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ANO XV

N . 41

• Entrevista exclusiva: • Destaque: conheça • Aesbe reúne


meta de universalização mulheres líderes presidenciáveis em
até 2033 é irreal, afirma no setor de Brasília para debater
o especialista Wladimir saneamento saneamento
Antonio Ribeiro
ÚLTIMAS

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2 SANEAR
PALAVRA DO PRESIDENTE

AJUSTES DO NOVO MARCO LEGAL DO


SANEAMENTO SÃO NECESSÁRIOS PARA
A UNIVERSALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS

E
M JULHO DE 2022, COMEMORAMOS Comparando o público com o priva-
DOIS ANOS DA ATUALIZAÇÃO DO do, nota-se que o setor público tem mui-
MARCO LEGAL DO SANEAMENTO. A tas amarras no ponto de vista de contra-
nova legislação serviu para algo extre- tação. Toda vez que um grande projeto no
mamente importante, que é a discussão Brasil é realizado, uma legislação especí-
sobre o setor de saneamento no país, fica é criada para facilitar os trâmites das
porém, ainda não há resultados exitosos contratações, como foi feito na Copa do
específicos vinculados diretamente ao Mundo e nas Olímpiadas, dois eventos de
novo marco. caráter esportivo. Por que não criar uma
O grande desafio para se alcançar a específica para o setor de saneamento?
universalização até 2033 é, primeiro, ter to- Sabendo que 75% dos Municípios estão
das as regras e diretrizes claras. Com toda a com contratos firmados com as Compa-
reestruturação que o setor teve, ainda não há nhias estatais?
Planos Regionais e, se não existe um plano Em contrapartida, há pontos do novo
Regional dizendo como investir e onde in- marco legal que trarão muitos benefícios
vestir primeiro, como a companhia saberá para o futuro, como a obrigatoriedade da
quais são as prioridades? É muito importan- interligação com a tarifa de disponibili-
te que o poder concedente dê essas diretrizes. dade e a inclusão das metas que foram
O novo marco legal também precisa ter instituídas.
uma nova ideia de como tratar a regulação O atual momento é de transformações
de tarifa do setor, principalmente a tarifa no saneamento brasileiro e a Aesbe possui
em relação as estatais, pois, para evoluir no um papel fundamental no progresso das
setor de saneamento é necessário ter uma ações desenvolvidas para a universalização.
tarifa adequada. Além disso, a legislação A busca pelo aperfeiçoamento do setor, por
deveria, também, ter incentivado o sanea- meio do estímulo ao desenvolvimento de
mento rural. É fundamental um programa ferramentas e tecnologias que possibilitem
de universalização dos serviços de sanea- a melhora na execução e no planejamento
mento para essas áreas. de serviços de saneamento no país, é um
O estabelecimento das diretrizes e o papel essencial exercido pela associação. E
financiamento das instituições oficiais, no as companhias estaduais vão continuar a
que tange o estímulo à desburocratização atuar e trabalhar significativamente para o
dos acessos a recursos, também não foi alcance das metas estabelecidas, porém, são
contemplado e é extremamente necessário ainda necessários ajustes para que a meta
para destravar investimentos. seja, de fato, factível.
Neuri Freitas,
diretor-presidente da Aesbe

ANO XV • 2022 • N. 41 3
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O podcast do saneamento
Um bate-papo sobre saneamento de forma leve e
informativa. A cada semana, especialistas falam sobre
temas como água, esgotamento sanitário, resíduos
sólidos, universalização e regulação.

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SUMÁRIO

16 MATÉRIA DE CAPA
ESTUDO LANÇADO PELA AESBE
REFORÇA DISCREPÂNCIA ENTRE
DADOS DO SNIS E PLANSAB

6 AESBE EM AÇÃO 22 ESPECIAL 31 SUSTENTABILIDADE


Confira os destaques As mulheres na liderança do Setor de saneamento desponta
nas ações da Aesbe saneamento como um dos aliados da sociedade
no combate aos efeitos das
10 CÂMARAS TÉCNICAS 26 ESPECIAL mudanças climáticas
Câmara Técnica de Ouvidoria é Os profissionais do saneamento
criada pela Aesbe para aperfeiçoar e são fundamentais para o 37 OPINIÃO
valorizar o trabalho desempenhado desenvolvimento do país Relações étnico-raciais, educação
pelas companhias estaduais de e mulheres: importância
saneamento 29 EVENTOS das políticas afirmativas no
Aesbe reúne presidenciáveis em saneamento básico
12 ENTREVISTA Brasília para debater saneamento
Meta para universalizar o saneamento
até 2033 é irreal, afirma o especialista
Wladimir Antonio ribeiro

EXPEDIENTE

Coordenação Editorial: Neuri Freitas (Cagece/CE). Projeto Editorial e Design Gráfico: Foco 21 Comunicação. Redação: Rhayana Ferreira Araújo, Michelle Khar Sidy Dioum e
Foco 21 Comunicação. Revisão: Neuri Freitas, Rhayana Araújo e Sergio Antonio Gonçalves e Foco 21 Comunicação. Imagens: Arquivo Aesbe, Arquivo Cagece, Arquivo Casan,
Arquivo Compesa, Arquivo Sanesul, Arquivo Pessoal. Impressão: Gráfica e Editora Athalaia. Tiragem: 10.000 exemplares. Diretor-Presidente: Neuri Freitas (Cagece/CE).
Diretores-Vice-Presidentes Regionais: Roberto Sérgio Ribeiro Linhares (Caern/RN), Manuela Marinho (Compesa/PE), Ricardo Soavinski (Saneago/GO), James da Silva Serrador
(Caer/RR), Roberta Maas (Casan/SC). Conselho Fiscal: Rogério Cedraz (Embasa/BA), Pedro Cardoso (Caesb/DF), Armando do Valle (Cosama/AM).
Equipe Aesbe: Antonio Costa de Lima Junior - Assessoria Jurídica e Secretaria Executivo em Exercício; Rhayana Ferreira Araújo - gerente de Comunicação; Marcos Monteiro de
Oliveira –Informática; Lisiene Goulart de Souza - Secretaria; Michelle Khar Sidy Dioum - estagiária de Comunicação; Maria da Cruz Campos Matos de Souza - Serviços Gerais.

ANO XV • 2022 • N. 41 5
AESBE EM AÇÃO

PRESIDENTE DA AESBE
DEBATE CONTABILIDADE
REGULATÓRIA NO SETOR
O presidente da Associação Brasileira das
Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe),
Neuri Freitas, participou da reunião inaugural
do Comitê Técnico Saneamento do Instituto
dos Contadores do Brasil (ICBR), no mês de

AESBE PARTICIPA DE PAINEL


março de 2022. O encontro reuniu contadores
e outros profissionais que atuam na área de
saneamento para tratar temas relacionados à
contabilidade regulatória no contexto do novo

SOBRE O NOVO MARCO


Marco Legal do Saneamento Básico.
Entre as temáticas que nortearam a reunião,
esteve a discussão da melhor metodologia
para regulamentar a indenização de
ativos das empresas prestadoras do
serviço de saneamento. Durante o
encontro, o presidente da Aesbe realizou
uma apresentação sobre o Novo Marco
REGULATÓRIO DO SANEAMENTO
Regulatório do Saneamento a partir de uma
visão contábil, apresentando metodologias
possíveis para registrar e contabilizar ativos NO CONGRESSO NACIONAL DO
MINISTÉRIO PÚBLICO
de forma justa. Além disso, o presidente
também apresentou a Aesbe e o papel da
associação na representação institucional das
empresas estaduais de saneamento.

O presidente da Aesbe e da Companhia de


Água e Esgoto do Ceará (Cagece), Neuri Freitas,
participou de painel sobre a atuação do Ministério
Público na implantação do novo Marco
Regulatório do Saneamento Básico, durante a
programação do XXIV Congresso Nacional do
Ministério Público, realizado no mês de março de
2022 em Fortaleza (CE).
A mesa de discussão teve participação de
players importantes do setor de saneamento,
assim como promotores de justiça de diversos
estados e outros representantes do Ministério
Público. O encontro teve o objetivo de
promover uma troca de informações e debater
acerca das problemáticas e desafios em torno do
cumprimento da legislação vigente.

6 SANEAR
AESBE EM AÇÃO

AESBE CONTRATA NOVO


SECRETÁRIO EXECUTIVO
DA ENTIDADE
O engenheiro Sergio Antonio Gonçalves assumiu no dia
16 de maio a Secretaria Executiva da Aesbe. Ele passou
por um Processo Seletivo, realizado por meio de uma
empresa de Recursos Humanos. A contratação de Sergio
foi aprovada, por unanimidade, durante a 1ª Assembleia
Geral Ordinária (AGO) e da Diretoria da Aesbe de
2022, realizada no dia 5 de maio.
Com 34 anos de atuação no setor de saneamento, Sergio
AESBE PRESENTE NO
possui vasta experiência profissional. Iniciou sua carreira
no setor de saneamento em 1988, na Companhia de
Águas e Esgotos de Roraima (Caer). Exerceu cargos de 50º CONGRESSO
DA ASSEMAE
Direção em Saneamento Básico, Recursos Hídricos e
Meio Ambiente no Ministério das Cidades; Ministério
do Meio Ambiente; Ministério do Planejamento e na
Autoridade Pública Olímpica.
A Aesbe esteve presente no
50º Congresso Nacional de Saneamento,
realizado em Porto Alegre (RS), de 9 e
13 de maio de 2022. A vice-presidente
da entidade e presidente da Companhia
Catarinense de Águas e Saneamento
(Casan), Roberta Maas, integrou um
Painel e uma Mesa Redonda, que
debateram temas relevantes para o
setor de saneamento. A vice-presidente
também participou da Cerimônia de
Abertura do evento, que foi realizado
pela Associação Nacional dos Serviços
Municipais de Saneamento (Assemae).
Além disso, a Aesbe teve um estande
na Feira de Saneamento, que ocorreu
junto ao Congresso, em que apresentou
edições da Revista Sanear. O exemplar
traz temas importantes sobre o setor
de saneamento, bem como fortalece a
atuação das Companhias Estaduais de
Saneamento – associadas Aesbe.

ANO XV • 2022 • N. 41 7
AESBE EM AÇÃO

AESBE REALIZA O II SEMINÁRIO NACIONAL DE


PRÁTICAS COMERCIAIS, EM GRAMADO (RS)
Com apresentação de 33 palestras técnicas, o II Seminário
Nacional de Práticas Comerciais reuniu mais de 200
pessoas em Gramado (RS) no mês de junho. Realizado
Aesbe e Companhia Riograndense de Saneamento
(Corsan), o evento foi organizado pela Câmara Técnica
Comercial da entidade.
O seminário foi realizado nos dias 14 e 15 de junho no Centro
de Eventos do Hotel Resort Wish Serrano, localizado em
Gramado (RS), e contou com a presença do presidente da
Aesbe, Neuri Freitas, do presidente da Corsan, Roberto
Barbuti, e de demais líderes do saneamento brasileiro,
como presidentes de companhias estaduais, diretores e
colaboradores das associadas Aesbe, que debateram diversos
temas relevantes para o setor, e compartilharam muitos
cases de sucesso.

8 SANEAR
AESBE EM AÇÃO

AESBE REALIZA CURSO DE ANÁLISE


DE CONTAS DE ENERGIA ELÉTRICA
A associação realizou, de 10 a 12 de agosto, o
curso de Análise de Contas de Energia Elétrica –
Aplicação da Resolução Normativa Nº1000/2021 da
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANNEL),
na Redução de Custos com Energia Elétrica ao
Setor de Saneamento. A capacitação foi realizada na
modalidade EAD, direto da sede da associação, em
Brasília (DF), com participação de 28 integrantes da
Câmara Técnica de Desenvolvimento Operacional
(CTDO) da Aesbe.
Em formato exclusivo, o curso foi ministrado por José
Ribamar Serejo, analista de Tecnologia da Informação,
economista graduado pela Universidade Federal do AESBE ASSINA ACORDO DE
COOPERAÇÃO TÉCNICA COM ABAR
Maranhão (UFMA), que já ministrou com sucesso mais
de 20 treinamentos sobre as Resoluções Normativas da
ANEEL, e exerceu, entre outras atividades, as funções
de assessor da Presidência da Companhia de Águas e
Esgotos do Maranhão (Caema), gerente da Divisão de A Associação Brasileira das Empresas Estaduais de
Microinformática, e atuou ainda no desenvolvimento Saneamento (Aesbe) celebrou Acordo de Cooperação
e na implantação de sistemas energéticos, com Técnica com a Associação Brasileira de Agências de
experiência na área de redução de custos com energia Regulação (Abar). O documento, oficializado no mês de
elétrica há mais de 20 anos. agosto, possui a finalidade de concessão de desconto de 30%
nos cursos e eventos oferecidos pelas entidades.
O termo abrange as ações de divulgação e procedimentos
de inscrição que permitam aos associados, membros efetivos
das entidades, participarem, em condições especiais, dos
eventos de capacitação e atualização profissional promovidos
pelas instituições, incluindo congressos, seminários e cursos
de capacitação.

