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Projetos de iniciativa estudantil e transformação

social
The student iniciative in social change

Azevedo, Beatriz Freindorfer; Ms; Universidade de São Paulo


Beatriz.azevedo@gmail.com

Resumo

Esse artigo é um relato sobre duas iniciativas cuja inspiração foi a de que o design poderia
transformar a realidade e inspirar uma melhoria do quadro social; trabalhando com uma
família carente de Jundiaí, e depois, com uma cooperativa em Barueri, SP. Com o objetivo de
se aproximar à atividade profissional, as experiências promoveram ganhos para ambos os
lados: o auxílio na condição de vida dos envolvidos e o conhecimento e prática para os
futuros designers; além da sensibilidade social que pode enraizar e se estender cada vez mais
na profissão, se incentivada desde o princípio da formação do estudante.

Palavras Chave: estudante; sustentabilidade; metodologia de projeto.

Abstract

This paper reports two iniciatives inspired by the change that design can lead in the
improvement of social aspects in a population; first, working with a family in need in Jundiaí
and later, with a cooperative office in Barueri, São Paulo. As first intended to approach
students to professional practice, the experience proved to be a good deal for both sides: it
helped those families and made possible for the students to acquired knowledge and
experience. It also proved to incentivate the need for social change that could affect young
students to be more active professionals in the future.

Keywords: student; sustentability; project methodology.


Projetos de iniciativa estudantil e transformação social

Introdução

Os desafios colocados pelo campo de atuação do designer tomam rumos maiores do que
nós, os estudantes universitários, podemos imaginar no início do nosso percurso de
graduação. No nosso primeiro dia de aula na faculdade fomos apresentados a um profissional
solitário e genial que resolve todos os problemas do mundo com o auxílio de um lápis.
Acreditamos nessa ideologia e forma de trabalho por algum tempo, mas, ao nos
aprofundarmos no campo e nos problemas contemporâneos colocados para o Design, re-
afirmamos, através das palavras de Tomás Maldonado, o significado de Design segundo o
International Council of Societies of Industrial Design, o ICSID:

"Projectar a forma [Design] significa coordenar, integrar e articular todos aqueles


factores que, de uma maneira ou outra, participam no processo constitutivo da forma
de um produto. E, mais precisamente, alude-se tanto aos factores relativos à
utilização, à fruição e ao consumo individual ou social do produto (factores
funcionais, simbólicos ou culturais) como aos que se relacionam a sua produção
(factores técnico-económicos, técnico-construtivos, técnico-sistémicos, técnico-
produtivos e técnico-distributivos)." (MALDONADO, T. Desenho Industrial. Trad.
MARTINS, J. F. E. Lisboa: Edições 70, 2009.)

Dito isso, não se pretende aqui exorcizar uma prática e uma metodologia que podem ser
consideradas, de certa forma, “tradicionais”: o profissional que desenvolve trabalhos
comerciais para empresas, cujos esforços estão fortemente associados ao sucesso de vendas.
Procuramos salientar, em outras palavras, que o designer já não pode ser aquele que fica
sentado à sua prancha passando de briefing a briefing numa postura estática semelhante, em
alguns aspectos, a uma linha de montagem fordista (e é quase desnecessário explicar a
metáfora ao reiterar o fato de ser um processo de produção superado pelas práticas
contemporâneas). Ao contrário disso, espera-se dele uma postura de pensamento global, de
completa afinidade com profissionais de outras áreas e outros conhecimentos, que domine e
que intervenha em outras etapas do processo: conceitualização e pesquisa, materiais e
tecnologias para produção, marketing, cadeias de distribuição, relacionamento com o cliente e
feedback etc.
Não obstante fosse muito questionável essa figura do profissional designer, passamos a
nos perguntar igualmente acerca da finalidade dos esforços produzidos por essa classe de
profissionais. Aloísio Magalhães afirmou na sua famosa fala “O que o Desenho Industrial
pode fazer pelo país?”:

“Aqui [no Brasil], a natureza contrastada e desigual do processo de desenvolvimento


gera problemas naquela relação [entre o produto e o usuário], que exigem um
posicionamento de latitudes extremamente amplas; a consciência da modéstia de
nossos recursos para a amplitude do espaço territorial; a responsabilidade ética de
diminuir o contraste entre pequenas áreas altamente concentradas de riquezas e
benefícios e grandes áreas rarefeitas e pobres.(...)” (Revista Arcos volume 1 1998
Número Único p.8-13)

Esta fala que, na sua ocasião, foi direcionada aos estudantes da Escola Superior de
Desenho Industrial (ESDI), em comemoração aos 15 anos de existência do curso de Desenho
Industrial, se faz tão atual hoje quanto o fazia então: o Design é sempre definido pela situação

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sócio-econômica de onde é praticado, sendo essas características as mais relevantes no


momento de determinar diretrizes projetuais. Somos constantemente seduzidos por um mundo
tecnológico, tanto que se torna fácil nos esquecermos de que a realidade brasileira, no seu
conjunto, sofre com a falta de recursos e com as diferenças sociais.
Em face destes questionamentos, e inspirados pela ideia da “transformação massiva” de
Bruce Mau, reformulamos a questão de Aloísio Magalhães e nos perguntamos: “O que nós,
enquanto estudantes, podemos fazer para contribuir para a melhoria deste quadro?”

Primeiro projeto: Luis Antonino e a mesa Asterisco

Luis Antonino é morador de Jundiaí, São Paulo e sustenta uma família de 5 pessoas
trabalhando como ajudante de pedreiro na região. Quando era adolescente, fez um curso
profissional de marcenaria, dominando os materiais e as técnicas da manipulação da madeira;
atuou muitos anos, de maneira artesanal, desenvolvendo projetos de móveis específicos para
as residências em que trabalhava. Ele demonstra uma capacidade inventiva muito grande, e
desenvolve objetos novos sempre que tem matéria-prima para trabalhar. Luis Antonino não é
um designer. Mas isso não o impediu de conceber uma solução de mobiliário de valor e com
altíssimo grau de criatividade: a partir de 2 tipos de peças com recortes espelhados, obteve,
através de simples encaixes, uma estrutura escultural firme e que suporta peso.
Primeiramente, Luis Antonino nos contatou por e-mail por ter encontrado na internet
informações acerca do nosso envolvimento em seminários estudantis de Design. Todo o seu
percurso anterior ao nosso trabalho se deu pelo que carinhosamente chamamos de o
“atrevimento” de pedir ajuda a quem quer que fosse que ele descobrisse na internet e que lhe
pudesse fornecer algum tipo de auxílio. Foi assim que Luis Antonino reuniu informações
suficientes sobre o processo de registrar o desenho da mesa Asterisco junto ao Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI); fez contatos com lojas, fabricantes, agências de
Design que poderiam trabalhar o seu projeto. Dessas investidas, somente o registro teve
sucesso. Nós nos sentimos bastante contagiados e resolvemos dar-lhe atenção, porque ele
demonstrou um grande entusiasmo em relação ao seu projeto, sentimento que observamos em
nós mesmos em relação aos nossos trabalhos.
Nosso primeiro encontro com Luis Antonino foi de extrema admiração, pois não
imaginávamos que a sua ideia para uma mesa fosse tão promissora. Entretanto, era evidente
que existia uma inadequação, que é a barreira que separa uma grande ideia de um verdadeiro
produto de Design: um projeto verdadeiramente completo e descritivo. Isto implicou uma
série de refinamentos da ideia inicial no que diz respeito ao desenho, às normas, aos materiais
e processos de produção, e à relação entre o produto e o usuário em um plano de comunicação
que fosse o mais completo quanto conseguíssemos desenvolver.

