Você está na página 1de 14

ECOPEDAGOGIA

à serviço de uma outra cultura ambiental.

Professora Ms. Maria do Carmo do Couto Teixeira


Área de Didática e Metodologia de Ensino
Departamento de Educação
Universidade Federal de Viçosa
Inverno de 2002.

Sumário

Introdução 1

Uma abordagem entre a educação e o meio ambiente 2

Ecopedagogia  do desafio da transversalidade 5

Um contexto de ação-reflexão 7

Uma intervenção institucional 9

Ainda não é possível concluir 12

Referências Bibliográficas 13

Introdução

Este trabalho procura refletir sobre uma experiência de articulação educativo-interinstitucional em


defesa das populações tradicionais que historicamente habitam uma região de Serras próximas às divisas
entre os Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Em parte dessas Serras foi criado o Parque
Estadual da Serra do Brigadeiro, que daqui em diante sera denominado Parque. Essa reflexão é apenas uma
pequena parte das iniciativas que vem sendo tomadas na região, entretanto, julgamos que uma parte
significativa, uma vez que, por um lado, ao tematizar a educação se projeta no futuro, por outro lado, ao
manter um amplo leque de diálogos promovem-se trocas de experiências inovadoras para todas as pessoas
envolvidas.
Buscando articular a problemática das escolas do entorno de uma Unidade de Conservação com
aquelas mais gerais ligadas à agroecologia e ao desenvolvimento sustentável regional, o grupo
ECOPEDAGOGIA, vinculado ao Departamento de Educação da Universidade Federal de Viçosa,
desenvolve um projeto de pesquisa ação em Educação Ambiental na região da Serra do Brigadeiro que tem
como características: 1) _ desenvolver e implementar propostas educativas, técnicas, metodológicas e
organizativas para o desenvolvimento sociocultural das populações do entorno do Parque Estadual da Serra
do Brigadeiro e de outros municípios da Zona da Mata que compõem a parceria; 2) _ colaborar na
implantação e gestão do Parque e seu entorno, contemplando as necessidades das populações locais e suas
organizações; 3) _ elaborar e implementar propostas teórico-metodológicas para a educação básica com
ênfase na transversalidade do meio ambiente, na efetiva participação popular e na formação continuada de
educadores (as); e, 4) _ promover apoio técnico e metodológico para escolas, comunidades rurais, distritos,
municípios e instituições da Zona da Mata norte na campanha coordenada pelos Sindicatos de Trabalhadores
Rurais da região “Em defesa da vida e do meio ambiente”, bem como em outras atividades formativas de
interesse regional.

Uma abordagem entre a educação e o meio ambiente

A Educação Ambiental (EA) é proposta hoje como uma das maneiras de reverter a crise ambiental
provocada pela relação utilitarista que o ser humano vem estabelecendo com a natureza e a conseqüente
degradação do meio ambiente e extinção dos integrados ecossistemas naturais e humanos. Segundo a
Comissão Interministerial para a Preparação da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento em seu documento “Educação Ambiental no Brasil - Subsídios Técnicos para a Elaboração
do Relatório Nacional do Brasil para a CNUMAD”,

(...) a Educação Ambiental deve capacitar ao pleno exercício da cidadania, através da formação de uma base
conceitual abrangente, técnica e culturalmente capaz de permitir a superação dos obstáculos à utilização
sustentada do meio. O direito à informação e o acesso às tecnologias capazes de viabilizar o desenvolvimento
sustentável constituem, assim, um dos pilares deste processo de formação de uma nova consciência em nível
planetário, sem perder a ótica local, regional e nacional. O desafio da educação, neste particular, é o de criar as
bases para a compreensão holística da realidade. (1991, 63).

