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ienci2023v28n1p281
Agribusiness and the Amazon: pedagogical action as communicative action in the integrated reading
of a colonized world
Resumo
Abstract
Agribusiness, that can be addressed in science education, is an economic activity related to the trade of
agricultural products that is based by the capitalist logic of profit. In the Amazon, we see an expansion of the
agricultural frontier with the occupation of land and changes in land use. In the unveiling of the liabilities
arising from this enterprise in the Amazon, we conducted in the context of a research-training, an experience
of pedagogical action in communicative action, with dialogue as the basis for interactions in the
thematization of agribusiness. The research-training, of qualitative nature, was developed with students of
the Integrated Degree in Sciences, Mathematics and Languages, of the Federal University of Pará, whose
Investigações em Ensino de Ciências – V28 (1), pp. 281-302, 2023
methodological strategy of action was represented by the integrated panel. The appreciation of the research
results (students' manifestations) was based on content analysis, precisely by the enunciation analysis
technique. The results indicated that the communicative pedagogical action made it possible to the students
to perceive (in)visible connections of the different aspects of agribusiness in the Amazon, achieving the
overcoming of naive consciousness, for a critical consciousness, in the unveiling of the contradictions of the
socio-environmental reality of the Amazon, important for science education. The educational practice, based
on the communicative action, favored the emancipation, the self-enlightenment and thinking in different ways
to transform the reality, plausible to the social and environmental scenario in the Amazon. The counter-
hegemonic educational action raised positions contrary to the colonization of the world of life. Certainly,
because we refuse to act from an instrumental perspective, in favor of a communicative rationality.
INTRODUÇÃO
A busca pelo desvelamento dos processos de destruição que incidem sobre da Amazônia, nos
levou a desenvolver uma pesquisa-formação que considerou as questões socioambientais, precisamente o
agronegócio como um episódio socioambiental, no âmbito do ensino de ciências, de modo a tornar visível o
alinhamento dos múltiplos agentes de diferentes escalas (globais, nacionais e locais) em diferentes
contextos espaciais (rurais e urbanos), enquanto “[...] elos de poder e da relação sociedade, Estado,
economia e meio ambiente” (Silva, 2011, p. 14). O agronegócio, em linhas gerais, “[...] envolve
necessariamente atividades econômicas relacionadas à agricultura” (Barros, 2022, p. 2). Assim,
empreendemos em um processo de educação/formação, por meio da ação pedagógica como agir
comunicativo, para a compreensão dos enredos que se apresentam à Amazônia. No encaminhamento
dessa experiência didática, a adoção da metodologia dialógica painel integrado materializou o ato
pedagógico comunicativo na interação entre estudantes e professoras, permitindo relacionar perspectivas
diferentes de um dado tema, no que chamamos de organização constelar ou constelação, por organizar
uma exposição de pensamento, tornando visível todos os meandros que envolvem o agronegócio, em
especial, os efeitos destrutivos do desmatamento, grilagem de terras, contaminação por agrotóxicos e a
exploração da natureza à exaustão.
O agronegócio mostra-se cada vez mais integrado ao sistema-mundo, percebido pela articulação
política e interesses econômicos, na acumulação de capital. A base material do agronegócio é a
acumulação fundiária, monopólio do território e concentração de renda. O agronegócio com sua
homogeneização facilita a integração de territórios, formando uma rede desta atividade capitalista de
produção de alimentos em nível mundial, trazendo vários passivos aos territórios de sua inserção
(Camacho, 2012). Nesse contexto, a Amazônia se encontra em ritmo acelerado de destruição, pela
exploração degenerativa mediada pela agricultura empresarial, de forma que parte considerável da
devastação do bioma amazônico se deve a esta atividade.
velocidade com que provoca modificações no mundo da vida amazônico, de forma que se desvelem as
formas de dominação, que leva às desigualdades sociais e aos problemas socioambientais, que afetam as
populações amazônicas. Para mediar a tematização do agronegócio, tendo como referências a
intersubjetividade no entendimento linguístico e a dialogicidade, para uma interação comunicativa entre
estudantes e professoras, é essencial lançar mão de metodologias dialógicas, de modo que possamos
compreender as possibilidades de a ação pedagógica como agir comunicativo, em favorecer a apreensão
crítica e multidimensional, na referência às contradições da realidade socioambiental da Amazônia.
DELINEAMENTO METODOLÓGICO
Por sua vez, a experiência formadora enquanto processo de conhecimento é para Josso (2004, p.
