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TÊJE PRESO CABRA!

Devem ter sido essas as palavras usadas pelo Chefe


de Polícia do Recife para dar voz de prisão ao maior poeta
popular brasileiro de todos os tempos, LEANDRO
GOMES DE BARROS. O crime cometido pelo poeta foi
de haver escrito um folheto em defesa de um camponês
injustiçado.
Ruth Brito Lêmos Terra em MEMÓRIAS DE
LUTA: Literatura de Folhetos do Nordeste -1893-1939-
conta que; Permínio Asfora escreveu sobre Leandro
Gom_s de Barros: " Trechos de sua vida são lembrados
até hoje. Contam que já morava aqui no Recue (Leandro)
quando um senhor de engenho, indignado com um
morador, resolveu aplicar neste uma sova de palmatória
(...) Um dia o senhor de engenho é surpreendido por
violenta punhalada vibrada pela mesma mão que levara
seus bolos. O poeta Leandro aproveita o caso policial,
transformando-o em folheto que era um libelo contra o
senhor de engenho. Descreve em O PUNHAL E A
PALMATÓRIA, com calor e simpatia, a inesperada
vindita.
o Chefe de Polícia, enfurecido com a literatura de
Leandro (e a serviço do latifundiário), manda metê-Io na
cadeia. Apesar de folgazão, Leandro era homem de muita
vergonha e de muito sentimento. E como naquele já
distante ano de 1918 a cadeia constituia uma humilhação, à
humilhação da cadeia sucumbiu o grande trovador
popular".
É uma pena que nosso poeta maior te$a morrido de
tristeza. A maioria dos pesquisadores não se reporta a esse
epílogo sombrio.
De 1893 à 1918, ano de sua morte, a pena fértil do
pombalense famoso criou mil histórias. Ainda é Ruth quem
nos informa: "Segundo anúncio de 1917, Leandro publicou
mais de quinhentos folhetos, o que significa no mínimo mil
composições, pois tais folhetos continham, dois ou mais
poemas". A Paraíba deve homenagens à Leandro.
Felizmente a cidade sertaneja de Paulista deu ao seu
Forum, recentemente inaugurado, o nome de LEANDRO
GOMES DE BARROS. Parabéns aos que tiveram a idéia
da justa homenagem. ManoeI Monteiro
LEANDRO GOMES
* O Rei do cordel *

Autor: Manoel Monteiro

01 - LEANDRO GOMES DE BARROS


Nosso amado menestrel
Que em vez de alaúde
Usou caneta e papel,
Tipo, tinta, impressora
Na construção precursora
Do folheto, ou do CORDEL.

02 - O cordel, este livrinho, Escrito


em versos rimados
Obedecendo um "tamanho"
Porque são metrificados
Conforme o que se comenta,
Da forma que se apresenta,
Teve aqui os seus primados.

03 - Trinta -e cinco anos antes


De chegar mil novecentos,
Em Pombal, nasceu LEANDRO
Um dos maiores talentos
Que a poesia já deu,
Diz-se que ele escreveu
De cordéis, mais de quinhentos.
04 - LEANDRO é da velha cepa,
De Inácio da Catingueira
De Romano da Mãe D'Água
Dos poetas do Teixeira,
De cangaceiro e polícia
Dos quais se deu a notícia
Pelos folhetos de feira.

05 - Nasceu no tempo que carro


De boi era condução,
Luz era de lamparina,
Cuscuz de milho era pão,
"Pinto" pequeno era bimba
Água era de cacimba ,
Busca-pé era mijão.

06 - Estava um novembro quente,


19 na folhinha,
Na Fazenda Melancia
Veio ao mundo a criancinha
Mas com.o o pão lhe faltou
Um tio Padre "ajudou"
A criar o poetinha.

07 - Esse seu tio matemo


Chamado Padre Vicente
Xavier de Farias que
Maltratava o inocente
De forma tão vil e rasa
Que ele fugiu de casa
Com 11 anos somente.
08 - Imagine o sofrimento
Do poeta tão pequeno
Vagando pelas estradas
Sob sol quente e sereno,
Um viajor. tão menino,
Sem lar, sem pão, sem destino,
Sem conhecer o terreno.