AESBE APOIA
INSTITUCIONALMENTE A
BRAZIL WATER WEEK
A Associação Brasileira das Empresas Estaduais de
Saneamento (Aesbe) apoiou institucionalmente a Brazil
Water Week (BWW) – Semana da Água do Brasil,
realizada pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária
e Ambiental (ABES), de 23 a 27 de maio.

ANO XV • 2022 • N. 41 9
CÂMARAS TÉCNICAS

AESBE CRIA CÂMARA TÉCNICA DE INOVAÇÃO

I
NOVAR É A PAUTA EM TODAS AS aprimoramento, readequação e inovação das metas”, afirma o presidente.
ÁREAS E UMA PRIORIDADE PARA O do setor e de todas as Câmaras. Sergio Gonçalves, secretário executi-
SETOR. A busca pela universalização De acordo com o presidente da Aes- vo da Aesbe, destaca o papel fundamental
evidencia os novos desafios e oportuni- be, Neuri Freitas, o setor de saneamento da CTI. “Essa Câmara vai auxiliar todas
dades do saneamento brasileiro. Duran- passa por uma fase muito desafiadora e as áreas das companhias associadas à Ae-
te a 3ª Assembleia Geral Extraordinária a criação da Câmara Técnica de Inova- sbe para que elas possam não só repensar
da Diretoria da Associação Brasileira ção é muito importante para o momento. o processo que está sendo feito hoje e
das Empresas Estaduais de Saneamen- “Temos um desafio grande para garan- aperfeiçoá-los, como também implemen-
to (Aesbe), realizada no Rio Grande do tirmos a universalização dos serviços de tar novas tecnologias e novos produtos
Sul, no município de Gramado, em ju- saneamento até 2033. Por isso, temos que para que possamos prestar cada vez mais
nho, foi criada a Câmara Técnica de Inova- começar a repensar toda a nossa forma um serviço de excelência”, exclama.
ção (CTI) da Aesbe. A Câmara foi lançada de atuação, e a inovação é essencial para De acordo com Antonio Costa Lima
oficialmente no dia 18 de agosto, durante o aprimoramento do conhecimento, para Junior, assessor Jurídico da Aesbe e in-
cerimônia realizada em Fortaleza (CE). pensar em soluções que tragam eficiência centivador da criação da CTI, debater
Com o objetivo de viabilizar um am- operacional para as companhias, que re- inovação é essencial para o momento de
biente de compartilhamento das práticas duza custos de investimentos e garantam transformação e desenvolvimento que o
inovadoras em desenvolvimento, a CTI tarifas que sejam suficientes para gerar o setor enfrenta atualmente.
buscará identificar as necessidades de resultado necessário para o atingimento “A inovação é um item preponderante

10 SANEAR
CÂMARAS TÉCNICAS

Eleição para
Coordenação e
Secretaria da CTI

Durante a reunião de lançamento da câmara foi


realizada a eleição para ocupação do cargo de
coordenação e secretaria da CTI. Ronner Braga Gondin,
superintendente de Sustentabilidade da Cagece, foi eleito
o coordenador da Câmara, e Fuad Moura Guimarães
Braga, superintendente de Projetos Especiais e Novos
Negócios da Companhia de Saneamento Ambiental do
Distrito Federal (Caesb), foi eleito o secretário da CTI.
“Fiquei muito feliz pela possibilidade de coordenar
um grupo com profissionais tão capacitados e uma
Câmara tão importante. Vamos trabalhar para entender
na atualidade, nas empresas de saneamento e em todos os desafios de cada empresa e identificar as possíveis
os cenários. A busca pela inovação é o caminho para soluções para avançarmos em diversos segmentos do
potencializar resultados com o menor custo e encon- setor. Vamos precisar muito da inovação para garantir a
trar alternativas que sejam mais sustentáveis. A CTI sustentabilidade dos trabalhos dentro das companhias,
trabalhará com o aprimoramento para o alcance de para poder vencer os desafios da universalização dos
melhores resultados e objetivos”, pontua Antonio. serviços”, afirmou Ronner Gondin.
A busca pela inovação no setor será um dos principais O secretário da CTI, Fuad Moura, ressalta a
objetivos da CTI, juntamente com a integração e a plura- importância da possibilidade de troca de experiências
lidade de experiências. “A inovação é transversal, permeia entre as companhias. “O setor de saneamento vive um
tudo. A nossa Câmara é bem diversa, conta com pessoas momento chave, em especial as companhias estaduais,
de todas as áreas, planejamento, comércio, operacional, em que cada vez mais nos é exigido comprovação de
contabilidade, ou seja, a discussão será sempre plural”, capacidade. E as empresas que não inovarem, estarão
conclui o assessor Jurídico da Aesbe, Antonio Lima. sempre obtendo os mesmos resultados. A gente vai buscar
Dentre as diretrizes da nova Câmara, está a facili- a troca de experiências para sistematizar e aprimorar
tação e estimulação das ações de inovação que visem a os processos das diferentes áreas, contando com esse
implementação constante de novas tecnologias, em to- elemento chave que é a inovação”, frisou Fuad.
dos os níveis organizacionais, e gerem práticas voltadas
a automação e a tecnologia.

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ENTREVISTA

META PARA UNIVERSALIZAR


O SANEAMENTO ATÉ
2033 É IRREAL, AFIRMA O
ESPECIALISTA WLADIMIR
ANTONIO RIBEIRO
O advogado fala sobre o Novo Marco Legal,
saneamento rural e as políticas necessárias para
a universalização no Brasil

WLADIMIR

E
ANTONIO RIBEIRO
M ENTREVISTA PARA A REVISTA que você tributa os mais ricos para produzir
SANEAR, O ADVOGADO ESPECIALI- serviços e bens essenciais aos mais pobres”.
ZADO EM RESÍDUOS E SANEAMEN- Ele também reflete sobre a necessidade
TO BÁSICO, WLADIMIR ANTONIO de criar uma lei para o saneamento rural e
Sócio da banca Manesco, RIBEIRO, REFLETE SOBRE ESTES aponta que o tema foi esquecido no novo
Ramires, Perez, Azevedo DOIS ANOS DE IMPLEMENTAÇÃO marco regulatório.
DO MARCO LEGAL E OS INVESTI-
Marques - Sociedade de
MENTOS NECESSÁRIOS PARA QUE Leia a entrevista completa:
Advogados
O BRASIL ALCANCE A UNIVERSALI-
Graduado pela Faculdade de
ZAÇÃO DOS SERVIÇOS. Ribeiro foi Revista Sanear – Como o senhor vê o
Direito do Largo S. Francisco consultor jurídico para o Governo Federal cenário do saneamento do Brasil nes-
(USP) na turma de 1990, é na elaboração e regulamentação da Lei te período pós-implantação do mar-
mestre em ciências jurídico- Nacional de Saneamento Básico, a lei nº co? O novo marco, em termos efetivos
-políticas pela Universidade 11.445, de 2007, e da Lei de Consórcios de investimentos, não produziu resultados
de Coimbra. Foi consultor do Públicos, nº 11.107, de 2005. ainda, até porque esse período de dois anos
Governo Federal na elabora- Para ele, sem recursos fiscais não é é muito pouco para ter produzido resulta-
ção da Lei 11.107/2005 - Lei possível realizar os investimentos neces- dos. Então, a gente está numa fase, na ver-
de Consórcios Públicos, da sários para que o Brasil alcance a univer- dade, de preparação para que esses resulta-
Lei 11.445/2007 - Lei Nacio- salização até 2033. “Seria viável se você ti- dos possam acontecer.
vesse um determinado aporte de recursos Os projetos que foram licitados, os
nal de Saneamento Básico;
fiscais; como o Brasil está numa crise fis- contratos que foram assinados, todos eles
e da Lei 12.305/2010- Lei da
cal, uma crise econômica, não tem como estavam sendo modelados antes do novo
Política Nacional de Resídu-
mobilizar esse recurso para fazer esse in- marco. O que o marco fez foi, na verdade,
os Sólidos. É consultor na vestimento”. estimular esses projetos anteriores para que
estruturação de projetos de E completa: “A tarifa tem limites e o fossem concluídos.
investimentos, regulação e melhor caminho para produzir saneamento Então, o que a gente pode dizer é que,
na modelagem de contratos em algumas áreas é redistribuir a renda. Um de um lado, ainda não chegou a produzir
de saneamento básico. dos meios para fazer isso é o tributário, por- resultados efetivos, mas estimulou alguns

12 SANEAR
E N T ÚR LE TV I I MS AT SA

resultados de projetos que estavam sendo


modelados antes dele, e do outro, vem cau-
“O panorama hoje é de a gente tem o exemplo mais conhecido de
Itu, município do interior de São Paulo, em
sando algumas séries de dificuldades de in- uma diminuição do nível que a concessão de água e esgoto fracassou
vestimento dos prestadores públicos.
Da prestação do serviço de água no
global de investimentos, e o município teve que retomar o serviço,
em uma conjuntura bastante dramática, e
Brasil, 90,09% é de prestadores públicos, até porque a economia do recriar um prestador público, que está hoje
9,01% é de prestadores privados. Os in-
vestimentos privados vêm subindo, com
Brasil também está com cuidando do serviço em Itu. Também no
setor de infraestrutura a gente vê o fracas-
um estímulo para que suba; enquanto, dificuldades. A expansão so de concessões, vê o caso das concessões
do outro lado, os prestadores públicos ti-
veram investimentos relevantes, mas em
do PIB e a questão do dos aeroportos, em que os aeroportos estão
sendo devolvidos para a Infraero. E mais
nível menor do que poderia ter aconteci- equilíbrio das contas recentemente, a dificuldade de se viabilizar
do, porque o novo marco tem dificultado
esses investimentos. Como os prestadores
públicas estão diretamente concessões no setor de rodovias.
O que fica claro, é que o setor privado
públicos são hegemônicos, o quadro geral relacionadas com qualquer precisa de bons projetos, que gerem segu-
é de uma diminuição do nível global de
investimentos no saneamento, como indi-
setor de infraestrutura, rança e retorno. E nem todas as atividades
que estão a cargo do poder público são ca-
cam as estatísticas. em especial o setor de pazes de produzir esse retorno. Uma ativi-
O panorama hoje é de uma diminuição
do nível global de investimentos, até por-
saneamento básico. “ dade pública, de alguma forma, precisa ter
a responsabilidade pública, seja financeira,
que a economia do Brasil também está com seja na concepção dos projetos... A grande
dificuldades. A expansão do PIB e a ques- acho que isso não é ruim, porque as nor- questão que fica em relação às concessões
tão do equilíbrio das contas públicas estão mas precisam ter qualidade e a produção é: será que o brasileiro, com a renda que
diretamente relacionadas com qualquer se- realmente é um esforço que demanda um tem, consegue pagar as tarifas - sem pres-
tor de infraestrutura, em especial o setor de tempo grande. Na verdade, o novo marco sionar a renda familiar-, que permitam
saneamento básico. O saneamento se bene- criou uma expectativa e um cronograma custear o esforço de universalização num
ficiaria muito de uma volta do crescimento de normas de referências irreal. O outro prazo curto? Porque o que falta ser feito
econômico e uma política econômica mais grande desafio é produzir essas normas de no saneamento no Brasil é nas áreas mais
estável no Brasil. referência para regulação de serviço, com pobres, do seminário nordestino, da peri-
qualidade e fazer com que elas se efetivem. feria das grandes cidades.
Revista Sanear – Após dois anos de vi- Em terceiro lugar, consolidar o pro- Os investimentos na produção de
gência (completados no mês de julho), cesso de regionalização. Hoje, o cenário água tendem a ser mais elevados e a po-
quais são os principais desafios, en- é que a regionalização no Brasil só deu pulação não atendida hoje é, justamente,
traves e avanços do novo marco? Acho certo em estados que adotaram o mo- a população mais pobre, que tem menor
que são três os principais desafios após o delo da microrregião. Os estados que renda e menor capacidade de pagar ta-
marco. O primeiro é esse: como fazer com adotaram outros modelos de regiona- rifas. Então, fazer o investimento para
que os investimentos privados continuem lização fracassaram. Então, acho que o atender essa parcela da população é um
estimulados, mas sem que os investimentos governo federal deveria estimular o uso desafio muito grande.
públicos sejam inviabilizados. Nós temos da microrregião mais do que os outros O novo marco fala em 2033 [para a
que manter os investimentos públicos sus- instrumentos. Talvez esse ponto do novo universalização], mas ninguém até agora
tentáveis, de boa qualidade - não faz senti- marco tenha fracassado mesmo, talvez mostrou como é viável fazer esse investi-
do inviabilizar esses investimentos, porque devesse ser revisto efetivamente. mento até 2033. O único estudo sério sobre
também são importantes -, permitindo, ao como produzir investimentos é o do passa-
mesmo tempo, os investimentos privados. Revista Sanear – Há exemplos inter- do Plano Nacional de Saneamento Básico
Esse é o primeiro grande desafio e o novo nacionais em que a privatização do (PLANSAB), que prevê um montante de
marco precisa até ser corrigido em alguns saneamento não conseguiu cumprir investimento público elevado. Por exemplo,
aspectos, para estimular esse volume de in- o prometido e o serviço precisou ser no caso de esgotamento sanitário, para o
vestimentos. reestatizado. Como a legislação previ- país universalizar, no mínimo 60% dos in-
Em segundo, a atividade das normas ne a garantia da eficácia nos serviços vestimentos precisam ser de recursos dos
de referência a cargo da ANA - Agência sem o aumento das tarifas? E não há só impostos. Pelo PLANSAB, não é viável
Nacional de Águas e Saneamento Básico exemplos internacionais de concessões de manter a modicidade tarifária e conseguir
está em uma velocidade muito lenta. Eu saneamento que deram errado. No Brasil, universalizar sem que haja essa participa-

