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VIÇOSA
SETEMBRO/2022
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS
DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO
RESUMO
_____________________ __________________________
Marilia Solfa Vitória Maria Andrade Gonçalves
Orientadora Bolsista
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SUMÁRIO
1. Introdução e problematização 4
2.Objetivos 5
3.Metodologia 5
5. Conclusões 23
6. Referências Bibliográficas 25
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1. Introdução e problematização
A partir da crença na arquitetura enquanto meio de ativar relações e intervir em dinâmicas locais,
uma vez que se insere num meio social, Mazzanti destaca sua convicção quanto ao papel do
arquiteto como projetista não só do espaço físico mas também das dimensões imateriais atreladas
a este, que envolvem o campo dos relacionamentos, sentimentos de apropriação e padrões de
comportamento, interessando ao escritório a forma como o espaço influencia o comportamento
dos usuários. A produção teórica e prática realizada pelo escritório investiga a possibilidade da
arquitetura ser pensada enquanto jogo lúdico a partir de sua condição “relacional” e, dessa forma,
aposta no papel pedagógico que pode ser atribuído ao espaço no estabelecimento de novas
relações entre as pessoas e destas com o espaço construído, que passa a ser concebido
enquanto “obra aberta”: apropriável, transformável e passível de ressignificações.A s abordagens
lúdicas e provenientes da “estética relacional” associadas ao processo participativo e
transdisciplinar empregado pelo arquiteto colombiano Giancarlo Mazzanti em seus projetos criam
arquiteturas de equipamentos coletivos e sociais singulares no contexto da dinâmica urbana
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latino-americana, de forma que o estudo de suas estratégias podem ampliar a compreensão sobre
a produção arquitetônica nesse contexto e, mesmo, servir como uma referência para orientar
novas formas de se pensar o processo projetual.
2. Objetivos
3. Metodologia
Inicialmente buscamos compreender melhor o discurso do escritório e as bases teóricas ao qual
ele se relaciona. Foi realizada a revisão bibliográfica voltada à fundamentação teórica a partir da
investigação de temas como o Processo Participativo em arquitetura, os conceitos do jogo lúdico
teorizado por Johan Huizinga no livro Homo Ludens (1938), e as teorias da estética relacional
teorizada por Nicolas Bourriaud (1998). Buscamos compreender a forma como Mazzanti se
apropria dessas referências para criar o conceito de “anomalia” que, por sua vez, vai dar origem
às “seis estratégias para uma arquitetura mais participativa” que guiam a produção do escritório.
Nos debruçamos sobre cada uma dessas estratégias a fim de compreender suas singularidades.
A partir destes entendimentos, foi feita uma sistematização conceitual das estratégias
participativas propostas por Mazzanti e suas relações com o jogo e com a dimensão relacional
proveniente da arte. Então, realizou-se um levantamento dos projetos da equipe, dos quais foram
selecionados dois para análise, o Parque Educativo de Marinilla (Marinilla, 2015) e as 21 Escolas
do Atlântico (Atlântico, 2016). Uma análise comparativa das estratégias participativas distintas
utilizada em cada projeto nos possibilitou compreender de forma mais aprofundada as linhas de
atuação do escritório. Foram definidos parâmetros para a análise dos projetos, sendo que os
estudos de caso possibilitaram o aprofundamento da compreensão sobre as estratégias projetuais
empregadas por Mazzanti em paralelo ao seu discurso teórico.
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A última parte da pesquisa consistiu na sistematização e análise de todos os materiais estudados,
os quais foram posteriormente apresentados na realização deste relatório.
Este texto é composto por duas partes. A primeira busca se aproximar da produção teórica do
escritório ao investigar suas estratégias para uma arquitetura participativa. Na segunda parte
buscamos compreender melhor como as estratégias são aplicadas na prática a partir da análise
dos projetos selecionados.
Em seus discursos, existe uma crença clara na arquitetura enquanto elemento determinante para
as ações, acontecimentos e relações que definem os lugares onde se inserem, sendo que no livro
“Jugando com anomalías” (2017), Mazzanti expõe justamente sua crença no papel do arquiteto
como indutor de mudanças sociais a partir de seus projetos. Utilizando de referências teóricas
como a do jogo lúdico, desenvolvida por Johan Huizinga, e com abordagens que remetem
também a aspectos da Estética Relacional teorizada por Nicolas Bourriaud, Mazzanti desenvolve
algumas “estratégias para uma arquitetura mais participativa”, que passam a guiar a produção do
escritório. São elas: 1) participação como mecanismo de apropriação; 2) co-criação; 3)
performatividade; 4) jogo do lúdico e anomalia; 5) arquitetura aberta e sistemática.
