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Comunicação e Linguagem

Adriano D. Rodrigues (1994) – Comunicação e Cultura, pp. 35-39


O autor defende que a sobrevivência dos seres vivos depende das trocas que estabelecem
com o meio ambiente e que também estabelecem com os outros seres. Estas obedecem a
um esquema comportamental de natureza mecânica (algo que é feito sem pensar), que a
teoria dos sistemas defende como uma relação entre um estímulo e uma resposta.

Estímulo Resposta

Ex: o mecanismo instintivo da fome desencadeia um estimulo que leva o animal a procurar
o alimento de que precisa, ou seja, a fome é o estimulo a procura de alimentos é a
resposta a esse estimulo

Alguns destes dispositivos comportamentais automáticos garantem a sobrevivência dos


indivíduos (como a fome e a sede) e outros garantem a sobrevivência da espécie (como o
instinto sexual).

Para que os seres vivos sejam capazes de sobreviver necessitam de dispositivos instintivos
que os permita percecionar sensorialmente os sinais enviados pelo mundo que os rodeia e
também permita que estes os interpretem de forma correta para que possam respondam
de forma adequada a esses estímulos.

Os dispositivos instintivos permitem que os seres vivos estabeleçam, portanto, relações e


mecanismos de transação com o mundo físico que os rodeia e com os seres vivos que
convivem no mesmo habitat.

Estes processos de transação só são possíveis porque o mundo natural se assume como
uma fonte de estímulos que se convertem em sinais e são captados sensorialmente pelo
recetor que responde a esses sinais de forma correta. Podemos dizer que a natureza dos
signos se trata de uma realidade sensorial destinada a assegurar o processo de transação
dos seres vivos, este processo é indispensável à manutenção, preservação e reprodução
dos organismos.

Processo de transação:

Fonte Sinal Canal Sinal Recetor Resposta

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 1


Estes processos obedecem a uma lógica comportamental, no sentido, de que os seres
vivos regem os seus comportamentos de acordo com os sinais que percecionam do mundo
que os rodeia, além disso respondem de forma mecânica, automática, espontânea e
imediata aos estímulos que o mundo envia.

Ex: Alguns dispositivos são de tal modo elaborados que têm levado a designá-los como
linguagens, confundindo-os com processos específicos da comunicação humana. Por
exemplo, a dança que as abelhas utilizam para assinalar uma fonte de pólen ( as abelhas
quando regressam a colmeia transmitem as suas colegas em forma de dança a distancia a
que se encontra a fonte de alimento e a orientação a seguir para a encontrar).

Apesar de os seres humanos terem idênticos dispositivos instintivos de transação com o


meio ambiente, as respostas que dão aos estímulos que provem do mundo que os rodeia,
não são respostas determinadas. Ou seja, é por isto que não podemos falar de instintos,
mas sim de pulsões.

Definição: As pulsões são modalidades específicas dos dispositivos instintivos do homem e


uma modalidade virtual que exige a concretização cultural.

Deste modo, os seres humanos assumem a capacidade de se relacionarem com o mundo


que os rodeia, com os outros e com eles próprios segundo signos culturais que criam e
elaboram de acordo com uma determinada lógica, diferente das leis dos comportamentos
animais (estes regem-se de acordo com os seus instintos e não lhe podem fugir).

Neste sentido, os signos estão destinados a atualizar culturalmente as pulsões que são
responsáveis pelo desempenho das funções das relações. A autonomia que os seres
humanos têm em relação aos sinais que o mundo que o rodeia envia, permite que sejam
capazes de transformar os sinais em signos, isto é, substituir os sinais por signos.

Contudo, estes relevam uma diferença: os sinais só podem existir na presença de


estímulos que irão dar origem à produção de uma resposta adequada, enquanto os signos
são concebidos culturalmente e destinados a funcionar mesmo na ausência de uma fonte
de estímulos sensoriais.

“ao contrario dos outros seres vivos, que estabelecem relações de transação com o meio
ambiente, respondendo mecânica e imediatamente aos estímulos que recebem, o homem
comunica, no sentido próprio deste termo, ao inventar mediações simbólicas, de natureza
cultural”. (página 38)

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 2


É caso para afirmar que a relação do homem ao mundo se estabelecesse através de
mecanismos de mediação:

- o corpo e os órgãos dos sentidos como dispositivos naturais de mediação;


- as modalidades de mediação inventadas como dispositivos culturais de mediação.
(A linguagem é um dos meios que leva o ser humano a entrar em contato com o meio
ambiente.)

O homem é ainda capaz de elaborar um mundo só para ele, projetar esse mundo perante
ele e ainda dominá-lo, enquanto os outros seres vivos estão condicionados e submissos
aos instintos inatos com que vem ao mundo.

Linguagem e Mediação
Por mediação entende-se os dispositivos simbólicos, em geral, e a linguagem verbal, em
particular.

A linguagem verbal é o médium por excelência. Diferenciamo-nos dos outros seres vivos
através da linguagem verbal. É ainda através dela que “lemos” uma imagem, um som …
enquanto seres humanos recorremos sempre à linguagem verbal para processar a
significância.

A linguagem verbal designa os objetos do mundo, as coisas e o estado das coisas


existentes realmente, como também pode designar-se a si própria. (função reflexiva,
metalinguística).

Por exemplo: o Rui chegou atrasado – estamos a designar alguém como podemos também
designar os outros, a envolvente, os objetos, as coisas, entre outros; podemos ainda
utilizar a linguagem para referir coisas: “esta cadeira é castanha e torta”; mas ainda tem a
possibilidade de falar sobre si própria: “o nome do Rui tem 3 letras” – a linguagem
permite-nos falar sobre a linguagem através da própria linguagem.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 3


Adriano D. Rodrigues (2011) – O Paradigma Comunicacional, pp. 47-57
A experiência é constitutiva de três mundos: o mundo natural, o mundo subjetivo e o
mundo intersubjetivo (diferentes domínios da experiência):

- A experiência do mundo natural corresponde ao “conjunto


dos objetos e dos fenómenos que não dependem da nossa
vontade, que apreendemos diretamente através dos nossos
órgãos dos sentidos e que, deste modo, provocam respostas
do nosso mundo organismo e nos levam a adotar
determinados comportamentos” (página 47)

- A experiência do mundo subjetivo compreende “o conjunto das vivencias ao longo da


nossa existência e os saberes acerca das nossas sensações, dos nossos gostos, das
maneiras como habitualmente nos comportamos, quer para criarmos o nosso mundo e
influenciamos o seu curso, quer em resposta aos estímulos que dele recebemos” (página
55)

- A experiência do mundo intersubjetivo consiste na “competência não só para adotar


comportamentos adequados às diversas circunstâncias em que ocorrem as interações e
aos conhecimentos interiorizados das normas que as regulam, mas também para atribuir
sentido tanto aos fenómenos de interação empreendidos como aos que são observados”
(página 49) – experiencia dos outros ou da intersubjetividade.

O facto de saber de antemão como os acontecimentos se desenrolam ou de ser capaz de


prever os efeitos da ação ou do discurso é a pedra-de-toque da experiência.

Nos recebemos um sinal/estimulo e atribuímos-lhe um sentido e podemos, portanto,


reagir de formas diferentes todas as vezes que recebemos esse sinal.

Ex: quando recebemos um empurrão nos podemos reagir de forma diferente


consoante o sentido que damos a esse empurrão enquanto que os animais
geralmente vão reagir sempre da mesma maneira a esse sinal.

No caso da experiencia intersubjetiva, consideramos a relação com:

 Os nossos predecessores, através da observação e da interpretação das obras que


nos deixaram
 Os vindouros, através da suposição do que pode acontecer a partir do que
observamos nos nossos dias

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 4


Da interação com os contemporâneos, distinguimos:

 Aqueles com quem temos uma experiência direta da realidade (os nossos
associados)
 Os outros que não possuem a mesma experiência da realidade e de quem
percecionamos as marcas através das suas obras, discursos e imagens (com estes
não temos experiência direta, temos através de marcas que estes deixam, por
exemplo, os atores de Hollywood não temos um contacto direto com eles, mas sim
através dos filmes que estes realizam).

Adriano D. Rodrigues (1991) – Introdução à Semiótica, pp. 7-11


O autor começa por deixar claro o que são atos semióticos – são as deduções (por
exemplo: quando, acordamos, de manhã, abrimos a janela e vemos o céu escuro carregado
de nuvens, deduzimos que vai chover), os reconhecimentos (por exemplo: quando a nossa
mãe está a preparar o jantar, pelo olfato, reconhecemos o cheiro a sardinha assada ou de
um apetitoso refogado), as identificações (por exemplo: quando encontramos a nossa
esferográfica debaixo da secretária, identificamos, sem dificuldade, pelo tato, o objeto que
procuramos), os comportamentos que adotamos (por exemplo: quando estamos a conduzir
e o semáforo fica vermelho, o condutor para porque obedece ao semáforo uma vez que o
interpretou adequadamente), ao longo da nossa vida. Os atos semióticos constituem a
nossa experiência do mundo, são processos de elaboração, de perceção e de interpretação
de signos.

A atividade semiótica é uma das mais persistentes experiências humanas do mundo. Está
presente em todos os momentos da nossa vida, desde que respiramos pela primeira vez,
até ao nosso último suspiro. Podemos, assim, afirmar que a nossa vida está inserida em
complexos e persistentes processos semióticos. Seja desejado ou não por cada um de nós,
o mundo revela-se como um vasto e ilimitado conjunto de signos.

Enquanto seres humanos conseguimos partilhar alguns dos processos semióticos com
outros seres vivos, como com o passarinho, as abelhas e o cão. Os animais são portadores
de mecanismos instintivos e inatos, aos quais não conseguem escapar, mas através dos
cinco sentidos são capazes de desenvolver, tal como os seres humanos, atos semióticos.

Apesar de sermos capazes de percecionar a significação do mundo envolvente através dos


cinco sentidos, só a linguagem verbal assume o estatuto semiótico e assim todas as
perceções que temos do mundo envolvente passam a compor o mundo humano. Este
papel que a linguagem verbal assume, está relacionado com a fronteira que existe entre a
semiótica linguística e as outras manifestações semióticas.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 5


Características da Linguagem Verbal:
1. Só a linguagem verbal pode dar conta das modalidades não linguísticas da
significação. Por exemplo: podemos falar de uma música, de uma dança, de um gesto,
mas através da metáfora é que conseguimos explicar, significar e percecionar o que
dizemos verbalmente através de um quadro ou de um trecho musical.