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40 13
EÚ NL T IR ME AV SI S T A

ção de investimentos fiscais. Claro que esse Os países que têm se esforçado para o PLANSAB, seria viável se você tivesse
investimento pode ser recebido por um universalizar, no mundo inteiro, sempre um determinado aporte de recursos fiscais;
prestador público, um prestador privado, usaram recurso fiscal, recurso do orçamen- como o Brasil está em uma crise fiscal, uma
uma obra, há várias formas de aplicar esse to nacional ou do orçamento federal. crise econômica, não tem como mobilizar
recurso. O que fica claro é que a tarifa é O Chile tem uma política de subsídios, esse recurso para fazer esse investimento.
insuficiente para esse esforço. Os estudos a Colômbia também e na Europa, o esgo- O plano previu o cumprimento da meta,
até agora mostram isso. tamento sanitário, a estação de tratamento se houvesse certas condições. Como certas
Então, essas concessões que estabelecem de esgoto na Alemanha, na Bélgica, em condições não se confirmaram, fica inviável
que tudo vai ser feito com recurso da tarifa, Bruxelas onde tem a sede da União Euro- tecnicamente alcançar a meta.
eu tenho uma certa desconfiança. E como peia, todos os investimentos foram feitos Eu acho que, como utopia, nós temos
tivemos casos recentes de concessões que com recursos fiscais. que universalizar no menor prazo possível,
fracassaram, como no caso da concessão do Quer dizer, a tarifa não é capaz de su- isso precisa ser a nossa diretriz. Deve haver
aeroporto de Viracopos ou do aeroporto de portar esse investimento. Então, eu acho o esforço para universalizar o quanto antes,
São Gonçalo do Amarante, no Rio Gran- que há um problema de sustentabilidade porque uma população sem acesso à água, ao
de do Norte, em que a concessionária até econômico-financeira muito séria no setor esgotamento sanitário tem seus direitos es-
devolveu a concessão, eu acho que deve ter de saneamento. Aqueles que acreditam que senciais prejudicados, são serviços públicos
um certo cuidado. Até porque, se nós não vai ser uma mágica universalizar, que o di- diretamente vinculados à concepção do que
modelarmos bons projetos viáveis, o setor nheiro vai cair do céu, isso não é verdade. é dignidade da pessoa humana. Isso coloca o
privado pode achar que saneamento no Bra- A tarifa tem limites e o melhor cami- Brasil em um problema que é do século 19,
sil é muito arriscado e o custo de implantar nho para produzir saneamento em algumas século 20 e, para a economia brasileira, não
projetos desse tipo, o custo de capital, vai áreas é redistribuir a renda e um dos meios é razoável ter esse problema no século 21.
acabar incorporando essa percepção de risco para fazer isso é o tributário, porque você
e, portanto, dificultando o acesso aos recur- tributa os mais ricos para produzir serviços Revista Sanear – Poderia citar locais
sos, tornando mais caro investir. e bens essenciais aos mais pobres, é para do Brasil que precisam de mais inves-
Por isso essa é uma questão central: isso que serve o sistema tributário. timento? E o que precisa ser feito para
como fazer os projetos serem mais viáveis, que eles sejam atendidos? Olha, o dé-
mas com um pé no mundo real? Pensando Revista Sanear – O novo marco regu- ficit de saneamento está concentrado em
qual a distribuição de renda do Brasil, qual latório prevê que o país alcance a uni- cidades pequenas e periferias das grandes
o desafio de investimento do Brasil e se a versalização do saneamento até 2033. cidades, na má distribuição de renda. Ou
população tem a capacidade de pagar tari- O senhor acredita que essa meta pode seja, há uma correlação entre má distri-
fas para custear todo esse esforço em um ser alcançada? Quais são os principais buição de renda nos territórios e déficit do
prazo tão curto e, se não tiver essa capacida- mecanismos, políticas e estratégias acesso ao serviço de abastecimento de água
de, a gente vai ter que adotar um outro mo- para que isso se realize? Olhando hoje, e esgotamento sanitário. Isso mostra que a
delo com uma espécie de subsídio público. a meta de 2033 é inviável. Se a gente olhar questão não é só do saneamento.
É preciso ter uma política habitacional
de regularização fundiária adequada para
que, por exemplo, na periferia das grandes
cidades ou regiões metropolitanas, a gente
possa fazer com que a população acesse o
serviço. A questão não é do prestador pú-
blico ou privado, mas de haver ou não uma
política habitacional e de regularização
fundiária que permita que essas famílias se
integrem à vida urbana e tenham acesso a
esses serviços essenciais. Esse é o entrave, o
fato de grande parcela da população não ter
uma moradia adequada, o saneamento é a
consequência dessa ausência.
Outro desafio enorme são as popula-
ções rurais; é um Brasil que foi esquecido
e, do ponto de vista do saneamento, pre-
cisa ter características próprias, o serviço

14 SANEAR
E N T ÚR LE TV I I MS AT SA

deve ser gerido de uma maneira diferente


do serviço urbano. Quando a gente fala de
“A grande questão também afeta negativamente o saneamento
rural e o saneamento das áreas quilombo-
população rural, as pessoas pensam no rural que fica em relação às las, reservas extrativistas, áreas indígenas;
do IBGE, não é esse; para o saneamento
básico, qualquer município que tenha me-
concessões é: será que o dos povos tradicionais do Brasil, que foram
esquecidos pela política de saneamento bá-
nos de vinte mil habitantes é rural. Se o brasileiro, com a renda sico. Já não foram muito lembrados na ver-
município tem quinze mil habitantes, não
tem saneamento urbano, todo o saneamen-
que tem, consegue pagar são original da 11.445 e com o novo marco
acabaram realmente ficando de fora. Acho
to é rural, porque a forma de conseguir o as tarifas - sem pressionar que o novo marco precisa ser corrigido para
serviço, a soluções tecnológicas, a forma de
operar o serviço, a capacidade da população
a renda familiar-, que atender a essa população, com o saneamen-
to rural nessas áreas, porque eles também
desse tipo de assentamento de pagar tari- permitam custear têm direito ao saneamento.
fas, levam a um modelo que precisa ter um
subsídio fiscal mais evidente. Não dá pra
o esforço de Revista Sanear – Como o senhor vê a
achar que as tarifas vão custear esse serviço. universalização num integração dos conceitos ESG (sigla em
Então, como a gente mistura tudo, sa-
neamento urbano com saneamento rural, o
prazo curto?” inglês para meio ambiente, social e go-
vernança) ao setor? O saneamento bási-
déficit fica um pouco mascarado, por isso co, por definição, é uma política ESG. O
é importante separar essas duas políticas e verdade, o novo marco teve um equívoco que significa ESG? Colocar princípios de
entender que o setor rural precisa de mais na elaboração e acabaram revogando uns proteção ambiental e de integração social
investimento - e mais investimento fiscal do parágrafos do artigo 10 da lei 11.445, o na atividade econômica.
que o investimento tarifário. As periferias que prejudicou muito o saneamento rural. Uma atividade econômica que busca o
das grandes cidades precisam de mais inves- Foi um engano na tramitação legislativa. lucro pode não ter esses valores, mas um
timento habitacional, com os recursos fiscais Então, a gente ainda prejudicou o sanea- serviço público - que é uma atividade pú-
envolvidos, e também de saneamento. mento rural pela tramitação tanto quanto blica por definição e só pode ser prestada
No semiárido nordestino, pelas próprias atabalhoada, que pelo debate e polêmica pelo próprio poder público ou por aqueles
características do semiárido, o acesso à água acabou criando um ambiente menos téc- que o poder público escolheu -, estrutural-
é muito mais difícil, o custo da água é mais nico e mais descuidado nesse aspecto do mente, já tem o ESG em seu DNA.
difícil. A transposição do rio São Francis- saneamento rural. Pois isso, acho que o O saneamento, por si só, quando bem
co ajudou em certa medida. E observe que saneamento rural precisaria ter uma lei implantado, melhora a qualidade ambien-
a transposição foi paga com recursos fiscais exclusiva, para podermos pensar de ma- tal. Não adianta fazer, por exemplo, rede de
no orçamento geral da União, então foi uma neira separada, longe das polêmicas que coleta de esgoto sem tratamento, porque
espécie de subsídio que está viabilizando o permeiam o saneamento urbano e ter uma você vai concentrar os poluentes e causar
acesso à água a essas regiões, mas isso precisa proposta mais adequada. até um problema ambiental, nesse caso, é
ser aperfeiçoado e complementado. O Brasil, por incrível que pareça, tem melhor ficar sem a coleta, deixar dispersa,
boas experiências no saneamento rural, com menor impacto, do que concentrá-la.
Revista Sanear – Como o Marco garante como com o SISAR, o Sistema Integrado Mas quando é bem feitinho, ou seja, com
o acesso aos serviços de água, esgoto e de Saneamento Rural, no Ceará, que aten- tratamento, já é política ambiental por de-
coleta de resíduos em em áreas rurais, de 630 mil pessoas. Não é uma experiência finição e é social, porque, no caso do Brasil,
menos povoadas? Essas áreas podem piloto, é uma política pública consolidada, está excluída do serviço de saneamento bá-
se beneficiar do novo marco? O novo abrangente, de como atender o saneamen- sico a população mais pobre. Então, natu-
marco não fala sobre o saneamento rural. to rural do estado do Ceará. Temos boas ralmente, quando a política pública de sa-
Na verdade, o saneamento rural foi esque- experiências, precisamos estruturar melhor neamento é bem executada, ela incorpora
cido. A própria lei 11.445 também não tem essas experiências e dar um uma prática os conceitos de ESG.
o saneamento rural como um dos temas institucional mais adequada. Ou seja, quem investir nos projetos de
que foram bem disciplinados por ela. Na O apoio que o saneamento rural tinha saneamento está investindo em melhoria
verdade, o Brasil tem uma lacuna do ponto na Funasa - Fundação Nacional de Saúde ambiental, está investindo na redução da
de vista institucional e precisa de uma polí- vem desaparecendo. Até porque a Funasa desigualdade social. Nesse mercado novo,
tica de saneamento rural. vem sendo extinta de maneira não planeja- o saneamento básico realmente é uma das
Há uma iniciativa de recurso da FU- da. Hoje ela tem menos de 300 funcionários atividades mais atraentes para os investido-
NASA, mas o novo marco não trouxe efetivos para cobrir o Brasil inteiro, no pas- res que querem ganhar dinheiro de forma
nenhuma novidade nesse patamar. Na sado tinha 4000 funcionários. Então, isso sustentável e preservar esses valores.

ANO XV • 2022 • N. 41
40 15
MATÉRIA DE CAPA

16 SANEAR
MATÉRIA DE CAPA

ESTUDO LANÇADO PELA AESBE REFORÇA


DISCREPÂNCIA ENTRE DADOS DO
SNIS E PLANSAB
A Aesbe defende a institucionalização e atualização
periódica do Plano Nacional de Saneamento Básico
(Plansab), que é um importante instrumento do Governo
Federal para se chegar à Universalização

ANO XV • 2022 • N. 41 17
MATÉRIA DE CAPA

A
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA de lixo e manejo de resíduos sólidos,
DAS EMPRESAS ESTADU- drenagem e manejo das águas plu-
AIS DE SANEAMENTO (AE- viais urbanas, e possui o horizonte
SBE) LANÇOU, EM AGOSTO de 20 anos (2014 a 2033).
DE 2022, O ESTUDO “ANÁ- O Plano parte de uma Análise
LISE DAS POPULAÇÕES Situacional com ênfase no déficit
ATENDIDAS E NÃO ATEN- em saneamento básico e de um
DIDAS COM OS SERVIÇOS estudo de cenários para a política
DE ÁGUA E ESGOTOS NO de saneamento básico no país e, a
BRASIL - COM BASE NAS partir daí, estabelece metas para
INFORMAÇÕES CONTIDAS NO os anos de 2023 e 2033 (horizon-
PLANSAB 2017 E NO SNIS 2017 te final). O Plano também apre-
A 2020”, feito sob a consultoria senta Estratégias que orientam a
do engenheiro Adauto Santos. As atuação dos agentes do setor, em
análises apresentam discrepâncias especial o Governo Federal, e que
verificadas entre os números pu- foram utilizadas como referên-
blicados na imprensa desde 2020, cia para o delineamento dos três
com base no SNIS, que diferem Programas: Saneamento básico
significativamente daqueles conti- integrado - Infraestrutura urbana;
dos no Plano Nacional de Sanea- Saneamento rural e Saneamento
mento Básico (Plansab) de 2017, Estruturante.
elaborado pelo Governo Federal. Para se definir os índices de
O Plansab é o documento atendimento e de déficits, o Plansab
oficial de planejamento da políti- adota as seguintes premissas:
ca federal de saneamento básico, • considera as soluções individu-
publicado no site do Ministério ais como acesso adequado aos
do Desenvolvimento Regional serviços de água e esgotos.
(MDR), e consiste no planejamen- • adota como fonte de dados o
to integrado do saneamento básico Censo 2010 combinado com as
considerando seus quatro compo- variações anuais da PNAD; e
nentes: abastecimento de água po- • considera informações de todos
tável, esgotamento sanitário, coleta os 5.570 municípios brasileiros.

