seria esse, certamente o caso, uma vez que sua
audição não poderia, até então, discernir sons abafados), é possível
que pudéssemos iniciá-las na linguagem falada dizendo para elas a
letra A, depois B, e assim por diante até que tivessem aprendido o
alfabeto, antes de começar a ensinar-lhes o som das palavras.
Somos levados a concluir que talvez houvesse um grande núme-
ro de crianças com problemas de “audição” de palavras e frases, e
talvez surgisse um livro popular chamado Por que Joãozinho não
sabe ouvir.
O que foi dito acima é precisamente o que sempre fizemos com
a linguagem escrita. Nós utilizamos nela letras pequenas demais
para que a criança possa "vê-la e compreendê-la”.
Façamos agora outra suposição.
Se falássemos em tom de cochicho e simultaneamente escrevês-
semos palavras e frases muito grandes e distintas, crianças muito
pequenas seriam capazes de ler, mas incapazes de entender a lin-
guagem verbal.
Agora, suponhamos que a televisão fosse apresentada com suas
grandes palavras escritas e simultaneamente faladas em tom alto.
Naturalmente, todas as crianças poderiam ler as palavras, mas
haveria muitas que começariam a entender a palavra falada na
idade surpreendente

6
de 2 ou 3 anos. O que vem acontecendo hoje em dia com a leitura é
justamente o contrário.
A televisão nos tem mostrado várias outras coisas interessantes
sobre as crianças.
A primeira delas é que as mais novas assistem aos “programas in-
fantis” sem prestar atenção constante; mas, como todos sabem,
quando entra o comercial, correm para a televisão para ouvir e ler o
que contém o produto e qual a sua utilidade.
A explicação disso não é que os comerciais da televisão sejam sele-
cionados para ouvintes de 2 anos de idade, nem que determinado
produto ou o que ele contenha possa exercer algum fascínio especial
sobre essas crianças. Não é isso.
A verdade é que as crianças podem aprender através dos comerci-
ais a mensagem repetida com amplitude, nitidez e volume suficien-
tes, que todas elas têm um grande desejo de aprender e preferem
“aprender” algo mais consistente do que simplesmente divertirem-se
com o “Popeye”.
Como resultado disso, vemos crianças pequeninas que passam de
carro pela estrada e leem felizes o anúncio da Esso, do Crush e da
Coca-Cola, assim como outros.
Esses fatos mostram que não há necessidade de se perguntar:
“Podem as crianças pequeninas aprender a ler?” Elas já responde-
ram que podem.
A pergunta que deveria ser feita é: “Que desejamos que elas lei-
am?” Devemos restringir sua leitura aos nomes dos produtos e das
estranhas substâncias químicas contidas neles e em nosso estôma-
go, ou devemos deixá-las ler alguma coisa mais útil com que possam
enriquecer suas vidas?

Examinemos os seguintes fatos básicos:

1 — Crianças pequeninas querem aprender a ler.


2 — Crianças pequeninas podem aprender a ler.
3 — Crianças pequeninas estão aprendendo a ler.
4 — Crianças pequeninas devem aprender a ler.

7
Dedicarei um capítulo a cada um desses quatro fatos. Cada um
deles é simples e verdadeiro. Talvez isso tenha consistido grande
parte do problema. Existem poucos disfarces mais difíceis de pene-
trar do que o ilusório manto da simplicidade.
Foi provavelmente essa própria simplicidade que tornou difícil,
para nós, entender ou mesmo acreditar na absurda história que o
Sr. Lunski nos contou a respeito de Tomás.
É estranho que demorássemos tanto para prestar alguma aten-
ção no Sr. Lunski, porque, quando vimos Tomás pela primeira vez
nos Institutos, estávamos a par de tudo que precisávamos saber
para compreender o que se passava com ele.
Tomás era o quarto filho do casal Lunski. Seus pais tinham tido
pouco tempo para cursar escolas e trabalhavam muito para susten-
tar três filhos bonitos e sadios. Na época em que Tomás nasceu, o
Sr. Lunski possuía um bar e ia progredindo.
Tomás, entretanto, nasceu com uma lesão cerebral muito séria.
Quando completou 2 anos de idade foi internado num ótimo hospi-
tal em Nova Jersey, para ser submetido a um exame neurocirúrgi-
co. No dia em que recebeu alta, o cirurgião-chefe teve uma conver-
sa franca com o casal Lunski. Explicou que, segundo suas observa-
ções, Tomás tinha apenas vida vegetativa, nunca andaria ou falaria
e, portanto, deveria ser recolhido a um asilo até o fim de seus dias.
Com a determinação de uma ascendência polonesa reforçada pe-
la teimosia americana, o Sr. Lunski levantou-se de súbito. Era alto
e corpulento e antes de falar apertou um pouco o cinto. “Doutor, o
senhor está fazendo confusão, declarou. Esse é o nosso filho.”
O casal passou vários meses procurando por alguém que lhe dis-
sesse não ser absolutamente necessário internar o filho. As respos-
tas eram todas as mesmas.

8
Entretanto, por ocasião do terceiro aniversário de Tomás, eles
encontraram o Dr. Eugene Spitz, Chefe da Neurocirurgia do Hospi-
tal Infantil de Filadélfia.
Após fazer cuidadosamente suas próprias observações neuroci-
rúrgicas, o Dr. Spitz disse aos pais de Tomás que o menino estava,
na verdade, com o cérebro seriamente lesado, mas que talvez al-
guma coisa pudesse ser feita por ele num grupo de instituições
situado no subúrbio de Chestnut Hill (Filadélfia).
Tomás chegou aos Institutos de Pesquisa e Aperfeiçoamento do
Potencial Humano quando tinha apenas 3 anos e 2 semanas de
idade. Não podia mover-se ou falar.
Sua lesão cerebral e os problemas decorrentes dela foram estu-
dados nos Institutos. Foi-lhe prescrito um programa de tratamento
que reproduziria nele o desenvolvimento evolutivo normal de uma
criança sadia.
Os pais foram instruídos sobre como seguir esse programa em
casa e advertidos de que, se o cumprissem fielmente, Tomás pode-
ria melhorar consideravelmente. Teriam que voltar aos Institutos
após sessenta dias para novo exame, e, se o menino tivesse melho-
rado, o programa seria revisto.
Não havia dúvida que os pais seguiriam estritamente o progra-
ma. Assim o fizeram religiosamente.
Quando voltaram para a segunda visita, Tomás já tentava enga-
tinhar.
Foi então que os pais, inspirados pelo sucesso, se empenharam
mais a fundo no programa. Estavam possuídos de tal determina-
ção que, por ocasião da terceira visita, quando seu carro quebrou
a caminho de Filadélfia, compraram imediatamente outro, usado, e
seguiram viagem, rumo ao compromisso que tinham. Mal podiam
esperar o instante de dizer-nos que Tomás já conseguia falar suas
duas primeiras palavras — “Mamãe” e “Papai”. Tinha ele 3 anos e
meio e já sabia engatinhar perfeitamente. Foi então que sua mãe
tentou fazer uma coisa que somente uma mãe

9
tentaria com um filho como Tomás. Exatamente com o mesmo en-
tusiasmo com que um pai compra uma bola de futebol para seu
filho adolescente, aquela mãe comprou para o seu menino de 3
anos e meio, portador de grave lesão cerebral e com um vocabulá-
rio de apenas duas palavras, uma cartilha. Ela alegava que Tomás
era um menino muito inteligente, apesar de não andar ou falar, e
que qualquer pessoa que tivesse senso poderia ver isso simples-
mente olhando seus olhos.
Conquanto nossos testes de inteligência em crianças com lesão
cerebral, naquela época, fossem muito mais complicados que os da
mãe de Tomás, não eram mais eficientes que os dela. Concordáva-
mos que Tomás fosse um menino inteligente, mas daí a ensinar
uma criança de 3 anos e meio de idade com lesão cerebral a ler —
bem, isso era outro caso.
Prestamos muito pouca atenção quando a Sr. a Lunski anunciou
que Tomás, então com 4 anos de idade, sabia ler todas as palavras
da cartilha e muito mais facilmente do que as letras.
Estávamos mais interessados e encantados com sua linguagem e
mobilidade física que progrediam constantemente.
Quando Tomás estava com 4 anos e 2 meses, seu pai comuni-
cou-nos que ele conseguira ler até o fim um livro do Dr. Seuss,
intitulado Green Eggs and Ham. Nós sorrimos educadamente e ob-
servamos o quanto a sua fala e seus movimentos físicos estavam
melhorando.
Ao completar 4 anos e 6 meses, o pai de Tomás, contou-nos que
ele já sabia ler e havia lido todos os livros do Dr. Seuss. Anotamos
na ficha de Tomás que ele estava progredindo maravilhosamente,
bem como que o Sr. Lunski tinha dito que ele já sabia ler.
Por ocasião da sua décima primeira visita Tomás já havia com-
pletado cinco anos.

10
Embora o Dr. Spitz e nós estivéssemos encantados com os ma-
ravilhosos progressos que Tomás vinha fazendo, não havia nada
que indicasse, no começo, que a visita daquele dia seria de grande
importância para todas as crianças. Nada, isto é, exceto a absurda
comunicação do Sr. Lunski. Participou-nos ele que Tomás já podia
ler qualquer coisa, inclusive a revista Seleções, e, o que era mais,
que conseguia entender o que nela lia e, mais ainda, que isso tudo
começara antes de o menino completar 5 anos.
Escapamos de ter que comentar isso, graças à chegada de um
dos serventes com o nosso almoço — suco de tomate e almônde-
gas. O Sr. Lunski, notando a nossa falta de interesse, apanhou um
pedaço de papel da mesa e escreveu: “Glenn Doman gosta de to-
mar suco de tomate e de comer almôndegas”.
Tomás, seguindo as instruções do pai, leu isso facilmente e com
a pronúncia e a inflexão adequadas. Não hesitou, como fazem as
crianças de sete anos, que lendo palavra por palavra não compre-
endem a frase.
"Escreva outra frase”, dissemos vagarosamente.
O Sr. Lunski escreveu: “O pai de Tomás gosta de tomar cerveja e
uísque. Ele tem uma enorme barriga porque toma cerveja e uísque
no Bar de Tomás”.
Tomás tinha lido alto somente as três primeiras palavras quando
começou a rir. A engraçada referência à barriga do pai estava mais
abaixo, na quarta linha, uma vez que o Sr. Lunski escrevera com
letras grandes.
Aquela criança portadora de grave lesão cerebral estava lendo
mais depressa do que podia repetir, na velocidade de que era ca-
paz, as palavras escritas.
Tomás não lia somente. Lia com velocidade e sua compreensão
era óbvia!
Nós estávamos assombrados e isso transparecia em nossas fisi-
onomias. Olhamos para o Sr. Lunski que dizia:
“Venho afirmando a vocês que ele sabe ler.”

11
Depois desse dia, nenhum de nós jamais foi o mesmo, pois aque-
la era a última peça do quebra-cabeça cujo desenho vínhamos ten-
tando formar havia mais de vinte anos.
Tomás tinha-nos ensinado que mesmo uma criança com grave
lesão cerebral pode aprender a ler mais cedo do que uma criança
normal geralmente aprende.
Com isto, Tomás foi imediatamente submetido a uma série com-
pleta de testes por um grupo de peritos trazidos de Washington, em
uma semana, com essa finalidade. Tomás, com lesão cerebral e 5
anos de idade recém-feitos, sabia ler melhor que uma criança de
inteligência normal com o dobro da sua idade — e com perfeita
compreensão.
Tomás andou quando fez seis anos, embora isso fosse relativa-
mente novo para ele e estivesse ainda um pouco trêmulo. Lia então
no nível de uma criança de 11 a 12 anos.
Tomás não iria passar sua vida num asilo, mas seus pais esta-
vam procurando uma escola “especial” para matriculá-lo, no pró-
ximo mês de setembro. Teria que ser uma escola “especial” para
crianças de inteligência superior e não uma escola “especial” para
crianças de inteligência inferior. Felizmente, há, agora, muitas es-
colas experimentais para crianças excepcionalmente “bem dota-
das”. Se, por um lado, Tomás nascera com o estigma de uma grave
lesão cerebral, por outro lado tinha a compensação de possuir pais
que o amavam muito e que acreditavam que pelo menos uma cri-
ança — seu filho — não estava realizando tudo o que poderia reali-
zar.
Tomás, em conclusão, foi um catalisador de vinte anos de estu-
do. Talvez seja mais exato dizer que ele detonou a carga de um ex-
plosivo cuja potência levara vinte anos para se desenvolver.
O mais fascinante de tudo é que Tomás desejava ardentemente
ler e divertia-se tremendamente com isso.

12
2

crianças pequeninas
querem aprender a ler
"Foi irreprimível — não pudemos impedi-
la de ler desde que completou três anos de
idade.”
— SR.a GILCHRIST — MÃE DE MARIA, MENINA
DE4 ANOS.
Newsweek (13 de maio de 1963).

Nunca houve, na história do homem, um cientista que tenha


tido metade da curiosidade de qualquer criança entre as idades de
18 meses e de 4 anos. Nós, adultos, costumamos confundir essa
maravilhosa curiosidade em torno de tudo, com uma falta de capa-
cidade de concentração.
Certamente observamos nossos filhos com cuidado, mas nem
sempre compreendemos o que suas ações significam. Antes de
mais nada, em geral as pessoas usam duas palavras de sentidos
completamente diversos para significar uma coisa só. As palavras
são: aprender e instruir.
O American College Dictionary nos diz que aprender significa: 1)
“Adquirir conhecimento ou habilidade através de estudo, instrução
ou experiência...” Instruir significa: 1) “Desenvolver as faculdades e
capacidades através

13
do ensino, instrução ou da educação escolar” e, 2) “Proporcionar
educação; mandar para a escola..."
Em outras palavras, aprender, geralmente, se refere ao processo
que se realiza na pessoa que está adquirindo conhecimento, en-
quanto que instruir se refere ao processo de aprendizagem orientado
por um professor ou por uma escola. Embora todos saibam disso,
esses dois processos são quase sempre considerados como um só e
significando a mesma coisa.
Por causa disso, nós, às vezes, pensamos que como a instrução
formal começa aos 6 anos de idade, os processos mais importantes
de aprendizagem também têm início nessa idade.
Nada poderia estar mais longe da verdade.
A verdade é que a criança começa a aprender logo após o nasci-
mento. Quando tem 6 anos de idade e vai para a escola, já assimi-
lou uma soma fantástica de conhecimentos, fato por fato, talvez
mais do que aprenderá durante o resto de sua vida.
Quando a criança completa 6 anos, já adquiriu a maior parte dos
conhecimentos básicos sobre si mesma e sua família. Já aprendeu
tudo sobre seus vizinhos, seu mundo e suas relações com eles,
além de um número incalculável de fatos. E o mais significativo —
já aprendeu, no mínimo, um idioma completo, às vezes mais de um.
(São poucas as suas chances de dominar completamente uma lín-
gua a mais depois dos 6 anos.)
Tudo isso antes de entrar numa sala de aula.
O processo de aprendizagem, através desses anos, ocorre em
grande velocidade, a não ser que nós o impeçamos. Se soubermos
apreciá-lo e estimulá-lo, esse processo se desenvolverá com incrível
rapidez.
Uma criança pequenina tem um desejo ilimitado de aprender.
Somente destruindo-a completamente é que podemos matar esse
desejo. Poderemos quase sufocá-lo se a isolarmos.

14
Lemos certa vez que um idiota de 13 anos fora encontrado num
sótão, acorrentado ao pé da cama, provavelmente porque era um
idiota. Talvez fosse o contrário. Um pai acorrenta um filho ao pé da
cama porque é psicótico; e o resultado disso é um filho idiota, por-
que lhe foram virtualmente negadas todas as oportunidades de
aprender.
Podemos diminuir o desejo de aprender da criança, limitando as
experiências às quais as submetemos. Infelizmente, é isso que
temos feito, quase universalmente, subestimando a sua capacida-
de de aprender.
Podemos aumentar bastante seu aprendizado simplesmente re-
movendo muitas das restrições físicas que lhe impomos.
Podemos multiplicar muitas vezes o conhecimento que ela assi-
mila e até mesmo o seu potencial, quando sabemos apreciar sua
maravilhosa capacidade de aprendizagem, e quando lhe damos
ilimitada oportunidade de aprender, encorajando-a simultanea-
mente a fazê-lo.
Através da História tem havido casos isolados, mas numerosos,
de pessoas que realmente ensinaram seus filhos a ler antes dos 6
anos e a fazer coisas adiantadas, encorajando-os e dando valor a
tudo o que fazem. Em todos os casos que pudemos verificar, os
resultados de um pré-planejamento de oportunidade para a crian-
ça pequena aprender a ler em casa foram do “excelente” ao “as-
sombroso” e produziram crianças felizes, bem ajustadas, com índi-
ce excepcional de inteligência.
É muito importante termos em mente que não foi por considerar
essas crianças excepcionalmente inteligentes, que os pais lhes
deram oportunidades incomuns de aprender. Tratava-se de sim-
ples crianças, cujos pais decidiram expô-las, com muito pouca
idade, ao maior número possível de experiências novas.
Os grandes mestres têm salientado, através da História, que de-
vemos cultivar em nossos filhos o amor ao saber.

15
Infelizmente, eles não têm insistido bastante conosco para fazê-lo.
Os antigos sábios hebreus ensinavam os pais a fazer bolos em
forma de letras do alfabeto hebraico, que as crianças tinham que
identificar antes de comer. De modo semelhante, as palavras he-
braicas eram escritas com mel na lousa da criança. Ela lia as pala-
vras e depois as lambia, para que “as palavras da Lei pudessem ser
doces aos seus lábios”.
O adulto que se interessa por crianças, torna-se sensível ao que
elas fazem e surpreende-se de não se ter apercebido disso antes.
Olhe atentamente para uma criança de 18 meses e veja o que ela
faz.
Em primeiro lugar, ela absorve a atenção de todos. Por que con-
segue isso? Porque não pode deixar de ser curiosa. Por mais que
façamos, não podemos combater esse desejo de aprender, tentando
dissuadi-la ou discipliná-la — e com que insistência o tentamos!
Ela quer aprender sobre a lâmpada, sobre a xícara de café, sobre
a tomada elétrica, o jornal e tudo o mais, no quarto — o que faz
com que derrube a lâmpada, derrame o café no chão, enfie o dedi-
nho na tomada e rasgue o jornal. Está aprendendo constantemen-
te, mas é muito natural que nós não gostemos disso.
Pelo modo como age, concluímos que é hiperativa e incapaz de
prestar atenção, quando a verdade é que presta atenção a tudo.
Está sempre pronta a aprender algo sobre o mundo. Vê, ouve, sen-
te, cheira e prova. Não há outro meio de aprender, exceto pelo uso
total desses cinco sentidos.
Ela vê a lâmpada e por isso puxa-a para baixo a fim de poder
palpá-la, ouvi-la, olhá-la, cheirá-la e prová-la. Se lhe dermos opor-
tunidade, fará todas essas coisas com a lâmpada — e fará o mesmo
com todos os objetos do quarto.

16
Não pedirá para sair do quarto enquanto não tiver assimilado tudo
sobre cada objeto através dos sentidos. Faz o melhor possível para
aprender e, logicamente, nós fazemos o possível para impedi-la,
uma vez que esse processo de aprendizagem é demasiado caro.
Nós, pais, planejamos vários métodos para controlar a curiosi-
dade dos bebês, mas, infelizmente, quase todos redundam em pre-
juízo para o seu aprendizado.
O primeiro método adotado é o seguinte: “dê-lhe alguma coisa
com que brincar que ela não possa quebrar”. Comumente, isso se
resume num belo chocalho vermelho. Pode mesmo ser um brin-
quedo mais complicado que um chocalho, mas é ainda um brin-
quedo. Presenteada com tal objeto, a criança, imediatamente, olha
para ele (e para isso é que os brinquedos têm lindas cores), saco-
de-o para descobrir se faz barulho (e para isso é que ele chocalha),
apalpa-o (e para isso é que os brinquedos não tem pontas), prova-o
(e para isso é que a tinta não é venenosa), e até mesmo cheira-o
(nós ainda não imaginamos como os brinquedos devem cheirar e é
por isso que eles são inodoros). Esse processo leva cerca de noven-
ta segundos.
Agora que sabe tudo o que quer sobre o brinquedo, abandona-o
prontamente e volta a atenção para a sua caixa. A criança acha-a
tão interessante quanto o brinquedo — o que explica por que nós
deveríamos sempre comprar brinquedos que viessem em caixas —
e assim aprende tudo sobre ela. Isto também leva noventa segun-
dos. Na realidade, a criança dará frequentemente mais atenção à
caixa do que ao próprio brinquedo. Será capaz de saber como ela é
feita porque lhe é permitido quebrá-la. Esta é uma vantagem que
não tem com o brinquedo, já que este é inquebrável, o que certa-
mente reduz a sua capacidade de aprender.
Temos, portanto, a impressão de que, comprar um brinquedo
que venha numa caixa, será um bom meio de prender a atenção da
criança por um período dobrado.

17
Mas teria sido isso ou apenas lhe demos um material duas vezes
mais interessante?
É óbvio que a última hipótese é a mais certa.
Resumindo, devemos concluir que o período de atenção de uma
criança está relacionado com a quantidade de material de que ela
disponha para o seu aprendizado em vez de acreditar, como fre-
quentemente o fazemos, que seja incapaz de prestar atenção a algo
por muito tempo.
Se você simplesmente, observar as crianças, verá vários desses
exemplos. Todavia, a despeito de toda a evidência daquilo que ve-
mos, em geral concluímos que, quando a criança tem pequena ca-
pacidade de atenção, não é muito inteligente. Essa dedução errô-
nea nos leva insidiosamente a crer que (como todas as demais) ela
não é inteligente porque é muito nova. Imaginemos quais seriam as
conclusões de uma criança de 2 anos se se sentasse a um canto e
brincasse sossegadamente com o chocalho durante cinco horas.
Provavelmente, seus pais ficariam muito mais preocupados e com
boa razão.
O segundo método generalizado de controlar suas tentativas de
aprender pertence à seguinte teoria: ‘‘recoloque-a no cercado.”
A única coisa certa sobre cercados de crianças é o nome  é re-
almente um cercado. Poderíamos, ao menos, ser honestos quanto a
essas invenções e pararmos de dizer: ‘‘Vamos comprar um cercado
para o bebê.” Vamos dizer a verdade e admitir que o compramos
para nós mesmos.
Há um cartaz humorístico que mostra a mãe sentada dentro do
cercado, lendo e sorrindo de satisfação, enquanto os filhos brincam
do lado de fora, impossibilitados de alcançá-la. Esse cartaz, além
do seu elemento humorístico, também sugere outra verdade: a
mãe, que já aprendeu tudo sobre o mundo, suporta ficar isolada,
enquanto os filhos, do lado de fora, tendo muito o que aprender,
devem continuar suas explorações.