09 - Parece que tem um Deus


Que faz poeta sofrer
Apaga a luz do seu mundo
Pra fantasma aparecer,
Inferniza seus instantes
Com gemidos lancinantes
Que penetram fundo o ser.

10 - Lembrem Castro Alves jovem


Com a tísica no pulmão,
Cassimiro no exílio
Gonçalves Dias, então,
Foi um desafortunado
Porque morreu afogado
Nas costas do Maranhão.

11 - Pois bem, LEANDRO na fuga,


Saiu vencendo a poeira
Pedindo abrigo a estranhos
Por rancho, fazenda e feira,
Nesse andar de peregrino
Os pés levaram o menino
À cidade do Teixeira.
12 - Dos 11 aos 15 viveu
Por Teixeira e arredores
Já então Teixeira era
Enseada dos maiores
Cantadores de repente
Tidos até o presente
Como a nata dos melhores.

13 - Enquanto o jovem LEANDRO


Trabalhava de alugado,
Fazia serviço avulso
Para ganhar um trocado
Ao mesmo tempo queria
Dominar a poesia
Por quem fói contaminado.

14 - Ao ouvir as cantorias
Se imaginava fazendo
Versos da mesma maneira,
Foi tentando e aprendendo,
Como não tinha instrumento
Pegava um verso no vento
E o gravava escrevendo.

15 - Como José de Anchieta


Riscava os versos no chão,
Decorava e repetia
Mas sentia precisão
De passá-I os ao papel
Eis aí como o cordel
Ganhou vida no Sertão.
16 - Cordel hoje, porque ontem
Era FOLHETO ou ESTÓRIA,
ROMANCE, se fosse longo,
Isso é que tenho em memória
Mas, vamos mais adiante,
Falar do folheto infante,
Seu começo e trajetória.

17 - Papel jornal no "miolo"


Por ser o mais acessível,
Na capa, ,manilha em cor
De embrulhar pão, é incrível;
Papel manilha e jornal
Mais impressão manual
Tornaram o cordel possível.

18 - As letras eram pescadas


Nas caixetas, uma a uma,
O tamanho do folheto
Era pra não ter nenhuma
Sobra, apara ou desperdício
Assim lá pelo início
Cordel foi feito de ruma.

19 - A capa ganhou desenho


Depois da xilogravura
Que é um bloco entalhado
Onde aparece a figura,
Que estiver em relevo,
Registrem como descrevo
Por ser a verdade pura.
20 - Vamos voltar pra LEANDRO
Quando arribou do Sertão
Levando toda fortuna
Na alma e no matulão
(Partiu e fez muito bem)
E reencontrá-Io em
Vitória de Santo Antão.

21 - Saiu em definitivo
Da terra paraibana
Até encalhar na Zona da
Mata pernambucana,
Vitória, cidade bela, Que
a gente avista dela A
"Nassau Veneziana".

22- Vitória de Santo Antão


É perto do litoral
E é plantada entre verde
De extenso canavial,
Cheira a mel e aguardente
E dela também se sente
O cheiro da Capital.

23 - Quando o poeta já tinha


Uns 23 de idade
O amor chegou puxando
Pela mão uma deidade,
Cupido cantou hosana
Por ver Venustiniana
Trazendo a felicidade.
24 - Em pouco tempo o casal
O sim ao Padre dizia
E o poeta foi ter
Duma esposa a companhia
Já ganhando alguns mil réis
Com os primeiros cordéis
Que publicava e vendia.

25 - Casou-se e foi residir


Na bela Jaboatão
Coberta por águas fartas
No meio da plantação
Com tanta pitomba e jambo
Que deixaram o vate bambo
De tanta admiração.

26 - Agora nos Guararapes


de Jaboatão que fica
Parede e meia ao Recife
Com quem se identifica
Pela hospitaleira gente,
Pelo ar úmido e quente
E pela paisagem rica...

27 - O poeta ainda estava


A acomodar-se, e fez,
Lá por Mil e oitocentos
e oitenta e oito de vez
A cruzada da fronteira
Pra Veneza Brasileira
Cidade de mais jaez.
28 - Foi residir em Areia
Bairro junto à Cavaleiro
Enquanto a pena incansável
Fazia o cancioneiro
Mais fértil dia após dia
Tanto assim que já vivia
Do mister de folheteiro.