18 SANEAR
ÁGUA
Novos habitantes urbanos: 14,7 milhões
Novos habitantes rurais: 21,8 milhões
Estima-se que 13,7 milhões de habitantes
rurais vivem sem aglomeração

ESGOTO
Novos habitantes urbanos: 67,1milhões
Novos habitantes rurais: 30,1 milhões
Estima-se que 18,9 milhões de habitantes
rurais vivem sem aglomeração

DESAFIOS DÉFICIT EM ÁREAS URBANAS


população de baixa renda, residentes em
áreas periurbanas com baixa densidade,
bem como áreas não urbanizadas ou
núcleos urbanos informais, muitas vezes
em situações de risco.

ÁREAS RURAIS,
PRINCIPALMENTE, SEM AGLOMERAÇÃO
Soluções individuais para água: poços,
nascentes ou cisternas de água de chuva;
para esgotos fossas sépticas seguidas de
sumidouro ou vala de infiltração.

Tais comparações evidenciam que no Plano Nacional, documento oficial em consideração soluções individuais,
os déficits amplamente divulgados na do Governo Federal. Tanto é assim indicadas para as populações rurais
grande mídia e por representantes do que quando se divulga o montante de dispersas. Com relação ao esgota-
Governo Federal, que se utilizam dos recursos necessários, o valor informa- mento sanitário, as soluções individu-
valores do SNIS, não são consistentes do é o do Plansab. ais, além das áreas rurais, também se
com o Plansab, mesmo sabendo-se Destaca-se, ainda, que o concei- mostram viáveis para áreas de baixas
que o desafio posto para o setor sanea- to adotado no Plansab se apresenta densidades populacionais e pequenos
mento brasileiro é aquele quantificado como mais consistente, pois levam municípios.

ANO XV • 2022 • N. 41 19
MATÉRIA DE CAPA

BRASIL, 2017 - PLANSAB


% DE DOMÍCILIOS ABASTECIDOS COM ÁGUA POR REDE DE % DE DOMÍCILIOS SERVIDOS POR REDE COLETORA OU FOSSA
DISTRIBUIÇÃO OU POR POÇO OU NASCENTE SÉPTICA PARA OS EXCRETAS OU ESGOTOS SANITÁRIOS
Plansab 2017** Plansab 2017** 73,6%
94,5%
SNIS 2017* 82,6% SNIS 2017* 50,7%

URBANO RURAL SNIS 2020* 82,8% URBANO RURAL SNIS 2020* 54,1%

Plansab 2017** Plansab 2017** 79,9%


97,7%
SNIS 2017* 92,1% SNIS 2017* 59,0%

URBANO SNIS 2020* 91,8% URBANO SNIS 2020* 62,6%

Plansab 2017** 71,4% Plansab 2017** 25,6%


SNIS 2017* 30,8% SNIS 2017* 5,4%

RURAL SNIS 2020* 32,6% RURAL SNIS 2020* 7,0%

*SNIS contém informações somente com redes, não incluindo soluções individuais
** O Plansab adota soluções individuais adequadas tanto para o abastecimento de água como para o esgotamento sanitário.

O tamanho do desafio impacta na ca- tivamente necessitam de modelos de pres- da. Para que os órgãos promotores de
pacidade do setor em superá-lo e sinaliza tação de serviços alternativos, ou mesmo políticas públicas possam, efetivamente,
as reais necessidades de reestruturação. a adoção de soluções individuais, para as disponibilizar instrumentos normativos e
Portanto, é preciso desmistificar os núme- populações rurais dispersas. programas governamentais que viabilizem
ros publicados, sob pena de se induzir a A Aesbe ressalta que se o objetivo é recursos financeiros – de empréstimos e
mudanças a partir de dados que não são universalizar os serviços de água e esgo- não reembolsáveis –, os quais somados aos
aqueles planejados para o país. Outra tamento sanitário, é necessário iniciar um recursos das prestadoras de serviços de sa-
questão importante a se observar é que amplo debate técnico-institucional, que neamento básico (água e esgoto), possibi-
a maior parte da população não atendida permita qualificar os dados que realmente litem se organizar e planejar no sentido de
adequadamente com abastecimento de identifiquem onde está a população não cumprir os prazos e percentuais de atendi-
água se encontra em áreas rurais, que efe- atendida e que deve passar a ser atendi- mento previstos na legislação.

20 SANEAR
Agenda Propostiva da Aesbe
Mantendo sua posição histórica de con- mento básico brasileiro. O documento
tribuir com o poder público para o esta- completo será entregue a cada um dos
belecimento e implementação de políti- candidatos à Presidência da República
cas públicas que permitam a ampliação e para que seus planos de governo con-
a melhoria da qualidade dos serviços de templem as melhorias que o setor ne-
abastecimento de água e de esgotamento cessita para se chegar à Universalização
sanitário, a Aesbe mais uma vez apresen- dos Serviços de Saneamento. Abaixo,
ta sua agenda propositiva para o sanea- listamos alguns pontos resumidamente:

 Institucionalização e atualização periódica do Plano Nacional de


Saneamento básico (Plansab):

 Política de universalização para as áreas rurais Para o presidente da Aesbe,


Neuri Freitas, o grande desafio
 Aperfeiçoamento do SNIS/SINISA: para se alcançar à universaliza-
ção até 2033 é, primeiro, ter to-
 Centralização dos recursos para saneamento:
das as regras e diretrizes claras,
 Simplificação dos processos de financiamento além de uma união de forças do
setor de saneamento. “As com-
 Criação do Fundo Garantidor e Locação de Ativos panhias estaduais vão continuar
a atuar e trabalhar significativa-
 Simplificação dos processos de financiamento
mente para o alcance das metas,
 Criação do Fundo Garantidor e Locação de Ativos mas temos que ter a clareza que
precisamos, ainda, de muitos
 Linhas de crédito para desenvolvimento operacional ajustes para a universalização
se tornar algo factível dentro do
 Apoio técnico aos Planos de Saneamento
prazo estabelecido”.
 Subsídio para as tarifas sociais de água e de esgoto

 Política energética para o setor

 Desoneração do PIS/COFINS
ANO XV • 2022 • N. 41 21
ESPECIAL

As
mulheres
na liderança
do saneamento
   
  
 
 
Elas lideram as Companhias Estaduais de Saneamento no Brasil. Em uma área majoritariamente masculina,
aumenta consideravelmente o número de mulheres que assumem a liderança dentro do setor de saneamento brasileiro.
Segundo uma pesquisa realizada pela Grant Thornton, as mulheres ocupam 38% dos cargos de liderança em todo o país, o que indica
(embora seja um número baixo) que a presença de mulheres, em todos os setores e em cargos de liderança, cresceu nos últimos anos.

Dos vários pilares que constituem o ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança),
a diversidade, compreendendo a de gênero, é um dos mais importantes. O caminho para o aumento desta participação
feminina no setor de saneamento ainda é longo, mas a presença dessas mulheres no comando das companhias
estaduais abre portas para outras mulheres, aumenta a representatividade da força feminina nesse mercado
de trabalho e mostra que a barreira de gênero vem sendo quebrada.

As principais responsáveis e impulsionadoras dessa mudança na representatividade dentro do setor de


saneamento básico no Brasil são as presidentes das estatais: Companhia Catarinense de Águas e
Saneamento (Casan), Roberta Maas; Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul (Sanesul),
Marta Rocha; e Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), Manuela Marinho.

São mulheres que têm em comum o impulso de motivar positivos e grandes


impactos. Possuem perfis e jeitos próprios de liderar, e,
além disso, fazem a diferença na gestão das
Companhias que dirigem.

22 SANEAR
P
ela primeira vez, em 48 anos de histó-
ria, a Compesa é comandada por uma
mulher. Engenheira civil e pós-gradu-
ada em Engenharia de Segurança do
Trabalho pela Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE), Manuela
Marinho atua desde 2013 no Gover-

Manuela
no do Estado de Pernambuco, no qual
exerceu a função de secretária Execu-
tiva, comandou a pasta de Turismo,

Marinho
Esportes e Lazer, esteve à frente da área de
transportes na Secretaria de Infraestrutura e
Recursos Hídricos (Seinfra), até ser indicada
para a presidência da Compesa. Compesa
Para ela, os maiores impactos de uma
maior participação de mulheres na liderança
dessas companhias estão conectados com a capacidade de mudar a vida das pessoas, com relação a tudo que a gente precisa conquistar
naturalização de processos sobre a conscien- políticas públicas, e pela análise profunda da e alcançar enquanto empresa de saneamento,
tização em relação à equidade de gênero, cor questão da água, que é muito conectada ao vide o marco legal e as metas ousadas que
e raça. As práticas cotidianas relacionadas a lado feminino do Brasil. precisamos alcançar. Ainda sendo mulher, o
essas ações de representatividade e empode- “Quem é mãe, mulher, profissional e desafio é maior, por mais bem recebida que a
ramento fazem com que o desenvolvimento dona de casa sabe a importância da água para gente seja, porque estamos desbravando no-
das ações de diversificação e inclusão ocor- a vida, então esses olhares múltiplos, mútuos vos cenários e horizontes. Tem outras mu-
ram de forma espontânea e natural. A Com- e com diversidade fazem com que as compa- lheres no saneamento, como Roberta Maas,
pesa é a Companhia Estadual com o maior nhias, de uma forma geral, trabalhem com presidente da Casan, que tem um posicio-
percentual de mulheres ocupando cargos mais excelência. Aqui no Estado de Pernam- namento muito necessário, temos o Insti-
de chefia e gestão, com uma representação buco, atualmente, a área de infraestrutura e tuto Musas, Mulheres do Saneamento, um
maior do que 22%. Atualmente, o Estado de toda a área de águas, são áreas femininas. movimento criado por mulheres de várias
Pernambuco possui um comando totalmen- Temos atualmente mulheres ocupando a se- companhias e que vem fazendo palestras e
te feminino na parte de infraestrutura e, de cretaria de Infraestrutura e recursos hídricos, fortalecendo a presença feminina e do em-
acordo com a presidente Manuela Marinho, a presidência da Compesa, a secretaria Exe- poderamento na área”, pontua a presidente
o objetivo é aumentar a quantidade de pro- cutiva de recursos hídricos e a presidência da da Compesa.
gramas para gerar cada vez mais oportunida- Agência Pernambucana de Águas e Climas Exercer a liderança de uma concessioná-
des para as mulheres, porém, visando acolher (Apac). São todas especialistas e doutoras ria é um processo muito diferente, em que a
as diferenças e recortes dentro do gênero e em suas áreas. Suzana, Fernanda, Simone, motivação e inspiração da equipe precisam
da diversidade de uma forma geral. por exemplo, são mulheres imprescindíveis estar presentes para que os avanços sejam
“A pluralidade é extremamente importan- para o funcionamento do setor em Pernam- direcionados em direção à concretização das
te, pois são olhares diferentes que fazem com buco. E isso também mostra como a área até metas estabelecidas.
que a gente tenha soluções mais abrangentes pouco tempo atrás era em maioria masculi- “Acredito que não só dentro do setor
e eficazes. Acredito que temos uma capacida- na, e hoje tivemos uma grande transforma- especificamente, mas em toda área e carrei-
de maior de gerar empatia, de se colocar no ção no setor em relação a presença femini- ra, é necessário se especializar, dar sempre o
lugar do próximo, de enxergar outro e com na”, salienta Manuela. melhor de si, procurar a capacitação, não só
isso trazer maiores resultados. Nós temos im- Na Compesa, a liderança feminina in- de forma técnica, mas no desenvolvimento
plantado políticas públicas, e queremos que fluencia, motiva e gera identificação dentro de outros estilos de ferramentas de lide-
elas não sejam só de governo, mas sim polí- do setor de saneamento brasileiro, além de rança, ferramentas de gestão. É importante
ticas públicas de estado, como o saneamento estimular a mudança de visão que gera em- trabalhar as relações interpessoais, e princi-
rural. Aqui na Compesa existe uma sensibili- patia. A importância dessa representativida- palmente gostar do tema, gostar do que faz,
zação maior quando a mulher está na rua, nas de é gerar a possibilidade de que mais mu- independentemente de ser saneamento e
visitas técnicas, os diagnósticos e necessidades lheres se enxerguem nesses locais de tomada infraestrutura, que é um grande desafio. É a
são sempre colocados de forma humanizada”, de decisão. área com grandes oportunidades nos próxi-
afirma a presidente da Compesa. “O desafio de estar na área de sanea- mos 15 anos no Brasil. Então é muito im-
Para Marinho, o setor de saneamento mento por si só, independente do gênero, já portante a presença das mulheres na área”,
é uma área apaixonante, pela finalidade e a é enorme, por conta de toda a defasagem em conclui Manuela Marinho.