Figura 1: Modelo computacional; Figura 2: foto ambientada do protótipo

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Todo esse desenvolvimento foi uma investida de 9 estudantes do curso de Design da


FAUUSP que contou com o auxílio dos técnicos de prototipagem do Laboratório de Modelos
e Ensaio da FAUUSP (LAME), que trabalharam em um percurso de 6 meses:

 William Kimura refinou as formas e produziu os desenhos técnicos das peças;


 Rafael Barreto Gatti definiu um projeto executivo para a fabricação da mesa e
produziu modelos computacionais;
 Fábio Takao Watanabe pesquisou as normas técnicas e a legislação para
mobiliário para que a mesa atendesse tais requisitos e desenvolveu uma
embalagem para as peças;
 Amanda Iyomasa produziu o modelo físico;
 Beatriz Freindorfer Azevedo e Ricardo Lopes Stanzani fizeram a pesquisa de
mercado e esboçaram um projeto de comunicação, que visava aos meios de
colocar a mesa no mercado;
 Eduardo Camillo K. Ferreira e Gabriel Santos Garbulho produziram um
hotsite em que as informações da iniciativa fossem disponibilizadas; e
 Danilo Hideki Abe produziu a sessão de fotos ambientadas com a mesa.

Nossa primeira investida para divulgar a mesa, que após todo esse estudo foi nomeada
“Asterisco” devido à forma da base escultural, foi inscrevê-la no concurso do Salão Design
Movelsul 2010, nas condições de ser um projeto estudantil, cujo desenho era de autoria de
Luis Antonino, mas com o projeto de design desenvolvido pelo grupo de estudantes. A mesa
Asterisco foi classificada para a segunda fase e participou da exposição dos finalistas.

Figura 3: mesa Asterisco na exposição do Salão Design MovelSul 2010

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Atualmente, observamos que todo esse percurso, que foi tomado passo-a-passo junto ao
criador da mesa, promoveu uma forma de aprendizagem, tanto por parte dos estudantes
quanto do próprio Luis Antonino, embora não consideremos que o projeto esteja encerrado,
pois a última etapa, equivalente à comercialização e viabilização do produto, ainda está em
desenvolvimento. Acreditamos que agora o Luis Antonino encontra-se mais apto a dar rumo
às suas ideias, podendo empreitar seus projetos com maior habilidade. A nós, os estudantes,
ficou a satisfação de ter contribuído com o nosso conhecimento para a melhoria das condições
de vida de uma família que sobrevive com muita carência. Victor Papanek sugere que todos
os designers devem doar 10% da sua carga horária de trabalho para vislumbrar soluções para
problemas sociais e ambientais. Não parece um objetivo difícil de ser conciliado com a rotina
do designer profissional. Sem dúvida, o projeto desenvolvido com o Luis Antonino poderia
tomar proporções maiores e incentivar uma transformação num maior número de famílias.

Segundo projeto: Revale

Durante o trabalho da mesa Asterisco, chegou ao conhecimento do estudante Rafael


Barreto Gatti um outro desafio: uma cooperativa localizada no Vale do Sol, em Barueri,
Estado de São Paulo. O caso acontece, desta vez, com a baiana Jordânia Pereira da Silva,
lavadeira, a qual descobriu o que eram pallets quando se deu conta de que as cinzas que
manchavam suas roupas provinham da queima da madeira despejada pela prefeitura. Jordânia
resolveu transformar essa madeira em algo útil para a comunidade, fundando a cooperativa de
marcenaria Unindo Forças, da qual atualmente é presidenta. A Unindo Forças constitui uma
fonte de subsistência para a comunidade do Vale do Sol, produzindo bancos, cadeiras e
mesas. Receberam como doação as máquinas da Fundação Alphaville e até treinamento do
SENAI. Contudo, a renda obtida com o trabalho das cooperadas ainda era insuficiente para
prover as famílias envolvidas.
Assim, Rafael Barreto Gatti organizou uma nova iniciativa, que reuniu uma equipe
voluntária de 15 estudantes de Design da FAUUSP e 5 apoiadores técnicos, para diagnosticar
e pensar uma alternativa à situação da cooperativa Unindo Forças. Após a primeira visita, em
que se constatou o cenário, os meios e a força disponível para realizar o projeto, os estudantes
se dividiram em 3 grupos:
 Grupo de produtos de valor agregado, composto por Fábio Takao (coordenador do
grupo), Amanda Iyomasa, Cibele Scera Lee, Eduardo Camilo Ferreira e William
Kimura – com o objetivo de desenvolver produtos que tivessem potencial para serem
comercializados em centros comerciais de alto padrão, no qual o alto valor agregado
compensasse a baixa capacidade de produção;