45) uma “[...] prática de conhecimento orientada pela observação e pela interpretação das interações e
transações nas quais somos envolvidos ou implicados [...]”. A construção do conhecimento envolve
dimensões intersubjetivas tendo o outro como referência, pois os saberes resultam da experiência com os
outros, das convivências partilhadas. A pesquisa-formação busca sentidos ao processo, mediante partilha,
construção conjunta, em que investigador e sujeitos da pesquisa são colocados como aprendentes (Josso,
2004).
O processo de colonização capitalista concentra as riquezas naturais da Amazônia nas mãos dos
grupos econômicos. Já os povos originários, colonos e posseiros que compõem o grupo social dos
despossuídos e dos marginalizados não têm acesso aos benefícios da exploração dos recursos naturais,
somente as minorias privilegiadas ficam com os benefícios desse processo (Picoli, 2006). Segundo
Acselrad et al. (2012), o capitalismo brasileiro se encontra ajustado ao capitalismo mundial. Essa
conformação é visível a partir dos anos 1990, quando os grupos econômicos relacionados ao agronegócio,
ao setor de mineração, energia e construção pesada se integram aos setores estruturantes do poder
econômico e político (Acselrad et al., 2012). A exploração dos recursos naturais na Amazônia contribuiu
para o avanço do capital na região e tem a tutela do Estado brasileiro, numa relação que assim se
apresenta:
Essa leitura em associação com as discussões sobre agronegócio pode proporcionar uma leitura
de mundo, do mundo da vida amazônico. É com essa leitura de mundo, em termos freirianos, que
poderemos fazer emergir uma consciência engajada, ao fazer com que o estudante “[...] compreenda sua
realidade, [ao] levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções” (Freire, 2018, p. 38).
O mundo objetivo não pode ser compreendido por um sujeito solitário e ao dar a palavra aos estudantes,
permitimos uma relação intersubjetiva, quando os sujeitos capazes de linguagem e de ação se entendem
entre si sobre algo do seu mundo da vida. Assim, o “[...] saber de fundo e o saber acerca do contexto,
ambos coletivos e partilhados por falantes e ouvintes, determinam em grande medida a interpretação de
suas enunciações explícitas” (Habermas, 2012a, p. 577-578).
Muitos são os diálogos entre os sujeitos da/na ação pedagógica que problematizam as questões
presentes nos discursos hegemônicos sobre o agronegócio, os quais são apresentados ao longo desta
seção. Assim, nos diálogos a seguir, apresentados no Quadro1, observamos que os estudantes percebem
que o aumento da produção de alimentos, de que tanto o agronegócio proclama como sendo para combater
a fome, não resultou na redução do número de famintos, constituindo-se uma retórica vazia. A produção de
alimentos, por essa lógica, não visa atender as necessidades de alimentação, mas sim, aumentar os lucros
dos empresários do agronegócio (Mitidiero Junior & Goldfarb, 2021).
na Amazônia, só que agora não apenas extrai matérias-primas, sendo ainda mais impactante com “[...]
paisagem homogênea da monocultura, com poucas pessoas e com pouca sociobiodiversidade” (Camacho,
2012, p. 15). Essa realidade contrasta com a realidade que queremos, como espaços amazônicos “[...]
povoados e de paisagens heterogêneas, contemplando a sociobiodiversidade e os agroecossistemas
complexos” (Camacho, 2012, p. 15).
O tema agrotóxico fez parte da constelação agronegócio que ao ser discutido numa perspectiva
diferente da racionalidade instrumental foi associado a riscos à saúde humana e ao ambiente. De outro
modo, a ênfase nos riscos inerentes ao seu uso sobrepõe à perspectiva técnica que “[...] enxerga apenas a
relação custo-benefício e meio-fim” (Souza & Marques, 2017, p. 63).
No turno 4, a estudante Joana relata sua preocupação quando diz: “a ganância é tanta que vale
envenenar os alimentos, contaminar o meio ambiente e destruir o planeta”. Essa fala expressa uma
destruição gradativa que bem representa a realidade em que a Amazônia se encontra. Esse cenário do
qual nos fala Joana é preocupante e precisa ser enfrentado, porque já ultrapassamos quatro dos nove
limites planetários1, entre eles temos as mudanças no uso da terra (Rockström et al, 2009; Steffen et al.,
1
Espaço operacional seguro para a manutenção/sustentação da vida humana, considerando os processos biofísicos que regulam a
estabilidade do sistema Terra.