18
Poucos pais compreendem quanto custa realmente um cercado.
Ele não somente restringe a capacidade da criança de explorar o
mundo que a cerca, o que é absolutamente óbvio, como também
restringe o seu desenvolvimento neurológico, limitando sua capa-
cidade de arrastar-se e de engatinhar (processos vitais para o de-
senvolvimento normal). Isso, por sua vez, inibe o desenvolvimento
de sua visão, de sua capacidade manual, de sua coordenação vi-
sual motora e de uma série de outras coisas.
Nós, pais, já nos persuadimos de que compramos o cercado para
proteger a criança, evitando que se machuque levando à boca um
fio elétrico, ou caindo da escada. Na verdade, a cercamos para não
termos que nos certificar de que está livre de perigo. Em termos da
nossa época, estamos sendo cuidadosos nas pequenas coisas e
levianos nas de grande importância.
Se temos que usar um cercado, mais sensato seria se construís-
semos um de aproximadamente 3,70 m de comprimento e 61 cm
de largura, onde o bebê pudesse arrastar-se pelo chão, engatinhar
e aprender durante esses anos tão importantes de sua vida. Com
um cercado desse tipo, a criança pode arrastar-se pelo chão e en-
gatinhar em linha reta por uma distância de 3,70 m antes de atin-
gir as grades do lado oposto.
Tal cercado é muito mais conveniente para os pais, já que ocupa
espaço ao longo de uma parede, ao invés de atravancar todo o cô-
modo.
O cercado, como instrumento que impede a aprendizagem, é in-
felizmente muito mais eficaz que o chocalho, porque depois que a
criança passou noventa segundos tomando conhecimento de cada
brinquedo que a mãe coloca dentro dele (o que explica a razão por
que atira fora todos os brinquedos depois de conhecê-los), nada
lhe resta para fazer ou aprender.
Desse modo conseguimos evitar que a criança destrua

19
coisas (o que é um modo de aprender), limitando-a fisicamente.
Essa solução, que coloca a criança num vazio físico, emocional e
educacional, permanecerá enquanto suportarmos seus gritos de
protesto pela prisão, ou, até que ela cresça a ponto de saltar a cer-
ca e recomeçar a sua aprendizagem.
Será que tudo o que citamos acima significa que achamos que se
deve deixar a criança quebrar a lâmpada? De forma alguma. Signi-
fica, apenas, que respeitamos muito pouco o desejo de aprender da
criança pequena, a despeito de todas as indicações óbvias que ela
nos dá de que quer desesperadamente aprender tudo o que possa e o
mais depressa possível.
Continuaremos citando histórias anônimas que mesmo que não
sejam verdadeiras não deixam de ser reveladoras.
Há aquela de dois meninos de 5 anos de idade que estavam no
pátio do Jardim da Infância quando um avião passou veloz sobre
suas cabeças. Um deles disse que o avião era supersônico; o outro
o refutou, baseando-se no fato de que as asas não eram bastante
inclinadas para trás. A sineta do intervalo interrompeu a discussão
e a primeira criança exclamou: “Temos que parar agora e voltar
para aquelas malditas continhas!”
A história é exagerada, mas de significado verdadeiro.
Consideremos o menino de 3 anos que pergunta: “Papai, por que
o sol é quente?” “Como é que aquele anão entrou no aparelho de
televisão?” “O que é que faz as flores crescerem, mamãe?”
Enquanto a criança está demonstrando curiosidade sobre Astro-
nomia, Biologia e Eletrônica, nós, muito frequentemente, lhe dize-
mos para ir brincar. Simultaneamente talvez estejamos concluindo
que ela não entenderia tais assuntos por ser ainda muito pequena,
e, além disso, por ter pouca capacidade de fixar a atenção. Isso é
verdade  pelo menos em relação à maior parte dos brinquedos.
Empenhamo-nos o mais que podemos para impedir que

20
nossos filhos façam o seu aprendizado num período da vida em
que o desejo de aprender atinge o máximo.
O cérebro humano é o único receptáculo do qual se pode dizer
que, quanto mais recebe, mais retém.
Entre os 9 meses e os 4 anos, a capacidade de absorver infor-
mações é sem paralelo e o desejo de aprender é maior que em
qualquer outro período da vida. Apesar disso, durante esse período
nós mantemos a criança limpa, bem alimentada, protegida do
mundo ao seu redor — e num vácuo de aprendizagem.
O engraçado é que quando a criança crescer nós lhe diremos,
repetidamente, que ela é uma tola por não querer aprender nada
sobre Astronomia, Física e Biologia. “Aprender”, dir-lhe-emos, “é a
coisa mais importante da vida” e lealmente o é.
Entretanto, não demos importância ao reverso da medalha.
Aprender é também o melhor jogo da vida, o mais divertido.
Nós achamos que as crianças detestam aprender essencialmente
porque a maior parte delas não gosta ou mesmo abomina a escola.
Mais uma vez confundimos instrução com aprendizado.
Minhas experiências pessoais no primeiro ano escolar talvez te-
nham sido típicas das que têm ocorrido através dos séculos. Em
geral a professora mandava-nos sentar, ficar quietos, olhar para
ela e ouvi-la, enquanto começava um processo chamado ensino,
que, segundo nos advertia, seria mutuamente penoso, mas pelo
qual aprenderíamos.
No meu caso particular, aquela profecia da mestra do primeiro
ano provou ser correta; o ensino foi-me penoso e, pelo menos nos
primeiros doze anos, eu odiei cada minuto que passei na escola.
Estou certo de que esta não foi uma experiência fora do comum.
O processo de aprendizagem poderia ser divertimento de primei-
ra qualidade, pois, na verdade, aprender é o melhor

21
jogo da vida. Mais cedo ou mais tarde todas as pessoas inteligentes
chegam a essa conclusão. Você ouve, repetidas vezes, dizer: “Hoje
foi um grande dia. Aprendi muitas coisas que não sabia”. Ou então:
“Tive um dia horrível, mas aprendi alguma coisa”.
Uma experiência recente que foi o clímax de centenas de situa-
ções idênticas, porém menos divertidas, serve como ótimo exemplo
para o fato de que as crianças só desejam aprender enquanto não
são capazes de distinguir entre aprendizado e divertimento. Elas
conservam essa atitude até que nós, adultos, as convençamos de
que aprender não é brinquedo.
Nosso grupo observou, por determinado número de meses, uma
criança de 3 anos com lesão cerebral e concluiu que ela havia atin-
gido o ponto em que seria oportuno iniciá-la na leitura. Para con-
seguir sua reabilitação era importante que ela aprendesse a ler, já
que é impossível impedir uma função isolada do cérebro, sem su-
primir, até certo grau, a soma de todas as outras. Por outro lado,
se nós ensinarmos a ler a uma criança pequena com lesão cerebral,
estaremos ajudando materialmente a sua fala e demais funções.
Por esse motivo foi que, naquela visita, determinamos que a cri-
ança deveria começar a aprendizagem da leitura.
Como é fácil de compreender, o pai da criança mostrou-se des-
crente quanto à possibilidade de conseguir ensinar a ler à filha de
3 anos, portadora de lesão cerebral. Só se convenceu de que devia
fazê-lo em razão do maravilhoso progresso físico e de linguagem
oral que a criança tinha alcançado até então.
Quando ele voltou, dois meses mais tarde, para compulsarmos o
progresso da menina, contou-nos, radiante, a seguinte história:
embora tivesse concordado em agir conforme as instruções que
recebera, não havia acreditado que aquilo pudesse dar certo. Deci-
dira, também, já que

22
iria ensinar a filha com lesão cerebral a ler, que o faria dentro do
que considerava “um ambiente típico de sala de aula”. Construiu
uma, portanto, no porão de sua casa e muniu-a de carteiras e de
quadro-negro.
Convidara outra filha de 7 anos para ajudá-lo.
Como era de esperar, assim que deu uma olhadela na sala de
aula, a menina de 7 anos pulou de alegria. Tinha o maior brin-
quedo de toda a vizinhança. Maior que um carrinho de bebê,
maior que uma casa de bonecas. Ela possuía sua própria escola
particular.
Em julho, a menina de 7 anos percorreu a vizinhança e recru-
tou cinco crianças, de 3 a 5 anos de idade, para brincar de esco-
la.
Naturalmente ficaram excitadas com a ideia e concordaram em
ser bem comportadas, a fim de poderem ir para o colégio, como
seus irmãos e irmãs maiores. Brincaram de escola nos cinco dias
da semana durante todo o verão. A menina de 7 anos era a pro-
fessora, e as menores, as suas alunas.
As crianças não foram forçadas a brincar. Foi simplesmente o
melhor brinquedo que até então haviam conhecido.
A “escolinha” fechou em setembro, quando a professora de 7
anos voltou para uma classe de segundo ano no seu colégio.
Em consequência disso, existem, hoje, naquela rua, cinco cri-
anças, de 3 a 5 anos que já sabem ler. Elas não podem ler Sha-
kespeare, mas leem as vinte e cinco palavras que a professorinha
de 7 anos lhes ensinou. Leem e compreendem essas palavras.
Certamente, essa menina de 7 anos de idade deve ser incluída
entre os mais notáveis educadores da História — ou então nós
devemos concluir que as crianças de 3 anos querem ler.
Preferimos acreditar que foi o desejo de aprender das crianças
de 3 anos, mais do que a habilidade de ensinar da de 7 anos que
facilitou a aprendizagem.

23
Finalmente, é importante notar que, quando se ensina uma cri-
ança de 3 anos a ler um livro, ela pode prestar atenção a ele por
longo tempo, parecer muito inteligente e parar por completo de
quebrar lâmpadas; mas tem apenas 3 anos e ainda acha que mui-
tos brinquedos são dignos de interesse durante noventa segundos.
Embora seja natural que nenhuma criança queira especifica-
mente aprender a ler até saber que a leitura existe, todas querem
assimilar conhecimentos sobre as coisas que as cercam e, sob
circunstâncias adequadas, a leitura é uma delas.

24
3
crianças pequeninas
podem aprender a ler
“Um dia, não há muito tempo, eu a encon-
trei no chão da sala de estar folheando um
livro francês. Ela simplesmente me disse:
‘Bem, mamãe, eu já li todos os livros em in-
glês que temos em casa’.’’
S R . A GILCHRIST
Newsweek (13 de maio de 1963).

Crianças pequeninas podem aprender e aprendem a ler pala-


vras, frases e parágrafos, exatamente do mesmo modo que apren-
deram a compreender as palavras, frases e parágrafos falados.
Uma vez mais os fatos são simples — belos mas simples, já de-
monstramos que os olhos veem mas não entendem o que veem e
que os ouvidos ouvem, mas não entendem o que ouvem. Somente o
cérebro compreende.
Quando o ouvido apreende ou seleciona uma palavra ou uma
mensagem, essa percepção auditiva é desmembrada numa série de
impulsos eletroquímicos e refletida no cérebro, que propriamente
não ouve, mas os reúne e os
interpreta na linguagem significativa que a palavra pretende ex-
primir.

25
Precisamente da mesma maneira, quando os olhos apreendem
uma palavra ou uma mensagem escrita, essa percepção visual é
desmembrada numa série de impulsos eletroquímicos e refletida no
cérebro, que propriamente não vê, mas que os reúne e compreen-
de, realizando assim o ato de ler.
O cérebro é um instrumento mágico.
Tanto o trajeto visual, como o trajeto auditivo, percorrem-no e
ambas as mensagens são interpretadas através do mesmo processo
cerebral.
A acuidade visual e a acuidade auditiva têm realmente muito
pouco a ver com isso, a não ser que sejam muito reduzidas.
Há muitos animais que veem ou ouvem melhor que qualquer ser
humano. Apesar disso, nenhum chimpanzé, não importa quão
refinada seja sua visão ou audição, jamais lerá a palavra “liberda-
de”, através de seus olhos ou a entenderá através de seus ouvidos.
Ele não tem um cérebro com essa capacidade.
Para começar a entender o cérebro humano, nós devemos consi-
derar mais o instante da concepção que o momento do nascimento,
porque o maravilhoso e muito pouco entendido processo do desen-
volvimento cerebral começa durante a concepção.
A partir do instante da concepção, o cérebro humano se desenvol-
ve num ritmo explosivo.
Ritmo explosivo e descendente.
Todo o processo está essencialmente completo na idade de oito
anos.
No instante da concepção, o tamanho do óvulo é microscópico.
Doze dias mais tarde, o embrião está suficientemente desenvolvido
para que o cérebro possa ser diferenciado. Isso acontece muito
tempo antes de a mãe saber que está grávida, tão fenomenalmente
rápido é o ritmo do desenvolvimento.

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Por mais fantástico que seja esse ritmo de desenvolvimento a ve-
locidade é sempre menor que a do dia anterior.
Ao nascer, a criança pesa cerca de 4 quilos, o que representa
milhões de vezes o peso do óvulo nove meses antes, na concepção.
É óbvio que se esse ritmo de desenvolvimento fosse o mesmo nos
nove meses seguintes, como era nos anteriores, a criança pesaria
milhares de toneladas quando tivesse nove meses de idade e
muitos milhões aos dezoito.
O processo de crescimento cerebral equipara-se ao do corpo,
mas se faz num grau descendente muito maior.
Isso pode ser visto claramente, quando se observa que, no nas-
cer, o cérebro da criança perfaz onze por cento do peso total do
corpo, enquanto, no adulto, atinge somente dois e meio por cento.
Quando a criança tem 5 anos, oitenta por cento do crescimento
do seu cérebro já se completaram. Aos 8 anos, está, como já disse,
virtualmente completo.
Durante o período entre 8 e 80 anos, temos um desenvolvimento
cerebral menor do que no único ano (o mais lento dos oito primei-
ros) que vai dos 7 aos 8 de idade.

Além desse conhecimento básico sobre o processo de crescimen-


to do cérebro, é importante, também, compreender quais são suas
funções principais para o homem.
Há apenas seis funções neurológicas que são exclusivamente do
homem; elas o caracterizam e o distinguem das outras criaturas.
Essas são as seis funções de uma camada do cérebro conhecida
como o córtex humano. Tais faculdades exclusivas do homem estão
presentes e funcionando aos 8 anos de idade. Vale a pena conhecê-
las.
1. Somente o homem é capaz de andar inteiramente na posi-
ção vertical.

27
2. Somente o homem fala numa linguagem articulada, abs-
trata e simbólica.
3. Somente o homem é capaz de combinar sua singular habi-
lidade manual com as capacidades motoras mencionadas acima,
para escrever sua linguagem.
As três primeiras capacidades enumeradas são de natureza mo-
tora (expressiva) e baseadas também nas três seguintes, que são
de natureza sensorial (receptiva).
4. Somente o homem entende a linguagem articulada, abstra-
ta e simbólica que ouve.
5. Somente o homem pode identificar um objeto apenas pelo
tato.
6. Somente o homem vê de um modo que o torna capaz de ler
a linguagem abstrata quando na forma escrita.

Aos 8 anos de idade a criança é capaz de todas essas funções


uma vez que anda, fala, escreve, lê, compreende a linguagem fala-
da e identifica objetos pelo tato. É evidente que, deste tempo em
diante, nós estaremos simplesmente tratando de uma espécie de
multiplicação lateral dessas seis faculdades exclusivamente hu-
manas e não do acréscimo de novas funções.
Uma vez que toda a vida futura do homem depende muito des-
sas seis funções desenvolvidas nos 8 primeiros anos de vida, é de
grande importância uma pesquisa e uma descrição das várias fa-
ses que dividem esse período de formação.

DO PERÍODO DO NASCIMENTO A UM ANO

Esse período é vital para todo o futuro da criança.


É verdade que nós a mantemos aquecida, alimentada e limpa,
mas também limitamos seriamente seu desenvolvimento neurológi-
co.
O que deveria acontecer durante esse tempo daria facilmente

28
assunto para um livro. Basta dizer, aqui, que durante tal período
a criança deveria ter oportunidade de movimento quase ilimitada
para exploração do meio físico e aquisição de experiência. Nossa
sociedade e civilização atuais geralmente lhe negam isso. Tal opor-
tunidade, nas raras ocasiões em que é proporcionada, dá ensejo à
formação de crianças física e neurologicamente superiores.
O futuro do adulto, em termos de capacidade física e neurológi-
ca, será mais fortemente determinado neste período da vida do
que em qualquer outro.

O PERÍODO DE 1 A 5 ANOS

Esta etapa de vida é crucial para todo o futuro da criança. No


decorrer desse tempo, nós a amamos, tomamos cuidado para que
não se machuque, cercamo-la de brinquedos e a mandamos para a
escola maternal. Mas, totalmente, inadvertidos, estamos fazendo o
máximo para impedir-lhe o aprendizado.
O que deveria acontecer a ela nesses anos cruciais é o seguinte:
deveríamos satisfazer-lhe a vacilante sede de experiências que
deseja absorver de todas as formas possíveis, mas, particularmen-
te, em termos de linguagem falada e ouvida ou escrita e lida.
É, também, durante esse período da vida, que a criança deveria
aprender a ler, abrindo assim a porta para o maravilhoso tesouro
de conhecimentos humanos, representado por tudo o que o ho-
mem tem escrito através da História.
Durante esses anos de inigualável vivência, de insaciável curio-
sidade, será firmado todo o intelecto da criança. O que ela poderá
vir a ser, com seus interesses e habilidades futuras, ficará deter-
minado nessa idade. Um número ilimitado de fatores influenciará
sua vida de adulto. Os amigos, a sociedade, a cultura podem de-
terminar o tipo de trabalho que fará na vida; alguns desses fatores
podem

29
ser prejudiciais ao pleno desenvolvimento de sua potencialidade.
Embora tais circunstâncias da vida de adulto possam, combina-
das, diminuir sua capacidade de ser feliz e de trabalhar, a criança
não se erguerá acima do potencial que é estabelecido durante esse
período decisivo. É por esse motivo sumamente importante que lhe
deveriam ser dadas todas as oportunidades de adquirir conheci-
mentos, o que a entretém mais que qualquer coisa.
É ridículo pressupor que quando a curiosidade insaciável de
uma criança é satisfeita e do modo que mais lhe agrada, a esteja-
mos privando de gozar sua infância. Tal atitude seria completa-
mente indigna de, menção, não fosse ela tão frequente. Raras ve-
zes, entretanto, vemos pais que — observando a avidez com que
uma criança se entrega à leitura de um livro com a mamãe — a-
creditem haver nisso menor prejuízo para a sua “famosa infância”,
do que quando a veem gritar angustiada para sair do cercado ou
entediada no meio de uma montanha de brinquedos.
Aprender durante essa fase da infância é, além do mais, uma
necessidade forçosa e nós estamos contrariando toda a natureza
quando tentamos impedi-la. Ela é necessária à própria sobrevivên-
cia.
O gatinho que “brinca”, pulando sobre o novelo de lã, está usan-
do o novelo apenas como um substituto do rato. O cachorrinho que
“brinca”, em simulada ferocidade com outros cachorrinhos, está
aprendendo a sobreviver para quando for atacado.
A sobrevivência, no ser humano, depende da capacidade de co-
municar-se; a linguagem é um meio de comunicação.
O brinquedo da criança, como o do gatinho, é mais instrumento
de aprendizagem que de diversão. A aquisição de linguagem em
todas as suas formas é uma das principais finalidades Devemos ter
o cuidado de considerá-la pelo que é, ao invés de supor que tal
brinquedo só funciona como diversão.

30
A necessidade de aprender durante esses anos, torna-se absolu-
ta para a criança. Não é maravilhoso que uma Natureza onisciente
tenha feito a criança também gostar de aprender? Não é espantoso
que tenhamos compreendido tão terrivelmente mal o que é uma
criança e colocado tantos empecilhos à ação da Natureza?
Esse, portanto, é o período da vida no qual o cérebro infantil re-
presenta uma porta aberta a todos os ensinamentos e os assimila
sem nenhum esforço consciente. É a época em que a criança pode
aprender a ler com facilidade e de modo natural. Devíamos, então,
dar-lhe oportunidade de fazê-lo.
ainda durante essa fase que ela pode aprender uma língua es-
trangeira, ou até mesmo cinco, coisa que mais tarde terá dificulda-
de para fazer no ginásio e nas faculdades Deve, pois, ter essa
chance. Aprenderá facilmente nessa idade, porém, mais tarde, en-
contrará grandes dificuldades.
Nessa época também, é aconselhável à criança receber os ensi-
namentos básicos sobre a linguagem escrita, o que exige muito
esforço entre seis e dez anos. Aprenderá, então mais rápida e fa-
cilmente.
Devemos abrir para ela a comporta de todos os conhecimentos
básicos. É mais que uma oportunidade única; é um dever sagrado.
Nunca mais teremos oportunidade igual a esta.

O PERÍODO DE 5 A 8 ANOS

Este período é muito importante para o resto da vida da criança.


Durante esse tempo, que é propriamente o final da fase plástica
e maleável de sua formação, ela começa a ir à escola. Que período
traumático poderá ser esse! Qual o leitor que não recorda essa fase
de sua vida, não importa

31
há quanto tempo atrás tenha ocorrido? A experiência da entrada
para o Jardim da Infância e os dois anos seguintes são, frequen-
temente, a mais remota recordação que um adulto retém. Geral-
mente não é das mais gratas.
Por que será que assim é, se as crianças desejam tão ardente-
mente aprender? Podemos interpretar isso como prova de que elas
não querem aprender? Ou será antes um indício de que estamos
cometendo algum erro básico muito grave?
Qual seria esse erro básico?
Consideremos os fatos.
Tomemos o exemplo de uma criança que até então deve ter pas-
sado pouco tempo fora de casa e é introduzida num mundo físico e
social inteiramente novo. Seria um mau indício de que a criança se
sentia feliz em seu lar se aos cinco ou seis anos de idade ela não
achasse falta da mãe durante esse importante período de forma-
ção. Simultaneamente começamos a iniciá-la na disciplina de gru-
po e na instrução primária.
Devemos lembrar que a criança já exerce há muito tempo sua
capacidade de aprender, mas que possui ainda uma capacidade
muito pequena de julgamento. O resultado é que ela relaciona a
infelicidade de ser subitamente separada da mãe à recente experi-
ência educacional, e assim, desde o começo, associa o ensino com
o que é, na melhor das hipóteses, uma vaga infelicidade. Não se
pode dizer que seja este um belo início para a tarefa mais impor-
tante da vida.
A professora também sofrerá com isso. Não é de admirar que
muitas mestras enfrentem a sua missão antes com austera deter-
minação do que com uma alegre expectativa.
Como seria melhor para o aluno, para a professora e para o
mundo se, nesse primeiro dia de escola, o novo aluno já tivesse
adquirido e conservado o amor pela alegria de aprender!

32
Se esse fosse o caso, o amor da criança pela leitura e pela apren-
dizagem, agora em vias de aperfeiçoamento, contribuiria grande-
mente para reduzir ao máximo o impacto psicológico da separação
da mãe.
Realmente, nos casos, relativamente raros, em que a criança é i-
niciada na leitura com pouca idade, é agradável observar como o
seu amor pelo estudo se converte também em amor pela escola. É
significativo o fato de que, quando essas crianças têm alguma in-
disposição, tentem muitas vezes escondê-la de sua mãe (geralmente
sem o conseguirem) a fim de não serem impedidas de ir à escola.
Que delicioso contraste com as experiências da nossa infância,
quando, com frequência, fingíamos doença (geralmente sem o con-
seguir) para não termos que ir à escola.
Nossa falha, no reconhecimento de tais fatores básicos, tem-nos
levado a praticar ações muito pouco psicológicas. Do ponto de vista
educacional, a criança de 7 anos de idade está começando a apren-
der a ler — mas só lhe dão para ler coisas bobas muito aquém de
seus interesses, conhecimentos e capacidade.
O que deveria suceder à criança durante esse período da vida en-
tre 5 e 8 anos (pressupondo que ela tenha tido uma experiência
adequada nos períodos anteriores) é que encontrasse maior satisfa-
ção nos assuntos que lhe seriam normalmente apresentados entre
as idades de 8 a 14 anos.
É evidente que os resultados em larga escala só poderão ser
bons, a não ser que queiramos aceitar como premissa que a igno-
rância conduz ao bem e o conhecimento ao mal; que brincar com
um brinquedo deve resultar em felicidade, enquanto que instruir-se
sobre sua própria língua e sobre o mundo significa infelicidade.
Seria igualmente tolo supor que encher o cérebro com ensina-
mentos poderia de certa forma desgastá-lo, enquanto que mantê-lo
vazio o pouparia!
Uma pessoa, cujo cérebro está cheio de conhecimentos úteis que
podem ser facilmente empregados, poderia ser

33
tida por um gênio, ao passo que outra de cérebro vazio de conheci-
mentos é chamada de idiota.
A intensidade com que as crianças serão capazes de aprender
nessas novas circunstâncias e a grande alegria com que elas a-
prenderão continuarão sendo objeto de nossos sonhos, até que
muitas delas venham a ter essa maravilhosa oportunidade. Não há
dúvida que a influência dessas crianças superiores no mundo só
poderá significar progresso.
A soma de conhecimentos que as impedimos de receber dá bem a
medida da nossa incapacidade de avaliar o seu talento para apren-
der. O muito que elas têm conseguido aprender, apesar dos obstá-
culos que lhes criamos é um tributo a esse mesmo talento para
assimilar conhecimentos.
A criança recém-nascida é quase uma duplicata exata de um
computador eletrônico vazio, embora superior a ele em quase todos
os sentidos.
Um computador vazio é capaz de receber grande soma de infor-
mações prontamente e sem esforço.
Uma criança nova também.
Um computador é capaz de classificar e arquivar tais informa-
ções.
Uma criança também.
Um computador é capaz de colocar tais informações num depósi-
to permanente ou temporário.
Uma criança também.
Você não pode esperar que um computador lhe dê respostas inte-
ligentes a menos que lhe forneça os conhecimentos básicos relati-
vos às perguntas feitas.
Fora dessas condições, o computador não pode responder. A cri-
ança também não.
Quando você fornece informações básicas ao computador, recebe
da máquina respostas corretas e até mesmo julgamentos.
Com uma criança se dá o mesmo.