 Grupo de produtos locais, composto por Ana Clara Goyeneche (coordenadora do


grupo), André Noboru, Debora Midori, Francisco Varejão Manara, Hugo Chinaglia e
Lucas Colebrusco – com o objetivo de desenvolver produtos que tivessem potencial
de atender as necessidades da própria comunidade e da região de Barueri, criando,
assim, possibilidades de comércio local; e

 Grupo de produtos inovadores, composto por Bruno Zaitsu (coordenador do


grupo), Erick Fugii, Fernanda Valerio, Larissa Petronilho, Marcos Kazama e Tamira
Yae Waki – com o objetivo de atuar mais livremente na experimentação dos meios
produtivos e potencialmente alcançar resultados diferentes dos outros grupos que
pudessem abrir novas possibilidades à cooperativa.

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Desta vez, o objetivo e a motivação dessa iniciativa estavam mais claros do que na
primeira experiência, sendo determinado o cronograma de 3 meses para a apresentação final
dos produtos. A gestão do projeto coube a Rafael Barreto Gatti que, além de fazer a
comunicação com a cooperativa, também fez o registro de todas as etapas e divulgou o
trabalho na internet, criando um blog sobre o projeto e um flickr para divulgar as fotos.
Após essa divisão, seguiu-se uma etapa de entrevistas, em que os estudantes entraram
em contato com 8 famílias da região e conheceram suas casas e a sua rotina, a fim de
determinar se a realidade das famílias das cooperadas era semelhante a de outras do Vale do
Sol. Cada grupo tinha a autonomia de escolher uma metodologia para trabalhar e, por essa
razão, seus processos foram diferentes. Mas uma etapa foi fortemente valorizada e
desenvolvida por todos: a pesquisa de campo.

Primeira etapa: pesquisa e conceituação

Figura 4: painel de visita à cooperativa

A pesquisa de campo foi considerada indispensável por todos os estudantes, pois através
dela foi possível levantar dados que possibilitaram uma visão crítica do panorama. A inicial
visita à comunidade não foi suficiente para identificar os problemas e as oportunidades. O
grupo do valor agregado foi visitar as lojas de mobiliário e decoração para conhecer o usuário
que se pretendia atingir; procuraram também projetos semelhantes, como o Atelier do Bem e
o Design Possível, para inspirarem-se no seu trabalho. Também montaram painéis
semânticos, reunindo referências visuais daquilo que poderia ser o universo do perfil do
usuário estudado. O grupo de produtos locais aprofundou-se ainda mais em conhecer a
realidade do Vale do Sol e de Barueri. Compuseram formulários de pesquisa com perguntas
em relação às necessidades dos moradores e foram preenchê-los junto à comunidade, para
adquirir conhecimento da visão dos moradores em relação à produção na cooperativa e a sua
própria casa em termos de mobiliário: o que é um bom móvel? O que é indispensável a
qualquer casa? O que gostariam de ter? A equipe de inovação, por não ter um objetivo tão
claro de partida, teve sua primeira etapa de entendimento do panorama mais atrelada a uma
análise dos processos e ferramentas que a cooperativa detinha, pesquisando, dessa maneira, as
técnicas que eram possíveis de serem utilizadas na produção final dos produtos, pesquisa esta
que se tornou útil a todos os grupos. Após um certo período de discussão sobre o que
significava inovar, partiram para um raciocínio mais sistemático e compuseram painéis sobre
problemas do dia-a-dia de natureza utiliária, elencados conforme a experiência de vida de
cada integrante na tentativa de encontrar uma oportunidade ainda não explorada pelo Design
de Mobiliário.
Essa etapa da pesquisa, que levou à da escolha de diretrizes ou partidos projetuais, teve
momentos alternados de desenvolvimento acelerado e de estagnação e consumiu 1 mês e
meio do prazo (ou seja, metade do cronograma).