Pelo que foi observado durante o estudo, essas estratégias, dependendo do projeto, se
entrelaçam e/ou se sobrepõem com base nas especificidades de cada contexto, ou seja, várias
estratégias podem ser aplicadas em um mesmo projeto A seguir, buscamos analisar e
compreender as especificidades de cada uma dessas estratégias, com o objetivo de compreender
sua definição, o principal desafio encontrado pelo escritório ao implementá-la, os métodos
utilizados para aplicação dessa estratégia, que tipo de participação ela visa e em qual momento
do processo de projeto essa participação ocorre e, por fim, quais os principais conceitos que a
embasa.
Desafio: Como poderia a arquitetura ser concebida não mais como mero “espaço
construído” mas como “sujeito ativo” em uma rede social de trocas?
O escritório também se propõe a mapear essa rede de agentes e atores envolvidos nos projetos
de cunho público e social, que seria composta por: comunidades do entorno imediato, poder
público, usuários do espaço criado, ongs, coletivos, governos, empresas, arquitetos e demais
profissionais locais, e assim por diante. Uma vez que todos precisam ser levados em
consideração para a concepção do projeto, a forma como cada ator pode ser inserido no processo
de projeto também é bastante relevante para o desenvolvimento da metodologia do escritório.
Diante disso, o projeto arquitetônico teria o poder de impactar diversas escalas da dinâmica
urbana, promovendo desde as mudanças no espaço físico imediato e da cidade como um todo,
até mudanças nas “perspectivas do interior da comunidade (melhorando e impulsionando redes
locais e laços comunitários próprios)”.
Estratégia 2) Co-criação:
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Definição: O projeto deve ser criado coletivamente com a participação de vários agentes
(para além da equipe de projeto).
Estratégia 3) Performatividade:
Mazzanti define a estratégia de “performatividade” como mais uma das esferas nas quais a
atividade participativa se constitui, caracterizando-a como uma qualidade própria do espaço,
capaz de estimular a “participação” mesmo depois que a arquitetura já foi construída. Ele a define
como “uma relação em que o espaço não apenas surge, mas também passa a estabelecer
interações com aqueles que o utilizam, transformando o entorno” (Mazzanti; Medellín, 2017, p.
20). Considerando o foco do escritório no desenvolvimento de projetos de uso público coletivo,
nem sempre é possível que os usuários participem do processo de projeto e concepção,
principalmente nos casos em que os trabalhos são concebidos para participação em concursos
públicos de projeto, por exemplo. Diante destes entraves, a performatividade seria uma das
estratégias de participação que, embora deva estar presente no momento de concepção do
projeto, poderia ser ativada futuramente, quando a arquitetura já estivesse executada, durante seu
uso, a partir do contato com os usuários. Para isso, Mazzanti parece se aproximar da estética
relacional para conceber a possibilidade de um espaço “performático”. Isso seria possível a partir
do pressuposto adotado por Mazzanti (2021, UIA Rio) de que “a arquitetura necessita da
existência do usuário como um criador”. Ao discorrer sobre a performatividade do espaço,
Mazzanti afirma: “produzimos uma arquitetura que se encontra mais próxima das instalações de
arte contemporânea, que pressupõe um usuário ativo, e nos afastamos da construção de peças
escultóricas, como ocorria na modernidade, quando os usuários eram levados a observar e
contemplar o objeto” (Mazzanti; Medellin, 2017, p. 23).
Teorizado pelo curador e crítico de arte Nicolas Bourriaud em 1998 como o “domínio das trocas”, a
Estética Relacional considera que a prática artística contemporânea se manifesta não mais pela
criação de objetos a serem apreciados, mas sim pela construção de cenários que servem como
mote para o estabelecimento de novas relações entre as pessoas. Por isso seu caráter
temporário: a proposta é concebida a partir do “encontro fortuito, na relação dinâmica de uma
proposição artística com outras formações, artísticas ou não” (Bourriaud, 2009, p. 29-30). Dessa
forma, Bourriaud retoma os conceitos ligados à participação e à transitividade relacionando-os a
essa “cultura interativa” que acontece naquele momento de contato entre os diversos agentes
envolvidos na produção e na recepção da arte. Neste contexto, todo o âmbito das
interações/relações inter-humanas podem ser tomadas como matéria prima para o
desenvolvimento de “formas integralmente artísticas, sendo passíveis de análise enquanto tal”
(Bourriaud, 2009, p. 40).