2. Só a linguagem verbal pode significar a própria linguagem, através do discurso


indireto. Por exemplo: os jornalistas quando dão as notícias, seja em suporte de papel
(imprensa) ou seja, através da televisão e/ou rádio, estão a contar verbalmente em
modo indireto o que aconteceu em todas as partes do mundo. (ou seja, quando
contamos aos outros aquilo que nos contaram/ que ouvimos)

3. Só a linguagem verbal pode significar a maneira como a linguagem constrói as suas


significações. Por exemplo: a relva é verde é dito por uma pessoa, nós podemos por
em causa o facto da relva ser verde, ou seja, designar o mundo ou o porquê da pessoa
ter dito aquilo; a linguagem não nos permite só dizer, mas também
implicar/problematizar todas as instâncias que estão ali implicadas)

Sendo a linguagem um processo semiótico de excelência é nela que tudo tem um começo
e um fim. Quando acontece algo recorremos à linguagem para percecionar, conceber,
comunicar e interpretar desde o primeiro segundo até ao último que esse acontecimento
ocorreu.

As manifestações semióticas não linguísticas só assumem significação se poderem ser


manifestadas verbalmente, isto porque um processo de significação humana só existe se
conter linguagem verbal. Deste modo, os seres humanos só compreendem as
significações do mundo envolvente se poderem ser verbalizadas, mesmo que por vezes não
o façam. Em sentido oposto, o que não se consegue expressar através da linguagem verbal
não assume significação, sendo considerado inexistente do mundo humano.

Relação indissociável da linguagem à experiência.

A experiência compreende o conjunto dos fenómenos vividos pelos seres


humanos e o conjunto dos saberes por eles interiorizados, ao longo do processo
de socialização.

A montante, “a linguagem já está à partida de toda a nossa atividade


semiótica, como herança que recebemos e que preside à organização da nossa
perceção do mundo e ao sentido que ele tem para nós” (página 10)

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 6


A jusante, o homem só entende as significações do mundo que o envolve
na medida em que as pode “manifestar verbalmente” (página 10), ou para si
mesmo, intrapessoal, ou para os outros, interpessoal.
É na e pela linguagem que a experiência se constitui e se revela o seu
sentido.

Julia Kristeva (1969) – História da Linguagem, pp. 9-28


Linguagem: qualquer sistema significante que permita comunicar um sentido. Isolar das
linguagens a Linguagem (verbal).

A linguagem é o que nos distingue dos restantes seres vivos.

A emergência da linguagem coloca-nos perante a questão de saber como é que podemos


simbolizar (nos todos temos esta capacidade o que difere de uns para os outros é a forma
como fazemos esta simbolização), representar, tornar presentes, a nós e aos outros, o
mundo, as coisas, os acontecimentos na sua ausência.

Só posso comunicar sobre as coisas nomeando-as por palavras porque o homem é o único
ser vivo que sendo um “ser de linguagem” tem a capacidade ou a faculdade de
denominar/de nomear mediante processos de abstração.

A capacidade de produzir signos resulta da faculdade especificamente humana de elaborar


por abstração uma imagem mental. Sem capacidade de abstração, não há linguagem.

A linguagem é o meio de comunicação da nossa relação ao mundo: “Os signos não só


representam o meio ambiente; intervêm também na sua elaboração, convertendo-o numa
realidade especificamente cultura (humana), naquilo que designamos pelo nosso mundo
“Welt” (A.D.R, Comunicação e Cultura, página 38)

“É por isso que aquilo que não sabemos dizer não existe realmente para nós, não integra o
nosso mundo humano” (A.D.R, Introdução à Semiótica, página 10)

“Tal conceção podia fazer crer que a linguagem exprime, como um utensílio, qualquer
coisa- uma ideia? (…) Mas o que é esta ideia?” (página 17)

Sempre que nos ocupemos do assunto linguagem, ela apresenta-se sempre como um
sistema excessivamente complexo que se apresenta problemas de várias naturezas.

Deste modo, podemos afirmar que a materialidade da linguagem é caracterizada pelo som,
pela escrita e pela gestualidade. É esta materialidade que concebe, expressa e comunica o
pensamento. A linguagem representa todo o pensamento bem como toda a sua
constituição, isto porque “a linguagem é simultaneamente o único modo de ser do

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 7


pensamento, a sua realidade e a sua realização” (página 16). Assim, perguntamo-nos se é
possível existir linguagem sem pensamento e pensamento sem linguagem. Referente a
esta questão, a autora deixa claro que é inaceitável afirmar a existência de um
“pensamento extralinguístico”.

É então, que não devemos aceitar a conceção que define que “a linguagem é o instrumento
do pensamento”, porque exige que ocorra um antes (o pensamento) e um depois (a
linguagem). Quer isto dizer, que a linguagem acabaria por exprimir algo exterior a si e que
na base desta conceção estaria um pensamento sem linguagem.

Acaba por ser considerada não aceitável uma vez que o pensamento é linguístico. Não há
linguagem sem pensamento e vice-versa. Podemos, então, afirmar que toda a linguagem é
pensamento e todo o pensamento é linguagem.

Critica a conceção materialista da linguagem


“A pergunta clássica: Qual é a função primeira da linguagem: a de produzir um
pensamento ou a de comunicar? Não tem nenhum objetivo.

Resposta:” A linguagem é tudo isso simultaneamente e não pode existir umas destas
funções sem a outra” (página 17)

A linguagem que cada um de nós produz (por exemplo: a língua portuguesa) dependa da
cultura em que cada um se insere e de acordo com os seus processos de socialização.

Segundo Julia Kristeva, a linguagem é um processo de comunicação de uma mensagem


entre dois sujeitos falantes, pelo menos, sendo um o destinador ou emissor, e o outro, o
destinatário ou o recetor.

Mensagem
Destinador Destinatário

Cada sujeito falante é destinador e destinatário da sua própria mensagem, uma vez que é
capaz simultaneamente de enviar uma mensagem decifrando-a e compreendendo-a. Cada
sujeito falante só é capaz de enviar uma mensagem que seja capaz de decifrar e
compreender, caso contrário, supõe-se que não seja capaz de emitir a mensagem. Assim,
a mensagem que o destinador envia ao destinatário, é primeiro destinado ao que fala: é
então que podemos concluir que “falar é falar-se”.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 8


 Processo de comunicação linguístico (página 18)

Mensagem

Mensagem
Destinador Destinatário
Mensagem

“falar e falar-se”

Quando falamos, falamos ao outro e a mim próprio: falar de si próprio: → patamar


interpessoal; falar a si próprio: patamar intrapessoal. Da mesma maneira, o destinador-
destinatário só é capaz de decifrar o que ouviu ao dizê-lo.

“todo o pensamento é diálogo na sua forma” – Pierce

A linguagem como objetivo de estudo:

Filologia (textos escritos)

Linguística (língua de
um ponto de vista
Gramática (normal)
formal) – Ferdinand de Linguagem Verbal
Saussure (1857-1913)

Gramáticas Comparadas

Termo “língua” não se refere a uma língua especifica, mas ao que é comum em todas elas.

Linguagem, Língua e Fala


Ferdinand de Saussure (1857-1913)
“Tomada no seu todo, a linguagem é multiforme e irregular; abrangendo vários domínios,
simultaneamente física, fisiológica e psíquica, pertencente ainda ao domínio individual
(fala) e ao domínio social (língua); não se deixa classificar em nenhuma categoria de factos
humanos porque não sabemos como destacar a sua unidade”

Do conjunto unificado designado como linguagem, a linguística distingue uma parte: a


língua. De acordo com Saussure podemos encontrar a língua - “na porção determinada do

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 9


circuito onde uma imagem auditiva se vem associar a um conceito”, isto é, nos associamos
a uma imagem auditiva a um conceito, Por exemplo: quando nos dizem “pato” (imagem
aufitiva) nos pensamos logo no animal (conceito). Considera-se a língua a “parte social da
linguagem”, exterior ao indivíduo falante que não a pode alterar. A língua obedece às leis
do contrato social reconhecido por todos os elementos que fazem parte da sociedade.
Deste modo, a língua está separada da linguagem conservando apenas deste conjunto
unificado um sistema de signos onde o importante é a junção do conceito/sentido e da
imagem auditiva/imagem acústica. Quando não ocorre a associação entre o
conceito/sentido e a imagem auditiva, não há signo.

Então: “a língua é isolada do conjunto heterogéneo da linguagem: deste universo retém


apenas um “sistema de signos” em que o essencial é só a união do sentido (significado) e
da imagem acústica (significante) – relação de significação.

Para além de a língua se distinguir de linguagem, também se distingue de fala. A língua é


constituída por signos que obedecem a leis específicas e só pode existir quando praticada
por um coletivo. Já a fala, segundo Saussure é “um ato individual de vontade e de
inteligência”. A fala resulta das combinações individuais que o individuo falante faz ao
utilizar o código da língua e que acaba por exteriorizar essas combinações, que foram
anteriormente inseridas pelo sujeito falante. Nestas combinações são também necessários
atos de fonação. É então que a fala pertence a cada um de nós. Somos senhores da nossa
fala.

Então: a fala é “sempre individual e o individuo é sempre senhor dela”; é “um ato individual
de vontade e de inteligência”.

Língua e Discurso
Émile Benveniste (1902-1976)

Língua – conjunto de signos formais, estratificada em escalões sucessivos, que formam


sistemas e estruturas.

Discurso – designa de um modo rigoroso a manifestação da língua na comunicação viva.

Segundo Émile Benveniste, a palavra discurso representa uma manifestação da língua na


comunicação viva. Opõe-se à língua por esta ser um conjunto de signos formais,
estratificada em escalões sucessivos, que formam sistemas e estruturas. O discurso
implica a participação do sujeito na sua linguagem através da fala do individuo. É então,
que a noção de discurso implica a noção de sujeito.