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2015). Corroborando com essa preocupação, temos que “[...] esse processo de desenvolvimento
capitalista no campo é responsável pela exclusão e marginalização dos povos, além da destruição da
biodiversidade, colocando em risco toda a humanidade” (Camacho, 2012, p. 12).
(Lopes & Albuquerque, 2018, p. 524). Dentre os problemas causados à saúde humana pelos agrotóxicos,
têm-se estudos que comprovam alterações celulares associadas a vários tipos de câncer, doenças
respiratórias, alergias, doenças mentais e muitas outras patologias (Lopes & Albuquerque, 2018).
De um modo geral, os estudantes expressam nas suas falas o quanto o painel integrado facilitou
suas compreensões sobre o agronegócio, o que, de outro modo, não teriam essa compreensão ampliada.
No turno 3, a estudante Patrícia fala o quanto é importante a promoção do diálogo em sala de aula, nos
seguintes termos: “Ao discutir pontos diferentes de um mesmo tema ajuda a perceber coisas que a leitura
sozinha de um texto não seria capaz de abarcar tanta informação quanto por meio dessas discussões em
grupo. O colega às vezes percebe detalhes que a gente não percebe”. A associação entre leituras coletivas
e discussões em grupo mostrou-se profícua ao levar os estudantes a terem trocas cognitivas que
favoreceram uma compreensão representativa do vivido. Os turnos de 1 a 6 referem às contribuições da
leitura e das discussões dos textos para uma compreensão ampliada do agronegócio.
A discussão dos textos foi favorecida pela utilização do painel integrado como recurso didático que
promoveu as condições para que o diálogo fluísse, instituindo caminhos para o aprofundamento da temática
agronegócio. No quadro 4, as falas dos estudantes evidenciam os nexos de sentidos, entre os diferentes
textos, na tematização do agronegócio.
Outro aspecto muito importante destacado, apresentado a seguir, foi o papel da mídia televisiva
como agente difusor de uma publicidade que aponta apenas aspectos positivos na atuação do agronegócio.
No turno 4, percebe-se “[...] esse discurso manipulador da mídia que está sendo implantado na cabeça do
povo”. A ação manipuladora da mídia tem grande alcance, porque muitos canais de divulgação “[...] têm
suas atrações e programas financiados por pessoas ou empresas do setor agropecuário brasileiro” (Santos,
Silva, & Maciel, 2019, p. 54). Dentre os canais de comunicação, o que mais se destaca é o “[...] Grupo
Globo, o principal conglomerado comunicacional no Brasil, o primeiro na radiodifusão a produzir e
disseminar informações do setor” (Santos, Silva, & Maciel, 2019, p. 54).
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Quadro 4: Enunciados sobre a percepção de nexos dos conteúdos entre os diferentes textos
utilizados no painel integrado.
4 Laura “A dinâmica metodológica contribuiu para ampliar o que nós, ou em mim, já se faz
intenso, o de resistir a todo esse discurso manipulador da mídia que está sendo
implantado na cabeça do povo”.
5 Rafael “A organização dos grupos políticos e seu poder sobre as pessoas são pontos que
eu nunca tinha discutido. O tema é muito importante e envolve muitos outros como
conflitos de terra, tecnologia, biodiversidade e a política da bancada ruralista”.
6 Luciana “A bancada ruralista orquestra muito bem as decisões que lhe beneficiam e o mais
assustador foi saber como a influência exercida por eles ultrapassa o que eu
imaginava e como interliga todos os setores”.
Fonte: acervo da pesquisa.
Dentre os aspectos elencados pelos estudantes que a mídia busca esconder, está a degradação
ambiental que essa atividade econômica provoca; além disso, o quadro de desemprego é agravado com a
expulsão dos pequenos produtores de suas terras, ao serem sufocados com a expansão do agronegócio e
a produção de alimentos, que se destina a abastecer o mercado internacional (Mitidiero Junior & Goldfarb,
2021). Essas questões que propositadamente são mascaradas pela mídia e repetidas no “[...] intervalo dos
noticiários na TV, das novelas ou das salas de cinema, repete com imagens coloridas o sucesso do
agronegócio brasileiro: ‘Agro é Tech’, ‘Agro é Pop’, ‘Agro é Tudo’. Será?” (Cardoso, Sousa, & Reis, 2019, p.