34
A máquina aceitará toda informação que você colocar dentro dela,
seja correta ou não.
A criança também.
A máquina não rejeitará nenhuma informação que seja colocada
dentro dela na forma adequada.
Nem tampouco a criança.
Se informações corretas forem colocadas na máquina, as futuras
respostas, baseadas nesse material, serão também corretas.
Assim também serão as respostas da criança.
Aqui termina o paralelo.
Se informações erradas forem colocadas num computador, a má-
quina poderá ser esvaziada e reprogramada.
Isso não acontece com a criança. A informação básica introduzida
em seu cérebro para conservação permanente tem duas limitações.
A primeira é que se você coloca uma informação errada no seu cére-
bro durante os primeiros oito anos de vida, será extremamente difícil
apagá-la. A segunda, é que, depois dos oito anos de idade, ela assi-
milará a matéria nova vagarosamente e com maior dificuldade.
Consideremos o exemplo de pronúncias que mudam completa-
mente, dependendo do local onde se mora.
Muito raramente, uma viagem ou a instrução recebida eliminam o
defeito de pronúncia originária de determinado lugar, o que, na rea-
lidade, como todo sotaque, não deixa de ter o seu lado pitoresco.
Mesmo que uma posterior educação recubra com uma camada de
sofisticação o aprendizado básico dos primeiros oito anos, um mo-
mento de grande nervosismo a diluirá por completo.

O que é introduzido no cérebro infantil durante os primeiros oito


anos de vida, provavelmente lá permanecerá. Deveríamos, portanto,
fazer todo o esforço para certificarmo-nos de que o que lhe transmi-
timos é bom e correto. Costuma-se

35
dizer: “Dê-me uma criança nos seus primeiros oito anos de vida e
eu farei dela o que será no futuro”.
Nada pode ser mais verdadeiro do que isso.
Todos sabem da facilidade com que crianças pequenas memori-
zam até mesmo aquilo que elas não entendem de todo.
Recentemente, vimos uma menina de 8 anos lendo numa cozi-
nha, onde um cachorro latia, um rádio tocava e, na qual, uma dis-
cussão em família estava atingindo o auge. A criança memorizava
um poema grande, para ser recitado na escola no dia seguinte. Ela
se saiu muito bem.
Se um adulto fosse escolhido para decorar uma poesia hoje, pa-
ra recitá-la perante um auditório amanhã, possivelmente entraria
em pânico. Suponhamos que, tendo-se saído bem, fosse requisita-
do para recitá-la outra vez seis meses mais tarde. As probabilida-
des de não ser capaz de fazê-lo seriam grandes, mas, por certo,
lembraria ainda dos poemas que recitara quando pequeno.
Ao mesmo tempo que uma criança é capaz de absorver e reter
realmente tudo o que lhe é apresentado durante esses anos de im-
portância tão vital, a sua capacidade de aprender uma língua é
particularmente única, e pouca diferença faz que se trate de um
idioma falado e portanto assimilado por meio auditivo, ou escrito e
aprendido através do meio visual.
Como já foi ressaltado, com o passar dos anos, a capacidade da
criança de absorver um conhecimento sem esforço, diminui, mas
convém lembrar também que, dia após dia, sua capacidade de jul-
gamento cresce. Eventualmente as curvas ascendentes e descen-
dentes nos dois casos se cruzam. Anteriormente ao período em que
as curvas se encontram, a criança é superior aos adultos em al-
guns pontos. Um deles é a capacidade de aprender línguas.
Consideremos esse singular fator de superioridade na assimila-
ção da linguagem.

36
O autor passou quatro anos tentando aprender francês quando
adolescente e quase adulto e esteve na França por duas vezes;
porém está bem certo quando afirma que, na realidade, não fala
francês. No entanto, toda criança francesa normal e grande parte
abaixo do normal, algumas até mesmo mentalmente retardadas,
aprendem a falar bem a sua língua, usando todas as regras bási-
cas de gramática, antes de completarem seis anos de idade.
Pensar nisso nos deixa de certo modo perturbados.
A primeira vista, pode parecer que a diferença não está entre a
criança e o adulto, mas no fato de a criança se encontrar na
França, obrigada a ouvir francês a toda hora e por todos os lados
e o adulto em questão não.
Vejamos se esta é, realmente, a diferença, ou se ela está nu ili-
mitada capacidade da criança e na grande dificuldade do adulto
para aprender línguas.
Literalmente, dezenas de milhares de oficiais do exército norte-
americano têm sido mandados para países estrangeiros e muitos
têm tentado assimilar novas línguas. Tomemos o exemplo do Ma-
jor John Smith, homem de trinta unos e de ótima aparência física.
Também fez o curso superior e possui um Q.I. com pelo menos
quinze pontos acima da média. O Major Smith foi designado para
um posto na Alemanha.
Lá é mandado para uma escola noturna de língua germânica,
onde assiste a aulas três vezes por semana. As escolas de língua
do exército são ótimas instituições para adultos, ensinando pelo
sistema de conversação e empregando professores os mais abali-
zados.
O Major Smith se esforça muito para aprender o alemão, uma
vez que é importante para a sua carreira, e que trata o dia inteiro
tanto com pessoas que falam alemão como com as que falam in-
glês.
Seja lá como for, um ano mais tarde, quando sai para fazer
compras com seu filho de cinco anos, nota que o

37
menino se encarrega de toda a conversação, pelo fato de falar bem o
alemão, coisa de que ele não é capaz.
Como pode ser isso?
O pai aprende com o melhor professor que o exército pode encon-
trar, e ainda assim, mal fala o alemão, enquanto que seu filho se
exprime correntemente.
Quem ensinou a criança? Ninguém. Apenas, ela fica o dia inteiro
em casa com uma empregada que fala o alemão. Quem ensinou
alemão à empregada? Na realidade, ninguém.
O pai aprendeu alemão e não fala.
O filho não aprendeu alemão e fala.
Para que o leitor não se deixe enganar, continuando a supor que
a diferença resida na ligeira diversidade de condições ambientais do
Major Smith e de seu filho, mais do que na capacidade ímpar da
criança e a relativa incapacidade do adulto para aprender línguas,
consideremos rapidamente o caso da Sr.a Smith, que vivia na mes-
ma casa com a mesma empregada. Ela não aprendeu mais o alemão
do que seu marido e sabia muito, muito menos que seu filho.
Se, na infância, o mau aproveitamento dessa capacidade única
de aprender línguas não fosse tão lamentável e imprevidente, seria
deveras divertido.
Se a família Smith tivesse, por acaso, maior número de filhos
quando partiu para a Alemanha, a eficiência dos seus membros no
manejo do novo idioma estaria na razão inversa das suas respecti-
vas idades. O caçulinha de 3 anos, se existisse, aprenderia mais
alemão que qualquer dos outros. O de 5 anos aprenderia bastante,
mas não tanto quanto o de 3. O de 10 aprenderia muito bem o ale-
mão, porém menos que o de 5 anos. O de 15 anos aprenderia algu-
ma coisa de alemão e logo esqueceria. O pobre Major Smith e Se-
nhora quase não aprenderiam nada.
O exemplo que aqui foi dado, longe de ser um caso único,

38
é quase universalmente verdadeiro. Conhecemos crianças que têm
aprendido francês, espanhol, alemão, japonês ou iraniano sob essas
mesmas circunstâncias.
Outro ponto que gostaríamos de salientar, não é tanto a capaci-
dade da criança para línguas, quanto a incapacidade do adulto para
aprender idiomas estrangeiros.
Fica-se horrorizado quando se consideram os milhões de dólares
que são gastos anualmente nas escolas secundárias e universidades
dos Estados Unidos, tentando inutilmente ensinar línguas aos jo-
vens que são quase incapazes de
aprendê-las.
Deixemos o leitor considerar se ele ou ela realmente aprenderam
alguma língua estrangeira no ginásio ou na faculdade.
Simplesmente não há dúvida que uma criança, longe de ser, sob
certos ângulos, física e intelectualmente inferior ao adulto, é na
verdade superior a ele, principalmente no que diz respeito à sua
quase fantástica faculdade de assimilar línguas.
Costumamos aceitar tacitamente, sem nenhum exame, essa ca-
pacidade verdadeiramente miraculosa.
Toda criança normal (e como tem sido dito, subnormais também),
aprende virtualmente a dominar uma língua entre as idades de 1 a
5 anos. Aprende-a com o sotaque exato dos pais, do seu país, Esta-
do, cidade, bairro e família. Aprende-a sem esforço visível e exata-
mente como é falada. Quem repete essa façanha?
E ainda não concluímos. Toda criança que é criada numa família
bilíngue, aprenderá duas línguas antes dos 6 anos de idade. Além
disso, ela falará a língua estrangeira, ou suplementar, com o sota-
que exato do local onde os pais a aprenderam.
Se uma criança americana, filha de pais italianos, conversa com
um italiano, mais tarde, a pessoa dirá: “Ah, você é de Milão!” — se
foi lá que os pais foram criados.

39
“Reconheci, pelo sotaque”. Isso acontece apesar de a família italo-
americana nunca ter saído dos Estados Unidos.
Toda criança que é criada numa casa onde se falam três lín-
guas, falará três idiomas diferentes antes de completar 6 anos de
idade, e assim por diante.
O autor, recentemente, viveu essa experiência, quando esteve
no Brasil. Encontrou lá um menino de nove anos, de inteligência
média, que compreendia, lia e escrevia nove línguas quase fluen-
temente. Avi Roxannes nascera no Cairo, onde aprendeu francês,
árabe e inglês. Com o avô turco que vivia com ele, aprendeu a lín-
gua síria. Quando tinha quatro anos, a família mudou-se para
Israel; foi quando uma tia espanhola por parte do pai, juntou-se a
eles. Avi aprendeu espanhol. Em Israel, aprendeu mais três idio-
mas: o hebraico, o alemão e o iídiche e, então, aos seis anos de
idade, quando se mudaram para o Brasil, Avi aprendeu o portu-
guês.
Ao todo, os pais de Avi falavam tantas línguas quanto ele; por
isso, mantinham conversação com o filho em cada um dos nove
idiomas. Os pais de Avi, tendo aprendido, cada qual cinco idiomas
na infância, eram notadamente melhores poliglotas que a maioria
dos adultos, mas quando se tratava de inglês ou português, que
aprenderam depois de adultos, não podiam, de forma alguma,
competir com Avi.

Já comentamos anteriormente que tem havido na História mui-


tos casos cuidadosamente documentados de pais que decidiram
ensinar os filhos ainda novinhos a fazer coisas que foram e ainda
são consideradas extraordinárias.
Um desses é o caso da pequena Winifred, cuja mãe, Winifred
Sackville Stoner, escreveu um livro chamado Educação Natural,
publicado em 1914.
Essa mãe começou a incentivar sua filha e a criar oportunidades
especiais de aprendizado logo após o nascimento

40
da menina. Os resultados desse método, no tocante à iniciação de
Winifred na leitura, nós os discutiremos mais adiante neste livro. Por
ora vejamos o que a Sr.a Stoner nos contava sobre a capacidade de
sua filha quanto à linguagem falada aos 5 anos de idade.
“Logo que Winifred pode exprimir todas as suas necessidades, co-
mecei a ensinar-lhe o espanhol através da conversação e com os
mesmos métodos diretos que usara para ensinar-lhe inglês. Escolhi o
espanhol para sua segunda língua por ser o mais simples dos idiomas
europeus. Quando Winifred alcançou seu quinto ano de vida, estava
apta a expressar seus pensamentos em oito idiomas, e não tenho
dúvida que esse número poderia ter sido dobrado, então, se eu tivesse
continuado o nosso jogo de construção de vocábulos em várias lín-
guas. Mas, nessa época, comecei a pensar que o esperanto tornar-se-
ia, em breve, o meio internacional de comunicação, e achei, então,
que, apesar de estar desenvolvendo sua aptidão linguística, um co-
nhecimento de tantos e tantos idiomas não seria de grande vantagem
para minha filha.”
Mais tarde, a Sr.a Stoner disse: “Os métodos comuns do ensino de
línguas na escola, através de regras gramaticais e compêndios, têm
provado ser um completo fracasso, no que diz respeito ao aproveita-
mento da capacidade dos alunos para usarem a linguagem como meio
de expressão do pensamento.”
“Há professores de latim que vêm ensinando há meio século e não
sabem, realmente, o latim coloquial. Minha filha tinha quatro anos de
idade quando perdeu a fé na sapiência de certos professores de latim
por ter dirigido a um deles a saudação “Quid agis” e verificado que ele
não a entendera e, vendo que ela continuava a falar dos pratos, à
mesa, “ab ovo usque ad mala”, a olhava estupefato.
Não se deve então concluir que as crianças pequenas devam ter
também uma singular habilidade para ler uma

41
língua? O fato é que se lhes dermos essa oportunidade, elas de-
monstrarão tal capacidade. Veremos brevemente alguns exemplos
disso.

Quando uma pessoa ou grupo é levado, através da pesquisa, a


uma nova e importante ideia, é necessário tomar certas medidas,
antes que o dever force a publicação e divulgação dessa ideia.
Primeiramente, a ideia deve ser testada na vida real para ver
quais são seus resultados na prática. Podem ser bons, maus ou
indiferentes.
Depois, embora tais conceitos possam parecer novos, é provável
que alguém, em algum lugar, já os tenha formulado, aplicado ou
mesmo divulgado.
Além do privilégio, é também dever dos descobridores da ideia,
conduzir uma cuidadosa investigação em torno de todos os dados
disponíveis capazes de determinar o que alguém mais possa já ter
revelado sobre o assunto. Isto é necessário, embora a ideia possa
parecer inteiramente nova.
No período de 1959 a 1962, nosso grupo ficou ciente de que ou-
tras pessoas estavam trabalhando com crianças pequenas no cam-
po do aprendizado da leitura, tanto dentro, como fora dos Estados
Unidos. Tínhamos uma ideia geral do que faziam ou diziam. Con-
quanto concordássemos com muito do que vinha sendo feito e a-
chássemos que fosse uma coisa boa, acreditávamos que a base de
tal aprendizado era mais neurológica do que psicológica, emocional
ou educacional.
Quando começamos a estudar intensamente os livros sobre o as-
sunto, ficamos impressionados com quatro fatos:

1. A iniciativa de ensinar crianças pequeninas a ler não era


nova; na verdade vinha-se estendendo por séculos.
2. Frequentemente, pessoas separadas por gerações, fazem

42
as mesmas coisas, embora por diversas razões e diferentes filoso-
fias.
3. Todos os que decidiram ensinar crianças pequeninas a ler,
vêm usando sistemas que, embora com alguma variação técnica,
têm vários fatores em comum.
4. Mais significativamente, em todos os casos que encontra-
mos de crianças pequenas que aprenderam a ler em casa, não
houve um que fracassasse, qualquer que tenha sido o método.

Muitos casos foram cuidadosamente observados e registrados


em detalhe. Poucos foram mais claros que o caso acima mencio-
nado da pequena Winifred. A Sr. a Stoner tinha chegado quase às
mesmas conclusões a que chegáramos nos Institutos, sobre a lei-
tura precoce, embora ela o tenha feito sem o conhecimento neuro-
lógico de que dispúnhamos.
Há meio século atrás, a Sr. a Stoner escreveu: “Quando minha fi-
lha tinha 6 meses, eu coloquei um barra de cartolina branca de
1,20 m de altura em volta das paredes de seu quarto. Num dos
lados da parede dispus letras do alfabeto recortadas em papel
vermelho vivo. Na outra parede, formei palavras simples com as
mesmas letras vermelhas, arrumadas em colunas, tais como: mão,
chão, pião, pão, pato, mato, rato. Você notará que há somente
substantivos nessas listas. Depois que Winifred aprendeu todas as
letras, comecei a ensinar-lhe as palavras na parede, soletrando-as
e rimando-as. Através desse jogo de construção de palavras e das
impressões causadas na mente de Winifred quando eu lia, ela
conseguiu aprender a ler na idade de 16 meses, sem ter tido o que
se chama uma “aula de leitura”. Quatro de minhas amigas tenta-
ram esse método c foram bem sucedidas, já que as crianças ensi-
nadas por esse processo conseguiram ler textos simples em inglês
antes de completarem três anos de idade.”

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A história dessa criança e de suas companheiras de aprendizado
de leitura não é, de forma alguma, única.
Em 1918, foi-nos relatado outro memorável exemplo. Trata-se do
caso de uma criança chamada Marta, cujo pai, um advogado, co-
meçou a ensiná-la a ler aos 19 meses.
Marta morava perto de Lewis M. Terman, um famoso educador.
Terman espantou-se com o êxito alcançado por Marta no aprendi-
zado de leitura e pediu ao pai dela que escrevesse um relato minu-
cioso daquilo que havia conseguido.
Esse relato, foi publicado com uma introdução de Terman, no
Jornal de Psicologia Aplicada, volume II (1918).
Por coincidência, o pai de Marta também usara grandes letras de
forma vermelhas como o autor e a mãe de Winifred haviam feito.
Escrevendo sobre ela em Estudos Sobre Genética de Gênios e
Características Mentais e Físicas de Mil Crianças bem Dotadas
(1925), disse Terman: “Essa menina, provavelmente, já bateu o
recorde mundial de leitura precoce. Na idade de 26 meses e meio,
seu vocabulário de leitura estava acima de setecentas palavras; já
aos 21 meses ela lia e compreendia frases simples como pensamen-
tos conexos e não como palavras isoladas. Nessa idade podia já
distinguir e dar nome a todas as cores primárias.
Aos 23 meses, começou a experimentar verdadeiro prazer quando
lia. Aos 24 meses possuía um vocabulário de leitura superior a 200
palavras, e que, dois meses e meio depois, atingira mais de 700
palavras.
Quando completou 25 meses, leu fluentemente e com expressão
para um de nós, trechos de cartilhas e primeiros livros de leitura
que nunca vira antes. Nessa idade, sua capacidade de leitura era,
no mínimo, igual à de uma criança de 7 anos que já tivesse fre-
quentado um ano de escola.”
Em Filadélfia, os Institutos de Pesquisa e Aperfeiçoamento do Po-
tencial Humano descobriram que era possível

44
ensinar até mesmo crianças com lesão cerebral a ler bem. Isso
não prova que tais crianças sejam superiores às crianças normais;
simplesmente mostra que crianças pequeninas podem aprender a
ler.
E, nós, adultos, deveríamos, realmente, permitir que fizessem
esse aprendizado; quando menos, pelo simples fato de que isso as
diverte muito.

45
4

crianças pequeninas
estão aprendendo a
ler
"Parece absurdo dizer que ela sabe ler com
apenas três anos de idade, mas, quando vamos
ao mercado, ela lê os nomes em todas as latas e
pacotes.”

— QUASE TODOS OS PAIS QUE TÊM FILHOS DE


TRÊS ANOS.

EM NOVEMBRO DE 1962, numa reunião de um grupo de educado-


res, médicos e outros interessados no desenvolvimento neurológico
de crianças, um inspetor escolar da comarca contou-nos a seguinte
história:
Ele era educador havia trinta e cinco anos e, duas semanas antes
da reunião, uma professora de Jardim da Infância contou-lhe que,
quando se preparava para ler um livro para seus alunos de cinco
anos, um dos meninos se ofereceu para fazê-lo. A professora lhe fez
ver que se tratava de um livro novo, que ele nunca vira antes, mas o
menino insistiu que podia ler. A professora então decidiu que a ma-
neira mais fácil de dissuadi-lo seria deixá-lo tentar. Assim o fez — e
ele leu. Leu alto o livro inteiro para sua classe, com perfeito desem-
baraço e sem erros.
O inspetor ressaltou que durante seus trinta e dois anos

46
de vida como educador, ouvira ocasionalmente histórias de crian-
ças de cinco anos que já liam livros, mas, nessas três décadas,
observou, nunca vira na verdade uma que o fizesse. Entretanto,
nos últimos três anos, vinha acontecendo que no mínimo uma
criança em cada Jardim da Infância sabia ler.
Trinta e dois anos sem o conhecimento de uma criança de 5
anos que soubesse ler e, de súbito, naqueles três últimos anos,
surgiam no mínimo uma em cada um dos seus Jardins da Infân-
cia! O educador concluiu afirmando que tinha investigado cada
caso, para determinar quem havia ensinado essas crianças a ler.
“Você sabe quem ensinou cada uma dessas crianças a ler?” —
perguntou ele ao especialista em desenvolvimento infantil que
dirigia o debate.
“Sim” — respondeu este último. “Eu acho que sei. A resposta é
que ninguém as ensinou.”
O inspetor concordou.
De certo modo, ninguém havia ensinado essas crianças a ler,
assim como também, em certo sentido, é verdade que ninguém
ensina uma criança a entender a linguagem falada.
Num sentido mais amplo, todas as pessoas e mais o meio ambi-
ente é que tinham ensinado aquele menino a ler, do mesmo modo
que esses mesmos elementos é que o haviam ensinado a entender
a linguagem falada.
Hoje em dia, a televisão está se tornando parte integrante do
meio ambiente de quase todas as crianças. Este fora o fator prin-
cipal acrescido à vida das crianças daqueles Jardins da Infância.
Observando os comerciais da televisão que mostram palavras
grandes e nítidas faladas simultaneamente com pronúncia alta e
nítida, as crianças estão inconscientemente aprendendo a ler.
Fazendo algumas perguntas a adultos desprevenidos quanto ao
que está acontecendo, esta aptidão

47
vem se expandindo. Através dos livros infantis lidos pelos pais das
crianças a fim de diverti-las, elas acabam por desenvolver espanto-
so vocabulário de leitura.
Nos casos em que os pais percebem o que está, na realidade, a-
contecendo, ajudam prazerosamente a criança a ler. Geralmente
agem assim apesar das terríveis mas vagas predições de amigos
bem intencionados sobre algo horrível, porém difícil de definir, que
acontecerá à criança se a ajudarem a aprender a ler antes de ir
para a escola.
Embora não tenhamos feito propaganda de nosso trabalho até
meados de 1963, havia centenas de visitantes aos nossos Institu-
tos, assim como alunos ali formados antes de 1963 que estavam
cientes do nosso interesse em ensinar crianças pequeninas a ler.
Havia ainda cerca de quatrocentas mães e pais de crianças com
lesão cerebral orientados por nós e cujos filhos estavam em diferen-
tes estágios do aprendizado de leitura sob nossa direção. Mais de
cem dessas crianças variavam de 1 a 5 anos enquanto outras cem,
tinham seis anos ou mais.
Era inevitável que a notícia sobre o que estávamos fazendo co-
meçasse a transpirar. No começo de 1963, após um artigo do autor
numa revista nacional, já havíamos recebido centenas de cartas.
Em meados do mesmo ano esse número já subira para milhares.
Uma surpreendentemente pequena percentagem dessas cartas
era de cunho crítico e delas trataremos mais tarde, como também
das perguntas que suscitaram.
Mães de todos os pontos dos Estados Unidos e de muitos países
estrangeiros escreveram-nos. Era para nós uma alegria e uma es-
pécie de compensação saber que grande número de pais de crian-
ças de 2 e 3 anos de idade havia ensinado seus filhos a ler. Em
alguns casos, isso já havia sido feito há quinze anos atrás. Muitas
das crianças ensinadas dessa maneira já estavam em ginásios ou
mesmo

48
formadas. Essas cartas constituíam novas provas da capacidade
das crianças pequeninas para aprender a ler.
Aqui estão alguns trechos extraídos de cartas que recebemos.

Prezados senhores:

... Pensei que talvez lhes interessasse saber que ensinei um


bebê a ler há dezessete anos atrás. Não tenho nenhum sistema,
na realidade, e de fato eu não sabia, na época, que isso era
muito incomum. Tudo aconteceu pelo Jato de eu própria gostar
muito de livros e ler para minha filhinha desde quando ela era
muito nova. Ela passou muitos meses doente aos dois anos e
meio e precisei inventar distrações passivas para ela.
Nós tínhamos um jogo com letras de aproximadamente 5 e 8
centímetros de altura e cartões com palavras simples. Adquiriu
um interesse enorme por essas letras e gostava de procurar
correspondentes para elas em nossos livrinhos.
Antes de atingir a idade de entrar para o Jardim da Infân-
cia, sabia o suficiente para descobrir nos jornais noticias de
incêndios que a assustavam e já dominava a cartilha...
Hoje ela estuda em uma ótima universidade e, além disso faz
sucesso na sociedade e nos esportes, demonstrando ainda ou-
tras habilidades e interesses. Isto é o mínimo que se pode espe-
rar de uma pessoa que foi capaz de ler antes de três anos de
idade.

