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PROJETO

MARCA
D´ÁGUA
SEGUINDO
AS MUDANÇAS
NA GESTÃO
DAS BACIAS
HIDROGRÁFICAS
DO BRASIL

COMITÊS DE BACIA SOB O


OLHAR DOS SEUS MEMBROS
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da FURB

P964p Projeto Marca d´Água : seguindo as mudanças na gestão


das bacias hidrográficas do Brasil : Caderno 2 :
comitês de bacia sob o olhar dos seus membros /
organização: Beate Frank. – Blumenau : FURB, 2008.
p. : il. – (Projeto Marca d´Água)
Bibliografia: p. 54.
ISBN: 978-85-7114-177-3

1. Recursos hídricos – Brasil. 2. Bacias hidrográficas – Administração – Brasil. I. Frank,


Beate. II. Série.
CDD 551.48

Copyright © Projeto Marca d’Água, 2008


Contato: IPA/FURB, Rua Antônio da Veiga 140, Blumenau SC, 89012-900.
E-mail: beate@furb.br Sítio: www.marcadagua.org.br

Organização
Beate Frank

Mesa editorial
Beate Frank
Margaret Keck
Maria Manuela M.A. Moreira
Rebecca Neaera Abers
Rosa Maria Formiga Johnsson

Redação
Pedro I. J. Fidelman, pesquisador associado do Centro de Desenvolvimento
Sustentável da Universidade de Brasília

Revisão de texto
Eumar Francisco da Silva
Lourdes Maria Pereira Sedlacek

Projeto gráfico e arte final


Free Comunicação

Desenho da capa
Beth Kok - Estúdio Girassol

Logomarca do Projeto Marca d’Água


Ana Elena Salvi

Geração de tabelas e gráficos


Danielle Scolaro
Maurici Imroth

Impressão
Editora e Gráfica Odorizzi

Agradecimentos
O Projeto Marca d’Água agradece às seguintes instituições pelo apoio financeiro:
MCT-CNPq - Bolsa de pós-doutorado Júnior do redator, MCT-CNPq - Fundo Setorial de Recursos Hídricos - CT-Hidro,
William and Flora Hewlett Foundation e National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA).
O Projeto Marca d’Água agradece às seguintes instituições pela cooperação:
Universidade Regional de Blumenau/IPA, Universidade de Brasília/IPOL e CDS, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro/DESMA, University of Michigan, Johns Hopkins University, University of California Berkeley/Luce Foundation
Green Governance Project e Ministério do Meio Ambiente/Sistema de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (SRHU).

PROJETO
MARCA D´ÁGUA
SUMÁRIO

1. Introdução......................................................................................................................................7
2. Projeto Marca d’Água 2004 – pesquisa com membros dos comitês de bacia.........................10
3. Composição dos comitês de bacia..............................................................................................13
Que segmentos estão representados nos comitês de bacia?........................................................................... 13
Sumário ............................................................................................................................................14
4. Perfil socioeconômico dos membros dos comitês ....................................................................16
Qual a idade dos membros dos comitês? São eles em sua maioria do sexo masculino ou feminino?
Residem na área da bacia ou fora dela?.................................................................................................................... 16
Qual é o nível de escolaridade dos membros dos comitês? Que tipo de formação possuem?
Qual é sua ocupação? Em que setor(es) atuam?.................................................................................................... 18
5. Capacidade dos membros dos comitês (experiência, conhecimento
e qualidades individuais)................................................................................................................22
Que tipo de experiência ou conhecimento os membros levam para os comitês? ................................... 22
Qual é a qualidade individual mais importante para os membros dos comitês?...................................... 23
Os membros dos comitês usam conhecimento técnico-científico?............................................................... 24
Sumário ............................................................................................................................................26
6. Processo de participação ............................................................................................................27
Qual é o nível de participação dos membros nos comitês de bacia? ............................................................ 27
Quais são as dificuldades encontradas pelos membros para participar das reuniões? .......................... 28
Quem cobre os custos de participação dos membros nas reuniões dos comitês?................................... 28
Quanto tempo os membros dedicam às atividades dos comitês? ................................................................. 29
Com que freqüência os membros participam das atividades dos comitês? ............................................... 31
Sumário ............................................................................................................................................32
7. Processo deliberativo .............................................................................................................................................. 33
Como os membros avaliam a democracia na tomada de decisão?................................................................ 33
Quais são os setores ou instâncias mais influentes na definição da pauta de reuniões dos comitês? ...34
Percepção sobre a desigualdade no processo decisório .................................................................................... 35
Qual é a percepção dos membros sobre a existência de pessoas ou grupos
que dificultam o avanço ou a dinâmica dos comitês?......................................................................................... 36
Em que esfera de governo os membros dos comitês mais confiam?
Em que instituições ou grupos os membros dos comitês mais confiam?.................................................... 38
Sumário ............................................................................................................................................39
8. Interação dos membros com os representados ou bases políticas ................................................... 40
Em que se baseiam os membros para tomar decisões nas reuniões plenárias?........................................ 40
De que maneira os membros informam a sua entidade sobre as atividades dos comitês? .................. 42
Sumário ............................................................................................................................................42
9. Instrumentos de gestão: cobrança pelo uso da água ...............................................................43
Qual é a opinião dos membros sobre a cobrança pelo uso da água e o funcionamento
dos comitês ? ...................................................................................................................................................................... 43
Sumário ............................................................................................................................................45
10. Propósito e desempenho dos comitês.......................................................................................................... 46
O que pensam os membros dos comitês sobre o modelo de gestão da água?......................................... 46
O que pensam os membros sobre a abrangência das atividades dos comitês?........................................ 47
Quais são os principais problemas na bacia?.......................................................................................................... 48
Quais são os problemas mais discutidos nos comitês?....................................................................................... 48
Qual é a opinião dos membros sobre o tratamento dos problemas mais importantes da bacia?...... 48
Quais são as duas maiores dificuldades que afetam o funcionamento dos comitês?............................. 49
Sumário ............................................................................................................................................50
11. Oportunidades e desafios para a gestão integrada, participativa e
descentralizada da água ............................................................................................................................................ 51
12. Bibliografia ................................................................................................................................54
1. INTRODUÇÃO

O processo de tomada de decisão no setor monetário da água precisa ser incluído nos
público brasileiro sofreu profundas trans- custos de produção.
formações nos últimos 20 anos. O final da A primeira lei de recursos hídricos ba-
ditadura e o estabelecimento de um regime seada nesses princípios internacionais foi
democrático estável foram só o começo das promulgada em São Paulo, em 1991. Pos-
mudanças. Desde os anos 90, todos os ní- teriormente, outros estados adotaram leis
veis de governo têm sido influenciados por semelhantes e, em 1997, foi instituída a Po-
uma série de tendências internacionais, que lítica Nacional de Recursos Hídricos e cria-
encorajam a maior flexibilidade de merca- do o Sistema Nacional de Gerenciamento de
do, a descentralização e a participação da Recursos Hídricos. A reforma, que foi gra-
sociedade civil no processo de tomada de dualmente estabelecida durante a década
decisão do setor público. Como conseqüên- de 1990, ainda precisa ser incorporada por
cia, houve a difusão de novos espaços para todos os estados, pelo Distrito Federal, e no
a tomada de decisões, em que a sociedade âmbito da União. Alguns estados lideraram
civil organizada passou a ganhar poderes o processo de mudança na gestão das águas
para participar na criação de políticas pú- na primeira metade da década, mas foi a Lei
blicas, especialmente sociais e ambientais. das Águas de 1997 que estabeleceu um mo-
Considerando-se somente as políticas so- delo para o País e vem guiando a legislação
ciais (saúde, assistência social para a crian- estadual desde então.
ça e o adolescente, entre outras), aproxi- As leis permitiram a criação de organis-
madamente 40 mil conselhos tinham sido mos de caráter deliberativo (os comitês) e
criados até o começo do ano 2000. executivo (as agências), de natureza des-
A política de gestão de recursos hídricos centralizada, nas bacias hidrográficas. Os
no Brasil tem acompanhado essa tendên- comitês de bacia são formados por repre-
cia, sendo influenciada significativamente sentantes do poder público federal, estadual
pelos debates internacionais. Desde a Con- e municipal; da sociedade civil e dos usu-
ferência da Água de Mar del Plata, patroci- ários da água. As reformas também intro-
nada pela ONU em 1977, até a Conferência duziram um novo instrumento de gestão, a
Internacional sobre Água e Meio Ambiente cobrança pelo uso da água bruta, por meio
de Dublin, em 1992, várias discussões de da qual indústrias, agricultores, empresas de
âmbito internacional contribuíram para di- abastecimento de água e saneamento, entre
fundir a idéia da gestão integrada de re- outros usuários da água, devem pagar pela
cursos hídricos, em que a gerência da água água que retiram diretamente dos rios ou
deve considerar de forma racional todos os lagos, e pela poluição que neles despejam.
seus usos. Além de promover a descentrali- Em muitos estados e na federação cabe aos
zação e a participação, o modelo de gestão comitês de bacia definir como devem ser
integrada de recursos hídricos defende que, empregados os recursos arrecadados com a
para o controle da poluição e conserva- cobrança do uso da água. Outras atribui-
ção da água para futuras gerações, o valor ções dos comitês são a aprovação do plano