Embora a preocupação com a degradação ambiental seja antiga, é a partir da década de 1960, marcada
pelo vigor do surgimento dos movimentos sociais, que essa se intensifica. Mobilizações operárias,
camponesas e estudantis, guerrilhas, greves, efervescência acadêmica e movimentos culturais, compõem uma
espécie de “guerra contra a cultura oficial, de consumo fácil” (CASCINO, 1999, 32). E assim a temática
ambiental vem ganhando estatuto de problemática global.
2
Em todo o mundo, as questões em relação ao meio ambiente ganham notoriedade, cada vez mais
pessoas se preocupam com os alarmantes índices de destruição de nosso planeta, isto é, de destruição das
reservas florestais e sua fauniflora, da qualidade das águas, da atmosfera e dos solos, enfim, toda a
degradação que implica na própria erosão da vida humana. Historicamente, “o movimento ambientalista foi
um produto de forças tanto internas quanto externas a seus objetivos imediatos. Os elementos de mudanças
vinham emergindo muito antes dos anos 1960, quando finalmente se entrecruzaram uns com os outros e com
fatores sócio-políticos mais amplos, o resultado foi uma nova força em prol da mudança social e política (...)”
(McCORMICK, 1992, 65). A bem da verdade, é esse entrecruzamento que demarca a emergência de algo
diferente no contexto dos movimentos sociais.

Segundo Leonardo BOFF, a reflexão ecológica passou por diferentes desdobramentos na história,
desde o ambientalismo, passando pela preocupação preservacionista até a ecologia social que considera as
inter-relações entre os sistemas socioculturais e os sistemas ambientais. O autor analisa que hoje se busca
cada vez mais uma ecologia integral “capaz de articular todos estes momentos, na perspectiva de fundar uma
nova aliança das sociedades com a natureza, da qual resulte a conservação do patrimônio terrestre, o bem
comum sociocósmico e a manutenção das condições que permitem ao processo de evolução seguir seu curso
que já vem de 15 milhões de anos” (1995, 5). Muito embora, essa busca coloque-se ainda como horizonte a
enfrentar obstáculos da referida visão de mundo moderna utilitarista.

Acompanhando o movimento ecológico mundial, surge a reflexão sobre a contribuição do processo


educativo. Assim, em conformidade ao capítulo 36 do documento conhecido como Agenda 21, a Educação
Ambiental é definida como um processo que busca desenvolver, além da consciência e da preocupação com
os problemas do meio ambiente, conhecimentos, habilidades, atitudes e compromissos na busca organizada e
coletiva de soluções para os problemas existentes e para a prevenção dos novos. Dessa forma, torna-se
fundamental a constituição de contextos relacionais entre pessoas e grupos sociais coma perspectiva
intencional de buscar sentidos e ressignificar as realidades vividas.

Espera-se que a Educação Ambiental seja capaz de “estabelecer uma nova aliança entre a
humanidade e a natureza, uma nova razão que não seja sinônimo de autodestruição e estimular a ética nas
relações econômicas, políticas e sociais. Ela deve se basear no diálogo entre gerações e culturas em busca da
tripla cidadania: local, continental e planetária, e da liberdade na sua mais completa tradução, tendo implícita
a perspectiva de uma sociedade mais justa tanto em nível nacional quanto internacional”. (REIGOTA, 1995,
11). A Educação Ambiental faz da observação, do gosto pela natureza, da valorização do ambiente vivido e
da participação em grupo o caminho mais próximo para uma outra e necessária cultura ambiental.

3
A crescente preocupação com os problemas ambientais desde a década de 1960 criou um vasto campo
para a ação educativa, apoiando inclusive o questionamento das práticas pedagógicas tradicionais que
desconsideravam a realidade social concreta na qual a educação eminentemente acontece. Nesse sentido, a
Educação Ambiental pode ser considerada parte de uma evolução das práticas educativas e de um projeto
pedagógico que busca construir uma nova aliança entre os seres humanos, a natureza e o conhecimento,
ampliando a preocupação do cuidado com o ambiente físico para a interação entre os sistemas socioculturais
e socioambientais. A EA, por ser uma prática social, é permeada por concepções políticas, filosóficas,
ideológicas, portanto, carregada de representações sobre mulheres e homens, sobre a sociedade e sobre a
natureza. E, como tal, vem sofrendo modificações ao longo dos tempos. Atualmente, de acordo com
REIGOTA (1995, 10), considera-se que a EA deixa de ser uma via direta de transmissão de conhecimentos e
tecnologias, tornando-se uma prática pedagógica voltada para o desenvolvimento das competências
necessárias à participação nas discussões e decisões sobre as questões ambientais que afligem os seres
humanos em escala local e planetária.

