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Cadernos do Grupo de Altos Estudos | VOLUME I

Programa de Engenharia de Produção da Coppe/UFRJ

Design para a inovação social e


sustentabilidade | Comunidades criativas,
organizações colaborativas e novas redes projetuais

Ezio Manzini

Rio de Janeiro, 2008


© Ezio Manzini / E-papers Serviços Editoriais Ltda., 2008.
Todos os direitos reservados a Ezio Manzini / E-papers Serviços Editoriais
Ltda. É proibida a reprodução ou transmissão desta obra, ou parte dela, por
qualquer meio, sem a prévia autorização dos editores.
Impresso no Brasil.

ISBN 979-85-7650-170-1

Coordenação de tradução
Carla Cipolla

Equipe
Elisa Spampinato, Aline Lys Silva

Diagramação
Livia Krykhtine

Revisão de textos
Gustavo Paape

Esta publicação encontra-se à venda no site da


E-papers Serviços Editoriais.
http://www.e-papers.com.br
E-papers Serviços Editoriais Ltda.
Rua Mariz e Barros, 72, sala 202
Praça da Bandeira – Rio de Janeiro
CEP: 20.270-006
Rio de Janeiro – Brasil

CIP-Brasil. Catalogação na fonte


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

M252d
Manzini, Ezio
Design para a inovação social e sustentabilidade: comunidades
criativas, organizações colaborativas e novas redes projetuais /
Ezio Manzini; [coordenação de tradução Carla Cipolla; equipe Elisa
Spampinato, Aline Lys Silva]. Rio de Janeiro: E-papers, 2008. (Cadernos
do Grupo de Altos Estudos ; v.1)
104p.
“O presente livro é resultado do curso denominado Design.ISDS
1- Design, Inovação Social e Desenvolvimento Sustentável - realizado
de 27 a 31 de agosto de 2007, tendo sido financiado pelo programa
Escola de Altos Estudos da CAPES e promovido pelo Programa de
Engenharia de Produção da COPPE-UFRJ”
Acompanha DVD
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7650-170-1
1. Desenho (Projetos) - Aspectos sociais. 2. Designers. 3. Criatividade.
4. Cooperação. 5. Desenvolvimento social. 6. Desenvolvimento
sustentável. I. Título. II. Série.

08-3715. CDD: 745.4


CDU: 745
Sumário

5 Apresentação

9 Prefácio
10 Metodologia do curso
11 Passado, presente e futuro
13 Origens e possibilidades

15 Introdução

19 1. Sustentabilidade | Descontinuidades sistêmicas e


processos de aprendizagem social
20 1.1 Os limites do Planeta
25 1.2 Descontinuidade sistêmica
27 1.3 Design e sustentabilidade
31 1.4 Orientações e diretrizes

39 2. Modos de vida | Bem-estar sustentável, bens


comuns e capacidades
40 2.1 Bem-estar baseado no produto
47 2.2. Bem-estar e bens comuns
52 2.3 Bem-estar e capacidades
56 2.4 Design e bem-estar
61 3. Inovação Social | Comunidades criativas e
organizações colaborativas
61 3.1 Comunidades criativas
70 3.2 Organizações colaborativas
73 3.3 Processos em andamento
78 3.4 Design e inovação social

83 4. Redes Projetuais | Interações “de baixo para cima”


(bottom-up), “de cima para baixo” (top-down) e
“entre pares” (peer-to-peer)
84 4.1 Soluções e plataformas
87 4.2 Aumentando a escala
93 4.3 Conectando-se
96 4.4 Design e redes projetuais

99 Bibliografia

103 Ezio Manzini


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Apresentação|

As inovações sociais abrangem um campo muito amplo de pos-


sibilidades. As inovações sociais em geral referem-se a novas
estratégias, conceitos e métodos para atender necessidades so-
ciais dos mais diversos tipos (seus campos de aplicação são os
mais variados, condições de trabalho, lazer, educação, saúde,
etc.). As inovações sociais referem-se tanto a processos sociais
de inovação como a inovações de interesse social, como tam-
bém ao empreendedorismo de interesse social como suporte
da ação inovadora.
O presente livro dá atenção a inovações sociais de um tipo
específico. Do lado positivo, ou seja, desde a perspectiva daqui-
lo que se pretende ver afirmado com elas, elas são comprome-
tidas com a ampliação e o aprofundamento de nosso senso de
comunidade. Do lado negativo, ou seja, desde a perspectiva da-
quilo que não se pretende ver afirmado com elas, elas são com-
prometidas com evitar a crueldade, “a pior coisa que fazemos”,
como expressa Judith Shklar em Ordinary Vices (1984). Evitar
a crueldade é o limite tanto com relação aos fins quanto aos
meios de efetivação de inovações sociais solidárias.
No livro de Ezio Manzini tem destaque a questão ambiental
como quesito da desejada sustentabilidade de produtos e pro-
cessos. Mas não se trata de uma perspectiva absolutizante. O
empenho por modos de vida sustentáveis diz respeito as mais
variadas dimensões relacionais da condição humana.
Este livro teve como catalizador de sua feitura o curso que
Ezio Manzini ofereceu no Programa de Engenharia de Produção
da Coppe/UFRJ com apoio da Escola de Altos Estudos da Capes
para uma ampla rede de cursos de pós-graduação brasileiros. O
curso foi denominado DESIGN.ISDS 1 – Design, Inovação Social
e Desenvolvimento Sustentável.

Apresentação | 5
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Elemento fundamental da mensagem de Manzini é a pro-


posição de plataformas habilitantes como ferramentas para
“mudarmos a mudança” em meio à qual vivemos.
Implica mais do que o mero exercício de habilidades técni-
cas. O código de acesso para nossa possibilidade de “mudarmos
a mudança” não é um artefato técnico, mas sim nossas atitudes,
palavras e atos, nossa capacidade de afirmar valores e compro-
missos. “Dar certo” não é critério para proposições que querem
ser eticamente fundadas. O artefato técnico é uma ferramen-
ta a serviço das relações interpessoais. Não um dispositivo de
formatação das identidades, num mundo onde nossas liberda-
des se confundem com as pré-programações de possibilidades
enumeradas segundo regras de videogames. Dizer isso significa
reconhecer que as imposições da racionalidade instrumental (e
da produtividade) precisam ter limites. E que desses limites se
tece o lugar próprio para espaços de experiência e horizontes
de expectativa da convivencialidade. Espaços e horizontes que
Martin Buber designaria como dialogais.
O presente volume abre a coleção Cadernos do Grupo de
Altos Estudos do Programa de Engenharia de Produção (http://
www.producao.ufrj.br).
É significativo que o primeiro volume da coleção seja de-
dicado ao campo temático da interface entre Engenharia de
Produção e Design. O Programa de Produção tem uma histó-
ria de atuação significativa nessa interface. Sempre buscamos
uma coerência na atitude de ver na Universidade um lugar de
encontro e diálogo. Em nossa perspectiva a Engenharia de Pro-
dução é um lugar privilegiado para a interface da técnica com
dimensões metatécnicas.
O programa de Engenharia de Produção da Coppe foi, no
passado, lugar de formação em nível de mestrado e doutorado
de muitos colegas hoje professores de diversos cursos brasilei-
ros de Design. Faço dessa apresentação também ocasião para
homenagear um colega recentemente falecido, o professor
Estevão Neiva de Medeiros, que tanto contribui para essa pre-
sença do Design na Engenharia de Produção. O lançamento do
livro de Manzini, tão próximo da data falecimento de Estevão,

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mistura tristeza e alegria. Mas é essa a matéria de nossas vidas


humanas.
Finalizo com um convite. Para mim todo prefácio é um
convite. No passado recente vi um belo filme alemão (“A vida
dos outros”). Dele retiro uma referência final para o convite que
hoje faço. Se naquele filme há referência a uma peça musical
com o título “Sonata para um homem bom”, quero como co-
ordenador do Programa de Engenharia de Produção da Coppe
convidar a todas as pessoas boas – mulheres e homens – a le-
rem o livro de meu amigo Ezio. Não é um livro especializado
para designers ou engenheiros de produção. É uma obra para
pessoas boas.
Que a alegria de vocês em lê-la seja grande e fecunda. A
minha foi.

Roberto Bartholo

Apresentação | 7
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Prefácio|

Este livro é uma fotografia, ou seja, um instantâneo da mente


de um pesquisador sempre inquieto. O conteúdo das próximas
páginas, a este momento, provavelmente já se transformou na
mente do autor. Se isso é verdade para todos nós, visto que o
devir é uma condição essencial de nossa humanidade, a convi-
vência nos faz intuir que para ele o seja ainda mais. Fundamen-
talmente devido ao seu próprio caráter, que faz de si mesmo
uma “antena”, captando e interpretando as mudanças em ato,
incessantemente reelaborando-as em contribuições à discipli-
na de design, de maneira a compor uma contribuição acadêmi-
ca tão relevante quanto amplamente reconhecida no setor.1
Entre tais movimentos foi recompensador conseguir “afer-
rar” nosso pluripremiado autor e trazê-lo ao Brasil para que, em
uma seqüência de aulas, nos contasse suas idéias. O curso2 de-
nominado DESIGN.ISDS 1 – Design, Inovação Social e Desenvol-
vimento Sustentável foi realizado de 27 a 31 de agosto de 2007,
tendo sido financiado pelo programa Escola de Altos Estudos
da Capes e promovido pelo Programa de Engenharia de Produ-
ção da Coppe-UFRJ em uma iniciativa coordenada pelo profes-
sor Roberto Bartholo.
O presente livro é o resultado dessas aulas. Tem o valor de
oferecer um panorama seqüencial das idéias do professor, sin-
tetizando em uma concisa publicação conceitos distribuídos
em diferentes artigos ao longo dos últimos anos. Inclui também
material que é fruto de suas mais recentes atividades de pesqui-
sa. Este constituiu o caráter particularmente dinâmico do pre-
sente texto que, em relação ao original (fornecido como mate-

1. É possível acessar os mais recentes textos de Ezio Manzini em seu blog:


http://www.sustainable-everyday.net/manzini/ (em língua inglesa).
2. Site do curso: http://www.producao.ufrj.br/design.isds/.

Prefácio | 9
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rial didático durante as aulas há um ano), sofreu modificações


de modo a precisar alguns de seus conceitos-chave. A tradução
dos conceitos desta obra, a partir da versão original em língua
inglesa, foi detalhadamente discutida com o autor.
Em sua pesquisa, Manzini se preocupa em imediatamente
comunicar o que constata, elabora e faz, tal qual os dois trilhos
paralelos e constantes nas metodologias dos projetos que de-
senvolve. Por isso, é também aberto ao incessante diálogo, que
é a outra face de sua contínua busca. É a “busca com”, feita da
exposição aos outros de suas idéias, sempre aberto a quem as
possa validamente questionar e/ou reelaborar. Nesse sentido,
o curso foi complementado por um seminário, desenvolvido
nos dias 5 e 6 de setembro de 2007, onde os participantes foram
convidados a estabelecer uma interlocução com o professor
sobre os conceitos apresentados, bem como discutir as espe-
cificidades e o potencial do trabalho em design para a inovação
social e sustentabilidade no contexto brasileiro.

Metodologia do curso
O curso operou em uma estrutura de rede através da adesão
formal de dezoito cursos3 de pós-graduação por todo o Brasil.
Os professores representantes de cada uma dessas unidades,
além de ter acesso privilegiado ao curso, foram convidados a

3. Rede multidisciplinar do curso (adesão formal): UFRJ/Coppe – Programa


de Pós-graduação em Engenharia de Produção; UFRJ/EBA – Programa de
Pós-graduação em Artes Visuais; Uerj/Esdi – Programa de Pós-graduação em
Design; PUC-Rio – Programa de Pós-graduação em Design; USP – Programa de
Pós-graduação em Engenharia de Produção; USP – Programa de Pós-graduação
em Arquitetura e Urbanismo; USP-S.Carlos – Programa de Pós-graduação
em Arquitetura e Urbanismo; UNB/CDS – Centro de Desenvolvimento Sus-
tentável; UFPE – Programa de Pós-graduação em Design; UFBA – Programa
de Pós-graduação em Gerenciamento e Tecnologias Ambientais no Processo
Produtivo; UFBA – Programa de Pós-graduação em Engenharia Industrial;
UFMG – Programa de Pós-graduação em Engenharia da Produção; UFMG –
Programa de Pós-graduação Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável;
UFPR – Programa de Pós-graduação em Design; UFSC – Programa de Pós-
graduação em Design e Expressão Gráfica; FAM (Universidade Anhembi Mo-
rumbi) – Programa de Pós-graduação em Design; Senac (Centro Universitário
Senac) – Programa Estudos Pós-graduados em Design; e Unisinos – Programa
de Pós-graduação em Ciências da Comunicação.

10 | Prefácio
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agir como multiplicadores, inserindo as aulas do prof. Manzini


em seus respectivos programas didáticos e elaborando-as com
seus alunos localmente. Foram, portanto, estimulados, desde
o início, a articular os conteúdos apresentados pelo professor
com seu próprio quadro conceitual.
As aulas foram transmitidas ao vivo, via internet, e duran-
te todas as atividades foi aberta a possibilidade de interação à
distância via chat com o prof. Manzini, tendo esta sido exclusi-
vamente dirigida aos professores locais, dando-lhes a possibi-
lidade de contactar diretamente o prof. Manzini, bem como de
apresentar eventuais questionamentos de seus alunos.
Ainda que a proposta do programa Escola de Altos Estudos
da Capes seja especificamente dirigida aos cursos de pós-gra-
duação, foi possibilitado o acesso informal a diversos professo-
res e estudantes de graduação, os quais puderam seguir as aulas
nos modos on-line e presencial, intensificando ainda mais a di-
fusão dos conteúdos didáticos disponibilizados.
A gravação das aulas em vídeo, devidamente editadas, é
fornecida no DVD que integra o presente volume.

Passado, presente e futuro


Este livro é a segunda obra de Manzini publicada no nosso país.
Em Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis,4 o autor tratou
da relação entre design e ambiente dando particular atenção ao
desenvolvimento de produtos com baixo impacto ambiental,
tendo concentrado-se nas estratégias de projeto que, conside-
rando o ciclo de vida dos produtos, permitem obter produtos
ecoeficientes.
Agora, em Design para a Inovação Social e Sustentabilida-
de, o autor se focaliza na contribuição que a inovação social po-
deria dar ao tema do design para a sustentabilidade, em termos
de design estratégico e, sobretudo, de design de serviços. Segun-
do Manzini, “a presente obra é complementar à anterior. O fato
que meus interesses estejam hoje prevalentemente orientados

4. MANZINI, E.; VEZZOLI, C. O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis: os


Requisitos Ambientais dos Produtos Industriais. São Paulo: EdUSP, 2002. (Origi-
nal: Lo sviluppo di prodotti sostenibili. Rimini: Maggioli Editore, 1998.)

Prefácio | 11
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nesta segunda direção, não invalida a precedente. Significa so-


mente que, enquanto a primeira é relativamente consolidada,
a linha de pesquisa em design para a inovação social e susten-
tabilidade se apresenta ainda como um terreno muito novo e
promissor (para o design e em geral). Os dois livros, colocando
em evidência aspectos diversos, indicam a mesma direção: o
design para a sustentabilidade requer mudanças sistêmicas”.5
Sobre o papel do design em tais mudanças, Manzini afirma:
“hoje em dia, a sustentabilidade deveria ser o meta-objetivo de
todas as possíveis pesquisas em design (e não, como foi visto
nos últimos anos, como um tipo de setor especializado, que
corre paralelo a outros setores especializados). Provavelmen-
te, ninguém discordaria dessa afirmação (quem poderia de-
clarar a vontade de projetar ou pesquisar de modo a produzir
insustentabilidade?)”.6 O termo “deveria ser” indica que tal ob-
jetivo não foi atingido, sendo, portanto, ainda necessário con-
siderar o design “para a sustentabilidade” como um setor espe-
cífico, englobando todos os passos concretos que os designers
podem conscientemente dar rumo a um futuro sustentável.
Manzini indica que esses passos devem ter um caráter sistêmi-
co e o design, para colocá-los em prática, deve possuir um for-
te componente estratégico. Assim sendo, em síntese, o design
para a sustentabilidade é o design estratégico capaz de colocar
em ato descontinuidades locais promissoras, contribuindo
para efetivas mudanças sistêmicas.
Importante ressaltar que, no presente livro, Manzini pro-
põe diretrizes capazes de contribuir para a definição de uma
agenda de pesquisa brasileira tanto em design para a inovação
social, quanto em design para a sustentabilidade. A preocupa-
ção do autor com a elaboração de uma agenda compartilhada,
bem como com a articulação internacional dos pesquisado-
res do setor, confluiu posteriormente na elaboração (por meio
de um processo participativo) de um documento entitulado

5. Depoimento em 30/08/2008.
6. MANZINI, E. New Design Knowledge. Versão em inglês disponível em <http://
www. sustainable-everyday. net/manzini/>. Agosto/2008.

12 | Prefácio
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Design Research Agenda for Sustainability (DRAS), durante a


conferência internacional “Changing the Change”.7

Origens e possibilidades
O design para a inovação social é atualmente um dos pro-
pulsores da pesquisa em design para a sustentabilidade, sendo
Manzini um de seus maiores promotores. A pesquisa Emude
(Emerging User Demands for Sustainable Solutions), da qual foi
coordenador científico, merece particular destaque por consti-
tuir o pano de fundo deste livro, tendo estimulado a elaboração
de muitas das idéias expostas aqui. O projeto, financiado pelo 6o
Programa-Quadro da União Européia, objetivou explorar o po-
tencial da inovação social como mola propulsora da inovação
tecnológica e produtiva, particularmente sob o ponto de vista
da sustentabilidade. Foi desenvolvido por um consórcio de ins-
titutos de pesquisa europeus (TNO, IPTS), Unep/Pnuma, atores
do setor privado como Philips Design e envolveu também oito
escolas de Design distribuídas por diversos países europeus.
A continuidade dos temas propostos por Emude estão hoje
sendo desenvolvidos pelo autor em dois outros projetos. Um
desses é denominado Looking for Likely Alternatives (Lola),
promovido pela Consumer Citizenship Network (CCN) e finan-
ciado pela União Européia. Seu tema é a educação para a sus-
tentabilidade, tendo desenvolvido um instrumento pedagógico
baseado na identificação de casos de inovação social. O outro
projeto é denominado Creative Communities for Sustainable
Lifestyles (CCSL) e objetiva verificar a validade, fora do contex-
to europeu, dos resultados obtidos pelo projeto Emude. É um
programa apoiado pela Sustainable Lifestyle Task Force das Na-
ções Unidas e financiado pelo governo da Suécia com o patro-
cínio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Foi desenvolvido primeiramente em três paises – Brasil, China

7. A última versão da Design Research Agenda for Sustainability (DRAS)


pode ser acessada neste endereço: http://www.changingthechange.org/
blog/2008/07/28/design-research-agenda-for-sustainability/. Maiores in-
formações e os atos da Conferência “Changing the Change. Design Visions,
Proposals and Tools”, realizada no quadro da Torino World Design Capital –
ICSID, 2008, podem ser acessados em www.changingthechange.org.

Prefácio | 13
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e Índia – tendo, a partir deste ano, estendido suas atividades


também ao continente africano.
Os objetivos principais da linha de pesquisa, expressa por
meio desses projetos e cujos resultados são sintetizados na pre-
sente obra, é tanto desenvolver a capacidade de reconhecer
o valor de um caso de inovação social sustentável quanto fo-
mentar a habilidade dos designers em projetar um conjunto de
soluções capaz de aperfeiçoá-lo e de reproduzi-lo em diversos
contextos. Isso incluindo o destaque dado pelo autor ao fato de
que a redução do peso de nossas atividades no ambiente passa
por uma regeneração do tecido social e por uma redescoberta
do valor da convivencialidade, como os termos “comunidades
criativas” e “organizações colaborativas” nos indicam. Esse en-
foque dado à convivencialidade propõe aos designers, e demais
pesquisadores, desafios projetuais e conceituais inéditos.
Os casos de inovação aos quais este livro faz referência re-
velam uma capacidade projetual difusa: pessoas que, sem ne-
nhuma especialização formal em disciplinas projetuais, elabo-
ram por si mesmas e de modo colaborativo soluções para seus
próprios problemas. Além de analisar e reconhecer o caráter e
o potencial promissor de tais fenômenos na transição rumo à
sustentabilidade, Manzini convida os designers a repensarem
seu próprio papel nesse quadro, não somente no momento his-
tórico atual mas também em relação ao futuro, ou seja, a con-
tribuírem ativamente para o advento da sociedade do conheci-
mento e da sustentabilidade, como ele mesmo diz.
Nesse sentido, esperamos que a presente obra possa ser
considerada também como uma contribuição à comunidade
acadêmica brasileira, em seus diversos setores, no sentido de
uma interlocução, não somente com o tema “design” no senti-
do especializado da disciplina, ou seja, com a prática de projeto
tal qual exercida pelos designers profissionais e estudada pelos
seus especialistas, mas também sobre as práticas por meio das
quais tantos inovadores sociais enfrentam os desafios da vida
cotidiana, dando evidentes sinais de que um futuro alternativo
aos insustentáveis padrões de produção e consumo é possível.

Carla Cipolla

14 | Prefácio
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Introdução |

1. Contrariamente aos mais comuns clichés em termos sociais


e políticos, caminhar rumo à sustentabilidade é o contrário da
conservação. Em outras palavras, a preservação e a regenera-
ção de nosso capital ambiental e social significará justamente
romper com as tendências dominantes em termos de estilo de
vida, produção e consumo, criando e experimentando novas
possibilidades. Se assim não o fizermos, se não adquirirmos ex-
periências diferentes e se formos incapazes de aprender a partir
delas, então assistiremos à verdadeira conservação, que resul-
tará na continuação dos atuais e catastróficos estilos de vida,
produção e consumo.
O paradoxo é que, na realidade, sob a influência de certos
fenômenos, nossos modelos de vida, produção e consumo es-
tão neste exato momento modificando-se profundamente. Se
nada acontecer, porém, essa transformação continuará, infeliz-
mente, se dirigindo rumo à insustentabilidade. O que se torna
obrigatório, portanto, é “mudar a mudança” (change the chan-
ge), sem desativar os mecanismos que sustentam o avião, em
pleno vôo, no qual todos nós embarcamos.

