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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS

ARQUITETURA E URBANISMO

GABRIELA MATHIAS NUNES DE OLIVEIRA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO


A REPRESENTAÇÃO GRÁFICA NO APRENDIZADO DA ARQUITETURA E
URBANISMO

SANTOS
2022
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS
ARQUITETURA E URBANISMO

GABRIELA MATHIAS NUNES DE OLIVEIRA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO


A REPRESENTAÇÃO GRÁFICA NO APRENDIZADO DA ARQUITETURA E
URBANISMO

Pesquisa bibliográfica sobre a


influência da representação gráfica no
período de “alfabetização” em Arquitetura
e Urbanismo desenvolvida com 49953
palavras como comprovante de
aprovação no curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Católica de
Santos.

Prof. Dra. Claudia Maria Braga Ribeiro

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2022
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“If we master a bit of drawing,


everything else is possible.”

"Se nós dominarmos um pouco de


desenho, todo o resto é possível."

- Alberto Giacometti

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo estabelecer uma ordem de aprendizagem


da representação gráfica em Arquitetura e Urbanismo que permita harmonizar as
competências criativas e a otimização de tempo, fazendo o uso de pesquisas
bibliográficas e de cunho explicativo a respeito dos subsídios da representação
gráfica, além de uma comparação prática demonstrando a influência do domínio dos
meios de representação. Considera os programas BIM como instrumento de
equalização de informações, e o desenho como estímulo espacial e artístico. O
estudo aponta a necessidade de respeitar o ritmo das decisões a serem tomadas
em cada etapa do projeto, a fim direcionar o que está sendo concebido.

Palavras-chave: Representação Gráfica. Autonomia. Aprendizado. Arquitetura.


Criatividade. Otimização.

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ABSTRACT

This work aims to establish an order of learning graphic representation in


Architecture and Urbanism that allows to harmonize creative skills and time
optimization, making use of bibliographic and explanatory research regarding the
subsidies of graphic representation, in addition to a practical comparison
demonstrating the influence of mastering the means of representation. Considers
BIM programs as an instrument for equalizing information, and drawing as a spatial
and artistic stimulus. The study points to the need to respect the pace of decisions to
be taken at each stage of the project, in order to direct what is being conceived.

Keywords: Graphic Representation. Autonomy. Learning. Architecture.


Creativity. Optimization

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 4
1. A REPRESENTAÇÃO E A ARQUITETURA 5
1.1. A EVOLUÇÃO DO REPRESENTAR 5
1.2. REVOLUÇÃO DA MÁQUINA 9
2. A REPRESENTAÇÃO E A PRODUÇÃO ARQUITETÔNICA 12
2.1. O DESENHO ENQUANTO SIGNO DUPLO 12
● PLÁSTICA I - 2018 - por Paulo von Poser. 13
2.2. AS FACILIDADES E O PROCESSOS IDEATIVOS 14
● PROJETO DE ARQUITETURA IV - 2019 - prof. Denis Joelsons. 15
2.3. GLOBALIZAÇÃO, DEVANEIOS E PADRONIZAÇÃO IMAGINÉTICA 16
● PLÁSTICA IV - 2019 - prof. Christiane Macedo 17
2.4. A PRESENÇA CORPORAL E AS MAQUETES FÍSICAS 18
● PROJETO DE URBANISMO IV - 2019 - prof. Clarissa Souza. 19
● REPRESENTAÇÃO GRÁFICA II - 2018 - prof. Ricardo Granata 21
3. A REPRESENTAÇÃO E A CARNALIDADE 22
3.1. O HÁBITO QUE LEVA A AUTONOMIA 22
3.2. O EQUILÍBRIO DA HORIZONTALIDADE 24
3.3. UMA ILUSTRAÇÃO DA PRÁTICA 25
4. A REPRESENTAÇÃO E A APRENDIZAGEM 26
4.1. ESCALA E MEMÓRIA 28
4.2. ESPACIALIDADE E LIBERDADE 29
4.3. TRIDIMENSIONALIDADE E SENSAÇÕES 31
4.4. MATERIALIDADE E CONFORTO 32
4.5. COERÊNCIA E EMOÇÃO 33
CONSIDERAÇÕES FINAIS 34
BIBLIOGRAFIA 35

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INTRODUÇÃO
A representação gráfica é de suma importância para o estudo da Arquitetura e
do Urbanismo, sendo o principal, às vezes único, meio de expressão capaz de
representar uma ideia originada na “tela mental”, conhecida como imaginação. Isto
posto, esta pesquisa pretende apresentar os problemas que os meios digitais de
representação podem estar causando nos estudantes quando se encontram na fase
de “alfabetização” da arquitetura, através de levantamento do estado da arte sobre
os debates vigentes no meio acadêmico e revisão bibliográfica referente ao tema.

São incluídos na abordagem os seguintes métodos: o desenho a mão livre,


desde o croqui ao desenho de observação; as maquetes físicas, de concepção e
apresentação; os sistemas CAD1 (Computer Aided Design), vistos hoje como a
prancheta digital; os programas de modelagem eletrônica, com imagens realistas e
de caráter expositivo; e os sistemas BIM2 (Building Information Modeling),
otimizadores de informações e desenhos.

A problemática identificada é o comodismo causado pela ausência do raciocínio


de desenho, necessário para a criação em arquitetura e urbanismo, como
argumentado por Perrone (1993), Rozestraten (2003), Cattani (2006), Pallasmaa
(2013), Ghisleni (2020), Campos (2021) e Farrelly (2011). Observa-se que muitos
estudantes com excelentes habilidades digitais, ao preterir o manual em detrimento
do digital, parecem ter perdido as habilidades básicas de criação e criatividade,
deixando que a máquina pense e decida por eles. Esta equação resulta em uma
arquitetura genérica e entediante, sem as características experimentais e originais
que distinguem a boa arquitetura.

Ao observar trabalhos produzidos devido a uma aproximação pessoal dos


estudantes de Arquitetura e Urbanismo mais jovens que foram educados sob uma
cultura contemporânea onde tiveram pouco, se algum, contato com os meios de
representação manuais, sente-se nas produções destes alunos uma dificuldade no
traçar de uma linha de concepção consistente, fato que pode implicar em perda de
qualidade da criação arquitetônica.

A pesquisa é dividida em quatro partes, a primeira pincela a evolução dos


registros gráficos na arquitetura ressaltando os suportes de representação; a
segunda trata sobre a relevância dos meios manuais, dando foco na “carnalidade”
da concepção de projeto; a terceira apresenta uma possível harmonia entre os
meios de expressão; e a quarta ilustra esta prática como um possível modelo de
estudo através de uma comparação auto reflexiva e analítica a respeito da
representação gráfica de um projeto concebido pela autora quando era estudante
caloura.

1
Desenho assistido por computador.
2
Modelagem da Informação da Construção.
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1. A REPRESENTAÇÃO E A ARQUITETURA
1.1. A EVOLUÇÃO DO REPRESENTAR

Para compreender a origem da representação gráfica, é preciso entender que


os símbolos gráficos que representam a arquitetura pressupõem a solução de
problemas, e por consequência, o planejamento. A evolução cognitiva da espécie
humana exigiu que, com a complexidade dos usos e a diversidade crescente dos
materiais empregados, o planejamento prévio fosse gradativamente incorporado no
processo de intervenção no espaço. Nas palavras de Marx: “(...) o que distingue o
pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de
transformá-la em realidade” (MARX, 1867 apud CATTANI, 2006).