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 7
1. INTRODUÇÃO

de recursos hídricos da bacia e a resolução na gestão das águas depende ainda das de-
de conflitos pelo uso da água na bacia. cisões tomadas pelos governos municipais,
Poucos, entre aqueles indivíduos idea- estaduais e federais. Por exemplo, a defini-
lizadores e defensores da nova legislação, ção do valor da cobrança pelo uso da água
imaginaram que poderia ser tão difícil criar só é possível depois de o órgão estadual
novas arenas deliberativas com poderes ou federal responsável ter implementado
reais para promover uma gestão integra- um sistema de outorga da água, que é a
da de recursos hídricos no âmbito da bacia autorização de uso da água pelo poder pú-
hidrográfica. Existem muitos fatores que blico. Tal sistema de outorga é precário na
contribuem para a dificuldade de criação maioria dos estados. Por isso, é difícil fazer
de tais arenas. Descentralização é normal- gestão participativa num contexto político
mente entendido como um processo pelo em que os poderosos têm acesso privile-
qual poderes são transferidos de um maior giado aos meios decisórios. É uma trama
para um menor nível de governo. Entre- intrincada de relações “invisíveis” e de po-
tanto, as reformas para a gestão de recur- der com a qual os comitês precisam lidar
sos hídricos envolvem aspectos muito mais – e muitas vezes competir – para mudar o
complexos. Por um lado, o menor nível no quadro hídrico e ambiental de sua bacia.
qual a descentralização deveria ocorrer é Quem são as pessoas que procuram
a bacia hidrográfica, que abrange um es- enfrentar estes desafios no cotidiano? Os
paço geográfico não correspondente ao membros dos comitês de bacia são prepa-
plano político-administrativo. Geralmente, rados e motivados para participar deste
os limites municipais e estaduais, cidades contexto difícil? A presente publicação
e sistemas de transporte não coincidem sugere que sim. Como mostraremos nas
com os limites das bacias hidrográficas. As páginas a seguir, a fragilidade do sistema
pessoas que residem na bacia também não de gestão participativa não pode ser atri-
são organizadas de acordo com essa geo- buída às pessoas que se dedicam aos comi-
grafia. Por outro lado, o poder que seria tês de bacia, pois elas, na sua maioria, são
transferido de um nível para o outro tem capacitadas, experientes, com alto nível de
que ser ainda consolidado, mesmo em ní- escolaridade e compromissadas com a ges-
veis territoriais superiores. Órgãos estadu- tão da água. Essas pessoas, no entanto, se
ais e federais responsáveis pela gestão da encontram situadas em um contexto insti-
água são caracterizados pela fragmentação tucional frágil, que frequentemente mina
e sobreposição de mandatos. A criação ou a capacidade dos comitês de bacia de se
fortalecimento de órgãos responsáveis pela tornarem espaços decisórios eficazes. Tal
integração na gestão de recursos hídricos, situação frequentemente frustra, mas não
e pela implementação de instrumentos de desmobiliza os membros dos comitês. Pelo
gestão, teriam que ocorrer ao mesmo tempo contrário, nossa pesquisa sobre o perfil dos
em que a descentralização do poder acon- homens e mulheres integrantes dos comi-
tecesse. Os comitês de bacias são inevita- tês de bacia encontrou motivação e idea-
velmente dependentes de decisões tomadas lismo, e a persistência de uma crença nas
em outros níveis territoriais. O ideal seria possibilidades da vida, do conhecimento
que os comitês estabelecidos pelas leis es- e da transformação nas entrelinhas da Lei
taduais coordenassem suas ações com as 9.433/97, que instituiu a Política Nacional
dos comitês federais, no caso de suas águas de Recursos Hídricos e criou o Sistema Na-
contribuírem para as bacias federais. A ca- cional de Recursos Hídricos.
pacidade de esses comitês influenciarem

8 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
2. Projeto Marca d’Água 2004 – pesquisa com membros dos comitês de bacia

O Projeto Marca d’Água foi criado em 2001 o Projeto Marca d’Água contou com apoio
com o objetivo de acompanhar e analisar o financeiro, principalmente, do Fundo Se-
desenvolvimento do novo sistema de ges- torial de Recursos Hídricos (CT-HIDRO) do
tão das águas, sobretudo os organismos Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT-
de bacia. Ele tem como premissa a crença CNPq).
de que fatores humanos e sociopolíticos, Os 14 comitês estudados aqui (Tabela 1)
além daqueles estritamente técnicos, têm foram selecionados num cadastro de todos
um impacto decisivo no processo de trans- os comitês que, em 2004, funcionavam há
formação político-institucional da gestão mais de dois anos. Com base em critérios
das águas e podem variar regional e tem- como região, tipo de problema (qualidade
poralmente. Concebido como um projeto de água, escassez, enchentes), urbanização,
multidisciplinar, comparativo (entre bacias e tamanho da bacia, esses 14 comitês foram
hidrográficas) e longitudinal (de 10 anos selecionados de forma a refletir a distribui-
ou mais), o Marca d’Água é uma pesquisa- ção dessas características contextuais.
ação, pois abrange tanto acadêmicos quan- A pesquisa foi feita com base em en-
to profissionais diretamente envolvidos na trevistas realizadas em 2004. Com exceção
gestão dos recursos hídricos. O projeto é do que ocorreu no comitê do Rio Pará, que
conduzido por um grupo de acadêmicos tem uma estrutura organizacional específi-
de universidades brasileiras e norte-ame- ca, as entrevistas incluíram todos os mem-
ricanas – Universidade de Brasília (UnB), bros titulares dos comitês, substituídos por
Universidade do Estado do Rio de Janei- suplentes ou representantes somente quan-
ro (UERJ), Universidade Regional de Blu- do o membro titular estava indisponível ou
menau (FURB), Johns Hopkins University recusava a entrevista, indicando, porém,
e University of Michigan –, que interage a pessoa que poderia responder em seu
continuamente com vários profissionais de nome. Em menos de 10% dos casos não foi
instituições federais, estaduais e da socie- possível entrevistar nem o titular nem seu
dade civil. Aproximadamente 40 pesquisa- suplente, normalmente por ser impossível
dores e colaboradores já participaram do contatar o titular, a quem caberia indicar
projeto, incluindo cerca de 20 estudantes o suplente.
que elaboraram dissertações e teses rela- No caso do comitê do Rio Pará, foi ela-
cionadas às intenções do Marca d’Água. borada uma amostra aleatória de 40 mem-
A pesquisa de que trata esta publicação bros, constituída com base na lista de todos
foi concebida e aplicada com o apoio do os titulares e suplentes. Essa amostra foi
Centro de Pesquisas Quantitativas (CEPEQ) ponderada por segmento e por distribuição
da Universidade Federal de Minas Gerais geográfica.
(UFMG). Para a realização desta pesquisa

10 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
2. Projeto Marca d’Água 2004 – pesquisa com membros dos comitês de bacia

Tabela 1: Comitês de bacia estudados na pesquisa Marca d’Água

Data de Área da bacia Nº muni- Nº de Nº entre-


Comitê de bacia Regiãoa Estado
criação (km2) cípios membrosb vistados
1. Baixo Jaguaribe Nordeste CE 1997 80.547 80 43 41
2. Pirapama PE 1998 600 7 31 28
3. Araçuaí Minas MG 2000 16.273 22 24 23
4. Pará MG 1994 12.300 36 40 37
5. Paracatu MG 1998 45.600 21 25 20
6. Velhas MG 1998 28.867 51 28 26
SP,
Vale do
7. Paraíba do Sul
Paraíba
MG, 1997 55.550 180 60 50
RJ
São
8. Alto Tietê
Paulo
SP 1994 5.650 36 48 41

9. Litoral Norte SP 1997 2.000 4 36 36


10. Sapucaí Mirim/Grande SP 1996 10.873 23 34 31
11. Itajaí Sul SC 1998 15.500 47 60 53
12. Gravataí RS 1989 2.020 9 33 30
13. Lagoa da Conceição SC 2001 80 1 45 39
14. Santa Maria RS 1993 15.739 6 31 31
Total 538 486c
a
Região para finalidade deste estudo. b Amostra. c É importante notar que o número total de entrevistados variou para as diferentes perguntas
do questionário. Isso porque algumas das questões, para serem aplicadas, dependiam da resposta a uma questão anterior. Por exemplo, só foi
aplicada a pergunta sobre a que tipo de atividade do comitê o entrevistado se dedicava, àqueles membros que responderam que se dedicavam
a alguma atividade do comitê

Faz-se necessário destacar alguns pontos específicas variam de comitê para comitê.
da pesquisa Marca d’Água no que diz res- Em alguns casos foram consideradas as di-
peito aos dados aqui utilizados. A pesquisa ferenças regionais, ou seja, as diferenças
foi mais abrangente, mas esta publicação entre os comitês de diferentes regiões. Para
considera apenas questões sobre determi- tanto, os comitês do Ceará e de Pernambuco
nados aspectos dos comitês. Boa parte dos foram agrupados na região Nordeste, e os
resultados apresentados nesta publicação é de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul
baseada na percepção dos membros, e não na região Sul. Devido às diferenças entre os
reflete, necessariamente, os resultados de comitês de Minas Gerais e São Paulo, estes
estudos qualitativos mais detalhados. foram identificados apenas como Minas e
Cabe notar, ainda, que os dados apre- São Paulo. O Comitê para a Integração da
sentados aqui refletem, na maioria das ve- Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul
zes, a realidade geral do conjunto de comi- (CEIVAP), por abranger três estados, foi
tês estudados, sendo que as características mantido separadamente, na região chama-

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 11
2. Projeto Marca d’Água 2004 – pesquisa com membros dos comitês de bacia

da de Vale do Paraíba. na composição dos comitês, ou seja, na re-


É importante notar, também, que a lação de entidades que integram cada seg-
amostra, apesar de se assemelhar ao uni- mento com assento no comitê.
verso de comitês de bacia no Brasil, não Esta publicação apresenta, nos capítulos
é representativa dos mais de uma centena seguintes, parte dos resultados da pesquisa
de comitês existentes atualmente em todo Marca d’Água. Além de compartilhar com
o País. Certamente, existem comitês que os membros dos comitês as informações
apresentam características diferentes das por eles prestadas por ocasião da aplicação
dos 14 comitês estudados aqui, que por sua do questionário, a presente publicação con-
vez também diferem uns dos outros. Isso se vida os membros – e outros atores interes-
deve, em parte, à natureza própria que cada sados – a uma reflexão sobre a experiência
agrupamento de lideranças que forma um de gestão integrada, descentralizada e par-
comitê vai adquirindo ao longo do tempo. ticipativa de recursos hídricos no Brasil, no
As diferenças se evidenciam, por exemplo, âmbito de bacia hidrográfica.

