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Século XIX)
Gisele Dias Quirino∗
Resumo: O estudo analisa as relações sociais estabelecidas pelo batismo na vila de Porto
Feliz, entre os anos de 1834 e 1860. Primeiro sacramento da Igreja Católica, o
batismo insere o batizando no mundo cristão e amplia seus laços parentais por
meio do compadrio. Ao mesmo tempo, constitui um recurso de poder importante para os
padrinhos, pois inclui os pais dos batizandos em redes clientelares. Como o compadrio não é
necessariamente uma relação entre iguais, expressa a hierarquia social, mas também pode
diminuir as distâncias dos que nele se encontram ligados. Desse modo, é necessário
compreender as estratégias de escolha dos padrinhos e suas possíveis motivações. Como
fontes primárias, utilizamos registros de batismos de livres, complementando-os com registros
matrimoniais e de óbitos. Recorremos à quantificação e à análise de trajetórias familiares. A
idéia básica é cruzar fontes para compreender redes de solidariedade entre as famílias.
Palavras-chave: Batismo; Compadrio; Solidariedade
Abstract: The study analyzes the social relations established by the baptism in the village
of Porto Feliz, between the years of 1834 and 1860. First sacrament of the Catholic Church,
the baptism inserts baptizing in the Christian world and extends its parental bows by means of
the camaraderie. At the same time, it constitutes a resource of being able important for the
godfathers, because the children is includes by the parents in the social nets. As
the camaraderie is not necessarily a relation between equal, express the social hierarchy, but it
can also minimize the distances. In this manner, it is necessary to understand the strategies of
choice of the godfathers and the possible motivations. As primary sources, we use registers of
baptisms of free people, complementing them with marriage registers and deaths. We appeal
to the quantification and the analysis of familiar trajectories. The basic idea is to cross sources
to understand nets of solidarity between the families.
Word-Key : Baptism; Camaraderie; Solidarity
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Estudante do Curso de Licenciatura em História – UFRRJ
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Registros de batismo
Para formulação deste trabalho foram analisados 4205 registros de batismo que abarcam os
anos de 1834 a 18601. Os registros de batismos se configuram como fonte de extrema
importância, pois o batismo cristão mostrou-se no âmbito da sociedade brasileira como uma
instituição forte e almejada por todos os estratos da população. O sacramento significava a
entrada do pagão no seio da Igreja Católica. Contudo, na prática cotidiana ultrapassava o
limite religioso, firmando-se como um instrumento de solidariedade.
A fórmula geral, empregada nesses registros de batismo, permite-nos ter acesso basicamente
às seguintes informações: data da celebração do sacramento, local de sua celebração, prenome
da pessoa batizada, nome dos pais, nome e sobrenome dos padrinhos com seus respectivos
estados conjugais; nome do proprietário dos pais e do cativo batizado, nome dos proprietários
dos padrinhos, quando estes eram escravos, e freguesia a que pertenciam pais e padrinhos do
batizado. Outras informações aparecem esporadicamente nos registros, derivações da
dedicação ou da falta da mesma por parte daqueles que faziam o assento. Segundo as
Constituições Primeiras2 os registros deveriam ser escritos da seguinte forma:
Aos tantos de tal mês e de tal ano batizei, ou batizou de minha licença o
Padre N. nesta, ou em tal Igreja a N. filho de N. e de sua mulher N. e lhe pus
os santos óleos: foram padrinhos N. e N. casados, viúvos ou solteiros,
fregueses de tal Igreja e moradores de tal parte. (Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia, 2007, Livro Primeiro, Titulo XX).
Segundo a autora Martha Hameister (2006) os registros de batismo são os mais completos, no
sentido de cobrirem parte variada da população livre que em outras fontes não seria possível,
pois inclui todos os setores da sociedade. Os estudos realizados com registros batismais são
relevantes, pois estabelecem ligações entre cinco atores sociais: o batizando, o pai, a mãe, o
padrinho e a madrinha.
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Livro 5 e 6 de Batismo da Vila de Porto Feliz, província de São Paulo, 1834-1860.