Nos primórdios da civilização, novos costumes e hábitos fizeram com que a


caverna não suprisse mais as demandas do homem primitivo, sendo necessárias
intervenções no seu entorno imediato, para adequá-lo às necessidades vigentes.
(CATTANI, 2006). As primeiras antecipações do processo de trabalho, ocorreram
provavelmente apenas a nível mental, quando os problemas de uma ação sobre o
espaço eram imediatamente solucionados por seu idealizador, no momento da
execução. Outra opção provável era que a ideia fosse verbalizada para o grupo
envolvido na “adequação”, não sendo necessário qualquer registro além da troca de
ideias. Na etapa seguinte de evolução, provavelmente os problemas eram
solucionados com base na cópia de um exemplar já existente, valendo-se da
experiência adquirida no processo dos primeiros construtores.

Assim como a escrita se codifica a partir da fala, os símbolos gráficos


passam a representar de forma codificada uma obra a ser construída, ou mesmo
existente. Os primeiros registros de informação relativos à Arquitetura (e à escrita),
se situam na Mesopotâmia, cerca de 2450 a.C. Nestes já é possível perceber
projeções bidimensionais (fig. 1) muito semelhantes às que usamos atualmente
(PERRONE, 1993, p. 75). Os modelos arquitetônicos3 têm registros muito anteriores
a isso, cerca 4000 a.C, mas acredita-se que ainda não eram utilizados como
elementos de concepção de projeto (ROZESTRATEN, 2003).

Várias civilizações posteriores contribuíram para a evolução gradativa dos


registros gráficos de Arquitetura, isto é, para representar o que conhecemos hoje
como plantas baixas, cortes e elevações. Ainda que pareçam simplórios e precários
quando os compararmos aos sistemas atuais de representação gráfica, significam
um expressivo avanço em termos de raciocínio e caráter abstrato4, aspecto que
apresenta poucas mudanças desde então.

3
“Entendendo ‘modelo arquitetônico’ como todo objeto com formas arquitetônicas em escala
reduzida e usos diversos, dentre os quais o uso como maquetes” (ROZESTRATEN, 2011).
4
Neste caso, o caráter abstrato se refere à representação que apresenta uma intenção em
relação à execução, sem pretensão de se parecer com a realidade (CATTANI, 2006).
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fig. 1 - Hieróglifo egípcio para designar “habitação”. | Fonte: PERRONE, R.A.C. Desenho como
signo da Arquitetura. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.

O período que antecede a Renascença, por sua escassez e simplicidade no


registro gráfico da Arquitetura, indica que as técnicas construtivas tinham como
base, em geral, o ‘saber-fazer’ transmitido oralmente de geração em geração, de
modo que a representação gráfica exercia uma função secundária no processo
construtivo (CATTANI, 2006). Aqui, os modelos físicos tridimensionais aparecem
como “corpo de prova”, uma espécie de experimento de pré-concepção, análise
estrutural e estética.

É só a partir dos séculos XV e XVI que o desenvolvimento técnico, social e


econômico pós-feudal exige da arquitetura uma linguagem mais sistematizada,
devido ao volume e complexidade das obras decorrentes de novas técnicas
construtivas incorporadas pela arquitetura gótica. Neste ponto, o desenvolvimento
de uma representação mais aperfeiçoada e de caráter analógico5, conduzida pela
especialização e pela repetição de certos processos de trabalho, contextualiza uma
melhor visualização e compreensão prévia do objeto arquitetônico a ser construído.
As características formais, uma vez definidas, facilitam a reprodução da Arquitetura.

O desenvolvimento de técnicas de representação em perspectiva cônica


(fig.2), por Filippo Brunelleschi (1377-1446) permitiu a visualização da obra de modo
correspondente ao ponto de vista de um observador. A partir desse momento, os
registros gráficos se voltaram ao “controle da realidade efetiva do objeto”
(MASCARÓ, 1990, p.58 apud CATTANI, 2006, p.113). Desde de então, a
antecipação se dará de forma muito mais acurada e as particularidades e relações
de cada fase da obra serão premeditadas pelo desenho. Nascem os desenhos de
estudo como instrumento ideativo, representações de busca por soluções de
problemas arquitetônicos.

5
Neste caso, o caráter analógico se refere à representação que apresenta muita semelhança
em relação à execução, nascendo a intenção de se parecer com a realidade (CATTANI, 2006).
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fig. 2 - Desenho Ilustrativo sobre o uso das Tabuletas de Brunelleschi. | Fonte: PERRONE, R.A.C.
Desenho como signo da Arquitetura. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo,
1993.

As maquetes, muito exploradas pelo mestre artesão Brunelleschi, assumem


um lugar de destaque, porque além de serem instrumentos e técnicas de
representação bi e tridimensional mais sofisticadas, ordenadas e precisas,
representavam exatamente a tríade planta, corte, elevação, isto é, um projeto
completo. Só a maquete podia fornecer as informações definitivas sobre posições e
disposições, espessuras das vedações e das abóbadas ou custos do edifício
(ROZESTRATEN, 2003).

É neste momento que o desenho assume um caráter experimental, através


dos estudos de variações, e os registros gráficos aparecem espalhados em uma
mesma folha, misturados com formas geométricas, textos e pequenas perspectivas.
Podemos observar nos croquis de Leonardo Da Vinci (fig. 3) e Michelangelo a
adoção de um processo avaliativo. Segundo Perrone (1993, p. 137), notamos uma
mudança na introdução do registro gráfico: a descoberta do repertório clássico e sua
elaboração não podem prescindir do desenho como método investigativo, ao qual
cabe revelar um trabalho espiritual anterior a qualquer especialização técnica.

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fig. 3 - Planta e perspectiva de uma Basílica. | Fonte: Viçosa Cidade Aberta. O Arquiteto Leonardo
Da Vinci. 2011. Disponível em:
<http://vicosacidadeaberta.blogspot.com/2011/01/o-arquiteto-leonardo-da-vinci.html>. Acesso em: 17
mai. 2022.

Uma vez que a investigação de tal objeto era inédita, estas investigações
originaram os desenhos de detalhe, abrindo portas para tecnologias e estéticas
nunca vistas anteriormente. Tal habilidade separava o modo manufatureiro do
caráter intelectual agora atribuído ao desenho de Arquitetura, desenvolvimento que
se deu durante séculos. No Renascimento, essa atividade que incorporava
concepção e execução era ainda chamada ‘Arte’ e emergiu no trabalho do arquiteto,
que passou a ser explicitamente entendido como idealizador e coordenativo.

O crescente uso da maquete substituiu a prática do uso da perspectiva


renascentista, muito embora o desenho seguisse essencial, adquirindo, não só um
caráter artístico, colorido e vigoroso, mas também um sentido de documentação
burocrática, legal. A habilidade de desenho tornada científica reforçava a divisão
social entre o saber e o fazer, e foi acentuado, no caso da arquitetura, já que o
processo de produção, em paralelo com a sociedade já dividida em classes,
principalmente devido a Primeira Revolução Industrial, enfatizava esse
fracionamento (ROZESTRATEN, 2003).

A partir do século XVIII, a precisão na representação gráfica se tornou


indispensável, surgindo o hábito dos desenhos lineares rigorosos em preto e
branco. Não só na Arquitetura, mas em outras áreas de conhecimento, a sociedade
agora exige um maior controle sobre os processos de execução, principalmente de
quem detinha essa capacidade intelectual de planejamento. A maquete cai em
desuso por se tratar de um meio de estudo para inovações, uma vez que para
inovar são necessários recursos, na época apenas possíveis para os níveis mais
abastados da sociedade. As maquetes ressurgirão no século XIX, com um caráter
apenas estrutural, de experimentação.

fig. 4 - Ilustração digital demonstrativa da ‘Blueprint’ | Fonte: produção própria.