ANO XV • 2022 • N. 41
40 23
EÚ SL TP IE MC AI AS L

E
ngenheira sanitarista e ambiental
pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) e engenheira civil
pela Universidade do Sul de Santa
Catarina (Unisul), Roberta Maas dos
Anjos é a primeira mulher a presidir a
Casan, em 47 anos de história. Além
de diretora-presidente da Casan, é
vice-presidente da Associação Brasi-
Roberta
leira das Empresas Estaduais de Sa-
neamento (Aesbe), e começou sua carreira
na companhia como estagiária da divisão
Maas dos
de convênios internacionais, em 2004.
Para Maas, o principal desafio do coti-
diano sendo líder na área de saneamento e
Anjos
representando mulheres dentro do setor é Casan
avançar na valorização e na redução das dife-
renças, entendendo que o trabalho está além
das questões de gênero. O setor está repleto
de novas metas e desafios, ainda mais com dã, que permite a ampliação dos tempos de
uma nova regulamentação. A diversidade, a afastamento para cuidado dos filhos.
soma das características peculiares de ho- Além do estímulo a uma visão de mundo
mens e mulheres, traz uma grande riqueza ampla, com responsabilidade social e ambien-
para as ações de saneamento. tal, criatividade e sensibilidade, a presidente
De acordo com Roberta, o aumento da Roberta tem gerado o desenvolvimento de
representatividade feminina está ligado com novos modelos de gestão dentro da empresa,
o processo de valorização das conquistas. A um trabalho que resulta em uma prestação de
Casan, atualmente, é uma das companhias serviços ainda melhor à sociedade catarinen-
brasileiras de saneamento com a maior repre- se, que conta com novos sistemas de esgoto
sentação feminina e conta com quatro repre- e melhorias nos sistemas de abastecimento,
sentantes mulheres em seu Conselho de Ad- com investimentos maiores em saúde públi-
ministração, o que fez com que a companhia ca e qualidade de vida, fazendo da Casan mais
recebesse o troféu do Selo WOB (Women eficiente e capacitada para o cumprimento
on Board), premiação que reconhece e di- das metas do Marco do Saneamento.
vulga as organizações com pelo menos duas “É com muito orgulho que exerço o papel
mulheres nos conselhos de administração ou de presidente da Casan, uma empresa fun-
consultivos. A empresa também possui os se- damental para o desenvolvimento de Santa
los do Movimento ODS (Objetivos de De- Catarina. Temos executado importantes mu-
senvolvimento Sustentável) Santa Catarina danças internas, buscando sempre maior efi-
e de Empresa Cidadã, o que demonstra essa ciência na gestão e retorno nos investimentos
visão global sobre o campo do saneamento. nas obras de água e esgoto. Como exemplo,
Recentemente, a empresa passou a integrar cito uma economia de R$ 59.1 milhões na
o Instituto Brasileiro de Governança Corpo- revisão de contratos desde 2019, quando a
rativa, sendo signatária desta iniciativa para atual Diretoria Técnica assumiu e determi-
reduzir a questão da desigualdade de gênero. nou novas licitações para compras e serviços
A Casan também possui ações internas em diversas áreas, o que nos traz muito or-
adotadas com o objetivo de dar suporte gulho e satisfação. Com certeza ocupar uma
ao trabalho das famílias e colaborar com posição de liderança frente à uma companhia
a presença feminina na empresa, como o como a Casan traz repercussões, pois é uma
apoio financeiro para creche e babá, onde posição pública, com uma grande responsa-
são atendidos, atualmente, 282 homens e bilidade e uma grande missão relacionada à
91 mulheres, a redução de carga horária, qualidade de vida da população catarinense”,
redução de jornada e licença empresa cida- afirma a presidente da Casan, Roberta Maas.

24 SANEAR
ESPECIAL

A
Sanesul, em seus 43 anos de exis- “Além de Mato Grosso do Sul, te-
tência, também elegeu pela pri- mos Santa Catarina e Pernambuco. É
meira vez uma mulher para ocupar um abismo que ainda nos marca e que
o cargo de diretora-presidente. precisamos transpor. Aqui na Sanesul
A atual presidente da empresa, é temos mulheres nas gerências e uma in-
tegrante no Conselho de Administração,
Marta Ferreira Rocha, pedagoga,
desenvolvendo funções importantes nas
assessora de Planejamento e pós-
sedes regionais”, ressalta a presidente da
-graduada em gestão pública pela
Sanesul.
Universidade Dom Bosco. Marta
De acordo com Marta Rocha, ser
Ferreira Rocha iniciou a sua carrei- mulher ainda é difícil em todos os setores
ra dentro da companhia em 2016, quan- do mercado de trabalho, porque, apesar
do atuou como gerente de infraestrutura de todas as conquistas, ainda há muitas
e chefe de gabinete da Presidência. barreiras de desigualdade que precisam
Marta Rocha reforça que a luta pela ser ultrapassadas. Na Sanesul, o maior
igualdade de gêneros tem como um de desafio, atualmente, é continuar manten-
seus pilares a ocupação dos espaços de do a empresa na posição de destaque na-
poder pelas mulheres, em cargos de che- cional, na busca por equidade e com foco
fia e na tomada de decisões. Conforme na prestação de serviços com eficiência e
pesquisa recente divulgada pela Grant responsabilidade.
Thornton, embora tenha havido um cres- Em relação à influência que uma li-
cimento nos últimos anos, apenas 38% derança feminina causa na cultura orga-
das mulheres ocupam cargos de liderança nizacional da Companhia, a presidente
no Brasil e somente 6,3% das empresas da Sanesul entende que a sensibilidade
oferecem condições iguais para homens da mulher, aliada à sua força, e sua ca-
e mulheres em todas as áreas de atuação. pacidade de ser multitarefas, são fatores
Dentro das empresas de saneamento bra- que fazem diferença na administração de
sileiras, apenas três delas são lideradas qualquer organização.
por mulheres. Na Sanesul a busca é sempre oferecer
suporte e capacitação para que todos pos-
sam crescer e se desenvolver com igual-
dade. A Companhia conta, atualmente,
com mais de 80 mulheres em cargos de
gestão, incluindo gerentes, coordenado-

Marta
ras e supervisoras. A empresa está ran-
queada entre as melhores companhias de
saneamento e entre as mil melhores em-

Ferreira
presas do Brasil, posição conferida pelo
jornal Valor Econômico e pela Revista
Isto É, além de ser referência em relação

Rocha
ao Novo Marco Legal do Saneamento.
Para a presidente da Companhia, to-
dos esses avanços estão conectados com a
igualdade de gêneros.
Sanesul “É questão de honra presidir uma
empresa desse porte, uma marca reco-
nhecida nacionalmente, fruto de um
trabalho sério, austero e transparente.
Sou muito grata em ser indicada para
dar continuidade à excelente gestão do
Walter Carneiro Júnior, principalmente
pela qualidade dos membros da direto-
ria, os quais já conheço, sei do valor e da
competência administrativa de cada um”,
conclui a presidente da Sanesul.

ANO XV • 2022 • N. 41 25
ESPECIAL

OS PROFISSIONAIS DO SANEAMENTO
SÃO FUNDAMENTAIS PARA O
DESENVOLVIMENTO DO PAÍS
O saneamento básico é essencial para o desenvolvimento de um país. O
acesso ao saneamento garante mais qualidade de vida das pessoas e a
meta de universalização estimula o aumento de ações voltadas para a
garantia deste direito. E todos os profissionais do setor desempenham
funções fundamentais para esta transformação.

26 SANEAR
ESPECIAL

D
E ACORDO COM A ORGANIZAÇÃO químicos, biológos. Além dessas áreas, com as demandas populacionais e sociais
DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), 75% que são consideras como atividades-fim, da população.
DOS EMPREGOS DEPENDERÃO ainda existem os setores de apoio, como: “A Divisão de Relações com a Co-
DA ÁGUA NAS PRÓXIMAS DÉCA- comunicação, financeiro, informática e munidade faz a intermediação entre a
DAS, E NA AMÉRICA LATINA, PARA tecnologia, administrativo, jurídico, re- empresa e a comunidade. Por meio do
CADA US$ 1 MILHÃO INVESTIDOS cursos humanos e diversos outros. Além diálogo são realizadas mediações para
NA EXPANSÃO DOS SERVIÇOS DE dos cargos ligados de forma direta ao cui- soluções das demandas trazidas pelas li-
ÁGUA E ESGOTO, 100 EMPREGOS dado e a operação das estações de trata- deranças e que afetam as comunidades,
DIRETOS SÃO GERADOS. Além mento de esgoto e água, existem aqueles como a paralisação no abastecimento
dos serviços imediatos realizados profissionais que têm a missão de lidar de água, o risco de vazamentos e trans-
diariamente pelos profissionais do setor diretamente com a comunidade, orien- tornos de obras. Seu papel é atuar com
de saneamento, ainda existem todos os tando o cidadão, buscando a resolução de a comunicação diária com lideranças
resultados de progresso a longo prazo possíveis dúvidas e contribuindo para o comunitárias, federações e organizações
que são realizados por esses colaborado- atendimento da população. dos bairros e com lideranças indígenas,
res, que garantem saúde, inovação, desen- De acordo com Jonas Renato Cabral, para contribuir com a intermediação e o
volvimento e crescimento econômico de gestor da Divisão de Relações com a Co- envolvimento dos líderes nos processos
porta em porta. munidade (E-DRC) da Companhia Es- de prestação de serviços na companhia”,
As 26 Companhias de Saneamento pírito Santense de Saneamento (Cesan), pontua Jonas.
do Brasil associadas à Aesbe possuem a natureza da atividade de uma empresa Essa comunicação personalizada das
um amplo e diverso time responsável de saneamento requer uma aproxima- companhias com a população tem como
pelo setor. As equipes são formadas por ção com todas as partes envolvidas nos objetivo a atualização e o compartilha-
tecnólogos em Saneamento, técnicos, processos. A participação direta das ar- mento das informações para que a di-
técnicos em Gestão Ambiental, técnicos ticulações com lideranças comunitárias e vulgação dos avisos e procedimentos seja
em Eletromecânica, leituristas, gestores e políticas é primordial para o desenvolvi- programada, acessível e chegue até as
gerentes de Relação com a Comunidade, mento de ações que estejam conectadas comunidades de forma acessível e rápida.

ANO XV • 2022 • N. 41
40 27
ESPECIAL

“A Tarifa Social é um
benefício que surgiu a
partir da necessidade da
companhia acompanhar
e atender à realidade
social da população
atendida. É uma ação de
responsabilidade social
da empresa, contribuindo
para a promoção do
acesso aos serviços
de saneamento às
populações de maior
vulnerabilidade social”
Jonas Renato Cabral,
gestor da Divisão de Relações
com a Comunidade da Cesan

Outro ponto importante da relação direta relacionamento foram construídas, houve O papel desenvolvido por esses co-
com as comunidades é a criação de ações a necessidade da criação de novos conte- laboradores do saneamento é amplo e
que atendam com celeridade às demandas údos para a educação ambiental e sobre ocorre em todas as camadas da sociedade,
da população. A Tarifa social, por exem- os cuidados necessários para a diminui- pois a área mais afetada pela ausência de
plo, é um benefício, o qual o cidadão rece- ção das contaminações. Os profissionais saneamento é a da saúde, porém, sua ine-
be desconto de 10 a 65% no valor mensal do saneamento revisaram e melhoraram ficiência acaba impactando o corpo social
da conta de luz, dependendo da faixa de processos, investindo em tecnologia vi- em todos os outros níveis. Para que um
consumo, gerado a partir dessa escuta ati- sando a continuação e ampliação dos setor tão importante desenvolva um país,
va dos cidadãos e suas necessidades. serviços e foram essenciais para manter o é necessário que esses profissionais con-
“A Tarifa Social é um benefício que país em funcionamento. tinuem executando com excelência essa
surgiu a partir da necessidade da compa- “Sinto muita satisfação em fazer par- atuação de ponta a ponta.
nhia acompanhar e atender à realidade te de uma empresa que presta um serviço
social da população atendida. É uma ação público essencial para a vida da popula-
de responsabilidade social da empresa, ção capixaba, como a Cesan. Uma em-
contribuindo para a promoção do acesso presa que preza pela qualidade e visa uma
aos serviços de saneamento às populações maior cobertura e a satisfação de seus
de maior vulnerabilidade social”, ressalta usuários. Trabalhar no saneamento não é
o gestor da Divisão de Relações com a apenas um emprego, é uma missão. A sa-
Comunidade da Cesan. tisfação é saber que estamos contribuin-
Durante o período mais crítico da do para melhorar a qualidade de vida do
pandemia do novo coronavírus no Brasil, nosso semelhante. Me considero um dos
o setor se reinventou para continuar aten- trabalhadores mais importantes e neces-
dendo toda a população. Novas bases de sários do Brasil”, conclui Jonas.