Prezado senhor:

... Pude provar isso na minha própria filha. Ela tem agora 15
anos de idade... uma segundanista de ginásio, sempre classifi-
cada entre as primeiras, desde o 1.° ano.
... Ela tem uma personalidade maravilhosa e é muito querida
por professores e colegas...
Meu marido é um veterano inválido da 1. a Grande Guerra...
Nenhum de nós tinha instrução suficiente para ocupar um
cargo vantajoso. Ele estudara apenas até o 5.° ano e eu o 8.°.
Ganhávamos a vida viajando e vendendo artigos miúdos de por-
ta em porta...
Compramos um trailer de 5,50 m que ficou sendo a nossa ca-
sa... Nossa filha foi criada nele... Quando ela estava com 10
meses de idade, comprei-lhe o seu primeiro livro... Tratava-se,
na verdade, de uma cartilha em que cada letra era representa-
da por uma figura: uma águia para o A, uma bola para o B.,
etc... Quando ela fez 2 anos, dei-lhe

49
outra cartilha maior do mesmo tipo e outros livros. Enquanto
viajávamos aproveitávamos o tempo para ensiná-la. Quando
parávamos nas diversas cidades, ela precisava de algo para se
distrair. Se eu saía para vender, meu marido ficava encarrega-
do de entretê-la. Ela queria sempre saber como se soletravam os
anúncios das estradas... Meu marido lhe ensinava... Nós nunca
lhe ensinamos o alfabeto. Ela só o aprendeu mais tarde na esco-
la... Ingressou aos 6 anos no 1° ano e não teve dificuldades em
obter as melhores notas... Ah! sim, nós ainda moramos num
trailer com o dobro do comprimento do primeiro. Uma parte dele
é reservada para os livros de nossa filha... Existe uma bibliote-
ca pública nesta cidade e ela já devorou todo o estoque de li-
vros.
Sei que esta carta está muito longa e que isso pode parecer
gabolice, mas não é. Sei que se outros pais jovens quisessem se
dar a esse trabalho, muitas crianças poderiam fazer a mesma
coisa que nossa filha fez. Era só dar-lhes a oportunidade. Não
se podem pegar as crianças, largá-las na escola aos seis anos e
esperar que aprendam rapidamente a ler sem lhes darmos uma
pequena base desde que eram pequeninas... Se achar que esta
carta poderá ajudar outros pais, o senhor poderá publicá-la. Se
não achar, não tem importância. O mais importante é que o
senhor saiba que eu não ignoro que Todos Podem Ensinar Seus
Bebês a Ler!

Senhores:

... Gostaria de acrescentar que isso pode ser feito por qual-
quer leigo como eu... Meu filho mais velho aprendeu casualmen-
te o alfabeto antes de completar 18 meses de idade...
... Aos 3 anos, mais ou menos, já perguntava o que significa-
vam os anúncios das estradas e antes mesmo de entrar para o
Jardim da Infância já lia sem ajuda alguma, a não ser as res-
postas que eu dava às suas perguntas. Embora esteja agora no
1.° ano, aprendendo a escrever corretamente nessa classe, seu
adiantamento em leitura e matemática, corresponde ao 2.° ano e
nessas matérias é quase
o primeiro da classe. Será que o seu alto Q.I. resulta de ter
aprendido a ler muito cedo ou o fato de já ter um Q.I. alto terá
influenciado a sua precoce alfabetização?
... Não tenho tido muito tempo para me dedicar ao meu se-
gundo filho e por isso ele não é tão estudioso... Entretanto, não
posso deixar de lamentar ter dado menos atenção ao meu se-
gundo filho nesse ponto, o que talvez o faça ser um atrasado o
resto da vida.
... Eu, por mim, digo que as crianças adoram aprender e po-
dem aprender muito mais com pouca idade, quando isso para
ela é apenas um brinquedo a mais.

50
Prezado senhor:

... reconhecendo, finalmente que crianças de 2, 3 e 4 anos de


idade podem aprender a ler, e além disso, querem fazê-lo. Minha
própria filha já sabia todo o alfabeto... e conseguia ler várias
palavras com a idade de 2 anos... Poucos dias após o seu tercei-
ro aniversário, como que subitamente, compreendeu que lendo
várias palavras seguidas elas formavam um pensamento com-
pleto a que chamamos frase. Desde então, sua leitura tem pro-
gredido rapidamente e agora, aos 4 anos e meio, lê no mínimo
tão bem quanto qualquer criança que esteja terminando o 2.°
ano primário.

Uma professora altamente graduada da Noruega fez os seguintes


comentários:

Prezado senhor:

Ensinei a ler dois de meus três filhos de 4 e 3 anos, por um


método um pouco diferente. Seus argumentos parecem-me muito
convincentes. Pela experiência que tenho, julgo seu método me-
lhor que o meu e tentarei usá-lo no próximo ano com meu filho
mais novo (4 meses)... Na Noruega, a alfabetização de crianças
em idade pré-escolar é tão proibida quanto o era, há muitos a-
nos atrás, qualquer noção de sexo. Apesar disso encontrei os se-
guintes resultados quando examinei 200 alunos pré-escolares:
10% liam satisfatoriamente e mais de uma terça parte conhecia
todas as letras.
Penso que desenvolver as dificuldades mentais é o mais im-
portante e mais arrojado trabalho de nossos tempos, e, em mi-
nha opinião, o senhor tem feito obra pioneira.

Parece-me necessário deixar bem claro que estas mães ensina-


ram seus filhos a ler, ou descobriram que eles podiam ler, antes da
publicação deste livro e não estão endossando os métodos ressalta-
dos aqui. O que acima transcrevemos são simples cartas escritas
por mães avisadas que concordam que as crianças pequeninas po-
dem aprender a ler, estão aprendendo a ler e devem aprender a ler
antes de entrar para a escola.
Em Yale, o Dr. O. K. Moore vem fazendo, há muito tempo, inten-
sas pesquisas sobre um método para ensinar crianças a ler em ida-
de pré-escolar. Ele acredita que é

51
mais fácil ensinar a ler uma criança de 3 anos do que uma de 4,
uma de 4 do que uma de 5, uma de 5 do que uma de 6.
Claro que é mais fácil.
Deve ser...
Mesmo assim, quantas vezes não temos ouvido dizer que as cri-
anças não podem aprender a ler antes dos seis anos — e, além dis-
so, que não devem fazê-lo?
Cerca de meio século atrás, uma mulher chamada Maria Mon-
tessori foi a primeira representante do sexo feminino a graduar-se
por uma faculdade de Medicina italiana. A Dr. a Montessori interes-
sou-se pelo negligenciadíssimo grupo de crianças classificadas va-
gamente como “retardadas”. Tal classificação é a mais anticientífi-
ca, uma vez que há centenas de razões diferentes para explicar por
que o desenvolvimento de uma criança pode ser retardado. Não
obstante, Maria Montessori devotou a esse grupo de crianças dra-
maticamente incompreendido, não só a sua experiência de médica
como o seu carinho de mulher e toda a sua simpatia humana.
Trabalhando com essas crianças, começou a compreender que
elas poderiam ser treinadas em níveis mais altos do que até então
se fazia, e que isso seria particularmente bom se esse treino come-
çasse antes da idade escolar.
A Dr.a Montessori decidiu, após certo tempo, que essas crianças
deveriam ser motivadas através de todos os seus sentidos e come-
çou a ensiná-las por meio de recursos visuais, auditivos e tácteis.
Os resultados foram tão satisfatórios que algumas de suas crianças
“retardadas” passaram a progredir tanto quanto algumas crianças
normais.
Como consequência, a Dr.a Montessori concluiu que as crianças
normais não estavam progredindo de acordo com suas possibilida-
des e que deveriam ter oportunidade para tal.
As escolas Montessori funcionam há anos na Europa, tanto para
crianças subnormais, como também para crianças

52
normais. Agora há escolas Montessori nos Estados Unidos, empe-
nhadas em ajudar crianças em idade pré-escolar a desenvolver
plenamente a sua potencialidade. As crianças seguem um progra-
ma amplo aos 3 anos de idade, e geralmente, o resultado é que a
maioria delas está lendo palavras aos quatro anos.
A mais antiga escola Montessori dos Estados Unidos é a Whiby
School, em Greenwich, Connecticut. Uma visita a esse estabeleci-
mento mostra-nos um grupo de crianças felizes, alegres e ajusta-
das, aprendendo a ler e a realizar tarefas que até agora eram con-
sideradas adiantadas demais para os pré-escolares.

Um ano depois que o programa de leitura foi introduzido nos


nossos Institutos, havia neles 231 crianças com lesão cerebral
aprendendo a ler. Dentre essas, 143 tinham menos de seis anos de
idade. As restantes com 6 anos ou mais não sabiam ler antes do
início do programa.
Estas crianças, que apresentavam tanto problemas físicos como
de linguagem, visitavam-nos de sessenta em sessenta dias. Por
ocasião de cada visita, seu desenvolvimento neurológico era testa-
do (inclusive sua capacidade para a leitura). Os pais eram então
orientados quanto ao estágio seguinte, como vem descrito mais
adiante neste livro e mandados para casa a fim de continuarem o
programa de fisioterapia bem como de ensino de leitura.
Quando essas crianças com lesão cerebral cumpriam o progra-
ma por períodos variáveis de uma visita (60 dias) a cinco visitas
(10 meses), cada uma, individualmente, sabia ler alguma coisa,
desde as letras do alfabeto até um livro inteiro. Muitas crianças
com lesão cerebral desse grupo, aos 3 anos podiam ler frases e
livros com perfeita compreensão.
Como já foi dito, todo o relato anterior não prova que as crian-
ças com lesão cerebral sejam superiores às crianças

53
normais, mas, simplesmente, que estas últimas não têm progredido
tanto quanto poderiam e deveriam fazê-lo.
Os exemplos citados não incluem as centenas de problemas de
leitura encontrados na nossa organização por crianças que não
sofrem de lesão cerebral, mas que têm fracassado na escola porque
não conseguem aprender a ler. Tampouco, estão incluídos os gru-
pos de crianças normais de dois e três anos de idade a quem os
pais estão ensinando a ler sob a nossa orientação.
Na Universidade de Yale, como vimos, o Dr. Moore está ensinan-
do crianças pequeninas a ler.
As escolas Montessori e os Institutos de Filadélfia também.
É bem possível que outros grupos, desconhecidos do autor, este-
jam também ensinando propositadamente crianças bem pequenas
a ler, usando sistemas próprios.
Uma das intenções deste livro é a de descobrir o que outros gru-
pos estão fazendo nesse campo tão importante.

Virtualmente, em todas as partes dos Estados Unidos, crianças


pequenas estão aprendendo a ler, mesmo sem a orientação dos
pais. Em consequência disso, teremos que tomar algumas decisões.
O primeiro passo será saber se queremos ou não que crianças de 2
a 3 anos de idade aprendam a ler.
Se decidirmos que não, há no mínimo duas coisas a fazer:

1. Livrar-nos dos aparelhos de televisão, ou, pelo menos, proi-


bir que palavras sejam neles apresentadas.
2. Tomar cuidado para nunca lermos cabeçalhos de jornais ou
nomes de produtos para as crianças.

54
Agora, se por outro lado não quisermos ter toda essa preocupa-
ção, poderemos seguir o caminho mais fácil e deixar que elas lei-
am.
Se assim o decidirmos, devemos então nos preocupar com o que
deverão ler.
Acreditamos que o melhor meio é ensiná-las a ler em casa com
a ajuda dos pais e não através da televisão. É fácil e os pais diver-
tem-se quase tanto quanto as crianças.
Se as crianças pequeninas estão ou não aprendendo a ler já não
constitui uma teoria que se possa discutir. Trata-se de um fato. Só
nos resta indagar o que iremos fazer a esse respeito.

55
5

crianças pequeninas
devem aprender a ler?
"Então você não sabe que o começo de cada
tarefa é o que há de mais importante, princi-
palmente para os que são jovens e tenros? Pois
é este o melhor momento para moldar-lhes o
caráter, imprimindo neles aquilo que deseja-
mos”.
— PLATÃO

HERBERT SPENCER disse que o cérebro precisa de alimento tanto


quanto o estômago. A educação deve começar do berço, mas dentro
de uma atmosfera cativante. O homem, para o qual o conhecimento
chega de um modo desagradável, através de ameaças e castigos,
provavelmente não se tornará um bom estudante no futuro, enquan-
to aqueles para os quais o conhecimento chega de forma natural, no
tempo próprio, estarão mais propensos a continuar pela vida afora a
auto-educação iniciada na infância.
Temos já discutido casos de várias crianças ensinadas com êxito
pelas mães e que depois se desenvolveram magnificamente; elas,
porém, não constituem exemplos na literatura profissional.

56
Vamos, agora, examinar os resultados do caso de Marta, rela-
tado por Terman anos após.
Na época em que Marta tinha 12 anos e 8 meses, estava dois
anos mais adiantada que as crianças de sua idade, cursando,
então, a última metade do nono ano escolar. Terman nos conta:
“No 1.° semestre ela era a única aluna de uma classe de qua-
renta alunos, indicada para fazer parte do quadro de honra da
escola secundária. Nos anos subsequentes, de 1927 e 1928, a
primeira pergunta que o inspetor-geral fez ao professor de Marta,
foi em relação à matéria em que e!a se sobressaía mais. A respos-
ta foi: ‘Marta lê maravilhosamente’. Em palestra com o inspetor,
Marta disse que gostaria de ler cinco livros por dia, se não tivesse
que ir à escola. Ela admitiu, também, com simplicidade e sem
presunção, que podia ler muito depressa e que lera numa semana
os treze volumes de Markham da coleção dos Verdadeiros Roman-
ces Americanos. Seu pai, duvidando que ela pudesse ler e ainda
assimilar esses livros tão rapidamente, fez-lhe perguntas sobre o
assunto lido. Marta conseguiu responder satisfatoriamente a to-
das.”
Terman conclui que nada indica que Marta tenha sido prejudi-
cada por ter aprendido a ler quando era pouco mais que um bebê,
como também é muito provável que suas altas aptidões fossem
devidas, em parte, no mínimo, à sua precoce alfabetização.
Seus vários testes acusaram um Q.I., em média, superior a 140
e ela era forte e viva. Não tivera nenhum problema na sua adap-
tação social, a despeito mesmo de seus colegas serem dois ou três
anos mais velhos do que ela. Um Q.I. 140 colocava Marta na ca-
tegoria dos gênios. Nossas pesquisas indicam que grande número
de adultos superiores e gênios aprenderam a ler muito antes de
irem para a escola. Sempre se alegou que essas pessoas aprendi-
am a ler com tão pouca idade porque possuíam um quociente

57
intelectual superior. Esta é uma premissa científica perfeita e nós
sempre a aceitamos.
Entretanto, à luz dos exemplos citados, em que pais decidiram
ensinar seus filhinhos a ler muito antes de ser possível à criança
fazer um teste válido de sua inteligência, e portanto, antes que
houvesse alguma razão para considerá-la superior, devemos, agora,
levantar novas perguntas.
Não teria sido pelo fato de essas crianças aprenderem a ler tão
cedo, que elas se tornaram superiores?
A existência de tantas pessoas superiores, inclusive de gênios,
que aprenderam a ler antes de irem para a escola, pode sustentar
igualmente bem ambas as hipóteses.
Há, entretanto, maior evidência quanto à segunda premissa do
que quanto à primeira, e aquela é também uma suposição perfei-
tamente válida do ponto de vista científico.
A hipótese de que muitas pessoas altamente inteligentes apren-
deram a ler muito cedo porque são gênios, apoia-se essencialmente
numa base hereditária e pressupõe que tais pessoas são superiores
porque foram hereditariamente dotadas com essa potencialidade.
Não discutiremos o fato de que há diferenças hereditárias entre
as pessoas, nem nos interessa abordar a secular discussão em
torno da influência do meio ambiente comparado à da hereditarie-
dade, uma vez que não diz diretamente respeito à finalidade pri-
mordial deste livro.
Contudo, não podemos fechar nossos olhos à notável evidência
que apoia a possibilidade do ensino precoce da leitura exercer
grande influência sobre o comportamento futuro.
a) Muitas crianças que revelaram inteligência superior, aprende-
ram a ler antes de qualquer comprovação de que fossem excepcio-
nais. Na verdade, alguns pais, antes de o filho nascer, decidiram
fazer dele uma criança superior, ensinando-o a ler quando ainda
bem pequeno e assim o fizeram.

58
b) Em muitos dos casos registrados, houve lares onde uma cri-
ança, tendo aprendido a ler cedo, mostrou-se mais tarde superior,
enquanto seus irmãos, na mesma família, com os mesmos pais,
não tiveram esse ensinamento precoce e não se tornaram crian-
ças superiores.
Em alguns dos casos, a criança ensinada era o primeiro filho.
Em outras famílias, por vários motivos, a criança que aprendera a
ler cedo não era o primeiro filho.
c) No caso de Tomás Lunski (e há outros casos semelhantes ao
seu), não havia, com certeza, nada que indicasse que ele tivesse
qualquer talento hereditário especial. Os pais de Tomás tinham
menos que a instrução ginasial e não eram de forma alguma do-
tados de uma inteligência fora do comum. Os irmãos de Tomás
são crianças de inteligência média normal. Acima de tudo, é pre-
ciso lembrar que Tomás fora uma criança portadora de grave le-
são cerebral e, aos dois anos de idade, haviam recomendado que
a internassem num asilo para o resto da vida, como um “retarda-
do irrecuperável”. Não há dúvida, entretanto, que hoje em dia
Tomás é uma criança extraordinária, que lê e compreende pelo
menos tão bem o que lê quanto uma criança normal com duas
vezes a sua idade.

Seria justo, científico ou mesmo racional, considerarmos To-


más uma criança “bem dotada”?
Thomas Edison disse que o gênio é 10% inspiração e 90%
transpiração. (É interessante observar que o menino Thomas Edi-
son fora considerado uma criança “retardada”).

Já discutimos com algum detalhe as seis funções neurológicas


que pertencem exclusivamente aos seres humanos. Salientamos
que três dessas funções são receptivas enquanto as outras três
são expressivas.
Parece óbvio que a inteligência do homem é limitada pelo co-
nhecimento do mundo que ele adquire através dos sentidos

59
receptivos. A mais alta dessas capacidades receptivas é a aptidão
para a leitura.
É igualmente óbvio que se todas as três capacidades receptivas
fossem totalmente excluídas, o homem seria mais um vegetal do
que um ser humano.
A inteligência do homem, então, é limitada pela soma das três
características especificamente humanas: a de ver e de ouvir, de
modo a culminar na capacidade de ler e compreender a linguagem
falada; e uma especial capacidade táctil, que o torna capaz, se ne-
cessário, de ler a linguagem pelo tato.
Destrua essas três capacidades receptivas e você destruirá aqui-
lo que torna o homem diferente dos outros animais.
Limite essas três capacidades e você limitará a inteligência hu-
mana.
A não ser que uma delas seja altamente válida, nós teremos um
ser humano cuja inteligência será baixa.
Se uma for maior que as outras, a pessoa a desenvolverá ao má-
ximo, desde que, em cada oportunidade dada se torne possível a
essa pessoa adquirir conhecimentos através dessa única habilida-
de.
Ninguém pode se sobrepor à sua mais alta capacidade receptiva
somada à oportunidade que lhe é dada para usá-la ou vice-versa.
Por outro lado, se essas três capacidades no ser humano forem
inferiores, então ele agirá num nível inferior e até mesmo sub-
humano.
Se pudéssemos imaginar uma situação na qual o homem subi-
tamente perdesse sua aptidão para ler e ouvir uma linguagem, se-
ria necessário ensinar à nova geração um outro meio de comunica-
ção.
É óbvio que escolheríamos o sentido do tacto para nos comuni-
car, como fez a primeira professora de Helen Keller, uma vez que
sua aluna, por causa da cegueira e da surdez, não podia falar, ler
ou escrever. Se a capacidade de Helen Keller para receber a lingua-
gem através do tacto tivesse

60
sido inferior, ela teria vivido num nível animal. Se o seu sentido do
tacto fosse nulo, como eram sua visão e audição, ela teria vivido
num nível de vida vegetativa.
Quando essas capacidades evoluem no homem, sua capacidade
de ação também evolui.
Certamente, a criança portadora de séria lesão cerebral, que a-
prende a ler numa idade muito precoce, demonstra uma capacida-
de bem maior que as crianças de cérebro lesado que não tiveram
tal oportunidade. Quanto às crianças sadias, cujos casos mencio-
namos aqui, e muitas outras, demonstraram agir num nível bem
mais elevado que as crianças nas mesmas condições, mas que não
tiveram essa oportunidade.
Talvez seja verdade que existem alguns adultos “idiotas” que
compreendem a linguagem de um modo limitado, mas não há gê-
nios que não possam entender a linguagem — pelo menos dentro
de nossa cultura.
Certamente devemos ter em mente que a inteligência só pode
ser relacionada com o meio cultural do qual participa. Um aborí-
gine adulto normal vindo da Austrália para a cidade de Nova Ior-
que, se fosse submetido a um teste comum de inteligência seria
considerado um “idiota” dentro dos nossos padrões.
Por outro lado, um adulto americano levado para uma tribo de
aborígines da Austrália, ficaria quase indefeso naquele meio cultu-
ral e, provavelmente, nem mesmo sobreviveria, a não ser que fosse
tratado pelos aborígines tal e qual tratamos os nossos “idiotas”,
obviamente, o “idiota” americano não seria capaz de conseguir
alimento com um bumerangue, de apanhar lagartos vivos e comê-
los crus, de encontrar água, e, particularmente, de entender o que
lhe dissessem — pelo menos por um certo tempo.
A linguagem é o mais importante instrumento acessível ao ho-
mem. Ele não pode ter um pensamento tão complexo que a lingua-
gem não consiga formular.

6l
Se precisar de palavras adicionais, deve inventá-las para usar
como instrumentos de pensamento e comunicação para a nova
ideia.
Isto é facilmente observável em nossa sociedade tecnológica, on-
de milhares de palavras devem ser criadas em cada década para
descrever os novos inventos do homem. Durante a II Grande Guerra
Mundial, a 5.a Força Aérea treinou um grande número de índios
americanos em radiotécnica e mandou-os para unidades no Pacífi-
co. Uma vez que poucos ou mesmo nenhum japonês sabia falar
“choclaw” ou “sioux”, era de se esperar que pudesse ser economiza-
do um tempo valioso já que as mensagens não precisariam ser fei-
tas em código. Não adiantou. Simplesmente não havia palavras nas
línguas dos índios para descrever um caça-bombardeiro, um avião
de transporte, um porta-aviões, um injetor de combustível ou ou-
tros incontáveis termos da Força Aérea.

Virtualmente, todos os testes de inteligência aplicados nos seres


humanos dependem da capacidade de compreender uma informa-
ção escrita (lendo) ou da capacidade de compreender uma informa-
ção oral. Em nossa civilização, assim tem sido convencionado.
Se a capacidade de leitura for reduzida ou inexistente, não há
dúvida que a capacidade de exprimir a inteligência também será
diminuída.
Entre todos os povos da Terra que não possuem uma linguagem
escrita, ou que possuem uma linguagem escrita pouco refinada,
não só é verdade que tais tribos são carentes de educação, como
também que demonstram inteligência e criatividade inferiores.
Os bebês esquimós são costurados dentro do saco de pele nas
costas da mãe e têm, assim, completamente vetada toda a oportu-
nidade de arrastar-se ou engatinhar até os três anos. Isso se torna
altamente interessante, quando

62
consideramos que o desenvolvimento cultural do esquimó tem
permanecido virtualmente imutável pelo menos nos três mil anos
passíveis de registro. O esquimó não tem nenhuma linguagem es-
crita. A língua falada pelos esquimós é muito rudimentar. Embora
seja óbvio que a falta de material para a leitura ou a falta de capa-
cidade para ler resultem inevitavelmente em falta de instrução, é
infinitamente mais importante o fato de que isso também resulta
numa inteligência inferior.
É uma pergunta puramente acadêmica a que indaga se os abo-
rígines australianos não leem porque lhes falta inteligência, ou se
eles não têm inteligência porque não leem.
A falta de leitura e a falta de inteligência andam de mãos dadas,
tanto entre os indivíduos como entre as nações.
A recíproca também é verdadeira.
A aptidão linguística é um instrumento vital. Não podemos nos
imaginar desenvolvendo conversação ou descrevendo um pensa-
mento complicado na língua de uma tribo amazônica, ainda mes-
mo que falássemos correntemente essa língua.
A capacidade de manifestar inteligência está, portanto, relacio-
nada com o domínio da língua que falamos no momento.
Não há nenhum teste de Q.I. verdadeiramente válido para cri-
anças de menos de 2 anos e meio. Podemos começar por aplicar o
teste de Stanford-Binet numa criança de 2 anos e meio e encon-
trar resultados cuja validade seja comprovada mais tarde. Todavi-
a, à proporção que a capacidade de linguagem cresce, os testes
aplicados tornam-se mais válidos, e, mais tarde, testes como o de
Wechsler-Bellevue poderão ser usados.
Naturalmente, a competência linguística exigida de uma crian-
ça, no teste de Q.I., é cada ano maior. No entanto, é evidente que
se a competência verbal de uma criança é

63
mais avançada que a de outras da mesma idade, ela será testada e
considerada como mais inteligente que as outras.
Tomás Lunski foi classificado como um “idiota” irrecuperável aos
dois anos, principalmente porque não podia falar (e assim expressar
sua inteligência), no entanto foi considerado uma criança superior
aos cinco, porque sabia ler perfeitamente.
É absolutamente claro que a capacidade de leitura, e em idade
precoce, tem muita relação com o grau de inteligência. No fim de
tudo, pouco importa se a capacidade para exprimir a inteligência é
um teste válido de inteligência por si mesmo — ela é o teste pelo
qual a inteligência é julgada.
Quanto mais cedo a criança ler, mais chances ela terá de ler e
muito melhor lerá.
Por conseguinte, seguem-se aqui algumas razões pelas quais as
crianças devem aprender a ler quando ainda são bem pequeninas.

a. A hiperatividade de uma criança de 2 e 3 anos é de fato o


resultado de uma ilimitada sede de conhecimentos. Se lhe é dada
uma oportunidade de saciar essa sede, pelo menos por certo tempo,
ela será menos hiperativa, será mais facilmente protegida contra o
perigo e mais capaz de aprender quando tiver que locomover-se e
conhecer o mundo que a cerca e a si mesma.
b. A capacidade de a criança obter informações aos dois e três
anos de idade é inigualável.
c. É infinitamente mais fácil ensinar uma criança dessa idade
a ler do que em qualquer outra época.
d. Crianças alfabetizadas em idade precoce, absorvem muito
mais conhecimentos do que as crianças cujas tentativas de apren-
der nessa idade foram frustradas.
e. As crianças que aprendem a ler enquanto pequeninas, ten-
dem a compreender melhor que as que não tiveram

64
tal aprendizado. É interessante ouvir uma criança de 3 anos que lê
com inflexão e expressão, em contraste com outra de 7, que lê
palavra por palavra e sem entender a frase como um todo.
f. Crianças que aprendem a ler quando muito novas tendem a
ler mais rápida e compreensivamente que as que não começam
cedo. Isso se explica pelo fato de as crianças mais novas se ame-
drontarem muito menos com a leitura e não a considerarem como
“algo” cheio de abstrações assustadoras. Elas julgam a leitura
apenas como uma coisa fascinante dentro de um mundo cheio de
coisas atraentes para se aprender. Elas não se “prendem” aos de-
talhes, mas se entregam à leitura num sentido totalmente funcio-
nal. Estão muito certas, agindo assim.
g. Finalmente, resta uma razão tão importante como as acima
mencionadas — as crianças adoram aprender a ler quando têm
ainda pouquíssima idade.