No campo da escolarização, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino


Fundamental (PCNs), o meio ambiente deve ser tratado nas escolas, como um tema transversal. Nesse
documento a EA deve concretizar-se no bojo das práticas sociais, a partir de experiências formais, não
formais e informais de ensino-aprendizagem buscando soluções e prevenções para os problemas ambientais
em nível local e global. “A transversalidade promove uma compreensão abrangente dos diferentes objetos de
conhecimento, bem como a percepção da implicação do sujeito de conhecimento na sua produção, superando
a dicotomia entre ambos. Por essa mesma via, a transversalidade abre espaços para a inclusão de saberes
extra-escolares, possibilitando a referência a sistemas de significados construídos na realidade dos alunos”
(SEF-MEC, 1997, vol. 8, 40). Entretanto, como adverte ARROYO (2001), os ditos eixos transversais não
podem permanecer secundarizados no contexto dos conhecimentos escolares, senão que serem assumidos
como núcleos fundantes dos saberes.

Dentre as metodologias e posturas pedagógicas utilizadas no trabalho de EA, podemos destacar a


pedagogia de projetos surgida a partir do movimento que ficou conhecido, em meados do século passado
como Escola Nova, inspirada em educadores como John DEWEY e Célestin FREINET. Segundo a
abordagem pedagógica por projetos, por definição, todo e qualquer trabalho por Projeto Pedagógico
“pressupõe a existência de um problema que, depois de devidamente identificado, constituirá o tema do
estudo ou objeto de intervenção. Portanto, este tipo de trabalho deve: i) ser centrado num problema concreto;
ii) ter ligação direta à realidade, de preferência, à realidade próxima; iii) ser atual e de interesse de

4
professores e alunos e ter significado para a comunidade extra-escolar; iv) ser adequado aos seus
intervenientes; v) promover a interdisciplinaridade” (RAPOSO, in: TOMAZELLO, 2001, 03).

Assim, a chamada pedagogia de projetos “tem um princípio ativo, integrador e objetiva minimizar a
artificialidade da escola e aproximá-la, o máximo possível, da realidade e da vida das crianças um trabalho
capaz de fazer a escola ir além de seus muros” (BOMTEMPO, 1997, 06), criando pontos de contato e de
inserção social entre os conteúdos estudados e os meios físico e social . Pode ainda, tornar a aprendizagem
ativa, significativa, atraente e democrática. Em uma Educação Ambiental por meio de projetos, alunos(as),
professoras(es) e comunidades se tornam parceiras(os) e co-responsáveis pela educação a partir do momento
que novas relações são estabelecidas entre as culturas de alunos(as), professoras(es), escolas, comunidades e
conhecimentos.

Ecopedagogia – do desafio da transversalidade

Diante dessa temética emerge a perspectiva teórica da ecopedagogia e que se aproxima da abordagem
da escola cidadã a qual GADOTTI e TORRES chamam de escola única popular, isto é, “que não deverá ser
confundida como uma escola uniformizada, formando cabeças em série; mas deverá ser o local de um sadio
pluralismo de idéias, uma escola moderna; uma escola alegre, competente, científica, séria, democrática,
crítica e comprometida com a mudança; uma escola mobilizadora, centro irradiador da cultura popular, a
disposição de toda a comunidade, não para consumí- la, mas para recriá- la.” (1994:162).

Em trabalho encomendado pelo Programa de Cidadania Ambiental Global – PNUMA, das


Organizações das Nações Unidas – ONU, Francisco GUTIÉRREZ e Cruz Prado ROJAS criam o texto
publicado na língua portuguesa pelo Instituto Paulo Freire: Ecopedagogia e Cidadania Planetária. Amb@s
são diretor e diretora, respectivamente, do Instituto Latinoamericano de Pedagogia da Comunicação sediado
na Costa Rica. Ao buscar compreender a noção de responsabilidade social cunham o termo ecopedagogia
com a perspectiva de considerar o mundo do ponto de vista das relações e integrações, esclarecendo que as
propostas que interessam em ecopedagogia são as diretamente relacionadas ao desenvolvimento sustentável,
a formação da cidadania planetária , por conseguinte, a criação e a promoção da cultura da
sustentabilidade (2000, 30). E, muito embora entendam que a lógica da acumulação presidiu até hoje os
processos de desenvolvimento afirmam a necessidade de novas categorias interpretativas e de novos valores
que obriguem a construir instrumentos mais idôneos para a conquista da sociedade sustentável (2000, 34).