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Na França em 1861, surge uma invenção revolucionária para a
sistematização dos processos projetuais, a chamada blueprint (fig. 4), que
proporcionava facilmente a reprodução de desenhos, permitindo que vários
desenhistas trabalhassem a partir do mesmo projeto. Só entre o final do século XIX
e o início do século XX as maquetes reconquistaram sua plenitude de
representação, em trabalhos autorais como os de Gaudí, que além de utilizá-la com
um instrumento de projeto, fazia modelos de testes estruturais.

Em paralelo ao surgimento do Taylorismo, os desenhos de processo e de


detalhes se tornam cada vez mais informativos e passam a deter não só o controle
sobre a otimização de tempo, mas também sobre a normatização, iniciando a busca
por equalização de tempo que nos persegue até hoje.

1.2. REVOLUÇÃO DA MÁQUINA

A Segunda Revolução Industrial desperta no mercado da construção civil


uma necessidade ainda maior de equalização do tempo entre concepção e a
execução, exigindo que os grandes escritórios de arquitetura se encontrem sempre
cheios de desenhistas, maquetistas e engenheiros trabalhando sobre o mesmo
projeto, muitas vezes simultaneamente (fig. 5).

As maquetes, neste momento, são as grandes protagonistas (fig. 6), por se


tratarem de um instrumento conceptivo, experimental e avaliativo relativamente
rápido se comparados ao desenho. Uma maquete de processo poderia ser feita em
um tempo reduzido, contendo muito mais informações em comparação com os
milhares de croquis que deveriam ser transformados em desenhos de detalhes, e
posteriormente alterados, quase sempre, mais de uma vez (ROZESTRATEN,
2003).

fig. 5 - Desenhistas no escritório de arquitetura em 1955 | Fonte: Archinect . Disponível em:


<https://www.funco.biz/como-dia-de-trabalho-arquiteto-antes-do-autocad/> Acesso em: 17 mai. 2022.

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Durante a Segunda Grande Guerra (1937-1945), a invenção dos
computadores fez avançar a otimização dos processos não só de Arquitetura, mas
de todas as áreas que necessitam do subsídio do desenho técnico. A
comercialização do computador, a partir da década de 50, e especificamente em
1961, quando o Dr. Douglas T. Ross cria o termo CAD - Computer Aided Design -
impulsiona uma revolução no modo de concepção e expressão da arquitetura.

fig. 6 - St. Marks 's in-the-Bowerie- modelo em exposição no Instituto de Arte de Chicago. 1930. |
Fonte: Frank Lloyd Wright Foundation Arquivos ( Museu de Arte Moderna). Disponível em:
<https://www.archdaily.com.br/br/01-72602/os-arquivos-de-frank-lloyd-se-mudam-para-nova-iorque>
Acesso em: 17 mai. 2022.

Em 1971 é lançado o primeiro software CAD, chamado Automated Drafting


and Machinery (ADAM), que até hoje baseia a programação dos demais softwares
CAD. Na década de 80, o desenvolvimento desses programas viabilizou uma forma
dinâmica e simples de concepção dos desenhos de representação gráfica e em
1982, foi criado o AutoCad, programa utilizado até hoje para elaboração de projetos
tanto nos escritórios quanto em salas de aula.

Na década seguinte, devido à repercussão dos softwares CAD e à busca do


mercado por uma melhor visualização dos projetos, o desenvolvimento no mundo
das máquinas foi sendo encaminhado para os programas 3D, anteriormente
utilizados apenas para modelagem de animações televisivas, facilitando a
predeterminação específica de cada vez mais elementos arquitetônicos, em tempos
muito inferiores ao da prancheta.

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Em 1992, G.A. van Nederveen e F.P. Tolman publicam um artigo onde abordam
a interdisciplinaridade de um tipo de modelagem tridimensional computadorizada
capaz de indexar, de uma só vez, informações de todos os processos ao longo da
obra. Surge assim o termo BIM (Building Information Modeling), um banco de dados
integrado, capaz de reunir todas as ferramentas anteriormente utilizadas em papel
em um único ambiente virtual.

A partir desse momento, a história da modelagem arquitetônica e dos desenhos


de representação gráfica se fundem, tornando o mercado de trabalho cada vez mais
acelerado, e incorporando ao processo de trabalho dos arquitetos a imposição
imediatista do mundo capitalista, que acredita intensamente que, como afirmou
Benjamin Franklin, time is money, e portanto, perder tempo é perder dinheiro.

Com esta tendência de mercado invadindo as salas de aula, trazemos a


seguinte pergunta: essas ferramentas que otimizam nosso tempo e trazem
facilidades interdisciplinares inigualáveis aos meios físicos, podem estar pensando
por nós? A resposta, segundo PALLASMAA (2013, p.17) e GHISLENI (2020) é sim.
Infelizmente, a representação gráfica computadorizada e o bombardeio de imagens
trazido pelo computador e facilitado pela globalização podem estar engessando a
criatividade, principalmente daqueles estudantes que acabaram de ser introduzidos
ao mundo do desenho de Arquitetura.

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2. A REPRESENTAÇÃO E A PRODUÇÃO ARQUITETÔNICA


2.1. O DESENHO ENQUANTO SIGNO DUPLO

Desde seus registros iniciais, é possível observar que a representação gráfica


influenciou diretamente na produção de arquitetura. As chamadas vanguardas foram
desenvolvendo novas formas de pensar, e consequentemente, novas formas de se
expressar. Novas cores, novos traços e novos suportes estão diretamente ligados
ao caráter imaginativo e inovador do projetar arquitetônico. Os registros gráficos
ajudaram a construir o raciocínio projetual como é conhecido e explorado hoje. A
discussão sobre o meio de representação mais adequado para expressar a obra de
um arquiteto e urbanista, incluindo o sistema BIM, é relativamente atual , devido aos
recentes desenvolvimentos tecnológicos.

É importante lembrar o “peso” que um desenho à mão tem em toda a história da


Arquitetura e do Urbanismo. Perrone utiliza o termo ‘signo’ em seu trabalho no
sentido de símbolo direto que faz referência ao objeto, no caso, “o desenho como
signo da arquitetura”. Para o autor, o desenho não só é o principal meio de
expressão da arquitetura, é também uma ponte para a realidade profunda, trazendo
evidente valor para (1) o desenho de observação, que estimula a empatia para com
o espaço e (2) o desenho ideativo, que revela um estado emocional/social (às vezes
crítico) do arquiteto. O desenho, portanto, se afirma de acordo com o seu grau de
eficiência em transmitir a ideia representada. (c.f. PERRONE, 1993)
“O desenho de arquitetura nas suas funções descritivas
e representativas, como signo que é, torna-se um duplo que
habita a obra realizada e realiza a obra a habitar, mesmo
quando se trata de um habitar apenas imaginário.”
(PERRONE, 1993. p.64)

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● PLÁSTICA I - 2018 - por Paulo von Poser.

Quando cheguei na sala de aula e vi aquelas mesas empilhadas no centro de


uma roda de pranchetas, a primeira coisa que pensei foi: “Como isso não
cai?” Enquanto eu, sentada em cima da prancheta com a caderneta nas
mãos, analisava cada centímetro daquelas mesas me encontrei perdida nas
possíveis razões de tal atividade. A questão, para a cabeça imatura de uma
jovem de 17 anos recém chegada na faculdade, parecia muito complexa para
a minha capacidade cognitiva. Encarei o desafio buscando as “práticas
arquitetônicas” que me prometiam, mas eu não enxergava.