28 SANEAR
ÚE VL TE IN MT AO S

Aesbe reúne presidenciáveis AESBE APOIA O 15º


em Brasília para debater SEMINÁRIO NACIONAL

saneamento “OUVIDORES & OUVIDORIAS”


O 15o Seminário Nacional
“Ouvidores & Ouvidorias” será
Com o objetivo discutir os planos de governo dos presidenciáveis para
realizado nos dias 7, 8 e 9 de
o setor de saneamento, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais
novembro de 2022, no Novotel
de Saneamento (Aesbe) realiza, nos dias 1º e 2 de setembro de 2022, o
Jaraguá Conventions, na cidade de
Seminário Nacional da Aesbe - Saneamento na Pauta dos Presidenciáveis,
São Paulo, pelo Instituto Brasileiro
em Brasília (DF). A proposta do evento é receber candidatos à Presidência
Pró-Cidadania, com apoio
da República para debater como seus planos de governo contemplam o setor
institucional da Aesbe. A edição
de saneamento. A mediação das palestras dos presidenciáveis será feita por
deste ano tem como tema “Direitos
Adriana Couto, jornalista da TV Cultura.
da Cidadania, Proteção de Dados
Durante o evento, que acontecerá no Centro Internacional de Convenções
e Controle Social”. Para mais
do Brasil (CICB), em Brasília (DF), a Aesbe entregará aos presidenciáveis
informações e inscrições, acesse
uma Cartilha sobre Saneamento, contendo as prioridades para o setor e as
http://procidadania.org.br/.
principais dificuldades encontradas pelas Companhias Estaduais.
Além disso, a entidade abordará o cenário atual do saneamento, após dois
anos da atualização do marco legal. Portanto, o Seminário Nacional da
Aesbe possibilitará a interação entre os colaboradores das companhias
associadas à Aesbe e das demais associações do setor, permitindo um
ambiente adequado para o debate em prol da universalização do saneamento.
A Palestra Magna do evento terá como tema “ESG e Saneamento”, com a
participação de Thelma Krug, vice-presidente do Painel Intergovernamental
sobre Mudança do Clima (IPCC) e presidente do Painel de Observações
Terrestres para o Clima (Terrestrial Observation Panel on Clima) do
Sistema Global de Observações para o Clima (GCOS) da Organização
Meteorológica Mundial.
Para o presidente da Aesbe, Neuri Freitas, é de extrema importância
reunir os candidatos à Presidência da República para debater o futuro
do setor. “Estamos há dois anos passando por mudanças desafiadoras no
saneamento. Necessitamos ainda de ajustes na nova legislação para viabilizar
a universalização dos serviços. Portanto, é muito importante para a Aesbe
explanar para os presidenciáveis sobre os entraves e melhorias que devem
ser feitas. Esperamos ter a participação de todos nesse importante debate”,
afirma Neuri Freitas.
Para mais informações, acesse aesbe.org.br.

ANO XV • 2022 • N. 41
40 29
EVENTOS

33o Encontro Técnico


AESabesp e Fenasan
2022 ocorre em
setembro, com apoio
institucional da Aesbe
Promovido há 33 anos consecutivos pela Associação
dos Engenheiros da Sabesp (AESabesp), o Encontro
Técnico da AESabesp e Fenasan – Feira Nacional de
Saneamento e Meio Ambiente é considerado o maior
evento do setor na América Latina. O tema da edição
de 2022 é “Saneamento: prioridade para a vida”. O
evento será realizado de 13 a 15 de setembro, no Expo
Center Norte / Pavilhão Branco, em São Paulo (SP).
Entre visitantes da Feira e congressistas do Encontro/ XVI SIMPÓSIO DE RECURSOS HÍDRICOS
Congresso, o evento recebe em torno de 22 mil
pessoas em cada edição anual. Seu público é formado DO NORDESTE (SRHNE) E 15o SIMPÓSIO
por executivos, técnicos, empresários, estudantes,
gestores e pesquisadores de órgãos públicos e
DE HIDRÁULICA E RECURSOS HÍDRICOS
privados, acadêmicos e demais interessados no avanço DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA
da aplicação dos conhecimentos em saneamento
ambiental, resultando numa das visitações mais (SILUSBA) SERÁ REALIZADO NO MÊS
qualificadas das realizações do setor.
A Fenasan tem como objetivos principais o DE NOVEMBRO
fomento e a difusão da tecnologia empregada no
setor de saneamento ambiental, bem como a troca A Associação Brasileira de Recursos Hídricos
de informações, a demonstração de produtos e o (ABRHidro) realizará o XVI Simpósio de Recursos
desenvolvimento tecnológico de sistemas empregados Hídricos do Nordeste, na cidade de Caruaru (PE),
no tratamento e abastecimento de água, esgotamento 30 anos depois do primeiro simpósio, então ocorrido
sanitário, drenagem das águas pluviais, análises na capital Recife. O evento será realizado de 06 a
laboratoriais, adução e abastecimento e sistemas de 11 de novembro de 2022, no Senac Caruaru, com o
coleta, e disposição final e manejo de resíduos sólidos, apoio institucional da Aesbe.
reunindo os principais fabricantes e fornecedores de O tema principal do simpósio será o “Fortalecendo
materiais e serviços para o setor de saneamento e de a capacidade adaptativa em busca da segurança
segmentos correlatos. hídrica frente às mudanças climáticas”, incluindo
As ações socioambientais também são prioritárias na nesse contexto a integração das águas do Rio São
constituição desse evento. A AESabesp é integrada Francisco, a revitalização de bacias hidrográficas,
ao MDL (Mecanismo do Desenvolvimento Limpo), a efetividade de ações para o desenvolvimento
estipulado no Tratado de Quioto, e incentiva a sustentável, a resiliência dos ambientes urbanos e
diminuição dos impactos socioambientais, com um outros temas correlatos.
programa próprio de neutralização de carbono. Em conjunto com o SRHNE, será realizado, em
Para mais informações, programação e inscrição, acesse parceria com instituições dos recursos hídricos dos
o portal do evento: fenasan.com.br. países de língua portuguesa, o XV Simpósio de
Recursos Hídricos dos Países de Língua Oficial
Portuguesa - SILUSBA. Para mais informações
sobre o evento, acesse abrhidro.org.br.

30 SANEAR
SUSTENTABILIDADE

SETOR DE

SANEAMENTO AMBIENTAL DESPONTA COMO UM


DOS ALIADOS DA
SOCIEDADE NO
COMBATE AOS EFEITOS
DAS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS

As últimas ocorrências das grandes


enchentes que assolaram várias cidades
brasileiras mostram que a aplicação de
soluções baseadas na natureza (SbN)
são algumas das ferramentas que o
setor de saneamento ambiental dispõe
para enfrentar os desafios impostos
pelas mudanças climáticas

ANO XV • 2022 • N. 41 31
SUSTENTABILIDADE

O
BRASIL TEM VIVIDO MOMENTOS recentemente, além de ter uma relação com a ção desses gases na atmosfera e o aumento
MUITOS ALARMANTES COM A mudança do clima, são muitas vezes causados da temperatura média global de superfície.
OCORRÊNCIA DE ENCHENTES EM por outros fatores como o crescimento popu- A mudança do clima já está afetando mui-
VÁRIAS REGIÕES. Entre as causas es- lacional, a pobreza e o aumento da urbaniza- tos extremos meteorológicos e climáticos
tão questões que envolvem os reflexos ção, a falta de planejamento urbano adequa- em cada região do globo, com profundas
das mudanças climáticas nas cidades. O do, entre outros. Situações desse tipo colocam implicações para a gestão da água urbana e
alarme dos cientistas para esse cenário o setor de saneamento como um dos atores periurbana, particularmente em um mundo
vem ganhando destaque desde os anos principais na busca de soluções para o melhor cada vez mais urbanizado”, observa.
90, com a realização da Conferência das desenvolvimento socioambiental das cidades. Para a especialista, projeta-se que com
Nações Unidas sobre o Meio Ambien- De acordo com Thelma Krug, vice-pre- cada grau adicional de aquecimento, os
te e o Desenvolvimento (ECO´92), quando sidente do Painel Intergovernamental so- impactos relacionados à água serão inten-
disseminaram que o aumento da tempera- bre Mudança do Clima (IPCC), momen- sificados. Com isso, as fortes precipitações
tura média global, além de elevar a tempera- tos muito alarmantes como enchentes e e potenciais inundações vão representar
tura nas cidades, pode tornar os eventos cli- altas temperaturas têm sido vivenciados na riscos adicionais para a vida e a saúde das
máticos e suas consequências mais extremas maior parte das regiões terrestres. Ela con- pessoas devido à disseminação de doen-
com verões mais quentes, períodos de secas ta que desde os anos 50 foi observado um ças transmitidas pela água. “Outros riscos
e chuvas mais concentradas e intensas. aumento na frequência e intensidade de substanciais são projetados para o sane-
Os acontecimentos atuais confirmam eventos de forte precipitação, tendo como amento urbano em ambientes de baixa e
os dados da Organização Meteorológica principal causa provável a mudança do cli- média renda onde sistemas improvisados
Mundial de que, entre 1970 e 2019, 44% de ma induzida pelo ser humano. “Há muito são mais comuns. Banheiros, fossas e sis-
todos os desastres e 31% de todas as perdas a ciência vem alertando a relação quase di- temas de tratamento são todos vulneráveis
econômicas estiveram relacionadas a inun- reta entre o aumento das emissões de gases e podem ter sua infraestrutura danificada
dações. Os riscos de inundação observados de efeito estufa, o aumento da concentra- com as inundações expondo, direta e indi-

32 SANEAR
SUSTENTABILIDADE

Desmatamento e Para Carvalho, os eventos que ocorre-


ram, no fim do ano passado e no primeiro
“A mudança do clima
queimadas de florestas são
os principais causadores semestre deste ano, no Brasil, são indicado- já está afetando muitos
das mudanças climáticas res desse novo clima. “O ano passado teve
inundações enormes no sul da Bahia, depois
extremos meteorológicos
no Brasil.
no norte de Minas, centro de Minas, desli- e climáticos em cada
zamentos em São Paulo, nas cidades cario-
cas de Petrópolis, Angra dos Reis, e Parati;
região do globo, com
também no Rio Grande do Norte, Recife, profundas implicações
PE, entre outros estados”, recorda. De acor-
do com ele, que é ex-diretor do Ministério
para a gestão da água
retamente, alimentos e objetos e poluindo das Cidades, a primeira constatação diante urbana e periurbana,
córregos e corpos d’água”, comenta. desse cenário é que o sistema nacional de
Defesa Civil está despreparado para atuar
particularmente em um
Desafios para o saneamento com o com base nessa nova realidade. “Em ne- mundo cada vez mais
novo clima | Para o engenheiro civil Celso
Santos Carvalho, membro da coordenação
nhum desses casos a Defesa Civil conseguiu
proteger a população. Não teve ação preven-
urbanizado.”
nacional da Rede BrCidades da Frente tiva, como a retirada das pessoas antes de
Brasil Popular, com os efeitos das mudan- acontecer os deslizamentos, colocando-as Thelma Krug, vice-presidente do
ças do clima vamos ter paradoxalmente a salvo antes de acontecer as inundações. Painel Intergovernamental sobre
mais seca, mais chuvas e chuvas mais in- Além do despreparo dos responsáveis pela Mudança do Clima (IPCC)
tensas, períodos de estiagem concentrados defesa civil e as próprias prefeituras, não es-
e locais que eram úmidos vão ficar secos. tamos investindo na infraestrutura necessá-
“Isso é o que já está acontecendo”, ressalta ria para prevenir esses acidentes”, constata. abastecimento de água potável; esgotamen-
ele. “É esse novo clima que vai chegar, em Esse quadro, em nível nacional, acaba to sanitário; coleta de lixo e manejo de resí-
partes porque o Brasil não é um dos maio- exigindo ações pontuais do setor de sane- duos sólidos; drenagem e manejo das águas
res queimadores de petróleo, liberadores de amento para ajudar no implemento de so- pluviais urbanas. Thelma Krug informa
carbono do mundo, mas é o maior destrui- luções. Segundo Thelma Krug, o momento que o Plano identifica que cerca de 65% da
dor de florestas, que tem um papel impor- traz vários desafios a serem superados no população têm atendimento adequado, en-
tante na captura do carbono que é liberado setor de saneamento, considerando que, quanto este percentual cai para quase 60%
pela queima de combustíveis fósseis. E nos segundo o Plano Nacional de Saneamento no caso do abastecimento de água potável
últimos anos, isso aumentou drasticamente Básico, pouco “mais da metade da popula- e cerca de 55% no esgotamento sanitário.
com o apoio do atual governo, potenciali- ção conta com atendimento adequado nos Segundo ela, este expressivo déficit é
zando a destruição das florestas”, avalia. componentes do saneamento básico”, como associado principalmente “à insuficiência