2. Considerando as condições atuais de nosso planeta e a natu-


reza catastrófica das transformações em andamento, podemos
nos perguntar: qual foi o papel efetivo dos designers até agora?
Infelizmente a resposta é clara demais. Falando em termos ge-
rais, os designers têm sido, e ainda são, “parte do problema”.
Todavia, pensamos que este não seja um destino inevitá-
vel. Designers podem e devem ter outro papel, tornando-se,
portanto, “parte da solução”. Isto é possível porque no “código
genético” do design está registrada a idéia de que sua razão de
ser é melhorar a qualidade do mundo. E é a partir deste pon-

Introdução | 15
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to que devemos recomeçar, repensando qual é a qualidade do


mundo que o design, seguindo sua profunda missão ética, de-
veria promover.
Nessa perspectiva, os designers podem ser parte da solu-
ção, justamente por serem os atores sociais que, mais do que
quaisquer outros, lidam com as interações cotidianas dos seres
humanos com seus artefatos. São precisamente tais interações,
junto com as expectativas de bem-estar a elas associadas, que
devem necessariamente mudar durante a transição rumo à
sustentabilidade.
Neste sentido, os designers podem ter um papel muito es-
pecial e, esperamos, importante: mesmo não tendo meios para
impor sua própria visão aos outros, possuem, porém, os ins-
trumentos para operar sobre a qualidade das coisas e sua acei-
tabilidade e, portanto, sobre a atração que novos cenários de
bem-estar possam porventura exercer. Seu papel específico na
transição que nos aguarda é oferecer novas soluções a proble-
mas, sejam velhos ou novos, e propor seus cenários como tema
em processos de discussão social, colaborando na construção
de visões compartilhadas sobre futuros possíveis e sustentá-
veis.

3. Neste livro, consideraremos a criatividade e as habilidades de


design como elementos efetivamente necessários para mover
um processo de inovação social e tecnológica de tal magnitude
como requer a transição rumo à sustentablidade. Em particu-
lar, focalizaremos nossa atenção sobre um fenômeno que é, em
si mesmo, contraditório: sociedades em rápida transformação
(isto é, as sociedades ocidentais, mas também, e sobretudo,
todas aquelas que passaram por uma recente e turbulenta in-
dustrialização) criam particulares condições através das quais
sujeitos, individuais ou coletivos, devem aprender a agir criati-
vamente, desenvolvendo habilidades de design.
Neste novo contexto, ainda que estas habilidades difusas de
design e seu potencial sejam largamente desperdiçados (ou me-
lhor dizendo, sejam direcionadas à uma procura individualista
de idéias insustentáveis de bem-estar), alguns sinais positivos
estão aparecendo. São casos de inovação social, em particular

16 | Introdução
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as inovações sociais de base na vida cotidiana (as comunida-


des criativas), que indicam como, às vezes, as habilidades di-
fusas de design são capazes de criar modos de ser e de fazer ao
mesmo tempo criativos e colaborativos, considerados também
como passos promissores rumo à sustentabilidade.
Estes modos não convencionais de pensar e agir são o pon-
to de partida da estratégia rumo à sustentabilidade que propo-
remos aqui. Uma estratégia que é certamente apenas uma das
muitas a serem implementadas. Mas esta, em nossa visão, é
mais diretamente relacionada ao que as pessoas podem fazer
no seu próprio dia-a-dia. E também, e é o que mais nos inte-
ressa aqui, ao que os designers poderão fazer em suas próprias
atividades profissionais e de pesquisa.

4. O livro está articuldado em quatro capítulos.


! Sustentabilidade | Descontinuidades sistêmicas e processos
de aprendizagem social. A transição rumo à sustentabilidade
será um processo de aprendizagem social graças ao qual
os seres humanos aprenderão a viver bem, consumindo
(bem) menos recursos ambientais e regenerando a quali-
dade dos contextos onde vivem. Para fazer isto, é necessá-
rio que uma transformação sistêmica aconteça, movendo-
se do nível local ao global.
! Modos de vida | Bem-estar sustentável, bens comuns e ca-
pacidades. A idéia de bem-estar tradicional, insustentável e
baseada no produto, está mudando. Uma nova idéia, defi-
nida como bem-estar baseado no acesso, está emergindo.
Infelizmente, essa nova visão de bem-estar é, como se re-
vela agora, ainda mais insustentável do que a anterior. Esta
tendência deve ser revertida e reorientada na direção de
um bem-estar baseado na qualidade do contexto de vida
como um todo, fortalecendo as capacidades pessoais.
! Inovação social | Comunidades criativas e organizações co-
laborativas. A sociedade contemporânea emite diferentes
e contraditórios sinais. Dentre eles, um verdadeiramente
promissor é representado por grupos de pessoas que estão
inventando espontaneamente novos modos de vida sus-
tentáveis. Algumas das idéias desenvolvidas por estas co-

Introdução | 17
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munidades criativas consolidam-se e sobrevivem. Outras


são reproduzidas em contextos diferentes. Todas devem
ser levadas em consideração como experimentações de fu-
turos possíveis.
! Redes projetuais |Interações “de baixo para cima” (bottom-
up), “de cima para baixo” (top-down) e “entre pares” (peer-
to-peer). Comunidades criativas e emprendimentos sociais
difusos são organizações socias complexas e delicadas.
Por essa razão, sua origem e sua existência não podem ser
planejadas. Porém, algo pode ser feito para torná-las mais
prováveis. Um ambiente favorável pode ser gerado. Servi-
ços, produtos, espaços e ferramentas comunicativas de su-
porte podem ser projetadas.

18 | Introdução
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1. Sustentabilidade | Descontinuidades
sistêmicas e processos de aprendizagem social

A sustentabilidade requer uma descontinuidade sistêmica: de uma


sociedade que considera o crescimento contínuo de seus níveis de
produção e consumo material como uma condição normal e sa-
lutar, devemos nos mover na direção de uma sociedade capaz de
se desenvolver a partir da redução destes níveis, simultaneamente
melhorando a qualidade de todo o ambiente social e físico. É di-
fícil prever hoje como isto poderá acontecer. De qualquer forma,
alguns pontos já estão suficientemente claros.
Em primeiro lugar, é óbvio que esta descontinuidade ocor-
rerá, que se realizará mediante um longo período de transição
e que tal mudança se dará por meio de um processo de aprendi-
zagem social largamente difuso. É claro também que esta pro-
funda transformação atingirá todas as dimensões do sistema
sociotécnico no qual vivemos: a física (fluxos materiais e ener-
géticos), a econômica e institucional (a relação entre os atores
sociais) e a ética, estética e cultural (os valores e juízos de quali-
dade que lhe darão legitimidade social). Atingirá também as vá-
rias escalas do tempo (o que pode ser feito brevemente e o que
requererá um período de tempo maior) e do espaço (da “micro-
escala” de um único produto e serviço à “macroescala” dos sis-
temas sociotécnicos globais). Finalmente, na perspectiva que
veio à luz a partir da teoria da evolução dos sistemas comple-
xos, é altamente provável que esta descontinuidade sistêmica
em escala macro seja precedida por muitas descontinuidades
locais, isto é, mudanças radicais em escala local.

1. Sustentabilidade | 19
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1.1 Os limites do Planeta


Hoje, um profundo e poderoso fator de transformação é o fato
de que os limites de nosso planeta tornaram-se evidentes. Na
percepção desses limites deve-se olhar não apenas para o que,
em geral, é designado com o termo “problemas ambientais”. Na
realidade, o foco exclusivo no tema ambiental tem dependido
de fatores contingentes: do espaço dedicado pela mídia (algum
novo problema que vem à tona ou alguma séria catástrofe que
aconteça) e da competição com outros assuntos que pesam na
consciência pública (por essa razão, se há uma crise econômica
ou política em curso não se discute o meio ambiente, pois ou-
tros assuntos parecem ser de interesse mais imediato).
Todavia, o problema continua a existir mesmo quando
não é enunciado de modo explícito na agenda política ou mi-
diática. A deterioração ambiental avança mesmo quando não a
discutimos e se manifesta em muitas outras formas: saturação
do mercado (demanda limitada), desemprego (oportunidades
de trabalho limitadas), proliferação de guerras regionais para o
controle dos recursos naturais (recursos limitados), emigração
e conseqüentes problemas raciais (limites demográficos e so-
ciais), dificuldade de imaginar o futuro (porque a consciência
do limite impede de ver o futuro simplesmente como a conti-
nuação do passado, ou seja, como a reproposição de um mo-
delo de desenvolvimento baseado em um crescente consumo
material).
Portanto, o tema dos limites não está relacionado simples-
mente à “questão ambiental” da forma como esse tema foi tra-
tado no passado (isto é, como uma série de problemas que ten-
tamos resolver separadamente). Se considerarmos o sistema
cultural e operacional da sociedade industrial como um todo,
até o momento, estaremos diante de questões enormes como,
por exemplo, o que a expressão “bem-estar” significa atual-
mente. Mais explicitamente: que forma de desenvolvimento
não comprometeria o bem-estar, ou todas as vidas, das futuras
gerações no nosso planeta? É nessa perspectiva que o tema dos
limites está relacionado com o tema do desenvolvimento sus-
tentável e das sociedades sustentáveis. Objetivando justificar

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tais afirmações, traçaremos certos aspectos da sustentabilidade


ambiental de acordo com os mais recentes estudos no setor.

Desenvolvimento sustentável. A expressão “desenvolvimento


sustentável” foi introduzida no debate internacional pela pri-
meira vez em um documento da Comissão Mundial para o Am-
biente e o Desenvolvimento chamado “Nosso futuro comum”
(Our Common Future), coordenado por Gro Harlem Brundland.
A partir de então, a expressão foi cada vez mais usada, até tor-
nar-se a palavra-chave em uma conferência fundamental sobre
o tema, a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e De-
senvolvimento, realizada em 1992 no Rio de Janeiro.
O que torna a Conferência e os documentos elaborados
naquela ocasião tão importantes é que, pela primeira vez, foi
oficialmente reconhecido o que por muito tempo fora evidente
para alguns – mas, com certeza, não esteve em nenhuma agen-
da política internacional, programa de intervenção ou mesmo
nos pensamentos da maioria dos cidadãos deste planeta –, ou
seja, que o “desenvolvimento”, como entendido até então, re-
presentava uma perspectiva objetivamente impraticável.
A introdução do termo “desenvolvimento sustentável” evi-
denciou que a promessa de um bem-estar baseado na conti-
nuidade do modelo de desenvolvimento dos países ricos (cha-
mados “desenvolvidos”) e na emulação desse modelo para os
países menos ricos (chamados “subdesenvolvidos”, ou mais
otimisticamente, “em desenvolvimento”) não poderia mais ser
mantida, pois o funcionamento desse modelo extrapolava a
capacidade de recuperação dos ecossistemas e estava rapida-
mente consumindo o capital natural.
O uso insensato dos recursos renováveis (superexploração
de alguns, como, por exemplo, os recursos da pesca, e subem-
prego de outros, como a energia solar); um igualmente insensato
uso dos recursos não renováveis (com rápida diminuição das re-
servas de alguns deles e a correspondente acumulação de lixo);
a emissão de um número crescente de novas e potencialmente
nocivas substâncias sintéticas no meio ambiente (substâncias
estranhas à natureza e que, conseqüentemente, não são mais

1. Sustentabilidade | 21
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possíveis renaturalizar) – apenas para mencionar alguns dos


problemas mais evidentes –, tudo mostrou sem equívocos que a
estrada que estávamos percorrendo, com a perspectiva de uma
população quase duplicada nas próximas poucas décadas, não
conduziria de forma alguma ao desenvolvimento com o qual so-
nhávamos.
De outro lado, o conceito de “desenvolvimento sustentá-
vel” não fornecia nenhuma indicação a respeito de como esse
novo modelo de desenvolvimento deveria ser. Apenas afirmava
que o modelo como foi inicialmente proposto (que, em poucas
palavras, dizia “faça como nós ocidentais fizemos”) não era uma
proposta praticável. Outro modelo deveria ser fundado, coeren-
te com alguns princípios básicos (os princípios físicos e éticos
da sustentabilidade): uma definição ainda muito vaga, que, sem
dúvida, abriu espaço para inúmeras interpretações, as quais, to-
davia, foram suficientes para mudar o curso da história.

Sustentabilidade ambiental (e social). A expressão “sustentabi-


lidade ambiental” refere-se às condições sistêmicas a partir das
quais as atividades humanas, em escala mundial ou em escala
local, não perturbem os ciclos naturais além dos limites de re-
siliência dos ecossistemas nos quais são baseados e, ao mesmo
tempo, não empobreçam o capital natural que será herdado
pelas gerações futuras.
Nossa sociedade, e, conseqüentemente, nossas vidas e as
das gerações futuras, dependem em longo prazo do funciona-
mento daquele “mix” de ecossistemas que, por simplicidade,
chamamos de natureza; dependem de suas várias qualidades
(principalmente, mas não somente, biofísicas) e de sua capaci-
dade produtiva (sua capacidade de produzir alimento, insumos
e energia).
Neste quadro, as pesquisas rumo a sustentabilidade am-
biental devem se referir a dois conceitos fundamentais: resiliên-
cia e capital natural. A resiliência de um ecossistema é sua ca-
pacidade de tolerar uma atividade que o perturba sem perder
irreversivelmente seu equilíbrio. Quando estendido ao planeta
inteiro esse conceito introduz a idéia de que o sistema natural,

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sobre o qual a atividade humana está baseada, tem limites de


capacidade e recuperação além dos quais um fenômeno irre-
versível de deterioração terá início. Por outro lado, capital na-
tural são os recursos não renováveis, que conjuntamente com
a capacidade sistêmica do ambiente de reproduzir recursos
renováveis, devem ser levados em conta como um todo. O ter-
mo refere-se também à riqueza genética, ou seja, à variedade
de espécies habitantes no planeta. Estes preceitos fundamen-
tais, baseados principalmente em considerações físicas, devem
ser complementados por outros, de natureza social e ética, aos
quais nos referimos através do termo sustentabilidade social.
A expressão sustentabilidade social refere-se às condições
sistêmicas através das quais, seja em escala mundial ou regional,
as atividades humanas não contradizem os princípios da justiça
e da responsabilidade em relação ao futuro, considerando a atual
distribuição e a futura disponibilidade de “espaço ambiental”. O
conceito de espaço ambiental e os princípios de justiça e respon-
sabilidade em relação ao futuro, sobre o qual essa definição está
baseada, requerem uma concisa definição: o espaço ambiental
é a extensão territorial necessária para manter um sistema so-
ciotécnico neste mesmo espaço de uma forma sustentável, isto
é, indica quanto “ambiente” uma pessoa, cidade ou nação deve
dispor para viver, produzir e consumir sem desencadear fenô-
menos irreversíveis de deterioração.
Dada a definição acima, o princípio de justiça declara que
cada pessoa tem direito ao mesmo espaço ambiental. O princí-
pio de responsabilidade em relação ao futuro declara que deve-
mos garantir às gerações futuras pelo menos o mesmo espaço
ambiental – ou seja, a mesma quantidade e qualidade de recur-
sos ambientais – que temos atualmente à nossa disposição.

A dimensão da mudança. Sucintamente: para ser sustentável,


um sistema de produção, uso e consumo tem que ir ao encon-
tro das demandas da sociedade por produtos e serviços sem
perturbar os ciclos naturais e sem empobrecer o capital natu-
ral. Isto significa em primeiro lugar reduzir drasticamente o uso
dos recursos ambientais (deve ser fundamentalmente baseado

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em recursos renováveis, minimizando a utilização daqueles


não renováveis – inclusive o ar, a água e a terra – e evitando a
acumulação de lixo e resíduos).
Porém, é necessário quantificar a expressão “reduzir drasti-
camente”: qual o tamanho da redução necessária? Obviamente
tal questão não pode ser respondida de maneira simples. En-
tretanto, uma avaliação muito geral e aproximada nos permite
dizer, tomando como referência o atual metabolismo de uma
sociedade industrial adulta, que as condições para sua susten-
tabilidade somente podem ser alcançadas através do aumento
de sua ecoeficiência em pelo menos 10 vezes. Em outras pa-
lavras: somente aqueles sistemas de produção e consumo que
utilizam menos de 90% de recursos ambientais por unidade
de serviço fornecido em relação ao que é atualmente utilizado
numa sociedade industrial adulta pode ser considerado susten-
tável (Ehelich, Erlich, 1991, Meadows et al., 1992).
Essa impressionante afirmação requer algumas explica-
ções. Seu pano de fundo é baseado na seguinte consideração: o
impacto das atividades humanas sobre o ambiente depende de
três variáveis fundamentais, interligadas por uma relação que
pode ser expressa dessa forma:
Impacto ambiental = população x demanda por bem-estar x
ecoeficiência do sistema sociotécnico
Onde: a população é o numero de pessoas que pesa sobre
um dado ecossistema e a demanda por bem-estar correspon-
de às expectativas, em termos de produtos, serviços e bens co-
muns, que as pessoas expressam em um dado contexto social
(e que consideram como uma dotação necessária para conside-
rar satisfatória a qualidade do seu contexto de vida e o acesso
potencial que ele oferece). Por fim, a ecoeficiência do sistema
sociotécnico é um indicador da eficiência do metabolismo de
um sistema de produção. Em outras palavras: como esse siste-
ma é capaz de transformar recursos ambientais no bem-estar
almejado.
Levando em conta as previsões de aumento da população
e considerando um crescimento justo na demanda por bem-
estar nos países atualmente menos desenvolvidos, parece evi-

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dente que as condições para a sustentabilidade somente po-


dem ser alcançadas, como já dissemos, através de um aumento
na eficiência do sistema sociotécnico de, pelo menos, “fator 10”
– isto é, aumentando-a pelo menos 10 vezes (Schmidt-Bleek,
1993; WBCSD, 1993, 1995). Essa é uma estimativa aproximada;
é válida, apesar de tudo, para indicar a medida da mudança
necessária. É o quadro de uma sociedade onde será necessário
viver – e, esperamos, viver bem – utilizando 10% dos recursos
consumidos hoje em uma sociedade industrializada.

1.2 Descontinuidade sistêmica


Está claro que o sistema de produção e consumo de uma socie-
dade sustentável será profundamente diferente daquele que co-
nhecemos até hoje. Tão diferente que nenhuma alteração par-
cial, nenhum melhoramento na tecnologia atualmente em uso
e nenhuma operação de redesign será suficiente (Hawken,1994;
Pauli, 1997; Sthael, 1977; Vezzoli, Manzini, 2007).
Partindo da quantificação do aumento necessário na eco-
eficiência, geramos uma consideração qualitativa: o desenvol-
vimento sustentável necessita de todos nós – das sociedades
mais industrializadas àquelas de mais recente industrialização
ou ainda não industrializadas – para focalizar e gerar idéias de
desenvolvimento tão diferentes daquelas que dominaram a
cena até hoje, que não podemos imaginá-las sem questionar
o inteiro complexo econômico e sociocultural sobre o qual o
sistema existente de produção, uso e consumo está baseado.
O que tem de acontecer, e, na prática, já está acontecendo,
é uma descontinuidade sistêmica: uma forma de mudança em
cujo final o sistema em questão – em nosso caso, o complexo
sistema sociotécnico no qual as sociedades industriais estão
baseadas – será diferente, estruturalmente diferente, daquilo
que tivemos conhecimento até hoje.

Um processo de aprendizagem social. A transição rumo à sus-


tentabilidade requer uma descontinuidade: de uma sociedade
onde o crescimento contínuo dos níveis de produção e de con-

1. Sustentabilidade | 25
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sumo material é considerada uma condição normal e salutar,


devemos nos mover para uma sociedade capaz de desenvol-
ver-se a partir de uma redução destes níveis, incrementando a
qualidade do ambiente global. É difícil prever hoje como isso
poderá acontecer. De qualquer forma, é certo que essa descon-
tinuidade acontecerá e que será baseada em um longo período
de transição.
Diante desta necessidade, o quadro que emerge é contra-
ditório: de um lado, a gravidade do problema ambiental é, a
esta altura, universalmente reconhecido, e as devidas medidas
começam a ser adotadas. De outro lado, considerando a enor-
midade das transformações que devem acontecer, todas essas
medidas são ainda insuficientes e, na realidade, o consumo de
recursos ambientais e o nível de deterioração do planeta estão
ainda (em média) crescendo.
O problema é que o que foi feito até agora, na realidade,
não colocou em discussão os atuais paradigmas econômicos e
sociais. Conseqüentemente, as linhas básicas da economia po-
lítica e social ainda direcionam o sistema na direção oposta à
sustentabilidade.

Uma nova idéia de bem-estar. Enquanto esse direcionamento


não é invertido, em outras palavras, até que a descontinuidade
seja reconhecida como inevitável, levando-nos a lidar ampla-
mente com o processo de transição, a pressão do problema am-
biental continuará a se manifestar em múltiplas e incontrolá-
veis direções (tensão social e confrontos abertos, guerras, crises
econômicas). Na realidade, pensar e promover a descontinui-
dade não é uma questão somente de política ambiental, mas
sim a única maneira de imaginar um futuro que seja, na medida
do possível, pacífico, tolerante e democrático.
Ainda que a transição seja longa, pelas razões antes men-
cionadas, ela já teve início. Portanto, de agora em diante, será
uma questão de direcionamento, ou seja, manejá-la enquan-
to se procura minimizar os riscos e incrementar oportunida-
des em um amplo, longo, inevitável e contraditório processo de
aprendizagem social. Nesse processo, uma das questões funda-

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mentais a serem discutidas é relativa à qualidade do bem-estar


desejado e percebido pelas pessoas: as idéias de bem-estar que
a sociedade formula e socializa constituem um formidável guia
de ação. São idéias que operam como atrativos sociais capa-
zes de estimular e direcionar ações tanto do lado da demanda
quanto da oferta de produtos e serviços. A fim de minimizar ris-
cos e incrementar oportunidades intrínsecas à transição para a
sustentabilidade, devemos considerar e mudar profundamente
as idéias dominantes nesse campo.

