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ESTERILIZAÇÃO DE SOROS E VACINAS POR RADIAÇÃO GAMA DE COBALTO*

Rosalvo Guidolin**
Alcino Corrêa***
Regina Maria Barreto Cicarelli****
Eloi Previde*****
Josefina Farina Morais**
Hisako Gondo Higashi**

GUIDOLIN, R. et al. Esterilização de soros e vacinas por radiação gama de cobalto.


Rev. Saúde públ., S. Paulo, 22:113-7, 1988.
RESUMO: Os soros antitetânico, antidiftérico e antibotrópico-crotálico e, ainda,
a vacina diftérica-pertussis-tetânica foram submetidos a diferentes intensidades de radiação
gama, com os seguintes intuitos: verificação da resistência das atividades específicas destes
produtos à ação dos raios gama; avaliação das possibilidades de utilização deste tipo de
energia radiante para a esterilização de alguns soros hiperimunes heterólogos e vacinas,
mais comumente utilizados em saúde pública. Os resultados obtidos, segundo os parâme-
tros empregados, mostraram a possibilidade de esterilização sem alterações das atividades
específicas, de ordem biológica ou química, dos produtos experimentados.
UNITERMOS: Esterilização, métodos. Raios gama. Toxóide tetânico, efeitos de radia-
ção. Toxóide diftérico, efeitos de radiação. Vacina pertussis, efeitos de radiação. Antitoxina
tetânica, efeitos de radiação. Antitoxina diftérica, efeitos de radiação. Antivenenos, efei-
tos de radiação.

INTRODUÇÃO rem perdas de volumes que são, às vezes, con-


A energia radiante para esterilizações vem sideráveis. Devido a falhas humanas ou ou-
sendo aplicada com sucesso nestes últimos tras causas, após a filtração observam-se con-
anos. Produtos alimentícios10,13,16,19,21, cosméti- taminações relativamente freqüentes que, ou
cos9, materiais cirúrgicos descartáveis2, vaci- condenam o produto definitivamente ou, pelo
nas, soros e produtos do sangue1 e ou- menos, obrigam a uma nova filtração e, con-
tros3,7,17,19,20,22, são descontaminados por radia- seqüentemente, aumenta a perda em volume.
Tratando-se de vacinas adicionadas de adju-
ções. vantes particulados, todo o trabalho é exe-
A energia eletromagnética derivada de co- cutado sob condições estéreis. Neste caso,
balto é a que se utiliza com maior freqüência quando ocorre contaminação, o produto não
na esterilização dos materiais mencionados. tem condições de ser recuperado.
Este tipo de energia, como a radiação gama, A radiação gama, devido ao seu elevado
não aquece o produto, podendo, assim, ser poder de penetração, esteriliza os produtos
também aplicada a produtos biológicos que, após o envasamento e, inclusive, após ter sido
na maioria das vezes, são susceptíveis a tem- acondicionado em embalagens habituais.
peraturas relativamente elevadas. A bibliografia compulsada não trazia infor-
A esterilização de soros terapêuticos e de mações suficientes quanto a utilização deste
algumas vacinas não adicionadas de adjuvan- tipo de energia na esterilização de produto
tes particulados é feita geralmente pela filtra- de natureza biológica, tais como soros hi-
ção. Na dependência do tipo de produto e dos perimunes ou vacinas. Não havia, praticamen-
filtros esterilizantes usados, o processo é rela- te, dúvidas quanto à ação dos raios gama este-
tivamente demorado e, invariavelmente, ocor- rilizantes, mas sim quanto a redução de ati-

* Apresentado no IX Congresso Latino-Americano de Microbiologia e XII Congresso Brasileiro de Mi-