5
Afirmam a urgência da elaboração e disseminação de uma cosmovisão de reconciliação dos seres
humanos e desses com o cosmos que conceba o universo como uma rede de relações intrínsecamente
dinâmica (2000, 31), compatibilizando os entendimentos da ciência contemporânea e das tradições
milenares. Para isso torna-se necessário que se assuma uma ecologia sustentável, que se poria em ruptura
com uma visão de mundo economicista e reducionista buscando uma dimensão mais ampla e abrangente do
desenvolvimenmto sustentável, que tem como base uma fundamentação ecológica num sentido que vai além
das preocupações imediatistas pela proteção do ambiente (2000, 33). Há que se buscar uma ecologia
fundamentada na ética que reconheça que o instável equilíbrio ecológico exige uma série de mudanças
profundas na percepção do papel que deve desempenhar o ser humano no ecossistema planetário.

Apropriando-se da formulação de Leonardo BOFF sobre a sociedade sustentável e o dilema atual de o


norte sobrepujar o sul, os autores abrem uma perspectiva prospectiva mas indicam suas dificuldades uma vez
que apenas uma revolução espiritual radical pode ser fonte inspiradora dos movimentos criadores e
propulsores das transformações requeridas para por em marcha a sociedade sustentável (2000, 34). Assim,
o desafio da sociedade sustentável de hoje é criar novas formas de ser e de estar neste mundo. Diante disso,
fica claro que não se pode articular um processo de cidadania planetária excluindo a dimensão social do
desenvolvimento sustentável (2000, 41), ou seja, a viabilidade do desenvolvimento sustentável só é possível e
factível dentro de um profundo respeito das diferentes etnias e culturas. Cada cultura e cada povo deveria
buscar seu próprio confronto para resolver um desenvolvimento ecologicamente sustentável (2000, 33).

A ecopedagogia se insere num movimento recente de reforma educacional que busca novos elementos
para uma alfabetização ambiental. Isto requer uma nova concepção e prática de formação de docentes e
maior apoio técnico-pedagógico e instrumental às escolas. As pedagogias tradicionais, fundadas no princípio
da competitividade, da seleção e da classificação, não dão conta da formação de um cidadão que precisa ser
mais cooperativo e ativo. Almejando mudanças de valores, a ecopedagogia se coloca como um movimento
que ocorre muito mais fora da escola do que dentro dela, uma vez que

“a incorporação do meio ambiente à educação formal, em grande medida, se limitou a internalizar os valores de
conservação da natureza; os princípios do ambientalismo se incorporam por uma visão das inter-relações dos
sistemas ecológicos e sociais para destacar alguns problemas visíveis da degradação ambiental, tais como a
contaminação dos recursos naturais e serviços ecológicos, o tratamento do lixo e a localização dos dejetos
industriais. A pedagogia ambiental nestes casos se expressa no contato dos alunos com o seu entrono natural e
social. A Educação Ambiental formal, na educação básica, transmite uma consciência geral do ambiente,
induzindo a uma mudança nas capacidades perceptivas e valorativas dos alunos”. (LEEF, 1999, p.119).

6
É importante salientar a importância de Paulo Freire à EA, quando afirmou: “não creio na amorosidade
entre mulheres e homens, entre os seres humanos, se não nos tornamos capazes de amar o mundo. A ecologia
ganha uma importância fundamental. Ela tem de estar presente em qualquer prática educativa de caráter
radical, crítico ou libertador” (FREIRE, 1996, 67). A essa perspectiva LEEF denominou uma pedagogia
ecológica popular inspirada na Pedagogia do Oprimido “ressignificada por princípios de Sustentabilidade e
Diversidade Cultural” (1999, 121). A ecopedagogia implica numa reorientação dos currículos para que
incorporem estes princípios considerando que os conteúdos curriculares têm de ser significativos para o
aluno, para a saúde do planeta num contexto mais amplo. A proposta da ecopedagogia não tem pretensão
simplista de inventar tudo de novo, ela busca o seu aporte teórico nas vertentes científicas, na ética da
transdisciplinaridade e no holismo.