65
6
quem tem problemas,
as que leem ou as que
não leem?
"Muitas dessas crianças são, geralmente,
classificadas como bem dotadas, mas sabemos
de fontes fidedignas que todos esses leitores
precoces receberam grande estimulo prévio.
Consequentemente, rotular uma criança como
bem dotada, de modo algum dispensa a neces-
sidade desse estimulo... se quisermos que ela
aprenda."

— William Fowler, Aprendizado Cognitivo na


Primeira Infância e Idade Subsequente.

SENTIMOS uma forte tentação de intitular este capítulo de “Algo


Terrível Está por Acontecer”, uma vez que seu propósito é revelar as
sinistras predições concernentes ao que acontecerá com as crianças
que aprendem a ler muito cedo. Também fomos tentados a dar a
este capítulo o título de “Ninguém dá Ouvidos às Mães”, o que cons-
titui pelo menos parte da razão pela qual surgem tantas lendas a
respeito de crianças.
Existe uma lenda amplamente divulgada por aí, segundo a qual
somente especialistas nisto ou naquilo compreendem as crianças.
Entre os inúmeros especialistas que

66
lidam com crianças há muitos que insistem em afirmar que mães:
a. — não entendem muito de crianças
b. — são observadoras totalmente imprecisas de seus próprios
filhos
c. — dizem terríveis mentiras sobre suas habilidades.

Nossa experiência diz que nada poderia estar mais longe da ver-
dade.
Embora tenhamos encontrado mães que contam histórias fan-
tásticas e inverídicas sobre seus filhos e que não os compreendem,
achamos que elas são mesmo muito raras. Ao invés disso, temos
encontrado mães que são observadoras profundas, cuidadosas de
seus próprios filhos e dotadas, além disso, de um realismo total-
mente inflexível.
O mal é que quase ninguém dá ouvidos às mães.
Nos nossos Institutos examinamos, por ano, mais de mil crian-
ças com lesão cerebral. Não há nada que as mães mais temam do
que ter um filho assim. E se suspeitam disso, desejam descobri-lo
imediatamente, a fim de que possam agir como devem, o mais de-
pressa possível.
Em cerca de novecentos, dos mil casos observados nos Institu-
tos, foi a mãe quem primeiro concluiu que algo estava errado com o
seu bebê. Na maioria dos casos, foi difícil para a mãe convencer
alguém — inclusive o médico da família e outros profissionais, de
que alguma coisa estava errada e que algo deveria ser feito imedia-
tamente. Não importa quanto insistam todos, nem por quanto tem-
po o façam, para dissuadi-la da ideia. Ela persistirá até que a situ-
ação seja reconhecida. Às vezes leva anos para que sua opinião
prevaleça sobre a dos demais. Quanto mais ama o seu bebê, tanto
mais imparcial se torna para avaliar essa condição. Se a criança
tem um problema, ela não descansa enquanto não o tiver resolvido.

67
Na nossa instituição, aprendemos a ouvi-las. Entretanto, quan-
do lidam com crianças normais, muitos profissionais conseguem
intimidar completamente as mães. Geralmente conseguem que elas
repitam como papagaios grande parte da terminologia técnica que
ouvem e que frequentemente, nem sequer compreendem. O pior de
tudo é que eles quase conseguem abafar as reações maternas ins-
tintivas ligadas ao crescimento de seus filhos, convencendo-as de
que estão sendo traídas por seus instintos maternais.
Se essa tendência perdurar, correremos o sério risco de conven-
cer as mães a considerarem seus filhos não como crianças, mas
como embrulhinhos movidos por estranhos impulsos inconscientes
— enigmáticos e incômodos fardos recheados de singulares e as-
sustadores simbolismos que uma mãe desprevenida não teria pos-
sibilidades de compreender.
Tolice. Na experiência que temos, achamos que as mães são
sempre excelentes mães.
Em setor algum têm-se incutido mais caraminholas e temores no
espírito das mães, forçando-as a sufocar todos os seus instintos
maternais, do que na área da aprendizagem pré-escolar.
Hoje em dia, muitas mães passaram a acreditar em coisas que
supõem sejam verdades só por serem tão repetidas. Tentaremos
examinar seriamente todas essas ideias, as quais, de um modo ou
de outro, não passam de mitos.
1. O Mito: Crianças que leem muito cedo terão problemas de
estudo.
A Verdade: Em nenhuma das crianças que conhecemos pesso-
almente, nem em nenhuma das que soubemos que foram ensina-
das a ler em casa, verificamos a veracidade dessa afirmativa. Aliás,
na vasta maioria dos casos, dá-se exatamente o contrário. Muitos
dos resultados da leitura precoce já foram aqui descritos.
É difícil compreender por que há tanta surpresa quanto

68
ao fato de tão alta percentagem de crianças apresentar problemas
de leitura. Isso não é, de forma alguma espantoso. O que deve sur-
preender é que alguém aprenda a ler, começando como a maioria
começa, quando a capacidade de aprender fácil e naturalmente está
prestes a terminar.
2. O Mito: As crianças que leem muito cedo tornar-se-ão pe-
quenos gênios malcriados.
A Verdade: Ora, ora, fazedores de mitos, afinal de contas em que
ficamos? A leitura precoce produz néscios ou gênios? É de fato
surpreendente verificar quantas vezes a mesma pessoa sustenta,
ao mesmo tempo, esses dois mitos contrários. O fato é que nenhum
deles é verdadeiro. Onde vimos leitores precoces, vimos crianças
felizes e bem ajustadas, que tiveram mais com que se distrair do
que outras crianças. Não sustentamos que a leitura precoce resolva
todos os problemas que podem envolver uma criança, e supomos
que, se procurarmos bem, talvez venhamos a encontrar uma crian-
ça que aprendeu a ler muito cedo e que por outras razões também
se tornou uma criança malcriada. Nossa experiência diz que seria
mais difícil encontrar tal criança entre os leitores precoces do que
entre as que aprenderam a ler na escola. Temos certeza de que
poderíamos encontrar muitas crianças infelizes e mal-ajustadas
entre as que não sabiam ler quando entraram na escola pela pri-
meira vez. Na verdade essas são muito comuns.
3. O Mito: A criança que aprende a ler muito cedo causará
problemas no 1.° ano.
A Verdade: Isto não é inteiramente um mito, pois encerra uma
parte de verdade. Ela causará problemas a princípio. Não para si
mesma, mas para a professora. Uma vez que as escolas são feitas
para benefício da criança e não das professoras, será necessário
algum esforço destas últimas para resolver o problema. Diariamen-
te, centenas de boas professoras fazem exatamente isso com gran-
de facilidade. É a minoria delas que, não querendo se esforçar

69
nem um pouco, torna-se responsável pela divulgação dessa queixa.
Mas a professora eficiente e digna pode manejar o aluno adiantado
em leitura com apenas uma fração do tempo e esforço que gasta
para solucionar os problemas da legião de crianças que não sabem
ler. Está claro que uma professora de 1.° ano com uma classe
cheia de crianças já alfabetizadas e que gostam de ler, terá relati-
vamente poucos problemas. Esta situação também resolveria mui-
tas dificuldades mais tarde, uma vez que se gasta muito tempo, em
todos os níveis escolares, com alunos que não dominam a leitura.
É pena que a professora de 1.° ano não possa resolver todos os
seus problemas (e ela os tem às dezenas) tão facilmente quanto
poderá fazê-lo com a criança que chega ao 1.° ano já sabendo ler.
Centenas de ótimas professoras de 1.° ano resolvem este problema
muito simplesmente, dando livros para as crianças lerem sozinhas,
enquanto elas lutam para ensinar o alfabeto aos outros alunos.
Muitas professoras vão mais longe e mandam a criança já alfabeti-
zada ler alto para seus colegas. Esta, geralmente, aproveita a opor-
tunidade para demonstrar sua aptidão, e as outras crianças ficam
menos temerosas quando veem que é possível aprender a ler. Boas
professoras têm várias soluções para esse “problema”.
Que é que se pode fazer com professoras sem imaginação? Isso é
que é problema, não? Ter uma professora incompetente é um pro-
blema para todas as crianças de qualquer classe. O que pode a-
contecer, futuramente, quando uma classe do 1.° ano tem uma
professora assim é o seguinte: a criança que virá a ser a melhor
aluna no 2.° ano, será aquela que já lia antes de ingressar na esco-
la. Ela não precisará tanto do 1.° ano como as suas colegas.
Ironicamente, mesmo a escola que se opõe ao máximo a que
uma criança aprenda a ler antes de entrar para o

70
1.° ano, fica extremamente orgulhosa com uma aluna que leia per-
feitamente no 2.° ano. Um dos problemas mais fáceis de resolver
para qualquer professora sensata é o que fazer com a criança que
já sabe ler. O mais difícil, e que lhe toma mais tempo, é a criança
que ela não consegue ensinar a ler.
Mesmo que tudo isso não fosse verdade, poderia alguém afirmar
seriamente que seria melhor impedirmos que uma criança aprenda
a ler a fim de mantê-la no nível médio de seus colegas?
4. O Mito: A criança que aprende a ler muito cedo se entediará
no 1.° ano escolar.
A Verdade: Este é o medo que a maioria das mães sente e é a
pergunta mais sensata de todas. Para falarmos mais precisamente,
o que devíamos perguntar aqui era o seguinte: Não se entediará no
1.° ano escolar a criança que já aprendeu demais?
A resposta é afirmativa. Há grande chance de que ela se sinta
assim, como quase todas as outras crianças que cursam o 1.° ano.
O leitor por acaso também não viveu os mais longos dias de sua
vida quando cursava o 1.° ano? De modo geral, as escolas, hoje em
dia, estão muito melhores do que eram na época em que o leitor
deste livro ingressou numa delas. Mas pergunte a qualquer aluno
primeiranista qual o dia mais longo — se o que ele passa na escola
ou o de sábado e domingo. Será que sua resposta significa que ele
não tem desejo de aprender? De forma alguma. Mas não podemos
esperar que crianças que conversam com o desembaraço que esta-
mos habituados a ver, demonstrem grande interesse por frases
enfadonhas como esta: "Veja o automóvel. Ele é um belo automóvel
vermelho.” As crianças de 7 anos de idade que têm que ler tais
frases, não sabem apenas ver o belo automóvel vermelho, mas são
capazes de dizer a marca, o ano e o tipo do carro e, provavelmente,
também o número de cavalos

71
do motor. Se você desejar saber mais alguma coisa sobre o “belo
automóvel vermelho”, basta perguntar-lhes. Elas entendem muito
mais de carros do que você. As crianças continuarão a entediar-se
na escola enquanto não lhes dermos matéria de estudo que lhes
desperte o interesse.
Pretender que a criança que sabe mais seja a mais entediada é
pretender que a criança que sabe menos seja a mais interessada e,
portanto, a menos entediada. Se as aulas não forem interessantes,
todas se entediarão. Caso contrário, só as que não forem capazes
de compreendê-las ficarão entediadas.
5. O Mito: A criança que aprende a ler cedo demais não apren-
derá fonética.
A Verdade: Isto pode ser verdade, mas a fonética não lhe fará fal-
ta.
O Dr. O. K. Moore, já mencionado aqui como um dos pioneiros
do ensino da leitura a crianças de 3 anos de idade, recusa-se a ser
envolvido no eterno e superficial debate que se trava entre os que
defendem o método “visual-fonético” de leitura e os adeptos do mé-
todo fonético. Ele acha que essa é uma luta estéril.
No momento, não existe nenhum método para ensinar crianças
pequenas a ler que possa ser chamado de “o melhor”. Não há ne-
nhum método exclusivo, assim como também não há um método
pelo qual a criança aprenda a linguagem através da audição. Você
pode perguntar a si mesmo: “Terei ensinado meu filho a ouvir pelo
método fonético, pelo ‘auditivo’, ou simplesmente o expus à lingua-
gem falada?” Você poderá também perguntar: “Como se saiu ele?”
Se aprendeu a ouvir e a falar perfeitamente a língua, talvez o seu
sistema tenha sido muito bom.
Os elementos que usamos na nossa instituição para ajudar as
crianças pequenas a ler, não contêm nenhuma espécie de magia.
Eles constituem, simplesmente, um processo claro, ordenado, or-
ganizado, destinado a ensinar

72
crianças a ler. Baseia-se no conhecimento que temos sobre o de-
senvolvimento do cérebro infantil e na experiência com grande nú-
mero de crianças normais e doentes. É apenas um meio, cujo méri-
to é produzir resultados com uma grande percentagem de crianças
pequenas.
Sim, é verdade. Seu filhinho não saberá bem fonética se você en-
siná-lo a ler ainda muito pequeno — e isso só lhe fará bem.
6. O Mito: A criança que lê cedo demais terá problemas de lei-
tura.
A Verdade: É possível, mas suas chances de vir a ter tais pro-
blemas serão muito menores do que se ela aprender a ler na época
habitual.
As crianças que sabem ler não têm problemas de leitura. As que
não sabem ler têm esses problemas.
7. O Mito: A criança que lê cedo demais não gozará a sua in-
fância.
A verdade: De todos os tabus erguidos em torno da criança e da
leitura, este é a mais rematada tolice. Contemplemos a vida por um
minuto te examinemos os fatos e não um punhado de ilusórios
contos da carochinha.
Será que a criança normal de 2 e 3 anos passa todos os minutos
do seu dia ocupada, divertindo-se ao máximo e fazendo apenas o
que mais lhe agrada? O que mais lhe agrada é estar cada minuto
possível ocupada em brincar com as pessoas que a cercam. Nada,
absolutamente nada, pode ser comparado à atenção total de sua
família, e, se dependesse de sua vontade, assim correria a sua vi-
dinha.
Mas qual a criança que na nossa sociedade, na nossa civilização
e na nossa época, pode ter uma infância assim? Há sempre peque-
nas minúcias de ordem prática que interferem. Por exemplo: quem
vai limpar a casa, lavar e passar a roupa, cozinhar, lavar a louça e
fazer compras? Na maioria dos lares que conhecemos, é a “mamãe”
quem faz essas coisas.

73
Às vezes, se “mamãe” é suficientemente inteligente e paciente, ela
encontrará um meio de fazer algumas dessas coisas com seu filhi-
nho de 2 anos, ensinando-lhe o maravilhoso brinquedo de lavar a
louça. Quando ela consegue isso, é um regalo.
Entretanto, a grande maioria das mães não tem possibilidades de
dividir todas as suas tarefas com seus filhos. Como consequência
disso tudo, crianças de 2 anos passam grande parte de seu tempo
gritando desesperadamente para que as tirem do cercado. As mães
têm que colocá-las lá, simplesmente para não vê-las eletrocutadas,
acidentadas, cortando-se ou ainda caindo da janela, enquanto ela
está ocupada em algum serviço.
É essa famosa infância que a criança deixa de gozar enquanto
aprende a ler? De fato é mais ou menos isso que praticamente ve-
mos acontecer em todos os lares que conhecemos. Se isso não ocor-
re em sua casa, e se você é uma pessoa que pode e dá atenção du-
rante quase todos os momentos do dia ao seu filhinho de 2 anos,
então achamos que há muita chance de que ele já esteja aprenden-
do a ler. Você não pode passar o dia todo, todos os dias, ensinando-
o a fazer bolinhos de massa.
Nunca encontraríamos uma só mãe, por mais ocupada que fosse,
que não fizesse um esforço para encontrar, diariamente, algum
tempo para passar com seu filho durante os primeiros anos de vida.
O problema é saber como aproveitar bem esse tempo, aliando felici-
dade e utilidade. Certamente, é verdade que não queremos perder
um só minuto em tornar nossos filhos crianças felizes, capazes e
criadoras.
Nós, que temos passado nossas vidas como membros da diretoria
de uma instituição que cuida do desenvolvimento de crianças, es-
tamos persuadidos de que não há meio mais produtivo e alegre de
as mães e seus filhos pequeninos viverem

74
alguns minutos juntos cada dia, do que tentando o aprendizado da
leitura.
A alegria que ambos experimentam, quando a criança aprende o
que significam palavras, frases e livros, não tem paralelo. Esta é
uma das grandes realizações que permitem à criança gozar verda-
deiramente a sua infância.
Retornando ao caso de Marta e seus pais, tiremos ainda certas
conclusões. No seu depoimento a respeito, o pai de Marta esclare-
ceu parte do caso correta e sucintamente quando disse: “Se a cri-
ança não ocupasse seu tempo aprendendo a ler, alguma outra ati-
vidade menos proveitosa seria objeto de sua preocupação.”
Mas a mãe de Marta, exercendo sua prerrogativa feminina, deu a
última e talvez a mais importante palavra: “Nós nos divertimos
tanto uma com a outra que não achamos falta na companhia de
ninguém; mas receio que haja nisso um pouco de egoísmo de nossa
parte."
6. O Mito: A criança que aprende a ler cedo demais “sofrerá
excessiva pressão”.
A Verdade: Se esse mito quer dizer que é possível exercer pres-
são excessiva sobre uma criança pelo fato de a ensinarmos a ler,
então isso é verdade. É também verdade que podemos exercer ex-
cessiva pressão sobre uma criança quando lhe ensinamos outra
coisa qualquer.
Pressionar uma criança por qualquer motivo é uma tolice; adver-
timos aos pais que não o façam. Agora, a pergunta que fazemos é a
seguinte: “Que tem a ver a pressão de que falamos, com o fato de
darmos à criança uma oportunidade de aprender a ler?” Se o leitor
ou a leitora decide que deverá seguir o conselho contido neste livro,
a resposta é que o método de ensinar bebês a ler nada tem a ver
com qualquer tipo de pressão. Na verdade, nós não somente acon-
selhamos os pais a não pressionarem seus filhinhos, como também
insistimos em que, a não ser que tanto os pais como a criança este-
jam interessados e com

75
boa disposição, a criança não deve nem mesmo ter permissão para
ler.
Há provavelmente um número muito maior de histórias fantásti-
cas sobre as coisas horríveis que acontecerão se você ensinar uma
criancinha a ler, mas, com toda a nossa experiência, nunca vimos
um resultado infeliz. Todas as predições funestas que temos ouvi-
do, são baseadas na falta de compreensão do processo do desenvol-
vimento cerebral, do qual a leitura faz parte.
Nesse caso, podemos reiterar um dos mais importantes pontos
que este livro procura estabelecer. Dito de maneira simples, do
ponto de vista neurológico, a leitura não é, em absoluto, assunto de
escola: é uma função do cérebro.
A leitura é uma função do cérebro, exatamente do mesmo modo
que a audição é uma função do cérebro.
Qual seria a nossa reação se, entre as matérias ensinadas numa
classe de crianças, a audição figurasse ao lado da Geografia, da
Ortografia e do Civismo?
Certamente perguntaríamos o que a audição estava fazendo ali,
classificada como matéria escolar. O ato de ouvir, diríamos, é algo
que o cérebro realiza e não pode ser confundido com assuntos en-
sinados na escola. Assim é a leitura.
Já a Ortografia é matéria especificamente escolar.
Uma criança pode ser ótima leitora e não ter, necessariamente,
boa ortografia. São duas coisas diferentes e dois processos total-
mente diversos. Ler é algo que o cérebro faz, e a Ortografia é maté-
ria que versa sobre certas regras inventadas com o fim de metodizar
a leitura e a escrita. Quando a professora ensina Ortografia, ela
transmite teorias do conjunto de conhecimentos que o homem tem
acumulado. Quando uma criança lê, seu cérebro não está preocu-
pado com detalhes da construção da palavra. O cérebro da criança
está, na realidade, interpretando pensamentos

76
expressos pelo escritor. Deixemos o leitor fazer a si mesmo duas
perguntas:
1. Poderá ele ler algumas palavras que não seja capaz de es-
crever? Claro que pode — muitas.
2. Poderá ele escrever palavras que não saiba ler? Claro que
não. O ato de ler é uma função cerebral e a Ortografia é um con-
junto de regras. Assim como podemos ler e compreender palavras
que não sabemos escrever, também podemos ler e entender pala-
vras que não sabemos pronunciar. O autor recentemente ouviu um
culto e conceituado professor da Filosofia pronunciar erradamente
uma palavra que ele vinha, obviamente, usando por muitos anos e
usando-a corretamente. Mesmo que ele tivesse estudado fonética (e
é provável que tivesse), teria, ainda assim, pronunciado errada-
mente a palavra. É que, simplesmente, a aprendera através da
leitura, como aprendemos a grande maioria das cem mil palavras
que a grosso modo formam o nosso razoável vocabulário. Quantas
dessas palavras nos ensinaram, de fato, na escola? Somente uma
pequena percentagem. Chegamos à escola com um enorme vocabu-
lário oral. Ensinam-nos a ler, no máximo, alguns milhares e a es-
crever mais umas poucas mil. As restantes dezenas de milhares
que chegamos a conhecer, aprendemos por nós mesmos, ouvindo,
lendo, e, muito raramente, procurando no dicionário.

Tudo o que citamos acima significará que achamos que a criança


pequena não deve aprender a escrever certo? Claro que não. A Or-
tografia é matéria muito adequada à escola e muito importante,
também.
Talvez um dia, no futuro, todos cheguem à conclusão de que as
crianças pequenas devem aprender a ler em casa, exatamente co-
mo em nossos dias aprendem a ouvir. Que bênção será isso para a
mãe privilegiada, para a criança feliz, para a professora sobrecar-
regada de trabalhos, que

77
poderá, então, aproveitar o tempo para transmitir aos seus alunos
o magnífico acervo de conhecimentos que o homem tem acumulado!
E que bênção também seria para nossos sistemas escolares tão mal
financiados, tão mal instalados e tão falhos de pessoal administra-
tivo!
Olhe em redor e veja quais são os problemas reais da escola.
Observe dez crianças que se sobressaem em cada classe escolar
e veja qual o fator comum predominante no grupo. É fácil — elas
são as que leem melhor.
As crianças que não leem constituem o maior problema da edu-
cação americana.

78
7
como ensinar
seu filhinho a
ler
"Nós, mães, somos os oleiros e nossos filhos,
o barro."

— WINIFRED SACKVILLE STONER, A Educação Natural.