 A noção de discurso Implica A noção de sujeito (usos infinitamente


variados que fazemos da língua)
Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 10
No discurso a língua comum a todos torna-se o veículo de uma mensagem única, própria
da estrutura particular de um determinado sujeito que imprime sobre a estrutura
obrigatória da língua, uma marca específica (ligada à subjetividade), pessoal.

Por exemplo: quando dizemos algo triste a rir estamos a marcar a estrutura obrigatória da
língua com um cunho pessoal, é uma espécie de atualização desta estrutura, mas nunca
uma alteração da mesma.

Para o plano do discurso é preciso analisar a oposição entre fala e história. Benveniste
afirma que quando falamos de história, não há locutor porque a história é como um todo.
Nós podemos falar de história, mas nós só ouvimos, não falamos como se a história fosse
da nossa autoria. O discurso, por outro lado, é qualquer enunciação que integre nas
estruturas do locutor e auditor tendo como efeito de influenciar o outro (o auditor). O
discurso é individual, ou seja, é da nossa autoria. Tudo o que dizemos através do
pensamento e das nossas vivências é válido para nós próprios com o objetivo de influenciar
o pensamento do outro que o que dizemos é certo.

O Signo Linguístico em Saussure (1857-1913)


Ferdinand Saussure defendeu que a ligação que o signo estabelece é entre um conceito e
uma imagem acústica.

A imagem acústica não é o som em si mesmo, mas “a marca psíquica desse som a
representação que dele nos é dada pelo testemunho dos nossos sentidos”.

Assim, um signo é “uma realidade psíquica com duas faces, sendo uma o conceito e a
outra a imagem”, e vice-versa, podendo o conceito ser a imagem e a imagem o conceito.

Conceito «pedra» «x» Significado


Imagem acústica /pedra/ /x/ Significante

O signo linguístico é definido pela relação significante-significado (relação da


significação→ o que está dentro do signo).

Saussure assume a relação significante-significado excluindo-se o referente (objeto) ao


qual se refere. A linguística, segundo Saussure, não se ocupa do referente, interessa-se
apenas pela relação entre o significado e significante bem como por cada um destes
individualmente.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 11


Características do signo linguístico:
Outro ponto marcante desta teoria é a arbitrariedade.

O signo é arbitrário – quer isto dizer que não existe qualquer relação necessária, motivada
entre o significante e o significado. Saussure não esta a dizer que a relação do signo com o
mundo é a arbitrária, mas sim a relação que este tem dentro dele é que é arbitraria.

Ou seja, é arbitrário, mas com regras, por exemplo, a palavra “vela” podíamos associar a
uma imagem acústica “mesa”, mas associamos a imagem de uma “vela”, porque foi assim
que o coletivo estipulou e é assim que nos aprendemos/recebemos por herança. Deste
modo, existe uma relação de arbitrariedade entre o conceito e a imagem, mas ao mesmo
tempo é lhe imposto regras, nos podíamos não chamar “vela” a uma vela, mas chamamos
porque é assim a regra.

O “arbitrário” do signo quer dizer normativo, absoluto, válido e obrigatório para todos os
sujeitos que falam a mesma língua.

Imotivado- não há nenhuma necessidade real que ligue o significante e o significado.

Crítica de Émile Benveniste:

 A relação entre o significante e o significado (relação de significação) é necessária,


obrigatória.
Não faz sentido ser arbitrária porque se o sistema da língua ditou assim – a um conceito
associou-se uma imagem acústica e não nenhuma outra; torna-se assim uma relação
necessária e obrigatória. Ou seja, na perspetiva de Benveniste a relação dentro do signo
acaba por ser uma relação obrigatória, Benveniste não concorda com a perspetiva de
Saussure sobre a arbitrariedade.

 O que é arbitrário é a relação do signo com a realidade que nomeia (relação de


representação).

Quer isto dizer que, para Benveniste, não é a relação entre o significante e o significado
que é arbitrário, como defendia Saussure, mas a ligação que se faz entre significante e
significado é necessária – o conceito e a imagem acústica são inseparáveis e encontram-
se em “simetria estabelecida”. O que é arbitrário é a relação desse signo com a realidade
que ele nomeia, com o exterior real que este simboliza.

As omnotopeias são a exceção; as omnotopeias são representações dos sons; são as


únicas palavras que tem uma relação de motivação com o mundo. Porque é mais fácil
apreender a repetir um som do que a associa-lo a um conceito.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 12


O Signo em Pierce (1839-1914)
Pierce fala de todos os signos e não apenas dos linguísticos.

“Um signo, ou representamen (primeiro vértice do signo), é uma coisa qualquer que está
para alguém em lugar de outra coisa qualquer sob um especto ou a um titulo qualquer.
Dirige-se a alguém, isto é, cria no espírito desta pessoa um signo equivalente ou talvez, um
signo mais desenvolvido. A este signo que ele cria dou o nome de interpretante (segundo
vértice do signo) do primeiro signo. Este signo está em lugar de qualquer coisa: do seu
objeto. Está em lugar deste objeto (terceiro vértice do signo), não sob todos os aspetos,
mas em referência a uma espécie de ideia a que por vezes tenho dado o nome de
fundamento do “representamen”. (A.D.R, Introdução à Semiótica, página 20)

Representamen

Objeto
Representado Interpretante

As três categorias de signos


(consoante a relação entre representante e objeto representado)

 O ícone que estabelece uma relação de semelhança com o objeto - por exemplo: o
desenho de um arvore (nos sabemos que aquilo é uma representação não é uma
arvore na realidade), o mapa de um território (não confundimos o mapa com o
território, sabemos qual é a realidade);

 O índice/indício não se parece forçosamente com o objeto, mas é afetado por ele, ou
seja, tem algo em comum com o objeto, isto é, mantém uma relação de
continuidade. - por exemplo: o fumo é um índice de fogo (não é semelhante ao fogo,
ou seja, fumo não é fogo mas sim um indicio deste); o odor é um índice de jantar;

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 13


 O símbolo refere-se ao objeto que ele designa por uma espécie de lei de convenção.

- por exemplo: os signos linguísticos


- outros exemplos: balança, símbolo de justiça; pomba branca, símbolo de paz.

Adriano D. Rodrigues (1991) – Introdução à Semiótica, Referência,


Manifestação e Significação, pp. 22-25

Hiato(distancia) Intransponível
Palavras Coisas
(objeto)

A linguagem é um mapa e não um decalque, isto porque se a linguagem fosse um


decalque, estaríamos a decalcar as coisas, a defini-las através das próprias características
das coisas e a linguagem não tem essa relação de semelhança com as coisas porque não
há nada no nome que me faça associar ao objeto (por exemplo, cadeira não tem nada a ver
com o objeto nos chamamos assim devido a relação de convenção que nos temos, ou seja,
por aquilo que recebemos por herança ; a linguagem é portanto um mapa porque
representa a realidade, ou seja, é uma representação da mesma e não a própria realidade.

Dimensões da Linguagem e Critérios de validade discursiva:

 Dimensão Designadora ou Referencial – consiste na relação com as coisas ou o


estado das coisas exteriores. A linguagem refere-se ao que é.

Relação de representação: o signo está para presentificar a “coisa” ausente. Por


exemplo: quando dizemos “o sol é amarelo” conseguimos dizê-lo porque a linguagem
comporta essa capacidade de designar as coisas. A linguagem permite-nos
representar, designar e referenciar o mundo.

Não se deve pensar que, pelo facto de esta dimensão se relacionar com a
“representação de Pierce”, foi Pierce que desenvolveu a dimensão em questão – há
apenas uma ligação. Esta dimensão está ligada à semântica.

o valor referencial dos signos está


relacionado com a sua verdade ou a sua mentira, isto é, com o facto de a sua designação
coincidir ou não com as coisas e os estados das coisas a que se referem. Assim: critério de
validade: verdadeiro/falso

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 14


 Dimensão Manifestadora – Trata-se da ligação da linguagem ao sujeito que fala e se
exprime, trata-se, então, da ligação da linguagem ao sujeito que fala e que se
exprime.

Discurso: existe sempre um sujeito de enunciação (estratégias discursivas/de


comunicação). Não conseguimos compreender o dito sem o associar a quem disse.

Por exemplo: quando ouvimos “o sol é amarelo” sabemos que foi a professora que o
disse. O que é posto em causa é o porquê de o sujeito, neste caso, a professora, dizer o
que diz. Mas na dimensão anterior (referencial) o importante foi o que se disse. Assim,
não estamos a pôr em causa a frase, mas o porquê do dito. E é posto em causa porque
o dito foi dito por alguém.

Esta dimensão está ligada à pragmática e abordamos este tema quando


falamos em Benveniste.

O valor manifestador consiste


na sua força relativa em função da estratégia enunciativa, isto é, como os signos não se
limitam apenas a designar a realidade, também marcam ou manifestam igualmente a
nossa relação com aquilo que exprimem: crença, dúvida, interrogação, paixão, medo,
indiferença, apelo, sinceridade, convicção, etc. Assim: critério de validade: dizer
verdade/mentira.

 Dimensão Sígnica (de significação) ou Simbólica – estabelece a relação dos signos


linguísticos com os conceitos universais e gerais e as suas ligações sintáticas. É da
ordem do sistema da língua.

Relação de significação: significante/significado; imagem acústica/conceito.


(argumentação, ficção e verosímil).

Esta dimensão está ligada à sintaxe e vimos este tema no Saussure.

É então, que podemos assumir


que a significação de um signo é indiferente à sua verdade ou falsidade assim como à
sua força estratégica. A significação dos signos é definida pela convencionalidade e
pela clausura do sistema dos signos, ou seja, não estamos a procura do verdadeiro e do
falso mas estamos a deslocarmos-mos para o sistema da língua.

Assim: critério de validade: condição de possibilidade no sistema de língua. Existe ou


não existe no sistema de língua. “Condição de verdade” /absurdo: o que não tem
significação, o que não pode ser verdadeiro nem falso.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 15


Poderá pensar-se que estas dimensões são estruturas autónomas e separadas umas
das outras, mas elas estão interligadas, estando todas presentes na linguagem.