Tendo em vista a crítica ao atual modelo de desenvolvimento, depredador e excludente, a reflexão e as


experiências concretas de diferentes organizações na construção de um novo modelo sustentável, pergunta-se
qual a Educação que é necessária para corresponder às expectativas de construção de uma nova sociedade, de
um novo ser humano? Como inserir as escolas na problemática cultural ambiental regional?

Um contexto de ação-reflexão

Com o objetivo de proteger a fauna e a flora regional, as nascentes dos rios e córregos, além de criar
condições para o desenvolvimento da pesquisa científica e a ampliação do turismo ecológico na região, foi
criado por decreto governamental em 26 de setembro de 1996, o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro
(DECRETO nº 38.310, 1996). Este Parque, com 13210 ha de área e 156 Km de perímetro, abrange uma área
de 8 municípios, Araponga, Sericita, Pedra Bonita, Divino, Fervedouro, Miradouro, Muriaé e Ervália.

A criação do Parque trouxe uma nova realidade. A população tradicional ali instalada viu-se ameaçada
de desapropriação, quando então mobilizou-se a partir dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais dos
municípios abrangidos e passaram a exigir sua efetiva participação no processo até então coordenado pelo
Instituto Estadual de Florestas do estado de Minas Gerais (IEF-MG). Daí, garantiram a não-desapropriação
de pequenos agricultores e também um coletivo de entidades para apoiarem demandas locais das mais
variadas ordens. Dentre elas destaca-se a Educação Ambiental (EA).

A ocupação colonial desse território mineiro se deu a partir do final do século XIX com a expansão da
cafeicultura do Vale do Rio Paraíba do Sul, a chegada de migrantes das minas de Ouro Preto, e com os

7
imemoriais negros quilombolas. Mantidos pela coroa portuguesa como "barreira natural" para evitar o
contrabando do quinto do ouro, os bravos povos indígenas Puris e a exuberante Floresta Atlântica vieram
cedendo lugar para ferrovias, lavouras de café, pastagens para animais e exploração madeireira. Com o
tempo, a divisão da propriedade dá origem à maior concentração de pequenas propriedades de Minas Gerais:
90,9% das propriedades de 0 a 100 há ocupando 46,11% da área da região (BDMG, 1989).

Segundo o coordenador da Organização Não Governamental (Centro de Tecnologias Alternativas da


Zona da Mata - CTA-ZM) que atua na região, FERRARI (1996, 233), profundas mudanças nas relações
sociais de trabalho somadas à impossibilidade de mecanização de grandes áreas imposta pelo relevo muito
acidentado; às crises no preço do café que implicaram na erradicação de milhões de pés de café, nos anos
1960, provocam uma enorme estagnação econômica; a políticas públicas que não levam em conta
especificidades e potencialidades regionais, preconizando a adoção do "pacote de tecnologias modernas"; a
uniformização cultural e a desconsideração à diversidade ambiental, contribuem com uma forte instabilidade
dos sistemas produtivos, de geração de emprego e renda e da qualidade de vida e ambiental em toda a zona
da mata mineira. De uma maneira geral, esses sistemas de produção encontram-se em produtividade
decrescente devido à baixa fertilidade e uso intensivo dos solos, apesar de continuarem a responder pela
produção agrícola destinada ao mercado interno, abastecendo inclusive grandes centros urbanos. Baseiam-se
nas culturas de café, na pecuária leiteira, na produção de horti-frutigranjeiros e de auto-consumo, ademais,
atividades não-agrícolas exercidas como reforço à fonte de renda familiar vem apoiando a manutenção das
populações em seu município e no campo.

Agricultores familiares e técnicos articulam-se na busca da formulação de propostas de


desenvolvimento sustentável que alterem positivamente essa realidade. Formam a Articulação Sindical do
Polo Regional da Federação de Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG) e
constituem o CTA-ZM que, a partir dos anos 1980, intervêm significativamente na organização da base
social. Quando em 1993, se decide por consolidar a estratégia do Desenvolvimento Local Sustentável,
promove-se um Diagnóstico Rural Participativo (DRP) no município de Araponga que, entre outros aspectos
levantados, aponta uma apreensão da população com relação à possível criação de uma UC que poderia
desapropriar-lhes gerando um grave problema social, bem como o entendimento de que "a educação formal
no meio rural se organiza de forma desvinculada do meio em que está inserida, reforçando valores cada vez
mais urbanos" (FERRARI: 1996: 241).