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Bourriaud identifica na sociedade contemporânea uma tendência de individualização da vida e das
experiências que atribuem sentido a ela. Enquanto o sujeito se encontra cada vez mais “reduzido
à condição de consumidor de tempo e de espaço”, os vínculos e elos sociais se enfraquecem e os
contatos humanos diretos tendem a ser reduzidos: “o vínculo social se tornou um produto
padronizado”, explica ele, e “as relações humanas não são mais ‘diretamente vividas'''. Em
resposta a esse cenário, o autor identifica na arte contemporânea manifestações que colocam a
esfera das relações humanas no centro de suas investigações. A arte se reconfigura,
colocando-se como “um campo fértil de experimentações sociais, como um espaço parcialmente
poupado à uniformização dos comportamentos” (Bourriaud, 2009, p. 11-13).
Bourriaud tem em vista a produção de um grupo de artistas cuja produção toma como foco as
“relações entre os sujeitos e o mundo comum que eles habitam” (2009, p. 62). Trata-se de
trabalhos que se voltam para a criação de “micro comunidades instantâneas”, que se apresentam
como “duração a ser experimentada”, questionando ou mesmo quebrando o comportamento
padronizado, que segue os moldes de eficiência das máquinas.
Dessa forma, a manifestação artística passa a ser concebida como um objeto relacional que, ao
promover a interatividade e a sociabilidade, lança questionamentos sobre os modos como
habitamos mundos comuns. Nesse contexto, as “figuras de referência da esfera das relações
humanas”, como “as reuniões, os encontros, as manifestações, os diferentes tipos de colaboração
entre as pessoas, os jogos, as festas e os locais de convívio” se transformam em "formas
integralmente artísticas” (2009, p. 41).
Mazzanti, por sua vez, se apropria das reflexões de Bourriaud ao afirmar que:
O valor da arquitetura não reside somente em si mesma, mas também no que ela
produz, em sua capacidade performativa em detrimento de sua capacidade
representacional, por isso nos interessa uma arquitetura que seja definida pelo
que ela realiza e não somente por sua substância. Nos interessa induzir ações,
acontecimentos e relações” (Mazzanti; Medellin, 2017, p. 22)
Neste aspecto, seja no momento de concepção, quando Mazzanti utiliza o jogo para estimular e
extrair respostas da comunidade local (que se transformarão em dados a serem utilizados durante
o projeto), ou mesmo no momento de recepção/uso, quando trabalha o conceito de
performatividade para estimular nos usuários novas formas de uso e conduta nos espaços,
Mazzanti parece estar trabalhando sob influência da estética relacional. Assim, ele cria essa
aproximação entre arquitetura e arte, justamente por considerar a arquitetura uma obra aberta que
se constrói a partir da relação com o usuário (apesar de considerar a arquitetura muito mais
complexa pelas relações, atores e contextos na qual está envolvida). Dessa forma, um dos
desafios enfrentados pelo escritório estaria em dar resposta à seguinte questão: seria possível
conceber uma “arquitetura relacional”?
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Estratégia 4) Jogo lúdico e Anomalia:
Definição: Anomalia: Adjetivo que significa fora da ordem, fora da norma estabelecida;
diferente do normal; estranho, irregular, que não segue as regras gerais de formação.
Mazzanti concebe a anomalia como uma qualidade que pode ser atribuída ao espaço.
Espaços anômalos fogem à noção convencional de lugar associada à determinada
tipologia e possibilitam novas formas de relacionamento das pessoas entre si e com o
meio. Associado à anomalia, Mazzanti propõe a ideia do jogo lúdico como meio para
promover uma maior interação dos usuários entre si e com estes espaços anômalos, uma
vez que o jogo tem um caráter social inato que estimula novas experiências naqueles que
o vivenciam. Segundo ele, o maior interesse está na “capacidade do jogo como ferramenta
de aprendizagem e ação” (Mazzanti; Medellín, 2017, p. 20).