A MAIOR parte dos regulamentos começa dizendo que, a não ser


que eles sejam seguidos ao pé da letra, não surtirão efeito.
Em contraste com essa afirmação, é quase certo dizer que não
importa o maior ou menor cuidado que você dispense a seu filhi-
nho de 2 anos, quando ele está aprendendo a ler, porque é de es-
perar que ele aprenda mais do que se você não estivesse lhe ensi-
nando nada; portanto, este é um jogo em que você sempre sairá
ganhando alguma coisa, ainda que jogue mal. Para não ganhar
nada, você teria que jogar incrivelmente mal.
Apesar disso, quanto mais inteligentemente você jogar com seu
filho o jogo do ensino da leitura, tanto mais rapidamente e melhor
ele aprenderá a ler.
Se jogar de modo correto, tanto você quanto ele divertir-se-ão
imensamente. Levará menos de meia hora por dia.

79
Façamos uma revisão nos pontos principais, para relembrarmos
o conhecimento que temos da criança, antes de falar sobre o méto-
do de ensiná-la a ler:

1. A criança, antes dos 5 anos, pode absorver uma fantástica


soma de informações.
2. A criança, antes dos 5 anos, aceita os ensinamentos com
notável rapidez.
3. Quanto mais conhecimentos uma criança recebe antes dos
5 anos, tanto mais os retém.
4. A criança, com menos de 5 anos, tem uma tremenda reser-
va de energia.
5. A criança, abaixo dos 5 anos, tem um extraordinário desejo
de aprender.
6. A criança, antes dos 5 anos, pode e quer aprender a ler.
7. A criança, abaixo dos 5 anos, aprende perfeitamente uma
língua e pode aprender quantas lhe forem apresentadas. Pode a-
prender a ler uma língua ou mais, tão rapidamente quanto entende
a linguagem falada.

EM QUE IDADE COMEÇAR

A pergunta sobre a idade em que se deve começar ensinar uma


criança a ler é realmente fascinante. Quando é que uma criança
está pronta para aprender alguma coisa?
Certa vez, uma mãe perguntou a um famoso especialista em de-
senvolvimento infantil, em que idade deveria ela começar a educar
seu filho.
“Quando nascerá seu filho?” — perguntou-lhe este último. “Oh,
ele já tem cinco anos!” — respondeu a mãe.
“Minha senhora, vá correndo para casa. A senhora perdeu os
cinco melhores anos da vida de seu filho” — disse o especialista.

80
Acima dos 2 anos de idade, a leitura vai-se tornando cada ano
mais difícil.
Se seu filho tem 5 anos, será mais fácil do que se tiver
6, com 4 anos é mais fácil ainda e com 3 muito mais ainda.
A idade de 2 anos é a melhor época para começar, se você deseja
despender uma parcela mínima de tempo e energia, ensinando-o a
ler. (Se se dispuser a ter um pouco de trabalho, pode começar aos
18 meses, ou, se for muito inteligente, pode fazê-lo aos 10 meses
de idade.)
Há dois pontos vitais para o ensino de seu filho.

a) Sua atitude e o sistema de abordagem do assunto.


b) O tamanho e a ordem do material de leitura.

1. A Atitude e o Sistema de Abordagem Adotados pelos Pais

Aprender é a maior aventura da vida. É apetecível, vital, inevitá-


vel e, acima de tudo, é o maior e mais estimulante jogo. A criança
acredita nisso e sempre acreditará — a não ser que a convençamos
do contrário.
Como jogo maravilhoso que é, a aprendizagem da leitura requer
como regra principal que, tanto os pais como o filho, dela se apro-
ximem como de um acontecimento feliz. Os pais nunca devem es-
quecer que aprender é uma recreação empolgante e não um traba-
lho. É uma recompensa e não um castigo. É um prazer e não uma
obrigação. É um privilégio e não uma negativa.
Eles devem sempre se lembrar disso e nunca fazer nada que
possa destruir essa atitude espontânea na criança.
Somente às crianças boas deveria ser dada a oportunidade de
brincar com o jogo da leitura; às mal comportadas, deveria ser
negado. Todavia, se a criança se comportar mal, de nada servirá
aos pais dizer-lhe que ela foi boazinha e jogarem somente pelo fato
de que eles, os pais, querem brincar. A criança não se deixará en-
ganar nem

81
por um instante. Sabe que se portou mal e chegará à conclusão de
que ler deve ser um castigo e não uma recompensa. Se a criança se
portar mal durante três dias seguidos, ela simplesmente não quere-
rá saber do jogo durante esse período, por mais que os pais o dese-
jem.
A segunda coisa importante é certificar-se de que o período de
tempo gasto no jogo será muito curto. Devem saber o que a criança
está pensando, um pouco antes que ela própria o saiba, e finalizar
cada sessão bem antes de a criança manifestar o desejo de parar.
Se observarem sempre esta regra, a criança suplicará aos pais
para que joguem o jogo da leitura e, assim, eles estarão alimentan-
do, ao invés de destruir, o desejo natural da criança de aprender.
Em suma, os pais devem ter sempre presentes duas coisas:

1. Aprender é a coisa mais divertida do mundo.


2. As sessões do jogo devem terminar sempre antes de a crian-
ça querer parar.

2. Material Adequado

Os materiais usados para seu filho aprender a ler são extrema-


mente simples. Estão fundamentados nos muitos anos de trabalho
de uma grande equipe de cientistas que vem estudando como o
cérebro humano cresce e funciona. São planejados com base no
perfeito reconhecimento do fato de que o ato de ler é uma função
cerebral. Confirmam as possibilidades e limitações do aparelho
visual das crianças pequenas e são idealizados para ir ao encontro
de todas as suas necessidades, tanto no campo visual — da mais
simples à mais complexa — quanto no cerebral — do funcionamen-
to ao aprendizado.
Todo o material deve ser feito em cartolina branca,

82
grossa e resistente, a fim de que possa resistir ao manuseio, que
nem sempre será cuidadoso.
Essa cartolina espessa é encontrada nas papelarias e é conheci-
da como “papel-cartão”. Pode ser comprada em folhas inteiras ou
em pedaços menores.
As palavras usadas devem ser escritas em tinta nanquim, com
penas speed-ball ou com pincel atômico — espécie de cilindro com
ponta de feltro — que também é facilmente encontrado em papela-
rias.
A palavra escrita deve ser legível, clara, e ter um estilo de letra
simples e firme.
A margem deixada à volta dos vários cartões deverá ser no mí-
nimo de 1,5 cm.
O material usado deve conter o seguinte:
1. As palavras mamãe e papai em cartões separados de 18
cm de largura por 60 de comprimento. As letras deverão ser de 12
cm por 10 cm com intervalo de 2 cm entre elas; devem ser verme-
lhas e pintadas em letras minúsculas.

mamãe

2. As dezenove palavras básicas "pessoais” (apontadas na


segunda fase, pág. 92) em cartões brancos de 15 cm de altura por
60 cm de comprimento em letras vermelhas minúsculas de 12 cm
de altura.

mão
83
3. As palavras básicas do meio ambiente da criança (na lista
da terceira fase) em cartões brancos de 9 cm em letras minúsculas
vermelhas de 6 cm de altura.

cadeira
4. O vocabulário de estruturação da frase: cartões de 9 cm de
altura com uma palavra de letras minúsculas pretas de 6 cm de
altura.

quem
5. O vocabulário da frase estruturada: cartões com frases de-
senhadas em letras minúsculas de 3 cm de altura. Esses cartões
são perfurados e colecionados num classificador. Os cartões devem,
no entanto, ser suficientemente grandes para conter o texto de cada
página.

°Eu sou eu
°Quem é você?
°

84
6. Um livro usando um vocabulário limitado impresso em letras
pretas maiúsculas e minúsculas de 7,5 mm.
7. O alfabeto em cartões quadrados de 12 cm por 12 cm com
letras maiúsculas e minúsculas pretas de 9 cm de altura.

a A
O material começa com grandes letras vermelhas minúsculas e
progressivamente muda para letras pretas minúsculas de tama-
nho normal. Isso acontece a fim de que o trajeto visual da criança
possa amadurecer e gradualmente apreciar o cartaz que está sen-
do apresentado ao seu cérebro.
As letras grandes são usadas a princípio, pelo simples fato de
que são mais fáceis de ser vistas. São vermelhas porque o verme-
lho atrai as crianças pequenas.

A PRIMEIRA ETAPA (discriminação visual)

Usamos apenas duas palavras como o primeiro passo para o en-


sino da leitura a um bebê. Somente quando a criança já aprendeu
essas duas palavras é que ela está apta a avançar para os vocabu-
lários.
Inicialmente, não a deixe ver nenhum dos cartazes, exceto o da
palavra mamãe.
Comece numa hora do dia em que a criança esteja receptiva,
descansada e de bom humor.
Use o lugar da casa que tenha o menor número possível de fato-
res de distração, tanto para o sentido auditivo, quanto para o vi-
sual; por exemplo, não deixe o rádio ligado

85
e evite outras fontes de ruído. Use um canto dc um quarto que não
tenha grande quantidade de móveis, quadros ou outros objetos
capazes de distrair a visão da criança.
Então, de modo simples, levante a palavra mamãe, fora do al-
cance da criança e diga-lhe claramente: “Isto é mamãe.”
Não dê à criança maiores descrições nem complique as coisas.
Não lhe permita olhar o cartaz por mais de dez segundos. Só então
pode brincar com ela e dar-lhe todo o seu afeto por um minuto ou
dois; depois apresente a palavra pela segunda vez. Deixe que ela
olhe dessa segunda vez por dez segundos e diga-lhe, imediatamen-
te, em voz clara: “Isto é mamãe.”
Após esse momento, brinque com ela outra vez por dois minutos.
Outra vez mostre-lhe a palavra por dez segundos e repita a mes-
ma frase.
Não pergunte a ela qual a palavra que está escrita.
A primeira sessão fica assim concluída, gastando pouco menos
de cinco minutos do seu tempo.
Repita este processo cinco vezes durante o primeiro dia, dc mes-
mo modo descrito acima. Essas sessões devem ser feitas com inter-
valo mínimo de meia hora.
O primeiro dia termina assim e você terá dado o primeiro passo
para ensinar seu filhinho a ler (você empregou, portanto, no máxi-
mo, vinte e cinco minutos).
No segundo dia, repita duas vezes tudo o que foi feito no primei-
ro.
Quando estiver pronta para começar a terceira sessão, levante o
cartaz diante da criança e diga de modo claro: “Que é isto?”
Conte até dez em silêncio, vagarosamente.
Se a criança disser: “Mamãe”, você pode, então, mostrar-se ale-
gre e fazer um estardalhaço. Diga-lhe que ela é

86
muito boazinha e muito inteligente. Diga-lhe que está muito orgu-
lhosa dela. Diga-lhe que a ama muito. É conveniente abraçá-la e
expressar-lhe fisicamente o seu amor.
Não a adule ou recompense com bolos, doces ou algo parecido.
No ritmo acelerado dessa aprendizagem, suas finanças não aguen-
tarão comprar tantas guloseimas e, sob o ponto de vista da saúde,
ela não suportará comê-las todas. Além disso, tais gulodices são
uma parca recompensa para tão importante realização, compara-
das com manifestações de amor e de respeito.
Se por acaso ela não disser “Mamãe” depois de você ter apresen-
tado a palavra e contado até dez, devagar (para você mesma), não
deve desencorajar-se. Mais importante ainda é você não demons-
trar desapontamento na voz, na atitude ou na expressão do rosto.
Não há necessidade; ria está apenas começando. Ao invés disso,
diga-lhe bem claro e em tom alegre: “É mamãe, não é?”
Continue simplesmente a ensiná-la como fez no primeiro dia,
repetindo a pergunta somente uma vez por dia, na terceira sessão.
A criança pode levar um dia para aprender a palavra mamãe ou
pode levar uma semana. Se ela não tiver aprendido no fim de uma
semana (o que é muito improvável), esconda os cartazes durante
oito dias e só então comece de novo.
São grandes as chances de que então ela aprenda rapidamente.
Quando ela tiver aprendido a palavra mamãe, você mostrar-lhe-
á a palavra mais cinco vezes no mesmo dia, perguntando-lhe, de
cada vez, o que aquilo quer dizer. Mostre grande entusiasmo toda
vez que ela acertar.
Quando você estiver segura de que ela aprendeu a palavra ma-
mãe, poderá passar para a próxima etapa.
Apresente a palavra papai do modo exato e meticuloso que usou
para ensiná-la a ler mamãe. Quando estiver certa

87
de que ela já sabe ler papai, poderá testá-la da mesma maneira
que testou a palavra mamãe.
Agora, o bebê conhece as palavras mamãe e papai. Ele não as
viu ao mesmo tempo. É importante que, até então, não tenha visto
essas duas palavras simultaneamente.
A sessão seguinte começa, como sempre, mostrando a palavra
mamãe e pedindo à criança que a identifique. Quando conseguir
que ela a reconheça, continue segurando o cartaz com a palavra
mamãe e só então levante o de papai com a outra mão. Peça à cri-
ança que a identifique também.
O jogo da leitura nesse ponto muda, embora as sessões durem
apenas cinco minutos, ou menos.
Agora a mãe (ou o pai) coloca ambas as palavras perante a crian-
ça e pede-lhe que aponte para mamãe ou papai.
Quando os pais são precisos, a criança não somente reconhece
as palavras mamãe e papai, como consegue diferençar as duas
palavras; assim, o primeiro grande passo para a aprendizagem da
leitura já está dado.
Não demore muito tempo nas palavras mamãe e papai, pois a
criança ficará entediada.
A única advertência quanto ao processo dessa aprendizagem é a
que se refere ao tédio. Nunca entedie a criança. Se agir com exces-
siva lentidão, correrá maior risco de entediá-la do que se proceder
mais rapidamente. Lembre-se de que essa criança pode estar a-
prendendo sua própria língua, nessa ocasião; portanto não a canse.
Quando ela já distingue mamãe de papai, afaste os cartazes e con-
sidere esplêndida a sua conquista. Seu filho acaba de dominar o
que há de mais difícil em todo o processo da leitura.
Alcançou, com sua ajuda, duas coisas extraordinárias:

88
1. Já treinou o seu trajeto visual e, mais importante ainda,
treinou o seu cérebro, o bastante para diferençar um símbolo escri-
to de outro.
2. Dominou uma das mais desconcertantes abstrações de que
fará uso durante toda a sua vida: poder ler palavras. Terá apenas
que dominar, no futuro, uma abstração ainda maior: as letras iso-
ladas do alfabeto.

Uma palavra sobre o alfabeto. Por que não começamos ensinan-


do o alfabeto? A resposta tem grande importância.
É princípio básico de toda aprendizagem começar com o que é
conhecido e concreto, partir daí para o novo e desconhecido, e,
finalmente, para o abstrato.
Nada poderia ser mais abstrato para o cérebro de uma criança
de 5 anos, do que a letra a. É um tributo ao grande talento infantil,
o fato de crianças chegarem a aprendê-la. É óbvio que, se a criança
de 5 anos fosse mais capaz de argumentar com lógica, teria, há
muito tempo, esclarecido essa situação para os adultos.
Se este fosse o caso, quando lhe apresentássemos a letra a, ela
perguntaria: “Por que isso é a?”
Que responderíamos?
“Bem”, diríamos, “é a porque... hum... porque, você não vê que
isso é a porque... bem, porque foi necessário inventar esse... ah...
símbolo para... hã... ser responsável pelo som a que... hã... que
também inventamos a fim de... hã..
E assim por diante.
Por fim, muitos de nós certamente diriam: “É a porque eu sou
maior que você, por isso é que isto é a!” Essa pode ser uma razão
tão boa quanto as demais que explicam por que a é a.
Felizmente nunca tivemos que explicar isso às crianças, por-
quanto embora elas não possam entender, do ponto de vista histó-
rico por que a é a, sabem perfeitamente que

89
somos maiores do que elas e essa razão lhes é mais do que sufici-
ente.
De qualquer modo, já conseguiram aprender essas vinte e seis
abstrações visuais e, o que é mais, vinte e seis abstrações auditivas
concomitantes. Isso não se converte em 52 possíveis combinações
de som e imagem, mas em 676 possíveis combinações de abstra-
ções.
Tudo isso elas aprendem, mesmo se as ensinamos, como é de
hábito, aos 5 ou 6 anos, quando já se está tornando muito mais
difícil para elas aprender.
Para o bem de todos, somos bastante esclarecidos para não ten-
tar iniciar estudantes de Direito, de Medicina ou Engenharia com
qualquer abstração pura, porque, sendo já adultos, não sobrevive-
riam a isso.
A discriminação visual que seu filho pequeno conseguiu nessa
primeira etapa é muito significativa.
Ler letras é muito difícil, uma vez que ninguém jamais comeu
um a, ou pegou um a, ou vestiu um a, ou abriu um
a. Podemos comer uma banana, pegar uma bola, vestir uma ca-
misa e abrir um livro. Enquanto as letras que formam a palavra
“bola” são abstratas, a bola, em si, não o é; e, assim, é mais fácil
aprender a palavra bola do que aprender a letra b.
Também a palavra bola é bem mais diferente da palavra nariz do
que a letra a da letra b.
Esses dois fatos tornam as palavras mais fáceis de ler que as le-
tras.
As letras do alfabeto não são unidades de leitura e escrita, do
mesmo modo que os sons isolados não são unidades de audição e
fala. As palavras são as unidades da linguagem. As letras são sim-
ples materiais de construção técnica das palavras, do mesmo modo
que o barro, a madeira e a rocha são materiais de construção de
um edifício. Mas os tijolos, as vigas, as pedras, é que constituem as
verdadeiras unidades da construção de casas.

90
Bem mais tarde, quando a criança já está lendo bem, ensina-
mos-lhe o alfabeto. Nessa época, ela será capaz de compreender
por que foi necessário o homem inventar um alfabeto e por que
precisamos das letras.

A SEGUNDA ETAPA (O vocabulário “pessoal”)

Começamos a ensinar uma criança pequenina a ler palavras,


usando seu vocabulário “pessoal”, porque ela aprende primeiro
tudo o que se refere a seu próprio corpo. É fato conhecido, há mui-
tos anos, pelos educadores, que o mundo da criança começa no
seu interior e vai gradualmente se expandindo para o exterior.
Há algum tempo atrás, um brilhante educador expressou, por
meio de algumas letras mágicas, uma teoria que foi de grande valor
para o aperfeiçoamento da instrução. Essas letras eram V.A.T. —
visual, auditivo e táctil. Salientou que as crianças aprenderiam
através da combinação da visão (V), da audição (A) e do tato (T). É
desse modo que as mães costumam sempre brincar dizendo coisas
como esta: “Este ‘porquinho’ foi ao mercado e este ficou em casa”,
erguendo o pezinho da criança e apertando-lhe os dedinhos a fim
de que ela possa vê-los (V), articulando as palavras de modo que
ela possa ouvi-las (A) c apertando-lhe os dedinhos a fim de que ela
possa senti-los (T).
De qualquer modo, começamos com palavras “referentes a ela
mesma”. São menores que as primeiras, mas ainda grandes, em
letras minúsculas e vermelhas.
Como as palavras anteriores, são introduzidas uma por vez,
conservando-se as demais escondidas.
Uma vez mais a criança deverá estar de bom humor e o meio
ambiente que a cerca o mais isento possível de fatores de distra-
ção.
O vocabulário “pessoal” contém as 19 palavras seguintes,

91
cada uma num cartão de 15 cm de altura, em letras minúsculas,
ainda vermelhas, de 12 cm de altura.

dedo mão nariz joelho


olho pé dente língua
boca braço cabelo
lábio orelha
ombro cabeça
cotovelo perna
barriga polegar

Começamos com a palavra-símbolo corporal “mão”.


Primeiramente, a mãe segura a mão da criança e diz claramente:
“Isto é mão”. Deixa-a ver a mão; diz “mão” outra vez, claramente,
enquanto lhe aperta a mãozinha.
Em seguida, levanta o cartaz com a palavra “mão” e novamente
diz “Isto é mão”.
Procede, então, da mesma maneira que procedeu ao ensinar as
palavras mamãe e papai.
Só depois de estar segura de que a criança sabe a palavra mão,
a mãe poderá passar à palavra seguinte.
Do mesmo modo que anteriormente, a criança só pode ver as pa-
lavras que já aprendeu e nenhuma outra, uma vez que a exposição
de todas a confundiria. Este último tópico é muito importante.
Dentre o material, há três palavras referentes ao corpo humano,
todas com quatro letras. A criança deve aprender essas palavras de
quatro letras antes de ver as outras. Isso evitará que ela distinga
as palavras apenas pelo comprimento, o que possivelmente ocorre-
ria. Apresente as três palavras de 4 letras e em seguida as duas de
2 e 3 letras. Depois delas, as seis de 5 letras e as cinco de 6 letras.
Finalmente, ensine-lhe a única de 8 letras — “cotovelo” — quando
ela já souber as de 7 letras — “barriga” e “polegar”. Evite apresen-
tar-lhe em seguida duas palavras que

92
comecem com a mesma letra “Cabelo” e “cabeça” começam com “c”
e, portanto, não devem ser dadas consecutivamente. Pode ocorrer
que a criança chegue à conclusão de que cabelo é cabeça porque
ambas as palavras começam por “ca” e são parecidas. As crianças
que já aprenderam o alfabeto todo são muito mais passíveis desse
erro do que as que não o conhecem. Conhecer o alfabeto causa
uma pequena confusão na mente infantil. Ao ensinar a palavra
“braço”, por exemplo, as mães podem deparar com o problema de a
criança reconhecer o seu velho conhecido b e dizer a letra b ao
invés de ler a palavra braço.
À proporção que cada palavra nova é acrescentada, todas as pa-
lavras dadas são recapituladas.
Outra vez devemos recordar a regra essencial de não entediar a
criança. Se ela se aborrecer, haverá grande possibilidade de que
você esteja indo muito devagar. Ela devia estar aprendendo mais
rapidamente e por isso incita-a a acelerar o jogo.
Se você estiver se saindo bem, a criança deverá estar assimilan-
do, em média, uma palavra nova cada dois dias. Ela pode aprender
em média uma por dia. Se você for bastante inteligente e entusi-
asmada, ela poderá aprender até mais.
Quando seu filhinho tiver aprendido as palavras “referentes a si
mesmo”, você estará pronta para dar o passo seguinte no processo
da leitura. A criança agora já venceu duas das mais difíceis etapas
da aprendizagem da leitura. Se tiver logrado êxito até esse ponto,
você encontrará dificuldade em impedi-la de ler por muito mais
tempo.
Entretanto, antes de dar o passo seguinte para ensinar seu filhi-
nho a ler, é necessário dizer alguma coisa sobre a criança de 1 ano
que está aprendendo a ler mas que ainda não fala.
Se ela começa com a idade de 1 ano ou menos, poderá não saber
falar ainda, ou falar apenas “mamãe” e mais

93
uma ou duas palavras. É perfeitamente possível aprender a ler
antes de falar. Temos visto várias crianças que podem ler muitas
palavras que não sabem ainda pronunciar.

Entre adultos é muito comum encontrarmos pessoas que sabem


ler mais facilmente uma nova língua do que entendê-la auditiva-
mente. Lembre-se que um bebê está aprendendo uma nova língua.

Vamos supor que você tenha decidido ensinar seu filhinho de 11


meses de idade a ler. ótimo, vá avante! Faça-o exatamente como
faria se fosse ensinar uma criança que já falasse. Será mais difícil,
não para a criança, mas apenas para você. O obstáculo maior, a
meu ver, é a impossibilidade de testá-la de modo com se faz com
uma criança mais velha.

E óbvio que se uma criança for incapaz de dizer “mão”, você não
poderá testá-la do mesmo modo que o faria com outra mais velha.
Quando for esse o caso, a mãe (ou o pai) terá que recorrer a outros
meios indiretos de verificação, como, por exemplo, dizer à criança:
“Onde está a palavra mão?” ou “Dê-me a palavra mão".

Se a mãe (ou o pai) dessa criança, que ainda não fala, estiver de-
sejosa de contribuir com esse esforço extra, achá-lo-á compensa-
dor. Na verdade, tal esforço para ensinar um bebê a ler não retar-
dará a sua fala; pelo contrário, todas as probabilidades serão de
apressar o processo de aprendizado da linguagem oral e de ampliar
o seu vocabulário. Lembre-se que linguagem é linguagem, quer seja
transmitida ao cérebro através dos olhos, quer seja através do ou-
vido.

Nos Institutos de Pesquisa e Aperfeiçoamento do Potencial Hu-


mano, nós adotamos a leitura como um dos meios mais importan-
tes para ensinar as crianças com lesão cerebral a falar.