O município de limites mais extensos com o Parque é o de Araponga. O Parque contem ainda, em seus
contrafortes mais de centena de mananciais hídricos e espécimes vegetais e animais endêmicos e ou em vias

8
de extinção. Tal criação foi precedida por um amplo processo de negociações entre instituições envolvidas e
a população num rico momento educativo. Sob os aupícios do Ministério do Meio Ambiente se realizou
outro DRP, agora em comunidades do entorno, quando, entre outras características, se identificou o fluxo de
migrantes europeus, de negros fugidos e de índios Puri na ocupação, ainda neste século, daquele rincão de pé
de serra. O resultado mais concreto desse esforço foi a não desapropriação de pequenos produtores vizinhos
ao Parque, e, recentemente se realizou o 'Simpósio Parque Estadual da Serra do Brigadeiro e seu entorno -
contribuições para a elaboração do Plano de Manejo integrado e participativo' que tráz novos desafios para a
população e suas organizações, que podem se ver fora da implementação do manejo daquela UC.

Uma intervenção institucional

Com o objetivo de trazer a discussão conceitual, metodológica e política da EA para o âmbito das
Ciências Humanas no contexto da Universidade Federal de Viçosa (UFV), foi formado o grupo de pesquisa
ação denominado “Ecopedagogia” coordenado pelo Departamento de Educação daquela universidade.
Articulando-se com professores, técnicos e estudantes de diversos cursos, com o CTA-ZM, entre outras
organizações governamentais, tanto federais, como estaduais e ainda com a Prefeitura Municipal de
Araponga, além de com o movimento social da Zona da Mata (Sindicato dos Trabalhadores Rurais e
Associação de Agricultores Familiares), o grupo busca enfrentar os desafios da interdisciplinaridade como
uma postura de pesquisa e intervenção.

Surge também com o objetivo de discutir as relações entre a Educação e o Meio Ambiente, as
possibilidades de transposição para os espaços escolares de aprendizagem das questões relativas ao ambiente
vivido a fim de problematizá-las. Esse grupo vem atuando desde 1999 e vem consolidando uma inserção nas
comunidades escolares do entorno do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, inicialmente no município de
Fervedouro e depois em Araponga - MG, com o intuito de atender a uma demanda das próprias comunidades,
sensibilizando as(os) professoras(es), as crianças e suas famílias para a importância da melhoria da qualidade
de vida no entorno do Parque.

Surgiu assim a demanda por uma pesquisa sobre EA que, a partir das escolas possa envolver as
comunidades e a realidade da agricultura familiar e que tenha a ‘cara’ dos filhos dos agricultores e
agricultoras do entorno do Parque.

9
As metas para o desenvolvimento da pesquisa foram traçadas interinstitucionalmente em conjunto com
o Órgão Municipal de Educação de Araponga, com as(os) professoras(es) e com as entidades parceiras. As
primeiras informações obtidas e os conhecimentos referentes às escolas e às comunidades nortearam a
escolha dos instrumentos metodológicos.

O trabalho tem sido desenvolvido a partir de oficinas pedagógicas semanais nas escolas com crianças,
educadoras(es) (professoras(es) e não-professoras(es)) e mensais com as(os) professoras(es) e coordenadoras
pedagógicas na sede do município. As oficinas pedagógicas desenvolvidas proporcionam o levantamento de
dados sobre o objeto de estudo, ou seja, a percepção dos sujeitos envolvidos, professoras(es) e crianças, sobre
o Parque, as Serras, enfim, sobre o ambiente vivido. A observação, a oralidade, os desenhos, os textos, os
mapas, desenvolvidos pelos participantes durante as oficinas, constituem os instrumentos de pesquisa.

Seguindo esta sistemática, alguns temas dos projetos desenvolvidos nas escolas têm sido: fauna e flora
local, lixo, alimentação, solos, plantas medicinais, corpo humano, animais em extinção, espaço vivido,
espaço geográfico da escola, da comunidade e do Parque, criação de pequenos animais e abelhas, árvore,
água, brinquedos e brincadeiras, entre outros. Com as(os) professoras(es) foram trabalhados os temas
agricultura familiar, espaço vivido, currículo e interdisciplinaridade, pedagogia de projetos, Alca, “O que é
lixo?” etc. Os projetos temáticos desenvolvidos nas escolas, se diferenciam nos temas e nas dinâmicas, em
função das diferentes realidades e necessidades. O objetivo é abordar o meio ambiente em diferentes
contextos considerando as possibilidades da inter-relação entre as temáticas ambientais e os conteúdos
escolares. As oficinas trazem o lúdico como referência, assim, buscamos trabalhar a oralidade, a
corporeidade, a musicalidade, a expressão plástica e artística, a confecção de brinquedos e o resgate dos
jogos e brincadeiras tradicionais e populares além do trabalho com produção de textos.