1.3 Design e sustentabilidade


A transição rumo à sustentabilidade será um processo de
aprendizagem social no qual os seres humanos aprenderão
gradualmente, através de erros e contradições – como sempre
acontece em qualquer processo de aprendizagem –, a viver me-
lhor consumindo (muito) menos e regenerando a qualidade do
ambiente, ou seja, do ecossistema global e dos contextos locais
ondem vivem.
Essa afirmação, que resume experiências – e erros – adqui-
ridos ao longo de décadas, contém, em sua aparente simpli-
cidade, um número considerável de importantes implicações
estratégicas.
Em primeiro lugar, declara a necessidade de diminuir o
consumo de recursos ambientais e de regenerar o ambiente fí-
sico e social. Entretanto, diz também que essa mudança deve
acontecer como resultado de uma escolha positiva, e não como
reação a eventos desastrosos ou imposições autoritárias. Em
outras palavras, deve basear-se em uma transformação capaz
de ser entendida por aqueles que a vivem como uma melhoria
nas condições de vida (seja individual ou coletiva).
É claro também que, mesmo que a afirmação acima não
o diga explicitamente, à luz das idéias e das práticas atuais, a
possibilidade de uma drástica redução no consumo deve ser
entendida como uma melhoria na qualidade de vida pelos in-
divíduos e pelas comunidades, o que não se caracteriza de for-
ma alguma como uma possibilidade óbvia segundo as atuais
referências culturais e comportamentais. É evidente que tal

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possibilidade requer, sobretudo, uma completa redefinição do


significado que cada indivíduo ou grupo atribui ao conceito de
qualidade de vida e, em última análise, à idéia de bem-estar.
Isso posto, enquanto para os cientistas da ecologia o pro-
blema é focalizar sobre aqueles aspectos físicos do metabolis-
mo da sociedade que evitam uma catástrofe ambiental, para
todos os outros atores sociais o problema é como facilitar uma
transição que consiga este mesmo resultado sem provocar uma
catástrofe social (e, portanto, cultural, política e econômica).
Mais especificamente, se o papel dos políticos e das insti-
tuições é criar um ambiente favorável a orientação da inovação
rumo à sustentabilidade, para os designers, empresas e também
para os cidadãos comuns em suas comunidades e organizações,
a possibilidade de ação recai na sua capacidade de dar uma
orientação estratégica às próprias atividades, em outras palavras,
na sua habilidade em definir objetivos que combinem suas pró-
prias necessidades e exigências com os critérios da sustentabili-
dade que estão gradualmente vindo à tona.
Colocar juntas estas diferentes exigências, como já disse-
mos, implica uma considerável habilidade de design: a habi-
lidade de gerar visões de um sistema sociotécnico sustentável;
organizá-las num sistema coerente de produtos e serviços re-
generativos, as soluções sustentáveis; e comunicar tais visões e
sistemas adequadamente para que sejam reconhecidos e ava-
liados por um público suficientemente amplo, capaz de aplicá-
las efetivamente.

Começando pelos resultados. Já sugerimos que, a fim de con-


duzir à sustentabilidade, uma descontinuidade sistêmica deve
acontecer. Dada a “microescala” discutida aqui, esta desconti-
nuidade aparecerá como uma descontinuidade local: uma mu-
dança radical tanto nos resultados requeridos como nos meios
para alcançá-los. Ou seja, novas (e sustentáveis) soluções devem
ser concebidas e desenvolvidas (Mont, 2002).
O sentido dessa afirmação pode ser entendido melhor se
considerarmos brevemente os passos a serem realizados no
projeto (design) de uma nova solução. São eles:

28 | 1. Sustentabilidade
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! Mudar a perspectiva – mudar o centro de interesse das coi-


sas (por exemplo, geladeiras e fogões, carros e máquinas de
lavar roupa) para os resultados, focalizando o processo de
projeto nas atividades a serem realizadas (preparar a comi-
da, mover-se pela cidade, lavar roupa).
! Imaginar soluções alternativas – planejar diferentes com-
binações possíveis de produtos, serviços, conhecimento,
habilidades organizativas e papéis desempenhados pelos
atores envolvidos de forma que esses resultados possam,
em princípio, ser obtidos.
! Avaliar e comparar várias soluções alternativas – utilizar
um conjunto apropriado de critérios para avaliar a efetiva
conveniência econômica, social e ambiental das alternati-
vas identificadas.
! Desenvolver as soluções mais adequadas – planejar um pro-
cesso que contenha dois movimentos: promover conver-
gência entre as empresas e os atores sociais envolvidos na
realização da solução escolhida e conectá-los aos produtos,
serviços e conhecimento que irão compor a solução.
A partir desses pontos, podemos afirmar que pensar em
termos de soluções é uma precondição para conceber e realizar
sistemas sustentáveis. De fato:
! Pensar em termos de soluções promove uma abordagem
sistêmica, ou seja, encoraja os designers e, de forma geral,
o grupo de atores envolvidos no planejamento, produção,
execução, uso e descarte final (dos componentes mate-
riais) da solução a pensarem em termos de sistema, o que,
potencialmente, traz numerosas vantagens do ponto de
vista social e ambiental.
! Pensar em termos de soluções abre a discussão sobre o atual
sistema de produtos e serviços, ou seja, considera possíveis
alternativas às soluções atualmente difusas (que são am-
plamente insustentáveis). Fazer isso oferece a possibili-
dade de introduzir critérios e diretrizes coerentes com os
requisitos da sustentabilidade.
De outro lado, a radical transformação de produtos em so-
luções (ou seja, dos atuais sistemas orientados ao produto aos
novos sistemas orientados às soluções) é apenas uma precon-

1. Sustentabilidade | 29
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dição (e não uma garantia) para a sustentabilidade. Isto por-


que novas soluções podem ser ainda mais insustentáveis que
as anteriores. Muito depende das escolhas de design que são
efetivamente adotadas.

Critérios para a sustentabilidade. Uma solução sustentável é o


processo por meio do qual produtos, serviços e conhecimento
são articulados em um sistema que objetiva facilitar ao usuá-
rio a obtenção de um resultado coerente com os critérios da
sustentabilidade. Sendo mais claro: um resultado que tenha
também o efeito de transformar um sistema dado e gerar um
novo que seja coerente com os fundamentais princípios da sus-
tentabilidade. Significa que é caracterizado pela coerência com
os princípios fundamentais da sustentabilidade através de uma
baixa intensidade de energia e material e de um alto potencial
regenerativo.
! Consistência com os princípios fundamentais. Refere-se aos
princípios éticos relacionados às pessoas e à sociedade (tais
como justiça entre as gerações e justiça internacional), bem
como princípios relacionados à nossa relação com a natu-
reza e o meio ambiente (conservação da biodiversidade,
resíduos não perigosos etc.). Estão também associados a
questões sociais e econômicas tais como o tema da justa
distribuição da riqueza e do poder, do envolvimento indivi-
dual e coletivo, do empoderamento comunitário, em sínte-
se, do fortalecimento da democracia.
! Baixa intensidade de energia e material. Metaforicamente
falando, se refere à “leveza” da solução e de seus efeitos.
É avaliada em termos de ecoeficiência sistêmica, isto é, se
baseia na qualidade e quantidade de recursos utilizados
para obter um resultado. Expressa portanto as dimensões
técnicas de uma solução e a sua capacidade de obter um
determinado resultado da melhor maneira possível. Cons-
titui o mais tradicional conjunto de critérios e permanece
fundamental: qualquer sistema, para ser definido como
“sustentável”, tem que ser altamente ecoeficiente, levando

30 | 1. Sustentabilidade
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em consideração o completo ciclo de vida dos artefatos re-


lacionados.
! Alto potencial regenerativo. Refere-se à capacidade da so-
lução em obter uma integração com seu contexto de uso,
aumentando os recursos ambientais e sociais disponíveis.
Expressa a dimensão positiva de uma solução, sua capaci-
dade de melhorar o estado de coisas. Esse terceiro critério
resume uma série de considerações a respeito da qualidade
dos contextos de vida e é avaliado através de uma série de
parâmetros sociais, culturais e econômicos. Em contraparti-
da, estes parâmetros são a expressão do conhecimento e das
expectativas sociais em relação ao bem-estar sustentável.
Ainda que os critérios para a avaliação da qualidade contex-
tual, a partir de uma perspectiva sustentável, estejam ainda
hoje em discussão, certamente alguns aspectos já são bas-
tante claros e aceitos. Em particular, a opinião largamente
compartilhada é que o sistema deve ser altamente integrado
com seu contexto a fim de ser definido como sustentável e
que deve aumentar e, onde necessário, regenerar o ambien-
te local e os recursos sociais disponíveis.

1.4 Orientações e diretrizes


O critério para a sustentabilidade proposto aqui fornece indica-
dores úteis por meio dos quais é possível mensurar a qualidade
dos resultados. Em outras palavras, para avaliar se, e com que
extensão, o sistema que emerge da integração da nova solução
com o estado de coisas existentes (ou seja, suas implicações
ambientais, sociais, econômicas e culturais como um todo) é
sustentável. Todavia, os parâmetros de avaliação que provêm
diretamente destes critérios nos permitem avaliar as escolhas
feitas, mas não guiá-las, quando ainda não foram concebidas.
(Braungart, McDonough, 1998; Brezet, Hemel, 1997; Charter,
Tischner, 2001; Manzini, Jegou, 2003; Vezzoli, Manzini, 2007). A
elaboração da resposta a essa questão deve começar por esses
mesmos critérios e contar com as experiências concretas para
desenvolver orientações e diretrizes de design: indicações ge-
rais e sugestões específicas capazes de guiar escolhas de design

1. Sustentabilidade | 31
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

rumo a soluções que, com base no conhecimento e na expe-


riência obtidos até agora, pareçam ter maior chance de sucesso,
ou seja, que muito provavelmente revelar-se-ão soluções sus-
tentáveis. Assim, estas orientações e diretrizes são uma expres-
são do estado da arte desses assuntos e deveriam ser considera-
das como diretrizes dinâmicas, em contínua evolução.

Princípios gerais. Numa perspectiva de sustentabilidade, certas


considerações fundamentais devem ser feitas antes de começar
um adequado processo de design. São alguns princípios gerais
aos quais se deve dar atenção antes de iniciar um projeto:
! Pensar antes de fazer. Considerar os objetivos. Visto que al-
gumas propostas de design são, em si, eticamente inaceitá-
veis, antes de começar um projeto pense sobre suas impli-
cações gerais. Não use, por exemplo, produtos que foram
declarados prejudiciais ou organismos geneticamente mo-
dificados. Não projete armas. Não colabore com empresas
que utilizam trabalho infantil.
! Promover a variedade. Proteger e desenvolver a diversidade
biológica, sociocultural e tecnológica. Visto que sustentabili-
dade é praticamente sinônimo de diversidade, planeje res-
peitando a diversidade existente (biológica, cultural, orga-
nizacional e tecnológica) e, se possível, gere novas formas:
dê maior importância aos produtos artesanais locais, desen-
volva sistemas de energia baseados em diferentes recursos,
estimule a utilização de múltiplos meios de transporte etc.
! Usar o que já existe. Reduzir a necessidade do novo. Visto
que nós necessitamos minimizar a intervenção no que
já existe, antes de pensar algo novo, melhore o existente.
Recupere infra-estrutura, prédios e produtos não usados;
aperfeiçoe o uso do que foi pouco utilizado; proteja e/ou
atualize o conhecimento e as formas existentes de organi-
zação.

Qualidade dos contextos. Com isso, explicamos a tendência


rumo ao desenvolvimento de soluções que promovam uma
qualidade global dos contextos. Em particular, tendências rumo

32 | 1. Sustentabilidade
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às soluções que implicam a requalificação dos bens comuns e a


promoção de uma ecologia do tempo. Isto nos leva a enfrentar
questões complexas, tais como nossa relação com a natureza e
a comida em contextos urbanos altamente artificiais, ou a orga-
nização do espaço nas atividades cotidianas e o uso comparti-
lhado e flexível dos bens comuns e a infra-estrutura de serviço.
! Dar espaço à natureza. Proteger o ambiente natural e pro-
mover a “natureza simbiótica”. Um ambiente densamente
povoado e altamente artificial requer o planejamento de
“espaços naturais”. Devemos planejar sistemas que respei-
tem as áreas naturais restantes e que integrem, de forma
inovadora, componentes naturais no tecido urbano, por
exemplo, parques naturais, parques urbanos e jardins, mas
também hortas e fazendas urbanas. Telhados e fachadas
verdes ajudam, também, a manter uma temperatura está-
vel dentro dos edifícios.
! Renaturalizar a comida. Cultivar naturalmente. Desenvol-
ver avançados sistemas de produção de comida orgânica
capazes de reduzir a artificialidade de nosso sistema de ali-
mentação; criar sistemas de distribuição diretos e transpa-
rentes e sistemas de rastreamento do produto.
! Aproximar pessoas e coisas. Reduzir a demanda por trans-
porte. Desenvolver sistemas de transportes de baixa inten-
sidade, para reduzir o impacto da mobilidade e fortalecer o
tecido social local, por exemplo, serviços descentralizados.
Ponto-de-venda de produção e/ou consumo. Escritórios
de bairro ao invés de lugares de trabalho longe.
! Instrumentos e equipamentos compartilhados. Reduzir
a demanda de produtos. Desenvolver sistemas que oti-
mizem a utilização de produtos e sistemas, e ao mesmo
tempo, estimulem novas formas de socialização como, por
exemplo, a carona solidária, as lavanderias condominiais,
a jardinagem compartilhada e as ferramentas “faça-você-
mesmo”.

Inteligência de sistema. Esta orientação tende a um gerencia-


mento inteligente e sensível dos recursos renováveis, dos flu-

1. Sustentabilidade | 33
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

xos de energia, materiais, de produtos e de pessoas. Além disso,


na estrutura da transição rumo à sustentabilidade, entendida
como um processo de aprendizagem social, esta orientação for-
talece a busca de uma melhor ecoeficiência sistêmica por meio
do desenvolvimento de uma capacidade de aprender a partir
da experiência e corrigir qualquer erro que porventura seja per-
cebido. De fato, essa capacidade de aprendizagem é o aspecto
mais característico dessa particular forma de inteligência.
! Fortalecer pessoas. Incrementar a participação. Desenvolva
sistemas habilitantes e de socialização para estimular as
capacidades pessoais e reforçar o tecido social. Exemplo:
sistemas de “faça-você-mesmo”; sistemas para o intercâm-
bio de bens, tempo e habilidades; sistemas de informação
interativa; promoção de grupos de compra inteligentes.
! Desenvolver redes. Promover formas de organização descen-
tralizadas e flexíveis. Desenvolva sistemas capazes de apren-
der a partir da experiência, ampliando as possibilidades de
feedback (avaliação e comentários), bem como desenvol-
vendo soluções “reorientáveis”. Exemplos: sistemas basea-
dos em formas de organização “de baixo para cima” (bottom-
up); produção e pontos-de-venda descentralizados.
! Use o sol, o vento e a biomassa. Reduza a dependência da
gasolina. Desenvolva sistemas de energia alternativa, mini-
mizando a produção de CO2. Exemplo: arquitetura biocli-
mática; uso sustentável de biomassa e geradores de vento;
sistemas fotovoltaicos integrados; células combustíveis.
! Produza com resíduo zero. Promova formas de ecologia in-
dustrial. Desenvolva ecossistemas industriais que tendam
a “fechar o círculo dos materiais” e a energia em cascata.
Exemplo: sistemas industriais simbióticos; total emprego
do resíduo e recorte; co-produção de calor e eletricidade;
redes descentralizadas de energia.

Soluções promissoras. Uma solução que siga tais orientações e


que tenha sido desenvolvida adotando uma ou mais das diretri-
zes correspondentes pode ser chamada de solução promissora:

34 | 1. Sustentabilidade
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

aquela que, baseando-se em prévias experiências no setor, tem


uma boa probabilidade de ser sustentável.
O conceito de solução promissora requer uma explicação
mais detalhada, porque é um conceito freqüentemente enun-
ciado quando se fala a respeito de propostas para uma vida
cotidiana sustentável. Começaremos com três considerações
básicas:
! Consistência com uma ou mais diretrizes não garante, por
si só, a efetiva sustentabilidade da proposta, a qual só pode
ser realmente verificada adotando-se adequadas metodo-
logias de avaliação.
! Se todos os artefatos que constituem a solução são levados
em consideração e seus inteiros ciclos de vida são analisa-
dos, metodologias de avaliação só podem ser rigorosamen-
te aplicadas quando o projeto tenha tomado forma e todos
seus componentes tenham sido desenvolvidos.
! Metodologias de avaliação são tão complexas que sua apli-
cação é impensável enquanto existirem muitas alternati-
vas diferentes em discussão.
Frente à complexidade das rigorosas metodologias de ava-
liação quantitativa (e, conseqüentemente, do tempo e do com-
promisso financeiro requeridos para sua aplicação), vêm sen-
do desenvolvidas metodologias simplificadas e diretrizes que,
como dito anteriormente, permitem que soluções promissoras
sejam concebidas e desenvolvidas.
Devemos deixar claro que estas metodologias e as solu-
ções promissoras que elas originam são relativamente incertas,
o que não deve, porém, nos causar excessiva preocupação. A
experiência nos ensina que cada ação humana, na realidade,
origina conseqüências inesperadas. Isto é verdadeiro também
no caso das soluções promissoras. Algumas vezes, no momento
de teste, essas soluções mostraram-se consideravelmente me-
nos promissoras do que o esperado, ou provaram ser definitiva-
mente escolhas errôneas. Apesar disso, a partir dessas escolhas
erradas, foi possível aprender algo: se nada tivesse sido feito,
não teríamos aprendido. De fato, é justamente a partir destes
erros que nos tornamos hábeis em desenvolver novas diretrizes
capazes de levá-los em conta.

1. Sustentabilidade | 35
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

Em outras palavras: frente aos problemas de grande com-


plexidade, é melhor realizar testes detalhados e observar os
resultados (e assim sermos capazes de aprender com a expe-
riência) do que não fazer nada. É por isso que o conceito de
solução promissora é tão importante. Porque tenta utilizar o
melhor do que conhecemos, mas, ao mesmo tempo, aceita ex-
plicitamente a possibilidade de cometer um erro (e, assim, a
necessidade de aprender com a experiência).

Design estratégico para a sustentabilidade. Concluindo, proje-


tar soluções sustentáveis significa definir um resultado e con-
ceber e desenvolver os sistemas de artefatos necessários para
atingi-lo. Significa concebê-los e desenvolvê-los de tal forma
que o consumo dos recursos ambientais seja reduzido e que
as qualidades dos contextos de vida sejam regeneradas. Além
disso, como foi apresentado anteriormente, cada passo rumo
à sustentabilidade exige uma mudança radical. Os casos que
são mais interessantes para nós aqui requerem uma mudança
radical a nível local, ou seja, descontinuidades locais ou, mais
precisamente, descontinuidades locais coerentes com a pers-
pectiva da sustentabilidade.
Resulta, portanto, que para nos movermos da concepção
de design largamente dominante em direção ao design para a
sustentabilidade, dois passos principais têm que ser tomados:
em primeiro lugar, buscar uma abordagem estratégica do de-
sign; em segundo lugar, levar seriamente em consideração os
critérios da sustentabilidade.
A partir dessas afirmações, a expressão Design para a Sus-
tentabilidade (Design for Sustainability, DfS) deve ser interpre-
tada como uma atividade de design cujo objetivo é encorajar a
inovação radical orientada para a sustentabilidade, ou seja, con-
duzir o desenvolvimento dos sistemas sociotécnicos em direção
ao baixo uso dos materiais e da energia e a um alto potencial
regenerativo. Efetivamente, para tomar esse rumo, precisamos
usar uma abordagem de design estratégico (e ferramentas de de-
sign estratégico). Dessa forma, a fim de chegar ao design para a
sustentabilidade, entendido como design estratégico para a sus-

36 | 1. Sustentabilidade
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

tentabilidade, é necessário trabalhar através do design estratégi-


co e de suas características, objetivos e modos de operação. Ou
seja: conceber e desenvolver novas (e sustentáveis) soluções e, a
fim de implementá-las, colaborar na construção das apropriadas
parcerias (ou seja, criar as condições para a reunião dos vários
atores necessários para a obtenção dos resultados desejados)
(Manzini, Collina, Evans, 2004).

1. Sustentabilidade | 37
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

2. Modos de vida | Bem-estar sustentável,


bens comuns e capacidades

A idéia de bem-estar é uma construção social que se forma ao


longo do tempo, de acordo com uma variedade de fatores. A
idéia de bem-estar hoje dominante no ocidente e amplamente
difundida por todo o mundo nasceu com a revolução indus-
trial. Sofreu progressivas mudanças, acompanhando a evolu-
ção da sociedade, e agora se revela como um conjunto dinâmi-
co e articulado de visões, expectativas e critérios de avaliação
que compartilham uma persistente característica: associar a
percepção e a expectativa de bem-estar à uma disponibilidade
sempre maior de produtos e serviços.
Hoje sabemos que tal idéia de bem-estar conduz a um
consumo intrinsecamente insustentável dos recursos ambien-
tais. Sabemos que, por causa disso, e considerando os limites
de nosso planeta, essa maneira de pensar e, conseqüentemen-
te, de se comportar, deve mudar nos próximos anos. De fato,
essa mudança já se manifesta hoje de muitas formas e outras
idéias de bem-estar estão progressivamente emergindo. Porém,
o momento e o modo nos quais um efetivo processo de trans-
formação virá à luz é ainda uma questão completamente aber-
ta. Frente a esse desafio, nosso problema comum – portanto de
toda a comunidade mundial – é o de facilitar uma mudança que
possa acontecer da maneira menos dramática possível. Nossa
aspiração comum para o design é, ou deveria ser, criar as condi-
ções para que isso possa acontecer não como uma necessidade,
mas como uma escolha. Em outras palavras: que aconteça pela
força de atração exercida pelas novas oportunidades e idéias de
bem-estar, e não sob a pressão de eventos catastróficos.

2. Modos de vida | 39
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

2.1 Bem-estar baseado no produto


No desabrochar da sociedade industrial, o desenvolvimento
combinado de ciência e tecnologia ofereceu a um número cres-
cente de pessoas uma possibilidade até então desconhecida:
a de ter a seu alcance produtos que eram a materialização de
serviços complexos – máquinas que realizavam, a baixo custo,
serviços que anteriormente estavam acessíveis apenas a pou-
cos privilegiados, como ter a roupa lavada em lavanderias ou
jantar ao som de uma orquestra de câmara.
Além disso, pelo fato de tornar esses produtos disponíveis
em crescente quantidade com preços sempre em queda, a apli-
cação de sistemas industriais cada vez mais eficientes demo-
cratizou o acesso, delineando uma visão de futuro em termos
de um contínuo crescimento de bem-estar ou, para ser mais
explícito, do bem-estar que estes produtos seriam capazes de
trazer.
A força original da idéia de bem-estar produzida pela so-
ciedade industrial repousa exatamente nesta promessa de de-
mocratização do acesso a produtos que reduzem o esforço, au-
mentam o tempo livre e estendem as oportunidades de escolha
individual, ou seja, aumentam a liberdade individual.

