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05/04/23, 17:48 Dez razões para que o apoio aos reguladores do saneamento básico seja atribuído ao Ministério das

rio das Cidades - Le Monde Dip…

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ÁGUA

Dez razões para que o apoio


aos reguladores do
saneamento básico seja
atribuído ao Ministério das
Cidades
Acervo Online | Brasil
por Abelardo de Oliveira Filho, Amauri Pollachi, Luiz Roberto Santos Moraes, Marcos Helano Fernandes
Montenegro e Renata de Faria Rocha Furigo
19 de janeiro de 2023

A boa prática participativa e de busca de entendimento entre


perspectivas diferentes recomenda dar luz e voz para a
argumentação contrária a essa visão do setor privado no
saneamento básico

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Nos primeiros dias do novo governo Lula surgiu um incessante ataque à


proposta estudada pelo governo de transição, de que as funções de
apoio à regulação do saneamento básico sejam devolvidas para a
Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA) do Ministério das
Cidades e, portanto, saiam da Agência Nacional de Águas (ANA).

Entidades e pessoas representativas dos interesses de empresas e


investidores privados alegam que essa medida promoveria retrocesso ao
ambiente de negócios promovido pela lei sancionada no governo
Bolsonaro. Afirmam que a indução à privatização do saneamento básico
é o único caminho para a universalização dos serviços e que uma
“regulação independente” por meio da ANA é a melhor maneira para
operacionalizar esse processo.

Entretanto, a boa prática participativa e de busca de entendimento entre


perspectivas diferentes recomenda dar luz e voz para a argumentação
contrária a essa visão do setor privado no saneamento básico.

A proposta de alteração nas atribuições da ANA e da SNSA não surgiu de


um impensado ato de ofício ou da vontade individual de um burocrata. É
fruto de uma reflexão racional e absolutamente dirigida para o interesse
maior da população brasileira quanto ao saneamento básico: o direito de
acesso à água boa e aos outros componentes do saneamento básico de
qualidade para todos, independentemente de suas condições sociais,
financeiras e do local de sua moradia. Essa condição, defendida pelo
presidente Lula, foi a diretriz central para a atuação do governo de
transição.

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Estação de Tratamento de Esgotos de Barueri (SP) em 2017. (Foto: Diogo Moreira/a2img)

A título de contribuição para esse debate, elaboramos uma singela lista


das dez principais razões para que a função de apoio aos reguladores da
prestação de serviços públicos de saneamento básico seja retirada da
legislação que define as atribuições da ANA e, portanto, devolvida à
SNSA.

1 – A ANA está em conflito de interesses. A ANA tem por função gerir os


recursos hídricos, que é um bem público que possui diversos usuários.
Um desses usuários é o saneamento básico. Logo colocar na mesma
agência a regulação dos recursos hídricos e do saneamento básico é
tecnicamente errado porque é “colocar o cachorro para cuidar da
linguiça”.

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2 – A ANA não é responsável pela regulação, ao contrário do que tem


afirmado a mídia de forma distorcida, após a Lei n. 14.026/2020, a
regulação do saneamento pertence ao regulador local, até porque a
titularidade dos serviços públicos de saneamento básico é municipal.
Não pode o governo federal regular o que não é de sua competência. O
que a ANA faz é o que o Ministério das Cidades fazia antes: apoiar
estados e municípios para que tenham bons reguladores. Só que a ANA
faz isso de forma distorcida, sem apoio financeiro ou técnico, apenas
editando normas que praticamente conduzem à privatização.

3 – A ANA é discriminatória, e tem agido assim com os prestadores


públicos. Quando edita suas normas, prevê regras mais benéficas para os
concessionários privados e não reconhece direitos aos prestadores
públicos. Sirva de exemplo a proposta de norma de indenizações no
término dos contratos, que a ANA colocou em consulta pública: se o
prestador é privado ele terá direito à indenização maior e mais
abrangente do que a prevista para o prestador público. Essa
discriminação tem que acabar.

4 – A ANA é bolsonarista. As agências reguladoras deviam ter a sua


diretoria formada por técnicos, com mandatos fixos e não coincidentes.
Com isso, a cada ano deveria ingressar um novo diretor, que se
relacionaria com os demais, evitando mudanças bruscas de orientação
regulatória e, ainda, para impedir que a agência seja instrumentalizada
politicamente. Só que essa regra não foi respeitada na ANA, porque em
janeiro de 2022 o então presidente Bolsonaro nomeou quatro diretores
de uma vez só, com mandatos até 2026. Ou seja, manter a ANA do jeito

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que está é defender que bolsonaristas cuidem do saneamento básico até


praticamente o fim do governo Lula – dito de outra forma: para o
saneamento básico, é como se Bolsonaro continuasse a ser presidente.

5 – A ANA não é técnica. Os diretores nomeados pelo Bolsonaro não


eram da área de saneamento nem de recursos hídricos – o que gerou
várias críticas das entidades da área. Uma das indicadas, por exemplo, é
esposa do ex-Secretário Executivo da Casa Civil de Bolsonaro. Divulgar
que manter o apoio à regulação na ANA porque é uma “agência técnica”
é uma falácia. Na realidade, o que eles querem é que esse tema esteja
sob o controle de bolsonaristas e atenda aos interesses do setor privado.