29 - Da filharada que teve


Nenhum ganhou permissão
De carregar pela vida
O dom de poeta e não
Vejo nada de anormal
Pois filho de marginal
Não precisa ser ladrão.

30 - LEANDRO deixou Areia


Não porque fosse ruim
que Mocotolombó
Era mais perto e assim
Mudou-se mais uma vez
E outra mudança fez
Pra Rua do Alecrim.

31 - Ali sim, estava perto


Do Mercado São José
Lugar de feira diária
Como ainda hoje é,
Um formigueiro perfeito
Com gente de todo jeito
De bacanaço à ralé.
32 - A essa altura o poeta
Já tinha economizado
Dinheiro para comprar
Um prelo, fértil roçado,
Para quem planta a semente
Da cultura que nascente
Triplica o que foi plantado.

33 - Já bastante experiente
Pelo convívio diário
Com as rimas concordantes
E com o vocabulário
Que dia-a-dia aumentava;
A sua obra tomava
Um vulto extraordinário.

34 - Escrevia sobre tudo


Que fosse notícia e desse
Uma estorinha atrativa
Dessas que o povo quisesse
Ouvindo COMPRAR e ler
Porque é para vender
Que o artista "borda e tece".

35 - Num Brasil de poucas letras


Sobreviveu de escrever,
Tenho dito que LEANDRO
Ensinou o povo a ler,
Fez porque gostava e quis,
Infelizmente, o país
Não lembra de agradecer.
36 - LEANDRO foi dos primeiros
Que a Musa acariciou
Com os folhetos impressos
Tais quais fazendo inda estou;
Cascudo foi seu devoto
E um dia "tirou-lhe" a foto
Que abaixo me mostrou.

37 - "Seu tipo era baixo e grosso,


Na postura, corcovado,
Os olhos claros, o crânio De
formato arredondado,
O bigodão muito espesso,
Assim está o começo
Do seu "perfil" desenhado.

38 - Tinha como nordestino


A fala lenta, cantada,
O andar era sem pressa
Passada sobre passada,
Um terno com pouco trato;
Cascudo fez tal retrato
Do vate, seu camarada.

39 - Câmara Cascudo acrescenta


Que o grande cordelista
Pelo porte bonachão
Parecia um ruralista,
Mas se no verso agradava
No papo deliciava
Pela verve de humorista."
40 - Não cantava ao som do pinho
Pois nunca foi cantador
Mas tem-se notícia farta
De que foi bom glosador,
Um exercício ideal
Para o profissional
Do ofício de escritor.

41 - Os poetas se juntavam
Em torno duma cachaça,
Haja mote e haja rima,
Haja improviso e chalaça,
Haja versos de verdade
Espirituosidade,
E haja festa na praça.

42 – Era dessas brincadeiras


Que as fantasias surgiam,
Duendes, príncipes, princesas
Tomavam forma e caiam
Na brancura do papel
Para encenar no cordel
Estórias que divertiam:

43 - Como O BOI MISTERIOSO,


O BALÃO, O BEIJA-FLOR,
A BATALHA DE OLlVEIROS...,
A FILHA DO PESCADOR,
Um SONHO DE ILUSÃO,
VILA NOVA NA PRISÃO,
O SOLDADO JOGADOR.
44- AS MANHAS DE UMA VIÚVA,
O SORTEIO MILITAR,
A RESSURREiÇÃO DOS BICHOS,
... ROSA E LlNO DE ALENCAR,
O COMETA, A CAGANEIRA
A CURA DA QUEBRADEIRA
E mais contos de embalar.

45 - O CAÇADOR E A VIRGEM,
CASAMENTO A PRESTAÇÃO,
O HOMEM QUE COME VIDRO,
UNS OLHOS, LAMENTAÇÃO
Ainda O PRINCIPE E A FADA
E mais A MULHER ROUBADA,
JUVENAL E O DRAGÃO.

46- AS PROMESSAS DO GOVERNO,


O TEMPO DE HOJE EM DIA,
ÉCOS DA PÁTRIA, DITAMES,
Depois, EU BEM QUE DIZIA,
SUSPIROS DE UM SERTANEJO;
MOSCA, PULGA E PERCEVEJO
Malfadada trilogia.