Promessas descumpridas e impraticáveis. A crise do bem-estar


baseado no produto começa com uma questão muito concreta
e possivelmente devastadora: a promessa de liberdade indivi-
dual e democracia de consumo sobre a qual esta se baseia não
foi mantida e, mais significativamente, estamos descobrindo
que não pode ser mantida nem agora e nem no futuro.
De um lado, a promoção da liberdade individual trazida
pelas novas gerações de produtos parece sempre mais discu-
tível (por exemplo, a chegada das máquinas de lavar roupa nas
casas é muito diferente do impacto do último modelo de telefo-
ne celular, que apenas substitui os da geração precedente).
De qualquer forma, o que é consideravelmente menos dis-
cutível é o fracasso da segunda promessa, aquela que diz res-
peito à difusão do bem-estar baseado no produto. Na realidade,
é principalmente nesse campo que podemos observar, inclu-

40 | 2. Modos de vida
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

sive em termos de quantidade, o quanto tal promessa não foi


mantida e, tampouco, o poderá ser no futuro. A questão que
se revela muito claramente é a seguinte: o bem-estar baseado
no produto, estendido em escala mundial, é intrinsecamente
um modelo de bem-estar insustentável. Mais precisamente:
é intrinsecamente insustentável para um planeta pequeno e
densamente povoado, no qual se deseje respeitar alguns prin-
cípios elementares de justiça. De fato, se todos os habitantes do
planeta realmente procurassem este tipo de bem-estar da mes-
ma maneira (como é seu sacrossanto direito, visto que tantos
outros efetivamente fazem o que lhes é cotidianamente prome-
tido), teríamos de lidar com uma imensa catástrofe:
! Uma catástrofe ecológica, caso tivessem sucesso: o planeta
seria incapaz de suportar o peso de seis a oito bilhões de
pessoas que se aproximam aos padrões de consumo oci-
dentais. Efetivamente, o modelo de bem-estar baseado no
produto nos leva a uma situação ambientalmente catastró-
fica: o planeta não pode sustentar estes bilhões de consu-
midores de bens e serviços do tipo que são delineados pela
propaganda.
! Uma catástrofe social, caso fracassassem: seis a oito bi-
lhões de pessoas aspirando aos mesmos padrões de bem-
estar, mas somente poucos conseguindo alcançá-lo. Neste
segundo caso, teríamos uma catástrofe porque uma socie-
dade altamente interconectada e globalizada não poderia
lidar durante muito tempo com uma situação onde 20%
(ou menos) da população dispõem do prometido bem-
estar, enquanto os 80% restantes são forçados a observar,
sem nenhuma possibilidade real de inclusão. É de conheci-
mento geral que cerca de 20% da população mundial vive,
hoje, segundo o modelo de bem-estar baseado no produ-
to e que, sozinha, consome 80% dos recursos ambientais
disponíveis. Os 80% restantes da população, se nada mu-
dar, simplesmente não terão à disposição suficiente espa-
ço ambiental capaz de sustentar um padrão de consumo
similar (Wuppertal Institute, 1996; Chambers, Simmons,
Wackernagel, 2000).

2. Modos de vida | 41
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

Entretanto, existe ainda uma outra perspectiva, um meio


termo entre tais catástrofes: em um mundo marcado pela crise
social e ambiental, o aumento no número de consumidores de
“grande impacto” corresponde a um aumento simultâneo no
número daqueles que são excluídos. Esta é a perspectiva que
nos parece a mais provável.

Primeira lição. Mesmo que suas dimensões e implicações não


sejam ainda totalmente evidentes, os riscos ambientais relacio-
nados à difusão do bem-estar baseado no produto apareceram
nitidamente, desde o emergir da consciência ambiental há 40
anos. Nosso caminho durante esses anos pode ser visto, em seu
conjunto, como um amplo processo de aprendizagem, cujo de-
safio tem sido evitar esses riscos ou, ao menos, reduzi-los.
O primeiro passo baseou-se em uma interpretação básica.
Naquele tempo, bem-estar, produtos e impacto ambiental apa-
reciam ligados numa dupla correlação que, em síntese, pode
ser colocada como: “bem-estar” = “mais produtos”; e “mais pro-
dutos” = “maior consumo de recursos naturais”. Sendo assim, o
aumento do bem-estar que cada pessoa aspira está diretamen-
te ligado ao consumo de recursos naturais. Chegamos inevita-
velmente à conclusão que quanto maior o nível de bem-estar
desejado e quanto mais pessoas almejarem este específico tipo
de bem-estar, mais o meio ambiente será danificado.
Na primeira metade do século passado, em um contexto
econômico e cultural onde o conceito de limites parecia ter sido
esquecido, a relação direta entre crescimento do bem-estar e
consumo de recursos naturais não era considerada um proble-
ma real, ou era vista como um preço a ser pago pelo aumento
do bem-estar geral. Esta situação começou a mudar nos últi-
mos 30 anos do século passado, quando começamos a enten-
der (ou melhor dizendo, fomos forçados a entender) que este
modelo traz todos os problemas descritos anteriormente (isto
é, não apenas os problemas ambientais mas também os sociais,
os políticos e, por fim, os econômicos). Conseqüentemente, o
assunto ambiental foi sendo progressivamente inserido em um
número crescente de agendas políticas e econômicas.

42 | 2. Modos de vida
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

O primeiro efeito da “descoberta” do problema ambiental


(e de suas implicações) foi a necessidade de nos confrontarmos
com a “dupla correlação” mencionada anteriormente. Fizemos
isso considerando o primeiro ponto (ou seja, a correlação entre
bem-estar e disponibilidade do produto) como dado, e con-
centrando toda a ação no segundo (o vínculo entre produtos
e consumo de recursos ambientais). Assim, os esforços foram
focalizados na possibilidade técnica de romper a ligação entre
os produtos e o consumo de recursos ambientais, separando o
crescimento do primeiro (o produto) do crescimento do segun-
do (o impacto ambiental), deste modo aumentando a eficiência
ambiental dos produtos (definida como ecoeficiência do pro-
duto). Em síntese, o objetivo era fazer produtos empregando
menor consumo de recursos.

A proliferação dos produtos light. O esforço alcançou um par-


cial sucesso: muitos produtos foram reprojetados, sua ecoefi-
ciência, melhorada, e, no conjunto, os produtos industriais
tornaram-se mais light (no sentido que seu peso ambiental, ou
seja, a sua pegada ecológica foi reduzida).
Infelizmente, porém, as estatísticas demonstram que o con-
sumo total dos recursos ambientais continuou crescendo, visto
que, enquanto o peso ambiental de cada unidade de produto
diminuía, o consumo aumentava mais que proporcionalmente,
conseqüentemente aumentando a utilização de recursos.
Essa contradição entre expectativas e resultados é um dos
desconcertantes aspectos com os quais nos confrontamos no
processo de aprendizagem em curso e que foi denominado
efeito boomerang (rebound effect)

O efeito boomerang (rebound effect). As últimas décadas de


experiência no planejamento e desenvolvimento de produtos
e serviços ecoeficientes revelaram uma grande e, em muitos ca-
sos, trágica descoberta. É o efeito boomerang (rebound effect),
isto é, o fenômeno através do qual, devido a uma intricada tra-
ma de eventos, as escolhas consideradas positivas para o am-
biente, demonstram gerar novos problemas quando colocadas

2. Modos de vida | 43
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

em prática. De fato, observamos que cada melhoria tecnológi-


ca introduzida com a intenção de aumentar a ecoeficiência de
produtos e serviços – por motivos enraizados na complexida-
de do sistema sociotecnológico como um todo – se transforma
“naturalmente” em uma nova oportunidade de consumo, con-
seqüentemente aumentando a insustentabilidade dos sistemas
nos quais foi introduzida.
No passado recente, quando observávamos a progressi-
va diminuição do peso ambiental de cada um dos artefatos à
disposição, considerávamos ingenuamente que o sistema de
produção e consumo como um todo estivesse se desenvolven-
do na direção certa, ou seja, rumo à sustentabilidade. Todavia,
ampliando o alcance desta análise e focalizando não somente
nos produtos unitários, mas no sistema como um todo, foi pos-
sível tomar consciência de que a situação era assaz diferente.
Demos-nos conta de que os produtos, quando se tornam leves,
menores, eficientes e econômicos, tendem a mudar seu status e
proliferar, promovendo formas de consumo mais difusas e ace-
leradas, sendo atraídos para dentro dos ciclos da moda (como
acontece com os relógios) ou do mundo instantâneo dos bens
descartáveis (como no caso das câmeras fotográficas).
Da mesma forma, vimos que o desenvolvimento dos siste-
mas eletrônicos, magnéticos e das memórias ópticas (e suas in-
terfaces amigáveis) tornaram fáceis atividades que antes eram
difíceis e tediosas, promovendo a sua proliferação. Este proces-
so também incrementou enormemente o consumo de recursos.
Por exemplo, a síndrome do “clica e imprime” é bem conhecida.
Com a ampla disponibilidade de computadores, impressoras e
processadores de texto, a atualização e impressão de documen-
tos tornou-se tão simples que eles passaram a ser impressos em
excessivas versões, provocando um crescimento exponencial
no consumo de papel.

Quebrando a correlação entre bem-estar e produtos. O efeito


boomerang é, portanto, o resultado de uma desordem econô-
mica, social, cultural e tecnológica que invade todas as esferas
da vida social e individual. O fato de que ninguém o tenha pre-

44 | 2. Modos de vida
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

visto tem relação, principalmente, com os hábitos mentais do-


minantes entre os observadores, que os levaram a não conside-
rar o caráter sistêmico dos fenômenos observados e, sobretudo,
a ignorar sua complexidade. Em outras palavras, levou-os a não
considerar a imprevisibilidade (e o potencial caráter contradi-
tório) dos fenômenos socioculturais que cada inovação tecno-
lógica traz consigo.
Seja como for, o resultado é que a relativa desmateriali-
zação dos produtos não trouxe consigo nenhuma redução no
consumo geral. A esperada cisão de produtos e consumo (con-
siderado como um todo) não aconteceu. O sistema ainda cami-
nha rumo à uma crise real.
A principal lição extraída desta experiência e da descoberta
do efeito boomerang é que devemos aprender com a própria
prática. Nesse caso, relembrando mais uma vez a complexidade
dos sistemas com os quais lidamos, a prática nos indica que é
hora de operar na conexão entre “bem-estar” e “produto”. Lem-
brando a dupla correlação com a qual começamos, mostra-se
evidente que concentrar-se somente na segunda – “mais pro-
dutos” = “mais consumo de recursos ambientais” – não conduz
à direção certa. Para ser mais explícito, aprendemos que esse
tipo de intervenção é importante, mas não suficiente: cada pro-
duto unitário pode se tornar mais leve, porém sua difusão pode
crescer em proporção maior. Por esse motivo, agora, devemos
nos concentrar na primeira correlação – “mais produtos” =
“mais bem-estar” – e encontrar a maneira de quebrá-la.

Bem-estar baseado no acesso. Na última década, as idéias do-


minantes de bem-estar começaram a mudar, pelo menos nas
sociedades industriais adultas. Mais precisamente: as partes
mais urbanizadas e globalizadas das sociedades onde quer que
elas se encontrem no planeta.
Essa mudança, que deve ser relacionada a transformações
em andamento rumo a uma economia baseada nos serviços e
no conhecimento, pode ser resumida nos slogans “do consu-
mo à experiência” (Pine, Gimore, 1999) e “da posse ao acesso”
(Rifkin, 2000). Inicialmente, esta perspectiva é considerada

2. Modos de vida | 45
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

positiva: o acesso a serviços e experiências que satisfazem ne-


cessidades intangíveis parece ser um conceito promissor, uma
idéia sobre a qual construir um estilo de vida sustentável. In-
felizmente, como veremos, a realidade nos mostra um quadro
completamente diferente.
No quadro desta nova economia, a posição central do “pro-
duto material” na definição de bem-estar torna-se obsoleta: o
bem-estar não aparece mais ligado à aquisição de um determi-
nado “pacote” de produtos materiais, mas sim à disponibilidade
de acesso a uma série de serviços, experiências e produtos in-
tangíveis. Mais especificamente: em uma sociedade saturada de
bens materiais, focalizar no imaterial parece mais interessante.
E, ao mesmo tempo, quando estilos de vida são caracterizados
pela rapidez e flexibilidade, a posse de produtos materiais apa-
rece como uma solução demasiado pesada e rígida, algo que
aumenta a inércia do sistema (que, ao contrário, é concebido
para ser o mais leve e flexível possível) (Rifkin, 2000).
De fato, coerentemente com essa visão, que podemos de-
finir como o bem-estar baseado no acesso, a qualidade de vida
está relacionada à quantidade e à qualidade dos serviços e ex-
periências aos quais podemos ter acesso. E, conseqüentemen-
te, a idéia de liberdade tende a ser coincidente com a liberdade
de acesso (metaforicamente, os contextos que melhor ilustram
esta visão são os parques temáticos: lugares onde, para seu pra-
zer, você pode escolher suas emoções entre várias ofertas, e
onde cada elemento foi cuidadosamente planejado para ofere-
cer-lhe uma “experiência emocionante” – sempre se você tiver
o dinheiro para comprar o bilhete de entrada).

O efeito boomerang (rebound effect) na era do acesso. O proble-


ma desta visão emergente de bem-estar é que, embora quebre
a ligação entre bem-estar e consumo dos recursos ambientais,
ao se desenvolver no atual contexto cultural e econômico, pode
tornar-se na prática ainda mais insustentável do que o bem-
estar baseado unicamente no produto (Manzini 2001, Vezzoli,
Manzini, 2007). E isto ocorre por uma série de razões interliga-
das:

46 | 2. Modos de vida
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! As novas “necessidades intangíveis” tendem a ser adiciona-


das às antigas “necessidades materiais”, e não a substitui-
las.
! A velocidade e a flexibilidade dos novos estilos de vida im-
plicam a mesma velocidade e flexibilidade no acesso aos
serviços que, por essa mesma razão, proliferaram.
! Serviços e experiências, por si só, podem ser imateriais,
mas seu fornecimento pode se basear em um alto nível de
consumo material.
Em conclusão, a idéia de bem-estar baseado no acesso, apli-
cada da maneira como ocorre hoje, traz resultados insignifi-
cantes ou até mesmo negativos. Portanto devemos enfrentar a
seguinte questão: por que isso acontece? Ou seja, por que, não
importa o que façamos, o resultado final acaba sendo um ulte-
rior aumento no consumo de recursos ambientais?

2.2. Bem-estar e bens comuns


As razões pelas quais o bem-estar baseado no produto não é
sustentável, em termos ambientais e sociais, foram amplamen-
te discutidas. Entretanto, não podemos dizer o mesmo sobre a
questão da sustentabilidade (ou insustentabilidade) do bem-
estar baseado no acesso. Nos parágrafos seguintes serão for-
muladas algumas hipóteses que visam formar os fundamentos
de uma nova abordagem à questão do bem-estar: o bem-estar
ativo e relacionado ao contexto. Para fazer isso, partiremos de
algumas hipóteses de trabalho específicas.

A crise dos bens-comuns. Nossa primeira hipótese de trabalho


está relacionada à existência de uma forte relação entre o efeito
boomerang e a crise dos bens comuns, especialmente dos bens
comuns locais.
A expressão bens comuns locais, que é o pilar sobre o qual a
primeira hipótese é construída, designa entidades que perten-
cem a todos e a ninguém em particular. E, enquanto permane-
cerem “comuns”, não podem ser reduzidas a produtos comer-
cializáveis e não podem ser, portanto, compradas ou vendidas.

2. Modos de vida | 47
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

Exemplos de bens comuns locais abrangem desde os recur-


sos físicos básicos tais como o ar e a água, passando por recur-
sos sociais tais como a comunidade de bairro ou o senso cívico
de seus cidadãos, até incluir recursos complexos tais como a
paisagem, o espaço público urbano ou a “segurança percebida”
entre os habitantes de uma determinada cidade.
Está claro que estes bens comuns constituem uma parte
fundamental na construção de nossos contextos de vida, isto
é, na definição da qualidade dos contextos físicos e sociais em
que vivemos e nos quais os próprios produtos assumem signi-
ficados.
No entanto, a posição central mantida pelos bens adquirí-
veis individualmente (sejam produtos ou, mais recentemente,
serviços) na definição dos modelos de bem-estar dominantes
nas sociedades industriais causou, como um efeito colateral al-
tamente tangível, a subestimação do papel que os bens comuns
poderiam assumir na definição atual do estado de bem-estar.
As conseqüências se manifestam nos seguintes fenômenos,
complementares entre si:
! Desertificação: a negligência para com os bens comuns,
considerados insignificantes, e sua conseqüente degene-
ração, entendida como algo inevitável (e assumida como
uma espécie de multa a pagar pelo progresso e pela busca
do bem-estar).
! Mercantilização: a transformação em bens de mercado de
alguns componentes do tradicional habitat humano que
previamente haviam sido comuns (isto é, água engarrafada
no lugar da água natural, o shopping no lugar da praça pú-
blica, um serviço de segurança particular no lugar da vigi-
lância informal dos vizinhos de casa, e assim por diante).

O desaparecimento do tempo lento e contemplativo. A segunda


hipótese de trabalho trata da relação entre o efeito boomerang
e as crises do tempo lento e contemplativo.
A expressão tempo contemplativo designa o tempo usado
para “não fazer nada”, o que não significa que seja vazio ou sem
significado. Exemplos de tempo contemplativo abrangem, sem

48 | 2. Modos de vida
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dúvida, desde olhar um pôr-do-sol até fazer alguns exercícios


espirituais. É possível, porém, admitir a existência de uma par-
cela de tempo contemplativo em algumas ações (como passear,
comer, conversar com as pessoas...) quando estas são realiza-
das em um ritmo lento. Essa última observação nos conduz di-
retamente ao significado do que chamamos de tempo lento.
O tempo lento não é apenas o tempo no qual fazemos algo
lentamente, mas também aquele no qual produzimos e/ou
apreciamos (profundas) qualidades. De fato, sabemos agora,
ou melhor, um número maior de pessoas compreende agora
que produzir e apreciar qualidades proporciona uma diferente
idéia de eficiência, seja porque reduz a velocidade, nos permi-
tindo usar todo o tempo necessário para fazer as coisas segun-
do as melhores “regras da arte”, seja porque nos permite apre-
ciá-las, tendo desenvolvido o conhecimento e a sensibilidade
requeridos a fim de compreender seu alto grau de qualidade.
Por exemplo: considere, por um lado, todo o tempo necessá-
rio para produzir um excelente vinho e adicione, por outro, o
tempo necessário para desenvolver e refinar nossas habilidades
em reconhecê-lo e, finalmente, tomá-lo sendo capaz de perce-
ber todas as suas qualidades. Estas considerações nos indicam,
portanto, que a lentidão e o tempo lento não são valores em si,
mas conseqüências da busca por algo que estamos perdendo
na atual época do tempo veloz e que podemos denominar de
qualidades profundas.
Tradicionalmente, o tempo lento e contemplativo era uma
importante parte da vida cotidiana. Hoje, porém, o tempo lento
e contemplativo está desaparecendo devido a dois fenômenos
complementares:
! Saturação: a tendência a saturar cada momento com algo
para fazer, sempre e mais freqüentemente, de modo a en-
chê-lo com várias coisas a fazer ao mesmo tempo.
! Aceleração: a tendência a fazer cada coisa em um ritmo ace-
lerado para ter a possibilidade (ou a ilusão) de fazer mais.
Deve ser acrescentado que, apesar de o desaparecimento
do tempo lento e contemplativo ser ainda a condição dominan-
te, algo novo e interessante está aparecendo, a partir de inicia-

2. Modos de vida | 49
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

tivas como o Slow Food e o Slow Tourism, por exemplo. Voltare-


mos a esse ponto mais adiante.

A difusão dos bens remediadores. Se considerarmos o século


passado, podemos observar empiricamente como a difusão de
bens e serviços para uso e consumo privados ocorreu paralela-
mente à deterioração dos bens comuns e o desaparecimento do
tempo lento e contemplativo.
Ao fazer essa observação, nossa terceira hipótese de traba-
lho pode ser articulada dessa forma:
! Há uma relação entre a difusão de bens de mercado (mes-
mo que mais sofisticados e eficientes) e a crise dos bens
comuns e do tempo contemplativo;
! Há uma segunda relação entre a crise dos bens comuns,
do tempo contemplativo e a proliferação de novos bens re-
mediadores, isto é, produtos e serviços que tentam tornar
aceitável um contexto de vida que é, por si mesmo, alta-
mente deteriorado.
! O crescimento no consumo de bens remediadores por sua
vez causa ainda maior consumo geral e uma ulterior crise
tanto dos bens comuns quanto do tempo contemplativo,
num contínuo e negativo ciclo vicioso.
O conceito de bens remediadores é obviamente o assunto
central nessa hipótese. O caráter comum desses bens é que seu
uso ou consumo não melhora a qualidade de vida ou abre novas
possibilidades para seus usuários (como poderia ser o caso de
uma nova máquina de lavar roupa para uma pessoa que, até
então, lavava suas roupas à mão). O que eles fazem é simples-
mente restaurar (ou tentar restaurar) a aceitabilidade de um
contexto de vida que está sendo degradado.
O significado desta definição se revela imediatamente ao
consideramos a crise de alguns bens comuns básicos: compra-
mos “água purificada engarrafada” porque a água natural está
poluída, nos deslocamos para distantes “paraísos turísticos”
porque a beleza local foi destruída, compramos sistemas do-
mésticos de segurança eletrônicos e telemáticos porque os vi-

50 | 2. Modos de vida
PERTENCE A 449643_BIBIANA_SERPA

zinhos não mais vigiam, discretamente e sem custo, as casas da


vizinhança e assim por diante

Ainda que seja menos evidente, o mesmo conceito de bens


remediadores pode ser usado em relação ao desaparecimento
do tempo lento e contemplativo: compramos e consumimos
um crescente número de produtos e serviços “para preencher
o tempo”, para matar a sensação de vazio deixada pela nossa
incapacidade de aproveitar o tempo contemplativo ou, sim-
plesmente, para fazer algo a um ritmo mais lento, gozando do
tempo necessário para apreciar suas qualidades profundas. No
caso da relação entre consumo e desaparecimento do tempo
contemplativo, não é fácil estabelecer com rígida precisão quais
bens são corretivos e quais não são. Mas poderíamos dizer facil-
mente que muitos deles, da televisão aos telefones celulares ou
ao junk food, têm um forte componente consolador.

Sustentabilidade e contextos de vida. Como conclusão deste


item, podemos assumir que a não sustentabilidade, em escala
local, é um processo de deterioração dos contextos de vida cau-
sado pela crise dos bens comuns e pelo desaparecimento do
tempo contemplativo.
A expressão contexto de vida denota o ambiente físico e so-
cial (o habitat) de uma pessoa e as possibilidades, oferecidas à
esta mesma pessoa, de fazer suas escolhas. Sua qualidade está
relacionada ao modo pelo qual diferentes sistemas (natural
e artificial, físico e sociocultural, bens de mercado e bens co-
muns) se inter-relacionam.
Na verdade, no atual sistema socioeconômico, estamos
testemunhando um duplo processo de crise: dos bens comuns
e do desaparecimento do tempo lento e contemplativo; mas
também da saturação do tempo e do espaço com bens e servi-
ços remediadores e de “entretenimento”.
Esse duplo fenômeno é particularmente perigoso porque,
como vimos, seus dois diferentes aspectos se fortalecem mutua-
mente, num processo negativo e vicioso: mais consumo, mais

2. Modos de vida | 51
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degradação do contexto, mais consumo (de bens remediadores)


e assim por diante.
Se essas hipóteses estão corretas, o resultado é que cada
idéia de bem-estar, para ser sustentável (ou pelo menos, para
ter alguma possibilidade de ser sustentável), deve considerar
as qualidades totais dos contextos de vida. Mais precisamente:
deve se basear no acesso a uma variedade de produtos e ser-
viços mas também, ou ainda mais, na qualidade e quantidade
dos bens comuns disponíveis e na possibilidade de praticar uma
ecologia do tempo, onde o tempo rápido, tanto quanto o tempo
lento e contemplativo, sejam apropriadamente equilibrados.