ANO XV • 2022 • N. 41 33
SUSTENTABILIDADE

da qualidade no atendimento atual e não Em sua avaliação, Celso Carvalho, por cessidade de combater com mais eficiência
à ausência dos serviços propriamente dita”. sua vez, destaca que o investimento em as perdas do sistema de abastecimento de
Há, portanto, uma margem importante infraestrutura é crucial para solucionar a água. “Além disso, o setor de saneamento
para que a expansão do saneamento bási- questão das enchentes. Para ele, não é à toa precisa investir em sistemas alternativos de
co seja feita considerando possíveis cená- que em todos esses desastres que ocorreram coleta de água nas residências, em reúso da
rios futuros da mudança do clima, em que ao longo da história no Brasil, a popula- água, entre outras alternativas que visem
a frequência, intensidade e duração dos ção pobre das periferias foi a mais atingi- ajudar a aumentar o volume de água limpa
eventos extremos, as altas temperaturas e da. “Isso não acontece somente por que as disponível e melhorar a racionalidade do
ondas de calor, seca, fortes chuvas, ciclones periferias estão em lugares naturalmente consumo e a distribuição de água nos bair-
tropicais podem comprometer os serviços ou geologicamente mais frágeis, mas por- ros periféricos”, destaca.
e a infraestrutura instalada. “Este não é que nesses locais não se investe na infra- Na questão em que temos excesso de
um exercício simples, já que a distribuição estrutura e, com isso podemos afirmar que água, por conta das inundações, o espe-
desses eventos no território nacional não é o setor de saneamento é fundamental nas cialista atenta que tem uma componente
uniforme e os investimentos nos diferentes duas ‘pernas’ que compõem as mudanças no saneamento ambiental que pode fazer
componentes do saneamento devem con- climáticas, tanto na questão da prevenção a diferença: trata-se do manejo das águas
siderar as particularidades locais, inclusive dos efeitos da seca quanto na prevenção pluviais, antigamente chamado drenagem.
em ambientes rurais”, esclarece a executiva. dos efeitos das chuvas intensas”, analisa. Segundo ele, essa solução faz parte das
De uma forma geral, Thelma lembra Nos períodos em que chove pouco no ações do saneamento, mas, normalmente,
que o Plano Nacional contempla as medi- País, Carvalho orienta que, primeiro, é ne- não é operada pelas empresas concessioná-
das estruturais e estruturantes para reduzir cessário aumentar a capacidade e a qualida- rias de saneamento, mas pelos municípios
os riscos de impactos de eventos como en- de dos mananciais de água que abastecem que o utilizam como um processo auxiliar
chentes, inundações e alagamentos, inclu- a cidade. “É fundamental que o setor de do sistema viário. “Para alcançarmos as me-
sive através da implantação de sistemas saneamento passe a se preocupar mais ain- lhorias, precisamos ter uma governança do
de monitoramento e alerta e projetos que da com esse tema, colocando como questão sistema do manejo de águas pluviais, que
reduzem a exposição das pessoas aos ris- prioritária a discussão sobre a saúde dos passe a desconsiderar o conceito antigo que
cos desses eventos. “Um desafio importan- rios e dos mananciais urbanos, ressaltando impermeabiliza toda a cidade. Esse sistema
te será viabilizar a implementação efetiva a importância da despoluição, bem como a de drenagem vigente evita que ocorram pe-
das estratégias e ações contidas no plano, recuperação das fontes de água para abaste- quenas inundações ao longo da cidade, mas
assegurando a sua revisão periódica através cimento das cidades”, menciona. concentra tudo em uma grande inundação
de um processo participativo abrangente e nas partes baixas das regiões”, ressalta. Por-
a introdução de técnicas inovadoras de ges- Investimentos em novos conceitos | tanto, ele orienta que o ideal é começar a
tão”, completa. Outro ponto que Carvalho destaca é a ne- adotar novos conceitos de projetos para a
água pluvial.
Com a adoção de sistemas que aten-
dem os novos conceitos de infraestrutura,
Celso comenta que a água pode ser retida
ao longo de toda a cidade, por exemplo, em
terrenos maiores, onde todas as casas po-
dem ter um reservatório que retire a água
da calha e a guarde por um tempo e vai li-
berando o insumo aos poucos. “Temos os
exemplos dos jardins de chuva, que é um
novo conceito de drenagem que pode ser
implantado pelas prefeituras”, conta. Para
isso, ele reforça a importância de que as
prefeituras tenham um setor que estude e
que opere os projetos, levando essa nova
infraestrutura para as periferias que é onde
começam as inundações, que, consequente-
mente, atingem toda a cidade.
Para o problema da falta de água, gera-
do cada vez mais intensamente pelas crises
climáticas, Celso considera que o setor de

34 SANEAR
SUSTENTABILIDADE

saneamento precisa se adaptar para


garantir a segurança hídrica de toda
a população e com um olhar especial
para os mais carentes. “E, portanto,
tem que ter cobrança e sistemas que
garantam a inversão da tarifa social
e a continuidade no fornecimento
mesmo quando a família não conse-
gue pagar a conta de água”, observa.

SOLUÇÕES BASEADAS NA NATUREZA (SBN)


Ações para diminuir a desigual- informais, introduzir infraestrutu-
dade social | Mudar o processo ras físicas para redução de riscos,
de gestão do fornecimento e da como água encanada, saneamento
cobrança de água, principalmen- básico, sistemas de drenagem po-
te para os mais afetados que são dem melhorar a qualidade de vida Segundo um estudo da Coalition for Urban Transitions
as famílias pobres, é o ponto de da comunidade”, indica. elaborado com apoio do WRI Brasil, a adoção de Soluções
partida para minimizar alguns dos Ao mesmo tempo, ela con- baseadas na Natureza (SbN) para infraestrutura básica,
efeitos da mudança do clima nas sidera que essas medidas podem como saneamento e drenagem, é parte de um conjunto
cidades, segundo Carvalho. Nesse aumentar os resultados na saúde e de ações com potencial para reduzir em 88% as emissões
sentido, ele declara que é muito diminuir as desigualdades urbanas urbanas de gases do efeito estufa até 2050 e gerar retorno
preocupante o processo atual do pelo fato de reduzir a exposição aos acumulado com um valor presente líquido de US$ 369,7
governo federal, e de muitos go- impactos de inundações ou calor. bilhões até 2050.
vernos estaduais, como o de São “Nos países menos desenvolvidos, Essas soluções são uma estratégia promissora de adap-
Paulo, que privilegia a privatização menos de 60% da população urba- tação climática e equidade. Conforme o WRI Brasil, com
de todo o sistema de saneamento. na têm acesso à água encanada que, planejamento adequado as SbN podem reduzir vulnerabi-
“Quando privatizamos completa- por sua vez, impacta sua saúde e lidades, evitar perdas e gerar resiliência para comunidades
mente o sistema de saneamento, a bem-estar. Cada vez mais, as habi- historicamente desassistidas. A entidade destaca que como
lógica da empresa é vender mais tações estão sendo construídas de parte da infraestrutura urbana, ecossistemas íntegros aju-
água pelo maior preço possível, forma a melhorar o gerenciamento dam as cidades a se protegerem de inundações, ondas de
e o que precisamos é justamente do risco ao calor extremo e outros calor e outros impactos. Ainda promovem bem-estar hu-
consumir menos água e com preço extremos climáticos”, salienta. mano, proteção dos recursos naturais e representam uma
mais baixo. Dessa forma, a lógica Por isso, alguns dos benefícios oportunidade para o Brasil avançar em uma retomada verde
empresarial no processo de sane- mais substantivos para a saúde, da economia.
amento, sem o caráter social, vai bem-estar e equidade associados Na visão de Thelma Krug que, particularmente, prefere
contra as necessidades que temos à ação climática derivam de in- chamar as SbN de “Opções Baseadas na Natureza”, cons-
hoje com as mudanças climáticas”, vestimentos em estrutura básica:
tituem um dentre vários termos encontrados na literatura
avalia o especialista. saneamento, água potável, energia
para descrever o uso de gestão ambiental para reduzir os
Com mais de 880 milhões de limpa, dietas sadias, transporte pú-
impactos da mudança do clima nas pessoas ao mesmo tem-
pessoas vivendo em assentamentos blico limpo, melhoria na qualidade
po beneficiando a biodiversidade. “São consideradas não só
informais no mundo, Thelma con- do ar a partir de soluções transfor-
como medidas de mitigação, mas também de adaptação à
sidera que há oportunidades para madoras nos diferentes setores da
mudança do clima, fugindo dos planos focados estritamente
o Brasil aproveitar e possibilitar economia, incluindo agricultura,
práticas e instituições informais nas energia, transporte e edificações. na redução do risco climático e incorporando co-benefícios
cidades relacionadas a habitação, re- “Essas são as considerações cientí- para o bem-estar humano e a biodiversidade”, considera.
síduos, energia, água, e saneamento ficas mais atuais nos relatórios de Apesar de avanços no desenvolvimento de planos de
para reduzir o uso de recursos e mi- avaliação do IPCC”, informa Thel- adaptação nas cidades, particularmente desde o último rela-
tigar a mudança do clima. “A adap- ma Krug. tório de avaliação do IPCC, em 2014, Thelma diz que ape-
tação à mudança do clima pode Celso Carvalho destaca que o nas um número limitado deles foi implementado. Barreiras
trazer benefícios para a redução das setor de saneamento é o protago- como a falta de vontade política e falta de capacidade de
emissões de gases de efeito estufa e nista na adaptação das cidades a esse gestão, meios e mecanismos financeiros limitados (especial-
das desigualdades urbanas. Em ci- novo modelo no combate às mudan- mente para assentamentos urbanos menores) e competição
dades onde um número crescente ças climáticas. “Só vamos conseguir entre prioridades são desafios para a implementação de pla-
de pessoas vive em assentamentos desacelerar a mudança climática, se nos de adaptação.

ANO XV • 2022 • N. 41
40 35
SUSTENTABILIDADE

mudarmos a economia global, produzindo clima. “O jardim de chuva é um deles”,


menos e gastando menos energia, por exem- destaca. Ele acrescenta que na questão do
plo, mas tudo isso envolve acordos de gover- manejo de água temos que usar esses novos
nos que sabemos que é difícil de ser imple- conceitos que podem ser as SbN, a infra-
mentado, tanto que não estamos conseguindo estruturas verde ou azul. Nesse contexto,
atender às metas internacionais de redução de em vez de canalizar a água e jogar tudo de
emissão de carbono e nem de diminuição da uma vez para fazer uma inundação rápida,
destruição das florestas. Nós temos um papel o ideal é reter a água e deixar que ela vá
fundamental no Brasil, que é combater a des- infiltrando aos poucos no solo, correndo
truição das florestas, principalmente a Flores- por dentro do solo, fazendo que ele fun-
ta Amazônica, o que resta da Mata Atlântica cione como um filtro até chegar no rio. “É
e do Cerrado. Isso é uma contribuição que te- fundamental mudar o conceito de projeto,
mos que fazer para o mundo, para a garantia adotando essas soluções principalmente
da qualidade de vida global”, salienta. nas periferias, que são as regiões mais ca-
O executivo concorda que esse tipo de rentes e onde ocorre o maior número de
ação não cabe ao setor de saneamento, mas “Só vamos conseguir mortes e onde se originam as inundações
ele é fundamental na adaptação das cidades
ao novo clima vigente, garantindo segurança desacelerar a mudança que afetam toda a cidade”, ressalta.
Adicionalmente, Thelma alerta que as
hídrica e o manejo adequado das águas plu- climática, se mudarmos SbN são vulneráveis aos impactos da mu-
viais. “Atuando nas duas pontas desse sistema:
na seca e no excesso de chuva, certamente, o a economia global, dança do clima, e sua efetividade declina
com o aumento do aquecimento global.
setor de saneamento vai ser um grande aliado produzindo menos e “Para que ações adequadas de adaptação
no combate às mudanças do clima”, assegura.
gastando menos energia, sejam efetivas é importante que sejam im-
plementadas nos lugares corretos e que as
Infraestrutura natural e seus bene- por exemplo, mas tudo comunidades tenham uma participação
fícios | Mas, gradualmente as SbN vêm
mudando medidas de infraestrutura pu- isso envolve acordos de efetiva na tomada de decisão para evitar o
risco de conflitos. Finalmente, os benefí-
ramente cinza para medidas mistas de governos que sabemos cios de várias SbN dependem de um varie-
engenharia e meio ambiente. Thelma cita
como exemplos os Sistemas Sustentáveis que é difícil de ser dade de questões espacialmente dependen-
tes, assim como de fatores institucionais,
de Drenagem Urbana, que ajudam a di- implementado. ” incluindo sua produtividade, custos de
minuir os picos de fluxo, que são acessí- oportunidade, dificuldade técnica de im-
veis, esteticamente agradáveis e social- Celso Santos Carvalho, membro plementação, vontade local de considerar as
mente aceitáveis, além de reduzir o calor da coordenação nacional da Rede opções, direitos de propriedade e institui-
e, portanto, a produção de tempestades. ções, dentre outros vários fatores”, detalha.
BrCidades da Frente Brasil Popular
“As SbN usam os sistemas naturais ou Thelma Krug comenta que ainda há
seminaturais, por exemplo, áreas úmidas, pouca evidência de eventos de início len-
ecossistemas de água doce sadios, entre periurbana, as SbN têm sido usadas para o to, incluindo a aplicabilidade de SbN para
outros, para fornecer água limpa, regular gerenciamento de águas pluviais, combi- gerenciar ecossistemas altamente vulnerá-
inundações, melhorar a qualidade da água nando funções de purificação e retenção de veis e na agricultura. “Algumas conclusões
e controlar erosão”, aponta. água, assim como para mitigar os impactos nos relatórios recentes do IPCC expressam
Em comparação com a infraestrutura de eventos de precipitação extrema de alto o fato de que embora as SbN contribuam
física cinza, a especialista destaca que a in- impacto. “Cidades como Nova York e Cope- para a adaptação à mudança do clima e re-
fraestrutura natural costuma ser mais flexí- nhague já vem implementando SbN para es- duzam a quantidade de emissões de gases
vel, ser custo-efetiva e pode prover múltiplos ses fins. Entretanto, faz-se necessário ter um de efeito estufa para a atmosfera, há limi-
benefícios sociais e ambientais ao mesmo maior conhecimento sobre os benefícios a tes para o que podem fazer. Para prover
tempo. “Há evidência crescente sobre o pa- longo prazo dessas soluções, particularmente um ambiente seguro, tanto para as pessoas
pel das Soluções Baseadas na Natureza para para os riscos hidrometeorológicos”, ressalta. quanto para a natureza, será essencial re-
adaptação à mudança do clima e redução do Para Celso Carvalho, as soluções ba- duzir radicalmente e no futuro próximo
risco de desastres em diferentes escalas”, in- seadas na natureza são os novos conceitos as emissões de gases de efeito estufa, es-
forma a vice-presidente do IPCC. que podem ser implementados nas cidades pecialmente pela queima de combustíveis
Segundo Thelma, nas escalas urbana e para minimizar os efeitos da mudança do fósseis”, conclui.