838). Assim, O “agro” propagandeado, precisa ser desmascarado, pois
A dinâmica de interação entre os estudantes mostra que eles percebem essa manobra dos
empresários do agronegócio na disseminação de ideias falsas. Na fala de Dulce, turno1, a estudante aponta
que “os problemas causados pelo agronegócio são silenciados pela mídia” [...]. O agronegócio tem
priorizado o lucro com suas monoculturas, destruindo a nossa biodiversidade e isso não é mostrado”, o que
denota uma reflexão crítica por parte da estudante. Os turnos de 1 a 4, do Quadro 5, abaixo, explicitam a
leitura crítica que os estudantes fazem sobre a mídia, na promoção do agronegócio, no repasse de
informações enganosas. A sequência dialógica a seguir, evidencia a percepção dos estudantes quanto à
manipulação da mídia em favor do agronegócio.
A leitura dos vários textos permitiu a visualização do agronegócio de forma macro, como relatado
por Laura, quando ela, no turno 3, nos diz que: “através das leituras dos textos vi que o que impera é o
poderio econômico e manipulador dos ruralistas, empresários do setor e o governo, além da própria
imprensa que virou um mercado de propaganda do Agro é Pop”. Foram as interações intersubjetivas que
possibilitaram aos estudantes perceberem como agem os grupos dominantes, no jogo do poder, com sua
disseminação ideológica para manter a dominação. A disseminação de ideias falsas é feita pela mídia, pois
o agronegócio nas suas relações de dominação, como bem colocado por Laura, também tem o controle
sobre os meios de comunicação.
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O agronegócio, para a sua reprodução, conta com a mídia para formar um senso comum em torno
das ideias por ele vendidas, para uma aceitação subjetiva dessas ideias. Todo esse conjunto é chamado de
indústria cultural, termo adotado por Adorno e Horkheimer (1985), na obra Dialética do Esclarecimento.
Com essa estratégia, o agronegócio garante a preservação do sistema administrado, mantendo, assim, sua
hegemonia (Pucci, 2000). Ao trazermos textos que tratem dessas questões para as discussões em sala de
aula, estamos desvelando o caráter ideológico do agronegócio veiculado pela mídia, “[...] à medida que os
grupos, discutindo, fossem percebendo o que há de engodo na propaganda” (Freire, 2019, p. 159).
“[...] agronegócio como modelo de agricultura a ser seguido centra-se no uso das
tecnologias como forma de acabar com a fome mundial [...] evidenciando a
superioridade de uma agricultura voltada para o negócio em detrimento da
agricultura para o trabalho, para a vida” (Cardoso, Sousa, & Reis, 2019, p. 839).
Dessa forma, o “[...] agronegócio se expande e se apropria da terra e dos frutos dela, utilizando-se
do discurso, que é o único modelo com capacidade de combater a fome e gerar emprego” (Cardoso, Sousa,
& Reis, 2019, p. 838). Os estudantes, ao expressarem suas compreensões, identificam que o uso de
tecnologias no campo tem agravado os problemas que prometia resolver, conforme é apresentado no
Quadro 6.
Quadro 6: Enunciados sobre o agravamento dos problemas que a tecnologia prometia resolver
2 Joana “Com toda a tecnologia dos tratores online no campo, diminui muito a mão de obra,
menos pessoas trabalhando. Quando é através de mão de obra, vai ter um
repouso. A aceleração da produção com as máquinas ocorre sem parar, dia e
noite, sem feriado [...]”.
3 Estela “Ontem a gente discutia em sala de aula que uma pessoas idosa é considerada
para a sociedade como uma pessoa que não tem função, mas a gente vai observar
daqui mais algum tempo mesmos muitos dos mais jovens não vão ter mais função.
O que vai acontecer com essas pessoas?! [...]”.
4 Laura “Para fazer a pulverização, eles não usam mais o aviãozinho com piloto, para eles
não terem que pagar o piloto. Eles estão usando drones. Tanto a tecnologia quanto
a mão de obra para trabalhar é preciso estar informatizada. Você tem que ter todos
os conhecimentos tecnológicos, as mídias digitais. Se você não tiver esse
conhecimento, você não terá função alguma”.
5 Estela “A questão do avanço tecnológico e da substituição da mão de obra humana pelo
maquinário...Tudo é digital, tudo é online”.
Fonte: acervo da pesquisa.