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No Brasil, os ritos da Igreja foram codificados no Sínodo Diocesano de 1707, a partir da adaptação das
resoluções do Concílio de Trento às condições sociais brasileiras, e publicadas nas Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia em 1720.
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O momento em que os filhos adquiriam o status de cristãos era utilizado para garantir a
extensão dos laços de parentesco por meio do apadrinhamento e do compadrio. Encontramos
no batismo uma das principais origens do parentesco fictício, embora ele não seja o único -
outras formas deste parentesco podem ser encontradas no ato do casamento, da crisma, ou
mesmo em certas festividades - mas era o mais importante na geração de laços de compadrio.
O compadrio é uma relação constituída no ritual católico com os pais biológicos e os pais
espirituais, estes ficam sendo denominados de compadre e comadre. Segundo o dicionário
Moraes e Silva (1813) a palavra compadre significa a mulher que serve de madrinha, a
respeito da mãe ou pai do afilhado, e compadre é o que serve de padrinho a um menino.
Deparamo-nos também com uma palavra pouco utilizada na historiografia, compadrado, que
significa o parentesco espiritual entre compadres.
O compadrio e o clientelismo
Os estudos sobre compadrio surgiram a partir dos anos 80, quando vigorou uma nova visão
sobre família. Antes desta data, a família - principalmente escrava - era negada na
historiografia. Na obra de Freyre (2006), observamos que o escravo está inserido numa
relação patriarcal com o senhor e o sistema escravista, esta relação impede a formação de uma
estrutura familiar. As obras da Escola Paulista Sociológica coisificam o escravo, retirando seu
papel de agente histórico, enfatizando assim uma visão opressora do sistema. Todavia, os
historiadores afirmaram a existência da formação familiar e definiram novos conceitos. Para
Manolo Florentino & Roberto Góes (1997) a formação familiar se dava como meio de
apaziguar e dominar os escravos, enquanto que para Slenes (2003) a família é definida como
um campo de batalha aonde se trava a luta entre senhor e escravo.
Os primeiros trabalhos dedicados exclusivamente ao estudo do compadrio foram estruturados
pelos autores Renato Pinto Venâncio (1986), Stephen Gudeman e Stuart Schwartz (1988).
Venâncio (1986) investigou a condição feminina através dos registros paroquiais, concluindo
que a sociedade patriarcal luso-brasileira dispunha as mulheres reclusas e por conseqüência
ocorria a substituição das madrinhas de carne e osso por entidades religiosas. A segunda obra
foi o capitulo Purgando o Pecado Original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no
século XVIII escrito por Stephen Gudeman e Stuart Schwartz (1988), estes autores dão um
duplo aspecto para o compadrio, um religioso e outro funcional.
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Sem padrinho 89 2%
Fonte: Livro 5 e 6 de Batismo da Vila de Porto Feliz, província de São Paulo, 1834-1860.
Observamos em relação a escolha dos padrinhos que havia uma preferência na formação de
novos laços parentais, encontramos 23% e 36% dos compadres e das comadres
respectivamente batizando somente um afilhado (Tabela 2). Todavia, notamos que uma
pequena quantidade de padrinhos batizou muitos afilhados, estes padrinhos de múltiplos
afilhados desfrutavam de algum prestígio social que os tornavam preferenciais,
independentemente de possuírem título ostentatório.
Tabela 2
Nº. afilhados Nº. padrinhos % Nº. afilhados Nº. madrinhas %
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Trabalho realizado no período em que fui bolsista de iniciação cientifica PIBIC/CNPq 2008-2009 sobre
orientação do professor Doutor Roberto Guedes Ferreira
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Fonte: Livro 5 e 6 de Batismo da Vila de Porto Feliz, província de São Paulo, 1834-1860.
Mais abaixo na tabela 3, observamos a existência de relação entre o título/ condição social dos
compadres e o número de afilhados. Identificamos que 15% do total de inocentes batizados
receberam padrinhos com alguma titulação. Os Alferes foram os que mais apareceram nos
registros, estes são 24 e batizaram 125, seguidos de 21 reverendos que receberam 113
afilhados. Em relação as madrinhas tituladas de donas, nos casos em que estas batizaram um
número expressivo de afilhados, constatamos que eram cônjuges do padrinho, como no caso
de Anna Vicência Teixeira que batizou 37 inocentes, sendo 34 com seu marido Jose Vaz de
Almeida.