Desafio: Como conceber e construir espaços distintos de tudo que existe e sem regras
claras de uso, e que ainda assim funcionem? Como conceber espaços arquitetônicos
como espaços heterotópicos?
Método: O jogo lúdico é considerado como um método que permite a concepção coletiva
do espaço para além das preconcepções dos arquitetos e dos usuários. O encontro do
usuário com um espaço desconhecido é valorizado porque exige dele uma ação de
reconhecimento e de apropriação.
Mazzanti define a anomalia como “mudanças, desvios do que é normal, natural ou previsível”
(Mazzanti; Medellín, 2017, p. 19). A conceituação da anomalia como qualidade aplicável ao
projeto arquitetônico surge também como resposta à inquietação de Mazzanti quanto à
possibilidade dos arquitetos conceberem a arquitetura como “espaço heterotópico”.
A heterotopia foi trabalhada pelo filósofo Michel Foucault no texto “De espaços outros”, publicado
originalmente em 1984, e parte da premissa de que os lugares e mesmo os modos de vida e
organização da sociedade exercem um poder sobre as pessoas. Para Foucault (2013), o espaço
heterotópico é um lugar que está presente no mundo real mas possui em si mesmo uma outra
lógica de vivência, fugindo às dinâmicas de uso e às normas pré-concebidas, subvertendo ideias
e concepções sacralizadas. Foucault (2013, p. 118) acreditava que a heterotopia, ou os “lugares
outros”, tinham o poder de “justapor em um único lugar real vários espaços, várias alocações em
si mesma incompatíveis”, questionando lógicas pré-definidas da sociedade. Foucault fala, por
exemplo, da heterotopia dos jardins orientais, lugares com significações muito profundas e
superpostas. Além disso, discursa também a respeito da “heterotopia de desvio”, exemplificada
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por lugares como prisões, casas de repouso e hospitais psiquiátricos, destinos para os quais as
pessoas que não estão “agindo de acordo com a normalidade” são direcionadas.
A partir desses estudos, foi possível compreender o paralelo existente entre o conceito de
heterotopias de Foucault e o de anomalia proposto por Mazzanti. Sendo o anômalo aquilo que
foge à norma, que não segue a regra, Mazzanti se apropria dos conceitos trabalhados pelo
filósofo para repensar os espaços, suas funções e temporalidades. Como resultado, o arquiteto
visa criar arquiteturas que se abrem a novas formas de apropriação pelos usuários e demais
atores envolvidos com o lugar. Nesse sentido, a concepção de novas formas, espaços e
programas é tida como instrumento de atuação do arquiteto que lhe dá oportunidade para
influenciar os modos de percepção e vivência dos lugares. Mazzanti ambiciona transformar a
sociedade a partir da arquitetura, porém seu discurso adquire um caráter menos utópico e mais
real, na medida em que o arquiteto trabalha na escala da comunidade, buscando melhorar a vida
em contextos e realidades específicas.
Desse modo, a noção do jogo lúdico, conforme teorizado por Johan Huizinga (1938) e retomado
por Mazzanti, se apresenta como a abordagem e método a partir do qual o escritório busca obter
esses espaços que fomentem no usuário novas formas de apropriação.
Para Huizinga (1938), o jogo é uma atividade voluntária cuja finalidade é exterior aos interesses
materiais imediatos; dentro do círculo do jogo as leis e costumes da vida cotidiana perdem a
validade. Assim, a busca de Mazzanti ao incorporar o jogo e suas características relacionadas às
manifestações sociais no processo de projeto pode ser vista como um modo experimental para
auxiliar na concepção da arquitetura enquanto obra aberta e relacional.
Mazzanti se apropria ainda do argumento de Huizinga de que o jogo “pode efetuar-se dentro do
mais completo espírito de seriedade” (Huizinga, 1938, p. 17), apresentando um papel fundamental
no desenvolvimento humano. Dessa forma, Mazzanti parece validar a investigação do jogo como
parte do processo participativo de projeto.
De forma geral, Mazzanti emprega o conceito de anomalia, construído com base nos conceitos de
lugares heterotópicos, associando tal conceito ao jogo lúdico como forma de investigar novas
estratégias de projeto para repensar os modos de conceber, projetar e construir o espaço
arquitetônico.