Essa compreensão por parte dos estudantes, em interação, faz com que eles percebam que o uso
de tecnologias no campo dispensou ou reduziu muito a necessidade de mão de obra, que precisa ser
altamente capacitada. Essa situação gera preocupação, que é expressa no turno 5, na fala de Estela,
quando a estudante diz que o desemprego atinge os mais velhos e também os jovens: “muitos dos mais
jovens não vão ter mais função. O que vai acontecer com essas pessoas?!”. A interação dos estudantes no
processo pedagógico da sala de aula mostra que os enunciados vão fazendo sentido, pois é “[...] no mundo
da vida que podemos encontrar a compreensão prévia que torna possível a interpretação e o conhecimento”
(Múhl & Esquinsani, 2004, p. 47).
É no poder interativo dos estudantes que o “[...] mundo torna-se objetivo e possível de ser
interpretado” (Múhl & Esquinsani, 2004, p.47). A realidade passa a ser interpretada pelos estudantes na
interação de forma intersubjetiva. Desse modo, o “[...] conhecimento não é mais algo dado de uma vez para
sempre, com uma intepretação e um sentido único, mas é resultante de compreensão e construção
histórica” (Martinazzo, 2005, p. 130). Assim, por meio da ação pedagógica, no agir comunicativo, levamos
os estudantes à “[...] um vínculo com dois mundos: o vivido e o sistêmico” (Martinazzo, 2005, p. 180).
Por sua vez, a apropriação da terra pelo agronegócio na Amazônia constitui-se um grave
problema, que envolve um processo chamado desterritorialização, que afeta comunidades tradicionais
diversas que vivem na região (Almeida & Marin, 2010). O processo de desterritorialização envolve:
Com o processo de desterritorialização, entre outros aspectos, a agricultura familiar vem perdendo
espaço para o agronegócio, levando à expulsão das populações tradicionais de suas terras. As
consequências da desterritorialização são evidenciadas na fala dos estudantes (Quadro 7), que, no
processo de comunicação entre pares, apresentam críticas às mudanças do mundo da vida amazônico.
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Os estudantes vão desvelando, nas suas falas, as diversas formas de apropriação/violência, tal
como no turno 6, na fala de Alice: “os muitos interesses por trás dos discursos discriminatórios e
difamatórios sobre os indígenas e suas culturas”. São os interesses escusos do agronegócio de
“abocanhar” as terras indígenas, que explicam a resistência dos indígenas ao se organizarem, tal qual
proferido por Ricardo, no turno 3: “É como acontece com os índios. Eles estão lutando pelos direitos deles,
pelas terras que tiraram deles”. O estudante Ricardo, ainda no turno 3, ao falar das terras que foram tiradas
dos índios, evoca um problema vivenciado por estes povos: a grilagem de terra, sendo esta uma das formas
de aquisição de terras na Amazônia, por meio da “[...] indústria da grilagem, via crime organizado [...]
forjando escrituras e formando um verdadeiro aparato de documentos fraudulentos” (Picoli, 2006, p. 63).
Outra estratégia do capital é a desvalorização da agricultura familiar por meio das “[...]
propagandas que vem da mídia e das organizações políticas que temos em nosso país” (Alice, turno 6).
Essa situação perversa leva a estudante Laura, turno 10, a chamar a nossa atenção para “os problemas
gerados pelo agronegócio e reforça a necessidade de olharmos para a produção agroecológica e
2
A palavra apropriação envolve incorporação, cooptação e assimilação. Já o termo violência implica destruição física, material, cultural
e humana. A expressão apropriação/violência mostra a vinculação direta entre apropriação e violência.
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agroflorestal” [porque] os pequenos produtores que preservam e cuidam da terra precisam ser valorizados.
Os apontamentos feitos por Laura sobre a necessidade de valorização da produção agroecológica e
agroflorestal é “[...] condição essencial para a manutenção da existência da nossa biodiversidade, tendo em
vista que esses povos possuem uma relação com a natureza de respeito e preservação” (Camacho, 2012,
p.12). Já a agricultura capitalista só vê a natureza como fonte de apropriação e exploração para o lucro e,
sobretudo, para transformar em mercadoria (Camacho, 2012).
Um aspecto amplamente levantado pelos estudantes foi a forma “legal”, de que o agronegócio, por
meio da bancada ruralista lança mão para expropriar os povos amazônidas (indígenas e quilombolas), ao
legislar em causa própria (Santos & Glass, 2018). Nas falas, é perceptível a construção de sentidos que
explicita a compreensão alargada dos estudantes. Assim, nos turnos 1 e 2, Ricardo e Laura,
respectivamente, destacam a forma de organização do agronegócio na aprovação de projetos que beneficia
o agronegócio. O relato de Ricardo, turno 1, evidencia a atuação de “um deputado federal da frente
agropecuária e que com o projeto promoveu uma multinacional do setor agropecuário e que esse deputado
já teve uma empresa comercializadora de agrotóxico”. Nesse relato, o estudante evidencia a existência de
lobby no congresso em que o deputado federal deveria estar a serviço dos interesses da sociedade. No
entanto, o parlamentar atua em benefício dos grupos econômicos.