Por exemplo o senhor diz “não sou culpado!” o que pertence a ordem do verdadeiro ao
falso é a relação do que esta a ser dito e o mundo, ou seja, se e verdade ou não que ele
disse aquilo. Em relação a segunda dimensão tem a ver com a ordem das convicções,
ele estará a dizer a verdade ou a mentir, ou seja, a convicção do senhor é que não é
culpado.

Adriano D. Rodrigues (1996) – Dimensões Pragmáticas do Sentido, pp. 13-33


Conceção Referencial
Segundo esta conceção, a linguagem tem sentido pelo facto de, quando falamos,
designarmos as coisas, os objetos, as pessoas, os factos, numa palavra, ou seja, teria
sentido pelo facto de designarmos o mundo. Nesta conceção, há o pressuposto implícito de
que as palavras (=os signos) são como etiquetas que colocamos nas coisas a que nos
referimos.

A Plurivocidade (que é algo que caracteriza as linguagens, não é só próprio da conceção


referencial) coloca a linguagem como um instrumento do pensamento. A plurivocidade
esta relacionada com atribuição de vários nomes para designar um mesmo objeto e um
mesmo nome para designar objetos diferentes, ou seja, isto é uma deficiência das
linguagens naturais pois com uma mesma palavra podemos designar varias coisas e isso
pode gerar conflito. Por exemplo: cadeira = as de sentar e cadeira = as disciplinas

Assim, esta conceção referencial considera a linguagem como um sistema de


correspondência entre as palavras e o mundo. A fala assumiria uma tarefa
predominantemente instrumental, ou seja, seria o meio pelo qual o homem designa o
mundo.

Conceção Simbólica
Esta conceção sublinha a autonomia da dimensão simbólica em relação à função
referencial, por considerar que a presença do homem ao mundo não é imediata, mas
mediatizada pela linguagem.

Antes de alguém poder designar um objeto a palavra já tem de ter sido construída
mentalmente, pois não os objetos que estão a ser designados, mas sim os seus conceitos
isso é que diferencia.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 16


A linguagem designa os conceitos que incluem e relacionam os objetos singulares da
realidade. É devido a isto que somos capazes e podemos representar vários objetos
diferentes por uma mesma palavra bem como podemos representar o mesmo objeto
através de várias palavras. A linguagem assume funções expressivas porque é a
manifestação da variedade das relações que o homem estabelece com o mundo, podendo
expressar a sua relação com uma mesma realidade de diferentes maneiras como ainda
expressar de uma mesma forma a sua relação com realidades diferentes. Mas quando o
homem fala, não se limita apenas a designar, significar e a manifestar a sua relação com
um mundo preexistente.

Esta conceção vê na fala, contrariamente à conceção referencial, que o homem quando


utiliza signos semelhantes não é uma deficiência, mas o modo natural do uso da
linguagem, isto porque as palavras não são simples etiquetas visíveis que dizem respeito a
uma única realidade singular, mas são construções mentais da natureza cultural
destinadas a mediatizar a relação do homem com o mundo.

Deste modo, a plurivocidade não é um problema, mas a forma natural da linguagem


significar, exprimir, elaborar e contruir sentidos para o mundo que nos rodeia, a que
pertencemos e no qual vivemos. Colocamos nomes diferentes a uma mesma coisa/objeto
porque a compreendemos em conceitos diferentes ou porque nos relacionamos de
maneiras diferentes e diversas com ela; atribuímos o mesmo nome a diferentes coisas
porque elas são incluídas por um mesmo conceito ou porque somos capazes de exprimir a
mesma relação com elas.

As palavras(=signos) nesta conceção são construções mentais de natureza cultural


destinadas a mediar a relação do homem ao mundo

Dimensão Interlocutiva
Esta dimensão integra as três dimensões da linguagem: a referencial, a manifestadora e a
significa (de significação). NÃO É UMA 4ºDIMENSÃO

Nem o mundo, nem o homem, nem a linguagem são entidades singulares e autónomas.
Quando falamos, trocamos linguagens diversas, com interlocutores diferentes acerca de
uma multiplicidade de mundos diferentes.

A dimensão interlocutiva considera a multiplicidade de linguagens, de interlocutores e de


“mundos” - de realidades de segunda ordem.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 17


Esta dimensão pode ser designada como uma relação de troca de discursos entre homens
situados num espaço específico de interlocução. O que é dito num determinado momento
(tempo) e espaço. Esta relação de interlocução não surge à distância como os meios de
comunicação, ela é feita no aqui e agora. Isto remete para o que é dito naquele momento. É
ainda neste espaço que construímos os diferentes conceitos do mundo.

Deste modo, o espaço de interlocução apresenta-se como um espaço agonístico (agonia:


luta, confronto) como uma logomaquia, onde ocorre a luta de discursos, isto porque, existe
uma pluralidade das significações e uma diversidade dos sentidos como característica
notável de um confronto de linguagens. Deste modo, o espaço de interlocução é sempre
um confronto entre linguagens, interlocutores e “mundos” – um confronto/debate
linguístico. Este confronto ocorre quando os interlocutores dizem algo ao outro expondo a
sua visão do mundo que não tem de ser necessariamente igual à do outro.

A pragmática é a disciplina que assume como objeto de estudo os processos e as formas


de interlocução.

A pragmática assume ainda algumas divisões:

As perspetivas ou divisões da pragmática da linguagem

 Perspetiva Indexical e Enunciativa: O estudo das relações da linguagem com: com


os interlocutores, com as situações, com o contexto da enunciação e com o mundo
representado pelos signos linguísticos.

Adriano D. Rodrigues (2001) – A Partitura Invisível, pp.63-108 e 227-323


Pragmática Referencial, Indexical e Enunciativa

Realidade
- linguagem – “mundo/referente” Sujeito/discurso-referência

A Pragmática Referencial é o estudo dos processos utilizados pelos falantes para se


referirem ao “mundo”. Mas por “mundo” entende-se o conjunto das coisas, dos objetos e
das pessoas, dos estados das coisas, dos objetos e das pessoas que os locutores designam
ou a que se referem quando falam.

Na linguagem natural utilizamos, por vezes, vários referentes para nos referirmos a um
mesmo designado. Por exemplo: «Planeta Vénus», em português, pode ser designado por
“estrela da manhã”, “estrela d’Alva”, “estrela da tarde”. Mas outras vezes referimo-nos a
vários designados com um mesmo referente. Por exemplo: «canto» designa o canto de

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 18


uma casa, um canto oral, o canto de uma mesa. Utilizamos ainda unidades verbais que não
têm uma referência real. Por exemplo: unicórnio, sereias, são seres que não designam
seres existentes na realidade. É então, que nesta situação, afirma-se que os designantes
têm uma referência, apesar de não designarem objetos reais, mas sim, seres imaginários
ou ficcionais.

É importante não confundir referente com realidade, são dois termos diferentes. O
referente é aquilo a que nos referimos quando falamos, uma realidade do discurso ou uma
construção da linguagem. Já a realidade é aquilo que pressupomos como existente, mas
que, em si mesmo, escapa a qualquer possibilidade de referência.

A referência é a maneira como nos referimos ás coisas no discurso, implica as noções de


sujeito e de discurso. É uma realidade discursiva. Mas não é um processo uniforme, neste
sentido, apresenta um conjunto de modalidades

Se observarmos com atenção o que se passa quando falamos, verificamos que maneira
como nos referimos às coisas não é autónoma à maneira como imaginamos como é o que
o nosso alocutário a vai descodificar. É por causa disto, que quando falamos com uma
criança ou com um adulto a maneira não é a mesma. Verificamos, ainda, que o processo
de codificação, onde o locutor constrói a referência, não é autónomo à maneira como o
locutor pressupõe que o alocutário vai realizar o processo de descodificação, no qual o
alocutário identifica a referência do discurso produzido pelo locutor.

Só podemos designar aquilo que a Linguagem permite referir:

 Mundo experienciado (esta mesa)


 Mundo das ideias (Liberdade, fraternidade)
 Mundo imaginário ou funcional (unicórnios, sereias)

O processo de referência ocorre entre sujeitos que se constituem enquanto sujeitos de


uma relação de interlocução.

Concluímos assim que:


 O referente é uma construção da Linguagem
 A referência é uma realidade discursiva

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 19


Modalidades da referência:
 Social
 Absoluta vs. Objetividade do discurso
 Relativa
 Metalinguística

Referência Social: quando o locutor faz referência a pessoas, não pode deixar de referir a
natureza da sua relação com as pessoas que a designa. Por exemplo: «Tu gostas de ler
romances», «O senhor gosta de ler romances» - no primeiro exemplo, o locutor designa
um grau de proximidade ou de familiaridade com o alocutório, enquanto no segundo
exemplo faz referência a uma relação de distância social ou cerimoniosa com o
interlocutor. Assim, para além de ter uma referência díctica, estes enunciados têm
também uma referência social. As formas de tratamento como designações profissionais
ou estatuárias (como por exemplo: Senhor Doutor, Vossa Excelência, Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro) têm referências sociais.

Referência Absoluta vs. Objetividade do discurso: um enunciado possui uma referência


absoluta quando não precisamos de o relacionar com o contexto extra-linguístico, com
uma outra unidade presente no discurso, nem com a situação enunciativa para
identificarmos aquilo a que se refere. Por exemplo: «uma rapariga morena»; «a terra é
redonda». Quando o locutor produz enunciados como estes, não precisamos de saber
quem os enuncia, em que lugar e em que momento os enuncia, nem de os relacionar com
outros enunciados presentes no discurso em que se inserem e que os enquadra, para
podermos identificar a que o locutor se refere quando enuncia.

É importante sublinhar que a referência absoluta é diferente da objetividade do discurso.


Enquanto, a referência absoluta trata-se de não ser preciso ter em conta mais nenhum
outro saber para identificar aquilo a que os enunciados se referem. Já a objetividade do
discurso necessita de ter em conta dados presentes na situação enunciativa, colocando em
campo a subjetividade do sujeito.
Temos ainda de ter em conta, que a referência dos enunciados da linguagem natural é
sempre relativa à experiência humana do mundo e é marcada pela subjetividade.

Referência relativa: dícticos e representantes – estamos perante a referência relativa


sempre que a determinação daquilo a que o locutor se refere varia em função da relação
que o seu enunciado estabelece com a situação enunciativa, com a realidade
extralinguística e com outros enunciados presentes no discurso de que faz parte.