crobiologia. São Paulo, julho de 1983.
** Instituto Butantan — Av. Vital Brasil, 1500 — 05503 — São Paulo, SP — Brasil.
*** Syntex do Brasil — Rua Maria Cândida, 1817 — São Paulo, SP — Brasil.
**** Faculdade de Farmácia e Odontologia de Araraquara — Rua Expedicionários do Brasil, 1621 —
14800 — Araraquara, SP — Brasil.
***** IBRAS — CBO. Indústrias Cirúrgicas e Ópticas S.A. — Campinas, SP — Brasil.
vidade biológica, por destruição de princípios Grupo II
ativos destes produtos.
Foram utilizados, neste grupo: SAD, SAT,
Resolvemos, assim, observar o comporta- SAO e DPT. Todos os produtos foram prepa-
mento dos soros antitetânico, antidifetérico e rados pelo método de rotina e os soros foram
antiofídico e da vacina triplice (tétano-difte- previamente esterilizados por filtração.
ria-pertussis precipitada pelo alúmen), frente
a diferentes intensidades de radiação gama. Doses de Irradiação (DI)
As DI variaram de 0,40 a 2,55 mrad. A
MATERIAL E MÉTODOS irradiação, nas doses mencionadas, foi apli-
As experiências foram iniciadas em 1981 cada em 5 conjuntos individuais de 50 am-
com produtos que eram normalmente prepa- polas. As ampolas estavam embaladas em cai-
rados pela Syntex do Brasil, Indústria e Co- xas de cartolina, com 5 em cada caixa.
mércio Ltda. As aplicações de energia radian- Período de Observação
te eram efetuadas com o equipamento indus-
trial da IBRAS-CBO, Indústrias Cirúrgicas e Uma amostra de cada um dos produtos foi
Ópticas S.A., de Campinas, SP. analisada durante um período de 18 meses,
após a irradiação, quanto ao título antitóxico,
Soros Hiperimunes concentração de fenol e esterilidade. No que
Os soros utilizados foram obtidos de plas- diz respeito ao pH, concentração protéica,
mas de cavalos hiperimunizados. Os plasmas concentração de cloreto de sódio e pirogênio,
foram purificados e concentrados por diges- os testes feitos trimestralmente demonstraram
tão péptica14 e sob controles biológicos e quí- estarem de acordo com as determinações de
micos de acordo com as especificações da Farmacopéia Brasileira.8
Farmacopéia Brasileira, 2.a ed.6. Utilizamos os
soros antidiftérico (SAD), antitetânico (SAT), RESULTADOS
antiofídico (SAO) — que é a associação do
antibotrópico e anticrotálico no total de 14 Os resultados obtidos nos testes com o
amostras. grupo I, imediatamente após irradiação, estão
reunidos na Tabela 1.
Vacinas
Foi utilizada uma amostra de vacina "Trí-
plice" (DTP) que consiste de uma associação
de vacina tetânica, diftérica e suspensão de
Bordetella pertussis, controlada química e bio-
logicamente de acordo com as especificações
dos "Requisitos Mínimos da Organização
Mundial de Saúde"15.
Tratamentos Esterilizantes Aplicados
As experiências foram distribuídas em dois
grupos:
Grupo I
Amostras de 10 partidas de SAT foram es-
terilizadas por filtração em placas EKS2 e, em
seguida, a metade do volume de cada amostra
foi distribuída em ampolas, com 10 ml, man-
tendo-se estéril8. A outra metade foi proposi-
tadamente contaminada com cultura esporu-
lada de Bacillus subtilis e distribuída em am-
polas, com 10 ml.
As provas de esterilidade8 destas ampolas
revelaram abundante desenvolvimento bacte-
riano 24 horas após a semeadura, em estufa
a 37°C. Foi encontrado, ao exame morfoló- * Concentrações de Fenol, NaCl e protéica, pH,
gico, apenas bacilos com as características do pirogênio e viscosidade — dentro dos limites es-
B. subtilis. tabelecidos pela Farmacopéia Brasileira8.
Um mês após a irradiação, os testes de es- a concentração de fenol durante os períodos
tabilidade quanto ao título antitóxico, de con- de observações.
centração de fenol e de esterilidade, foram
repetidos com as amostras 8-120 e 10-160. A Tabela 4 resume os resultados obtidos
Foram assim escolhidas porque a dose de ir- com a irradiação da DPT (1,4 mrad) compa-
radiação de 1,25 e 1,55 mrad representavam, rados com os resultados de parte da mesma
pela nossa experiência até então, a mínima vacina não irradiada.
esterilizante (1,25) e a máxima tolerada, com
ótima margem de segurança (1,55). Os resul- DISCUSSÃO
tados estão contidos na Tabela 2. A radiação ionizante vem sendo aplicada