2.3 Bem-estar e capacidades


Qualquer tentativa que objetive superar tanto o tradicional mo-
delo de bem-estar (baseado no produto) quanto o novo modelo
(baseado no acesso), deverá concentrar-se em um estudo mi-
nucioso do papel do usuário neste processo. É o que faremos
nos parágrafos seguintes.

Sistemas desabilitantes e insustentáveis. “Dê um peixe a um


homem e o alimentará por um dia. Ensine-o a pescar e o ali-
mentará por toda a sua vida” (Lao Tzu, 400 a.C.). Esta antiga
sabedoria nos mostra, hoje mais do que nunca, a luz no fim
do túnel no qual fomos aprisionados por uma errônea idéia de
conforto e de crescimento econômico.
No último século, a idéia dominante, gerada e difundida
no mundo inteiro pelo ocidente foi: “se alguém estiver com
fome dê-lhe um fast food ou uma lata de alimento pronto para
o consumo (ou, se tiverem condições, leve-o a um restauran-
te luxuoso)”. Faça o que fizer, dê-lhe algo que não requeira es-
forço, pensamento ou conhecimento sobre como preparar seu
alimento; dê-lhe algo que aumente as atividades econômicas
em torno da preparação do alimento. Para ser mais explícito,
dê algo que leve à redução da economia informal, da autopre-
paração e da troca não-monetária, aumentando deste modo a
economia formal, na qual outras entidades (empresas privadas

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ou redes públicas) possam produzir e distribuir os serviços e


produtos necessários.
Esse caso é obviamente emblemático de um movimento
bem mais amplo e que tende a invadir cada aspecto de nos-
sas vidas cotidianas, do sistema de saúde à educação de nos-
sas crianças, da manutenção de bens móveis à de bens imóveis
(nossas casas e lugares nos quais vivemos), da habilidade bási-
ca de nos entretermos (estarmos sós sem ficarmos aborrecidos)
àquela de nos socializarmos (engajar-se em diferentes formas
de conversação com os outros). Dessa forma, a saúde requer
médicos, hospitais e medicamentos. A educação de nossos fi-
lhos requer escola, academias, televisões e aparelhos eletrôni-
cos. A manutenção de nossas coisas é substituída por objetos
descartáveis. A vivência do espaço público se desdobra em visi-
tas a shoppings e parques temáticos. Nossa capacidade de nos
entretermos e aos outros é abolida pela onda dos reality shows.
E tudo isso, como foi dito, gira as engrenagens da economia e
produz riqueza para todos.
Frente a essas considerações, a pergunta que devemos fa-
zer é: podemos realmente considerar sustentável uma socieda-
de onde cada necessidade, mesmo a mais básica e mundana, é
satisfeita através de um custoso e complexo sistema de produ-
tos e serviços? A idéia de conforto como minimização do envol-
vimento pessoal poderia ser estendida a todas as experiências
da vida, dando-nos a possibilidade de cuidar do contexto físico
e social onde vivemos e de garantir sua permanência, ou me-
lhor, sua melhora? A resposta é não. A qualidade de um deter-
minado contexto é o resultado do cuidado de todas as pessoas
que ali vivem. Mas não somente: a quantidade de produtos e
serviços comerciais que necessitamos é proporcional à difusão
da idéia segundo a qual o conforto aumenta com a redução do
envolvimento requerido ao usuário/consumidor. De maneira
geral, pensamos que cada um de nós, se estivesse na posição de
fazê-lo, gostaria de tentar reduzir o cansaço, o tempo e o estres-
se psicológico empregado em resolver as pesadas e/ou irritan-
tes tarefas da vida cotidiana. Esta é uma afirmação difícil de ser
contradita. No entanto, a questão é mais complexa e a realidade
apresenta outras interessantes possibilidades.

2. Modos de vida | 53
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Voltemos rapidamente ao início de nossas considerações.


A atual idéia de bem-estar surgiu no século passado e por qua-
se uma centena de anos permaneceu intocada, sem encon-
trar qualquer rival capaz de representar uma ameaça real ao
seu predomínio (na realidade, deve ser dito que era uma idéia
igualmente absorvida pela prática dos regimes comunistas).
Esta é uma longa história. Aqui, observaremos apenas que esta
idéia teve início com a difusão da produção em massa de bens
de consumo. Em particular, nasceu com a entusiástica desco-
berta de que artefatos poderiam ser criados para trabalhar por
nós, como modernos escravos mecânicos. A lembrança ainda
viva do pesado fardo cotidiano de uma vida pré-mecanizada
gerou a idéia de bem-estar como minimização do envolvimento
pessoal: diante de um resultado a ser alcançado, a melhor estra-
tégia será sempre a que requer o menor esforço físico, atenção e
tempo, e, conseqüentemente, o mínimo de habilidade e capa-
cidade para colocá-lo efetivamente em funcionamento.

A natureza contraditória dos seres humanos. Felizmente, po-


rém, a natureza humana não é tão simples e monológica. O
legítimo desejo de evitar o peso de muitos aspectos da vida
pré-industrial e sua tediosa repetitividade não é uma aspiração
totalmente inclusiva, isto é, não pode ser estendida da mesma
forma a todas as pessoas e atividades. Os seres humanos po-
dem tender à ociosidade e à passividade, ao legítimo prazer em
serem servidos, mas podem também comportar-se de modo
completamente oposto. Podem encontrar satisfação, e até mes-
mo entusiasmo, em um trabalho bem feito. Ou podem avaliar
diferentes “estratégias de ação” e, encontrando a mais oportu-
na, descobrir que vale a pena fazer alguma coisa por si mesmo
(porque é a solução mais econômica ou porque é a que oferece
maior liberdade).
Certamente, este caráter potencialmente ativo e partici-
pativo da natureza humana não deve ser considerado como o
único modo de ser (sempre e somente assim), ou como o único
eticamente aceitável (proposto como “valor” na retórica do tra-
balho de alguns governos tristemente lembrados). A natureza

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humana é contraditória. Ela oferece a possibilidade de operar


segundo diversas lógicas e diferentes aspirações. Essa é sua ri-
queza. E é a partir deste ponto que nasce a proposta de um novo
tipo de bem-estar, que poderíamos chamar de bem-estar ativo.
Uma idéia que, com certeza, não elimina as outras, mas as inte-
gra, com uma nova condição: a condição na qual somos ativos
e cuidamos de nós mesmos, da nossa família, da vizinhança e
do ambiente, pois gostamos deles.

A abordagem das capacidades. A evolução da demanda e da


oferta de bem-estar, que apresentamos acima, é acompanha-
da por uma evolução análoga em sua dimensão teórica: são
abandonadas as teorias que buscam uma (presumida) obje-
tividade e uma hierarquia de necessidades em favor daquelas
que invocam a máxima subjetividade de julgamento, apelando
a uma total subjetividade na definição do que seja efetivamente
considerado “útil”. Adotaremos aqui uma posição intermediá-
ria, seguindo a linha de pensamento traçada pelo economista
anglo-indiano e prêmio Nobel de economia Amartya Sen em
seus estudos sobre os padrões de vida e bem-estar individual.
Segundo Sen, o que determina o bem-estar não são nem
os bens nem suas características, mas “a possibilidade de fazer
várias coisas utilizando aqueles bens ou suas características”
(Nussbaum, Sen, 1993). É exatamente esta possibilidade que,
na melhor das hipóteses, possibilita a um sujeito desenvolver
sua idéia de bem-estar, dando-lhe maior possibilidade de “ser”
(o que ele quer ser) e de “fazer” (o que ele quer fazer). No desen-
volvimento desta idéia, Sen introduz dois diferentes conceitos:
o de funcionamento (functionings) e o de capacidade (capabi-
lity).
Escreve Sen: “viver consiste numa série de functionings re-
lativas ao fazer e ao ser, tais como ser adequadamente alimen-
tado, abrigado e vestido(...), ser capaz de mover-se livremente,
ser capaz de encontrar os amigos e de relacionar-se com eles,
ser capaz de aparecer publicamente sem envergonhar-se, ser
capaz de comunicar e participar, ser capaz de dar vazão aos

2. Modos de vida | 55
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próprios instintos criativos, e assim por diante” (Nussbaum,


Sen, 1993).
De outro lado, a quantidade e qualidade dos funcionamen-
tos que uma pessoa pode colocar em jogo depende da integra-
ção de dois componentes fundamentais: as soluções as quais
ela tem potencialmente acesso e os recursos pessoais disponí-
veis. É precisamente na integração desses dois componentes
que o conceito de “capacidade”, sobre o qual Sen fundamenta
sua definição de bem-estar, emerge. Para Sen, e também para
nós, a condição de bem-estar emerge da relação dinâmica en-
tre funcionamentos e capacidades, entre o que uma pessoa po-
deria ser e fazer, e o que ela efetivamente sabe, faz e é. Desse
modo, articulando as soluções disponíveis num dado contex-
to com os recursos pessoais de alguém que age nesse mesmo
contexto, o conceito de capacidade nos fornece uma referência
sobre a qual basear uma avaliação do padrão de vida real dessa
pessoa.
Podemos acrescentar que essa proposta não é apenas teó-
rica. Ainda que a busca por um bem-estar realmente passivo
esteja, hoje, mais disseminado que nunca, não possui o mes-
mo poder de convencimento. Sobretudo, seu predominío não
permanece incontestado. Atualmente, outras idéias e propos-
tas estão circulando, onde o papel dos envolvidos é muito mais
ativo, tal como na difusão da abordagem “faça-você-mesmo”
praticada em diversas funções da vida cotidiana. Entretanto, as
propostas que mais nos interessam aqui são especificamente
aquelas onde a participação ativa se traduz em novas formas de
comunidade e de serviço colaborativo. Tais idéias e propostas
serão delineadas nos Capítulos 3 e 4.

2.4 Design e bem-estar


O grande tema de design com o qual a sociedade deve se con-
frontar hoje é o seguinte: como podemos nos encaminhar rumo
a uma sociedade onde as expectativas de bem-estar não sejam
mais associadas à aquisição de novos artefatos? Como pode-
mos colocar as pessoas em condições de viver bem consumin-

56 | 2. Modos de vida
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do (muito) menos e regenerando a qualidade de seus contextos


de vida?
Para responder a essas perguntas, devemos imaginar um
sistema cultural e de produção onde uma redução no consumo
de produtos e serviços materiais seja (ainda mais) compensada
por um crescimento em outras formas de qualidade: as qualida-
des intangíveis da cultura e do espírito, mas também – e isso é
do nosso maior interesse – a qualidade de nosso contexto de
vida, onde o bem-estar é criado levando-se em consideração o
quadro geral onde se desenvolve a vida de uma pessoa.
Em outras palavras, qualquer idéia de bem-estar, para ser
sustentável, deve (re)descobrir a qualidade do contexto e, por-
tanto, o valor dos bens comuns e do tempo lento e contemplati-
vo. Deve fazê-lo por duas razões: primeiro, porque, desse modo,
o consumo total de produtos materiais e dos serviços baseados
nestes produtos pode ser reduzido. Segundo, porque, para ser
aceitável, a redução no consumo individual deve ser compen-
sada por um aumento na qualidade dos bens comuns.
Essa observação coloca os designers numa posição parado-
xal: é necessário que cada sociedade e seus profissionais con-
tribuam para a construção de um mundo onde as expectativas
de bem-estar sejam menos associadas à existência de novos ar-
tefatos. Por outro lado, naquilo que diz respeito aos designers, a
única contribuiçao que aparentemente podem dar é justamen-
te projetar e produzir artefatos.
A boa notícia é que esse paradoxo pode ser superado: é
possível imaginar uma nova geração de artefatos (tangíveis e
intangíveis) que colaborem na definição de novas, e mais sus-
tentáveis, demandas sociais. Quer dizer, artefatos que sejam ao
mesmo tempo apreciados pelos potenciais usuários e capazes
de regenerar a qualidade do contexto onde se encontram. A no-
tícia ruim é que conceber e desenvolver estes novos artefatos
não é simples. E, certamente, não se caracteriza como a tradi-
ção consolidada daquilo que os designers, até agora, foram ca-
pazes de fazer.

2. Modos de vida | 57
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Pesquisas em design para um bem-estar baseado no contexto.


Vimos no primeiro capítulo que as principais características do
design para a sustentabilidade são: promover mudanças dire-
cionadas no sistema local – isto é, estimular, facilitar e partici-
par de uma ruptura com o modo de fazer dominante –, e, ao
mesmo tempo, ser coerente com os critérios fundamentais da
sustentabilidade. Algumas diretrizes foram propostas para sa-
tisfazer esses requisitos.
Neste segundo capítulo, as hipóteses de uma nova idéia de
bem-estar são propostas como o resultado de três componen-
tes principais: alta qualidade dos bens comuns, produtos dura-
douros, eficazes, ecoeficientes e uma nova geração de serviços,
chamados serviços colaborativos (definiremos este conceito
nos capítulos 3 e 4). Estes componentes (e sua combinação)
devem ser considerados caso a caso e podem ser promovidos
através do emprego de diferentes ferramentas de design (estra-
tégico, de serviços, da comunicação e de produto). Nesse senti-
do, temos duas linhas principais de pesquisa em design a serem
desenvolvidas. São elas:
! Como regenerar os bens comuns locais? O título dessa linha
de pesquisa poderia ser “bens comuns versus bens reme-
diadores”. Alguns exemplos: como promover a água potável
da bica ao em vez da água engarrafada? Como promover
uma vizinhança aberta e segura ao invés de dispositivos de
segurança? Como promover o bem-estar e a prevenção de
doenças ao invés da assistência médica e dos remédios?
! Como promover o tempo lento? Neste caso, o título poderia
ser “ecologia do tempo versus tempo veloz”. Supondo que
o tempo veloz é muito bem desenvolvido na cultura e na
economia dominantes, esta linha de pesquisa tem como
objetivo principal promover “ilhas de lentidão”. Por exem-
plo, promover uma idéia de qualidade (na comunidade, no
turismo, em alguns produtos materiais, mesmo em servi-
ços sociais) que, para ser produzida e apreciada, requeira
“investimento do próprio tempo”.

58 | 2. Modos de vida
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Pesquisas em design para um bem-estar ativo. Afirmamos an-


teriormente que é necessário olhar criticamente para a idéia
monológica de conforto como passividade e não envolvimento.
Agora, é possível acrescentar que essa idéia nos conduziu pro-
gressivamente à incorporação de conhecimentos e habilidades
anteriormente difusos e de conhecimento público em aparatos
técnicos e sistemas organizativos especificamente projetados.
Esse processo progressivamente retirou dos indivíduos e das
comunidades as ferramentas e competências que no passado
lhes permitiam lidar de maneira autônoma com os mais dife-
rentes aspectos da vida cotidiana.
É claro que os designers tiveram um papel importante na
promoção e prática dessa idéia. Agora, frente à evidência dos
problemas a ela relacionados, os designers deverão discutir “se”
e “como” mudar de postura. Ou melhor, “se” e “como” seria pos-
sível imaginar um novo tipo de bem-estar: um bem-estar ativo,
onde as capacidades das pessoas em termos de sensibilidade,
competência e espírito de iniciativa terão também um impor-
tante papel.
Focalizando essa proposta do ponto de vista do designer,
devemos estabelecer uma nova idéia de produtos e serviços
paralela à idéia atualmente dominante de produtos e serviços
como sistemas desabilitantes. Se hoje a idéia mais amplamente
difundida é a de que produtos e serviços são projetados consi-
derando o usuário apenas como uma expressão de problemas
(problemas que, para serem resolvidos, requerem uma mínima
participação de sua parte), esta nova idéia deve, ao contrário,
partir do que o usuário sabe, pode e deseja fazer. Em outras pa-
lavras, produtos e serviços devem ser concebidos como siste-
mas habilitantes, que colaboram na obtenção do resultado de-
sejado pelo usuário, oferecendo a ele os meios para empregar
suas próprias capacidades neste processo e, se necessário, es-
timulando seu desejo de fazer parte do jogo (voltaremos à este
tema dos sistemas habilitantes no capítulo 4).

2. Modos de vida | 59
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3. Inovação Social | Comunidades criativas e


organizações colaborativas

A transição rumo à sustentabilidade, especificamente a modos


de vida sustentáveis, será um processo de aprendizagem social
largamente difuso no qual as mais diversificadas formas de
criatividade, conhecimento e capacidades organizacionais de-
verão ser valorizadas do modo mais aberto e flexível possível.
Um papel particular será desempenhado por uma série de ini-
ciativas locais que, por diversos motivos, serão cada vez mais
capazes de romper os padrões consolidados e nos guiar rumo a
novos comportamentos e modos de pensar. São por este moti-
vo denominadas de descontinuidades locais.
Esses casos promissores expressam principalmente a ativi-
dade de minorias sociais e, quando confrontados com os mo-
dos de pensar e comportamentos dominantes, tendem a desa-
parecer. São, mesmo assim, iniciativas cruciais para promover
e orientar o processo de transição rumo à sustentabilidade. Po-
dem ser vistos como experimentos sociais de futuros possíveis:
laboratórios multilocalizados e difusos, onde diferentes movi-
mentos rumo à sustentabilidade são ensaiados. Como ocorre
em qualquer laboratório, ninguém pode dizer, a priori, qual
experimento terá realmente sucesso. Não obstante, é possível
aprender algo por meio de cada uma dessas tentativas, se for-
mos capazes de reconhecer seu valor.

3.1 Comunidades criativas


O termo inovação social refere-se a mudanças no modo como
indivíduos ou comunidades agem para resolver seus proble-
mas ou criar novas oportunidades. Tais inovações são guiadas
mais por mudanças de comportamento do que por mudanças

3. Inovação Social | 61
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tecnológicas ou de mercado, geralmente emergindo através de


processos organizacionais “de baixo para cima” em vez daque-
les “de cima para baixo”.
A experiência nos indica que períodos particularmente in-
tensos de inovação social tendem a ocorrer quando novas tec-
nologias penetram nas sociedades ou quando problemas par-
ticularmente urgentes ou difusos devem ser enfrentados. Ao
longo das últimas décadas, várias novas tecnologias foram in-
troduzidas em nossas sociedades, gerando possibilidades ain-
da amplamente inexploradas. Por outro lado, a gravidade dos
problemas sociais e ambientais a serem enfrentados na nossa
vida cotidiana se tornou evidente. Portanto, considerando a
combinação desses dois fenômenos, é fácil prever a manifes-
tação de uma nova e imensa onda de inovação social (Young
Foundation, 2006). Nossa principal hipotése aqui é que esta
emergente onda pode ser um poderoso guia na transição rumo
à sustentabilidade.
O conjunto da sociedade contemporânea, em sua comple-
xidade e contraditoriedade, pode ser visto como um imenso la-
boratório de idéias para a vida cotidiana, onde modos de ser e
de fazer se desdobram em novas questões e respostas inéditas.
Isso corresponde exatamente ao que acabamos de definir com
o termo inovação social: mudanças no modo como indivíduos
ou comunidades agem para resolver seus problemas ou criar
novas oportunidades (Laundry, 2006; Emude, 2006).
Existem muitos casos em que essa criatividade socialmen-
te difusa se expressa no design de atividades que podemos de-
nominar “colaborativas”. São exemplos: modos de vida em co-
mum nos quais espaços e serviços são compartilhados (como o
co-housing); atividades de produção baseadas nas habilidades
e recursos de uma localidade específica, mas que se articulam
com as mais amplas redes globais (como acontece com alguns
produtos típicos locais); uma variedade de iniciativas relativas à
alimentação natural e saudável (desde o movimento internacio-
nal do Slow Food até a difusão, em muitas cidades, de uma nova
geração de farmers market, ou seja, “mercados de produtores”);
serviços auto-organizados, como microberçários ou microcre-
ches (espaços de recreação e cuidados infantis que funcionam

62 | 3. Inovação Social
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por iniciativa dos próprios pais) e lares compartilhados (onde


jovens e idosos moram juntos, ajudando-se mutuamente); no-
vas formas de socialização e intercâmbio (tais como o Local
Exchange Trading System – Lets – e os time banks); sistemas de
transporte alternativos (do car sharing e do carpooling à redes-
coberta da bicicleta); redes que unem de modo direto e ético
produtores e consumidores (como as atividades do comércio
justo), entre outros (SEP, 2008).
Podemos observar que, embora apresentem características
e modos de operar diversos, esses casos possuem um significa-
tivo denominador comum: são sempre a expressão de mudan-
ças radicais na escala local. Em outras palavras: representam
descontinuidades em seus contextos por desafiar os modos
tradicionais de fazer, introduzindo outros, muito diferentes e
intrinsecamente mais sustentáveis. Isto é verdadeiro tanto no
caso da organização de sistemas para o compartilhamento de
objetos ou espaços em lugares onde a utilização individual nor-
malmente prevalece quanto nas iniciativas dedicadas à recu-
peração da qualidade dos alimentos saudáveis e biológicos em
lugares onde é considerado normal ingerir outros tipos de pro-
duto; ou ainda quando temos o desenvolvimento de serviços
participativos em localidades onde esses mesmos serviços se
baseiam em uma absoluta passividade da parte dos usuários, e
assim por diante (Meroni, 2007).