Também dita a referência relativa díctica:

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 20


São unidades verbais que ancoram os enunciados à
situação enunciativa como, por exemplo, “eu”, “tu”,
“aqui”, “agora”, “hoje em dia”. Estas expressões são
indicadores que organizam as relações espaciais e
temporais à volta do sujeito da enunciação tomado
como ponto de referência.

Um díctico é um signo vazio que só se preenche, do ponto


de vista referencial, no momento em que está a ser
utilizado. Possui uma referência relativa, isto é, a
identificação do referente varia de cada vez em que
alguém os enuncia.

A referência varia, apesar de a significação ser invariante. A referência é relativa ao


processo de enunciação ou a alguma das suas instâncias: o locutor, o alocutário, o lugar e
o momento em que a enunciação ocorre.

Exemplo: “Quem empresta uma borracha” temos de ancorar esta afirmação o locutor para
percebermos “Quem me empresta uma borracha

Referência Metalinguística: é a referência que faz uma utilização opaca das unidades
verbais, como «Helena», na frase: “Helena escreve-se com 6 letras” e «Eu», na frase “Eu é
a primeira pessoa”, referem-se a eles próprios e a nada mais, e o locutor não as utiliza
como termos transparentes, que remetem para referentes, mas para fazer alusão destes
termos.

Utilizações da linguagem
(a dupla tese da referencialidade da linguagem)

A primeira é a modalidade de ocorrência referência – a utilização transparente da


linguagem: uso (valores de representação e valores dícticos) x → y.

A segunda é a modalidade de ocorrência auto-reflexiva – a utilização opaca da linguagem:


menção (valores auto-reflexivos) x

Existe um paradoxo onde muitos caem porque reconhecem que a linguagem se refere ao
mundo e confundem as condições de verdade dos enunciados com as condições de
aceitabilidade ou de sucesso da referência aos seus próprios signos e com o ato de
enunciação. Assim, não reconhecem a autonomia da referência ao mundo em relação aos
processos de significação e de enunciação.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 21


A linguagem resulta do facto de os enunciados não estarem apenas relacionados com as
coisas exteriores, mas por também se referirem a si próprios e ao ato de enunciação que
os produz, e para além de possuírem um valor de representação, também possuem
valores dícticos e auto-reflexivos.

É a natureza dupla dos signos que nos permite referir ao mundo exterior e designar o
próprio processo de enunciação, ou seja, além da função representativa, os signos
possuem valores dícticos e auto-reflexivos que podem ser utilizados tanto de maneira
transparente, para designarem o mundo e a enunciação, como de forma opaca, para se
referirem a si próprios.

Por exemplo 1: «os campos estão verdes» é um valor de representação; Exemplo 2: «Eu
gosto de campos verdes» é um valor díctico e ambos os exemplos são de ocorrência
referencial.

Exemplo 2: «Este e esta são pronomes», são valores auto-reflexivos porque fazem menção.
Este exemplo é de ocorrência auto-reflexiva.

Nos exemplos que se seguem: «Eu não falo português» ou «Eu não estou aqui», o que está
aqui é a coexistência, no mesmo ato enunciativo, de funções diferentes e autónomas da
linguagem, como a função de representar uma realidade exterior e a função de se referir
ao próprio facto de enunciação de que é feito ou é o resultado.

Funções de representação da linguagem:


A linguagem concilia as funções de:

 Representar o mundo: valores referenciais/de representação. dimensão referencial


 Representar-se a si própria: valores auto-reflexivos. dimensão signica
 Representar o próprio processo de enunciação ou alguma das suas instâncias:
valores dícticos. dimensão manifestadora

Relação Enunciação/ Enunciado


Torna-se importante fazer a distinção entre o enunciado e a enunciação. Deste modo,
ocorre a coexistência, no mesmo ato enunciativo, de duas instâncias de natureza diferente:
 Aquilo que o ENUNCIADO afirma

 E a ENUNCIAÇÃO que produz e mostra o enunciado

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 22


A enunciação e o enunciado mantem uma relação de causa-efeito, precisa de haver
enunciação (causa) para haver enunciado (efeito), por exemplo, o enunciado “ eu não estou
aqui” é um enunciado falso porque ninguém pode dizer eu não estou aqui se não estiver no
sitio, mas não nos basta saber que o enunciado é falso precisamos de saber porque que
alguém disse aquilo logo precisamos de olhar para e enunciação que nos diz o “porque?”
de alguém ter dito aquilo (é uma espécie de contexto/explicação).

Podemos definir como enunciação um acontecimento ou dispositivo que faz existir ou


realiza o(s) enunciado(s). Estabelece com os enunciados que produz uma relação de causa
e efeito. Devido a isto, a enunciação não se confunde com o enunciado tal como a causa
não se confunde com o efeito.
Por exemplo: «Penso que amanhã vai chover» - o «penso que» não é da mesma natureza
que «amanhã vai chover». Assim, penso que é a parte do enunciado em que se reflete a
modalidade da sua enunciação – o pensar, a crença do locutor. Sendo que amanhã vai
chover é aquilo que o enunciado diz.

Deste modo, distinguem-se duas componentes do enunciado:

 A componente em que se reflete a modalidade da enunciação, designada por


MODUS – penso que
 A componente que exprime aquilo que o enunciado diz, designada por DICTUM –
amanhã vai chover

Entre aquilo que o enunciado asserta e aquilo que a enunciação mostra, existe uma
relação de abismo.

Uma enunciação só pode ser propriamente referida por um outro processo de enunciação
que refira o primeiro, encaixando-o num novo processo de enunciação.

Mq.3 Mq.2 Mq. 1 Imagem 1


I2
I3

Por exemplo: Máquina: enunciação / fotografia: enunciado (não existe foto sem máquina)
primeiro enunciação– eu estou a tirar uma foto a um monte, um novo processo de
enunciação – alguém que tira uma foto a mim a tirar uma foto ao monte.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 23


A subjetivação do discurso e a intersubjetividade da linguagem

O processo de referência implica as noções de discurso e de sujeitos de interlocução, até


porque a referência de algumas unidades verbais depende das suas relações com a
situação enunciativa ou qualquer uma das suas instâncias

Os díticos desempenham uma função particular, a de se referirem aos interlocutores, ao


tempo e ao lugar do processo enunciativo.

«É na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito, porque apenas a


linguagem funda em realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de «ego»” –
Benveniste citado por Adriano, p.84

Natureza reciproca da relação eu – tu o facto de o tu se assumir como eu para si próprio


e de o eu se converter num tu para o seu alocutário é o que torna possível o diálogo, ou
seja, a relação interlocutiva que confere sentido ao que os interlocutores empregam para
se constituírem como tal. É a relação que as pessoas de enunciação estabelecem entre si
que define a natureza interlocutiva do discurso.

O sujeito da enunciação é responsável pelo dizer e fazer discursivos. A multiplicidade de


intervenientes do processo enunciativo decorre, do facto de, em cada discurso, existir uma
pluralidade de vozes.

“Logo que alguém se declara locutor e assume a língua, implanta o outro em face de si,
qualquer que seja o grau de presença que atribui a este outro. Qualquer enunciação é,
explicita ou implicitamente, uma alocução pede um alocutário”. Benveniste citado por
Adriano, p.86

“Não é a materialidade das unidades verbais mas os falantes que, ao empregarem-nas


com uma determinada intencionalidade, lhes conferem ou não uma determinada função
indexical, fazendo com que elas se refiram ao mundo, isto é, com que possuam uma
determinada referência” ( A.D.R, A Partitura Invisível, p. 72)

“Na enunciação, a língua é utilizada para a expressão de uma determinada relação ao


mundo (…) A referencia é parte integrante da enunciação” Benveniste citado por Adriano,
p.87

Enunciação Enunciado

Aqui questionamos é o Aqui questionamos a


porquê de o sujeito ter dito aquilo verdade do que esta a ser dito

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 24


A Enunciação
 É um acontecimento que faz existir ou realiza um Enunciado
 Sendo intrínseca ao Enunciado, não se confunde com ele

Não esta sujeita às CONDIÇÕES DE VERDADE, mas a REGRAS DA NATUREZA SOCIAL

Realizada ou não Enunciação (causa) Enunciado (efeito) Condições de verdade

Eu não falo português

Se esta enunciação ocorreu Quem o disse estava a mentir

Quadros de sentido = Fronteiras que delimitam o espaço


 Dentro do qual determinadas realidades são razoáveis e
plausíveis
 E fora do qual seriam absurdas

Contrato Referencial
 Define a aceitabilidade e razoabilidade e a relevância dos processos de referência
 É um ato realizado implicitamente ou pressuposto pelos interlocutores

Ex: O João tem um filho que é engenheiro, mas o João não tem filhos
Cada vez que se questiona a enunciação implicitamente iniciamos um contrato referencial
pois o antigo foi quebrado

Em suma: a enunciação não está sujeita às condições de verdade, uma vez que a
substituição de dícticos pelos referentes que eles designam nem sempre corresponde
exatamente ao que os locutores querem dizer. É, ainda, através do processo de referência
que o discurso recebe as marcas subjetivas e intersubjetivas da enunciação.
A subjetividade estando presente na totalidade do discurso, é impossível os interlocutores
deixarem de ter em conta os pressupostos para darem sentido às significações que trocam
entre si. Mas desta natureza pressuposta da subjetividade depende a constituição do
sentido do discurso. Daqui decorre a existência de quadros de sentidos que definem as
fronteiras que delimitam o espaço dentro do qual determinadas realidades são razoáveis e
plausíveis e foram do qual seriam absurdas. É neste sentido, que os quadros de sentido
dão origem à criação de um contrato referencial – este define a aceitabilidade, a
razoabilidade e a relevância dos processos de referência e é um ato realizado

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 25


implicitamente ou pressuposto pelos interlocutores. É então que a referência é um ato de
linguagem implícito realizado pelos interlocutores e funciona como uma espécie de
contrato pressuposto.