Nesse caso o arquiteto assume o papel de criador das regras de um jogo. Cria e desenha as
peças-padrão (um número definido de peças modulares que se repetem), assim como estabelece
os padrões de associação entre as peças. Define, ainda, os parâmetros gerais do jogo, atribuindo
unidade e sentido ao sistema. O arquiteto também define os agentes que podem participar do jogo
e as formas possíveis de participação. Estabelece, ainda, a possibilidade da criação de peças
específicas para cada projeto, que, no entanto, devem seguir uma modulação pré-definida e um
padrão de acoplamento que faça com que ela possa se integrar ao jogo. A partir do momento em
que o jogo é criado e os jogadores estabelecidos, o arquiteto não teria mais controle total do
resultado final, embora tenha pleno controle do processo. Por isso, nesse caso, o jogo é utilizado
para a revisão da própria noção de arquitetura e do exercício de projeto. Dessa forma, ele trabalha
com a modularidade e adaptabilidade em arquitetura de maneira a obter projetos únicos, que
dialogam com a identidade do lugar e das pessoas levando em conta suas especificidades.
Com o que foi apresentado, é possível perceber que as ideias por trás das estratégias
participativas propostas por Mazzanti se entrelaçam para criar arquiteturas anômalas que
estimulam os usuários a interagirem de forma diferente da usual, o que ressalta a crença do
escritório quanto ao papel determinante do arquiteto de estimular tais relações. Assim, os
conceitos de cocriação e participação perpassam o exercício das estratégias lúdicas que, por sua
vez, visam produzir uma arquitetura aberta de significado e forma. O emprego do jogo e do lúdico
na arquitetura do escritório é elemento metodológico chave na medida em que representa tanto
uma possibilidade de aproximação com a comunidade nas oficinas de co-criação quanto a
ferramenta para conceber uma arquitetura aberta e sistemática.
Para melhor compreensão dessas estratégias foram escolhidos dois projetos para um estudo mais
aprofundado. Eles consistem em equipamentos de uso coletivo educacional e cultural e foram
concebidos a partir de estratégias participativas distintas. No primeiro, o Parque Educativo de
Marinilla (Marinilla, 2015), a participação foi mobilizada durante a concepção do projeto, inserindo
a comunidade do entorno no processo de concepção do espaço. No segundo estudo de caso, as
21 Escolas do Atlântico (Atlântico, 2016), destaca-se a elaboração dos sistemas construtivos
modulares e abertos que permitem que os espaços sejam alterados ou ampliados ao longo do
tempo de acordo com a necessidade de cada contexto.
Imagens 1 e 2 - Vistas do Parque Educativo de Marinilla. El equipo Mazzanti. 2020. Fonte: Archdaily.
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Informações do projeto
● Arquitetos: El Equipo Mazzanti
● Localização: Marinilla, Colômbia
● Ano: 2015
● Cliente: Governo de Antioquia
● Área: 700,0 m²
● Caráter: Educacional, espaço público, cultural
Cocriação:
Como exemplo dado por Mazzanti durante a palestra ministrada para o UIA RIO, o processo de
projeto do Parque Educacional de Marinilla, em Antioquia na Colômbia, teve início a partir de
oficinas de cocriação. O envolvimento do escritório com as comunidades locais durou, segundo
ele, em torno de oito anos (Mazzanti, 2021). Não foram encontrados detalhes de como as
atividades dentro dos “laboratórios participativos” foram conduzidas, porém no site do escritório
estão presentes imagens de desenhos feitos pelos moradores da comunidade sobre o que elas
desejariam para o projeto do equipamento educativo (Imagem 3).
Durante as oficinas de desenho, informações foram retiradas dos participantes nos momentos
lúdicos de trocas e convívio com os moradores. Essas informações foram trabalhadas e
reelaboradas pela equipe de projeto e retornaram como balizadoras do conceito e do partido
arquitetônico. Podemos dizer, portanto, que a participação, aqui, foi indireta uma vez que a
comunidade não participou efetivamente da tomada de decisões do projeto, que ficou a cargo dos
arquitetos.
Imagem 3 - Desenhos coletados nas oficinas de cocriação, trabalhos feitos pela comunidade. El equipo Mazzanti. 2020.
Fonte: Archdaily.