6 – A ANA é ineficiente. Desde julho de 2020, quando essa competência


lhe foi confiada, a ANA editou apenas duas normas de referência para o
saneamento básico – e estão previstas 72. Importante ressaltar que a
instituição das duas normas ocorreu em junho e em novembro de 2021 –
em suma: durante todo o ano de 2022 nenhuma norma foi editada.
Conclusão: a diretoria bolsonarista da ANA, nomeada em janeiro de
2022, não produziu qualquer norma no ano – isso se explica porque
estavam reservando a “maldade privatista” contra os prestadores
públicos para após a reeleição de Bolsonaro, que não se confirmou.

7 – A ANA não é neutra. Os seus dirigentes, inclusive superintendentes,


foram capturados e agem com dois pesos e duas medidas. Circulou nas
redes sociais inclusive fotos de dirigentes da ANA comemorando a
privatização da Corsan na Bolsa de Valores, em pregão que teve apenas
um lance. Isso não é papel da Agência, porque compromete a sua
neutralidade. Tais fatos levaram José Machado (ex-presidente da ANA) a

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questionar esse comportamento em artigo que publicou na revista Carta


Capital, inclusive requerendo que a Comissão de Ética Pública adote
providências.

8 – A ANA é intolerante. Recentemente diversos técnicos de carreira


foram afastados de suas funções, para serem substituídos por
bolsonaristas ideológicos. Os técnicos afastados não possuem nenhuma
atividade política. Isso ocorreu justamente para poder instrumentalizar a
ANA para o projeto bolsonarista de privatizar os serviços públicos de
saneamento básico e de negar o acesso a esse direito às periferias
urbanas e áreas pobres e, ainda, para “aliviar” a fiscalização do
cumprimento de metas das concessões privadas.

9 – A ANA exorbita de seu papel. Como o saneamento é de titularidade


municipal, as agências reguladoras que cuidam do tema são municipais,
estaduais ou consórcio de municípios – muitas delas de excelente
qualidade. Ao contrário de apoiar as agências locais, a ANA tem tentado
de todas as formas controlar essas agências, inclusive tentando cooptar
seus dirigentes e técnicos, aproveitando-se da capilaridade do
bolsonarismo. Inclusive chegou ao ponto de, em junho de 2022,
representar à Procuradoria Geral da República contra os governadores
da Bahia, Paraíba, Maranhão, Pernambuco, Sergipe, Amazonas, Espírito
Santo e Paraná porque eles estariam defendendo suas companhias
estaduais de água e esgoto e, por isso, no entendimento da ANA,
fraudando a diretriz de privatização do saneamento básico prevista na
Lei n. 14.026/2020. Óbvio que essa representação nada tem a ver com as
competências da ANA, que são limitadas a editar normas de referência
sobre determinadas matérias, listadas em lei.

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10 – Manter a ANA com saneamento básico é irracional. A política


pública de saneamento básico se utiliza de diversos instrumentos
(planos de saneamento básico, financiamentos com base em recursos do
FGTS e FAT, incentivos aos consórcios públicos e a outros arranjos
interfederativos, integração com processos de urbanização e
regularização fundiária e a regulação) que precisam estar integrados. Ter
retirado a competência de apoiar os reguladores da Secretaria Nacional
de Saneamento foi um dos principais equívocos da Lei n. 14.026/2020,
porque tornou irracional e esvaziou a política pública de saneamento
básico e gerou incertezas que prejudicaram os investimentos,
especialmente os públicos. Sempre bom lembrar que, apesar do
percentual de investimentos privados em abastecimento de água e
esgotamento sanitário ter subido, no global os investimentos caíram – e
essa queda afetou em especial as periferias urbanas, as áreas rurais,
indígenas, ribeirinhas e quilombolas. É necessário combater o discurso
bolsonarista que defende manter parte da política pública de
saneamento básico fora da Secretaria Nacional de Saneamento
Ambiental – até porque, se ficar assim, evidente que haverá contínuos
conflitos entre a secretaria e a ANA, o que deve paralisar e dificultar que
programas, projetos e ações de saneamento básico avancem.

Abelardo de Oliveira Filho é engenheiro e professor; ex-secretário


Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades e ex-
presidente da Embasa.

Amauri Pollachi é mestre em Planejamento e Gestão do Território,


presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e conselheiro
do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas).
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Luiz Roberto Santos Moraes é PhD em Saúde Ambiental, professor


titular em Saneamento aposentado e professor emérito da Universidade
Federal da Bahia.

Marcos Helano Fernandes Montenegro é mestre em Engenharia Urbana


e de Construções Civis, diretor nacional da Associação Brasileira de
Engenharia Sanitária e Ambiental, coordenador de Comunicação do
Ondas, ex-diretor da Secretaria Nacional de Saneamento e regulador
aposentado de serviços públicos de saneamento.

Renata de Faria Rocha Furigo é doutora em Urbanismo e coordenadora-


geral do Ondas.

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Denis Goipeba
Como assim, Lula pode reformar a ANA?
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Marcilio Medeiros
Muito elucidativo. Jogo luz no desespero frequentemente noticiado pela iniciativa privada sobre as
mudanças que tecnicamente foram sugeridas pelas equipes de transição do governo Lula e
Alckmin. As mudanças defendem a garantia do direito ao acesso ao saneamento básica das
populaçoes. e mais retoma a noção da água como um bem comum e não como mera mercadoria
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