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Lampião

RACHEL DE QUEIROZ
Adaptação: Alex Capelossa

LAMPIÃO (aparece, vindo do banho no açude próximo. aproxima-se da mulher).


Mª BONITA (levanta os olhos para ele) A água prestava?
LAMPIÃO Pelo menos é melhor que a do açude velho. Aquele talhava o sabão. Cadê os Frascos de
Cheiro?
Mª BONITA Estão aqui no embornal. (apanha uns dois frascos de perfume)
LAMPIÃO (destampa o vidro e se perfuma generosamente) E café?
Mª BONITA (enche uma caneca) Guardei quentinho para você.
LAMPIÃO (tira do cinto uma colher de prata, mexe o café, depois examina a colher).
Mª BONITA Credo em cruz, homem! Até de mim você desconfia?
LAMPIÃO Até do meu anjo da guarda.
Mª BONITA Se eu fosse você não confiaria nessa tal colher de prata, já ouvi dizer que existe veneno
que não escurece a prata.
LAMPIÃO (que iria levando a caneca até a boca, segura Maria pelo pulso) Quem te disse? Quem
anda te ensinando a me dar veneno?
Mª BONITA (livrando o pulso) Se eu quisesse matar você, não precisaria de ensino de ninguém. Há
muito jeito nesse mundo de se acabar com um homem.
LAMPIÃO Maria, quem te ensinou que existe um veneno novo que não escurece prata?
Mª BONITA Ninguém me ensinou, faz muito tempo, o finado Antônio Ferreira, me vendo arear sua
colher, disse que não é todo veneno que escurece a prata. Há muito veneno que deixa ela
branca.
LAMPIÃO Coisa fácil é encher a boca de defunto com conversa que nunca teve.
Mª BONITA De começo quando você começava com isso eu tinha raiva, depois eu chorava. Agora o
que me dá é aquele desanimo! Será possível que depois de tantos anos... tanta luta...
você ainda pense em traição? De que me servia a vida com você morto? (pausa) Você já
pensou no que os “Macacos“ haveriam de fazer se pegassem a mulher de Lampião viva?
LAMPIÃO O que eu sei é que um homem como Lampião é sozinho no mundo. Nem mulher tem, nem
filho tem, nem irmão e nem parentes. Por ele somente os Santos no Céu!
Mª BONITA Te benze homem, te benze! Quem renega os seus morre sozinho.
LAMPIÃO Ah! Isso é que não morro, sozinho não! No dia em que eu morrer, vai haver tanto defunto
que até urubu vai enjoá. Isso eu Prometo. Porque o meu destino é morrer atirando e,
quando eu atiro, bala não se perde. (passa a mão pelas cartucheiras que lhe cruzam o
peito) Estas pelo menos vão todas...
Mª BONITA (volta ao trabalho desanimada)

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