12 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
3. Composição dos comitês de bacia

Promover uma gestão mais participativa da sentado nos comitês pode variar também
água, com o envolvimento do governo, da em relação à legislação federal, como de-
sociedade civil e dos usuários, por meio dos monstrado na Figura 1.
comitês de bacia, está entre as principais O poder público, com 41%, é o segmen-
finalidades do sistema de gestão de recur- to com maior proporção de representantes,
sos hídricos que vem sendo implementado sendo que o municipal representa pouco
no País. A seguir, examinaremos quais são mais da metade desse índice, e o estadual o
os segmentos e categorias representados e segundo maior, o que se explica pela grande
como os membros passam a integrar os co- presença de comitês estaduais na amostra.
mitês. A sociedade civil ocupa 28% dos assentos, e
o segmento dos usuários (de grande, médio
Que segmentos estão representados nos e pequeno porte) representa 26% dos mem-
comitês de bacia? bros dos comitês.
A legislação de recursos hídricos, tanto A classificação aqui adotada dos seg-
a federal quanto a estadual, define que os mentos e categorias representados nos
comitês devem ser compostos por represen- comitês foi necessária em virtude da com-
tantes do poder público (federal, estadual e posição diversificada dos comitês de bacia
municipal), usuários da água e sociedade no Brasil, o que torna a comparação direta
civil. A proporção desses segmentos que entre os segmentos e categorias muito di-
compõem os comitês, bem como a defini- fícil. A classificação foi baseada na codi-
ção do que constituiria cada um dos seg- ficação de entidades-membro dos comitês
mentos varia de Estado para Estado. Mas em um conjunto menor de categorias, com
mesmo dentro de um único Estado os comi- base nos seus nomes e informações obti-
tês podem apresentar diferenças em termos das com membros ou estudiosos da enti-
de proporção dos segmentos representados, dadev . O segmento usuários, por exemplo,
e em relação a que segmento determinada foi dividido em dois: usuários de grande e
organização deve representar. médio porte e pequenos usuários, uma vez
Por exemplo, entre os quatro comitês que apresentam características distintas. O
de bacia mineiros estudados neste projeto primeiro, composto por empresas e agên-
(Araçauí, Pará, Paracatu e Velhas), a pro- cias governamentais e privadas dos setores
porção de grandes usuários varia entre 9 e de saneamento, abastecimento e energia
23%, e a de pequenos produtores entre 4 e elétrica, grandes produtores rurais e outros,
30%. Isso se deve, provavelmente, a dife- sujeitos a outorga da água; o segundo é
renças expressivas na estrutura socioeco- formado por pequenos produtores e traba-
nômica das bacias. A legislação tem sido lhadores rurais, os quais muitas vezes são
flexível o suficiente para permitir que os isentos de outorga. Ainda que não possuam
atores adaptem a representação de acordo outorga, podem participar dos comitês por
com suas necessidades. A proporção de as- meio de suas associações, como parte do
sentos destinados a cada segmento repre- segmento sociedade civil.

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 13
3. Composição dos comitês de bacia

Figura 1: Segmentos representados nos comitês de bacia estudados (base de dados = 486)

É importante notar que a composição entidades religiosas, organizações não-go-


exata de cada comitê estudado varia li- vernamentais, sindicatos de trabalhadores,
geiramente em relação aos números totais universidades, entre outros, de forma que
apresentados na Figura 1. Não obstante, os sua classificação é de difícil caracteriza-
dados revelam uma diferença entre a com- ção.
posição observada nos comitês e a recomen- A composição dos comitês de bacia su-
dação da legislação federal. Por exemplo, a gere uma participação abrangente, o que
sociedade civil representada nesses comitês subentende a inclusão de diversos atores
possui proporção maior que a mínima es- (grupos de interesse). Apesar dessa diver-
tabelecida pela legislação federal, que é de sidade, uma pergunta se coloca: até que
20%, enquanto que os usuários, com 26%, ponto essa composição reflete a realidade
ocupam bem menos que os 40% dos as- política e socioeconômica da bacia? Ou
sentos recomendados na mesma legislação. seja, os principais atores estariam represen-
Essa variação se dá, em grande parte, pelo tados nos comitês? Os dados da pesquisa
fato de que na maioria dos comitês estuda- não permitem responder a essas perguntas,
dos as regras para sua composição são de- porém a literatura sobre organismos par-
finidas pela legislação estadual de recursos ticipativos (em outros países) indica que a
hídricosvi. participação representativa e ampla é uma
tarefa difícil, tanto na definição dos gru-
SUMÁRIO pos quanto na articulação para que sejam
Os comitês apresentam composição atuantes. Há casos, por exemplo, em que
bastante diversificada, mostrando que um os atores com poder político recusam-se a
mesmo segmento pode incluir diversas ca- se engajar em processos deliberativos par-
tegorias. O segmento sociedade civil, em ticipativos, pois não necessitam deles para
particular, é muito heterogêneo, envolven- ter seus interesses contemplados no proces-
do entidades de natureza variada, como so de tomada de decisão. Existem relatos

14 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
3. Composição dos comitês de bacia

desse tipo de comportamento em algumas nalmente excluídos do processo de tomada


bacias hidrográficas brasileiras. Em outros de decisão, estão sendo contemplados nos
casos, alguns atores não se encontram em comitês de bacia. Tradicionalmente, indus-
condições de participar, por exemplo, por triais e agricultores de grande porte e, prin-
não estarem suficientemente organizados, cipalmente, usuários públicos, eram os que
não terem disponibilidade de tempo e re- tinham poder de influência nas decisões de
cursos, entre outros problemas. gabinete. Estudos qualitativos mais apro-
O percentual de membros da sociedade fundados indicam que ainda há predomí-
civil acima do mínimo determinado pela le- nio das elites em negociações específicas no
gislação sugere que esses grupos, tradicio- âmbito de comitês de baciaviii .

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 15
4. Perfil socioeconômico dos membros dos comitês

A seguir são examinadas algumas carac- Os membros dos comitês de bacia estu-
terísticas, tais como idade, nível de escola- dados têm média de idade de 47 anos. Trinta
ridade, ocupação e renda dos membros dos e sete por cento (37%) desses membros têm
comitês. idade entre 40 e 49 anos (Figura 2), sendo
que o membro mais novo tem 23 anos e o
Qual a idade dos membros dos comitês? mais velho, 78 anos. Esses membros são,
São eles em sua maioria do sexo masculino em sua maioria, do sexo masculino (78%)
ou feminino? Residem na área da bacia ou (Figura 3) e residem na área da bacia (87%)
fora dela? (Figura 4).

Figura 2: Distribuição de idade dos membros dos comitês de bacia por região (base de dados =
484)

16 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
4. Perfil socioeconômico dos membros dos comitês

As faixas de idade dos membros dos A maior proporção de mulheres foi ob-
comitês quase não mudam de região para servada nos comitês de São Paulo, com 28%
região. Em todas elas os grupos mais nu- dos assentos. A menor proporção deu-se
merosos estão na faixa de 40 a 49 anos e nos comitês do Sul, onde as mulheres ocu-
50 a 59 anos. pam 15% dos assentos (Figura 3).

Figura 3: Gênero dos membros dos comitês por região (base de dados = 485)

Figura 4: Residência dos membros dos comitês (base de dados = 485)

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 17
4. Perfil socioeconômico dos membros dos comitês

Qual é o nível de escolaridade dos mem- ridade maior que a média do total são o
bros dos comitês? Que tipo de formação CEIVAP e os de São Paulo, onde quase 90%
possuem? Qual é a sua ocupação? Em que de seus membros possuem curso superior
setor(es) atuam? e algum tipo de pós-graduação. Os comi-
O nível de escolaridade dos membros dos tês do Nordeste e Minas Gerais apresentam
comitês é alto, sendo que 72% deles pos- escolaridade abaixo da média, ainda que
suem curso superior e 45% pós-graduação 52% e 57% dos membros, respectivamente,
(especialização, mestrado e doutorado), em possuam curso superior e pós-graduação
diversas áreas do conhecimento. Os comitês (Figura 5).
cujos membros apresentam grau de escola-

Figura 5: Escolaridade dos membros dos comitês por região (base de dados = 485)

As três áreas de formação, em nível de rias (áreas 1 e 2), as ciências naturais (área
graduação, mais frequentes entre os mem- 3), e as ciências sociais aplicadas e jurídicas
bros dos comitês de bacia são as engenha- (área 5) (Figura 6).

Figura 6: Formação (em nível de graduação) dos membros dos comitês de bacia (base de dados =
485)

18 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
4. Perfil socioeconômico dos membros dos comitês

Em termos de segmentos a formação bros do poder público estadual e federal são


mais frequente entre os representantes dos as áreas 1 (24%) e 2 (27%) e 3 (12%). No
usuários de grande e médio porte corres- caso do poder público municipal, são as
ponde à área 1 (37%) e 5 (13%); e entre os áreas 2 (17%), 5 (11%) e 1 (10%). A socie-
usuários de pequeno porte, à área 2 (12%). dade civil tem formação mais frequente nas
A formação mais frequente entre os mem- áreas 3 (14%), 2 (11%), 1 (9%) (Figura 7).

Figura 7: Formação (em nível de graduação), por segmento, dos membros dos comitês de bacia
(base de dados = 485)

A maioria dos membros dos comitês dos usuários e 44% dos representantes da
(90%) declarou exercer atividade remu- sociedade civil declararam atuar no setor
nerada. Dentre esses membros, 67% são público (Figura 9). No primeiro caso, isso
empregados (como celetistas, funcionários se dá porque entre os grandes usuários es-
públicos ou ocupantes de cargos de con- tão incluídas empresas e órgãos públicos
fiança), 10% empregadores, 10% trabalha- que fazem uso da água. No segundo caso,
dores autônomos de nível superior (como porque a sociedade civil inclui instituições
consultores, profissionais liberais), e 8% de pesquisa e ensino de natureza pública e,
ocupam cargos eletivos, entre outros (Figu- também, porque os representantes da socie-
ra 8). dade civil muitas vezes atuam profissional-
É interessante observar onde atuam os mente no setor público. Há, portanto, uma
membros dos comitês, pois os que decla- predominância de membros que atuam no
raram atuar no setor público não são ape- setor público, embora apenas parte deles re-
nas representantes do governo. Quarenta e presente o setor público nos comitês.
quatro por cento (44%) dos representantes

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 19
4. Perfil socioeconômico dos membros dos comitês

Figura 8: Setor de atuação dos membros por segmento (base de dados = 368)

Figura 9: Setor de atuação da principal atividade remunerada dos membros (base de dados =
368)

20 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
4. Perfil socioeconômico dos membros dos comitês

O setor de atividade da principal ocupa- deles têm renda acima de 10 salários míni-
ção remunerada dos membros dos comitês mos (ou seja, acima de R$ 2.600,00, segundo
também é variado, como agricultura, in- valores vigentes em 2004). Regionalmente,
dústria, saneamento básico, recursos hídri- os maiores níveis de renda foram encontra-
cos, administração pública, educação, meio dos nos comitês de São Paulo e no CEIVAP,
ambiente, pecuária, mineração, energia onde aproximadamente 80% dos membros
elétrica, transporte, construção civil, entre possuem renda superior a 10 salários míni-
outros. mos. Já nos comitês do Nordeste e de Minas
De maneira semelhante ao nível de es- Gerais o percentual de membros com renda
colaridade, o nível de renda dos membros maior que 10 salários mínimos é de 43% e
dos comitês também é alto, sendo que 67% 52%, respectivamente (Figura 10).