47 - E O CACHORRO DOS MORTOS,


A GUERRA, ALONSO E MARINA,
A VERDADE NUA E CRUA
Crítica acerba e ferina,
PRODIGIOS DA NATUREZA,
A HISTÓRIA DA PRINCESA
DO REINO DA PEDRA FINA.
48 - A VIDA DE PEDRO CEM,
A INTRIGA DA AGUARDENTE,
UMA VIAGEM AO CÉU
Sonho de todo vivente
E o INFERNO DA VIDA,
A ALEMANHA VENCIDA
Deixava o mundo contente.

49 - COMO SE AMANSA UMA SOGRA,


E O MARCO BRASILEIRO
CRISE PRA BURRO; O AZAR .
NA CASA DO FUNILEIRO,
Outro de que sempre falo,
A HISTÓRIA DO CAVALO
QUE DEFECAVA DINHEIRO.

50 - HISTÓRIAS de : MADALENA
Que você ouvindo chora,
DE JOÃO DA CRUZ e DA
ÍNDIA NECI onde aflora
Do amor o sentimento;
DE UM RICO AVARENTO,
DA DONZELA TEODORA.

51 - PADRE NOSSO DO IMPOSTO,


UM ALMOÇO NO INFERNO...,
O SONHO DE UM PORTUGUÊS,
E O BATACLÃ MODERNO,
O FISCAL E A LAGARTA
É essa obra tão farta
Que deixou LEANDRO eterno.
52 - Imaginou mil PELEJAS
Daquelas de noite inteira
Como a de JOSÉ PATRÍClO
COM INÁCIO DA CATINGUEIRA;
ZÉ DUDA E CEGO SABINO
E DE ANTÔNIO SILVINO
COM MANOEL CABECEIRA.

53 - Por diversas vezes "fez"


A DEFESA DA AGUARDENTE
Falou n'A URUCUBACA
Que persegue muita gente,
Deu rédeas soltas à lira
N'OS SOFRIMENTOS DE ALZIRA
Uma história comovente.

54 - Foi genial n'AS PROEZAS


DE UM NAMORADO MOFINO,
Por 25 folhetos
Falou de ANTÔNIO SILVINO;
Se quer pesquisar cangaço
Faça do jeito que faço
Leia os cordéis do "menino".

55 - Falei da vida e da obra


Que o bardo viveu e fez
Mas para mostrá-Ia inteiro
Gastaria mais de mês;
Como falei do começo
É meu dever, reconheço,
Falar do fim pra vocês.
56 - 53 anos foraM
Os que o poeta viveu
E a mesma poesia
Que tanto prazer lhe deu
Também foi a "responsável"
Por um fato lamentável
Que cedo o surpreendeu.

57 - Vejam meus caros amigos


O desfecho dessa história:
Um dia um senhor de engenho
De malfadada memória
Na falha dum operário.
Além do expurgo sumário
O surrou de palmatória.

58 - Achando pouco o castigo


Ainda teve a "bondade"
De dar mau informação
Dele na comunidade,
O homem não vacilou
E com um punhal vingou
Tamanha perversidade.

59 - LEANDRO, em favor do homem


Duplamente injustiçado
Fez um folheto de época
Defendendo o desgraçado,
Num rasgo bastante honesto
O seu cordel de protesto
Começa com este brado.
60 - NÓS TEMOS CINCO GOVERNOS
O PRIMEIRO O FEDERAL
O SEGUNDO O DO ESTADO,
TERCEIRO O MUNICIPAL
(Aí conclui a história)
O QUARTO É A PALMATÓRIA
E O QUINTO O VELHO PUNHAL..."

61 - Isso bastou para o Chefe


de Polícia, um maganão,
Mandar prender o poeta
E jogá-Io na prisão;
LEANDRO então ficaria
No porão duma enxovia
Igual a qualquer ladrão.

62 – Esse castigo terrível


Ao nosso poeta imposto
Feriu seu peito tão fundo
Que o ferimenfu exposto
Suas forças consumiu
E ele submergiu
Nas ondas desse desgosto.

"TORPEDO" À IRANI

Ofereço estes pobres versos ao incansável pesquisador e


poeta Irani Medeiros de quem o grande Leandro recebeu o
estudo NO REINO DA POESIA SERTANEJA que vale a pena
ser lido.
Eita dois pombalenses de ouro! (M.M.)

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