Hoje, no último ano dessa jornada, olho para trás e não vejo maneira melhor
de aprender as proporções destes objetos, não só este, mas todos os
desenhos de observação me fazem lembrar perfeitamente, do ambiente, do
cheiro, das discussões, quem estava sentado do meu lado, com quem eu
conversei. As memórias são muito vívidas. Queria poder ter aproveitado mais
os momentos de contemplação, que eram sentar diante de uma paisagem,
de um objeto ou de uma situação. O ato de congelar o momento, respirar e
observar atentamente o quadro à frente despertou em mim a sensibilidade
dos detalhes. Um senso crítico que nem as melhores aulas teóricas poderiam
me proporcionar.

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2.2. AS FACILIDADES E O PROCESSOS IDEATIVOS

Em sua obra, Rozestraten (2003) traz o foco na modelagem (física) como


processo de concepção. Dentro deste escopo, também estabelece a maquete como
insubstituível e essencial nos processos de projetação (concepção). Ainda que as
facilidades do computador têm deixado a arquitetura cada vez mais genérica e sem
identidade, provavelmente por influência dos padrões ortogonais do programas BIM.
Este fato, entretanto, não significa obrigatoriamente que não existam arquitetos que
arriscam nas formas orgânicas e inovadoras, tais como Zaha Hadid, mas é notório
que estes poucos que restam trazem uma herança cognitiva decorrente da prática
do desenho a mão livre.

Já Campos (2021), em contrapartida, defende o uso do croqui e argumenta que


este não deixará de existir justamente por seu caráter ideativo. Para Camilla
Ghisleni (2020), as possibilidades subentendidas nos impulsos criativos (desenhos
inusitados e formas inovadoras) assumem e representam a identidade do seu
criador, deixando de lado a impessoalidade de uma tela de computador.
“(...) Nessa ‘evolução’ do ato de projetar, em que novas
tecnologias surgem a cada momento com intuito de facilitar
o nosso papel, parece, então, que estamos caminhando
rumo à uma desassociação da mente com o corpo,
principalmente na hora de conceber o projeto arquitetônico.
Ou seja, ao usar essencialmente ferramentas digitais
estamos limitando também nossa própria capacidade
criativa.” (GHISLENI, 2020.)

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● PROJETO DE ARQUITETURA IV - 2019 - prof. Denis Joelsons.

Eu mal sabia, eu nem imaginava, mas esse se tornou um dos trabalhos mais importantes da
minha vida até hoje. No segundo semestre do 2º ano, olhei em volta e me veio um “estalo”
na mente, estava simplesmente cansada da minha zona de conforto e quis me arriscar nas
curvas. Fiz malhas circulares, observava como a continuidade do canto arredondado me
agradava. Resolvi seguir assim, queria que a fachada da minha escola primária não tivesse
ínicio e fim, o conceito era infinito. Para a loucura dos professores, as orientações eram
cheias de questionamentos e desafios. Em paralelo a isso, estávamos tendo as primeiras
aulas de Revit (BIM), fiquei encantada com a facilidade da ferramenta, não teria que
desenhar cada elemento um por um, era muito bom para ser verdade, então mergulhei nos
estudos e, assim, nasceu os meu primeiros projetos digitais. Eu não fazia ideia, que material
estava usado ou quanto era a carga distribuída sobre cada viga. Eu estava definitivamente
emergida neste projeto.

Enquanto essas explorações aconteciam, minha tia querida, que abraçou o meu sonho de
fazer faculdade, adoecia mais e mais. O câncer já havia tomado toda a região do tórax e
cérebro, ela mal conseguia andar sozinha e eu a acompanhava, mesmo de longe, estava
muito perto. Faltavam pouco mais de duas semanas para a entrega do projeto quando
recebi a ligação dos meus primos, filhos dela, chamando a família para a última visita. Eu
estava destruída, minha tia não iria ver eu me formando. Fomos eu e meu pai, em uma
longa viagem, que parecia eterna, até o Hospital Santa Catarina. O dia passou como um
vulto e mesmo que durasse 10 anos, não seria tempo suficiente. Lembro que quando
acabou o horário de “visita” ela me disse: “Eu vou ficar bem, mas saiba que eu me orgulho
de você como eu tenho orgulho dos meus filhos” (Nunca vou esquecer). Em uma semana
eu estava em seu velório.

Voltei para casa pensando em desistir do semestre, o ambiente da FAUS me lembrava dela.
Retornei às aulas na semana seguinte, era a última orientação antes da entrega. O
professor auxiliar, Fábio Massami, percebeu que eu não estava animada como nas
semanas anteriores, me consolando ele perguntou o nome dela: Lilian. ‘Lili’. Ele me olhou
surpreso e girou 180º a maquete de papel que estava na minha frente e ali estava, mais
vívido do que nunca.

Eu mal sabia, eu nem imaginava.

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2.3. GLOBALIZAÇÃO, DEVANEIOS E PADRONIZAÇÃO IMAGINÉTICA

Além desse fator preocupante na representação computadorizada, outro ponto


que deve ser levado em consideração é a globalização geracional, aumentada
principalmente pelo acesso precoce à automação, presente entre crianças e
adolescentes. O bombardeio de imagens a que essa geração de futuros arquitetos
está sendo submetida tem consequências drásticas na sua criatividade.

O arquiteto finlandês Pallasmaa (2013, p. 19) relaciona a imagem das coisas


como raízes de uma arquitetura “forte”, fato que está se perdendo pelo bombardeio
de imagens, quando não sabemos de onde o pensamento veio através da saturação
da imagem. Ou seja, por mais que ‘imagem’ e ‘imaginação’ sejam próximos
semanticamente, a aceleração do compartilhamento de imagens limita o campo da
imaginação. O autor defende que a criatividade está diretamente ligada ao exercício
cognitivo do ‘criar’. Uma vez que é quase impossível criar e imaginar algo que
nunca foi visto, existe a ameaça de que as tecnologias e formas possam sofrer uma
entediante padronização (PALLASMAA, 2013).
“O dom exclusivamente humano da imaginação está
ameaçado pelo excesso de imagens atual? Será que as
imagens produzidas em massa e geradas por computador
estão imaginando por nós? É razoável supor que até
mesmo o predominante pragmatismo político atual e a falta
de visões sociais e de utopias são consequência de um
embotamento da imaginação política? Os mundos
crescentes da vida de fantasia e das imagens de devaneios
substituem a imaginação genuína, individual e autônoma,
assim como a afeição humana? Minha resposta ansiosa a
todas essas perguntas é: sim.” (PALLASMAA, 2013, p.17)

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● PLÁSTICA IV - 2019 - prof. Christiane Macedo

O exercício era sobre padronização, tinham que ser módulos que dispostos,
organizada ou aleatoriamente, formassem alguma coisa interessante. Gastei muitas
horas tentando entender a proposta. Gastei ainda mais tempo cortando peça por
peça dos meus módulos. Lembro que pesquisei muito sobre ‘esculturas’ e
‘geometria’, não ajudou muito, na verdade, só atrapalhava. As imagens que
apareciam eram até interessantes, mas não diziam nada do processo e da
construção. Era sempre: “Que lindo isso. Mas como essa parte fica encostada na
outra?” “Se aquilo está flutuando, como fica em pé?” Depois de muitos desenhos e
devaneios, explorações e orientações. Finalmente cheguei em algo que me
agradava. Ficava em pé e era bonito. A sensação de: “Eu que fiz” era a melhor
coisa.