Figura 10: Nível de renda dos membros dos comitês por região (base de dados = 485)

SUMÁRIO renda média individual mensal era de R$


O membro típico do comitê de bacia 437 em 2005. Os dados socioeconômicos
hidrográfica é do sexo masculino, tem en- indicam que os comitês são compostos por
tre 40 e 49 anos, reside na área da bacia e um grupo privilegiado. Deve-se notar que
possui curso superior. Ele trabalha no setor arenas formais tradicionais, como o Con-
público e tem renda acima de dez salários gresso Nacional, apresentam níveis socioe-
mínimos. conômicos e de escolaridade ainda maiores:
Embora os comitês apresentem compo- dentre os deputados e senadores, mais de
sição diversificada, sugerindo a participa- 80% possui nível superior e 81% destes são
ção de uma variedade de atores, como visto do sexo masculino.
no capítulo anterior, as características so- Outro dado surpreendente dos membros
cioeconômicas dos membros não refletem a dos comitês de bacia é que a maioria traba-
realidade da sociedade brasileira – em que lha no setor público, inclusive mais de 40%
mais da metade pertence ao sexo feminino, dos que representam os grandes usuários e
somente 8,6% alcança a universidade, e a a sociedade civil.

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 21
5. Capacidade dos membros dos comitês (experiência,
conhecimento e qualidades individuais)

Além do nível elevado de escolaridade, os Que tipo de experiência ou conhecimento


membros dos comitês possuem experiência os membros levam para os comitês?
e conhecimento em áreas relacionadas à Levam alto grau de conhecimento e ex-
gestão de recursos hídricos. Eles possuem periências relacionadas aos segmentos que
também qualidades individuais que contri- representam, às suas atividades profissio-
buem para desempenhar seu papel nos co- nais, e à vivência da realidade das bacias
mitês. Tais características são examinadas nas quais estão inseridos. Houve o registro
a seguir. de que 61% dos entrevistados já tinham

Figura 11: Experiência dos membros dos comitês em gestão de recursos hídricos (base de
dados=486)

trabalhado em uma ou mais áreas relacio- dos comitês possuem ainda experiência em
nadas aos recursos hídricos, conforme indi- diversas áreas relacionadas à gestão de re-
cado na figura 11. cursos hídricos. A maioria dos membros
Assim, além do alto grau de escolaridade declarou ter cinco anos ou mais de experi-
e formação multidisciplinar, os membros ência nessa temática (Figura 12).

22 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
5. Capacidade dos membros dos comitês (experiência,
conhecimento e qualidades individuais)

Figura 12: Tempo de atuação dos membros dos comitês na área de recursos hídricos (base de
dados = 475)

Nesse contexto, os comitês de bacias em trabalho interdisciplinar, caracterizado


estudados podem ser considerados, em ter- pelo diálogo entre as diferentes áreas do co-
mos de formação e experiência profissional, nhecimento, como parte de um processo de
como equipes multidisciplinares bastante aprendizagem recíprocaxii.
diversificadas. Isto lhes confere posição de
vantagem para o trato das questões rela- Qual é a qualidade individual mais impor-
cionadas à gestão integrada dos recursos tante para os membros dos comitês?
hídricos. Essas questões são, em geral, re- Na pergunta sobre a qualidade individu-
sultado de processos múltiplos de natureza al mais importante para que os membros do
físico-natural, social, econômica e política, comitê façam um bom trabalho, 30% dos
requerendo uma abordagem mais ampla e entrevistados responderam conhecimento
integrada entre todos. A formação multi- técnico, 27% disseram inserção na comu-
disciplinar dos membros dos comitês seria nidade e conhecimento local, 23% optaram
um requisito essencial (mas não suficiente por experiência na gestão de recursos hídri-
por si só) para o estabelecimento do traba- cos e, por último, 19% consideraram capa-
lho interdisciplinar, requerido para a ges- cidade de articulação política. Com relação
tão de recursos hídricos. Cabe destacar que à qualidade menos importante, 41% indi-
é necessário o desenvolvimento de habi- caram a capacidade de articulação política
lidades por parte dos membros dos comi- (Figura 13).
tês para traduzir essa multidisciplinaridade

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 23
5. Capacidade dos membros dos comitês (experiência,
conhecimento e qualidades individuais)

Figura 13: Qualidade individual mais e menos importante para o funcionamento dos comitês
(base de dados = 485 para “mais” e 483 para “menos”)

Os dados mostram uma pequena dife- negociação entre os membros. Nesse senti-
rença na proporção de membros dos comi- do, a capacidade de articulação política tem
tês que valorizam o conhecimento técnico se mostrado crítica para o melhor funcio-
– considerando-se aí experiência na gestão namento e desenvolvimento das atividades
de recursos hídricos como forma de conhe- de alguns comitês. Acredita-se que, ao serem
cimento – em relação aos que privilegiam questionados sobre a importância da capa-
as qualidades de natureza social (capaci- cidade de articulação política, muitos mem-
dade de articulação política, inserção na bros interpretaram tal articulação no sentido
comunidade e conhecimento local) para o político-partidário, o que explicaria a apa-
bom funcionamento dos comitês. Com ex- rente contradição entre os dados.
ceção dos comitês de São Paulo – em que
a diferença é um pouco maior – 59% dos Os membros dos comitês usam conheci-
membros privilegiam as qualidades técni- mento técnico-científico?
cas contra 41% dos que valorizam as quali- O uso do conhecimento – seja ele téc-
dades de natureza social. Essa diferença foi nico-científico, leigo, prático, local – na
também observada regionalmente. gestão de recursos hídricos pode facilitar o
De forma consistente, “capacidade de processo de tomada de decisão. O conheci-
articulação política” foi a qualidade indi- mento contribui para o entendimento das
vidual apontada como menos importante. condições físico-naturais, socioeconômi-
Os resultados sugerem, aparentemente, que cas, culturais e políticas no contexto das
parte dos membros dos comitês parece ain- bacias. Assim, além de fornecer subsídios
da não perceber a importância da dimensão para uma melhor tomada de decisão, o co-
política no processo de gestão de recursos nhecimento pode contribuir também para
hídricos. Deve-se, porém, ter cautela com a a mediação de conflitos, ajudando, por
interpretação desse resultado, uma vez que exemplo, a promover consenso por meio do
outros dados da pesquisa revelam que, na esclarecimento de disputas sobre questões
prática, os comitês têm exercido sua ca- ambíguas ou incertas.
pacidade de articulação política, no senti- Os entrevistados declararam que vários
do de estabelecer apoio interno e externo. tipos de informação técnico-científica já fo-
Como será visto no capítulo seguinte, 74% ram aplicados nos seus comitês. Os tipos de
dos membros afirmaram que com freqü- estudo mais usados são aqueles sobre qua-
ência colaboram com outros membros. Da lidade da água, modelos hidrológicos e im-
mesma forma, 82% disseram que facilitam a pactos ambientais (Figura 14).

24 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
5. Capacidade dos membros dos comitês (experiência,
conhecimento e qualidades individuais)

Figura 14: Uso de conhecimento técnico científico nos comitês (base de dados = 385)

Para a maioria dos entrevistados, o uso mação entre os membros dos comitês, mais
de conhecimento técnico-científico nos co- da metade afirmou que a informação está
mitês facilita o processo de tomada dede- disponível e acessível (Figura 15).
cisão. A respeito da divulgação de infor-

Figura 15: Uso e disponibilidade de conhecimento técnico-científico (base de dados = 385)

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 25
5. Capacidade dos membros dos comitês (experiência,
conhecimento e qualidades individuais)

Apesar de afirmarem que a informação disciplinaridade pode contribuir para abor-


técnico-científica está disponível e acessí- dagens mais abrangentes, necessárias para
vel, os membros percebem, como será visto o trato das questões relacionadas à gestão
no capítulo 7, que o uso dessa informa- de recursos hídricos. Nesse contexto, os
ção é a principal fonte de desigualdade no membros parecem valorizar qualidades in-
processo decisório. Pode ser até mais sig- dividuais de caráter técnico-científico – co-
nificativa que as desigualdades de poder nhecimento técnico e experiência na área
econômico e político. Em um processo de- de recursos hídricos – como qualidades in-
mocrático de tomada de decisão, o conhe- dividuais importantes para o bom funcio-
cimento deve estar disponível para todos. A namento dos comitês. A importância da ca-
desigualdade significativa na distribuição pacidade de articulação política ainda não
do conhecimento favorece a capacidade de foi amplamente reconhecida para se alcan-
argumentação de alguns membros, ficando çar, por exemplo, apoio interno e externo
outros em desvantagem. Nesse sentido, uma para as atividades do comitê.
gestão participativa dos recursos hídricos Os comitês que têm feito uso de conhe-
só será mais efetiva no âmbito dos comitês cimento técnico-científico consideram que
de bacia quando o uso desse conhecimento este facilita o processo decisório, e está, em
ocorrer de forma transparente e acessível geral, disponível e acessível. O uso do co-
para todos os membros e para a sociedade nhecimento, no entanto, é a principal fon-
em geral. Assim, indivíduos que se manti- te de desigualdade, pois favorece a capa-
ve- rem informados sobre os assuntos do cidade argumentativa de quem o detém. E
comitê terão, a princípio, melhores condi- apesar da indicação de que a informação
ções de se engajar no processo deliberativo, se encontra disponível e acessível, muitos
caso posteriormente se tornem membros. membros reconhecem que há limitações
nessa disponibilidade e acessibilidade. Tais
SUMÁRIO limitações devem ser superadas para que a
Os membros dos comitês estudados gestão de recursos hídricos seja mais parti-
apresentam experiência profissional em di- cipativa e democrática.
versas áreas do conhecimento. Essa multi-

26 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
6. Processo de participação

Os membros dos comitês – representantes Qual é o nível de participação dos mem-


da sociedade civil, usuários da água e go- bros nos comitês de bacia?
verno – se reúnem regularmente em ple- O nível de participação dos membros
nárias para discutir e tomar decisões sobre dos comitês nas reuniões plenárias pode ser
os problemas relacionados ao uso e manejo considerado significativo, pois somente uma
dos recursos hídricos em suas respectivas pequena fração dos membros não compare-
bacias. Ademais, também se envolvem em ce, não se manifesta ou não apresenta pro-
outras atividades dos comitês, além das posta nas reuniões plenárias. Grande par-
plenárias, como, por exemplo, a participa- te dos membros dos comitês declarou que
ção em reuniões de grupos de trabalho ou participa da maioria das plenárias, e mais
câmaras técnicas. A seguir, são examina- da metade disse que se manifesta e fala, en-
dos aspectos sobre a participação dos mem- quanto uma outra parte declarou que apre-
bros dos comitês no processo em que, em senta propostas na maioria das reuniões
conjunto, tomam decisões e desenvolvem (Figura 16).
atividades para a gestão da água em suas
bacias.