Adriano D. Rodrigues (1994) – O Paradigma Comunicacional, História e


Teorias, pp.79-94

Modalidades da Experiência
A experiência revelou-se um conjunto heterogéneo de componentes entrelaçadas – cada
uma com os seus princípios e as suas exigências – que se relacionam entre si. É possível
agrupar em 3 modalidades as diferentes componentes da experiência: a modalidade
originária, a modalidade tradicional e a modalidade moderna da experiência.
São modalidades paradigmáticas da experiência que coexistem em todos os tempos e em
todas as sociedades. Manifestam-se na dimensão simbólica da cultura (em particular a
linguagem) como também na sua dimensão técnica.

A modalidade tradicional da experiência


A experiência tradicional fundamenta-se em saberes que são tidos como legítimos por
terem sido transmitidos e invocarem autoridades transcendentes ao mundo dos homens
(Deus, a tradição); e não por se fundarem em razões invocadas de maneira reflexiva.

Mas ao esquecer-se a origem desses saberes, eles convertem-se em tradicionais uma vez
que se tornam disponíveis para receber explicações racionalizadas, não esquecendo nunca
a sua indicação e a sua permanente adaptação aos interesses particulares. A este
processo correspondem as diferentes formas de mitificação (mitos).

A experiência tradicional decorre de um processo de relativa automatização de distintos


mundos e domínios. Para esta experiência não há confusão entre normas sociais e as leis
da natureza bem como com os condicionamentos dos indivíduos; como também não se
confunde juízos ontológicos com éticos e estéticos – princípios distintos e autónomos.

Esta experiência está fortemente plantada nos processos de interação. É através da


palavra trocada, no campo das interações conversacionais, que a modalidade tradicional
da experiência se alimenta, se reproduz e funda a sociabilidade – fundada na interação
discursiva e na tradição.

É então, que dizemos que a experiência tradicional tem uma sabedoria tradicional,
experiência particular e localizada no mundo.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 26


Devido à tradição, a experiência tradicional assegura a continuidade entre o mundo
natural, intersubjetivo e subjetivo, de modo a impedir a diferenciação dos mundos da
experiência e impor também a problemática comunicacional e as exigências contraditórias
de lógicas distintas. Esta experiência vê a linguagem (por exemplo: a língua materna
constituí também um dos domínios da experiência tradicional) como dispositivo na
intervenção nos diferentes mundos, dando origem à tecnicidade mágica.

A modalidade moderna da experiência

A modalidade moderna da experiência consiste no processo de racionalização dos mundos


da experiência (automatização dos três mundos: natural, subjetivo e intersubjetivo) e está
intimamente associada à emergência de uma nova modalidade de saber, o saber
disciplinar, baseado no especialista e no perito e que deriva da aquisição de conhecimentos
próprios de uma profissão. O limite da experiência do especialista ou do perito é do
domínio da experiência em que é competente, em qualquer tempo e em qualquer lugar.

Este contribui ainda para a distinção entre o saber dizer (domínio do discurso) e do saber
fazer (domínio da intervenção técnica) em relação à função pragmática do saber.
A formulação do saber disciplinar é eminentemente discursiva e especializada – implica a
referência a formas societárias diferenciadas. Assim, rompe com a tradição.

As regras pragmáticas regulam a intervenção do especialista e automatizam as regras do


discurso competente e deste modo nasce o cientista e o técnico.

O saber acaba por ter então duas modalidades do saber: a discursiva e a pragmática. A
automatização da função pragmática em relação à função discursiva da competência
corresponde de facto à automatização moderna do campo científico em relação ao campo
técnico.

Mas é importante deixar claro que a experiência moderna não é exclusiva das sociedades
que se nomeiam como modernas.

A automatização das dimensões da experiência corresponde ao processo de secularização


da experiência a que Max Weber dava o nome de «desencantamento». A experiência
moderna é desencantada, na medida em que o homem descobre que o seu destino
depende de si próprio e não de forças transcendentes, toma consciência de que é senhor
das suas decisões. Esta secularização corresponde a um processo relativo à experiência
do mundo.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 27


Este processo está entre as modalidades; é o processo que explica a automatização.

O traço dominante da experiência moderna é o da natureza específica da fundamentação e


da legitimação da ação e do discurso. A modernidade apela à razão como fundamento do
agir e do falar, à experiência do individuo, ao mundo natural e ao mundo intersubjetivo. É
isto que provoca a automatização e institucionalização de uma diversidade de campos
sociais.

É então, que surge na experiência moderna a primeira dificuldade – a questão


comunicacional – o problema comunicacional surge da dificuldade de o homem se instituir
e legitimar como sujeito de discurso e delimitar para si um lugar autónomo de palavra.

É neste sentido que podemos falar na viragem da modernidade associada aos ideiais do
Iluminismo ou das Luzes. Surge ainda uma deslocalização da experiência que passou a
integrar outras visões do mundo – esta deslocalização está atualmente mais marcada
porque há interações em todos os sentidos. Se falamos de deslocalização da experiência
também podemos falar de uma mundialização da experiência.

Adriano Duarte Rodrigues, Comunicação e Cultura, Páginas 29 e 30


“Nas sociedades tradicionais, a comunicação estava regulada de antemão por quadros
relativamente estáveis, definidos dentro das fronteiras das comunidades de pertença.
Apesar da divergência das opiniões, dos conflitos, a legitimidade para dizer e para agir era
tradicionalmente regulada pelo respeito indiscutível da autoridade e da tradição” (A
autoridade é Deus)

 Legitimidade (padre) assente na autoridade “daquele que fala” (sabedoria


DESENCATAMENTO
…………… tradicional)
SECULARIZANTE
(Racionalização da
experiência moderna)
“No mundo moderno, pelo contrário, a inovação é um processo acelerado e
as posições contraditórias coabitam no seio das mesmas sociedades, sem que
nenhuma acabe por se impor ou substituir os outros”

 Legitimidade decorre da indagação da razão humana (saber disciplinar) –


passa a depender dos indivíduos e do reconhecimento pelo outro - Há mais
questionamento

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 28


João Carlos Correia (2004) – Comunicação e Cidadania pp.117-126

“A partir da modernidade, em substituição de uma comunidade universal de crentes,


assistiu-se à deslocação da religião (…) da posição central que ocupava na vida das
sociedades.

A religião perdeu o seu carácter de fundamento último da validade pública da moral


partilhada por todos.

A validade das normas tidas como universalmente vinculadas deixou de se pode explicar
com o recurso a interpretações que implicavam a intervenção de um ente divino.

Com o declínio da explicação transcendente – ou seja, do ponto de vista de Deus – (…) o


problema da legitimidade acabou por se afirmar porque se desenvolveu um pluralismo de
cosmovisões que privou o poder secular (poder laico não religioso) do fundamento religioso
que representava a Graça de Deus, obrigando o Estado e as normas que regem as vidas
individuais e das comunidades e legitimarem-se a partir de outras fontes” (razão)

A escolha do destino de cada um passa a ser sinonimo num sentido social, da existência de
possibilidades infinitas, já que a posição social é um dado aberto, uma vez que deixa de
depender do nascimento (ou seja, podemos ser o que queremos apenas temos de
trabalhar por isso, enquanto que antigamente o nosso destino era definido pelo
nascimento, a nossa posição social definia o que seriamos no futuro e hoje isso não nos
define)
O individualismo acentua-se no sentido em que cada homem se interessa pela forma como
deixa a sua marca no Mundo. Cada um de nós constrói a sua identidade e projetos
individuais em contextos onde distintas esferas sociais entram em conflitos.

“A modernidade, de um certo modo, é o reconhecimento de que é o homem (e não já Deus)


a medida de todas as coisas (…)
A subjetividade emerge como uma força poderosa capaz de desafiar os poderes
estabelecidos e os horizontes de significação tradicionais. (…) O sujeito, com a
secularização das grandes narrativas, torna-se possível construtos do seu destino no
mundo”.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 29


A emergência da questão comunicacional na modernidade

Diferenciação moderna dos domínios da experiência

Autonomização e institucionalização de uma diversidade de campos sociais

Dificuldade de compatibilizar entre si exigências legitimas diferentes e, até, contraditórias


– Questão comunicacional –

“Numa sociedade moderna e complexa, os mapas de orientação são cada vez mais
ambíguos, tortuosos e contraditórios” (J.C.C, página 119)

Da indiscutível, impondo-se a todos sem discussão, o sentido passa a depender da


possibilidade de invocar razões para a ação e para o discurso. Promove-se o
questionamento de como descobrir o caminho a seguir para fundamentar os
comportamentos e os discursos e, deste modo, aceitá-los como legítimos.

Quem vai falar? A quem? Com que legitimidade?


O problema comunicacional surge da dificuldade de o homem se instituir e legitimar como
sujeito de discurso e, deste modo, delimitar para si um lugar autónomo de palavra, na
medida em que já não se aceita acriticamente uma palavra única e transcendente como
fundadora da experiência.
“Trata-se assim hoje de saber em que medida as razões invocadas para legitimar (…) a
experiencia humana do mundo aos olhos dos que vivem no seio de uma determinada
comunidade, podem ser igualmente reconhecidas e aceites como racionais (e legitimas),
não só pelos próprios interlocutores, mas também pelos que, de fora, os observam” (A.D.R,
CC, Páginas 31 e 32)

Adriano D. Rodrigues (1990) – Estratégias da Comunicação


Teoria dos Campos Sociais
Nas sociedades tradicionais, os campos económico, religioso e político funcionam como
um único bloco, obedecendo a uma mesma legitimidade transcendente.

Na viragem da modernidade, os três campos sociais: o religioso, o político e o económico


automatizam-se e proliferam, procurando cada um ocupar o lugar central deixado em
aberto pelo campo religioso.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 30


Cada um destes campos (instâncias legítimas autónomas que criam, impõem, sancionam e
restabelecem as regras do dizer e do agir próprias a cada esfera da experiência) reivindica
uma esfera de competência e autoridade que procura legitimar posições contraditórias.

A automatização dos campos sociais na modernidade está ligada à rutura em relação à


ordem totalizante do religioso.

E este processo apresenta-se como:

 uma reivindicação da razão humana iluminada


 aceitação da autonomia das ordens dos valores de verdade em relação aos valores
éticos e aos estéticos (autonomia das diferentes dimensões da experiência) - é por
isso que dizemos que havia uma distinção entre o verdadeiro e o falso, entre o bom
e o mau, entre o justo e o injusto: os desenhos animados são um exemplo disto.