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Figura 5: painel de pesquisa

Segunda etapa: geração de alternativas

Figura 6: painel equipes em trabalho

A partir de um determinado ponto do levantamento de dados, os estudantes começaram


a se sentir confiantes para esboçar as primeiras ideias. Assim como foi com a pesquisa, cada
grupo teve a sua própria maneira de trabalhar.
O grupo do valor agregado conseguiu compor, ao final da etapa de pesquisa, um
brainstorm com oportunidades identificadas de projetos: cama, mesa para computador,
estante, baú. Não satisfeito com a lista, o líder do grupo aplicou um novo exercício de
criatividade, no qual os membros da equipe tiveram que dar respostas rápidas aos mais
variados “problemas-estímulo” com lápis e papel, de maneira a realizar um raciocínio
focalizado na solução e esquivando-se de pré-conceitos (que temos) das coisas. O conceito
dos projetos desenvolvidos por esse grupo foi a seleção e a recombinação das melhores ideias
geradas entre a etapa de pesquisa, os exercícios de criatividade e uma certa intuição de cada
membro do grupo que foi somada ao trabalho coletivo. No final da etapa de projeto, a cama, o
baú e a estante foram abandonados para dar lugar ao módulo, à fruteira e o revisteiro.
O grupo de produtos locais gerou uma lista de produtos a partir da pesquisa das
necessidades e levou seus sketches para serem discutidos com a comunidade, na tentativa de
conseguir uma avaliação do seu usuário e seguir com o refinamento das ideias. Inicialmente,
cada integrante do grupo recebeu um requisito que havia sido levantado na fase de pesquisa,,a
fim de propor uma solução. Após essa etapa de consulta aos usuários, iniciou-se a revisão
desses requisitos, o que resultou, em alguns casos, em rearranjos ou fusões e, em outros, em
exclusão dos conceitos, por serem reavaliados como indiferentes ou distantes das
necessidades dos usuários. Com o afunilamento dos partidos, os membros começaram a
trabalhar menos individualmente e mais coletivamente, e passaram de 9 propostas iniciais a 5
projetos a serem desenvolvidos.
O grupo da inovação optou por trabalhar em duplas e escolheu 3 ideias para tentar
descontruir: sentar, apoiar e armazenar. Conforme o gestor do grupo, Bruno Zaitsu, explica,

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“A princípio, procuramos esmiuçar os temas, tentando entender o que cada um abrangia,


situações que se encaixavam dentro de cada um deles, quais situações problemáticas os
cercavam etc. A dupla do tema "sentar", por exemplo, abordou diversas situações em que as
pessoas permaneciam sentadas e como o corpo se posicionava em cada situação. Por
exemplo, o modo de sentar em uma mesa de escritório e o modo de sentar em cadeiras de
praia. Apesar de ser uma ação semelhante, o contexto, a finalidade da ação e a "cadeira" para
cada situação são bem distintas.” Também tentaram relacionar as ideias levantadas em outras
situações da natureza, não relacioandas ao homem, como por exemplo para o tema armazenar,
o ninho de pássaros ou a bromélia, que armazena água no seu interior. Todo esse esforço
reflexivo levou à concepção de sketches, que foram levados até a cooperativa para serem
analisados na perspectiva da produção, o que, na primeira tentativa, foi uma grande decepção,
pois somente um dos projetos iniciais era possível de ser fabricado com o equipamento da
cooperativa. As outras duas duplas tiveram que voltar às pranchetas e conceberam novos
produtos que, na segunda visita à cooperativa, foram qualificados para a produção.