94
TERCEIRA ETAPA (O vocabulário "da casa")

Quando os pais estão certos de que a criança já lê as palavras


“referentes ao seu próprio corpo”, é sinal de que podem avançar
para a terceira etapa.
Nessa fase, tanto eles quanto as crianças devem mostrar grande
alegria na expectativa do jogo da leitura. Lembre-se que você está
estruturando em seu filho o amor pelo estudo que se multiplicará
através de sua vida. Para ser mais exato, diria que você está refor-
çando o grande desejo de aprender, que não pode ser negado, mas
que corre o risco de perder-se se for canalizado de uma forma inú-
til ou errada na vida da criança. Realize, portanto, o jogo da leitu-
ra com alegria e entusiasmo.
A terceira etapa, na qual você ensina o vocabulário relativo à
“casa”, é meramente uma questão de continuar com algumas pa-
lavras novas a mais, com a diferença de que agora elas se referem
aos objetos familiares de seu meio ambiente. Essas palavras são
menores do que as anteriores. São ainda escritas com letras mi-
núsculas e vermelhas, mas, agora, com metade do tamanho das
palavras do vocabulário “referente ao corpo”. Têm 6 cm de altura
em cartazes de 9 cm de altura.
O vocabulário “da casa” consiste em palavras que designam os
objetos à sua volta, tais como: “cadeira” e “parede”.
As palavras devem ser ensinadas na proporção aproximada de
uma palavra nova por dia. É aconselhável, nesse ponto, falarmos
sobre o tempo médio que cada criança individualmente leva para
aprender a ler, ou a aprender qualquer coisa.
John Ciardi, escrevendo a 11 de maio de 1963 no Saturday Re-
view, disse que uma criança deve ser alimentada com um novo
conhecimento “na proporção determinada pela sua fome de saber”.
Isso resume satisfatoriamente o problema.

95
Não receie seguir o ritmo de aprendizagem sugerido por seu filho.
Você talvez fique atônita com a intensidade desse apetite infantil e
com a velocidade com que uma criança aprende.
O vocabulário “da casa” é dividido em vários subvocabulários. Es-
tes relacionam-se com a família, os objetos caseiros, os de seu pró-
prio uso e ações. Contêm palavras como as seguintes (mamãe e pa-
pai já foram ensinadas, mas em letras maiores):

A. Familiares

mamãe papai irmão

irmã cachorro gato


peixe ave bebê

Pode haver subtrações e acréscimos a esta lista, a fim de refletir o


quadro familiar da própria criança. Se ela não tiver um irmão, um
gato ou um peixe, estas palavras não devem ser apresentadas. Se,
por outro lado, tiver uma irmã, um cão ou uma ave, essas palavras
devem ser incluídas.
Em cartões separados, escreva os nomes próprios de cada um de-
les, tais como, digamos: Maria, Roberto e Pedrinho, assim como o
nome da criança.
Os nomes próprios que começam normalmente com letra maiús-
cula devem ser escritos com maiúsculas. Não é necessário, nem a-
conselhável, chamar a atenção da criança para a letra maiúscula.
Não fará perguntas sobre ela a não ser que conheça o alfabeto. Se ela
já souber o alfabeto e as fizer, então será necessário explicar ligeira-
mente que os nomes próprios começam com letra maiúscula.
Novamente, as palavras são ensinadas como das outras vezes,
mas à medida que cada uma é apresentada, a mãe deverá apontar
para a pessoa ou animal de que falam.

96
Nessa altura, a criança terá um vocabulário de leitura de 25 a
30 palavras e não será aconselhável rever todas as que já apren-
deu. Ela achará isso aborrecido. As crianças adoram aprender,
mas não gostam de ser testadas. O teste, invariavelmente, provoca
nos pais uma certa tensão e os filhos percebem-na imediatamente.
Isso poderá levá-los a associar tensão e desprazer com aprendiza-
gem.
Os pais devem, entretanto, fazer uma rápida recapitulação, no
máximo de 5 palavras antes de cada sessão.
Não se esqueça de elogiar de maneira carinhosa a criança, em
cada um dos sucessos alcançados.

B. Objetos (de uso familiar)

televisão

cadeira mesa porta


janela parede quarto
banheiro cozinha geladeira

Essa lista também pode sofrer acréscimos ou diminuições, de


modo a refletir o ambiente familiar da criança e os itens que indi-
cam objetos particulares da família em questão.

Aqui, outra vez, a criança é ensinada da mesma maneira que an-


teriormente, com a mãe apontando para o objeto, enquanto ela
aprende a ler a palavra. Cada palavra nova deve agora, logicamen-
te, ser ensinada no aposento onde se encontra o objeto correspon-
dente, ou na parte da casa a que se refere o cartaz. Agora continue
a alimentar a fome de conhecimentos da criança, ensinando-lhe
nomes de objetos do seu uso pessoal.

97
C. Objetos (de uso pessoal da criança)

prato colher

xícara chapéu
sapatos bola
escova calças
roupa pijamas

Como nos vocabulários anteriores, esta lista pode ser alterada, a


fim de incluir os objetos pertencentes à criança e as coisas de que
ela mais gosta, obviamente, a lista variará dependendo da sua idade
e sexo.
Ensinam-se à criança essas palavras, do mesmo modo como as
outras foram ensinadas até então. Essa lista pode variar de 10 a 50
palavras, conforme os pais e a própria criança determinarem.
A lista de palavras (que a essa altura já devem ser em número de
50) é constituída inteiramente de nomes próprios e comuns. O grupo
seguinte no vocabulário “da casa” é formado de ações e, portanto,
introduz os verbos pela primeira vez.

D. Ações

sentando engatinhando

levantando andando
correndo pulando
rindo chorando
subindo lendo

A proporção que cada palavra é ensinada, a mãe da criança ilustra


a ação, pulando, por exemplo, quando diz: “Mamãe está pulando”.
Então faz a criança pular e diz: “Joãozinho está pulando”. Em segui-
da a mãe mostra a

98
palavra e diz: “Esta palavra é ‘pulando’.” Deste modo, ela ensina
todas as palavras que indicam “ações”. A criança divertir-se-á par-
ticularmente com isso, porque a lição implica em ação, aprendiza-
gem e numa participação sua e de sua mãe (ou de seu pai).
Quando a criança já dominou o vocabulário básico “familiar”, es-
tá pronta para prosseguir.
Neste momento estará lendo mais de 50 palavras e tanto a mãe
quanto ela própria devem estar regaladas com isso. Dois pontos
devem ser frisados antes de seguirmos para a nova etapa, que é o
começo do fim, no processo da aprendizagem da leitura.
Se a mãe (ou o pai) tiver realizado essa tarefa com real prazer
(como é o ideal), e não como um dever ou obrigação (o que não se
explica), então ambos — mãe e filho — estarão se divertindo imen-
samente durante as sessões diárias.
John Ciardi, no editorial que foi mencionado anteriormente, as-
sim se pronunciou referindo-se à criança: “Se ela for amada (o que
é o mesmo que dizer: se se diverte com pais que sentem um prazer
sincero em brincar com ela)...” Essa é uma descrição soberba do
amor — brincar e aprender com uma criança — e disso os pais não
devem se esquecer enquanto ensinam seus filhos a ler.
O outro ponto que os pais devem ter em mente é que as crianças
têm grande curiosidade acerca de palavras escritas ou faladas.
Quando elas mostram interesse por uma palavra, qualquer que
seja a razão, é então aconselhável escrevê-la e acrescentá-la ao seu
vocabulário. Lerá muito rápido e facilmente qualquer palavra que
ela mesma peça para escrever.
Portanto, se uma criança pergunta: “Mamãe, o que é um rinoce-
ronte?” ou “O que é um microscópio?”, seria aconselhável respon-
der com cuidado à pergunta e então

99
escrever a palavra imediatamente, acrescentando-a assim ao seu
vocabulário de leitura.
Ela sentirá um particular orgulho e um prazer todo especial em
aprender a ler palavras que ela mesma descobriu.

A QUARTA ETAPA
(vocabulário para estruturação de frases)

É perfeitamente concebível que um chimpanzé possa condicionar


o movimento de sentar toda vez que lhe for mostrada a palavra
“sentar”. Embora isso não queira dizer que o chimpanzé seja capaz
de ler a palavra "sentar”, indica, no entanto, que ele pode ser guia-
do através da apresentação de uma configuração visual específica.
Entretanto, se esse macaco fosse mandado para uma universi-
dade por 10 anos, com treino intensivo de leitura nesse período,
jamais seria capaz de reagir corretamente a uma frase na qual as
palavras fossem combinadas de uma forma que ele nunca tivesse
visto.
Se pudéssemos apenas compreender frases que já tivéssemos
visto e conhecido anteriormente, nossa “leitura” seria muito limita-
da. Toda a expectativa, quando abrimos um livro, está em desco-
brirmos o que ele tem para nos dizer e que nunca lemos antes.
Reconhecer palavras isoladas e concluir que elas representam um
objeto ou uma ideia, é um passo básico para a aprendizagem de
leitura. Reconhecer que as palavras, quando usadas numa frase,
podem representar uma ideia mais complexa é mais um passo im-
portante e vital.
Até a quarta etapa, a criança só tem entrado em contato com pa-
lavras isoladas, e, como já dissemos, uma vez que o método ele-
mentar na aprendizagem é partir do concreto para o abstrato, nós
começamos esta etapa também com palavras isoladas. Estas pala-
vras são de grande importância, porque embora a criança não o
saiba, são elas que

100
vão compor as frases na quinta etapa. Estas mesmas frases, na
sexta etapa, formarão um livro.
A mãe, agora, vai precisar procurar o livro que usará para ensi-
nar seu filho a ler, e com o qual fará um trabalho de recapitulação
da sexta para a quarta etapa. A escolha do livro a ser usado é mui-
to importante e deve obedecer às seguintes exigências:

a. Deve ter um vocabulário máximo de 150 palavras diferentes.


b. Deve apresentar um total de 15 ou 20 palavras, no máximo,
em cada página.
c. As letras não devem ter menos que 7,5 mm de altura.
d. Os textos e as ilustrações devem ser, tanto quanto possível,
bem separados.

Agora os cartões devem ser preparados para a quarta, quinta e


sexta etapas.
A mãe separa cada página isolada do livro que escolheu e escre-
ve todas as palavras dessa página num só cartão, com letras pretas
minúsculas de 3 cm de altura. Estes serão os cartões de "frases
estruturadas” que serão usados na quinta etapa. A mãe, após fazer
isso, terá o mesmo número de cartões que o número de páginas do
livro. Todos os cartões devem ser do mesmo tamanho, ainda que
não contenham o mesmo número de palavras.
Deve então ser preparado um cartão de 9 cm de altura e tão
comprido quanto o usado para a maior palavra do texto, na quarta
etapa. As letras devem ser pretas, minúsculas e com 6 cm de altu-
ra. Só então a mãe terá o material para ser usado nas etapas se-
guintes.
Usando as páginas do livro escolhido como guia para a leitura,
ela deve tomar as palavras isoladas que aparecem na primeira pá-
gina, já agora escritas com letras de 6 cm, e ensiná-las à criança
na ordem em que aparecem. Usará

101
o mesmo método de ensino que usou para as outras palavras, até
agora. Cada uma delas é ensinada separadamente e não se deve
passar para outra palavra sem que a anterior tenha sido dominada.
Não comente o fato de essas palavras serem pretas ao invés de ver-
melhas.
É também de grande importância não tentar explicar nem definir
as palavras para a criança. Embora ela use o artigo a, de modo
correto, na linguagem oral comum, e portanto o entenda, não fará
uso dele isoladamente. Evidentemente é vital para a leitura que ela
o reconheça e o leia como uma palavra isolada, mas não é necessá-
rio que seja capaz de defini-lo. Do mesmo modo, todas as crianças
falam corretamente muito antes de conhecer as regras da gramáti-
ca. Além do mais, como você explicaria o que o artigo a significa,
até mesmo para uma criança de 10 anos? Portanto, não o defina.
Apenas esteja certa de que ela pode lê-lo.
Suponhamos que a mãe da criança tenha decidido usar um livro
cuja primeira página contém as palavras “Eu sou eu” e “Quem é
você?” Logo, cada uma dessas seis palavras deve aparecer com 6
cm de altura, em letras minúsculas pretas, em cartões de 9 cm de
altura.
A mãe inicia com a palavra "eu” e ensina-a do mesmo modo que
já ensinou anteriormente. Lembre-se de não mencionar a sua defi-
nição. Apenas ensine-a como se fosse uma palavra nova. Quando a
mãe se certificar de que o filho pode identificá-la, então a criança
estará pronta para ler a palavra “sou". A seguir, a criança aprende
a palavra "eu” (minúscula).
Uma vez certos da aprendizagem dessas 3 palavras separada-
mente, então estaremos prontos para novo e importante passo — a
leitura de palavras relacionadas umas com as outras.
A mãe da criança toma as três palavras, coloca-as lado a lado e
na ordem apropriada, no chão ou sobre a mesa.

102
Aponta para a palavra "eu” e pergunta "Que palavra é essa?”
Quando a criança responde corretamente, a mãe aponta para a se-
gunda palavra e indaga, "Que palavra é essa?” Se a criança acerta, a
mãe aponta para a terceira e, outra vez, faz a mesma pergunta.
Quando a criança acerta, a mãe deve fazer uma grande demonstra-
ção de alegria e entusiasmo, elogiando a capacidade do filho ao ler
essas palavras.
Daí, continuando, diz clara e vagarosamente: "Essas três palavras
juntas dizem”: “eu sou eu”. Nesse momento, aponta para cada uma
delas.
Ler várias palavras juntas é um verdadeiro desafio para uma cri-
ança pequenina. É, portanto, muito importante que essa etapa seja
realizada tanto cuidadosa quanto alegremente. Todo e qualquer es-
forço exigido nessa hora vale a pena ser feito. Algumas crianças al-
cançam seu objetivo sem esforço e facilmente; outras têm mais difi-
culdade, mas, se você for paciente e bem expressiva em seus elogios,
a criança vencerá.
É imprescindível que a criança reconheça as palavras isoladamen-
te, antes de reconhecê-las em grupo.
Assim como é verdade que as palavras, e não as letras, são as u-
nidades básicas da língua, as frases não são as unidades básicas da
língua. As frases são a linguagem.
Não é possível entender a linguagem oral ou escrita sem compre-
ender as palavras básicas que compõem a língua, mas é possível
entender a linguagem sem definir isoladamente as letras do alfabeto
ou os sons individuais que formam as palavras. Seu filho é um es-
plêndido exemplo disso, já que, neste estágio do jogo, ele conseguiu,
com êxito, ambas as coisas.
Deve-se tomar a precaução de não ensiná-lo a ler frases sem pri-
meiro ensiná-lo a ler as palavras nas frases.
A criança está agora pronta para aprender as palavras isoladas
que aparecem na segunda frase do livro que a mãe

103
usa. Naturalmente ela não viu o livro e só o verá muito mais tarde.
Do mesmo modo que a mãe ensinou as palavras da primeira fra-
se, ensinará as da segunda.
Continua, depois, através das páginas do livro, ensinando isola-
damente cada palavra contida no texto e então apresenta juntas
todas as palavras contidas em cada página e na devida ordem, an-
tes de avançar para a próxima.
O tempo gasto para cada página variará de acordo com a crian-
ça, com a mãe e com o número de palavras de cada página. Não se
deve dar menos de uma palavra, nem mais de uma página por dia.
Se o livro contém um total de 40 palavras diferentes, muitas já
serão familiares à criança, uma vez que são palavras contidas nos
vocabulários anteriores. Portanto, no livro inteiro, há somente cer-
ca de 30 palavras novas para ela.
Não há dúvida de que, a não ser que as crianças possam ler pa-
lavras isoladas, elas não estarão lendo realmente. Certifique-se de
que seu filho as lê, como também os grupos, antes de passar para a
etapa seguinte.

A QUINTA ETAPA (frases estruturadas e sentenças)

Esta etapa é bem fácil, porque, de certo modo, já está superada.


É também muito interessante, uma vez que terminada, a criança já
terá realmente lido um livro. Será um livro pequeno, e além disso
feito por ela, mas não deixa de ser um livro.
Se o livro tem 27 páginas contendo uma palavra solta, uma frase
ou duas, haverá agora 27 cartões, cada um com a lista de palavras
que aparecem em cada página do livro. Além disso, os cartões deve-
rão ter três furos numa extremidade, a fim de que possam ser colo-
cados num classificador adquirível em qualquer papelaria.

104
A criança, a rigor, já leu cada uma dessas frases e sentenças,
com a diferença de que as leu em cartões isolados e em letras duas
vezes maiores.
Agora é que a coisa começa realmente a ser divertida. Iniciando
com o primeiro cartão, a mãe ensina através do mesmo sistema
que empregou nas etapas passadas. Deve prosseguir apresentando
um novo cartaz por dia.
Segurando o primeiro cartão, a mãe o lê vagarosamente e com
muita clareza. Pergunta, depois, o que diz o cartão, apontando
para cada palavra. Quando se certifica de que a criança realmente
leu as palavras, tanto isoladas quanto em conjunto, é preciso que
comemore festivamente o acontecimento. A mãe explica à criança
que ela já leu a primeira página de seu primeiro livro e, com a de-
vida solenidade, coloca-a no classificador.
Desse modo, o livro da criança cresce no ritmo de uma página
por dia, e, se tudo correr bem, no fim das 27 páginas, a criança
terá seu livro — feito por ela própria. Se esse ritmo for muito rápi-
do ou muito vagaroso para uma determinada criança, deverá cer-
tamente ser modificado.
A proporção que uma nova página for acrescentada, as páginas
anteriores serão relidas.
A última página deve conter um certificado para as observações
da mãe e sua assinatura, provando que nessa data e nessa idade
seu filho concluiu a leitura do seu primeiro livro.
É uma perfeita realização.
Você e seu filhinho podem sentir-se orgulhosos — você dele e ele
de você.

A SEXTA ETAPA (lendo um livro de verdade)

Nessa altura a criança já está apta a ler um verdadeiro livro. Na


realidade, ela já o fez duas vezes — uma com as palavras isoladas
nos cartões e outra com as frases completas

105
nas páginas soltas coladas em cartões. A única diferença é que as
palavras e frases do livro que ela conhece, passaram a ser escritas
em letras maiúsculas e minúsculas com a altura de 7,5 mm.
Entretanto, a diferença entre as letras de 6 cm da quarta etapa,
as letras de 3 cm da quinta etapa e as de 7,5 mm da sexta etapa,
poderá ter grande importância se a criança for muito pequena.
Lembre-se que enquanto você a ensinava a ler, estava na realidade
ajudando-a a amadurecer e melhorar o seu trajeto visual.
Caso você esteja andando mais rápido do que o processo natural
de maturação do aparelho visual da criança, terá uma indicação
clara sobre isso na quarta, quinta e sexta etapas.
Uma vez que as palavras que a criança usa nas três últimas fa-
ses são exatamente as mesmas, diferindo apenas pelo fato de que
se tornaram cada vez menores, você pode então ver bem claramente
se a criança está aprendendo mais depressa do que seu trajeto vi-
sual é capaz de acompanhar.
Como exemplo, suponhamos que uma criança complete a quarta
e a quinta etapas com grande êxito, mas tenha dificuldade para ler
as palavras iguais no livro. A solução é simples. Sabemos que ela
pode ler facilmente palavras de 3 cm. A mãe prepara, então, pala-
vras adicionais e frases simples de 3 cm de altura. Use palavras
simples, imaginativas e frases que lhe deem prazer. Depois de pas-
sar dois meses fazendo isso, volte outra vez ao livro.
Lembre-se de que se a letra fosse demasiado pequena, você tam-
bém teria dificuldade em lê-la.
Se a criança tiver 3 anos de idade na ocasião de passar para as
letras de 7,5 mm de altura do livro, você, provavelmente, não preci-
sará fazer interrupções nesse ponto. Se a criança tiver menos de 2
anos na época em que você passar para o livro, há grande probabi-
lidade de que precise

106
obter ou desenhar letras especiais de 3 cm ou 6 cm para ela. óti-
mo, tudo é leitura e já agora leitura de verdade. Ela contribuirá
mais do que tudo para o desenvolvimento do cérebro da criança.
Agora faça seu filho ler um livro de verdade para você — pala-
vras, frases, parágrafos e uma página inteira — sem fazer nenhum
esforço para esconder o prazer que isso lhe causa. Raramente, pelo
resto de sua vida, ele realizará algo mais importante do que isso.
Acredite ou não, seu filho já leu um livro, e, se você tiver come-
çado suficientemente cedo, agindo de modo compreensivo, alegre e
entusiasta, ele talvez ainda não tenha completado 3 anos de idade.

A SÉTIMA ETAPA (o alfabeto)

Você, agora, é uma professora experimentada — ensinou um be-


bê a ler — e, até a publicação deste livro, somente uma pequena
percentagem de pessoas conseguira realizar semelhante feito.
Vejamos, então, as coisas claramente: quem somos nós para lhe
explicar como é que se ensina c alfabeto a uma criança? Usando
qualquer sistema e qualquer material que você ache aconselhável,
ensine-lhe o alfabeto — tanto as letras maiúsculas, como as mi-
núsculas. Será bem mais fácil. Também é muito possível que agora
a criança já conheça parte do alfabeto ou mesmo todo, sem ter
precisado de ajuda nossa ou sua.
A criança começou o primeiro livro com um vocabulário aproxi-
mado de 50 palavras. Nesta sétima etapa, ela já deve conhecer cer-
ca de 100 palavras, ou possivelmente mais.
Agora, devem dar-se-lhe pequenas histórias infantis, procurando
escolher livros cujo assunto agrade à criança e possa ser compre-
endido por ela.

107
Há três níveis distintos de compreensão no processo da aprendi-
zagem da leitura. A proporção que a criança vai dominando cada
um deles, demonstra um grande contentamento diante de sua nova
e empolgante descoberta. A alegria que Colombo deve ter sentido ao
descobrir um novo mundo dificilmente poderia ser maior do que
aquela que a criança experimenta em cada estágio do seu aprendi-
zado.
Naturalmente, seu primeiro prazer e encantamento está na reve-
lação de que as palavras têm significado. Para a criança isso cons-
titui quase um código secreto que ela passa a partilhar com os a-
dultos. Portanto, será visível e intenso o seu prazer.
A seguir, ela observará que as palavras que lê podem ser usadas
em conjunto e que, por conseguinte, não constituem meros rótulos
para os objetos. Essa também é uma nova e maravilhosa revelação.
Sua última descoberta será, com certeza, bem evidente para os
pais. Esta — a maior de todas — é quando ela descobre que o livro
que está lendo representa mais do que o simples divertimento de
relacionar nomes secretos a objetos, e mesmo mais do que decifrar
um código de palavras encadeadas descrevendo objetos e pessoas.
Subitamente, e como que por encanto, a criança descobre o grande
segredo — aquele livro está, na realidade; falando com ela — e só
com ela.
Quando chega a essa conclusão, e isso não se dá necessariamen-
te no seu primeiro ou segundo livro, nada mais a detém. Transfor-
ma-se, assim, numa leitora, no sentido estrito da palavra. Compre-
ende, então, que as palavras que já conhece podem ser recombina-
das de várias maneiras para formar ideias inteiramente novas. Não
terá que aprender uma nova série de palavras toda vez que tiver de
ler alguma coisa.
Que estupenda descoberta! No futuro, poucas coisas poderão ser
comparadas a isso. Tem agora, sempre que quiser,

108
um adulto conversando com ela sobre novos assuntos, bastando
somente para isso que escolha um novo livro.
Todo o conhecimento humano está, agora, ao seu alcance. Não
apenas os conhecimentos das pessoas de casa e da vizinhança,
mas de pessoas distantes que nunca viu. Muito mais do que isso,
ela pode se aproximar de povos que viveram há muito tempo atrás
em outros lugares e em outras épocas.
Os seres humanos são as únicas criaturas na Terra que podem
alterar o curso da evolução. A maioria das criaturas que precede-
ram o homem na marcha da evolução, está agora extinta. Outras
representaram seus papéis e não desapareceram, mas, pelo con-
trário, imortalizaram-se como verdadeiros marcos de uma época.
Esse poder de controlar nosso próprio destino começou, como
veremos, com a nossa capacidade de ler e escrever. Pelo fato de o
homem ser capaz de ler e escrever é que lhe tem sido possível fa-
zer chegar a outros homens, séculos mais tarde, em lugares remo-
tos, o conhecimento que ele adquiriu. O conhecimento humano é
cumulativo.
O homem é essencialmente homem porque pode ler e escrever.
Essa é a verdadeira importância daquilo que seu filho descobre
quando aprende a ler. A criança pode mesmo tentar, ao seu modo,
falar de sua grande descoberta, a não ser que você, responsável
por ela, como pai ou mãe, não perceba essa intenção. Se ela lhe
falar, escute-a com respeito e amor. O que tem para lhe dizer é
muito importante.

109
8
com alegria

"Não nos conhecíamos bem até o dia em que


juntas brincamos de aprender a ler.”
— MUITAS E MUITAS MÃES.