Este processo caracteriza-se pela fragmentação do tecido social numa multiplicidade de


esferas da legitimidade.

Os campos sociais constituem instituições sociais, esferas de legitimidade que impõe com
autoridade indiscutível atos de linguagem, discursos e práticas conformes, dentro de um
domínio específico de competência; impõem uma ordem axiológica própria – um conjunto
de valores que impõe a todos com uma força vinculativa. A legitimidade de um campo
social incide sobre todo o processo de institucionalização dos valores que lhe são próprios,
desde a sua criação e gestão até à sua imposição e sanção.

A legitimidade é o critério fundamental dos campos sociais.

A especificidade de um campo social consiste na averiguação do domínio da experiência


sobre o qual é competente e sobre o qual exerce competência legítima publicamente
reconhecida e respeitada pelo conjunto da sociedade, ou seja, o campo social só é legitimo
se publicamente reconhecido como tal.

Os campos sociais asseguram a sua visibilidade pública pela imposição de uma simbólica
própria.

Os campos sociais têm um corpo social que é constituído pelo conjunto de detentores da
legitimidade instituinte desse mesmo campo (por exemplo: no campo político as pessoas
que integram um partido são o corpo social). Mas a característica principal do corpo social
é a sua visibilidade; a visibilidade é tanto maior quanto mais formal for a organização do
respetivo campo.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 31


Um campo social desempenha dois tipos de funções dentro do seu domínio de
competência:

 Funções expressivas ou discursivas (domínio do dizer)


 Funções pragmáticas ou técnicas (domínio do fazer)

Um campo social possui diversos regimes de funcionamento consoante os lugares e os


momentos (regime lento e acelerado), ou seja, os campos sociais podem funcionar em
regime lento, como que em ponto morto, dependendo dos lugares e dos momentos.
Qualquer campo social que não preserve um determinado ritmo de aceleração do seu
modo de funcionamento tende a diluir-se.

Dos processos e das funções entre os diferentes campos sociais resultam reflexos
(dimensões públicas – noção de interface entre os diferentes campos sociais) que se
projetam em casa um dos campos e o atravessam (por exemplo: no campo político
podemos encontrar dimensões religiosas).

No funcionamento estratégico dos campos sociais, podemos distinguir dois tipos de


estratégias: a cooperação e o conflito- a cooperação intervém como modalidade de
composição entre as estratégias de dois ou mais campos enquanto modalidade
amplificadora dos efeitos institucionais de coerção. Já o conflito surge quando dois ou mais
campos impõem a própria ordem axiológica numa mesma esfera da experiência, ou seja,
sempre que ocorre um processo de automatização de uma esfera.

Automatização do Campo dos Media relativamente aos outros campos


Com a automatização e a constituição moderna dos campos sociais institui-se aquilo a que
damos o nome de publicidade – entendida como processos de tornar público. (a ideia de
espetador; programas)

É este processo de que está na origem da autonomização e constituição do CAMPO DOS


MEDIA – campo especializado na regulação dos valores da publicidade.

O campo dos media não gere um domínio da experiência específico (que lhe seja próprio),
mas um domínio constituído por uma parte dos domínios da experiência que os restantes
campos sociais nele delegam.

A legitimidade o campos dos media é de natureza predominantemente vicária ou delegada


que marca a especificidade do seu domínio próprio de competência: a mediação entre os
diferentes campos sociais, religando entre si o mundo fragmentado moderno.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 32


O efeito mais notável que o campo dos media exerce sobre a nossa experiência do mundo é
o chamado efeito de realidade, o facto de a realidade tender para o resultado do
funcionamento dos dispositivos de mediação, autonomizando-se e sobrepondo-se à
perceção espontânea dos nossos órgãos sensoriais. (Por exemplo: Nova Iorque, nos
experienciamos através dos meios de comunicação, dos livros…)

“Media” na expressão “campo dos media” designa a instituição que é dotada de


legitimidade para superintender a gestão dos dispositivos de mediação da experiência e
dos diferentes campos.

Jurgen Habermas (1962) – A Transformação da Esfera Pública, Capítulos II e V


Podemos compreender a esfera pública como o conjunto de discursos e das ações que
interferem na experiência da interação e da sociabilidade.

O conceito de esfera pública é trans-histórico (atravessa a história):

 Na Antiguidade clássica: polis/oikos

“Na cidade-estado grega desenvolvida, a esfera da polis, que é comum (koine) aos
cidadãos livres, está rigorosamente separada da esfera do oikos, que é própria (idia) de
cada individuo” (Habermas, a transformação da esfera publica, página 71)

 Dissolução da dicotomia publico/privado na época medieval

“Esta esfera publica de representação não se constitui como um âmbito social, como uma
esfera do que é publico, sendo antes, se o termo pode ser transposto para ela, algo como
um sinal de estatuto” (Habermas, a transformação da esfera publica, página 76)

A partir do século XV, é a corte do soberano que se torna o centro do ato de tornar publico,
do ato de “publicitar”

A partir do século XVI (modernidade) surge uma nova organização económica da sociedade
→ automatização das esferas pública e privada. Passamos a ter uma esfera privada
responsável pelo mercantilismo (a esfera privada diz respeito aos processos de troca) e
passamos a ter uma esfera pública responsável pela dimensão política e pelas funções do
governo.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 33


No quadro da nova forma de ‘publicidade’, a privacidade surge pela primeira vez como um
direito que assiste ao cidadão livre de assegurar a defesa da sua autonomia perante a
ingerência do Estado Soberano.

No século XVIII: novo modelo de organização da sociedade civil com a articulação da esfera
pública e da esfera privada.

Esfera pública literária: primeira experiência social da nova esfera pública.


Esta modalidade de tornar comum num determinado espaço todo um conjunto de
experiências privadas transita posteriormente para a esfera pública política e consagra o
espaço público como o espaço da racionalidade, igualdade, abertura e democracia.

Domínio Privado Espaço Publico Esfera do Poder Publico

Sociedade Civil (sector Esfera Pública Estado


de troca de Política
(domínio da “policia”)
mercadorias e do
trabalho social)

Esfera Pública
Literária (clubes,
Espaço Íntimo da imprensa) (mercado Corte
Família Conjugal de bens culturais) (sociedade aristocrático-
(intelligentsia «Cidade» cortesã)
burguesa)

A esfera pública burguesa regula a relação entre o Estado e as necessidades da sociedade


civil, a partir da automatização de uma opinião – a Opinião Pública devidamente
fundamentada que promove a força do melhor argumento. É neste sentido, que os clubes,
os cafés e os salões serviam para a discussão de opiniões controversas. Foram destas
discussões que surgiram textos que a imprensa depressa passou a divulgar,
transformando-se em imprensa de opinião.
Prevalece o uso público da razão, articulado por indivíduos privados que, ao participar em
discussões abertas e francas, obrigam o poder público a se legitimar perante a opinião
pública (prática dialogicamente discursiva da deliberação). Habermas defende que as
decisões são tomadas ou devem ser tomadas depois de discutidas. Defende ainda a ação
comunicacional e rejeita a ação de estratégia uma vez que esta leva o outro a fazer o que
queremos.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 34


Princípios de Funcionamento

 Paridade na argumentação (igualdade de estatuto dos participantes – universalidade


do acesso).
 Laicização da cultura que depois se estendeu à política (abertura temática) –
autoridade à priori vai cedendo lugar à discussão racional.
 O não fechamento do público (abertura da participação)
O papel da Comunicação

 Espaço simbólico fundamental de afirmação da esfera pública


 Exercício privilegiado da publicidade
 Uma prática argumentativa que favorece o exercício critico

Um espaço de comunicação alargado que está configurado: a “comunicação agonística”,


através da qual os indivíduos fazem uso público da razão, com a publicitação das suas
ideias e a defesa argumentativa das suas posições.

A esfera pública assume-me como o novo “sujeito de legitimação”.

Surge o declínio da esfera pública a partir do último quartel do século XIX e século XX:

 Processo de interpenetração entre Estado e Sociedade


 Estatização da sociedade: progressiva extensão da autoridade do estado ao setor
privado
 Socialização do estado: transferência de competências do estado para corpos
corporativos da sociedade civil
 A família recua e tende a restringir-se à esfera íntima da vida familiar
 O rendimento familiar deixa de se fundamentar na propriedade e passa a defender
um trabalho assalariado
 Público e privado tornam-se indistintos
 Setor pseudo-público ou aparentemente privado do consumismo cultural
 Passagem do público que pensa a cultura para o público que consome a cultura.

Transformação da esfera pública


Nova esfera social repolitizada: (nem é privada nem é pública)

• Age-se sem a intermediação das pessoas privadas que pensam politicamente

• O público cede essa tarefa a associações em que interesses privados procuram


uma configuração política (setor privado) e a partidos que se estabelecem como que
acima da esfera pública da qual já foram instrumentos.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 35


• “O público apenas esporadicamente é incluído no circuito do poder, e, mesmo
nesses casos para fins aclamatórios”

Degradação do universo cultural:


• Desprivatização da esfera íntima a partir da hegemonia da lógica
mercantilista/lucro.

• Dissolução dos centros convencionais de cultura (os lugares públicos onde as


pessoas se encontravam)

• O consumo coletivo (igual para cada) substitui o consumo público: a realidade de


massa. “Do público que raciocina sobre a cultura ao público que consome cultura”
(página 282)
• A encenação do debate e da discussão: o papel da publicidade na transformação do
público em objeto consumidor de produtos discursivos.

• Expansão do consumo traz consigo a degradação da qualidade.

Manifestações desta degradação ao nível da imprensa:


• Facilitação psicológica/’simplificação’ dos conteúdos trás consigo o esvaziamento
político da imprensa. (por exemplo, o jornal Correio da Manhã).

• As técnicas soft da informação (vs. opinião) e das notícias

“A imprensa, de veículo da opinião publicamente produzida nos espaços de debate e de


convívio, torna-se, a pouco e pouco, produção de opinião” (A. D. Rodrigues, Estratégias da
Comunicação, p.41)

Manifestações desta degradação ao nível dos audiovisuais:


• Maiores capacidades de manipulação da realidade → inibição do exercício racional

Enfraquecimento da capacidade de resposta do público: a massa como antítese do público


(padrões universais de consumo).