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2.4. A PRESENÇA CORPORAL E AS MAQUETES FÍSICAS

Citamos ainda Ghisleni (2020) que, ao dissertar sobre “a coreografia” que é


fazer e analisar uma maquete física, se preocupa com a separação mental,
intelectual e emocional no ato de projetar, estabelecendo relações entre o corpo e a
aprendizagem da arquitetura,
“No computador usamos basicamente os dedos para
projetar, no desenho a mão livre chegamos até o punho,
porém, ao elaborar uma maquete física, usamos todo o
corpo.” (GHISLENI, 2020)

Na análise dos vencedores no concurso Opera Prima, Campos (2021) observa o


crescente aumento no uso das maquetes eletrônicas, e então questiona os aspectos
e parâmetros avaliativos que o concurso utiliza. Entende-se que a autora desconfia
da eficiência de uma maquete concebida digitalmente quando se trata de “qualidade
espacial do todo, da organização espacial dos elementos, das aberturas ,
circulações e da implantação da edificação no lote”, mas confessa a competência
realista admirável que exibe a materialidade e iluminação. (CAMPOS, 2021. p.186)

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● PROJETO DE URBANISMO IV - 2019 - prof. Clarissa Souza.

“Maquete na escala um para o que? Desse tamanho?” Olhei para o meu amigo e
dei risada, como a gente daria conta? Não sabia como, mas deu certo. A gleba era
grande, já havíamos desenhado e redesenhado aquilo à mão várias vezes. A coisa
estava muito interessante, a cada sexta-feira de orientação, a professora chegava
com mais uma novidade. Naquele dia, foi a maquete. “Isso vai ficar do tamanho de
uma prancheta”. Mesmo cheios de trabalhos de outras disciplinas, nas duas
semanas seguintes, em cada intervalo, em cada ‘15 minutos’ que tínhamos, estava
lá eu e meu grupo cortando e colando alguma coisa. Na entrega, eu cheguei na
maquetaria com uma cara de quem não tinha dormido nada, e certamente, não
tinha.

Quando colocamos a maquete no suporte do ‘heliodon’ que simulava o sol, olhei


para o mesmo amigo do começo e dei risada, novamente, quando a maquete não
coube no espaço destinado à ela. Quando ligaram as luzes, os meus olhos se
iluminaram, surpreendida, as informações eram tantas e a professora apontava os
problemas um a um, “brincávamos” de mexer os bloquinhos buscando a melhor
posição, às vezes, tirando e colocando em outro lugar, e às vezes, só rotacionando.
Todos envolta da maquete, pensando e mexendo, abaixando e analisando. Não
imagino de que outro jeito analisaríamos a maquete daquela forma. Os melhores
3D’s e simulações online me proporcionariam tal aprendizado.

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Ainda que seja um defensor dos meios manuais, ao introduzir a discussão sobre
o desenho complementar às práticas do projetar “computacional” Rozestraten
(2003) acredita que, na fase final do projeto, quando a ênfase recai sobre a
apresentação, a maquete eletrônica se mostra mais eficiente que os demais meios
disponíveis, por permitir elevado grau de verossimilhança da representação com a
futura realidade da obra concebida, aliada a precisão e rapidez de fatura.

O desenho tem um papel importante no desenvolvimento cognitivo, não só


artístico mas espacial, criando um elo entre o real e o imaginário que gera a beleza
funcional que caracteriza a arquitetura, tida por Schopenhauer como 'Música
congelada’.

O aprendizado da arquitetura envolve muitos fatores que vão além da


representação gráfica e do desenho, mas não se pode ignorar o fato de que mesmo
o melhor estudioso de todas as relações de estrutura, sustentabilidade, conforto e
fluxos, não será um bom arquiteto urbanista se não souber expressar minimamente
essas idéias, pela simples incapacidade de conduzi-las à execução (PERRONE,
1993). Sendo assim, o desenho e a maquete devem ser vistos como os maiores
aliados do estudante de arquitetura. A expressão da arquitetura deve ser o menor
dos problemas, um auxílio representativo de suas ideias.

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● REPRESENTAÇÃO GRÁFICA II - 2018 - prof. Ricardo Granata

Planta, Cortes, Elevações, Diagrama, Perspectiva isométrica e Maquete. Minha


cabeça fervia, olhava as plantas do Edifício Juana Azurduy no site e pareciam
apenas riscos organizados, os meus olhos enchiam de lágrimas. “Não, tudo bem, eu
consigo”. Fui fazendo desenho por desenho. A Bruna Mello, minha dupla, analisava
comigo, “(...) essa parede é assim, isso deve ser uma janela, mas se isso é uma
janela esse não pode ser o pilar. (...) ‘Ah’, são ‘tijolinhos’ e esses são vazados, (...)
por que essa parede é mais fina do que aquela?” Era assim.

Quando nos sentimos seguras para começar a maquete, eu dei a ideia de fazê-la
em corte, dividir a maquete em dois, expondo todas as paredes internas. O
semblante da Bruna foi impagavel, ela queria me matar, mas concordou depois que
eu argumentei: “Não me esforcei tanto analisando cada desenho desse edificio para
fazer só a ‘casca’ dele”. Ela concordou. Lembro que durante a montagem da
maquete circulávamos nos desenhos o que parecia estranho na maquete.
Refizemos umas plantas, apagamos algumas coisas do corte e pronto. Se eu
soubesse o quanto uma maquete ‘falava’ eu teria começado por ela.

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3. A REPRESENTAÇÃO E A CARNALIDADE
3.1. O HÁBITO QUE LEVA A AUTONOMIA

Não é negando as vantagens da representação computadorizada, mas


pensando nas consequências que essas facilidades podem trazer que se constrói o
pensamento sobre a contribuição que cada uma destas formas maquínicas de
representação pode trazer às diferentes etapas de desenvolvimento do projeto. Para
isto, é preciso entender aquilo que está em jogo, sendo pensado e focado em cada
momento, e considerar o ritmo das decisões a serem tomadas para direcionar o que
se está concebendo. Ghisleni (2020) ainda com sua lógica corporal acrescenta que:
“A arquitetura firmou-se como profissão antes mesmo
do surgimento da racionalidade técnica e, por isso, carrega
em si essas sementes de uma visão anterior do
conhecimento profissional. Em sua raiz experimental e
artística, ela não só foi criada para o corpo, mas também
pelo corpo e essa carnalidade da obra não cabe em uma
tela de computador e tampouco deve ser reprimida na
alegação de uma comodidade no processo de projeto.”
(GHISLENI, 2020)

O desenho digital não é menos do que o desenho grafado diretamente no papel,


como valida Campos (2021), ao destacar os novos recursos gráficos (tablets e
mesas digitalizadoras) que transmitem o desenho diretamente para um arquivo
digital, preservando a relação tátil com o projetista. Entretanto, há quem considere
que a experiência sensorial vivenciada através do desenho tradicional tem suas
particularidades, como por exemplo a experimentação de materiais, que a
manipulação direta possibilita.

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Em sua leitura dos trabalhos vencedores do concurso Opera Prima, Campos
(2021) conclui que os meios digitais não contribuem para o processo de concepção,
apenas para a execução de um trabalho, enquanto os meios manuais não só
acrescentam como certificam o “trabalho espiritual”6 por trás da concepção do
projeto.

