Você está na página 1de 2

O P AÍ S DOS P OÇ O S Feliz com a sua descoberta, procurou tirar água do seu interior,

e a água, ao sair, refrescava a terra e tornava-a fértil e logo as flores


brotavam ao seu redor.
“Era uma vez o país dos poços. Qualquer visitante estranho que
A notícia espalhou-se rapidamente e as reações foram diversas:
chegasse àquele país só conseguia ver poços: grandes, pequenos,
uns mostravam-se céticos, outros sentiam saudade de algo que, no
feios, bonitos, ricos, pobres... À volta dos poços, pouca vegetação. A
fundo, percebiam também e outros ainda desprezavam "aquele
terra estava seca!
lirismo" e achavam perda de tempo tirar água do seu interior.
Os poços falavam entre si, mas à distância e gabavam-se daquilo
Sem dúvida alguns tentaram fazer a experiência de se libertar
que tinham nas suas bocas, mas havia sempre um pedaço de terra
das coisas que enchiam a boca e acabavam por encontrar água no seu
entre eles. Na realidade, quem falava era a boca do poço e dava a
interior. A partir de então comprovaram que, por mais água que
impressão que ao falar ressoava um eco, porque na verdade a fala
tirassem do interior do poço, este não esvaziava. A seguir,
provinha de lugares ocos.
aprofundando mais para o interior, descobriram que todos os poços
Como a boca dos poços estava oca, os poços davam a sensação
estavam unidos por aquilo que lhes dava razão de ser: a água.
de vazio, de angústia e cada um procurava encher esse vazio como
Assim começou uma comunicação profunda entre eles, as
podia: com coisas, ruídos, sensações raras, livros, sabedorias... Havia
paredes dos poços deixaram de ser barreiras entre eles, já que a
poços com a boca tão larga que permitia colocar nela muitas coisas. As
comunicação passou a ser feita através da água que os unia.
coisas, com o tempo, passavam de moda: então, com as mudanças,
Mas a descoberta mais sensacional veio depois, quando os poços
chegavam continuamente coisas novas aos poços, coisas diferentes...
já viviam em profundidade: chegaram à conclusão que a água que lhes
e quem possuía muitas coisas era o mais respeitado, admirado. Mas,
dava vida não nascia em cada poço, mas sim num lugar comum a todos
no fundo, o poço nunca estava contente com o que possuía. A boca
eles. Então, resolveram seguir a corrente da água e descobriram o
estava sempre ressequida e sedenta.
manancial! O manancial estava bem longe: na montanha do país dos
Diante desta sensação tão rara, uns sentiam medo e procuravam
poços, e ninguém sabia da sua presença. Mas estava lá!
não voltar a senti-la. Outros, encontravam tantas dificuldades por
A montanha sempre esteve lá. Umas vezes apenas visível entre
causa das coisas que abarrotavam das suas bocas, que se punham a
as nuvens, outras mais radiante... Desde então, os poços que haviam
rir e logo esqueciam aquilo que se "encontrava no fundo"...
descoberto a razão do seu ser, esforçaram-se por aumentar o seu
interior e aumentar a sua profundidade, para que o manancial pudesse
Até que houve alguém que começou a olhar
chegar mais facilmente até eles. E a água que tiravam de si mesmos
mais para o fundo do poço e, entusiasmado com
tornou fértil a terra ao seu redor.
aquela sensação que experimentou no seu interior,
Mas, por muito que uns tivessem encontrado o manancial ainda
procurou ficar quieto, mas, como as coisas que
havia outros que ainda se entretinham a encher as suas bocas com
abarrotavam a sua boca o incomodavam, procurou
adereços…”
libertar-se delas. E, aos poucos, os ruídos
silenciaram, até chegar o silêncio completo. Então,
fazendo-se silêncio na boca do poço, pôde escutar-
se o barulho da água lá no fundo e sentir-se uma paz
profunda, uma paz que vinha do fundo do poço. Reflexão sobre o conto
No fundo, ele sentia-se ele mesmo. Até então
acreditava que a sua razão de ser era ter uma boca
larga, rica e embelezada, bem cheia de coisas... E assim, enquanto os  O que é que mais apreciaste neste conto?
outros poços tratavam de alargar a sua boca, para que nela coubessem  Qual o simbolismo dos elementos desta história (o poço, a boca do poço,
mais coisas, este poço, olhando para o seu interior, descobriu que a secura, as coisas que atulhavam o poço, a superfície, o fundo do poço,
aquilo que ele tinha de melhor estava bem no fundo e que, quanto o vazio, a água, a corrente interior, a montanha)?
mais profundidade tivesse mais poço seria.
 Que semelhanças encontras entre este conto e a realidade ao teu redor?
Eu, um poço?!
 Que tipo de poço sou eu?

 Que tralhas guardo por dentro?

 O que preciso de atirar fora para poder chegar ao mais fundo de mim mesmo?

 As tralhas que guardo fazem-me sentir seguro, importante, preenchido? Porquê?

 Como posso “destralhar”?

 Alguma vez senti a frescura das correntes que circulam dentro de mim?

 De que água ando à procura?

É tão bom quando sentimos que não precisamos de adereços para nos
sentirmos belos. É tão bom quando vemos que ao transbordar podemos criar
novos sorrisos. É tão bom quando vemos que estabelecemos laços com os
outros não através “da nossa boca”, mas sim através “da nossa água”.
É mesmo muito bom Viver ao jeito do Amor!

Você também pode gostar