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 36


Ambivalências do espaço público contemporâneo
Da Opinião Pública como forma de constituição da vontade coletiva à Pseudo-Opinião
Pública enquanto construção estratégica, com mera função de “justificação” de interesses
políticos.

Consolidação de uma base de legitimação quantitativamente mais consistente, mas


qualitativamente bastante débil; a esfera pública expande-se numericamente, mas retrai-
se ao nível da sua função crítica e de participação.

A esfera pública é um campo de conflito social, onde importantes debates sobre o futuro
das nossas sociedades têm lugar.

J.B. Thompson (1990) – Teoria social da comunicação de massa, 1990


O surgimento da comunicação de massa, e, especialmente, o surgimento da circulação em
massa de jornais no século XIX e a emergência da difusão por ondas no século XX, teve um
impacto profundo no tipo de experiências e nos padrões de interação características das
sociedades modernas.

Comunicação de massa deve ser encarada no sentido de os produtos estarem disponíveis a


um vasto conjunto de recetores que podem apropriar-se deles de forma ativa.

A capacidade de intervenção desses recetores tem a ver com o facto de, enquanto
consumidores, poderem realizar escolhas.

“A comunicação de massa é a produção institucionalizada e a difusão generalizada de bens


simbólicos através da transmissão e do armazenamento da informação/comunicação”
(página 288)

Quatro características da comunicação de massa:


→ A produção e a difusão institucionalizadas de bens simbólicos (fixação, reprodução e
mercantilização das formas simbólicas): a comunicação de massa pressupõe o
desenvolvimento de instituições interessadas na produção em larga escala e na difusão
generalizada de bens simbólicos. Implicará a produção e a difusão de cópias múltiplas ou a
provisão de materiais para recetores numerosos. Isto torna-se possível pela fixação das
formas simbólicas em meios técnicos e pela reprodução dessas formas. As formas
simbólicas passam a ser tratadas como objetos para serem vendidos, serviços pelos quais
se deve pagar ou meios que podem facilitar a venda de outros objetos ou serviços. Assim, a
comunicação de massa deve ser entendida como um conjunto de instituições interessadas
na fixação, reprodução e mercantilização das formas simbólicas.

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 37


→ A comunicação de massa institui uma rutura entre a produção e a receção de bens
simbólicos: os bens produzidos para recetores são mediados pelos meios técnicos em que
estão fixados e transmitidos. A mediatização das formas simbólicas através da
comunicação de massas implica um fluxo de mensagens de mão única, do produtor ao
recetor, assim, a capacidade do recetor de influenciar os processos de produção ou de
difusão torna-se limitado. Os processos de produção e de transmissão são caracterizados
por uma forma indeterminada. As formas simbólicas são produzidas para audiências e
transmitidas para atingir essas audiências. Na comunicação de massa as pessoas
envolvidas na produção e na transmissão estão privadas de uma imediata
retroalimentação da parte de recetores.

→ A comunicação de massa aumenta a acessibilidade das formas simbólicas no tempo e


no espaço: os meios de comunicação de massa implicam um alto grau de distanciamento,
tanto no espaço como no tempo. As formas simbólicas são geralmente fixadas num meio
relativamente durável, por exemplo, em papel; como também ampliam a acessibilidade no
tempo e podem ser preservadas para uso futuro. A natureza e a extensão do
distanciamento podem depender das práticas sociais e das condições técnicas de receção.

→ A comunicação de massa implica a circulação pública das formas simbólicas: os


produtos de comunicação de massa são produzidos para uma pluralidade de recetores.
Estes produtos circulam dentro de um «domínio público» no sentido de que são sensíveis a
qualquer um que tenha os meios técnicos, as habilidades, os recursos para adquiri-los.
As instituições de comunicação de massa têm por objetivo alcançar a maior audiência
possível, pois o tamanho da audiência pode afetar diretamente a parte económica dos
produtos. A maneira como estes produtos são apropriados pelos recetores também varia,
dependendo do meio, do produto, dos canais de difusão e das condições sociais e técnicas
de receção.

Resumindo: os produtos que circulam nos mass media são formas simbólicas
mercantilizadas e reprodutíveis que se tornam disponíveis, em amplas abrangências de
tempo e espaço, para pública circulação e receção.

Surge um impacto internacional dos meios técnicos, considerando a maneira como o


desenvolvimento da comunicação de massa afeta a organização social da vida quotidiana e
como estes meios técnicos tornaram possíveis novas formas de ação e interação no
mundo social.

É então, que surgiram quatro dimensões do impacto interacional dos meios técnicos:

→ Os meios técnicos facilitam a interação através do tempo e do espaço (os indivíduos


desenvolvem formas de interação social que dispensam a partilha de um local físico
comum – ‘quase interação mediatizada’)

→ Os meios técnicos modificam a maneira como as pessoas agem para com os outros que
estão distantes: os meios técnicos permitiram que as pessoas pudessem comunicar

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 38


através de maneiras novas e eficientes e que possibilita aos indivíduos manter as suas
relações através do tempo e do espaço. Por exemplo: o telefone.

→ Os meios técnicos modificam a maneira como as pessoas agem em resposta aos outros
que estão distantes: os meios técnicos podem criar novas oportunidades para as pessoas
agirem em resposta a outras que estão distantes espacial e/ou temporalmente. A natureza
e o objeto da ação responsiva refletem-se no facto de as mensagens serem recebidas por
audiências que podem abranger milhares e milhões de pessoas; e essas pessoas podem
agir de uma maneira ou de outra, como resposta às mensagens que eles receberam. As
ações responsivas são dadas por desconhecidos e as maneiras de resposta àquilo que foi
dito ou mostrado pode ser difícil de definir-se. É então, que esta ação responsiva pode ser
variada e diversificada.

→ Os meios técnicos modificam as maneiras como as pessoas agem e interagem no


processo de receção: o desenvolvimento dos meios técnicos estabeleceu novos contextos e
formas de interação onde as pessoas estão rotineiramente contratadas na receção e
apropriação das mensagens mediadas pelos meios.

Descentralização e diversificação dos mass media na década de 80 do século


passado
→ Os jornais passaram a disponibilizar edições paralelas consoante as cidades.

→ Os aparelhos tipo walkman transformaram a seleção pessoal de música.

→ A rádio especializou-se com estações temáticas (atualmente existem rádios mais


direcionadas para determinados temas com o objetivo de atingir públicos homogéneos).

→ Os videogravadores como alternativa à programação da tv (hoje em dia desapareceram


porque a televisão produz os filmes e porque existem sites que nos permitem ter um acesso
fácil e mais rápido aos filmes).

→ Os telediscos modificaram a indústria musical.

→ A possibilidade de gravação de programas de televisão mudou os hábitos das audiências


e reforçou a seleção (surgiu a possibilidade de gravar e ver numa outra altura; fazemos uma
seleção do que queremos ver e alterou o panorama da relação com os média).

→ O facto de as pessoas terem começado a filmar os seus próprios eventos modificou o fluxo
de sentido único das imagens e reintegrou a experiência da vida no ecrã. (a existência da
máquina de filmar permitiu que as nossas experiências passassem pelo ecrã; altera o
sentido único das imagens porque eu enquanto consumidor posso consumir e ver as minhas
imagens – é possível registar os momentos e ver esses conteúdos que, por vezes, a nossa
memória pode não alcançar, como as memórias de quando erámos mais pequeninos).

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 39


→ Os canais de televisão multiplicaram-se (hoje temos múltiplos canais que se dirigem para
determinados temas, como o canal de história, o canal de desporto, o canal dos desenhos
animados, etc).

Estes media descentralizados e diversificados determinam uma audiência segmentada e


diferenciada, que já não é uma audiência de massa em termos de simultaneidade e
uniformidade da mensagem recebida.

Manuel Castells – As “novas” formas de mediação da experiência na sociedade em


rede, 2000
A diversificação dos media continuou, no entanto, a não transformar a lógica unidirecional
da sua mensagem, nem a permitir o feedback da audiência.

Para que a audiência se pudesse manifestar teve de esperar pela internet (1995) – a
espinha dorsal da comunicação global mediada por computadores (CMC). Permitiu que
surgissem novas formas de sociabilidade e novas formas de vida urbana adaptadas ao novo
ambiente tecnológico, nomeadamente as comunidades virtuais.

Comunidades pessoais – “redes sociais de indivíduos, com laços informais e interpessoais,


variando entre meia dúzia de relações íntimas e centenas de laços frágeis… ambas,
comunidades de grupo e comunidades pessoais, operam online assim como offline”
(página 469)

O que sabemos sobre o que está a acontecer na internet? – Tal como nas redes pessoais
físicas, a maioria dos laços existentes nas comunidades virtuais são especializadas e
diversificadas.

os utilizadores de internet juntam-se às redes ou a grupos online, com base em interesses


e valores partilhados e, uma vez que possuem interesses multidimensionais, também os
têm como membros de uma comunidade online.

A interação na internet parece ser tão especializada/funcional como aberta/solitária.

A rede é particularmente adequada ao desenvolvimento de múltiplos laços fracos que


facilitam a ligação entre indivíduos com diferentes características sociais e expandem a
sociabilidade além das fronteiras socialmente definidas de reconhecimento mútuo. Ex:
“Alta taxa de mortalidade”

Uma maior utilização da internet leva a mais laços sociais, incluindo laços físicos.

As comunidades virtuais são verdadeiras comunidades? Sim e Não!

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 40


São redes sociais interpessoais, na sua maioria baseadas em laços fracos, altamente
diversificadas e especializadas, aptas a gerar reciprocidade e apoio através das dinâmicas
da interação sustentada.

Não existem isoladas das restantes formas de sociabilidade, mas reforçam a tendência
para a ‘privatização da sociabilidade’ (a reconstrução de redes sociais em torno do
indivíduo, o desenvolvimento de comunidades pessoais físicas e online).

A democracia está a ser reforçada através de experiências eletrónicas de participação


cívica que demonstram o potencial das redes de comunicação por computador como
instrumentos auto-organizadores e de debate público (refuncionalização do espaço
público)

Apontamentos: Beatriz Carvalho - Página 41

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