Casos promissores de inovação social. Todos esses casos precisa-


riam ser analisados em detalhe de modo a avaliar precisamente
a sua efetiva contribuição à sustentabilidade ambiental e so-
cial. Entretanto, mesmo à primeira vista, é possível reconhecer
sua coerência com algumas das diretrizes fundamentais para
a sustentabilidade. Mais precisamente, os exemplos aos quais
nos referimos aqui, possuem uma capacidade inaudita de arti-
cular interesses individuais com interesses sociais e ambientais.
De fato, são casos que, em sua busca por soluções concretas,
acabam por reforçar o tecido social, gerando e colocando em
prática idéias novas e mais sustentáveis de bem-estar. Especi-
ficamente, constituem idéias que dão grande valor à qualidade

3. Inovação Social | 63
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de nossos “bens comuns”, a uma atitude respeitosa e atenta, à


busca por um ritmo mais lento de vida, à ação colaborativa, a
novas formas de comunidade e a novos conceitos de “localida-
de” (Manzini, Jegou, 2003; Manzini, Meroni, 2007). Além disso,
esse bem-estar parece ser coerente com a maior diretriz para a
sustentabilidade ambiental, qual seja: atitudes positivas rumo a
espaços e bens compartilhados; uma preferência por alimentos
biológicos, regionais e de estação; uma tendência a regenerar
redes locais; e, finalmente e mais importante, coerência com
um modelo de economia distribuída, que procura ser menos
baseado em serviços de transporte e mais capaz de integrar sis-
temas eficientes de energia renovável (Vezzoli, Manzini, 2007).
Justamente pelo fato de que esses casos sugerem soluções
que combinam interesses pessoais com interesses sociais e
ambientais, acreditamos que deveriam ser considerados como
casos promissores: iniciativas nas quais, de maneiras diferentes,
pessoas foram capazes de orientar suas expectativas e seu com-
portamento individual em uma ação coerente com uma pers-
pectiva sustentável.

Pessoas criativas e colaborativas. Cada um desses casos promis-


sores se baseia em grupos de pessoas que foram capazes de dar
vida a estas soluções inovadoras. E fizeram isso recombinando
o que já existe, sem esperar por uma mudança geral de siste-
ma (na economia, nas instituições, nas vastas infra-estruturas).
Por essa razão, considerando que a capacidade de reorganizar
elementos já existentes em novas e significativas combinações é
uma das possíveis definições de criatividade, tais grupos podem
ser definidos como comunidades criativas: pessoas que, de for-
ma colaborativa, inventam, aprimoram e gerenciam soluções
inovadoras para novos modos de vida (Meroni, 2007).
Uma segunda característica, comum a esses casos promis-
sores, é que eles nascem a partir de problemas colocados pela
vida cotidiana contemporânea: de que forma podemos supe-
rar o isolamento trazido por um individualismo radical? Como
organizar funções cotidianas se a família e a vizinhança não se
ocupam mais em fornecer o suporte que tradicionalmente ofe-

64 | 3. Inovação Social
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reciam? Como podemos responder à demanda por alimentos


naturais e condições de vida saudáveis quando vivemos em
metrópoles globais? Como podemos encorajar a produção lo-
cal sem sermos esmagados pelo poder dos mecanismos de co-
mércio global?
Comunidades criativas geram soluções capazes de respon-
der a todas essas perguntas. Perguntas que são tão corriqueiras
quanto radicais. Perguntas que o sistema de produção e consu-
mo dominante, apesar de sua oferta impressionante de produ-
tos e serviços, é incapaz de responder e, sobretudo, de respon-
der adequadamente do ponto de vista da sustentabilidade.
Podemos dizer, enfim, que as comunidades criativas apli-
cam sua criatividade para quebrar os modelos dominantes de
pensar e fazer e, com isso, conscientemente ou não, geram as
descontinuidades locais que mencionamos antes.
Um terceiro denominador comum é que as comunidades
criativas resultam de uma original combinação de demandas e
oportunidades. As demandas, como vimos, são sempre criadas
por problemas da vida cotidiana contemporânea. As oportuni-
dades se manifestam a partir de diferentes combinações de três
elementos básicos: a existência (ou ao menos a memória) das
tradições; a possibilidade de utilizar (de uma forma apropriada)
uma série de produtos, serviços e infra-estruturas; a existência de
condições sociais e políticas favoráveis (ou pelo menos capazes
de aceitar) o desenvolvimento de uma criatividade difusa.

Tradições como recursos sociais. Ao responder as questões co-


locadas pela vida contemporânea, as comunidades criativas
estabeleceram ligações, mais ou menos fortes e explícitas, com
modos de fazer e pensar próprios das culturas pré-industriais:
o velho mercado, as hortas de seus avós, crianças indo para es-
cola como nos “bons e velhos tempos”, o compartilhamento de
ferramentas e equipamentos, como era norma antes do adven-
to de nossa atual sociedade orientada ao consumo, e assim por
diante. A existência dessas evidentes ligações com os modos
tradicionais de fazer e pensar levou alguns observadores a afir-
mar que tais casos não representavam uma efetiva novidade,

3. Inovação Social | 65
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sendo apenas manifestações de saudosismo por uma “vida de


aldeia” a qual nunca poderemos retornar.
Olhando para esses casos e suas motivações com mais cui-
dado, é possível constatar claramente que nada poderia ser mais
falso: o “passado” que emerge nestes casos é um recurso social
e cultural extraordinário, absolutamente atualizado. É o valor
da socialidade de vizinhança que nos torna capazes de trazer
novamente vida e segurança aos nossos bairros e cidades. É o
respeito pelas estações climáticas e a produção local de alimen-
tos que pode reorganizar a insustentável rede de fornecimento
e distribuição atual. É o compartilhamento que nos torna ca-
pazes de reduzir o peso da aquisição individual de equipamen-
tos, sem renunciar às funcionalidades que desejamos. Por fim,
cada um desses casos representa a herança de conhecimento,
padrões de comportamento e formas de organização que, à luz
das atuais condições de existência e dos atuais problemas, po-
dem representar um valioso material de construção para o fu-
turo (CCSL, 2007).

Tecnologias reinterpretadas. A maioria dos casos promissores


que destacamos utiliza tecnologias “comuns” (ou o que é con-
siderado “comum” hoje em muitos países). Freqüentemente,
porém, tais tecnologias são utlizadas de uma maneira original,
ou seja, geram um novo tipo de sistema a partir de produtos e
serviços comumente disponíveis no mercado. Por exemplo: ge-
ralmente utilizam o telefone, o computador e a internet como
qualquer membro da sociedade pode fazer (claramente mem-
bros de sociedades onde os telefones, computadores e internet
sejam atualmente disponíveis). Entretanto, devemos enfatizar
o quanto são importantes essas “tecnologias comuns”. Alguns
poucos casos fazem uso de serviços e produtos sofisticados,
porém nenhum deles poderia existir sem um telefone. E muito
poucos sem um computador e acesso à internet.
Dito isso, podemos acrescentar que essas tecnologias, por
mais modestas que sejam, por mais comuns que possam ser
consideradas, ainda têm potencialidades amplamente não uti-
lizadas (e também não imaginadas): os telefones celulares – to-

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mando como exemplo o aparelho de comunicação mais co-


mumente usado mundialmente – foram utilizados até hoje
principalmente como instrumentos de comunicação. Todavia,
apresentam também um grande potencial para a organização
de sistemas. O mesmo potencial pode ser atribuído ao uso (in-
teligente) de computadores e da internet. Só para citar alguns
exemplos: sistemas inovadores de compartilhamento de car-
ros (carpooling), grupos de compras, “bancos de tempo” (time
banks). Esses e outros tantos serviços não poderiam existir sem
o telefone e seriam muito difíceis de gerenciar sem o (normal,
mas inteligente) uso de computadores e da internet.
Essas hipóteses são corroboradas pela observação direta
dos processos de inovação social: considerando o quadro geral,
composto de casos que empregam tecnologias comuns, come-
çam a despontar exemplos onde uma específica tecnologia –
tecnologias de informação e comunicação, em particular – foi
desenvolvida e está atualmente em uso. Esses casos nos dão
uma idéia de como a situação poderia evoluir se apropriadas
tecnologias habilitantes fossem desenvolvidas. A evolução do
car sharing é uma dessas idéias: há vinte anos, trabalhava-se
com o telefone, papel e caneta; hoje em dia, tornou-se campo
de aplicação para uma variedade de pacotes tecnológicos espe-
cíficos, tais como sistemas de reserva, gerenciamento de frotas
de carros e customização de veículos segundo as exigências in-
dividuais dos usuários.
Em conclusão, embora seja verdade que o uso das tecno-
logias de informação e de comunicação como facilitadores de
novas formas de organização esteja ainda apenas no começo,
algumas invenções desenvolvidas pelas comunidades criati-
vas são já muito avançadas. Em outras palavras, situam-se na
vanguarda dos processos de inovação sistêmica socialmente
conduzidos, onde tecnologias comuns existentes são utilizadas
para criar sistemas e organizações totalmente novos.

Empreendimentos sociais difusos. Comunidades criativas são


entidades que evoluem ao longo do tempo. Uma observação
mais detalhada nos mostra que os casos promissores que elas

3. Inovação Social | 67
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geram podem ser vistos como idéias de serviço e de negócios


posicionadas em diferentes estágios de seus específicos pro-
cessos de inovação. Voltaremos a esse ponto mais adiante.
Neste momento, é suficiente observar que, prosseguindo em
seus processos de inovação, as comunidades criativas evoluem
rumo a um novo tipo de empreendimento, os empreendimen-
tos sociais difusos. Essa observação é muito importante para en-
tender o potencial das comunidades criativas e, especialmente,
as possibilidades de sua permanência ao longo do tempo e de
sua propagação a diferentes contextos.
Quando se consolida como uma forma de organização ma-
dura, uma comunidade criativa torna-se um empreendimento
social difuso, produzindo tanto resultados específicos quanto
qualidade social. O termo “empreendimento difuso” indica gru-
pos de pessoas que se auto-organizam, em sua vida cotidiana,
para obter os resultados nos quais estão diretamente interes-
sados. A expressão “produzindo resultados específicos e qua-
lidade social” refere-se ao processo pelo qual, através de uma
procura ativa para resolver os próprios problemas, esses grupos
reforçam o tecido social e melhoram a qualidade do ambiente.
Em síntese, produzem sociabilidade (Leadbeater, 2006; Emude
2006).
Estabelecida essa definição de trabalho, devemos enfatizar
que os empreendimentos sociais difusos são um tipo especial
de empreendimento social, diferentes dos mais tradicionais.
De fato, se concentram em problemas comuns do cotidiano:
obtenção de comida mais saudável, assistência à própria famí-
lia (infância e terceira idade), mobilidade urbana... Em outras
palavras, embora alguns empreendimentos sociais se ocupem
de problemas sociais críticos (tais como interação com grupos
sociais marginalizados ou assistência a doenças graves) a es-
pecificidade dos empreendimentos sociais difusos repousa em
estender o conceito de “social” a uma ampla arena onde os in-
divíduos se encontram para enfrentarem juntos as dificuldades
comuns da vida cotidiana, bem como as novas demandas de
bem-estar que destas emergem
Outra diferença em relação ao conceito usual de empresa
social é que nos empreendimentos sociais difusos as pessoas

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atuam para ajudarem “a si mesmas” e (ao menos em parte) “por


si mesmas”. Isto significa que, diferentemente da visão de em-
preendimento social, onde muitas vezes a figura predominan-
te é a de alguém que presta um serviço para outras pessoas, o
aspecto característico aqui é que todos os participantes cola-
boram de modo direto e ativo na obtenção do resultado que o
empreendimento pretende alcançar.

Incubadoras de iniciativas baseadas no conhecimento. As co-


munidades criativas podem ser reconhecidas, e ter seu papel
debatido, no quadro da emergente economia do conhecimento
(e, esperamos, de uma possível sociedade do conhecimento e
da sustentabilidade): uma economia (e uma sociedade) da qual
tais comunidades são ao mesmo tempo resultado e (possíveis)
promotoras.
De fato, pesquisas realizadas até agora mostram que as co-
munidades criativas emergem principalmente em contextos
de rápida mudança, caracterizados pelo conhecimento difuso,
com um alto nível de conectividade (o que significa a possibi-
lidade de interagir com outras pessoas, associações, firmas e
instituições) e certo grau de tolerância (em relação aos modos
não convencionais de ser e fazer). Em outras palavras, tendem
a emergir em contextos onde a economia do conhecimento é
mais desenvolvida.
Devemos acrescentar a essa óbvia observação uma outra
complementar (que pode ser muito menos óbvia para algumas
pessoas): as comunidades criativas e os empreendimentos so-
ciais difusos podem ser um campo muito fértil para o desen-
volvimento de uma economia do conhecimento. Foi observado
que, para uma economia do conhecimento florescer, é neces-
sária uma ampla sociedade do conhecimento (firmas orienta-
das ao conhecimento necessitam empregar trabalhadores do
conhecimento bem treinados e de contextos sociais dinâmicos
e estimulantes): as comunidades criativas e os empreendimen-
tos sociais difusos podem gerar este cenário favorável. Neste
quadro, vamos considerar, por exemplo, empreendedores que
estão promovendo e gerenciando algumas destas iniciativas:

3. Inovação Social | 69
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querendo ou não, com ou sem suporte, eles têm que aprender


como fazê-lo, ou seja, como lidar com organizações complexas
e baseadas em modelos econômicos particulares. O resultado
é que as comunidades criativas e os empreendimentos sociais
difusos podem tornar-se não apenas as sementes para novos
negócios baseados no conhecimento, mas também incubado-
ras para a formação de um grande número de trabalhadores do
conhecimento. Ao mesmo tempo, comunidades criativas po-
dem ajudar a gerar contextos dinâmicos e tolerantes que são
requeridos para iniciar e manter uma vigorosa economia do
conhecimento (Florida, 2002, 2005).
Finalmente, e mais importante, as comunidades criativas
podem contribuir para a expansão do conceito de economia do
conhecimento, de seu restrito significado atual (uma economia
de mercado onde o produto é o “conhecimento”) a um outro
muito mais profundo: uma economia que é parte de um sis-
tema onde o conhecimento e a criatividade devem ser encon-
trados de maneira difusa por toda a sociedade, e não limitados
ao conhecimento “formal” e às firmas criativas. Uma sociedade
baseada no conhecimento pode tornar-se a espinha dorsal de
uma futura sociedade sustentável baseada no conhecimento.

3.2 Organizações colaborativas


Como vimos acima, as comunidades criativas (o conjunto das
pessoas direta e ativamente envolvidas) geram casos promisso-
res (resultados inovadores). “Quando” e “se” tais comunidades
evoluem, tornam-se empreendimentos sociais difusos e, por sua
vez, os casos promissores que elas geraram tornam-se organiza-
çoes colaborativas. Essas últimas podem ser classificadas da se-
guinte forma: novos tipos de serviço social (serviços colaborati-
vos), microempreendimentos (empreendimentos colaborativos)
e redes de pessoas ativas (cidadãos colaborativos).
Serviços colaborativos são serviços sociais onde os usuários
finais estão ativamente envolvidos, assumindo o papel de co-
designers e co-produtores do serviço. Alguns exemplos são: uma
casa onde idosos de diferentes idades vivem em comunidade
compartilhando recursos e adaptando-os a suas diferentes ne-

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cessidades e estilos de vida; um serviço que facilita a co-divisão


de casas entre idosos e jovens estudantes, propiciando a esses
últimos um abrigo barato e familiar e aos primeiros companhia,
ajuda e suporte financeiro; uma oficina onde pessoas desempre-
gadas, deficientes físicos e imigrantes encontram trabalho no re-
paro e na melhoria de produtos usados.
Empreendimentos colaborativos são empreendimentos de
produção ou iniciativas de serviço que fomentam novos mo-
delos de atividades locais, por estabelecer relações diretas com
usuários e consumidores que tornam-se, também, co-produ-
tores. Muitos dos casos observados entram nessa categoria.
Exemplos: uma firma composta por jovens que reforma casas
para esses mesmos jovens, ou outros que estejam em busca
de um modo de viver comunitário; uma fazenda que ajuda os
clientes a vivenciar em primeira pessoa o valor da biodiversida-
de na cadeia alimentar; um empreendimento local que ensina
as pessoas como reutilizar materiais velhos e usados; uma loja
onde pessoas trocam bens esportivos usados.
Cidadãos colaborativos são grupos de pessoas que colabo-
rativamente resolvem problemas ou abrem novas possibilida-
des (e que, novamente, tornam-se co-produtores dos resulta-
dos obtidos). Alguns exemplos dessas categorias são: grupos
de residentes que transformam um terreno abandonado num
jardim compartilhado pelos vizinhos; grupos de pessoas que
gostam de cozinhar e que utilizam suas habilidades em favor
de um grupo maior, organizando jantares nas casas dos mem-
bros; grupo de pessoas que trocam ajuda mútua em termos de
tempo e habilidades.

Organizações colaborativas e qualidade relacional. Embora tais


organizações possuam diversificados objetivos e atores, apre-
sentam um traço comum fundamental: todas são constituídas
por grupos de indivíduos que colaboram entre si na co-criação
de valores comumente reconhecidos e compartilhados. Por essa
razão, as chamamos, em seu conjunto, de organizações colabo-
rativas: iniciativas de produção e serviço baseadas em relações
colaborativas entre pares e, conseqüentemente, num alto grau

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de confiança mútua. Produção e serviços onde os valores pro-


duzidos emergem das qualidades relacionais que possuem, isto
é, da existência de relações interpessoais verdadeiras entre os
envolvidos. (Cipolla, 2004).
Este último ponto deve ser enfatizado. De fato, enquanto
todas as organizações humanas tendem a possuir algum grau
de qualidade relacional, para as organizações colaborativas isso
não é uma opção, mas uma precondição para sua existência. A
colaboração entre pares requer confiança, que por sua vez re-
quer qualidades relacionais: a ausência de qualidades relacio-
nais significa a ausência de confiança e colaboração e, conse-
qüentemente, a ausência de uma organização colaborativa, tal
qual a definimos aqui.
Esta evidente característica das organizações colaborativas
depende diretamente de suas origens. Afirma-se progressiva-
mente de acordo com o amadurecimento das comunidades
criativas, as quais exigem ação direta das pessoas envolvidas
e são baseadas na sua capacidade/vontade de agir. Ou seja, as
pessoas buscam principalmente resolver juntas e ativamente
os próprios problemas, reforçando, como efeito colateral, o te-
cido social.

Modelos organizativos complexos. Outro aspecto característico


das organizações colaborativas é que seu modelo organizacio-
nal desafia os modos tradicionais de pensar, indo além das con-
vencionais polaridades sobre as quais os modernos modelos
organizacionais dominantes foram construídos: privado/pú-
blico; consumidor/produtor; local/global; necessidade/desejo.
As organizações colaborativas, de fato, propõem soluções onde
os interesses privados, sociais e ambientais podem convergir
em um intricado jogo de necessidades e aspirações. São inicia-
tivas profundamente enraizadas localmente mas, ao mesmo
tempo, fortemente conectadas com outras semelhantes em es-
cala internacional. Finalmente, e mais importante, são formas
de organização em que, por serem todos participantes ativos,
as distinções entre os papéis de produtor e de usuário/consu-
midor se diluem.

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O mesmo tipo de desafio se estende ao modelo econômi-


co. De fato, as organizações colaborativas são baseadas em uma
mistura de diversos “modelos econômicos”: diferentes combi-
nações de auto-ajuda e ajuda mútua, sistemas de trocas ou de
dons, economias de mercado e de não-mercado.

3.3 Processos em andamento


As comunidades criativas podem ser consideradas como pro-
tótipos de trabalho de modos de vida sustentáveis. Elas mostram
que, mesmo nas condições atuais, é possível comportar-se de
forma colaborativa, alcançando resultados sustentáveis. Vimos
acima que tais experimentos são, às vezes, bem-sucedidos,
e se consolidam em novas formas de empreendimentos, os
empreendimentos sociais difusos, capazes de produzir coopera-
tivamente organizações colaborativas.
É possível observar, porém, que esses processos de inova-
ção são ainda hoje a expressão de minorias. Essa afirmação nos
leva às seguintes questões: é possível fazer mais do que simples-
mente observar o que a espontaneidade e o empreendedoris-
mo das pessoas foram capazes de fazer? É possível consolidar e
replicar esses casos promissores? Em outras palavras: é possível
facilitar a existência destas comunidades criativas e sua evolu-
ção rumo a duradouros empreendimentos sociais? Podem estas
iniciativas serem amplamente replicadas em diferentes contex-
tos? Podem, considerando seu potencial de consolidação e de
difusão, lidar com a dimensão dos problemas que são (e que
serão) levantados pela transição rumo à sustentabilidade?
Um primeiro passo, visando responder a tais perguntas, é
observar os casos promissores existentes e examinar minucio-
samente quando e como eles tiveram sucesso, isto é, quando e
como foram capazes de permanecer ao longo do tempo e repli-
car-se em outros contextos.

Boas idéias que giram o mundo. O que foi dito, introduzindo


as comunidades criativas e os empreendimentos sociais difu-
sos, poderia nos induzir a pensar que toda a argumentação de-

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senvolvida até aqui refere-se apenas às economias industriais


mais desenvolvidas, isto é, aquelas que alcançaram um estágio
avançado no processo de consolidação de uma economia do
conhecimento.
Tal afirmação está ao mesmo tempo certa e errada. Está
certa quanto ao fato de que, até agora, as comunidades cria-
tivas e os empreendimentos sociais difusos foram observados
principalmente naquelas regiões do mundo onde a economia
do conhecimento é bastante desenvolvida. Todavia, não deve-
se daí deduzir que comunidades criativas só podem ser en-
contradas nesses países. Embora as comunidades criativas se
manifestem principalmente em contextos de rápida mudança
– caracterizados pelo conhecimento difuso, com um alto nível
de conectividade e certo grau de tolerância – podemos obser-
var também que, pelo menos nas “economias emergentes”, há
vastas áreas urbanas (ou quase-urbana) que podem ser des-
critas nos mesmos termos (se concordarmos em adaptar seus
significados a novas circunstâncias). São contextos que estão
mudando rapidamente (muitas pessoas estão se transferindo
do interior para as cidades), com certo grau de tolerância (pois
ninguém pode exercer um estrito controle numa sociedade em
tamanha transformação). E no que se refere ao conhecimento
difuso e à criatividade, podemos encontrar muitas hibridiza-
ções entre a cultura tradicional, novos comportamentos e tec-
nologias avançadas.
Observando atentamente países como o Brasil, a Índia e
a China, podemos encontrar interessantes casos de grupos de
compras, agricultura de base comunitária e carpooling, só para
citarmos alguns exemplos (CCSL, 2007). E, mesmo que seu sig-
nificado e motivações sejam diferentes das que encontramos
na Europa (os diferentes papéis da tradição e das redes sociais
existentes levaram a diferentes significados dos termos “comu-
nidade” e “criatividade” e, similarmente, o diferente peso das
necessidades econômicas sobre as demais necessidades sociais
e ambientais criaram motivações diversas), as idéias sobre as
quais eles se baseiam são mais ou menos idênticas.
De fato, considerando que a mudança das condições de
vida (dos vilarejos e da economia de subsistência para as ci-

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dades e a economia de mercado) estão afetando crescentes


proporções de população nos países emergentes, algumas ex-
periências ocidentais (de como viver em uma cidade) podem
estimular a adoção (e adaptação) de idéias análogas no novo
ambiente urbano emergente. Por outro lado, pode ser que a
persistência dos modos tradicionais de pensar e de fazer nestas
novas metrópoles se tornem uma vasta reserva de recursos so-
ciais e culturais gerando novas idéias de modos de vida susten-
tável que, em contrapartida, poderiam ser adotadas (e adapta-
das) nas sociedades ocidentais.
Em conclusão, podemos dizer que o lugar onde essas
inovações acontecem não é uma questão relativa ao fato de
estarmos diante de uma sociedade industrial mais ou menos
desenvolvida, de ser rica ou pobre, de ser no Norte, Sul, Leste
ou Oeste. É simplesmente uma questão relativa à velocidade da
mudança: onde quer que as mudanças sejam rápidas e profun-
das, comunidades criativas aparecerão e, uma vez que tenham
sido geradas, elas se movem e se adaptam à especificidade dos
diferentes contextos: um movimento de idéias e experiências
que pode caminhar em todas as direções, do Norte para o Sul,
do Oeste para o Leste e vice-versa.