A confecção de painéis, brinquedos, as brincadeiras, as músicas, a contação de histórias, a


dramatização, a leitura e produção de textos, fazem parte das vivências no contexto dos projetos. O estudo do
meio é priorizado como base do levantamento das percepções e conhecimentos sobre o ambiente vivido. As
excursões pedagógicas ao Parque e visitas a propriedades constituem a base de interação entre a escola e os
espaços vividos. Procura-se trabalhar os temas com a contribuição de pessoas das comunidades.

O desafio está sendo identificar junto aos(às) alunos(as), professoras(es), lideranças das comunidades,
mães e pais, as práticas agroecológicas, conhecer e trabalhá-las no contexto das escolas, trazendo a discussão
da sustentabilidade e da perspectiva agroecológica para dentro da escola. A aproximação entre a escola e os
moradores, pequenos e pequenas agricultores(as) rurais, proporciona o conhecimento e a sistematização das

10
práticas vividas, possibilitando um debate sobre as saídas que as comunidades estão encontrando para o
enfrentamento dos problemas locais de forma coletiva e organizada. Além disso, o estudo do meio tem
possibilitado o conhecimento dos níveis de representação e percepção que as crianças têm sobre o ambiente
vivido, advindos da sua experiência como trabalhadoras que já são, como crianças curiosas, observadoras e
participantes da vida da sua comunidade.

As oficinas mensais constituíram-se um espaço de troca de experiências, estudo, planejamento e


avaliação dos trabalhos nas escolas. Além disso, as oficinas com crianças e professoras(es), cumprem um
duplo papel de pesquisa e intervenção: fornecem os dados relativos às percepções, aos níveis de
conhecimento sobre o Parque, as Serras e o ambiente vivido dos sujeitos; e como intervenção, representam
uma oportunidade de reflexão conjunta sobre as questões ambientais identificando problemas e buscando
soluções. Essas oficinas com professoras(es) têm se constituído num espaço sistemático de reflexão sobre as
práticas escolares, sobre os problemas ambientais e sociais. A diversidade de opiniões, posturas e práticas
tem revelado a riqueza e, ao mesmo tempo a complexidade do trabalho de EA em nível local. As(Os)
professoras(es) que antes se mantinham à distância e que demonstravam desinteresse e estranhamento,
atualmente se mostram cúmplices e ao seu modo buscam renovar suas práticas. Existem múltiplos níveis,
múltiplos modos de participar e o grupo Ecopedagogia tem procurado respeitar e garantir a todos a
possibilidade de expressão e participação.

O grupo Ecopedagogia, no contexto dessa parceria, vem intensificando uma série de atividades na
região, entre elas a participação na elaboração do Plano de Manejo e Gestão do Parque e seu entorno e a
atuação nos Programas de Conservação da Mata Atlântica e de Desenvolvimento Local (mantidos pela ONG
CTA-ZM) e na campanha desenvolvida pelo sindicalismo “Em defesa da vida e do meio ambiente”.
Acredita-se que este trabalho potencialize, para uma ou duas gerações, um manancial de questões a serem
superadas, nem que seja em 20 ou 30 anos, para que aquelas belas Serras e suas Matas estejam cada vez mais
saudáveis, isto é, com as pessoas à sua volta em melhores condições de vida.

Ainda não é possível concluir...