Essa mesma questão também é identificada por Laura, turno 2 , como lobby: “no texto, quando vi o
agro é loby, eu não liguei a nada a nenhum significado, mas ao ler o texto vi a palavra lobista [...]”. Nesse
diálogo, o caso representativo, apontado por Ricardo foi imediatamente identificado por Luciana como
lobby. Assim, houve por parte de Laura a compreensão do que foi dito por Ricardo. Na sequência, turno 3,
Luciana por sua vez, manifesta seu entendimento de que: “tudo isso é orquestrado [...] fazendo menção a
como a bancada ruralista se organiza, como age”. Desse modo, a estudante ressalta que devemos
compreender esses processos.
O Quadro 8, apresentado a seguir, nos mostra que a coordenação entre as falas evidencia a
percepção dos estudantes relativa à correlação entre a ação da bancada ruralista e o avanço do
agronegócio numa ação orquestrada. Desse modo, as interações intersubjetivas possibilitaram aos
estudantes desvelar a atuação do agronegócio, em que o lucro se constitui o principal objetivo desta
atividade econômica que reverbera na devastação ambiental, na destruição do ecossistema amazônico.
O conhecimento sobre esses processos é ainda explicitado, no Quadro 8, acima, nos turnos 4 e 5,
em que Ricardo e Rodrigo expressam seus entendimentos sobre o modo de organização da bancada
ruralista. Nessa interação, Ricardo, no turno 6, observa o alcance dessa organização orquestrada da
bancada ruralista, quando diz: “o controle nesses partidos vem desde Brasília até as cidades do interior,
onde o prefeito está no controle”. O termo “orquestrado” reflete a organização planejada dos empresários do
agronegócio (Santos & Glass, 2018), conforme destacado nas falas de Luciana, Laura e Ricardo, nos
enunciados do Quadro 8. No diálogo que se estabeleceu (Quadro 8) vemos que cada participante não se
limita à mera descrição dos fatos, e sim temos “[...] o uso da linguagem voltada para o entendimento
intersubjetivo permite ao falante expressar algo de sua opinião e comunicar-se [...]. A experiência
comunicativa convida, pois, à utilização da linguagem como meio, cujo fim é o entendimento mútuo” (Pizzi,
2005, p. 55).
Ainda sobre as relações de poder que a banca ruralista representa, os estudantes demonstram
espanto diante da organização deste grupo e do alcance que não se limita à questão política, mas
influenciam, de forma ampla, as relações com as grandes empresas multinacionais do agronegócio, no
controle da mídia, no favorecimento de parentes e amigos, para garantir a efetivação dos seus interesses
dentro dos órgãos públicos. Em todas as falas, reflete a compreensão de que o agronegócio na sua avareza
quer a posse e o controle sobre tudo.
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(Santos, 2009). A apropriação do território envolve atores numa disputa desigual de poder. As tensões em
virtude da disputa pelo território levam ao uso da força em defesa da propriedade. Nessa correlação de
forças, o Estado, materializado na bancada ruralista, constitui-se aliado da classe dominante na
representação de seus interesses. Por sua vez, no Quadro 9, que segue, os estudantes fazem o
desvelamento dessa atuação.
4 Ricardo “[...] essa organização se trata de uma rede que [tem início com] o poder nas
prefeituras e vai até Brasília. Tem a frente parlamentar da agropecuária, eles estão
lá e se organizam em filiais com cada partido. A bancada ruralista também tem
representantes em vários órgãos públicos, por meio da indicação de aliados e
parentes [...]. O mesmo ocorre nas relatorias dos projetos. Eles controlam tudo”.
5 Rodrigo “Existe também a relação entre as empresas. Existem as empresas tops do
agrotóxico que dão subsídios para as empresas pequenas irem se proliferando a
questão dos agrotóxicos, mas proíbem as empresas de usarem as marcas, o nome
delas”.