Interações “de baixo para cima” (bottom-up), “de cima para


baixo” (top-down) e “entre pares” (peer-to-peer). As comuni-
dades criativas foram descritas até agora como iniciativas “de
baixo para cima” (bottom-up), ou seja, ações “a partir das ba-
ses” que dão origem a casos promissores de inovação social.
Porém, uma observação mais acurada de sua evolução – par-
tindo de uma idéia inicial até formas organizativas mais madu-
ras – indica que sua possibilidade de existência à longo prazo
– e, freqüentemente, até mesmo de nascimento – depende de
mecanismos complexos. Assim sendo, a participação direta e
ativa das pessoas interessadas (interações “de baixo para cima”)
é freqüentemente sustentada por trocas de informações com
outras organizações similares (interações “entre pares”) e pela
intervenção de instituições, organizações cívicas ou empresas
(interações “de cima para baixo”).

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Por exemplo, um microberçário ou creche começa a ope-


rar graças à participação ativa dos pais envolvidos. Estes pais
podem ter sido motivados a promover tal iniciativa através da
observação de experiências similares (eventualmente intera-
gindo com algumas delas). Podem ter recebido um instrumen-
to habilitante de algum ente de governo ou instituição, tal como
um livro que os orientou, passo a passo, no procedimento a ser
seguido na fase inicial e no gerenciamento da iniciativa. Talvez
possam contar com o suporte de uma autoridade local na ava-
liação do serviço, de modo a garantir sua conformidade com
padrões de saúde, segurança e higiene, ou ainda com o suporte
de um serviço central, no caso de problemas educationais ou
cuidados médicos que não possam ser resolvidos na própria
creche.
Estes exemplos, como muitos outros que poderiam ser
apresentados aqui, indicam que as comunidades criativas e
os empreendimentos sociais difusos devem ser considerados
como iniciativas “de baixo para cima” não porque tudo acon-
tece através do envolvimento ativo das pessoas diretamente
interessadas, mas sim porque esta é uma precondição de exis-
tência. Cada uma destas iniciativas tem início, se desenvolve
cotidianamente e se aprimora através de um intrincado jogo de
interações “de baixo para cima”, “de cima para baixo” e “entre
pares” (que difere caso a caso). É exatamente esta característica
que nos leva a reconhecer que as ações criativas e colaborati-
vas – matéria básica na construção das comunidades criativas e
dos empreendimentos sociais difusos – não podem ser direta-
mente planejadas. Porém, algo pode ser feito para tornar estas
soluções mais prováveis, duradouras e reproduzíveis.

Contextos favoráveis. Os contextos onde existem tanto as comu-


nidades criativas e seus casos promissores quanto os empreen-
dimentos sociais difusos e suas organizações colaborativas são
sistemas sociotécnicos altamente complexos que não podem
ser “projetados”. Todavia, alguns de seus elementos podem ser
imaginados e efetivamente realizados.

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É possível identificar e cultivar elementos materiais e ima-


teriais que possam trabalhar juntos em um dado contexto de
modo a torná-lo um terreno fértil para iniciativas criativas e “de
baixo para cima”. Em outras palavras, é possível melhorar a ca-
pacidade desse contexto em sustentar comunidades criativas,
promover casos promissores e possibilitar a um amplo núme-
ro de cidadãos potencialmente inovadores moverem-se nessa
mesma direção (Laundry, 2000, 2006; Leadbeater 2006).
Para isso, é necessário desenvolver instrumentos de gover-
nança inovadores e um ambiente tolerante: ferramentas de go-
vernança especificamente voltadas para facilitar a existência de
comunidades criativas, e um quadro legal e cultural capaz de
lidar com a “área cinza” (não ilegal) que freqüentemente emer-
ge quando assistimos o nascimento de iniciativas radicalmente
novas. Esse último ponto é crucial e será detalhado a seguir.

Ambientes tolerantes. O ambiente mais favorável para as co-


munidades criativas e seus casos promissores é caracterizado
por um alto grau de tolerância (Florida, 2002, 2005). Visto que
os casos promissores considerados aqui são, por definição, for-
mas de organização que diferem radicalmente das soluções
usuais, promovê-los significa aceitar algo que provavelmente
não se encaixará nas normas e regras existentes. Portanto, a to-
lerância requerida para o desenvolvimento desses casos deve
se expressar em termos sociais, políticos e administrativos, pois
se é verdade que uma comunidade criativa nascente pode ser
destruída pela incompreensão e hostilidade política, é igual-
mente possível que seja vítima (e isto é o que de fato freqüen-
temente ocorre) da incapacidade administrativa em aceitar tal
inovação.
De um ponto de vista prático, as iniciativas “de baixo para
cima” requerem uma variedade de novas regulamentações que
viabilizem a condução de atividades que são difíceis de classi-
ficar em termos convencionais (tais como o uso inovador dos
espaços públicos; o trabalho em casa; as empresas familiares;
novos modos de vida coletiva). Novos sistemas fiscais devem ser
desenvolvidos para lidar com modelos econômicos onde a troca

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de trabalho e a permuta possam substituir as transações con-


vencionais baseadas no dinheiro. Ao mesmo tempo, a natureza
legal e econômica destas iniciativas inovadoras deve ser consi-
derada muito cuidadosamente, já que a tolerância que estas re-
querem pode ser explorada também por atores “ilegítimos”.

Governança participativa. Empreendimentos sociais difusos e


organizações colaborativas reforçam o tecido social por cria-
rem novos espaços sociais e físicos. Conseqüentemente, po-
deriam ser parceiros relevantes em iniciativas governamentais
que objetivem alcançar esses mesmos resultados. Novos ins-
trumentos de governança podem aumentar tal possibilidade
se facilitarem a regeneração de contextos tradicionais específi-
cos, promoverem uma infra-estrutura tecnológica apropriada,
cultivarem novos talentos (novas competências e habilidades)
e, sobretudo, considerando o que vimos anteriormente, gera-
rem um ambiente favorável do ponto de vista social, político e
administrativo.
Como tudo isso pode ser feito? Obviamente, não existe
uma resposta única e simples para esta questão. Entretanto,
existe uma possibilidade particular, de potencial tão signifi-
cativo que merece ser devidamente mencionada aqui. São os
modelos organizativos que emergem das redes sociais (ou web
2.0). Voltaremos a esse ponto mais tarde. No momento, diremos
apenas que, na nossa opinião, os modelos das redes sociais po-
dem ser a tecnologia habilitante capaz de promover a transição
dos atuais instrumentos de governança, rígidos e hierárquicos,
rumo a outros, flexíveis, abertos e horizontais, necessários para
promover o florescimento de empreendimentos sociais difusos
e de organizações colaborativas

3.4 Design e inovação social


As inovações sociais, assim como todos os processos de inova-
ção, emergem, amadurecem e se difundem em uma “curva S”:
de idéias novas em folha passam a soluções maduras e, final-
mente, a solucões implementadas (Young Foundation 2006).

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Essas três fases de evolução, também, são visíveis na inovação


social de base produzida pelas comunidades criativas.

Protótipos de solução. Alguns dos casos observados são ver-


dadeiros protótipos de soluções: eles mostram que uma idéia
de serviço é viável e que alguém, em algum lugar, foi capaz de
colocá-la em prática. A cafeteria para as crianças e as famílias
é um exemplo desse tipo de protótipo. Ela oferece uma área
de recreação para famílias, cursos de arte e exposições, auxílio
para pais e crianças estrangeiras, uma biblioteca de informação,
tudo baseado na participação dos “clientes” e em processos de
troca. Outro exemplo é o workshop para a reparação de uten-
sílios, em que pessoas levam antigos utensílios para serem re-
novados e doados a novos proprietários. Tais iniciativas abrem
inúmeras possibilidades, ainda que pareçam, a princípio, mui-
to ligadas aos seus contextos específicos. De qualquer forma,
é muito cedo para saber se tais invenções poderão funcionar
e continuar operando ao longo do tempo, independentemente
das pessoas “especiais” que delas participam e/ou dos diferen-
tes contextos nos quais foram criadas.

Soluções maduras. Outros casos apresentam-se como soluções


maduras relativamente consolidadas: indicam que algumas
idéias foram capazes de continuar ao longo do tempo e, às ve-
zes, de inspirar outros grupos de pessoas, em outros lugares,
a fazerem algo similar. Bons exemplos desta categoria são os
purchasing groups (grupos colaborativos que compram comida
orgânica e eticamente produzida diretamente dos produtores,
apoiando-os economicamente); iniciativas de encomenda de
vegetais (onde vegetais frescos, produzidos organicamente e
a preços razoáveis são entregues na porta de casa, com recei-
tas culinárias e a possibilidade de realizar visitas à fazenda) e
os Lets (cujos participantes trocam ajuda mutuamente em um
tipo de “banco de tempo”). Todas essas idéias foram propostas
há alguns anos e se difundiram internacionalmente.
Considerando o sucesso conquistado, tais casos podem ser
encarados como inovações sociais que foram capazes de passar

3. Inovação Social | 79
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de um estágio inicial de protótipo a um estágio mais maduro.


Todavia, é evidente que estas soluções ainda requerem um in-
vestimento muito alto em termos de tempo e atenção da parte
dos atores envolvidos. Pessoas menos empreendedoras e moti-
vadas podem considerar demasiado difícil iniciar experiências
similares ou até mesmo participar daquelas já em operação.

Soluções implementadas. Finalmente, alguns dos casos podem


ser considerados como soluções implementadas: organizações
colaborativas que são sustentadas por “soluções habilitan-
tes”, isto é, sistemas de produtos, serviços e programas de co-
municação especificamente projetados. Alguns exemplos são
bastante conhecidos como, por exemplo, o car sharing (um
grupo de residentes, numa dada área, compartilham uma fro-
ta de carros a fim de serem utilizados e pagos apenas quando
requeridos). Esta proposta se tornou muito acessível, eficaz e
reproduzível em diversos contextos baseando-se em um con-
junto apropriado de produtos e serviços, na adoção de modelos
organizacionais inovativos e, algumas vezes, a partir de inter-
venções institucionais. Portanto, organizações de car sharing
podem ser adotadas (e foram, de fato) por pessoas não particu-
larmente motivadas. O mesmo é válido para empreendedores
que consideram essa atividade como uma nova oportunidade
de negócio.
Outro exemplo são os projetos de co-housing, que podem ser
sustentados através da internet (divulgando os projetos e atrain-
do potenciais participantes) por uma equipe de especialistas
(que ajudem a identificar os terrenos adequados para edificação
e a superar dificuldades administrativas e financeiras).
Esses exemplos, como outros similares, demonstram que
as idéias de algumas comunidades criativas já estão sendo de-
senvolvidas por designers, engenheiros, empresas e instituições
locais de modo a consolidar e aumentar a difusão destas ini-
ciativas, melhorando seus contextos (isto é, o ambiente onde os
empreendimentos sociais difusos e suas organizaçoes colabo-
rativas podem florescer) e desenvolvendo soluções habilitantes
específicas (ou seja, soluções que criam as condições favoráveis

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para que pessoas criativas expressem suas idéias, encontrem


parceiros e comecem projetos e/ou soluções, a fim de ajudar
empreendedores a desenvolver e gerenciar organizações cola-
borativas ao longo do tempo).

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4. Redes Projetuais | Interações “de baixo


para cima” (bottom-up), “de cima para baixo”
(top-down) e “entre pares” (peer-to-peer)

A criatividade e as atitudes colaborativas não podem, por defi-


nição, ser impostas. As comunidades criativas são organizações
sociais muito delicadas e cada intervenção externa coloca seu
equilíbrio em risco. Os empreendimentos sociais difusos que
elas geram são profundamente enraizados em lugares e co-
munidades específicas e a idéia de reproduzi-los em diferen-
tes contextos parece muito difícil. Todavia, olhando com mais
atenção para estes casos de inovação de base, parece que algo
pode ser feito para consolidá-los, torná-los mais acessíveis e
capacitá-los a serem apropriadamente difundidos, isto é, serem
replicados sem perder suas qualidades originais.
De fato, podemos observar que algumas das “idéias de
serviço” geradas pelas comunidades criativas realmente se di-
fundiram. Também é possível ver que decisões “de cima para
baixo” (top-down) e interações “entre pares” (peer-to-peer) são
freqüentemente necessárias para ajudá-las a nascer e a perma-
necer e que, implícita ou até mesmo explicitamente, elas exi-
gem diferentes tipos de suporte. Em outras palavras, mesmo
que as comunidades criativas e as inovações sociais difusas não
sejam totalmente planejáveis, nos parece ser efetivamente pos-
sível ajudá-las a nascer, bem como facilitar sua existência. Isto
significa que intervenções de suporte, ou soluções habilitantes,
podem ser concebidas em diferentes escalas e envolvendo di-
versos grupos de atores.

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4.1 Soluções e plataformas


Solução habilitante é uma expressão que já foi utilizada ao lon-
go deste texto, porém não recebeu uma definição precisa. Agora
é o momento de fazê-lo. Uma solução habilitante é um sistema
de produtos, serviços, comunicação e o que mais for necessário
para implementar a acessibilidade, a eficácia e a replicabilidade
de uma organização colaborativa.
Devemos imediatamente enfatizar que conceber e desen-
volver soluções habilitantes não é uma tarefa simples: a quali-
dade das relações interpessoais, que são uma precondição para
as organizações colaborativas, são muito delicadas e cada in-
tervenção externa coloca seu equilíbrio em risco. Todavia, algo
pode ser feito para facilitar tais relações e, na realidade, obser-
vando os casos existentes de soluções maduras e implementa-
das, podemos encontrar exemplos bem-sucedidos de soluções
habilitantes com tais características positivas.

Acessibilidade e eficácia. Gerar uma nova idéia, adaptar e ge-


renciar criativamente uma existente, ou mesmo simplesmente
participar ativamente de uma iniciativa em andamento, exige
um grande comprometimento em termos de tempo e de dedi-
cação pessoal. Ainda que esse aspecto quase heróico seja exata-
mente uma das características mais atraentes destas iniciativas,
é também um limite objetivo para sua existência a longo prazo
e para sua possibilidade de ser replicada e adotada por muitos.
Portanto, este parece ser o maior limite para a difusão das orga-
nizações colaborativas: o limitado número de pessoas capazes
e desejosas de atravessar o limiar do comprometimento reque-
rido para tornar-se um de seus promotores ou apenas um de
seus participantes ativos. Efetivamente, foi verificado que tais
iniciativas, com seu conjunto de resultados práticos e de efei-
tos socializantes, parecem atraentes para muitas pessoas; para
a maioria dos indivíduos, no entanto, requerem simplesmente
dedicação e tempo demais, ou seja, exigem um investimento
demasiado intenso de dois recursos que são (ou são percebidos
como) os mais escassos hoje em dia.

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Para superar tais problemas, é necessário que as organi-


zações colaborativas se tornem mais acessíveis (superando os
limites mencionados anteriormente), mais eficazes (incremen-
tando a relação entre resultados e esforços individuais e sociais
necessários) e mais atraentes (elevando a motivação das pesso-
as em serem ativas). É exatamente nisso que as soluções habili-
tantes poderiam ajudá-las.
Em termos práticos, as organizações colaborativas podem
tornar-se mais acessíveis e eficazes através da aplicação de um
processo de design em três etapas. A primeira etapa é analisar
e detectar suas forças e suas fraquezas. A segunda é conceber
e desenvolver soluções (para aumentar suas forças e diminuir
suas fraquezas) utilizando produtos, serviços e comunicação
de uma forma original. A terceira etapa é desenvolver soluções
utilizando tecnologias novas e especificamente concebidas.
Cada caso requererá soluções específicas, mas algumas
diretrizes muito gerais podem ser traçadas. Por exemplo, será
necessário promover estratégias de comunicação motivantes e
capazes de fornecer os conhecimentos necessários; considerar
e dar suporte às capacidades individuais de modo a tornar a
solução acessível a um maior número de pessoas; desenvol-
ver modelos de serviço e negócios estimulantes e que sejam
compatíveis com os interesses econômicos e/ou culturais dos
potenciais participantes; reduzir o total de tempo e espaço
requeridos e aumentar a flexibilidade; facilitar o processo de
constituição de comunidades.
Em termos mais gerais, podemos dizer que as soluções
habilitantes devem pôr em ação uma inteligência específica: a
inteligência necessária para estimular, desenvolver e regenerar
a habilidade e a competência daqueles que as utilizam. Obvia-
mente, quanto mais habilidoso e motivado for o usuário, mais
simples poderá ser a solução requerida. Por outro lado, quanto
menos habilidoso o usuário, mais o sistema deve ser capaz de
compensar sua carência de habilidades, fornecendo o que ele
não sabe ou não pode fazer. Além disso, quanto menos motiva-
do for o usuário, mais o sistema deve ser não apenas amigável,
mas também atraente, ou seja, participar ativamente de uma
organização colaborativa deve ser considerado estimulante.

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Plataformas habilitantes. Diferentes organizações colaborativas


podem, às vezes, expressar necessidades similares, tais como:
incubadoras para a fase inicial; serviços de transporte para re-
des produtor-consumidor; assistência específica quando novos
procedimentos e/ou novas tecnologias forem incorporadas, e
assim por adiante.
Partindo dessa observação, é possível conceber e desenvol-
ver um número de iniciativas habilitantes capazes de suportar
uma variedade de organizações colaborativas. Nós as chamare-
mos de plataformas habilitantes. Alguns exemplos são:
! Agências para a inovação social que operem como catali-
sadores de novas iniciativas e como facilitadores daquelas
existentes (de modo a permitir seu reforço, crescimento e
multiplicação).
! Espaços flexíveis que possam ser utilizados por comunida-
des em um “mix” de funções públicas e privadas, respon-
dendo de modo inovador a demandas por espaço e abrigo.
! Sistemas de conexão capazes de interligar melhor pessoas,
pessoas e produtos/serviços e até mesmo produtos/servi-
ços entre si.
! Produtos multi-usuário especificamente concebidos para
utilização compartilhada e capazes de serem sincroniza-
dos, personalizados, rastreados e localizados.
! Equipamentos semiprofissionais que possam ser usados
também por amadores (não-profissionais) e em espaços
não especializados, aumentando o número de pessoas que
podem desfrutar do grau de eficiência e qualidade que es-
tes equipamentos oferecem.
! Espaços experimentais que funcionem como incubadores
de novas empresas sociais mas, principalmente, e em um
sentido amplo, se prestem à realização dos mais diversos
experimentos sociotécnicos.
! Sistemas avançados de produtos/serviços especificamente
projetados para tornar mais fácil e fluido o funcionamento
das organizações colaborativas, tais como serviços de mo-
bilidade flexível; sistemas fluidos de pagamentos; sistemas
de reserva e realização de pedidos; tecnologias de localiza-
ção e de rastreamento.

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4.2 Aumentando a escala


Não estamos focalizando nas comunidades criativas e seus
casos promissores ou nos empreendimentos sociais difusos e
suas organizações colaborativas apenas porque são sociologi-
camente interessantes (embora reflitam realmente um signifi-
cativo aspecto das sociedades contemporâneas). Tampouco o
estamos fazendo porque podem gerar nichos de mercado po-
tencialmente lucrativos para novos negócios (mesmo que essa
oportunidade também possa e deva ser explorada). Estamos in-
teressados neles porque pensamos que podem ser aumentados
em escala, promovendo a adoção de estilos de vida sustentáveis
entre um grande número de pessoas. Possuem, de fato, o po-
tencial para tornarem-se dominantes, de modo a reorientar as
mudanças sociais e econômicas em andamento numa direção
sustentável. Até porque são passos reais rumo a modos de vida
sustentáveis, podendo já ser implementados como soluções vi-
áveis para problemas contemporâneos urgentes (de habitação,
mobilidade, comida, assistência à criança e aos idosos, saúde,
regeneração urbana).
Falando sobre o aumento de escala das organizações co-
laborativas, não estamos certamente propondo “industrializá-
las”, o que significaria considerá-las produtos que podem ser
mecanicamente reproduzidos em larga escala. Nossa discussão
aqui é sobre “se” e “como” pode ser possível aplicar-lhes um
conjunto de criatividade, design, capacidades empreendedoras
e conhecimento tecnológico (que podemos chamar de indus-
triosidade humana) para torná-las mais acessíveis e eficazes,
facilitando, assim, a sua disseminação em larga escala. Sabe-
mos muito bem que no século passado um conjunto similar de
habilidades geraram, para o bem e para o mal, o que agora co-
nhecemos como o sistema industrial orientado ao consumidor.
Nossa idéia é que hoje, confrontando-se com diferentes restri-
ções e oportunidades, e olhando para diferentes objetivos, a in-
dustriosidade humana pode nos conduzir a outras direções, de
modo a promover estilos de vida sustentáveis entre os bilhões
de pessoas deste planeta.