Figura 16: Participação dos membros nos comitês de bacia (base de dados = 486 – comparecem,
464 – falam e 449 – propõem)

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 27
6. Processo de participação

Quais são as dificuldades encontradas pe- te. Trinta e sete por cento (37%) afirma-
los membros para participar das reuniões? ram não ter dificuldades para participar das
A dificuldade mais indicada pelos mem- reuniões. Esses resultados variam entre os
bros para participar das reuniões plenárias segmentos que compõem os comitês, con-
foi falta de tempo, vindo a seguir distância forme mostra a Figura 17.
e tempo de viagem, e custo de transpor-

Figura 17: Dificuldades para participar das reuniões plenárias (base de dados = 486)

Metade dos usuários, por exemplo, de- Quem cobre os custos de participação dos
clarou não enfrentar dificuldades para par- membros nas reuniões dos comitês?
ticipar das reuniões. A maioria dos que têm Metade dos entrevistados respondeu
dificuldades atribuiu-as à distância e ao que os custos de sua participação (com a
tempo de viagem, e à falta de tempo. Essas viagem, alimentação, etc.) são cobertos por
dificuldades são também comuns aos ou- sua entidade ou empregador – esse é o caso
tros segmentos. Custo de transporte foi mais da maioria dos usuários, poder público fe-
frequentemente indicado como dificuldade deral, estadual e municipal. A maioria dos
pelos usuários de pequeno porte e socie- demais membros afirmou cobrir suas pró-
dade civil, uma vez que os representantes prias despesas para participar das reuniões
destes segmentos, na maioria dos casos, são plenárias – esse é o caso mais frequente
responsáveis individualmente pelos custos entre os representantes da sociedade civil e
envolvidos na sua participação. pequenos produtores (Figura 18).

28 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
6. Processo de participação

Figura 18: Custeio dos gastos com participação nas reuniões dos comitês (base de dados = 383)

Assim, os segmentos mais afetados em vidades de seu comitê. A dedicação varia,


relação aos custos de participação nas reu- em média, de um dia (em 27% dos casos)
niões plenárias dos comitês são sociedade a mais de 10 dias por mês (no caso de 9%
civil e usuários de pequeno porte. Os custos dos entrevistados), sendo que na maior par-
podem representar um desafio para a parti- te dos casos (37%) a dedicação é de dois
cipação desses segmentos que representam a cinco dias por mês. Pouco menos de um
a maioria dos atores não-governamentais. quarto dos membros afirmou não se dedicar
Essa desigualdade pode resultar em desin- às atividades do seu comitê (Figura 19).
centivo à participação dos segmentos me- Os membros que ocupam os cargos de
nos favorecidos economicamente, excluin- presidente, vice-presidente e secretário
do do processo decisório aqueles que têm (base de dados=53) apresentaram maior de-
dificuldade de custear sua participação. dicação que a média dos membros em geral.
A maioria (96%) dos que ocupam tais car-
Quanto tempo os membros dedicam às gos declarou dedicar algum tempo às ativi-
atividades dos comitês? dades do comitê. Quarenta e dois por cento
Além das reuniões plenárias, os mem- (42%) afirmaram que o tempo de dedicação
bros dos comitês se envolvem em atividades é entre dois e cinco dias por mês; 11% en-
como, por exemplo, a organização de even- tre seis e 10 dias por mês, e 27% dedicam
tos e a participação em grupos de trabalho mais de 10 dias por mês às atividades de
e comissões. A maioria (78%) dos membros seu comitê.
indicou que dedica algum tempo às ati-

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 29
6. Processo de participação

Figura 19: Dedicação dos membros às atividades dos comitês por região geográfica (base de
dados = 486)

Em termos de variação regional, os en- atividades dos comitês. No comitê do Pa-


trevistados dos comitês do Nordeste e de raíba do Sul, quase metade dos membros
Minas foram os que indicaram com maior disse se dedicar de dois a cinco dias por
freqüência não dedicar tempo algum às mês (Figura 20).

Figura 20: Dedicação dos membros às atividades dos comitês por segmento (base de dados = 486)

30 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
6. Processo de participação

Entre os segmentos que compõem os co- participam “às vezes” são aquelas de co-
mitês, os usuários de pequeno porte foram laboração com outros membros em proje-
aqueles que disseram, com maior freqüên- tos específicos, participação em grupos e
cia (39%), não dedicar tempo algum às ati- comissões, e organização de eventos e se-
vidades de seu comitê. Os representantes da minários. Atividades em que os membros
sociedade civil, com 44%, e o poder público menos participam são as de captar recursos
municipal, com 42%, foram os que afirma- financeiros e materiais para atividades de
ram com maior freqüência se dedicar entre seu comitê, de representar o comitê em ou-
dois e cinco dias por mês. O segmento que tros fóruns, e de escrever documentos e dar
declarou se dedicar mais de 10 dias por mês pareceres (Figura 21).
foi o poder público estadual e federal, em Embora a maioria dos membros dos co-
que 13% dos membros selecionaram essa mitês tenha considerado a articulação po-
opção (Figura 20). lítica como a qualidade individual menos
importante, as atividades relacionadas na
Com que freqüência os membros partici- figura 21 podem ser entendidas também
pam das atividades dos comitês? como articulação política. Levando-se em
“Facilitar negociação entre os membros” conta a freqüência dos membros nas ati-
foi a atividade apontada com maior freqü- vidades que envolvem relacionamento in-
ência, em que os entrevistados participam terno e externo, o resultado pode parecer
“sempre”. Atividades em que os membros contraditório.

Figura 21: Participação dos membros nas atividades dos comitês (base de dados = 384)

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 31
6. Processo de participação

SUMÁRIO outras atividades do comitê, tais como “fa-


Apesar de algumas dificuldades de par- cilitar a negociação entre membros”, “co-
ticipação que os membros dos comitês laborar com outros membros” em projetos
enfrentam – tais como a falta de tempo, específicos, “participar de grupos e comis-
distância e tempo de viagem, e custo de sões”, e “organizar eventos e seminários”,
transporte – o nível de participação é, de entre outras atividades. Nesse contexto, os
certa forma, significativo. Boa parte dos dados sugerem que os membros dos comitês,
membros, além de comparecer às reuniões de forma geral, estão empenhados em parti-
plenárias, se pronuncia e apresenta pro- cipar de forma mais efetiva do processo de
postas. A maioria dedica algum tempo a gestão da água.

32 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
7. Processo deliberativo

Modelos participativos de gestão visam Como os membros avaliam a democracia


estimular processos democráticos de to- na tomada de decisão?
mada de decisão. No caso da participação A democracia no processo decisório dos
nos comitês de bacia na gestão de recursos comitês foi avaliada positivamente por 78%
hídricos, o ideal seria que todos tivessem dos membros (Figura 22). A maioria (81%,
condições semelhantes de argumentação e base de dados=384) declarou que as pessoas
negociação, de modo a contribuir para a se sentem à vontade para se expressar livre-
democratização da tomada de decisão. A mente e discutir seus anseios e propostas no
seguir, serão examinados alguns aspectos comitê. Nas entrevistas, 37% dos membros
do processo deliberativo no âmbito dos co- afirmaram que as atividades do comitê são
mitês de bacia, tais como a percepção dos definidas por todos os que querem ser en-
membros sobre a democracia no processo volvidos, e 45% disseram que em seu co-
de decisão, a definição das atividades do mitê, apesar de as atividades serem defini-
comitê, e a desigualdade no processo deci- das por um pequeno grupo, este valoriza as
sório, entre outras. contribuições de todos (Figura 23).