Em vista dos resultados iniciais satisfatórios há alguns anos na prática de esterilização de
observados com o SAT de 190U.I./ml, resol- diferentes produtos de consumo humano e
vemos ampliar as nossas observações, aplican- animal. No entanto, pairavam algumas dúvi-
do o mesmo método de esterilização aos se- das quanto ao seu efeito adverso em certos
guintes produtos: SAT, SAD e SAO, com con- produtos biológicos, como o soro antitetânico1,
centrações mais elevadas de imunoglobulinas cuja atividade seria destruída em parte por es-
específicas e, ainda, com a vacina DPT, com te tipo de energia. Com a técnica por nós
a qual não tínhamos nenhuma experiência. empregada, dentro dos limites estabelecidos
Os produtos foram analisados entre 12 e (1,65 mrad), não foi verificada perda de ati-
18 meses após, e os resultados destas provas vidade neste tipo de soro. Diversas partidas
estão demonstrados na Tabela 3 que compara de soros irradiadas até 1,8 mrad não apresen-
o mesmo produto esterilizado pelo método taram qualquer alteração nas propriedades fí-
convencional de filtração e por irradiação ga- sico-químicas e biológicas.
ma, respectivamente. O nível de segurança oferecido pela apli-
Todos os soros relacionados apresentaram- cação de raios gama como agente esterilizante
se estéreis e sem alteração no que diz respeito é bem maior do que aquele derivado das téc-
nicas de filtrações, habitualmente empregadas número de ampolas envasadas por lote de fa-
para a finalidade e especialmente desejadas, bricação. Esta amostragem não exclui total-
quando se trata da esterilização de produtos mente a eventualidade de liberação de algu-
derivados do sangue de animais e de humanos. mas ampolas contaminadas durante o envasa-
Vírus e micoplasmas, estes em certos estágios mento. Estas possibilidades aumentam quan-
do seu desenvolvimento, passam através de do o produto é liofilizado, cujo processo de
membranas inertes ou placas de filtros este- secagem é, obviamente, feito com ampolas ou
rilizantes de profundidade. Na produção em frascos abertos.
escala industrial de vacinas virais, em cultivos
celulares, é relativamente freqüente a consta- Por outro lado, algumas desvantagens da
tação de contaminações do soro normal utili- esterilização por raios gama devem ser men-
zado por vírus estranhos e, especialmente, por cionadas:
micoplasmas. Esses agentes contaminantes são — custo elevado do equipamento emissor
susceptíveis à destruição pela ação dos raios de raios gama;
gama.
— necessidade imediata de irradiação do
Face ao poder penetrante deste tipo de ra- produto para evitar o desenvolvimento
diação, os produtos podem ser esterilizados de microrganismos contaminantes;
após o envasamento e mesmo após a embala-
gem, eliminando assim os riscos de contami- — escurecimento do material de vidro (am-
nações durante o processo de ampolamento. polas, frascos) pela ação dos raios ga-
Segundo determinação da Farmacopéia Brasi- ma;
leira8 a amostragem para as provas de esteri- — riscos de mutações genéticas de micror-
lidade de soros e vacinas é feita segundo a ganismos submetidos a doses subletais
fórmula 0,4 n, onde "n" corresponde ao de energia radiante.

GUIDOLIN, R. et al. (Sterilization of sera and vaccines by cobalt gamma radiation]. Rev.
Saúde públ., S. Paulo, 22:113-7, 1988.
ABSTRACT: Diphteria, tetanus, anti-snake venom sera and Diphteria-Pertussis-Te-
tanus vaccine were submited to different intensities of gamma radiation, in order to:
verify the resistance of their specific activities to the action of gamma rays; evaluate the
possibility of using this type of energy to sterilize some heterogenous hyperimmune sera
and vaccines commonly utilized in Public Health. The results, according to the range
employed, show the possibility of sterilizing the products tested, without any alteration
to specific biological and chemical properties.
UNITERMS: Sterilization, methods. Gamma rays. Tetanus toxoid, radiation effects.
Diphteria toxoid, radiation effects. Pertussis vaccine, radiation effects. Tetanus antitoxin,
radiation effects. Diphteria antitoxin, radiation effects. Antivenin, radiation effects.
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