Tabela 3
Condição/Título Padrinhos Nº afilhados
Alferes 24 125
Ajudante 1 1
Capitão 26 89
Capitão mor 1 3
Comendador 2 16
Doutor 16 46
Escravo 27 28
Forro 1 1
Major 16 66
Reverendo/vigário 21 113
Sargento mor 5 31
Tenente 13 73
Tenente Coronel 3 55
TOTAL 155 646 (15%)
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Silvia Brügger (2007) constata que em São João del Rei ocorre à formação de um grupo de
homens que sistematicamente era solicitado a apadrinhar, eles perfaziam 457 homens e
estiveram presentes em 20% dos batismos realizados, número significativo que totaliza 8.574
celebrações. Esses homens eram na maioria livres, com maior incidência dos sacerdotes que,
segundo a autora (2007), eram escolhidos por dois motivos principais: por ordem religiosa,
pois os padres eram vistos como intermediários entre Deus e os homens; e o segundo motivo,
por serem solteiros e teoricamente não possuírem herdeiros forçados, ou seja, podiam deixar
legados testamentários aos afilhados. A escolha de sacerdotes, era proibida pelas
Constituições Primeiras, como percebemos na citação abaixo:
Percebemos, por outro lado, que o prestigio social estava relacionado não ao “individuo”, mas
a família em que este fazia parte. No caso da família Vaz Almeida, encontramos Jose Vaz
Almeida, um homem sem título ostentatório que apadrinhou 34 inocentes; e o Tenente
Coronel Antonio Vaz Almeida com 37 afilhados. Ou seja, o prestígio social não está
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diretamente relacionado há uma titulação, mas ao status quo da família como um todo.
Segundo Moraes e Silva (1813) família significa as pessoas de que compõe a casa, e mais
propriamente as subordinadas aos chefes, ou pais de família.
Dentre as famílias de Porto Feliz, escolhemos analisar a Família Dias Toledo devido a
acessibilidade às fontes para construção da rede social de compradado. Analisamos duas
gerações desta família, por meio de dois casais, Ana Joaquina Campos e Jose Dias Toledo; e
Maria Joaquina Toledo e Jose Dias Toledo, por coincidência os cabeças do casal são
homônimos, contudo não sabemos qual a relação de parentesco entre ambos, ou se trata de um
segundo casamento. Nesta perspectiva, não foi possível reconhecer o grau de parentesco entre
os casais e os possíveis padrinhos.
Fonte: Livro 5 e 6 de Batismo da Vila de Porto Feliz, província de São Paulo, 1834-1860; Inventário Post-
Mortem Ana Joaquina Campos Ano1840, Pasta 253, Doc 3, foto 2338.
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Fonte:
Livro 5 e 6 de Batismo da Vila de Porto Feliz, província de São Paulo, 1834-1860
Partimos do pressuposto de que os indivíduos com sobrenome Dias Toledo faziam parte de
uma mesma família extensa. A família Dias Toledo aparece nos registros da seguinte forma:
11 integrantes como compadres apadrinhando 37 inocentes; 3 como madrinhas apadrinhando
9 inocentes; 23 com pai e 4 como mãe dos batizandos.
Apesar das restrições das fontes, percebemos a utilização nas redes sociais da estratégia de
reiteração dos laços parentais e fictícios através do compadrio. Segundo Silvia Brugguer,
“num universo em que muitos eram os parentes, reforçar os vínculos de parentesco, por
diversas vias – entre as quais o compadrio – seria, sem dúvida, um mecanismo de distinção e
privilégio” (BRÜGGUER, 2007, p.326). A escolha de padrinhos e madrinhas de dentro ou
fora da parentela constituía estratégia definida que, com certeza, visava aumentar o prestigio
das unidades familiares, bem como sua força política e/ou econômica.
Referência Bibliográfica:
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UFF, 2000. [dissertação de mestrado]
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FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação brasileira sob o regime da economia
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