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Replicação versus crescimento. A tradicional cultura industrial


considera escalabilidade como crescimento: para ter sucesso
e expandir, um pequeno negócio ou um pequeno empreendi-
mento social deve se tornar “maior”. Podemos ainda considerar
verdadeira tal interpretação? Na perspectiva da sustentabili-
dade e no contexto de uma sociedade de rede, o crescimento
em tamanho é ainda o melhor indicador de uma nova idéia de
sucesso, mas será assim no futuro? E, para o que mais nos inte-
ressa aqui, como pode a noção de escalabilidade ser aplicada às
organizações colaborativas?
O problema que devemos enfrentar é muito grande. Como
dissemos, a viabilidade de uma organização colaborativa é ba-
seada em uma forte precondição: a existência de relações inter-
pessoais profundas e dinâmicas entre seus membros (Cipolla,
2004). Em outras palavras: aumentar em escala as organizações
colaborativas exige o desenvolvimento de sistemas com um
alto grau de qualidades relacionais.
Isso é possível? Podemos planejar a difusão de qualidades
relacionais (como a precondição necessária para aumentar em
escala as organizações colaborativas)? A resposta está longe do
óbvio. Já havíamos notado que tais organizações, com certeza,
não podem ser planejadas. Mas dissemos também que algo po-
deria ser feito para torná-las mais prováveis. Agora, podemos
acrescentar outra consideração: qualidades relacionais pare-
cem ser possíveis apenas quando a interação entre os atores
envolvidos é suficientemente direta e quando as organizações
que eles estabelecem são suficientemente compreensíveis e ge-
renciáveis; em resumo, quando são suficientemente pequenas.
Neste ponto, nos confrontamos com uma situação con-
traditória: para enfrentar a transição rumo à sustentabilidade,
precisamos aumentar a escala das comunidades criativas e dos
empreendimentos sociais difusos. Ao mesmo tempo, sabemos
que devemos manter suas qualidades sociais originais e que
tais qualidades são amplamente relacionadas à pequena escala
de cada iniciativa singular. Esta contradição é a maior dificul-
dade a ser superada na consolidação e difusão das organiza-
ções colaborativas.

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Experiências passadas não nos ajudam a resolver este in-


tricado problema. No último século, uma série de pequenas
iniciativas, criativas e colaborativas, surgiu. Entretanto, quando
ampliadas em escala, tais iniciativas tornaram-se grandes orga-
nizações, em geral perdendo seu significado social original. Um
caso bem conhecido é o movimento das cooperativas na Euro-
pa. No começo, foi, em muitos aspectos, parecido com as nossas
atuais comunidades criativas. Mais tarde, porém, sua evolução,
e em muitos casos seu sucesso, levou-as a mudar. Tornaram-se
grandes organizações institucionalizadas, ganhando em termos
de eficiência, porém perdendo (ou reduzindo amplamente) o
“senso de comunidade” que originalmente era um importante
subproduto desse tipo de organização.
Podemos nos perguntar por que a evolução de comuni-
dades criativas deveria ser diferente. Por que deveriam evoluir
em direção aos empreendimentos sociais difusos e não seguir o
mesmo caminho percorrido pelo movimento das cooperativas
no século passado? A pergunta é justa, mas não temos ainda
uma sólida evidência para provar que, hoje, um caminho dife-
rente possa ser realmente percorrido. No entanto, há pelo me-
nos um argumento de suporte a essa possibilidade (pelo me-
nos em termos de sua afirmação geral): enquanto no passado o
crescimento dimensional das organizações parecia ser a única
forma viável de dar mais força a uma idéia original, hoje, novas
e diferentes estratégias de “crescimento” são possíveis.

Idéias de serviço e de negócios versus produção e serviços loca-


lizados. Antes de continuar a nossa discussão sobre o aumento
de escala das organizações colaborativas, devemos introduzir
um conceito útil: a idéia de serviço ou de negócio indica o mo-
delo organizacional e econômico que explica como cada uma
destas organizações funciona, como é sua arquitetura sistêmi-
ca, quem são os atores envolvidos e quais são suas motivações,
relações e trocas econômicas e não econômicas.
A noção de idéia de serviço ou de negócio é importante
porque, quando discutimos a possibilidade da difusão das or-
ganizações colaborativas, devemos levar em consideração que,

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na realidade, o que está sendo replicado não é esses casos alta-


mente localizados com todas suas características, nem as co-
munidades criativas que os geraram, visto que são compostas
obviamente por grupos de pessoas não replicáveis, mas sim as
idéias de serviço que esses grupos de pessoas inventaram (ou
adaptaram à especificidade de um novo contexto). Em outras
palavras, quando falamos de aumento de escala, o que pode-
mos planejar é não como replicar alguns casos promissores,
mas como gerar condições para tornar a replicação de suas
idéias de serviço mais provável.
Em termos práticos, é verdade que cada caso de organi-
zação colaborativa que encontramos pelo mundo (tais como
a co-habitação, o car sharing, os mercados de produtores, ou
comunidades baseadas na agricultura) é uma iniciativa não re-
produzível, visto que é tão profundamente enraizada num con-
texto específico e tão amplamente forjada pelas características
específicas de seus promotores. Todavia, esses casos altamente
localizados são baseados em idéias específicas de serviços ou
de negócios. São justamente essas idéias que podem encontrar
novos contextos onde serão adotadas, adaptadas e relocaliza-
das. Até agora, a difusão de organizações colaborativas acon-
teceu espontaneamente e com um ritmo relativamente lento.
Aqui discutiremos se e como esse movimento pode ser acelera-
do mediante ações apropriadas.

Estratégias de replicação. Nosso problema é como aumentar a


escala das organizações colaborativas, mantendo, porém, as pe-
quenas dimensões e as qualidades relacionais de cada iniciativa
concreta. Podemos agora, então, afirmar o seguinte: aumentar
o impacto social e econômico destas organizações não significa
aumentar as dimensões de cada uma, mas sim multiplicá-las e
conectá-las de modo a criar amplas redes. Essa forma de agir
pode ser definida como uma estratégia de replicação.
Olhando para outros campos de atividade, podemos facil-
mente reconhecer que esse conceito não é novo e que diferen-
tes estratégias de replicação foram propostas e desenvolvidas
para ampliar a escala de serviços, negócios ou mesmo empre-

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endimentos sociais. Mesmo operando em diferentes contextos


e movidos por motivações distintas daquelas às quais nos refe-
rimos aqui, as estratégias de replicação existentes apresentam
interessantes similaridades e oferecem experiências úteis. Em
particular, consideraremos três delas: franquia, usada princi-
palmente em atividades comerciais; format, com referência à
indústria do entretenimento e toolkit, que é usada em diferen-
tes campos de aplicação onde a abordagem “faça-você-mesmo”
foi adotada.
! Franquia. É um conjunto de procedimentos e ferramentas
de comunicação para habilitar empreendedores locais a
começarem suas atividades comerciais como franquias de
uma empresa maior, que fornece aos franqueados um ex-
clusivo conjunto de instrumentos e exige deles o respeito
a uma série de procedimentos e de padrões de qualidade.
Em outras palavras, um programa de franquia permite a
uma série de pequenos empreendedores iniciar um ne-
gócio baseado na reputação da “empresa-mãe”, compro-
metendo-se, entretanto, a seguir as regras que tal empresa
estabelece.
! Format. Consiste em um modelo e uma lista de procedi-
mentos, isto é, o modelo de um show existente (principal-
mente televisivo) e indicações passo a passo do que fazer
para replicá-lo em diferentes contextos. No format, o pro-
dutor dá aos compradores os direitos de reproduzir o pro-
grama original, adaptando-o às especificidades locais. Em
outras palavras: um format é uma idéia de programa que,
“extraída” de uma experiência particular, pode ser realiza-
da em outros contextos. O resultado é uma multiplicidade
de programas que são, ao mesmo tempo, globais (a idéia é
proposta globalmente) e locais (nos contextos específicos
onde são efetivamente produzidos e apresentados).
! Toolkit. É um conjunto de instrumentos tangíveis e intan-
gíveis concebidos e produzidos para simplificar uma tarefa
específica. Esses instrumentos podem ser específicos (ex-
clusivamente dedicados à uma função específica do kit) ou
mais genéricos (de modo a encontrarem utilização tam-
bém fora do kit). Diferentemente das estratégias anterior-

4. Redes Projetuais | 91
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mente mencionadas, quem quer que adote o toolkit pode


utilizar seus diferentes instrumentos de uma forma mais
livre e, por outro lado, quem o produz não assume nenhu-
ma responsabilidade sobre os resultados finais de seu uso.
O crescente número de toolkits está ligado à difusão, nos
mais diversos campos de aplicação, de uma abordagem
“faça-você-mesmo”.
Dadas estas três estratégias de replicação, podemos ime-
diatamente constatar que as duas primeiras, pelas suas carac-
terísticas, distam de nossos interesses específicos. Não apenas
porque são fortemente comerciais, mas também porque os mo-
delos que propõem são fechados demais para dar o necessário
espaço à criatividade dos grupos de pessoas que se propõem
a sustentar. Ao mesmo tempo, são centralizados demais para
permitir que as qualidades relacionais emerjam. Todavia, tais
estratégias oferecem também alguns elementos interessantes
para a reflexão: o caso da franquia por promover pequenos em-
preendimentos e o caso do format por promover um processo
de replicação baseado na atualização local de uma idéia. Com
certeza, um programa de televisão está muito longe de uma or-
ganização colaborativa, e um negócio baseado em uma grande
marca ainda mais. No entanto, essas experiências indicam que
a discussão sobre como viabilizar um amplo número de peque-
nos empreendimentos através de programas efetivamente ope-
rativos e replicáveis não começa do zero.
Finalmente, consideremos a estratégia de replicação
baseada em toolkits. É claro que a noção de toolkit é bastan-
te próxima à de solução habilitante: os toolkits são oferecidos
para a realização de atividades específicas, mas podem ser in-
terpretados de diversas maneiras e utilizados para atingir diver-
sos objetivos. Graças à esta flexibilidade, o desenvolvimento de
um apropriado toolkit habilitante é compatível com a natureza
dos empreendimentos sociais difusos e suas correspondentes
organizações colaborativas. Ao mesmo tempo, pensamos que
a noção de solução habilitante é mais útil que a de toolkit para
nossos propósitos. Um toolkit normalmente se refere à um pre-
ciso conjunto de instrumentos para a auto-ajuda individual.
Esta noção não nos parece capaz de definir o que é necessá-

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rio para promover o amadurecimento das comunidades cria-


tivas em empreendimentos sociais difusos, ou a replicação de
suas respectivas organizações colaborativas. De modo diverso,
como vimos, uma solução habilitante é concebida para pessoas
colaborativas e indica um sistema de artefatos tangíveis e in-
tangíveis muito diverso. É um sistema articulado em diferentes
fases para suportar a concepção, o desenvolvimento e a gestão
das organizações colaborativas. Por outro lado, é também um
sistema cujas fronteiras se confundem com os mais amplos
sistemas sociotécnicos onde estarão inseridas as organizações
colaborativas que pretendem promover e sustentar.

4.3 Conectando-se
As três estratégias discutidas acima foram concebidas e desen-
volvidas no século passado. Mas agora, como todos dizem, com
o novo século, estamos entrando na sociedade em rede: uma
sociedade onde muitas idéias tradicionais estão sendo questio-
nadas, até mesmo a idéia do que é pequeno ou grande. De fato,
nas redes, “o pequeno” não é mais necessariamente pequeno
(dado que o impacto de um evento não está necessariamente
ligado a suas dimensões físicas, mas à qualidade e quantidade
de suas conexões).
Neste contexto sem precedentes, é possível conceber que
uma multiplicidade de organizações colaborativas, pequenas e
interconectadas, possa tornar-se um poderoso suporte para a
vida cotidiana de um grande número de pessoas e comunida-
des. Objetivando explorar essa possibilidade, consideraremos a
seguir as implicações de duas tendências sociotécnicas em an-
damento: os sistemas distribuídos e as redes sociais.

Sistemas distribuídos. Algo muito interessante teve início no


campo da arquitetura de sistema. Sua palavra-chave é o ad-
jetivo distribuído. De fato, nos últimos 20 anos, esse adjetivo
foi sendo cada vez mais associado aos diversos tipos de siste-
mas sociotécnicos e econômicos: tecnologias da informação
e a computação distribuída; sistemas de energia e a geração

4. Redes Projetuais | 93
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distribuída; produção e as possibilidades de uma produção


distribuída. Algumas destas possibilidades tornaram-se domi-
nantes duas décadas depois (como a “clássica” computação dis-
tribuída). Algumas conquistaram uma forte posição na arena
internacional (tais como os conceitos de geração distribuída e
produção distribuída). Outras emergiram e estão emergindo, ao
longo dos últimos anos, e podem contar com uma ampla e cres-
cente audiência (inovação distribuída, criatividade distribuída,
inteligência distribuída e economia distribuída).
Em todos esses casos, o que o adjetivo distribuído adiciona
ao nome ao qual está ligado, é a idéia de uma teia de elemen-
tos autônomos interconectados, isto é, computadores pessoais,
geradores de potência e/ou de energia renovável, produção e
serviços em pequena escala, todos capazes de funcionar au-
tonomamente mesmo estando altamente conectados com os
outros elementos do sistema. Em outras palavras: o que o adje-
tivo “distribuído” indica é a existência de uma arquitetura hori-
zontal de sistema onde atividades complexas são realizadas em
paralelo por um grande número de elementos conectados (ar-
tefatos tecnológicos e/ou seres humanos). A implicação dessa
abordagem distribuída é uma mudança radical nas arquitetu-
ras de sistema. Mas não somente: implica também a possibili-
dade de uma nova relação entre comunidades e seus recursos
tecnológicos e, possivelmente, um modo mais democrático de
gerenciá-los.
Tais afirmações sobre os sistemas distribuídos não são
apenas um modelo teórico. São genuínas possibilidades ba-
seadas em histórias reais de sucesso, como nos casos da in-
teligência distribuída e da geração de energia distribuída. A
integração da inteligência distribuída e da geração distribuí-
da pode ser vista como o pilar de uma nova infra-estrutura: a
infra-estrutura distribuída de uma sociedade sustentável, viá-
vel, onde novas e tradicionais formas de produção e serviços
distribuídos podem acontecer, conectar-se horizontalmente e
difundir-se. Ou seja, seria uma base verdadeiramente favorá-
vel para sustentar os processos de promoção e replicação das
organizações colaborativas.

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Redes sociais. Algo muito interessante está acontecendo tam-


bém no campo das organizações e na maneira pela qual as pes-
soas participam de projetos colaborativos. Partindo do open-
source e de abordagens peer-to-peer, hoje podemos observar um
impressionante aumento nas aplicações end-user. Redes orien-
tadas ao serviço, onde os usuários são co-produtores dos servi-
ços fornecidos (isto é, blogs, podcasts, wikis, sites de redes sociais,
motores de pesquisa, sites de leilão). Referimos-nos agora a essas
iniciativas, no seu conjunto, com o termo redes sociais (compu-
tação social/social computing ou web 2.0) (Pascu, 2007).
As redes sociais geram organizações não-hierárquicas
baseadas na rede (Cottam, Leadbeater, 2004; Bauwens, 2004),
bem como modelos organizacionais e econômicos que, há al-
guns anos, eram totalmente inimagináveis. Agora, demonstram
ser não apenas possíveis, mas também capazes de catalisar um
grande número de pessoas, de organizá-las de um modo peer-
to-peer e de construir entre elas uma visão comum (Weber,
2004; Tapscott, Williams, 2007). Entretanto, o que é realmente
interessante para nós aqui é que estas redes sociais propõem
também aplicações internet que, ao contrário de outras que
virtualizam e “deslocalizam” as pessoas, podem ajudá-las a se
encontrar e a se auto-organizar no “mundo real”. De fato, diver-
sos casos mostram que, ao associar o mundo virtual com o real,
essas tecnologias podem também sustentar os esforços dos
usuários para resolver problemas (reais) no mundo (real). E, ao
fazê-lo, podem também promover e manter tanto as comuni-
dades criativas e seus casos promissores quanto os empreendi-
mentos sociais difusos e suas organizações colaborativas.

Uma possível convergência. Organizações colaborativas, siste-


mas distribuídos e redes sociais, até agora, foram considerados
e tratados como fenômenos diferentes e separados. De fato,
exceto por alguma sobreposição menor, têm sido gerados por
pessoas diferentes com diferentes motivações. Todavia, como
antecipamos na introdução, é mais do que provável que no fu-
turo próximo tais fenômenos convirjam em uma única, com-
plexa e dinâmica mudança social. Em particular, é altamente

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provável que as fortes tendências rumo à formação e difusão de


sistemas em rede e peer-to-peer liderem essa convergência. Se
isso acontecer, essas diferentes linhas de inovação reforçarão
umas às outras: as comunidades criativas trarão toda a rique-
za das pessoas envolvidas em problemas reais e cotidianos; as
redes sociais trarão as oportunidades sem precedentes abertas
por seus modelos organizacionais inéditos; e, finalmente, o de-
senvolvimento de sistemas distribuídos fornecerá a infra-estru-
tura técnica para esta emergente sociedade distribuída susten-
tável (Manzini, 2007a).

4.4 Design e redes projetuais


O que os designers podem fazer para promover e orientar pro-
cessos de inovação social? Como podem conceber e desenvol-
ver contextos favoráveis e soluções habilitantes? Como podem
facilitar a convergência entre organizações colaborativas, siste-
mas distribuídos e redes sociais?
Vamos voltar atrás e considerar tais perguntas em um con-
texto maior. Vivemos em uma sociedade onde “todos projetam”,
onde as capacidades de design são, por necessidade, particular-
mente difusas (Giddens 1990, 2000). De fato, gostando ou não,
todos os dias as pessoas devem projetar e reprojetar seus ne-
gócios, sua vizinhança, suas associações e seus modos de vida.
O resultado é uma sociedade que se mostra como uma trama
de redes projetuais: um complexo e entrelaçado sistema de pro-
cessos de design que envolve indivíduos, empreendimentos,
organizações não lucrativas, instituições locais e globais que
imaginam e colocam em prática soluções para uma variedade
de problemas sociais e individuais (Tuomi, 2003; von Hippel,
2004).

Duas modalidades de design. Operando nesse novo contexto,


os designers são chamados a colaborar com uma variedade de
interlocutores, procedendo como especialistas (especialistas de
design) e interagindo com os mais diversos atores que planejam
sem possuir esta mesma especialização (designers amadores).

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Como algumas experiências práticas começaram a demonstrar


(Emude e CCSL,1 DOTT07,2 SEP,3 ver referências adicionais no
final desse livro), tal interação pode acontecer através da com-
binação de duas modalidades principais de atuação: projetan-
do em (designing in) e projetando para (designing for) as comu-
nidades criativas.
! Projetando nas comunidades criativas: significa participar
de modo paritário (peer-to-peer) com os outros atores en-
volvidos na construção de empreendimentos sociais di-
fusos e no co-design de organizações colaborativas. Nesta
modalidade, os designers têm a missão de facilitar a con-
vergência dos diferentes parceiros em torno de idéias com-
partilhadas e potenciais soluções. Este tipo de atividade re-
quer uma série de novas habilidades de design: promover a
colaboração entre diferentes atores sociais (comunidades
locais e firmas, instituições e centros de pesquisas); parti-
cipar na construção de visões e cenários compartilhados; e
combinar produtos e serviços já existentes para suportar a
específica comunidade criativa com a qual colaboram.
! Projetando para comunidades criativas: significa analisar
tipologias específicas de casos promissores e, após obser-
var suas forças e fraquezas, intervir em seus contextos para
torná-los mais favoráveis, desenvolvendo soluções a fim de
aumentar sua acessibilidade, eficácia e, conseqüentemen-
te, sua replicabilidade. Isto significa conceber e desenvol-
ver soluções habilitantes para organizações colaborativas
específicas e/ou outras iniciativas facilitadoras tais como
plataformas, cenários e eventos catalisadores (como por
exemplo, exposições, festivais e outros eventos culturais).

1. As iniciativas Emude e CCSL são descritas no prefácio da presente obra.


2. DOTT 07 (Designs of the time 2007) foi um projeto desenvolvido na Inglaterra
que procurou esclarecer e explorar, através de projetos comunitários, eventos
e exibições, como seria a vida cotidiana em uma região sustentável, refletindo
particularmente no papel do design neste processo.
3. SEP (Sustainable Everyday Project) é uma plataforma colaborativa on-line
que procura promover um processo de conversação social orientado à cons-
trução de um futuro sustentável. Nesse sentido, hospeda diversas atividades
de pesquisa (tais como Emude e CCSL) e workshops didáticos, promovendo
também a coleta e classificação contínua de casos de inovação social.

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Design para a inovação social. Os designers sempre criaram


pontes entre a sociedade e a tecnologia. Até agora, mantive-
ram seu foco principalmente na inovação técnica e, a partir das
novas oportunidades que ela oferece, desenvolveram artefatos
com algum significado social. Esse modo de fazer, isto é, esse
modo de cruzar essas pontes, permanece válido. Mas, agora, a
mesma ponte deve ser cruzada em outra direção: é necessário
olhar para a inovação social, identificar casos promissores, uti-
lizar sensibilidades, capacidades e habilidades de design para
projetar novos artefatos e indicar novas direções para a inova-
ção técnica. Para tanto, os designers devem repensar seu papel
e seu modo de operar (Margolin, 2003; Thackara, 2005, 2007;
Manzini, 2007b).
Em conclusão, uma nova atividade de design está emergin-
do, convidando os designers a exercerem um novo e fascinante
papel. Aceitá-lo significa reconhecer positivamente que não é
mais possível manter um monopólio sobre o design.
Se bem compreendida, esta mudança no papel dos desig-
ners na sociedade não significa uma redução mas, pelo contrá-
rio, uma valorização. Exatamente porque o conjunto da socie-
dade contemporânea pode ser descrito como uma trama de
redes projetuais, os designers têm a responsabilidade crescente
de participar ativamente dessas redes, alimentando-as com seu
conhecimento específico em design: habilidades, capacidades e
sensibilidades de design que, em parte, se originam na sua cul-
tura e experiência tradicionais e, em parte, são totalmente no-
vos. Um conhecimento em design que para ser definido e tes-
tado requer uma nova onda de pesquisa em design. Na verdade,
falarmos de design para a inovação social é, mais ou menos,
equivalente a falarmos de pesquisa em design para a inovação
social.

98 | 4. Redes Projetuais
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Ezio Manzini |

Professor titular de Design no Po-


litécnico de Milão, onde é Diretor
da Unidade de Pesquisa Design e
Inovação para a Sustentabilidade
e coordenador do Doutorado em
Design. Vencedor de dois Com-
passo d’oro (1987 e 2000) pelas
suas atividades de pesquisa, foi
diretor (1983-1995) da histórica
Domus Academy. Suas atividades
se focalizam em temas como o
design estratégico, design de ser-
viços, design para a sustentabili-
dade e para a inovação social na vida cotidiana, os quais ajudou
a fundar. Possui livros traduzidos em diversas línguas, sendo
atualmente professor visitante ou consultor em universidades
na China, Japão, Holanda, Austrália e Brasil (UFRJ-Coppe – Pro-
grama de Engenharia de Produção). Teve seu trabalho reconhe-
cido por meio de dois títulos de Doutor Honoris Causa: um pela
The New School of New York (2006) e outro pela Goldsmiths Col-
lege, University of London (2008). Presença constante como
orador nos maiores eventos de Design, foi recentemente coor-
denador científico da conferência internacional Changing the
Change. Design Visions, Proposals and Tools no âmbito da Tori-
no World Design Capital 2008 (ICSID).
Blog: http://www.sustainable-everyday.net/manzini/

Ezio Manzini | 103

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