6 Ricardo “O agro é lobby pensado e midiaticamente calculado. O agronegócio está
orquestrado. Ele controla a mídia e, digamos, controla os partidos. O controle
nesses partidos vem desde Brasília até as cidades do interior, onde o prefeito está
no controle. Simplesmente, eles estão orquestrados já de anos. Isso não é de hoje,
já vem de muitos mandatos anteriores, agora a gente já consegue notar através da
mídia, mas eles agem por debaixo dos panos”.
7 Laura “Por ser uma frente transversal, eles vêm desde lá do governo municipal até ao
grande escalão, fazendo todo esse movimento. Agora a gente se atenta que é um
governo de continuidade. Desde 2004, quando eles começaram a ganhar poder
eles vão fazendo todas as mudanças de forma camuflada/escondida. Eles já
conseguiram aprovar projetos em que as manifestações são consideradas como
atos terroristas. Acho que até já foi votado e aprovado esse projeto esse ano”.
8 Ricardo “Por exemplo, os 25 projetos [...] que prejudica os indígenas e quilombolas. Isso já
vem desde 2004. Já foram 25 projetos de lei que marginalizam os índios, agora
eles não podem nem protestar porque serão julgados como terroristas”.
Fonte: acervo da pesquisa.
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O mundo do agronegócio é todo orquestrado para “[...] esconder o que está na sua raiz, na sua
lógica: a concentração e a exploração” (Fernandes & Molina, 2004, p. 15). De forma estratégica, o
agronegócio, ao se colocar como o grande gerador de riquezas com a produção de alimentos, consegue
capitanear para si a maior fatia do crédito agrícola (Santos & Glass, 2018). Essa conquista se deve à
estratégia que o agronegócio adota, quando se “[...] apropria de todos os resultados da produção agrícola e
da pecuária como se fosse o único produtor do país” (Fernandes & Molina, 2004, p. 18). Entretanto, a
agricultura camponesa que é responsável por mais da metade da produção do campo, “[...] não aparece
como grande produtor e fica no prejuízo” (Fernandes & Molina, 2004, p. 18).
Outra estratégia do agronegócio, veiculada pela mídia, é “vender” a ideia de que o modelo de
desenvolvimento adotado pelo agronegócio é a única via possível (Fernandes & Molina, 2004). As
discussões sobre o agronegócio, resultantes do diálogo entre os estudantes, apresentam um caráter
emancipatório. Os estudantes externalizaram suas percepções sobre ser/existir no mundo para
pensar/pronunciar o mundo, tendo a consciência, subsidiando a linguagem (Freire, 2000). Essa
percepção/consciência fica clara ao observarmos o tom e o conteúdo das conversas que seguem
apresentadas no Quadro 10.
A percepção das relações que envolvem o agronegócio fez com que os estudantes, em mediação
como o outro, pensassem no agronegócio como nunca tinham pensado até aquele momento. Dessa
constatação, fica claro que precisamos da ajuda do outro, para enxergarmos melhor as coisas que nos
passavam despercebidas. Ao partilharmos nossas compreensões, vamos percebendo o mundo social. A
apreensão por parte dos estudantes de que o agronegócio se insere num modo de produção capitalista que,
de forma predatória, provoca impactos socioambientais de grandes proporções, levaram os estudantes a
sinalizarem a necessidade de ações coordenadas de tomada de decisão/posição, enquanto uma ação
social responsável, que “[...] atenda a maior parte do interesse da coletividade” (Santos & Mortimer, 2001, p.
101).
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No diálogo abaixo (Quadro11), em cada turno, de forma implícita e/ou explícita, as tomadas de
posição são manifestadas. Essa tomada de decisão/posição é em si um processo emancipatório, que
compreende que não basta votar para exercer uma experiência democrática. Os alunos compreendem que
é preciso a “[...] superação de uma inexperiência democrática por uma nova experiência, a da participação
[...]” (Freire, 2019, p. 112).
No Quadro 11, acima, nas falas de Ricardo (turno 5), “Por que a gente não chega no nosso bairro,
na nossa rua e fala dessas questões?”, de Dulce (turno 6): “A gente precisa ousar e também propagandear,
tornando visíveis essas questões” e de Laura, (turno 2): “Nós precisamos nos organizar”, a tomada de
posição é verbalmente explicitada. Do mesmo modo, a estudante Estela (turno 1) ao proferir “A gente
precisa pensar de como temos que agir” manifesta seu desejo de intervir. Quando os dialogantes
manifestam a necessidade de se organizarem para enfrentar o agronegócio, para mostrarem para a
sociedade como as pessoas são manipuladas pela mídia ou, ainda, como a bancada ruralista se organiza,
estas ações de tomada de posição revelam emancipação dos sujeitos.
