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O FIM DOS ESTADOS-NAÇÃO E O NASCIMENTO DE UM NOVO IMPÉRIO

GUÉHENNO, Jean-Marie. O fim da democracia: Um ensaio profundo e visionário


sobre o próximo milênio. Trad. de Howard Maurice Johnson e Amaury Temporal.
2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, 127 p.

Este livro propõe um diagnóstico diferente para o término do segundo milênio. Põe
fim à idade das instituições e da política inaugurada em 1789 e aponta o início do 4º império.
No primeiro capítulo, O fim das Nações, a perspectiva em enfoque é que as nações não
têm os meios para garantir estabilidade à população e, mesmo que tivessem, lhes faltaria base
legítima (p. 26).
Em todas as democracias modernas, os impostos têm um caráter territorial, entretanto,
numa época de multinacionais, não existe mais necessidade territorial. Consequentemente, os
impostos não dependem mais de uma decisão soberana, o que gera o empobrecimento dos
Estados-nação e a sua incapacidade de financiar pelos impostos os serviços coletivos (p. 21-
23). Com isso, a existência da nação é ameaçada e, em razão de ser o espaço político para a
construção da democracia, o seu fim também gera o fim da democracia.
A questão que paira no ar é: Se não há mais nação, pode ainda haver política? A
resposta é trabalhada no segundo capítulo, sob o título O fim da Política.
O desaparecimento da nação implica na morte da política (p. 29). A política não existe
como simples resultado de interesses privados, mas sim pressupõe um contrato social, o qual
precede e ultrapassa todos os contratos particulares (p. 33).
O interesse geral não nasce pelo confronto honesto de interesses particulares (lobby),
isso reduziria a política a uma função de mercado e, como não há mercado que possa
estabelecer o ‘valor’ do interesse nacional, significaria a ameaça de seu desaparecimento (p.
33).
Com o abandono do postulado da política, a divisão entre público e privado ficaria
banalizada e, ao invés de um espaço político de solidariedade coletiva, haveria lugar apenas
para percepções dominantes, afetando a base da democracia (p. 39). O Japão é exemplo disso
e não é mais visto como uma sociedade, mas como a memória de uma, pois se perdendo o
território e a nação, também se perdem os princípios que constituem uma sociedade (p. 41-
43).
O capítulo terceiro intitulou-se A Libanização do Mundo? e considerou a experiência
libanesa um exemplo aplicável a outros Estados. No Líbano, pretende-se a presença de uma
comunidade dominante com o objetivo de se evitar o desaparecimento do Estado. Diante da
“desterritorialização”, a alternativa é a busca de outros critérios que não o território, como por
exemplo, a religião (p. 50).
O quarto capítulo, Um Império sem Imperador, anuncia o nascimento de um novo
império, face à incapacidade dos termos institucionais clássicos em lidar com as questões
atuais. Sistemas fechados, “corpos constituídos” ou o sonho de uma República Universal não
existem mais, pois um novo mundo começa (p. 55-56).
Inaugura-se a idade dos sistemas abertos, em que o valor de uma organização repousa
na sua capacidade de articulação e operação em face de elementos externos. Mas, uma
política externa não pode ser simplesmente a expressão dos interesses de uma nação, ela tem
de ter legitimidade. A questão aberta, então, é: O que vem a ser legitimidade na idade das
redes e do império universal? (p. 56-60).
A chegada da idade das redes marca o fim da política, ocorrendo a midiatização da
vida pública (p. 60). Na lógica das redes, não se trata mais de concentrar cada vez mais poder
em entidades políticas cada vez maiores, mas simplesmente organizar a compatibilidade,
preparar a convergência, estabelecendo processos de elaboração de regras, em vez de
construir soberanias (p. 70).
A idade imperial que começa será, portanto, somente em aparência, a idade das
grandes organizações. Prepara-se o advento de um mundo eminentemente fluido cuja
estabilidade não dependerá mais das instituições, mas sim da maneira pela qual as mudanças
são difundidas (p. 71).
O capítulo cinco, Correntes Invisíveis, aborda a concepção de liberdade com o advento
da idade imperial (p. 72). Na verdade, é originária da idade institucional e os controles da
idade imperial conferem-lhe um novo sentido. Em suma, o direito de escolher está em vias de
morrer, não há mais escolha da política, da vida pública ou privada (p.75), entretanto, o
grande paradoxo trazido é que o sentimento da maioria é de que nunca se foi tão “livre” (p.
79).
O capítulo seis intitulou-se A conformidade necessária e se ocupa em esclarecer que a