36 SANEAR
Sergio Antonio Gonçalves OPINIÃO
Mestre em Saúde Pública na área de estudo da Gestão e Regulação
dos Serviços Públicos de Saneamento (Fiocruz), engenheiro civil e
bacharel em Química. Secretário executivo da Aesbe.

RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, EDUCAÇÃO E


MULHERES: A IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS
AFIRMATIVAS NO SANEAMENTO BÁSICO

E
NTENDE-SE AQUI, POR RELAÇÕES ÉT- peito aos direitos humanos e das relações É a troca cultural, o entrelaçamento de
NICO-RACIAIS, AQUELAS ESTABELE- étnico-raciais, formando cidadãos para uma povos e a partilha de conhecimento que
CIDAS ENTRE OS DISTINTOS GRUPOS sociedade livre, democrática e de respeito às contribui para enriquecer cada vez mais a
SOCIAIS, E ENTRE INDIVÍDUOS DES- diferenças étnica, cultural, religiosa, de gêne- cultura brasileira fundamentado em três
TES GRUPOS, informadas por conceitos ro, de orientação sexual e de opção política. eixos: o reconhecimento da diversidade; a
e ideias sobre as diferenças e semelhanças É inegável a presença da etnia africana promoção da visibilidade da Cultura negra
relativas ao pertencimento racial destes ou negra em nosso país, no entanto, apesar e indígena e; o protagonismo desses povos.
indivíduos e dos grupos a que pertencem. dessa presença a sua visibilidade ainda não O Estado brasileiro reconheceu que
Relacionam-se ao fato de que, para cada é tão abrangente. Mesmo nos momentos há uma dívida histórica em relação aos
um e para os outros, se pertence a uma deter- em que isso acontece, o negro e sua cultura dois grupos étnicos (negro e indígena) que
minada raça, e todas as consequências desse ainda são apresentados de forma negativa. compõem a formação cultural do povo
pertencimento. Em outras palavras, quando Isso se deve um pouco a maneira como os brasileiro e por muito tempo e ainda hoje
estamos face a face com outra pessoa, é ine- livros didáticos têm representado e contado sofrem as consequências das ações políticas
gável que seu fenótipo, cor da pele, penteado a história afro-brasileira e indígena. perpetuadas por muitos anos.
e forma de vestir-se desencadeiem, de nossa Por muito tempo afirmou-se que o A situação no qual esses povos se en-
parte, julgamentos sobre quem é o que faz e Brasil era um país composto por uma po- contram hoje se deve, a repetidas ações e
até o que pensa tal pessoa. pulação branca. omissões do Estado.
Dessa forma, informados por estereóti- O último censo do IBGE 2010 (Ins- Podemos afirmar que o Estado causou
pos, se não estivermos atentos, podemos ma- tituo Brasileiro de Geografia e Estatística) intencionalmente um prejuízo, levando com
nifestar, por palavras e gestos, discriminação, demonstrou que 51% da população se de- que essas populações convivessem ou com-
desrespeito, desqualificação. Estes julgamen- claram pretos ou pardos. Portanto, pela pri- petissem na sociedade de forma desigual.
tos decorrem de preconceitos. Pessoas negras meira vez se desmistificou essa ideia. Como pode ser observado no texto a
têm sido vítimas deles. Tal conceito se refere Isso significa dizer também que não há seguir, “O Ministério da Educação, compro-
à construção social que envolve característi- uma hegemonia. O que caracteriza e marca metido com a pauta de políticas afirmativas
cas físicas e culturais (Guimarães, 2003) . No a identidade brasileira é a diversidade. Di- do governo federal, vem instituindo e imple-
Brasil, tensas relações étnico-raciais são vivi- versidade de povos, de cultura e etnias. mentando um conjunto de medidas e ações
das, principalmente, entre negros e brancos. No entanto, embora haja uma maioria com o objetivo de corrigir injustiças, eliminar
No contexto de políticas afirmativas , parda e negra, conforme o IBGE, isso não discriminações e promover a inclusão social
no qual, para este texto, destacamos o aces- se traduz em oportunidades ou presença no e a cidadania para todos no sistema educa-
so aos serviços públicos de saneamento bá- mundo do trabalho, no mundo acadêmico, cional brasileiro.” (BRASIL, 2004b, p.5) .
sico, elas devem partir de pressupostos his- no mundo político e nos postos de direção Esta afirmativa do Ministério da Educa-
tóricos da exclusão. Populações periféricas ou comando e no acesso aos serviços públi- ção, feita no ano de 2004, refletia o propósito
e em situação de risco social são predomi- cos de saneamento. de implantar e implementar políticas afir-
nantemente negras e, para seu atendimento Pelo contrário, a população negra é a mativas no qual as políticas e seus serviços
deve-se considerar seus hábitos, costumes que mais tem sofrido com a pobreza, o de- públicos têm um papel fundamental e, com
sua inter-relação social, isso tudo deve ser semprego e a violência. No passado, a mis- isso, temos que estar cada dia mais firmes e
captado, absorvido, respeitado e traduzido cigenação foi vista como algo perigoso e atuantes mantendo o protagonismo que a
nos projetos, nas pesquisas e nas campa- ameaçador. A diversidade cultural do povo sociedade espera da nossa classe profissional.
nhas comunitárias. brasileiro não pode ser visto como uma Voltando ao saneamento, documentos
Construir e disseminar a cultura de res- ameaça e sim, como uma riqueza. produzidos pelo Instituto de Pesquisa Eco-

ANO XV • 2022 • N. 41 37
OPINIÃO
nômica Aplicada – IPEA, órgão do gover- rede geral (17,9%, contra 11,5% da popu- meta, significa tirar 635 mil de mulheres
no federal, já apontava em 2009, a seguinte lação branca). automaticamente da linha da pobreza,
distribuição conforme – “habitação e sane- Outro dado muito importante, corro- sendo três de quatro delas negras. São
amento, que a distribuição de domicílios borado pela ONU, aponta que os déficits 15,2 milhões de mulheres no Brasil que
urbanos em favelas, segundo sexo e cor/ mais elevados de acesso a esgoto no Brasil declararam não receber água tratada em
raça do/da chefe, Brasil, 2009. estão entre as mulheres autodeclaradas par- suas moradias e 27 milhões sem acesso
• 12,8% dos domicílios são chefiadas por das, indígenas e pretas, conforme metodo- adequado à infraestrutura sanitária. Isso
mulheres brancas logia utilizada pelo IBGE. Isso também é reduz consideravelmente a capacidade de
• 21,0% dos domicílios são chefiados por observado para as mulheres autodeclaradas produção no mercado de trabalho, além
homens brancos negras, pardas e pretas, que têm mais difi- de tornar as mulheres mais suscetíveis a
• 26,8% dos domicílios são chefiadas por culdade de acesso à água. doenças infecciosas como cólera, hepatite
mulheres negras Várias pesquisas, não só no Brasil, apon- e febre tifoide.
• 39,4% dos domicílios são chefiados por tam que devido ao papel desempenhado pela As desigualdades na prestação dos
homens negros mulher nas atividades domésticas e nos cui- serviços de saneamento ficaram mais evi-
Observa-se que 66,2% dos domicílios dados com pessoas, a ausência de água afeta dentes desde o início da pandemia de Co-
urbanos em favelas são chefiados por mu- de maneira mais intensa a vida das mulheres vid-19 no Brasil (primeiro trimestre de
lheres negras e/ou homens negros. do que a dos homens. Um relatório das Na- 2020), onde as populações mais impactadas
A Pesquisa Nacional por Amostra de ções Unidas de 2016 destacou o fato de as e suscetíveis à doença foram e, são, aquelas
Domicílios Contínua (PNAD de 2020) mulheres desempenharem trabalhos não re- que não possuem serviços de saneamento
aponta que 45,3% da população negra con- munerados, seja doméstico seja de cuidados, básico adequado. Isso impactou principal-
vive com a ausência de pelo menos um ser- três vezes mais do que os homens. mente as populações mais vulneráveis que
viço de saneamento básico, enquanto para Como cuidadoras, as mulheres são mais concentram a maioria de mulheres autode-
a população branca é de 27,9%. afetadas quando membros da família ado- claradas pardas, indígenas e pretas.
Quando é abordada a estratificação des- ecem como resultado da inadequação do Neste contexto e, para que possamos
tas populações, por faixa etária, se observa acesso à água, ao esgotamento sanitário e de forma afirmativa enfrentar os desafios
que as crianças de até 05 anos são as mais à higiene. Também estão em maior contato da inclusão e da universalização, principal-
afetadas, principalmente no tocante a doen- físico com a água contaminada e com de- mente, nas áreas urbanas adensadas e nas
ças causadas pela ausência de saneamento. jetos humanos quando a infraestrutura de regiões metropolitanas, é necessário que o
Ainda segundo o informativo de De- saneamento é inadequada. Estado brasileiro (União, Estados e Muni-
sigualdades Sociais por Cor ou Raça no Quanto aos Objetivos de Desenvolvi- cípios) em conjunto com os prestadores de
Brasil do IBGE, de 2019, os negros são a mento Sustentável 5 (ODS-5) , relaciona- serviços de saneamento básico, criem, prio-
maior proporção da população residindo do à igualdade de gênero, está intrinseca- rize e implemente “políticas afirmativas”
em domicílios sem coleta de lixo (12,5%, mente ligado ao nível de universalização do para a população negra, pois esta população
contra uma fatia de 6% da população saneamento básico. possui demandas específicas que, por mui-
branca) e sem abastecimento de água por Para que o Brasil possa cumprir essa tas vezes, são ignoradas.

1
Carlos Augusto Sant’Anna GUIMARÃES. Das Mobilizações à Política de Educação das Relações Étnico-raciais. 2003.
2
Ações afirmativas são políticas públicas focais voltadas para grupos que sofrem discriminação étnica, racial, de gênero, religiosa. As políticas afirmativas têm como objetivo promover a
inclusão socioeconômica de populações historicamente privadas do acesso a oportunidades.
3
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é um instituto público da administração federal brasileira criado em 1934 e instalado em 1936 com o nome de Instituto
Nacional de Estatística. O IBGE tem atribuições ligadas às geociências e estatísticas sociais, demográficas e econômicas, o que inclui realizar censos e organizar as informações obtidas
nesses censos, para suprir órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal, e para outras instituições e o público em geral.
4
Brasil. Ministério da Educação. Revista Inclusão. V.4, Nº1. , janeiro/junho de 2008.
5
A fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é uma fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia (ME) criada em 1964 como Epea (Escritório) e
assumindo o nome atual em 1967. Suas atividades de pesquisa fornecem suporte técnico e institucional às ações do governo para a formulação e reformulação de políticas públicas e
programas de desenvolvimento.
6
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, de periodicidade anual. Planejada para produzir resultados para Brasil, Grandes Regiões, Unidades da Federação e nove
Regiões Metropolitanas (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre), ela pesquisava, de forma permanente, características
gerais da população, educação, trabalho, rendimento e habitação, e, com periodicidade variável, outros temas, de acordo com as necessidades de informação para o País.
7
Criada em 24 de outubro de 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU) que tem quatro objetivos principais: manter a paz e a segurança internacionais, fomentar a amizade e as
boas relações entre as nações, defender a cooperação como solução para os problemas internacionais e o desenvolvimento.
8
Os ODS têm como objetivo garantir o fim da discriminação contra mulheres e meninas em todos os lugares até 2030. Dar à mulher direitos iguais aos recursos econômicos, como terra
e propriedade, são metas vitais para a realização desse objetivo assim como garantir o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva.
9
A COVID-19 é uma doença infecciosa causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e tem como principais sintomas febre, cansaço e tosse seca. Outros sintomas menos comuns e que
podem afetar alguns pacientes são: perda de paladar ou olfato, congestão nasal, conjuntivite, dor de garganta, dor de cabeça, dores nos músculos ou juntas, diferentes tipos de erupção
cutânea, náusea ou vômito, diarreia, calafrios ou tonturas. Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade
de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Tratava-se de uma nova cepa (tipo) de coronavírus que não havia sido identificada antes em seres humanos. Uma semana
depois, em 7 de janeiro de 2020, as autoridades chinesas confirmaram que haviam identificado um novo tipo de coronavírus. Os coronavírus estão por toda parte. Eles são a segunda
principal causa de resfriado comum (após rinovírus) e, até as últimas décadas, raramente causavam doenças mais graves em humanos do que o resfriado comum.

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