ATRAVÉS de muitas gerações, nossos avós nos têm aconselhado a


aproveitarmos bem nossos filhos, uma vez que em breve se tornarão
adultos e de sua infância só a saudade restará. Como muitos dos
bons conselhos que passam de geração a geração, esse é raramente
levado em conta, até o dia em que percebemos que nossas crianças
cresceram. Quando isso acontece, já é tarde demais para remediar.
Se é verdade que os pais de crianças com lesão cerebral lutam
com grandes problemas (e isso tem sido constatado), é igualmente
verdade que eles gozam de certas vantagens que os pais de crianças
normais raramente têm. Talvez a maior dessas vantagens seja o con-
vívio mais íntimo com seus filhos. Pela natureza da doença em ques-
tão, podemos afirmar que tal convívio é, por vezes, angustiante, mas
nem por isso menos precioso.
Recentemente, durante um curso que estávamos dando a pais de
crianças normais sobre o tema "como ensinar o seu bebê a ler”, dis-
semos de passagem: “E outra excelente razão para ensinarem seus
bebês a ler é o fato de que com

110
o íntimo convívio que tal método exige, os senhores e senhoras
experimentarão a grande alegria que os pais de crianças com lesão
cerebral sentem quando lidam com seus filhos.”
Só muitas frases adiante foi que percebemos os olhares confusos
que a nossa observação provocara.
Não era de surpreender que pais de crianças normais ignoras-
sem que pais de crianças com lesão cerebral pudessem ter vanta-
gens e não apenas problemas. É surpreendente, entretanto, que a
maioria de nós tenhamos perdido o contato íntimo e constante com
nossos filhos, tão importante para todo o futuro da criança, e que
pode ser tão esplendidamente agradável para nós.
As pressões da nossa sociedade e da nossa civilização têm-nos
roubado esse convívio de modo tão sutil que não nos damos conta
do que o perdemos, ou talvez não nos demos conta sequer de que
ele tenha existido.
Mas ele existia e vale a pena recuperá-lo. Um dos melhores mei-
os de recuperar essa feliz convivência é ensinar seu filhinho a ler.
Agora que você sabe como fazê-lo, vamos concluir com alguns
lembretes finais — algumas advertências e alguns conselhos.
Comecemos pelas advertências:

Não entedie seu filhinho

É o pecado principal. Lembre-se de que a criança de 2 anos de


idade poderia estar aprendendo português e francês ao mesmo
tempo que o inglês em que já está tão adiantada. Portanto, não a
entedie com trivialidades e tagarelices. Há três maneiras de aborre-
cê-la. Evite-as a qualquer preço:
a. Apressar-se demais a entediará, porque se o fizer ela não
estará aprendendo como deseja aprender. (Este

111
é o modo menos provável de aborrecê-la, uma vez que poucas pes-
soas se apressam.)
b. Demasiado devagar a entediará, porque ela aprende numa
velocidade surpreendente. Muitas pessoas cometem esse erro, no
desejo de verificar positivamente se a criança identifica bem o car-
taz que lhe é apresentado.
c. Testá-la demasiadamente é o erro mais provável de se co-
meter e a entediará na certa. As crianças gostam muito de aprender
mas não gostam de ser testadas. Esta é a razão elementar pela qual
ela se emociona tanto sempre que é testada com sucesso. Dois fato-
res conduzem ao abuso de testes: primeiro, os pais sentem um na-
tural orgulho em exibir as habilidades de seu filho aos vizinhos,
primos, avós, etc. O segundo fator é o forte desejo de se certifica-
rem de que a criança lê perfeitamente cada palavra, antes de pas-
sar para nova etapa. Lembre-se de que você não está submetendo
seu filho a exames secundários, mas está lhe dando apenas uma
oportunidade de aprender a ler. Não é necessário provar ao mundo
que ele sabe ler. (Ele o provará mais tarde, por si mesmo.) Somente
você necessita estar certa do que seu filho sabe ou não, e os pais
têm uma intuição especial para sabê-lo. Confie na sua intuição e
nos indícios que ela lhe fornece. O mecanismo dessa intuição é
constituído por partes iguais de cérebro e de coração, e, quando
ambos estão em total acordo, você terá, quase invariavelmente um
bom veredicto.
Nunca esqueceremos a conversa que tivemos com um neuroci-
rurgião pediatra que estava discutindo o caso de um menino porta-
dor de grave lesão cerebral. Era um homem cujos instintos se ba-
seavam numa deliberada e quase fria evidência científica.
O paciente sobre o qual conversávamos era um menino de 15
anos, com séria lesão cerebral, paralítico e sem fala, que tinha sido
diagnosticado como idiota. O médico estava furioso. “Olhem para
este menino”, insistia. “Foi dado

112
como idiota simplesmente porque tem aparência de idiota, age
como idiota e porque o laboratório testou-o como idiota. Qualquer
um seria capaz de reconhecer que não é idiota.” Fez-se um longo
silêncio de constrangimento e como que de susto entre os residen-
tes, internos, enfermeiras e terapeutas que compunham o séquito
do neurocirurgião. Finalmente, um residente, mais corajoso que
os outros, falou: “Mas doutor, se tudo indica que este menino é
um ‘idiota’ como sabe o senhor que ele não é?”
“Meu Deus!”, exclamou o cirurgião cientista. “Olhe bem para
seus olhos, homem! Você não precisa de nenhum treino especial
para ver a inteligência refletida neles!”
Um ano mais tarde tivemos o privilégio de ver esse menino an-
dar, falar e ler para o mesmo grupo de pessoas.
Há meios precisos para os pais reconhecerem o que o filho sa-
be, fora do domínio dos testes usuais.
Se você repetir com excessiva frequência um teste pelo qual a
criança já passou, ela ficará entediada e reagirá dizendo que não
sabe ou dando outra resposta absurda. Se mostrar a uma criança
a palavra “cabelo” e perguntar-lhe muitas vezes o que quer dizer, é
possível que ela diga que é “elefante”. Quando ela reage desse
modo, é sinal que está reprovando a sua maneira de agir. Preste
atenção nela.

Não pressione seu filhinho

Não o faça ler à força. Não seja inflexível ao ensiná-lo a ler. Não
tenha medo que ele falhe. (Como poderá falhar? Se aprender três
palavras, apenas, já será melhor do que nenhuma.). Não lhe dê a
oportunidade de aprender a ler se você ou ele não estiverem dis-
postos a isso. Ensinar uma criança a ler é algo de muito positivo e
você não deve nunca torná-lo negativo. Se a criança não quiser
brincar de aprender a ler em alguma ocasião, durante o processo
de aprendizagem, ponha tudo de lado por uma

113
semana ou mais. Lembre-se que você tem tudo a ganhar e nada a
perder.

Não fique tensa

Se você não estiver relaxada, não “brinque”, tentando acobertar a


sua tensão. A criança é o instrumento mais sensível que se possa
imaginar. Ela saberá que você está tensa e isso, sutilmente, lhe
dará uma sensação de desagrado. É melhor perder um dia ou uma
semana. Nunca tente enganar a criança — não o conseguirá.

Não ensine primeiro o alfabeto

A não ser que a criança já tenha aprendido o alfabeto, não lho


ensine, até que ela tenha terminado a leitura do primeiro livro. Se o
fizer, estará contribuindo para torná-la uma leitora mais vagarosa
do que normalmente se tornaria. Sua tendência será para ler as
letras ao invés de palavras. Lembre-se que palavras e não letras são
as unidades básicas da língua. Se ela já souber o alfabeto, você,
assim mesmo, conseguirá ensiná-la a ler. As crianças são extraor-
dinariamente maleáveis.
Aqui se encerram as advertências.
Agora vejamos o que você deve fazer, uma vez que essas são as
coisas de maior importância.

Seja alegre

Dissemos, no início deste livro, que milhares de pais e cientistas


têm ensinado crianças pequenas a ler e que os resultados têm sido
esplêndidos.
Lemos sobre essas pessoas, correspondemo-nos com muitas de-
las e conversamos com algumas. Verificamos que os métodos em-
pregados por elas variam amplamente. O material didático usado
por elas varia do papel e lápis a mecanismos científicos complexos
que custam mais de um

114
terço de milhão de dólares. Entretanto, o mais significativo nisso
tudo é que cada um dos métodos que conhecemos tinha três pontos
em comum, que eram da maior importância.

a. Todo método usado para ensinar crianças pequeninas a ler


havia logrado êxito.
b. Todos eles usavam letras grandes.
c. Todos eles encareciam a necessidade absoluta do sentimen-
to e da expressão de alegria durante o processo.

Os dois primeiros pontos não nos surpreenderam de forma al-


guma, mas o terceiro deixou-nos atônitos.
É preciso lembrar que muitas das pessoas que já ensinaram be-
bês a ler não se conheceram umas às outras e, até mesmo, perten-
ceram a gerações distantes.
O fato de todas terem chegado à conclusão de que a criança deve
ser recompensada pelo seu sucesso com elogios generosos não é
uma simples coincidência. Mais cedo ou mais tarde elas teriam
chegado a essa conclusão.
O que é deveras surpreendente é que pessoas trabalhando em
1914, 1918, 1962, 1963, em épocas e lugares diferentes, tivessem
chegado à conclusão de que essa atitude deveria ser resumida nu-
ma só palavra — alegria.
O sucesso alcançado pelos pais no ensino da leitura a seus filhi-
nhos dependerá quase exatamente do grau de alegria adotada por
eles.
Fui fortemente tentado a intitular este capítulo final do livro de
“As Loiras Cabeças-de-Vento” e desse modo relatar uma breve mas
importante história.
Através dos anos, nós, na nossa organização, temos adquirido
um grande respeito pelas mães. Como a maioria das pessoas, er-
ramos fazendo generalizações, e assim, talvez por conveniência,
dividimos milhares de mães com as quais temos o privilégio de
lidar, em duas categorias. A primeira categoria compunha-se de um
grupo relativamente

115
pequeno de mães altamente intelectuais, altamente educadas, mui-
to calmas, muito caladas e, de modo geral, mas não invariavelmen-
te, inteligentes. Esse grupo nós batizamos de "as intelectuais”.
O segundo era bem maior e incluía quase todas as outras mães.
Embora fossem inteligentes, tinham menos tendência à intelectuali-
zação e eram mais entusiasmadas do que as outras. Esse grupo nós
denominamos de “as loiras cabeças-de-vento”, mais em razão do
seu entusiasmo do que propriamente da cor de seus cabelos ou do
grau de sua inteligência.
Como todas as generalizações, as acima citadas não perduraram,
mas serviram para um rápido agrupamento.
Quando, pela primeira vez, concluímos que as mães eram capa-
zes de ensinar seus bebês a ler e que isso era ótimo, comentamos
uns com os outros: “Esperemos até que as nossas mães saibam
disso”. Previmos acertadamente que todas ficariam encantadas e
que aplicariam o método com entusiasmo.
Chegamos à conclusão de que a vasta maioria de mães seria bem
sucedida no ensino da leitura aos seus filhinhos, mas imaginamos
que o pequeno grupo de intelectuais alcançaria um êxito muito
maior do que o das “loiras cabeças-de-vento”.
Quando os primeiros resultados das experiências começaram a
aparecer, concluímos que se dera quase o contrário do que havía-
mos previsto.
Todos os resultados posteriores confirmaram nossas verificações
iniciais.
Todas as mães tiveram um êxito acima de nossa primeira expec-
tativa, mas as “loiras cabeças-de-vento” colocaram-se à frente das
intelectuais, e, quanto mais “cabeça-de-vento” era a mãe, tanto
mais conseguia realizar.

116
Quando examinamos os resultados, observamos o processo, ou-
vimos cada uma das mães e refletimos sobre tudo isso durante
algum tempo, as razões tornaram-se óbvias.
Quando a mãe calada e séria pedia à criança para ler a palavra
ou a frase e a criança o fazia satisfatoriamente, a mãe intelectual
sentia-se mais inclinada a dizer: “ótimo, Maria; agora, diga-me
qual é a palavra seguinte?”
Já as mães que se aproximavam de seus filhinhos com uma ati-
tude menos intelectual, sentiam-se muito mais inclinadas a gritar:
“oba! Formidável!” quando a criança lia bem. Essas mães demons-
travam pela voz, pelo movimento e pela emoção, o contentamento
com o sucesso do filhinho.
Uma vez mais a resposta é simples. Crianças pequeninas com-
preendem, apreciam e contam com o “Oba!” muito mais do que
com palavras elogiosas friamente escolhidas. Elas querem reações
entusiastas — por isso dê-lhes o que querem. Elas merecem isso e
você também.
Há tantas coisas que nós, pais, devemos fazer por nossos filhos!
Devemos cuidar de todos os seus problemas — os grandes e ocasi-
onais e os menores e inumeráveis. Tanto as crianças quanto nós
temos direito a alguma alegria, e ensiná-las a ler é apenas isso —
alegria.
Mas se a ideia de ensinar seu filhinho a ler não o atrai, então
não o faça. Ninguém deve fazê-lo só para imitar os outros. Se pen-
sa assim, será má professora. Se quiser fazê-lo, faça-o apenas
porque tem vontade — essa é uma esplêndida razão.
Se temos que lidar com todos os problemas que nossos filhos
apresentam, devemos, então, participar também dos prazeres que
os acompanham, ao invés de transferir tais oportunidades de nos
sentirmos felizes a estranhos. Que imenso privilégio é abrir para a
criança, que ainda é quase um bebê, a porta do mundo da palavra
escrita, que lhe revelará todo o esplendor e todas as maravilhas
contidos

117
nos livros! Isto é bom demais para ser transferido para um estra-
nho. Esse jubiloso privilégio deve ser reservado à “mamãe” ou ao
“papai”.

Seja inventiva

Aprendemos há muito tempo que se dissermos às mães qual o


objetivo de qualquer projeto referente a seus filhos c explicarmos a
elas, de modo geral, como devem agir, podemos parar imediatamen-
te de nos preocupar. Os pais são extraordinariamente inventivos e,
contanto que saibam até onde devem chegar, logo descobrem me-
lhores métodos do que os que lhes foram aconselhados a usar.
Cada criança participa das características gerais de todas as ou-
tras (e entre essas, a principal é a capacidade para aprender a ler
muito cedo), mas cada qual tem a sua personalidade. Ela é um
produto da família, da vida e do lar. Por causa dessas diferenças,
há muitas brincadeiras que a mãe pode inventar e fazer, a fim de
tornar a aprendizagem da leitura mais divertida. Obedeça as re-
gras, mas vá em frente e acrescente coisas que darão certo particu-
larmente para seu filho. Não receie alterar a estrutura das regras
que foram estabelecidas aqui.

Responda a todas as perguntas da criança

Ela lhe fará mil perguntas. Responda-as com seriedade s o mais


corretamente que puder. Você lhe abriu uma grande porta quando
a ensinou a ler. Não se surpreenda com o grande número de coisas
que a interessarão. A pergunta mais comum que você ouvirá daqui
por diante será: “Que palavra é essa?” É assim que ela aprenderá a
ler todos os livros a partir de agora. Responda-lhe sempre qual é a
palavra. Se você agir assim, o seu vocabulário básico de leitura
crescerá rapidamente.

118
Dê-lhe temas de leitura interessantes

Há tantas coisas magníficas para ler, que deveria sobrar muito


pouco tempo para ser dedicado a leituras de segunda categoria.
Talvez o mais importante de tudo seja o fato de a leitura lhe dar
oportunidade de passar mais tempo em contato pessoal, íntimo e
interessante com seu filho. Aproveite bem cada oportunidade para
estar com ele. A vida tende a afastar as mães dos filhos. Eis aí uma
grande chance para reuni-los. O amor mútuo, o respeito e a admi-
ração que crescerão através desse contato valem muito mais do que
as pequenas parcelas de tempo que você gastará.
Parece-me proveitoso terminar refletindo de maneira breve sobre
como tudo isso repercutirá no futuro.
Através da História, o homem tem tido dois sonhos: o primeiro
deles, e o mais simples, tem sido o de modificar o mundo que o
cerca para melhor. Temos conseguido isso num grau fantástico. No
início do século, o homem podia viajar a uma velocidade pouco
superior a 160 km por hora. Hoje em dia é capaz de voar pelo espa-
ço a mais de 27.200 km por hora. Temos descoberto remédios mi-
lagrosos que dobrarão o período da vida humana. Aprendemos a
projetar nossas vozes e nossas imagens através do espaço por meio
do rádio e da televisão. Nossos edifícios são verdadeiros milagres de
altura, beleza, colorido e conforto. Temos modificado de maneira
extraordinária o mundo que nos cerca.
Mas que dizer do homem, propriamente? Tem vivido mais graças
aos remédios inventados. Tem crescido mais porque os transportes
que criou lhe proporcionam maior variedade de alimentos trazidos
dos mais diversos e distantes lugares.
Mas terá o homem melhorado? Existem homens de maior gênio
imaginativo que Da Vinci? Existem melhores

119
escritores que Shakespeare? Há homens com visão mais ampla e
conhecimento mais profundo que Franklin e Jefferson?
Desde tempos imemoriais os homens vêm alimentando esse se-
gundo sonho. Durante muitos séculos alguns têm ousado fazer a
pergunta: "Mas, e o próprio homem?” À medida que o mundo que
nos rodeia se torna dia a dia mais espantosamente complexo, ne-
cessitamos de uma nova geração de homens, melhores e mais sá-
bios.
Necessariamente, as pessoas têm-se tornado mais especializadas
e mais limitadas. Não há mais tempo suficiente para sabermos tu-
do. Ainda assim, devem ser encontrados os meios para enfrentar a
situação, a fim de dar a maior número de pessoas, oportunidade
para adquirir a tremenda soma de conhecimento que o homem tem
acumulado.
Não podemos solucionar esse problema apenas cursando esco-
las, indefinidamente. Quem dirigiria o mundo ou quem proveria o
sustento da família?
Na realidade, fazer o homem viver mais, de nada adiantará para
resolver esse problema particular. Mesmo que um gênio como Eins-
tein tivesse vivido cinco anos mais, teria ele contribuído muito mais
para a cultura mundial? Não é provável. A longevidade não contri-
bui para a criatividade.
Talvez já lhes tenha ocorrido a solução para esse problema. Su-
ponhamos que um maior número de crianças fosse iniciado para
receber o grande cabedal de conhecimentos acumulado pelo ho-
mem, quatro ou cinco anos mais cedo do que de costume. Imagine
o que resultaria se Einstein pudesse ter tido cinco anos extras de
vida criadora. Imagine o que aconteceria se as crianças pudessem
começar a absorver o saber e a cultura universais anos antes do
que lhes é permitido fazer agora.
Que maravilhosa raça e que futuro promissor produziríamos, se
fôssemos capazes de impedir o trágico desperdício

120
da vida das crianças, quando sua capacidade para assimilar uma
língua sob todas as suas formas, está no auge!
Certamente não se trata mais de saber se as crianças pequeni-
nas podem, ou não, ler, mas de determinar o que elas irão ler.
O verdadeiro problema, agora que o segredo foi revelado e após
tudo o que aqui foi dito, é uma nova indagação. Agora que os bebês
podem ler e assim desenvolver seu conhecimento, talvez além dos
mais audaciosos sonhos, o que farão eles com esse mundo arcaico
e quão tolerantes serão para com os velhos pais, que pelos seus
padrões podem ser considerados bons, mas não brilhantes?
Já foi dito há muitos anos e sabiamente, que a pena é mais forte
do que a espada. Penso que devemos aceitar a crença de que o sa-
ber conduz à maior compreensão e, assim, a um bem maior, en-
quanto a ignorância conduz, inevitavelmente, ao mal.
Os bebês já começaram a ler, e, por conseguinte, a melhorar
seus conhecimentos; portanto, se este livro conseguir que pelo me-
nos uma criança pequenina leia mais cedo e melhor, terá valido a
pena o nosso esforço. Quem poderá dizer o que uma criança supe-
rior significará para o mundo? Finalmente, quem irá dizer qual será
a soma total de benefícios para o homem, resultante desta grande e
tranquila onda que já se avoluma — desta suave revolução?

121
agradecimentos

NINGUÉM jamais escreveu um livro inteiramente sozinho. Por de-


trás de cada obra estende-se uma longa fila de pessoas que a tor-
naram possível. Num passado mais imediato, essas pessoas ficam
em foco, mas, à proporção que o tempo passa, a imagem dos que
colaboraram conosco se torna menos nítida, e, finalmente, se apa-
ga de lodo sob a névoa dos anos. Outras permanecem no anonima-
to, já que muita gente que contribuiu para um ideal, tem desapare-
cido sob total obscuridade.
A linha inicial de nosso trabalho, portanto, perde-se no tempo,
quase invisível, incluindo aqueles que deram até mesmo uma só
frase ou ideia para ajudar a decifrar o enigma. Devemos, finalmen-
te, incluir um punhado de mães que, guiadas pelo coração e pela
inteligência, sabiam que seus filhos poderiam realizar mais do que
o mundo os julgara capaz.
Em resumo, além dos que receberam individualmente, meu re-
conhecimento, desejo agradecer a todos aqueles que, através da
História, acreditaram com todo o ardor, que as crianças pequeni-
nas são, na verdade, bem superiores à imagem que nós adultos
delas temos traçado.
Entre esses muitos, quero agradecer a:
Dr. Temple Fay, o decano dos neurocirurgiões, que tinha uma
curiosidade monumental e uma capacidade única para indagar se
as “verdades” aceitas eram realmente verdades, e que foi quem
primeiro nos animou.

122
Mary Blacksburn, a secretária eterna, que viveu para a Clínica
das Crianças e que, pode-se dizer, morreu por ela.
Dr. Eugene Spitz, neurocirurgião e pediatra, que acredita que
“não há ato mais extremo do que ver uma criança morrer, sabendo
que ela vai morrer e nada fazer para salvá-la”. Ele sempre tentou
tudo.
Dr. Robert Doman, psiquiatra, pediatra e Diretor-Médico dos Ins-
titutos de Pesquisa e Aperfeiçoamento do Potencial Humano, que
queria que observássemos cada criança como se fosse única.
Dr. Raymundo Veras, psiquiatra brasileiro, que regressou ao seu
país para formar professores.
Dr. Carl Delacato, Diretor do Instituto de Deficientes de Leitura,
que nos manteve sempre atentos às crianças.
Dr. Edward B. Le Wirtn, Diretor do Instituto de Pesquisas, que
insistiu para que déssemos ao líquido cerebrospinal a importância
que ele merecia.
Florence Scott, R. N., que se dedicou tanto às crianças e que
conversava com elas de um modo único.
Lindley Boyer, Diretora do Centro de Reabilitação de Filadélfia,
que nunca deixou de incentivar o nosso trabalho.
Greta Erdtmann, secretária executiva, que me proporcionava o
isolamento necessário ao trabalho, sempre que eu precisava.
Betty Milliner, cujo trabalho era exaustivo.
Por trás de toda essa equipe, havia aqueles que cuidaram de nós
e nos suportaram nos dias de anonimato e de pesquisa.
Helen Clarke, Herbert Thiel, Dora Kline Valentine, Gene Brog,
Lloyd Wells, Frank McCormick, Robert Magee, Hugh Clarke, Gilbert
Clarke, Harry Valentine, Edward e Dorothy Cassard, General Ar-
thur Kemp, Hannah Cooke, Frank Cliffe, Chatham Wheat, Anthony
Flores, Trimble Brown, Thomas R. White Jr., Edward e Pat
0’Donnell, Theodore

123
Donahue, Harold McCuen, John e Mary Begley, Claude Cheek, Mar-
tin Palmer. Signe Brunnstromm, Agnes Seymour, Betty Marsh, Dr.
Walter McKinney, Juiz Summerill, George Leyrer, Raymond Schwartz,
Ralph Rosenberg, Charlotte Kornbluh, Alan Emlen, David Taylor,
Brooke Simcox, William Reimer, Emily Abell, Doris Magee, Joseph
Barnes, Norma Hoffman, Tom e Sidney Carroll, Bea Lipp, Miles e
Stuart Valentine, Morton Berman, John Gurt e muitos outros.
A Diretoria do Conselho Médico que apoiou unanimemente o nosso
trabalho. Os seguintes médicos que contribuíram para o nosso traba-
lho e lhe deram sincero apoio.
Dr. Thaine Billingsley, Dr. Charles DeLone, Dr. Paul Dunn, Dr.
David Lozow, Dr. William Ober, Dr. Robert Tentler, Dr. Myron Segai e
Dr. Richard Darnell.
Meus filhos Bruce, Janet e Douglas que, além da inspiração, de-
ram a este livro a sua contribuição material.
Robert Loomis, meu editor, que me tratou com paciência e delica-
deza.
Finalmente, minha gratidão a esses magníficos “professores” — as
crianças — que me ensinaram mais do que todos, especialmente To-
más Lunski e Walter Rice.

124

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