É importante que o estudante de Arquitetura e Urbanismo se sinta livre na hora


de pensar a concepção de um projeto, a ponto de se permitir inovar sem medo do
resultado, condição sine qua non7 para adquirir autonomia nos processos.

Nesse ponto, o hábito do desenho e/ou da maquete sobrepõe a complexidade


do projeto e a curiosidade toma a frente nas decisões, resgatando o caráter
investigativo da Arquitetura e do Urbanismo. Essa investigação, uma vez resgatada,
permite uma troca mais rica entre professor e estudante, caráter definido por Edgard
Gouveia Jr. (2020 apud RIBEIRO, 2021) como aprendizagem, em contraposição ao
que denomina ensinagem.

Em um ambiente de troca e aprendizagem, é imprescindível que haja


comunicação e clareza, contudo, isto só é possível se há controle pleno sobre os
meios gráficos de expressão. Destaca-se, então, o raciocínio do desenho, e por
raciocínio entende-se a lógica de construção através desenho que leva à
concepção do projeto. Esta preocupação é levantada por Ghisleni (2020), que
sugere a correlação entre as ferramentas de representação gráfica. No momento
em que há completa consciência sobre o que está sendo representado e a ideia
pode ser compreendida plenamente, o estudante atinge a investigação que irá
mudar sua perspectiva de concepção por toda a sua vida acadêmica.

6
(PERRONE, 1993, p. 137)
7
(latim) “sem o qual não”
adj. Indispensável, essencial.
sine qua non, In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2021, Disponível em:
<https://dicionario.priberam.org/sine%20qua%20non>. Acesso em 10 jun. 2022.
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3.2. O EQUILÍBRIO DA HORIZONTALIDADE

O presente estudo se deu pela preocupação observada diariamente no atelier


acompanhando os estudantes novos que, frequentemente, se aproximavam da
minha mesa com dificuldade em traçar uma linha de concepção de projeto
consistente. Levando a perceber que essa dificuldade de raciocínio vem do pouco
(ou nenhum) contato com os meios de representação manuais e tal situação é
compreensível, uma vez que a sociedade acabara de sair de um momento onde
muito (ou tudo) se usava meios digitais, inclusive na educação.

Não invalidando o esforço dos professores de se adaptarem a tal situação, o


que observamos é um agravamento na “programação” cognitiva destes estudantes.
Se antes do ensino remoto, os softwares já interferiam no raciocínio lógico do
desenho, este problema ficou ainda mais evidenciado com a ausência dos meios
corporais (desenho à mão livre e maquetes). No ano de 2022, pós-ensino remoto,
com a troca de estudante para estudante, observa-se a importância de tais práticas
de aprendizagem e orientação horizontal.

Esse alarmante cenário de (quase) ausência do desenho manual foi a chave


para esta pesquisa. É possível observar na obra dos principais autores em questão
o começo de um debate sobre a harmonia entre os meios de representação
manuais e digitais. Contudo, a preocupação com a ‘alfabetização’ na arquitetura
com foco nestes tópicos ainda pouco aparece nesta discussão.

Hoje, ao refletir sobre o passado e sobrepondo a experiência de veterana à


destes estudantes, podemos perceber erros e retrabalhos que poderiam ser
facilmente resolvidos através de recursos simples de representação. Tendo em vista
as vantagens dos meios digitais e os inegáveis valores de expressão do desenho
manual, partindo da perspectiva estudantil contemporânea, o objetivo que o
presente trabalho persegue é o auxílio nos processos de concepção de forma
prática na tentativa de harmonizar o manual e o virtual.

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3.3. UMA ILUSTRAÇÃO DA PRÁTICA

Ilustrando esta prática de harmonização entre meio de representação manual e


digital, onde experiência e criatividade dividem a mesma discussão acadêmica, um
“salto no tempo” durante as próximas páginas simulam a conversa entre uma
veterana e uma caloura sobre o processo de concepção de um projeto. Essa
síntese terá como cenário um encontro no atelier da escola de arquitetura.

Utilizando uma reflexão a respeito da concepção de um projeto realizado em


2019 pela autora, época em que era ainda mais limitada em relação aos respectivos
usos da representação, por falta de prática e de uma relação aproximada com
alguém mais experiente. Contudo, aproveitando a grande quantidade de registros a
respeito do processo de criação. Este acervo conta com desde meios manuais,
como croquis e desenhos, até meios digitais, como softwares BIM, imagens e
pesquisas.

Este solilóquio8 entre tempos diferentes se dá através da apresentação e


interpretação dos registros da época com o objetivo de transmitir soluções de
projeto possíveis através dos meios de representação gráfica. Assim sendo, os
próximos capítulos serão dedicados a uma auto reflexão e revisão de projeto,
principalmente dos meios visuais, em um diálogo de apresentação.

8
“soliloquiar”
v.: falar sozinho, em solilóquio; monologar.
Soliloquia, In Dicionário Online de Português. Disponível em:
<https://www.dicio.com.br/soliloquia/>. Acesso em: 10 nov. 2022.
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4. A REPRESENTAÇÃO E A APRENDIZAGEM
No segundo semestre de 2019, era ministrada a disciplina de Projeto de
Arquitetura VI pelos Me. Denis Joelsons e Me. Fábio Massami Onuki na
Universidade Católica de Santos, sendo expressa uma organização no plano de
ensino (ANEXO - A), que seguiremos nos próximos subcapítulos para compreensão
plena do exercício proposto. Esta organização é identificada pelo documento
institucional como “Sistemática e Instrumentos De Avaliação”, que determina a
avaliação de cada entrega na seguinte sequência:

1.Conceituação do Projeto
Leitura do Sítio / Definição do Programa / Implantação / Relação com o sítio e
o entorno.

2.Organização Funcional [Planta]


Distribuição do programa / Fluxos / Circulação

3.Organização Espacial [Corte e modelo]


Volumetria / Relações espaciais

4.Raciocínio Construtivo
Conceito Estrutural / Materialidade

5.Apresentação
Expressão / Linguagem / Clareza

A partir de discussões em sala de aula, os professores Denis e Fábio


direcionaram as intenções de projeto. Culturalmente a Faculdade de Arquitetura de
Santos segue alguns padrões de programa no decorrer dos semestres, desta forma
no 2º semestre do 2º ano letivo o tema proposto é Instituição de Ensino e dentro
deste tema estudantes e professores entram em debate para especificar o
programa.

Não sendo uma exceção, em 2019, entramos em comum acordo para projetar uma
Instituição de Ensino Infantil, que abrangeria a primeira infância (de 0 a 5 anos). O
resultado deste debate se deu por um esquema de áreas que poderia ser
modificado de acordo com a escolha do terreno e demanda da região.

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Partindo do programa iniciaram as pesquisas a respeito do pressuposto, uma


escola primária. Segundo estudos da psicologia expressos da matéria da Revista
Crescer9 sobre a educação na primeira infância (0 a 6 anos), as crianças
desenvolvem características muito importantes que levarão para a vida toda, com
isso nos voltamos para os vários métodos de ensino (fig. X).

Assim, os princípios do método Montessoriano se tornam o conceito do projeto.


Conceito, segundo Farrelly (2017), será o conjunto de informações que impulsionam
o projeto em todas as suas etapas e por isso deve ser registrado.

Reunindo referências e memórias10, temos o partido11 que transformam o


conceito em um conjunto de linhas muito simples que explica ideias complexas e
motivos de maneira fácil e clara.