Figura 22: Avaliação da democracia na tomada de decisão (base de dados = 480)

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 33
7. Processo deliberativo

Figura 23: Definição das atividades do comitê (base de dados = 449)

Quais são os setores ou instâncias mais secretaria executiva, e as câmaras técnicas.


influentes na definição da pauta de reuniões Estes três setores são considerados também
dos comitês? os mais influentes nas decisões tomadas
Apesar da avaliação positiva dos entre- em reuniões plenárias, só que em ordem di-
vistados sobre a democracia no processo ferente. As câmaras técnicas em primeiro,
decisório, há percepção entre os membros seguidas da diretoria e secretaria executi-
de que existem setores ou instâncias nos va. Já os três menos influentes, tanto na
comitês com maior ou menor grau de influ- definição da pauta, quanto nas decisões to-
ência na definição da pauta de reuniões, e madas nas plenárias, são o governo federal,
nas decisões tomadas nas plenárias. em primeiro, seguido de outros grupos da
Os entrevistados afirmaram que os seto- sociedade civil, e governo municipal (Figu-
res ou instâncias mais influentes na defini- ra 24).
ção da pauta de reuniões são a diretoria, a

Figura 24: Influência de setores, instâncias e membros na definição da pauta e nas decisões em
reuniões plenárias (base de dados = 385)

34 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
7. Processo deliberativo

Cabe destacar que as instâncias com Percepção sobre a desigualdade no proces-


maior influência na definição da pauta das so decisório
reuniões plenárias ou nas decisões tomadas As desigualdades entre membros dos co-
nessas plenárias são, em geral, eleitas pelos mitês são definidas aqui em termos de en-
membros dos comitês. Presume-se, então, traves à capacidade de participar e influen-
que essas instâncias teriam, em parte, o res- ciar o processo decisório. De maneira geral,
paldo dos demais membros do comitê para podemos categorizar os possíveis entraves
exercer tal influência. como desigualdades de conhecimento téc-

Figura 25: Desigualdades que dificultam a tomada de decisão de forma democrática nos comitês
(base de dados = 385)

nico, de poder político, e de poder econô- de decisão de forma democrática é afeta-


mico. Os entrevistados apontaram com mais do pelas desigualdades em conhecimento
freqüência, como entrave, a desigualdade técnico; para 59% os entraves decorrem de
de conhecimento técnico (Figura 25). desigualdades em poder político, enquan-
A sociedade civil e os usuários de peque- to que para 40% o problema está nas de-
no porte foram os segmentos que indica- sigualdades de poder econômico. No seg-
ram, com mais freqüência, as desigualdades mento de usuários de pequeno porte, 56%
como entraves ao processo decisório. Para dos membros apontaram as desigualdades
a sociedade civil, 78% dos seus membros em poder político como responsáveis pelo
consideram que o processo de tomada entrave (Figura 26).

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 35
7. Processo deliberativo

Figura 26: Desigualdades que dificultam a tomada de decisão de forma democrática por segmen-
to (base de dados = 385)

Os segmentos que, ao contrário, indi- entraves no processo decisório devido às


caram com maior freqüência que tais di- desigualdades de poder econômico.
ficuldades em conhecimento técnico não
prejudicam a tomada de decisão de forma Qual é a percepção dos membros sobre a
democrática foram o poder público estadual existência de pessoas ou grupos que dificul-
e o federal, e os usuários de grande e médio tam o avanço ou a dinâmica dos comitês?
porte, em 37% e 35% dos casos, respecti- Aproximadamente metade dos membros
vamente. Cinqüenta e oito por cento (58%) afirmou que há pessoas ou grupos que di-
dos usuários de grande e médio porte indi- ficultam o avanço ou a dinâmica de seu
caram que a tomada de decisão não estaria comitê, enquanto que a outra metade tem
sendo prejudicada pelas desigualdades de posição contrária (Figura 27). Ou seja, a
poder político, e 74% dos membros do po- opinião dos entrevistados sobre a obstru-
der público municipal afirmaram não haver ção dos trabalhos dos comitês é dividida.

36 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
7. Processo deliberativo

Figura 27: Existência de pessoas/grupos que dificultam o trabalho dos comitês (base de dados =
485)

Aos entrevistados que admitiram a exis- Os órgãos públicos federais e estaduais, e os


tências de pessoas ou grupos que dificul- empresários foram citados como os princi-
tam o trabalho dos comitês, foi pergunta- pais grupos que dificultam a dinâmica dos
do quem seriam essas pessoas ou grupos. comitês (Figura 28).

Figura 28: Grupos que dificultam o avanço ou a dinâmica dos comitês (base de dados = 219)

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 37
7. Processo deliberativo

Em que esfera de governo os membros dos gerir, também, confiança no conhecimento


comitês mais confiam? Em que instituições técnico como fator importante no processo
ou grupos os membros dos comitês mais con- de gestão da água.
fiam? A falta de confiança no governo, ins-
Com relação à confiança dos membros tituições e grupos é um empecilho para se
dos comitês nos diferentes níveis de go- estabelecer uma gestão mais participativa.
verno e instituições ou grupos, os dados A confiança, além de normas de reciproci-
indicam que a confiança no poder público dade, respeito, e outros elementos que for-
em geral é baixa, menor que a confiança mam o capital social, são elementos fun-
em outras instituições ou grupos, tais como damentais para um modelo de gestão que
as universidades. Entre os diferentes níveis pressupõe a colaboração entre os diversos
de governo, o poder público municipal é atores envolvidos na gestão da água. Ou
aquele no qual os membros da maioria dos seja, a confiança entre os membros dos co-
segmentos mais confiam, vindo a seguir o mitês, e entre estes e atores externos é im-
governo federal e o estadual (Figura 29). prescindível para que se possa tomar deci-
Já entre as instituições ou grupos que mais sões e desenvolver ações conjuntas visando
inspiram confiança nos membros aparece a objetivos comuns, como a melhoria das
a universidade (Figura 30), o que pode su- condições ambientais na bacia.

Figura 29: Confiança dos membros nos diferentes níveis de governo (base de dados = 486)

38 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
7. Processo deliberativo

Figura 30: Confiança dos membros nas instituições e grupos (base de dados = 486)

SUMÁRIO mitês, que podem dificultar a democratiza-


A democracia é elemento fundamental ção do processo decisório. A redução dessas
nos processos participativos, de maneira desigualdades é essencial para que se esta-
que as decisões tomadas no âmbito dos co- beleça um processo decisório mais demo-
mitês levem em conta o interesse público, crático, em que todos os membros tenham
em vez de favorecer determinados grupos. condições de argumentar e negociar sobre
Apesar de avaliar positivamente a demo- seus interesses e necessidades, bem como
cracia no processo de decisão, os membros influenciar as decisões e ações dos comi-
dos comitês percebem que há setores que tês de maneira mais eqüitativa. A falta de
são mais influentes que outros na defini- confiança no governo, instituições e grupos
ção da pauta de reuniões e atividades do é um entrave a ser superado para se estabe-
comitê. Da mesma forma, entendem que lecer uma gestão mais participativa, a qual
existem desigualdades, principalmente de pressupõe a colaboração entre os diversos
conhecimento, entre os membros dos co- atores envolvidos na gestão da água.

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 39
8. Interação dos membros com os representados ou bases
políticas

A interação e a comunicação entre mem- ria das vezes, de acordo com a opinião ou
bros dos comitês e os grupos que repre- conhecimento pessoal sobre o assunto em
sentam são importantes mecanismos pelos questão; 28% disseram seguir a orientação
quais os membros podem incorporar as da câmara técnica ou do grupo de trabalho.
preferências de sua base, bem como mantê- Apenas 18% seguem orientação do órgão
la informada sobre as decisões tomadas no ou entidade que representam, e 10% se ba-
comitê. Assim, os membros podem prestar seiam na orientação do seu segmento ou
contas sobre sua atuação no comitê às suas categoria (Figura 31). Nota-se, assim, que
bases, dando a estas condições de exercer pouco menos de um terço dos entrevistados
certo controle sobre o processo decisório. é orientado pelas entidades ou segmento ao
Esta é uma forma de fortalecer a represen- qual pertence. Os números variam regio-
tação responsável, o que torna a participa- nalmente, sendo que nos comitês do Nor-
ção no processo de tomada de decisão mais deste 67% dos membros declararam tomar
ampla e representativa. decisão ou votar de acordo com a própria
opinião. Já no CEIVAP, 47% dos membros
Em que se baseiam os membros para tomar indicaram seguir a orientação das entida-
decisões nas reuniões plenárias? des ou segmento a que pertencem. No ge-
A maior parte dos entrevistados (41%) ral, os dados sugerem influência limitada
declarou tomar decisões ou votar, na maio- entre representados e representantes.

Figura 31: Base para tomada de decisão (base de dados = 384)

40 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
8. Interação dos membros com os representados ou bases
políticas

Existem, porém, outras maneiras para (Figura 32). Adicionalmente, cinqüenta e


os representados participarem do processo seis por cento (56%) dos membros trazem
decisório. Uma delas, por exemplo, é suge- outras pessoas do seu segmento para assis-
rir aos representantes assuntos e soluções tir as reuniões ou participar de atividades
de problemas. Outra maneira é assistir ou do comitê “sempre” e “às vezes” (Figura 33).
participar de atividades do comitê. Nesse Por meio desses arranjos, o processo de par-
sentido, 68% dos membros entrevistados ticipação se torna mais amplo e inclusivo,
responderam que outras pessoas de sua permitindo que outros atores também to-
entidade sugerem assuntos ou soluções de mem parte do processo de tomada de deci-
problemas ao comitê “sempre” e “às vezes” são e ações desenvolvidas pelo comitê.

Figura 32: Freqüência com que outras pessoas sugerem ao comitê assuntos e soluções para
problemas (base de dados = 484)

Figura 33: Freqüência com que outras pessoas são trazidas para assistir às reuniões plenárias ou
participar das atividades do comitê (base de dados = 384)

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 41
8. Interação dos membros com os representados ou bases
políticas

De que maneira os membros informam sua em reuniões e mecanismos informais. O


entidade sobre as atividades dos comitês? contato entre os membros do comitê e ou-
As formas de comunicação mais usadas tros segmentos e categorias que ele repre-
pelos membros para informar sua entidade senta, se dá, de modo geral, informalmente
sobre as atividades do comitê são relatos (Figura 34).

Figura 34: Prestação de contas dos membros aos seus representados ou bases políticas (base de
dados = 384)

A comunicação entre os membros dos gerem que a maior parte dos membros dos
comitês e seus representados é também comitês mantém contato com suas bases. É
importante na medida em que permite a interessante notar que apesar da interação
“prestação de contas” a esses. Por meio da e comunicação entre os membros dos co-
troca de informações, os membros podem mitês e suas bases, menos de um terço dos
dar esclarecimentos sobre o processo de- membros toma decisões seguindo a orienta-
cisório, solicitar sugestões e responder às ção de sua entidade ou categoria. Os dados
aspirações de suas bases. Os representados sugerem que apesar de as bases se mobi-
necessitam tomar conhecimento das deci- lizarem para participar do processo deci-
sões e atividades do comitê, assim como sório, isso não se traduz, necessariamente,
os membros necessitam saber se as bases em maior influência dessas bases sobre seus
compartilham suas posições. representantesxvii .