Segundo relatado na palestra do UIA RIO, a partir do contato com as pessoas nas oficinas os
arquitetos puderam identificar, por exemplo, que a troca de mudas de plantas ornamentais era um
hábito pré-existente na comunidade. Além disso, os desenhos também mostraram o hábito da
população de ocupar espaços públicos próximos às residências com elementos domésticos (como
redes de descanso e cadeiras, por exemplo). Esses desenhos auxiliaram na compreensão
daquele contexto social e na concepção conceitual e espacial do projeto, sendo diretamente
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incorporado no partido arquitetônico. Dessa forma, Mazzanti fala sobre a incorporação das mudas
de plantas como atores do projeto, qualificando o espaço criado. Ele trabalha o conceito do jardim
transformável ao longo do tempo pelos usuários, que são estimulados a trocas no local, ou seja,
podem “levar uma muda, deixar uma muda”. Isso simbolicamente transforma o espaço em um
ponto para trocas sociais e um lugar que se altera pela própria atuação dos usuários, já que a
ideia inicial era que com o tempo o envoltório em malha de alumínio fosse tomado pela vegetação.
Imagens 4 e 5 - Render internos com a fachada tomada pela vegetação. El equipo Mazzanti. 2020. Fonte: Revista
Arquitectura Viva.
Performatividade + anomalia:
Sendo a performatividade a condição do espaço que surge a partir do momento que o usuário
interage com ele, o plantio e troca de mudas pela comunidade poderia ser considerada uma ação
performática. Assim, o espaço é aquele que ao mesmo tempo estimula e necessita da ação do
usuário. Além disso, em se tratando de atividades que normalmente não se encontram presentes
em parques educativos, esta ação poderia se caracterizar também por uma atividade inusitada e,
portanto, anômala, conforme os conceitos definidos pelo escritório.
Imagens 6, 7 e 8 - Fotos do equipamento - interior e exterior. El equipo Mazzanti. 2020. Fonte: Archdaily.
A “pele” de malha metálica, interface que delimita o conjunto e ao mesmo tempo o integra com o
parque ao redor, cumpre esse papel dúbio de ao mesmo tempo delimitar e integrar, garantindo a
permeabilidade visual. Causa estranheza pelo uso inusitado desse material, além de servir como
suporte para o crescimento de vegetação, intenção presente nos desenhos de concepção, mas
que de fato nunca se consolidou.
Imagem 9 - Diagrama da forma e planta. El equipo Mazzanti. 2020. Fonte: Modificada pela autora.
Imagens 10 e 11 - Estudo do partido arquitetônico. Cheios e vazios. Peças de encaixe do jogo. 2022. Fonte: Modificada
pela autora.
Imagens 12 e 13 - Vistas das Escolas do Atlântico. El equipo Mazzanti. 2020. Fonte: Archdaily.
Informações do projeto
○ Arquitetos: El Equipo Mazzanti
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○ Localização: Atlântico, Colômbia
○ Ano: 2016
○ Cliente: Governo de Antioquia
○ Caráter: Educacional
O projeto das 21 Escolas foi concebido como uma arquitetura modular que se materializa
seguindo lógica semelhante à das peças de lego, podendo se expandir e ser replicado conforme a
necessidade. Proposto como parte do programa educacional do departamento do Atlântico, no
norte da Colômbia, foram construídas 21 escolas em 18 pequenas cidades diferentes, numa
região que se caracteriza por apresentar condições climáticas que variam entre períodos de seca
e de chuva intensas.
Segundo Mazzanti, uma das inovações está na concepção do sistema escolar como algo
composto por partes autônomas, ou seja, a escola pode ser construída ao longo de um período de
tempo e por partes, sem que isso atrapalhe seu funcionamento. Além disso, ela se adapta à
demanda escolar, ou seja, de acordo com o número de alunos matriculados, nos casos em que
nem todos os espaços necessitam ser ocupados pela escola, é possível que partes do projeto
sejam destinados a outros usos, como um centro comunitário, sendo possível inclusive que o
acesso seja independente ao da escola. Essa estratégia visa garantir a apropriação popular, além
de evitar que o edifício não possa ser utilizado caso problemas com recursos públicos inviabilizem
sua construção completa.
Performatividade:
O sistema:
Composto por peças que se diferenciam pelo formato que possuem e pelo programa que
encerram, o sistema possui uma lógica de encaixe que garante ao método a possibilidade de se
adaptar aos diferentes casos, levando em consideração as individualidades de cada projeto.
Peças: hexágonos (peças base), retângulos (peças de apoio), outros formatos (peças especiais,
específicas de cada projeto conforme a necessidade do programa).