9
VIEIRA, M.C. Educação infantil: o que seu filho leva para a vida toda. In. Revista Crescer.
2017. Disponível em:
<https://revistacrescer.globo.com/Criancas/Escola/noticia/2017/01/educacao-infantil-o-que-seu-filho-l
eva-para-vida-toda-2.html>.
10
Quando eu era mais nova, meu pai pintava quadros. Uma vez, ele me chamou para participar
do processo, o principal elemento da tela era uma Esfera, ele me explicou que no desenho a esfera
não tem contorno, é o que a diferencia de um círculo, pois por mais que tentássemos procurar um
limite entre a esfera e o espaço não conseguiríamos encontrar.
11
O termo ‘partido’ deriva da palavra francesa parti, que vem de “prendre parti”, que significa
‘fazer uma escolha’
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4.1. ESCALA E MEMÓRIA

Em Santos, SP, Bairro do Morro da Nova Cintra, terreno próximo ao acesso à


Zona Noroeste da cidade.

Na escolha do terreno é imprescindível analisar o entorno e seus acessos, além


dos fatores climáticos e topográficos. O ponto principal a ser analisado é a relação
entre edificação e rua (envolvendo via, vizinhança e pedestres).

Em um estudo de análise inicial na arquitetura, entender a escala das projeções


analisadas é por onde os projetos de arquitetura começam a ganhar peso. O termo
escala é entendido como uma relação proporcional entre desenho e realidade.
Portanto, a escala ideal depende do contexto e varia conforme os elementos a
serem estudados (FARRELLY, 2011). No caso de um estudo da relação entre
terreno e entorno, a escala analisada envolve abrangência, que é definida de acordo
com o programa.

Entender a escala não só significa se conectar com o tamanho relativo da


arquitetura, como também de que maneira a arquitetura se relaciona com as
pessoas. Nos colocando no lugar dos possíveis usuários, adotamos a memória
como uma ferramenta de projeto pela qual transitamos para expressar a ideia.12

Em 2019, havia uma dificuldade de percepção de escala, assim, a abrangência


na leitura do terreno se mostrava superficial. Entende-se, portanto, que a leitura
atenta do entorno pode alterar as escolhas durante o processo, no caso, até a
escolha do terreno. A proximidade de usos muito similares implica na baixa
demanda na região, tendo que realocar todo o projeto para outro local com uma
demanda maior.

12
ver Cap. Globalização, devaneios e padronização imaginética - colocar
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4.2. ESPACIALIDADE E LIBERDADE

[2019]

Ao começar os primeiros traços em um atendimento com os professores,


organizar o programa a partir dos acessos que o terreno disponibiliza. As primeiras
decisões a respeito das estratégias começam a aparecer no papel. O BIM, em
contrapartida, ajudou muito com as curvas no momento de aplicar a modulação13 e
definir as medidas. Inicialmente, os módulos eram círculos de 2,5m (dois metros e
meio) de diâmetro, que aumentavam ou diminuíam de acordo com o ritmo e a
necessidade.

[2022]

Para começar o projeto temos que pensar em um jeito de organizar as formas


de um jeito que caiba o programa. Um jeito simples de fazer isso é começar um
croqui sem qualquer compromisso com a escala, assim, as formas podem ser
aproveitadas em diversos pontos do terreno.

Encontrando uma forma compatível, começamos a distribuição do programa. É


aconselhável que seja feito por meio de um fluxograma, que nada mais é do que a
proximidade de cada uso combinada com conexões do programa. Tendo esse
fluxograma em mente, a distribuição do programa lhe dará as primeiras paredes e
portas, com intenções de acesso e circulação.

Um exemplo claro de mau uso do fluxograma, sem considerar o fluxo externo do


entorno, é a locação de uma praça na esquina de uma via coletora bem como as
entradas sem controle de acesso bem definidos para um uso cujo público alvo são
crianças de até 5 anos de idade, algo que pode ser perigoso.

[2019]

As paredes em curva, supostamente, seriam um grande problema no quesito de


distribuição de mobiliários interno, então as evitava com muita frequência, deixando
o partido em segundo plano. Acontece que, uma vez no BIM, produzir um mobiliário
totalmente personalizado ao invés de baixar um pronto nos milhões de sites
disponíveis é uma barreira quase intransponível.

[2022]

O partido e o conceito são ferramentas preciosíssimas de consulta no decorrer


do projeto, bem como os croquis de ensaio antes de passar para o software de
maneira definitiva, pois as alterações podem ser bem difíceis. Um ponto importante
13
O módulo é o sistemas de medidas utilizado pelo arquiteto, este pode ser
conhecido universalmente (metro, milímetro, polegadas, milhas, etc.) ou ser
estabelecido através de uma lógica de projeto (o corpo humano, uma cadeira de
rodas, um carro, uma mesa) dependendo do partido a ser seguido.
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e talvez o principal tópico desta pesquisa é o engessamento do software BIM, em
específico o fato de ser incrivelmente bom para algumas coisas e complicado para
outras, por exemplo, a personalização.

É preciso estar muito determinado para encarar a jornada de produzir um bloco


totalmente do zero, principalmente no Revit, onde se trabalha com famílias14. Em
alguns outros programas essa tarefa pode ser mais simples, como no SketchUp15,
mas ainda assim, há uma resistência. E é por essa resistência à liberdade, da
criatividade, que não se deve abandonar completamente o desenho à mão.

14
As famílias do Revit servem para atender aos objetivos dos projetos, são definidas pela
Autodesk como um grupo de elementos com um conjunto comum de propriedades, chamado de
parâmetros, e uma representação gráfica relacionada. | Fonte: Grupo AJ BIM.
15
SketchUp é um software próprio para a criação de modelos em 3D no computador. | Fonte:
Razor.
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4.3. TRIDIMENSIONALIDADE E SENSAÇÕES
[2019]

Uma das primeiras frases ouvidas na aula de Projeto de Arquitetura foi a


seguinte: “Arquitetura é para pessoas, pessoas são tridimensionais e se relacionam
com espaços tridimensionais”. Esta frase fazia parte do discurso que o Professor
Me. Denis Joelsons proferiu a respeito de cortes e maquetes, devido a forte
tendência da classe em participar dos atendimentos, até então, apenas
apresentando plantas baixas e alguns croquis.

Os cortes serviram para projetar a elevação dentro da estratégia de conexão


visual, a altura das paredes soltas da laje e a cobertura com iluminação zenital, que
resolveria a questão das salas não terem janelas. Mas, principalmente, desenhos
em cortes foram uma ferramenta preciosa para projetar o ritmo das aberturas e
diferenças de alturas que causam diferentes sensações.

A maquete foi uma ferramenta chave para os Professores compreenderem a


ideia do projeto que, mesmo com muito esforço, não conseguia expressar
perfeitamente. As orientações eram cheias de rabiscos e até, gestos para entender
as alterações e sugestões feitas.

[2022]

Na verdade, cortes e elevações são desenhos bidimensionais, porém vistos de


um novo ponto de vista. Para entendê-los de fato, é preciso relacioná-los às plantas,
com a tridimensionalidade em mente quase como uma associação automática. Um
corte acrescenta à planta alturas, uma elevação acrescenta ao corte relações com o
entorno e uma maquete reúne todas elas como uma simulação totalmente
manipulável. Uma maquete virtual pode ajudar nos ensaios volumétricos e
simulações de iluminação e ventilação, acrescentando muita qualidade no projeto
de aberturas.

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4.4. MATERIALIDADE E CONFORTO
[2019]

Um dos principais motivos de tantas mudanças no projeto foi a estrutura.