SUMÁRIO
Os dados da pesquisa Marca d’Água su-

42 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
9. Instrumentos de gestão: cobrança pelo uso da água

A Política Nacional de Recursos Hídricos sos Hídricos, a cobrança seria o instrumen-


define que a água é um bem econômico, to mais poderoso do comitê ao promover
sendo que a cobrança pelo seu uso consti- um uso mais racional da água, bem como
tui um instrumento de gestão previsto na gerar recursos para ações e projetos de pro-
legislação federal. A cobrança pelo uso da teção e recuperação de recursos hídricos.
água é a aplicação do princípio do usuário Os recursos provenientes da cobrança po-
pagador, ou seja, os usuários (tais como in- deriam induzir à colaboração entre órgãos
dústrias, companhias de saneamento e de governamentais municipais e estaduais na
geração hidrelétrica) pagam pelas quantida- busca de soluções técnicas que não seriam
des de água que captam dos corpos d’água, implementadas de outra forma, devido a
que consomem no processo produtivo e que restrições orçamentárias. A ausência de re-
usam para diluição de efluentes. Cabe aos cursos provenientes da cobrança, por outro
comitês estabelecer os valores a serem co- lado, poderia levar à inércia e ao esgota-
brados e definir como esses recursos serão mento dos comitês. A maioria dos entrevis-
aplicados em programas para melhoria das tados acredita, no entanto, que mesmo sem
condições ambientais da bacia. a cobrança o comitê conseguirá se manter
organizado e dinâmico (Figura 35).
Qual é a opinião dos membros sobre a co-
brança pelo uso da água e o funcionamento
dos comitês?
Segundo a Política Nacional de Recur-

Figura 35: Opinião dos membros sobre a cobrança pelo uso da água e o funcionamento do co-
mitê (base de dados = 486)

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 43
9. Instrumentos de gestão: cobrança pelo uso da água

Ao serem perguntados sobre quem deve- todos os que captarem e consumirem água
ria pagar pelo uso da água, os entrevistados (69%), a indústria (66%), a agricultura de
consideraram, com mais freqüência, todos grande e médio porte (61%), e o saneamen-
os que poluírem as águas da bacia (77%), to (52%) (Figura 36).

Figura 36: Opinião dos membros sobre quem deve pagar pelo uso da água (base de dados = 486)

Quando perguntados a respeito de quem consumisse mais, independentemente do


deveria pagar mais pelo uso da água, 90% setor. Para 9%, pagaria mais quem tives-
dos entrevistados, confrontados com duas se maior capacidade econômico-financeira
opções, responderam que quem poluísse ou (Figura 37).

Figura 37: Opinião dos membros sobre quem deve pagar mais pelo uso da água (base de dados =
470)

44 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
9. Instrumentos de gestão: cobrança pelo uso da água

SUMÁRIO É importante notar que a cobrança pelo


Cabe mencionar que a falta de recur- uso da água, no âmbito dos organismos
sos financeiros para projetos e atividades, de bacia estudados aqui, somente foi im-
como será visto a seguir (capítulo 10), é plementada na bacia do Paraíba do Sul. Na
apontada pela maioria dos membros como ausência de recursos provenientes da co-
a principal dificuldade que afeta o funcio- brança, alguns comitês de bacia no Brasil
namento do comitê. A cobrança seria um têm alcançado algum sucesso usando re-
instrumento capaz de, além de promover cursos disponíveis de forma criativa para
o uso racional da água, gerar recursos fi- formular suas próprias agendas, alcançar
nanceiros para projetos e atividades de objetivos e atrair colaboradores. Isso tem
gestão de recursos hídricos. Poderia tam- se dado por meio do desenvolvimento de
bém induzir os órgãos governamentais a relações colaborativas dentro e fora desses
trabalhar em conjunto, para implementar comitês para se alcançar resultados práticos
ações financiadas com recursos da cobran- comuns. Acredita-se que o estabelecimento
ça. Mesmo assim, a maioria dos membros dessas relações colaborativas é a chave para
acredita que o comitê não seria desativado que os comitês possam ter acesso a recursos
pela falta da cobrança. materiais e financeirosxix.

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 45
10. Propósito e desempenho dos comitês

A principal finalidade dos comitês é fazer É examinado também o desempenho do


a gestão integrada de recursos hídricos. Isso comitê em termos de sucesso em influen-
implica decidir como fazer a distribuição so- ciar os órgãos governamentais, as empresas
cialmente justa e ecologicamente correta da privadas e o comportamento da população
água por meio dos critérios de outorga; de- da bacia.
cidir sobre ações de proteção e recuperação
de nascentes e rios e de controle da polui- O que pensam os membros dos comitês so-
ção; e sobre ações de prevenção de cheias e bre o modelo de gestão da água?
estiagens, considerando a integração entre A maioria dos entrevistados (81%) dis-
níveis de governo e entre as diversas regi- se que o modelo de gestão da água – que,
ões de cada bacia hidrográfica. Essa gestão entre outros aspectos, inclui a descentrali-
pressupõe descentralização e participação. zação do processo decisório, a participação
Por isso, a pesquisa compreendeu alguns da sociedade e a cobrança pelo uso da água
aspectos sobre as atividades desenvolvidas – é adequado (bom, muito bom, e ótimo)
pelos comitês, tais como abrangência, pro- para a resolução dos problemas da sua ba-
blemas mais discutidos e tratamento dos cia. Apenas 20% disseram que o modelo
problemas relevantes da bacia, os quais são é regular ou tiveram percepção negativa
examinados neste capítulo. (ruim, muito ruim, e péssimo) (Figura 38).

Figura 38: Opinião dos membros sobre a adequação do modelo de gestão da água (base de dados
= 475)

46 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
10. Propósito e desempenho dos comitês

O que os membros pensam sobre a abran- como diretriz geral de ação a articulação ou
gência das atividades dos comitês? a integração da gestão de recursos hídricos
A gestão de recursos hídricos envolve, com outras políticas de gestão.
como mencionado, questões complexas, re- A maioria dos entrevistados concorda
sultado de processos múltiplos de natureza que as atividades dos comitês devem ser
físico-natural, social, econômica e política. abrangentes e incorporar outras questões
Assim, a gestão deveria ser integrada levan- relacionadas às águas, como, uso do solo,
do em conta os processos que podem afe- planejamento regional integrado e geren-
tar a quantidade e a qualidade dos recursos ciamento costeiro. Uma pequena parcela dos
hídricos. É no sentido de melhor cuidar da entrevistados acredita que as atividades dos
quantidade e da qualidade que a Política comitês deveriam se limitar aos problemas
Nacional de Recursos Hídricos estabelece dos recursos hídricos (Figura 39).

Figura 39: Percepção dos membros sobre a abrangência das atividades dos comitês (Base de
dados = 486)

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 47
10. Propósito e desempenho dos comitês

Quais são os principais problemas na bacia? Quais são os problemas mais discutidos
Os 486 membros entrevistados aponta- nos comitês?
ram como principais problemas na bacia a Segundo 30% dos entrevistados, o pro-
poluição orgânica e industrial das águas, blema mais discutido refere-se ao conhe-
o lançamento de lixo nas margens e nos cimento e avaliação da bacia e dos pro-
cursos d’água, escassez de água, falta de blemas relacionados aos recursos hídricos.
suporte técnico, dificuldades de gestão por O segundo mais discutido diz respeito às
parte dos comitês, desmatamento e assore- alternativas de solução dos problemas da
amento, entre muitos outros. água da bacia. Com menos freqüência, en-

Figura 40: Problemas mais discutidos nos comitês (base de dados = 385)

tre os mais discutidos, “denúncias de irre- da bacia?


gularidades na bacia” (Figura 40). Os dados O tratamento dos problemas mais impor-
sugerem que os comitês – passada a fase tantes da bacia é positivo (bom, muito bom,
inicial de discussão sobre a estruturação e e ótimo) para 67% dos entrevistados. Ou
funcionamento – têm se dedicado ao co- seja, a maioria dos membros acredita que o
nhecimento, à avaliação e à busca de so- comitê está tratando de assuntos relevantes
luções para os problemas relacionados aos à gestão de recursos hídricos (Figura 41). É
recursos hídricos na bacia. importante destacar aqui que determinado
problema pode estar sendo discutido e estu-
Qual é a opinião dos membros sobre o dado pelo comitê, porém, isso não implica,
tratamento dos problemas mais importantes necessariamente, solução de tal problema.

Figura 41: Opinião dos membros sobre o tratamento dos principais problemas na bacia (base de
dados = 481)

48 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
10. Propósito e desempenho dos comitês

Quais são as duas maiores dificuldades tivas, implementação de programas e pro-


que afetam o funcionamento dos comitês? jetos, entre outros. Desta forma, apoio téc-
A principal dificuldade que afeta o fun- nico, administrativo e financeiro também
cionamento dos comitês, apontada com são importantes para mobilizar e manter
mais freqüência pelos entrevistados, se mobilizados os comitês de bacia no Brasil.
refere à falta de recursos financeiros para Como visto no capítulo 9, a cobrança pelo
projetos e atividades (Figura 42). O apoio uso da água poderia ser instrumento pelo
financeiro, além do apoio técnico e ad- qual os comitês teriam acesso a recursos fi-
ministrativo, é importante para o funcio- nanceiros para o desenvolvimento de suas
namento e as atividades dos comitês. Tal atividades. Enquanto a cobrança não é im-
apoio é necessário para a realização das plementada, alguns comitês têm buscado
reuniões plenárias, atividades administra- apoio de diversos atores para o desenvolvi-

Figura 42: Principais dificuldades que afetam o funcionamento dos comitês (base de dados =
486)

mento de suas atividadesxxii. gãos governamentais. O sucesso do comi-


Apesar das dificuldades, os membros tê em influenciar as decisões das empresas
entrevistados avaliaram como positiva privadas foi também avaliado como posi-
a capacidade do comitê de influenciar as tivo (bom, muito bom, e ótimo) por 53%
ações de atores governamentais e priva- dos entrevistados. Com relação ao sucesso
dos, e a população da bacia. A maioria do comitê em influenciar o comportamento
dos membros (59%) avaliou como positiva dos habitantes na bacia, 47% disseram ser
(bom, muito bom e ótimo) a capacidade do positivo (bom, muito bom, e ótimo) (Figuras
comitê em influenciar as decisões dos ór- 43, 44 e 45).