Há uma história bem antiga, é a alegoria do cuidado, que chegou fortemente até nós através de
Leonardo BOFF em seu livro A ética do cuidado: conta-se que há muito e muito tempo, antes mesmo de

11
haver vida no planeta terra uma entidade chamada Cuidado andava pela beira de um riacho apenas
observando a paisagem, vagarosamente saboreando o passar dos tempos, quando abaixou-se próximo a um
monturo de terra úmida, apanhou um pouco daquela argila e começou a modelar alguma coisa, amassou bem
o barro e modelou um boneco. Aquele pedaço de terra virava um boneco quando Júpiter, o senhor dos céus,
passava por ali e lhe foi pedido que soprasse sobre aquele boneco um espírito, e assim foi feito, Júpiter
soprou a alma naquele ser e assim fazendo queria batizar aquele que agora tinha vida. Acontece que a Terra,
que a tudo observava se insurgiu dizendo que seria ela a dar o nome a tal criatura, pois havia sido ela a dar a
matéria sob a qual se modelara o boneco. Gerou-se grande polêmica e debates, cada qual entendendo que
deveria batizar aquela criatura, uma vez que o mais importante na criação teria sido cedido ou pelo céu que
lhe cedera o espírito, ou pela terra que lhe dera matéria. Diante do impasse se decidiu convocar o árbitro
maior, Zeus, para resolver a contenda... depois de muito conversar e entender as duas partes chegou-se à
conclusão: _você Júpiter que a este boneco deu o espírito e a alma, depois de sua morte os terá de volta; a
você Terra, que concedeu a matéria para a feitura do boneco, lhe será devolvida a mesma matéria após sua
morte. E a você, Cuidado, que o modelaste em tuas mãos restará cuidar dele por todos os seus dias e noites,
acompanhá-lo cotidianamente zelando em amizade. Quanto ao nome, eu o batizo ser humano, que significa
aquele que foi criado a partir da terra fértil.

Essa singela historinha nos ajuda a explicar a dimensão relacional de tudo quanto há no universo.
Essa é a força necessária a um outro mundo possível: não admitir que se descrevam e analisem as coisas
fragmentariamente. Hoje há um documento educacional, da Unesco, que tráz uma referência ao saber
aprender, ao saber fazer, ao saber comunicar e ao saber ser; quatro saberes necessários para enfrentar as
mazelas destes tempos de desigualdade, mas acontece que na maioria das vezes se toma uma parte com se
fora a totalidade e se satisfaz com o saber aprender, ou com o saber fazer, ou com o saber comunicar,
esquecendo-se que o saber ser é quem reenvia o sentido aos outros saberes. Isto é, cada parcela é necessária,
mas não suficiente em si própria, senão que em sua interelação com os demais saberes, ou seja, um
conhecimento pertinente precisa buscar as relações mútuas e as influências recíprocas que se processam entre
as partes e a totalidade.

Agora lembremo-nos do frei BETTO, que foi um personagem muito relevante no II Forum Social
Mundial, que em 2002 ocorreu em Porto Alegre, a perguntar: _em que laboratório se produz toda a vida que
existe? Todos os átomos e todas as moléculas saíram de qual laboratório? Tudo, mas tudo que existe saiu do
calor das estrelas... não é das explosões estelares que se criam os astros e planetas? Pois bem, prossegue
BETTO, porque será que em noites estreladas temos uma espécie de melancolia ao olhar para os céus?

12
Porque nos bate uma certa nostalgia diante das estrelas? Vocês sabem porque? Não poderia ser saudades do
berço?! É isso mesmo, repete ele, somos todos filhos das estrelas... estamos indissoluvelmente irmanados uns
aos outros. E isso não nos faz iguais, a igualdade precisa ser conquistada na diferença. a nossa condição é a
da incompletude. Somos seres frágeis, a um só mesmo tempo únicos, singulares e diferentes, assim como
irmanados e comuns entre todos os outros... é necessário refletir com responsabilidade sobre essa dimensão
do ser vivo.

Diante dessas reflexões devemos manter vivas algumas sugestões para uma Educação Ambiental
popular efetiva:

 nunca aceitar a expressão isso é natural;

 acompanhar o movimento da realidade a partir das práticas sociais


que se promovem de baixo para cima;

 vivenciar os valores culturais que buscam transformar o mundo;

 tomar cuidado com todas as coisas, tanto com aquelas das quais
gostamos, quanto com aquelas que ignoramos;

 compreender que as dúvidas e incertezas são necessárias para que as


explicações sejam mais completas;

 sempre que se for fazer algo, imaginar isso acontecendo em todo o


mundo e analisar suas consequências.

Referências Bibliográficas

13
14

Você também pode gostar