Terceira etapa: produção de modelos e protótipos

Figura 7: painel produção de modelos e protótipos

A etapa de produção de modelos e protótipos foi muito valorizada pelos estudantes


porque foi aquela em que os projetos se tornaram produtos de verdade, pois foram
contemplados os materiais e os processos, refinando o projeto em casos em que eram
necessárias adaptações. No caso do grupo de valor agregado, o gestor Fábio Takao afirma:
“Partimos para o LAME sem ter tudo fechado. Na verdade, tínhamos apenas a fruteira e a
mesa de computador mais encaminhados. Ficamos mais ou menos umas 2 semanas indo ao
LAME diariamente, realizando testes dos mais variados tipos: encaixes, acabamento,
montagem, resistência. Tudo foi muito util, uma vez que foi a partir daí que aprendemos
como lidar melhor com a matéria-prima, apesar do pinus e eucalipto serem madeiras, a forma
de trabalho, processamento e acabamento requerem alguns detalhes e cuidados
diferenciados.”Apesar do prazo de 3 meses já estar esgotado no final da etapa de projeto,
conforme consta no relato, os grupos decidiram estender seu trabalho em mais 2 semanas para
a produção dos modelos. Essa etapa foi desenvolvida no Laboratório de Modelos e Ensaios
(LAME) da FAUUSP, com a orientação dos técnicos de marcenaria, considerada
indispensável para a finalização do projeto.

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Quarta etapa: Apresentação

Ao término da produção dos modelos, foram organizadas duas apresentações: uma


interna, para o conhecimento de todos os projetos por todos os membros do projeto Revale, e
outra às cooperadas, recebida com muita animação, disponível em vídeo no blog do projeto.
Conforme finalizados os desenhos técnicos e instruções de produção pelos grupos, atualmente
a cooperativa está passando por um processo de adaptação da sua linha à produção desses
novos itens, para o qual a presidenta Jordânia calcula um prazo de 3 meses para início da
comercialização dos projetos.

Linha Produtos Locais

Figura 8: cadeira; Figura 9: rack para sala-de-estar; Figura 10:cadeira; Figura 11: escrivaninha

Linha Valor Agregado

Figura 12: revisteiro; Figura 13: fruteira

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Figura 14: apoio para notebook; Figura 15: banco

Linha Inovação

Figura 16: mesa; Figura 17: banco; Figura 18: poltrona

Trabalhos complementares

Durante o processo, apareceram oportunidades diferentes das definidas no início do


projeto Revale, as quais foram supridas conforme encontraram-se novos voluntários dispostos
a participar. Uma delas foi a criação de uma identidade visual para o projeto, que foi
desenvolvida pelo estudante Gabriel Garbulho, aplicada no blog, que corresponde ao principal
meio de comunicação do projeto, e nos materiais de comunicação, como os manuais de
montagem e catálogo. Outra contribuição importante foi a do estudante de arquitetura Kim
Cyrillo Ordonha na expeculação de um showroom, que poderá ser construído na entrada do
galpão da cooperativa Unindo Forças, utilizando a madeira e a característica do pallet como
partido projetual para metaforizar, através do desenho de arquitetura, a história e a atuação do
projeto Revale junto à cooperativa Unindo Forças.