Figura 43: Percepção dos membros sobre o sucesso do comitê em influenciar as decisões dos
órgãos governamentais (base de dados = 478)

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 49
10. Propósito e desempenho dos comitês

Figura 44: Percepção dos membros sobre o sucesso em influenciar as decisões das empresas pri-
vadas (base de dados = 465)

Figura 45: Percepção dos membros sobre o sucesso dos comitês em influenciar os habitantes da
bacia (base de dados = 479)

Cabe mencionar que, ao contrário dos dade da água. Os entrevistados concordam


dados da presente pesquisa, entrevistas com essa visão, ou seja, são de opinião de
qualitativas e observação participante su- que as atividades dos comitês deveriam ser
gerem que os comitês ainda têm muito mais abrangentes, para incorporar outras
pouca autoridade, ou seja, falta capacidade questões relacionadas aos recursos hídri-
de fazer respeitar as suas decisões ou in- cos. A percepção geral dos membros é de
fluenciar comportamentosxxiii. que o comitê estaria tratando de proble-
mas relevantes para a gestão dos recursos
SUMÁRIO hídricos da bacia. Apesar da falta de re-
O modelo participativo e descentraliza- cursos financeiros e de outras dificuldades
do de gestão de recursos hídricos é conside- que afetam o funcionamento dos comitês,
rado positivo entre os membros dos comi- a avaliação sobre o desempenho deles, em
tês. Tal gestão requer abordagem integrada termos de capacidade em influenciar ações
que considere questões, ações e políticas e políticas de diversos atores, é positiva.
que possam afetar a quantidade e a quali-

50 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
11. Oportunidades e desafios para a gestão integrada,
participativa e descentralizada da água

Antes de abordar as dificuldades e desafios cisório. Porém, os membros percebem que


para gestão de recursos hídricos, cabe reca- há desigualdades entre eles no uso de tal
pitular os principais resultados da pesquisa conhecimento.
Marca d’Água, detalhados nesta publica-
ção: s !PESAR DE ALGUMAS DIlCULDADES QUE SE
apresentam, tais como falta de tempo, dis-
s ! COMPOSI ÎO DOS COMITÐS Ï BASTAN- tância e tempo de viagem, e custo de trans-
te diversificada. Uma variedade de atores porte, a participação nos comitês é signi-
(grupos de interesse) – representantes do ficativa. Além de participar, se pronunciar
governo, dos usuários, e da sociedade ci- e apresentar propostas nas reuniões plená-
vil – participam do processo de tomada de rias, a maioria dos membros afirmou que
decisão, sugerindo uma participação inclu- dedica algum tempo a outras atividades dos
siva. comitês.

s%NQUANTOUMAGRANDEDIVERSIDADEDEOR- s%MBORAIDENTIlQUEMAEXISTÐNCIADEFALTA
ganizações é representada nos comitês, em de confiança em determinados atores, e de-
geral os membros individuais apresentam sigualdades entre os membros, que podem
escolaridade e condição socioeconômica dificultar a democratização do processo de-
muito maior do que a do brasileiro médio. cisório, no geral os comitês são avaliados
Para alguns, isso poderia significar que como arenas democráticas de discussão.
estas arenas são elitizadas. Outros podem
entender que as entidades que participam s!MAIORPARTEDOSMEMBROSDOSCOMITÐS
dos comitês tendem a enviar seus membros mantém contato com suas bases, o que não
mais capacitados a essas arenas. Os mem- necessariamente se traduz em maior influ-
bros trazem recursos para garantir uma ência dessas bases sobre seus representan-
participação mais eficaz. tes.

s/SMEMBROSDOSCOMITÐSAPRESENTAMFOR- s!COBRAN APELOUSODAÉGUAÏUMINSTRU-
mação e experiência profissional em diver- mento de gestão que, quando implementa-
sas áreas do conhecimento, constituindo-se do, poderá gerar recursos financeiros para
de equipes multidisciplinares. Essa multi- projetos e atividades do comitê. A opinião
disciplinaridade pode contribuir para abor- dos entrevistados é que deve pagar pelo uso
dagens mais abrangentes, necessárias para da água quem consumir ou poluir mais.
a gestão da água. Mas, mesmo sem a cobrança, a maioria dos
membros acredita que o comitê permanece-
s/SCOMITÐSTÐMFEITOUSODECONHECIMEN- rá organizado e dinâmico.
to técnico-científico, tais como estudos
sobre qualidade da água, modelos hidroló- s !PESAR DA FALTA DE RECURSOS lNANCEIROS
gicos, impactos ambientais, entre outros, e e de outras dificuldades que afetam o fun-
consideram que isso facilita o processo de- cionamento dos comitês, a percepção dos

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 51
11. Oportunidades e desafios para a gestão integrada,
participativa e descentralizada da água

membros sobre seu desempenho, em ter- tucionais) e os contextos mais abrangen-


mos de capacidade de influenciar ações e tes nos quais se inserem (contexto político
políticas de diversos atores, é positiva. Os brasileiro e contexto da política de recur-
entrevistados acreditam também que os sos hídricos) podem influenciar significa-
comitês estão tratando dos problemas rele- tivamente o desempenho dos comitês. A
vantes à gestão de recursos hídricos. história do novo modelo da gestão de re-
cursos hídricos no Brasil é recente, e por
s/MODELOPARTICIPATIVOEDESCENTRALIZADO isso é natural que os comitês se deparem
de gestão de recursos hídricos é considera- com desafios para implementar o modelo
do positivo entre os membros dos comitês. de gestão preconizado na Política Nacional
Eles concordam, ainda, que as atividades de Recursos Hídricos.
do comitê devam ser mais abrangentes, in- Alguns desses desafios estão relacio-
corporando outras questões relacionadas à nados ao estabelecimento de participação
gestão da água. inclusiva e representação responsável,
transferência de autoridade de decisão sig-
s/SRESULTADOSDAPESQUISA-ARCAD­GUA nificativa aos comitês, apoio financeiro,
indicam que os comitês apresentam algu- técnico e administrativo para assegurar o
mas características que facilitam a gestão funcionamento dos comitês e implementa-
mais participativa e descentralizada da ção de suas decisões, entre outros.
água, como a formação e a experiência Os resultados sugerem que os comitês
profissional dos membros, nível de envol- têm potencial para facilitar uma gestão
vimento dos membros, entre outras. Outras mais participativa da água, como a for-
características, no entanto, dificultam a mação e experiência multidisciplinar dos
gestão, como a falta de confiança em deter- membros, uso do conhecimento científico
minados atores, desigualdades de conheci- no processo decisório, empenho dos mem-
mento, poder político e econômico entre os bros em participar das atividades dos comi-
membros. As maiores dificuldades, porém, tês, percepção positiva sobre o modelo de
estão associadas ao contexto mais abran- gestão, democracia no processo decisório, e
gente no qual os comitês estão inseridos, e o próprio desempenho dos comitês. O que
não tanto ao potencial dos membros ou à se deduz é que as maiores dificuldades não
dinâmica decisória interna dos comitês. estariam associadas tanto ao potencial dos
membros, ou à dinâmica decisória interna
De forma geral, modelos participativos dos comitês, mas ao contexto institucional
são estabelecidos com base em premissas mais amplo em que eles se encontram.
relacionadas à democratização do processo A falta de apoio institucional, por exem-
decisório e aumento de sua eficiência em plo, pode condenar os comitês à irrelevân-
relação aos modelos tradicionais de ges- cia. Para que eles se tornem efetivos, os
tão, de natureza centralizadora. No Brasil, órgãos gestores federais e estaduais ne-
a gestão integrada, descentralizada e parti- cessitam reconhecer a autoridade deles e
cipativa da água vem sendo instituciona- implementar as suas decisões. Para o fun-
lizada por meio da criação de comitês de cionamento efetivo dos comitês de bacia,
bacia que, por si só, nem sempre resulta na é importante a construção de capacidade
democratização do processo decisório ou político-institucional pelo estabelecimento
no aumento de sua eficiênciaxxiv. de laços com órgãos governamentais, so-
A gestão integrada, participativa e des- bretudo os estaduais – responsáveis pela
centralizada da água se constitui em um implementação das políticas de recursos hí-
processo complexo e de longo prazo, no dricos. Alguns comitês, mesmo sem seguir
qual as condições locais das bacias (físico- o modelo preconizado pela legislação de
naturais, socioeconômicas, político-insti- recursos hídricos, têm conseguido desen-

52 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água
11. Oportunidades e desafios para a gestão integrada,
participativa e descentralizada da água

volver suas próprias agendas, solucionar ou que alcancem melhor desempenho dentro
minimizar conflitos entre atores regionais, de um contexto institucional limitante.
e encontrar alternativas para subsidiar suas Desta forma, podem ter maior capacidade
atividadesxxvi . para superar os desafios e potencializar as
A capacidade de inovação e empreende- oportunidades para uma gestão integrada,
dorismo dos comitês (a qual não pôde ser participativa e descentralizada de recursos
examinada nesta pesquisa) pode se consti- hídricos no Brasil.
tuir em fator adicional e importante para

NOTAS
iIPEA, 2005: 128
iiGleick, 2000; e Conca, 2005, Capítulo 6.
iii“The Dublin Statement on Water and Sustainable Development,”

http://www.wmo.ch/web/homs/documents/english/icwedece.html (accessado em 6 de maio de 2004).


ivAbers et al., 2007
vIdem
viIbidem
viiIbidem
viiiFormiga-Johnsson, Kumler and Lemos, 2006; Lemos, 2007
ixFonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2006
xFGV, 2006
xiCosta e Queiroz, 2007
xiiFrank e Schult, 2007
xiiiAbers and Keck, 2004; Gutierrez, 2007
xivLemos, Nelson and Formiga-Johnsson, 2007
xvAbers et al., 2007
xviLemos, Nelson, and Formiga-Johnsson, 2007
xviiAbers et al., 2007
xviiiAbers and Keck, 2004
xixIdem
xxNessa questão cada respondente selecionou duas opções
xxiAbers et al., 2007
xxiiAbers e Keck, 2004
xxiiiAbers et al., 2007
xxivAbers and Keck, 2004
xxvIbidem
xxviIbidem

Projeto Marca d’Água Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros 53
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54 Comitês de bacia sob o olhar dos seus membros Projeto Marca d’Água

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