Resultados: as diferentes lacunas e espaços encerrados pelo formato dos módulos criam pátios
com escalas diversas que atuam como uma extensão do espaço interior.
Imagem 14 - Análise das peças e do programa. 2022. Fonte: Modificada pela autora.
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Imagem 15 - Análise dos padrões de encaixe. 2022. Fonte: Modificada pela autora.
5. Conclusões
Foi possível perceber que a partir dos diversos atores envolvidos no projeto, Mazzanti desenvolve
diferentes estratégias para criar o que ele chama de uma arquitetura participativa. Estas
estratégias, dependendo dos atores e da temporalidade da participação proposta, têm como
resultado:
A partir das análises realizadas, levantamos a seguinte questão: estaria El Equipo Mazzanti
propondo uma arquitetura efetivamente participativa, ou seria mais adequado nos referirmos à sua
sua produção a partir do termo “arquitetura relacional”?
Giancarlo De Carlo, arquiteto italiano referência nos estudos de projetos participativos, afirma que
o processo participativo em arquitetura deve sempre envolver maior poder de escolha dos
usuários, de forma que ele se abra para que as pessoas de fato exerçam seu poder de escolha e,
nesse processo, se tornem sujeitos ativos social e politicamente. Dessa maneira, existe no
processo participativo de De Carlo um contato muito profundo e de troca de informação entre os
arquitetos e os cidadãos. Isso acontece porque a população deveria ser envolvida em todas as
etapas que compõem o projeto, desde os momentos iniciais, nas tomadas de decisões
importantes até, inclusive, na execução da obra, na forma de mutirões em que a comunidade
entra como mão de obra efetiva. Nestes casos, o gerenciamento de tempo e recursos são
desafios a serem trabalhados já que o processo envolve dinâmicas em grupo e diversas
estratégias participativas que demandam maiores investimentos e administração de recursos
humanos e de tempo, uma vez que tudo é decidido coletivamente. Apesar disso, para De Carlo,
os resultados deste tipo de projeto são comunidades engajadas e politicamente atuantes, que se
sentem parte daquilo que foi construído, criando maiores vínculos entre si e com a arquitetura, de
modo que os sentimentos de pertencimento e identificação se tornam mais fortes.
Diante disso, sem desconsiderar o valor que a arquitetura produzida por Mazzanti agrega na
discussão da participação em arquitetura, as estratégias empregadas pelo arquiteto, no entanto,
concentram, ainda, a tomada de decisões na equipe de arquitetos. Sendo assim, se temos como
base a participação conforme trabalhada por De Carlo, a arquitetura de Mazzanti poderia ser
encarada mais como uma arquitetura “relacional” do que “participativa”.
A participação em Mazzanti não se volta para a consciência de classes ou para a superação das
desigualdades nas tomadas de decisões durante o processo de projeto ou durante a construção
dos edifícios de equipamentos coletivos. Trata-se, portanto, de uma participação muito distante
daquela preconizada por De Carlo. A participação proposta por Mazzanti pode muitas vezes ser
considerada como sinônimo de interação, ou seja, suas estratégias garantem sempre uma
interação entre os atores envolvidos no projeto, por promoverem convívio social e por abrirem
oportunidade para que as pessoas alterem o espaço durante seu uso. Sobre isso, Mazzanti
(Mazzanti; Medellín, 2017, p. 22) fala que “o valor do jogo, do lúdico ou da anomalia, entre outros,
reside na construção de momentos de interação, capazes de ativar relações humanas diferentes
daquelas determinadas no cotidiano e no espaço funcional; onde há jogo, há também significado”.
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6. Referências Bibliográficas
FOUCAULT, Michel. De espaços outros. Estudos Avançados [online]. 2013, v. 27, n. 79, pp.
113-122. Epub 25 Nov 2013. ISSN 1806-9592.
https://doi.org/10.1590/S0103-40142013000300008. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/S0103-40142013000300008. Acesso em 14 Set. 2022.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura [1938]. Perspectiva: São
Paulo, 1999.
MAZZANTI, Giancarlo; MEDELLIN, Carlos. Jugando com anomalias: ejercicios lúdicos para la
co-creación del espacio. Findeter: Bogotá, 2017.
MAZZANTI, Giancarlo et al. Tres exposiciones, tres juegos. Editorial Arquine: Ciudad de
México, 2017b.