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De um modo geral, as falas acima manifestam uma vontade coletiva de agir diante de uma
realidade opressora que está posta, que eles acreditam ter condições de mudar, para transformar o mundo
em um lugar melhor. É o autoentendimento que leva os estudantes a se conectarem uns com os outros,
numa perspectiva que é adequada para todos. Assim, enquanto “[...] eles levantam, mediante seus atos de
fala, pretensões à validade daquilo que é emitido, eles alimentam a expectativa de estarem buscando um
consenso racionalmente motivado que lhes permita coordenar seus planos e ações [...]” (Habermas, 2012b,
p. 51).
Quadro 12: Enunciados sobre ações possíveis para tornar o mundo melhor
A esperança e a confiança expressas nas palavras de Alice devem nos contagiar, porque é
preciso “[...] nutrir-se de amor, de humanidade, de esperança, de fé, de confiança” (Freire, 2019, p. 93). É
com essa consciência, fé geradora de esperança e ação que poderemos tornar o mundo um lugar melhor.
Ao considerarmos as possibilidades de mudanças, referimos à luta vigorosa de Rachel Carson (2010), que
denunciou e combateu o capital na sua sede implacável pelo lucro, que, com embasamento científico e
sensibilidade, travou uma luta a favor do meio ambiente, que está longe de ter sido ganha, o que requer de
nós dar continuidade. Nesse sentido, precisamos olhar para o mundo de forma penetrante, visto que a “[...]
maioria de nós anda pelo mundo sem olhar para ele” (Carson, 2010, p. 211).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O agir enquanto uma ação pedagógica comunicativa levou à leitura de mundo, do mundo da vida,
possibilitando transformações no agora. A ação dialógica propiciada pelo painel integrado favoreceu
processos educativos de comunicação com capacidade de superar a consciência ingênua. E, nesse
movimento, ao relacionarmos conhecimentos cotidianos dos estudantes aos conhecimentos teóricos, vamos
aprendendo e apreendendo que tal movimento se faz necessário para lograr responsabilidade social.
Uma ação educativa que se propõe transformadora implica combater o pensamento ingênuo,
simplificador e fragmentado, na compreensão de uma determinada realidade, mesmo porque o mundo da
vida é por si só complexo, e conhecer sua complexidade requer compreender as múltiplas realidades que
nele coexistem. Ao discutir as questões socioambientais, como o agronegócio, o ato educativo requer lançar
vários olhares em diferentes direções, para que as diferentes realidades não sejam vistas isoladas, com
posições fixas. Compreende, inserir-se no “[...] mundo como seres do mundo” (Freire, 2018, p. 96). Com
essa apreensão, passamos a “[...] tentar uma mudança da percepção da realidade [...] essa percepção não
é outra senão a substituição de uma percepção distorcida da realidade por uma percepção crítica da
mesma [...]” (Freire, 2018, p. 80).
Acreditamos que por meio da prática educativa, na educação em ciências, fundamentada no agir
comunicativo, possamos favorecer a emancipação, o autoesclarecimento e a construção de outro caminho
para transformar a realidade vigente, incorrendo numa outra relação entre humanos e entre sociedade e
natureza, de valoração da vida. Por certo, uma prática contra hegemônica pode suscitar posicionamentos
avessos a colonização do mundo da vida, o que é possível quando nos negamos a agir numa perspectiva
instrumental, a favor de uma racionalidade comunicativa.
A visibilização da colonização do mundo da vida amazônico pelo agronegócio foi possibilitada pela
organização dos textos, de forma a apresentar várias perspectivas das ações do agronegócio que impactam
o modo de vida das pessoas. Nesse sentido, buscamos a construção do conhecimento tendo a prática
pedagógica orientada para o entendimento intersubjetivo.
Assim, a ação pedagógica que possibilita a ação comunicativa converge para a coordenação de
ações, que leva ao entendimento. É possível, nos diferentes processos formativos, estabelecer “[...]
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traçados de fronteira entre mundo da vida e sistema” (Habermas, 2000, p. 496) ou, em outros termos, é
fundamental reconhecer que vivemos em uma sociedade que se apresenta dividida em dois planos, quais
sejam: o sistema e o mundo da vida, e que devemos estar atentos aos imperativos do sistema, afastando-
nos da colonização do mundo da vida.
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