Determinou-se, nas primeiras aulas, que deveríamos envolver concreto no projeto.
A etapa que houve mais mudanças, sem dúvida, foi onde era preciso definir as
materialidades e eixos estruturais. Esta fase destacou, paralelamente, o lado
negativo e lado positivo do BIM à tona.

A estrutura estava sendo pensada, por completo, digitalmente, através do


sistema automático de geração de desenhos do Revit, porém, acrescido à falta de
experiência em cálculo e projeto. Os vãos enormes entre um pilar e outro, vigas
insuficientes e incríveis 7 metros e meio de balanço, o BIM aceitava tudo e apenas
quando foi pedido as maquetes foi percebido tal questão. Em contrapartida, o Revit
facilitou na hora de experimentar novos materiais, com simulações de luzes e cores
na fachada do projeto.

[2022]

É sabido que os softwares BIM contém, em seu próprio sistema, a análise


estrutural, o que facilita muito a atividade dos engenheiros calculistas no mercado
de trabalho. Uma das etapas mais difíceis no processo projetual é a integração
entre os fundamentos da arquitetura (forma e função) e a estrutura. Isso acontece,
principalmente, porque na maioria das vezes, os projetistas não levam em conta o
sistema estrutural desde a fase de criação.

Por este motivo, a maquete física ser usada como ensaio estrutural é de grande
importância, pois oferece de maneira rápida soluções e explorações de problemas,
uma vez que o observador consegue olhar por cima, através, por dentro e por fora
dela, além de submeter a estrutura ao fator gravidade.

A materialidade do projeto é aquilo com o qual nossos corpos fazem contato


direto: a maçaneta fria de metal, o piso quente de madeira e a dura porta de vidro
criam uma atmosfera que pode refinar ou arruinar o conforto do projeto. A
materialidade é tão importante quanto a forma, função e localização - ou melhor,
inseparável de todos os três (ZILLIACUS, 2016). É mais sobre os cinco sentidos do
que se pode imaginar, mas para fazer a escolha certa, além de intenções bem
definidas, deve-se conhecer o conforto (ou desconforto) causado por cada um dos
materiais.

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4.5. COERÊNCIA E EMOÇÃO
[2019]

Reunir as informações e entregar: esse era o plano. Na verdade, não havia um


plano, apenas a necessidade de entregar o que foi pedido. Se transmitiria um
significado maior, emocionante ou não, pouco importava; a questão era outra: prazo.

*PRANCHA ENTREGUE 2019*

[2022]

O mais recorrente erro ao finalizar um projeto é a apresentação, o grande


questionamento, predominante, é a questão do tempo. Contudo, ao analisar, a única
certeza ao começar um projeto acadêmico para o curso de Arquitetura e Urbanismo
é a entrega de apresentação. Por mais que a mente insista que sempre dá para
melhorar, ciclo este que não parece ter fim. Há um “checkpoint” em cada ciclo: a
entrega.

Não existe o que certo ou errado, contudo, quase sempre há um briefing que
devemos seguir para preparar a apresentação. Desenhos de apresentação
precisam ser persuasivos, objetivos e muito acessíveis para que os aspectos mais
fortes sejam entendidos e consigam transmitir os conceitos da proposta de maneira
clara.

Textos, colagens, croquis, desenhos, renders, maquetes, perspectivas


isométricas ou explodidas. Estes são apenas alguns dos muitos meios de expressão
para um projeto. A palavra-chave é clareza. À medida que se exploram os diversos
meios, a tendência é criar uma identidade onde a criatividade pode ser transmitida
livremente.

Este projeto nasceu em meio ao caos, um ano de muitas dores e vitórias, onde
a arquitetura preencheu um espaço que nunca se imaginaria poder ser preenchido,
mesmo que simbolicamente. Não é possível dizer que o lapso foi inofensivo, pois as
cicatrizes ainda estão aqui. Portanto, é inadmissível dizer que não há nada a ser
transmitido por estes sentimentos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde muito antes da profissão se estabelecer, os registros gráficos marcavam
a prática da Arquitetura e do Urbanismo, influenciando e sendo influenciados de
maneira direta pela produção das obras arquitetônicas. O avanço da tecnologia
sempre interferiu na maneira de produzir Arquitetura, contudo, o raciocínio lógico se
manteve intacto, preservando seu caráter ideativo e explicativo até a chegada dos
softwares, que um dia substituiriam a prancheta.

Nunca se esperaria que a criatividade fosse atingida por essas práticas, pois o
intuito ao introduzi-las era apenas a otimização de tempo, crescentemente muito
valorizada na nossa profissão. Entretanto, em razão do bombardeio de imagens
agravado pelo compartilhamento global cada vez mais imediato, esta ameaça
tomou proporções alarmantes. Se hoje o futuro da arquitetura nos parece incerto,
até amedrontador, mediante o grau de padronização entediante e a “falta de vida”
da produção atual, o que esperar da vindoura?

As vantagens da representação assistida por meios digitais são inegáveis.


Entretanto, o comodismo de alguns estudantes imaturos em relação aos
conhecimentos multidisciplinares a que o curso de arquitetura e urbanismo o
submete pode causar sérios vícios de concepção de projeto e aumentar o receio no
ato de conceber algo desafiador, capazes de tornar a profissão cada vez menos
interessante e rica em termos de qualidade do espaço.

O desenho a mão livre é o meio de representação gráfica que melhor expressa


o caráter ideativo e explicativo dos processos de concepção de projeto e não pode
perder o seu lugar no aprendizado da Arquitetura e do Urbanismo. Por mais
atraente que possa parecer se acomodar nas facilidades dos sistemas de
otimização nesta fase, as consequências de render-se ao uso precoce de softwares
sem o conhecimento necessário que os subsidia podem ser permanentes.

Acreditamos ser possível encontrar uma “harmonia” entre as diversas formas


de expressão, correlacionando meios manuais e digitais no aprendizado da
arquitetura e do urbanismo. Uma vez que tal aplicação harmônica se torna um
hábito no estudante projetista, suas produções podem fluir de modo mais rápido e
livre, sem se renderem à pressão constante do imediatismo. E assim, através da
liberdade alcançada pela autonomia no domínio das ferramentas de expressão e
ampla exploração dos meios digitais e analógicos, poderá atingir identidade de
representação gráfica e poética criativa próprias, que o acompanharão por toda a
carreira profissional.

Consideramos importante ressaltar que esta identidade não diz somente sobre
as características ímpares de cada ser humano, mas também sobre as memórias e
convivências geradas dentro e fora das universidades, durante seu período de
“alfabetização” arquitetônica. Se a relação projetista/projeto é complicada através de
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uma tela fria de intermediação tecnológica, o que dizer das relações interpessoais
professor/estudante entremeadas de formalidade, arrogância e incompreensão?
Relações mais afetivas e respeitosas entre docentes e discentes são de relevante
importância para criar um ambiente mais saudável e seguro, onde a criatividade e a
exploração do singular e do novo transitem livremente.

Concluímos que há muito mais relevância do que se poderia conceber entre as


“mãos” desta revolução maquínica que estamos empreendendo veloz e globalmente
A prática da arquitetura e do urbanismo é uma forma de arte tão antiga e relevante
que torna-se quase impossível imaginar que, em seu futuro, se dobraria aos atalhos
do mundo atual, pois o aprendizado da Arquitetura e do Urbanismo é um caminho
que se faz ao caminhar, onde não há atalhos confiáveis para os lugares em que
valem a pena chegar.

SANTOS
2022
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS
ARQUITETURA E URBANISMO

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SANTOS
2022

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