idade que abandonamos separa aqueles que decidem dos que obedecem e organiza o problema
para poder transcendê-lo, enquanto que a idade imperial não tolera o conflito, em vez da
polarização da força prefere uma circulação cada vez maior da informação, na tentativa de
colocar em prática uma concepção “relacional” de força (p. 80-81).
A força não reside na capacidade de imposição de vontade, mas na capacidade de
existir como corpo social (p. 82-83). Esquece-se a ideia de subordinação a uma classe
dominante que impõe maneiras de pensar e, em contrapartida, desenvolve-se a capacidade de
adaptação, evitando-se planejar o futuro (p. 84). Mas, como é possível construir a
homogeneidade? (p. 89).
O sétimo capítulo é Religiões sem Deus e começa com a frase “o extremo arcaísmo
encontra-se com a extrema modernidade” (p. 93). A extrema modernidade representa a
globalização e o extremo arcaísmo, a inegável fragmentação religiosa dos tempos atuais.
Nesse contexto, a baixa da política é uma constante. Nos países pobres onde o Estado-
nação não está consolidado, as religiões ambicionam fazer renascer a política, dando-lhe um
sentido novo, enquanto que, nos países ricos, a aspiração “religiosa” manifesta-se de maneira
diferente, mas traduz sempre a mesma decepção a respeito do político (p. 94-97).
A expressão mais evidente da desesperança em achar soluções para a infelicidade do
homem está no desenvolvimento da ação humanitária que visa substituir a política a ponto de
ser a única arena da ação externa do Estado que gozaria do apoio da opinião pública (p. 97).
Em outras palavras, trata-se da instauração da solidariedade e da perda da ilusão de uma
solução política que poria fim à infelicidade (p. 98) ocorrendo, consequentemente, a
consagração de um mundo plural, múltiplo.
O título do oitavo capítulo, O bezerro de ouro, com propriedade, confere os nuances
da discussão aberta. Embora tenha se falado nas características de abstração e fluidez do
poder moderno, ele se expressa no dinheiro, ponte universal entre todas as formas de poder (p.
102).
Simplesmente, muda-se a concepção de Poder sem, no entanto, alterar sua vinculação
com o dinheiro. Na idade imperial, poder não significa mais limitar o saber dos demais – dos
que obedecem – mas sim de ser capaz de mobilizar o saber dos outros. Banaliza-se o detentor
do poder e valoriza-se a rede, isto é, a capacidade de difundir a informação (p. 103).
O centro de decisão não é o todo-poderoso, os atores da decisão são múltiplos e, sendo
assim, procuram, cada vez mais, assemelhar o Estado a uma corporação deixando-a familiar,
isto é, como um membro de uma sociedade integrada onde há a circulação máxima de
informações (p. 108-109).
O nono e último capítulo, A violência imperial, inicia-se com várias indagações, sendo
importante transcrever a preocupação com a implementação de um modo de organização
apolítica bem adaptado às restrições desse novo mundo. O grande impasse é que a cultura da
Europa, América e Ásia se opõe a uma homogeneização e isso pode levar a formação de três
pólos incontroláveis e impossíveis de serem coordenados (p. 110-111).
Embora a lógica das redes esteja mais apta a prevenir desacordos do que a resolvê-los,
não significa que a idade imperial será tranquila, com paz. Apenas acontecerá de a violência
ser mais difusa, confusa, contínua, menos extrema, não mais rara (p. 116-117). As guerras do
futuro serão guerras sem front (p. 118).
Como mensagem final, tem-se que estamos na pré-história dessa nova idade, e a lógica
dos Estados-nação ainda coexistirá por muito tempo com a lógica do mundo imperial. Assim,
a revolução a ser feita não é política. A idade da razão está no fim. As fundações da era
institucional do poder estão sumindo. O momento atual é de luta pela liberdade do espírito,
pelo direito ao não conformismo, devendo os debates futuros partirem do relacionamento
homem–mundo a fim de trazerem para o mundo imperial o debate de princípios de que
precisa para adquirir sentido (p. 127).
No cenário mundial, em meio a um processo globalizante sem perspectivas de
retrocesso, impõe-se um pensar global e um agir local, o que já vem acontecendo. Como
exemplo, citam-se os debates em busca da edificação de princípios e legislação específica nos
campos do meio ambiente e da biotecnologia.

Anarita Araújo da Silveira, mestre em direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul –
UNISC, professora do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA, Doutoranda pela
UniveRsidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, advogada.
araujodasilveira@gmail.com

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