Figura 19: identidade visual Revale; Figura 20: modelo computacional do showroom

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Considerações Finais

A experiência de projetar para necessidades sociais revelou-se muito gratificante da


parte dos estudantes e, ao mesmo tempo, uma atividade de grande aprendizagem, pois
encaram-se particularidades que não são previstas ou trabalhadas nos habituais projetos
acadêmicos, a destacar a pertinência das ideias desenvolvidas e a reprodutibilidade daquilo
que é desenhado. No primeiro caso, trata-se de um compromisso com a melhoria de vida de
um conjunto de indivíduos e, embora a experimentação seja uma peça indispensável na
engrenagem que move a metodologia do Design, ainda existe um cenário real que precisa ser
contemplado, cenário este que pode se fazer ausente em projetos acadêmicos. No segundo
caso, as propriedades produtivas de um projeto podem se fazer difíceis de compreender e
avaliar nas aulas da faculdade, pois a maioria do que é desenvolvido em sala não atinge tal
etapa do processo, e muito desse conhecimento (produzir e viabilizar produtos) fica relegado
à experiência profissional, que só é adquirida após a graduação.
Em síntese, podemos considerar as experiências relatadas como um laboratório, uma
experiência somada ao repertório dos estudantes envolvidos, que assim como todo projeto,
profissional ou acadêmico, é suscetível a sucessos e falhas, exatamente o que torna a
experiência tão rica. Ana Clara Goyeneche, gestora do grupo de produtos locais do Revale,
relata: “Meu grupo acabou utilizando a experiência para revisão de muitas coisas de projeto;
como não tinhamos muita experiência com o material, muito do previsto deu errado, se
mostrou ineficiente ou de difícil produção.” Nem todos os projetos do Revale poderão ser
produzidos dentro dos recursos disponíveis na cooperativa, mas os mesmos ficarão guardados
para um desenvolvimento posterior, apostando em que a mesma, a partir dessa ajuda, poderá
se desenvolver e crescer cada vez mais.
Este é outro ponto crítico que nos preocupa e que pondera os próximos passos a serem
tomados: o assistencialismo. Será a nossa ajuda suficiente? Estamos ensinando a pescar ou
estamos distribuindo peixes? A intervenção do grupo Alphaville e do SENAI não foram
suficientes para que a cooperativa Unindo Forças conseguisse se sustentar. O que nos pode
garantir que a inserção dos produtos na linha de montagem fará, desta vez, a diferença? O
Luis Antonino conseguirá empreender seus novos projetos de mobiliário sem a nossa ajuda?
A “transformação massiva” de Bruce Mau também não responde perguntas como essa.
Nesse ponto, só nos permitimos uma pequena conclusão: através destas experiências
sentimos enraizada dentro de nós uma sensibilidade social que nos motiva a querer
transformar a realidade e investigar melhores condições de vida a todos. Os projetos que mais
nos emocionam e nos motivam a sermos designers são os que mais procuram atingir tais
metas: do laptop XO de 100 dólares que pretendia revolucionar a educação em países em
desenvolvimento à cadeira de rodas que sobe escadas e permite que o usuário mantenha
contato ocular com pessoas não-deficientes, entre muitos outros que também poderíamos
citar. Se tais experiências puderem incentivar tais ações e complementarem a formação do
estudante de Design em um profissional mais consciente e mais ativo na sociedade, que pode
alcançar resultados tão relevantes quanto os acima destacados, acreditamos que continuar
desenvolvendo tais projetos de cunho social não é somente uma oportunidade de
aprendizagem, mas uma missão que devemos cumprir e continuar aprimorando.

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Referências Bibliográficas:

BERGER, W. Glimmer: How design can transform your business, your life, and maybe
even the world. Londres: RH Books, 2009.

BRUCE, M; LEONARD, J. Massive Change. Londres: Phaidon Press, 2004.

MAGALHÃES, A. O que o Desenho Industrial pode fazer pelo país?. Revista ARCOS,
volume 1 Número Único, p. 8-13, set 1998.

MALDONADO, T. Desenho Industrial. Lisboa: Edições 70, 2009.

PAPANEK, Victor. Design for the Real World: human ecology and social change.
Londres: Thames and Hudson, 1995.

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