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PLURALISMO JURÍDICO E OS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL

Introdução
A presente apresentação contém uma série de resenhas e resumos de textos relacionados ao debate do
pluralismo jurídico no ordenamento jurídico brasileiro, enfocando posteriormente o engendramento histórico da
evolução do posicionamento dos povos indígenas e, em última análise, de outras minorias. O objetivo é negar
totalmente as acepções etnocêntricas que vigoraram, sobretudo, no século XIX e primeira metade do século XX. Ao
fim da apresentação das resenhas encontra-se a opinião do grupo elaborador do presente trabalho no que concerne
ao Pluralismo Jurídico, debate este que perfaz décadas de discussão, não só no Brasil, mas no mundo todo, a
respeito do reconhecimento em detrimento da assimilação ou integração, buscando uma relação de alteridade com
os povos autóctones e outras minorias.

Pluralismo Jurídico - Norbert Rouland


O texto se divide em duas principais partes. A primeira (primeiro dado) evidencia que a emergência do
conceito está ligada à análise do tipo colonial. Esta ligação se faz pois, primeiramente, a antropologia surgiu num
caráter de colonização da África pelas potências europeias na segunda metade do século XIX, desse modo a visão
colonial era mais facilmente empregada. Além disso, seria mais fácil explorar o campo de análise dentro da
pluralidade jurídica já mapeada. A partir dos anos 30, o estudo rompe as barreiras das sociedades coloniais e
começa a estudar os estados independentes e as sociedades ocidentais, relacionando-as com as sociedades já
estudadas, e a partir dos anos 60 sínteses teóricas se tornam mais capazes de compreender o fenômeno jurídico em
sua pluralidade.
O Segundo do Dado diz que as sínteses teóricas recentes insistem sobre a universalidade do pluralismo
jurídico. Certas discordâncias se fizeram presentes nos pensadores contribuintes ao pluralismo jurídico. L. Pospisil e
S. Falk Moore defendiam a existência de uma verticalidade onde uma sociedade é regida por diversos grupos
jurídicos, cujo dominante rege os outros. M. G. Smith acredita na horizontalidade do pluralismo. Mesmo
considerando as diferentes linhas de raciocínio alguns pontos são afirmados em conjunto por todos os autores:
- É preciso distinguir pluralidade de diversidade jurídica: as diversas fontes do direito não caracterizam
pluralismo;
- O pluralismo jurídico é um fenômeno universal que não necessariamente conflita com a autoridade estatal,
consistindo nas regras que regem diferentes grupos e suas relações internas;
- A coerência da sociedade global é assegurada pela prevalência de um ou vários grupos econômicos e
socialmente. Nas sociedades tradicionais, ela tende ao equilíbrio de grupos complementares;
- A coerência da sociedade global é assegurada pela primazia de um dos grupos, geralmente ligado às
formas de dependência econômica.
- Nas sociedades Ocidentais existe uma tendência em negar o pluralismo e tratar o Direito como um bem
superior, enquanto nas sociedades tradicionais ele é admitido e incorporado à sua justiça. Também que o grau de
pluralismo depende das relações internas dos subgrupos;
- A comparação dos sistemas jurídicos com essa teoria leva a conclusão de que existe uma unificação entre
os mesmos.

Rouland, N; Nos Confins do Direito; São Paulo; Martins Fontes; 2003 ( p156-159)
O capítulo quatro dedica-se a pluralidade do direito, porque as culturas também são plurais. O autor é um
crítico do monismo jurídico. Textos, como o artigo 6º da Declaração dos Direitos do Homem de 1789 que prescreve
que a lei “deve ser a mesma para todos, quer ela proteja, quer ela puna”, parecem muito cômodos e respaldados
pelo direito positivo. Entretanto, Rouland ironiza quando indaga: “o que pode ser mais tranquilizador que um astro
único num céu fixo?” (p.159). Para o autor, essa visão clássica do direito estaria ultrapassada, pois existe um grande
universo povoado por “galáxias jurídicas” que às vezes estão afastadas e outras se atraem.
A antropologia jurídica deve descobrir o direito que se encontra debaixo da “casca“ dos códigos, levando em
consideração as abordagens interculturais e pluralistas e desmistificando as relações necessárias estabelecidas
entre o direito e o Estado.
O autor aborda o direito para além dos códigos, dando voz às comunidades silenciadas pelo positivismo e
monismo que impera no mundo jurídico ocidental moderno.
O direito francês não é espontaneamente inclinado a consagrar o pluralismo. Por mais que o estado
republicano se tenha resolvido há uns dez anos à descentralização, é apenas administrativa. O Estado retém o
poder de fazer a lei. “A lei deve ser a mesma para todos, quer ela proteja quer ela puna” – art6 – Declaração dos
Direitos do Homem, 1789.
Existem em nossa sociedade várias manifestações de pluralismo jurídico. Os diferentes grupos sociais
cruzam-se com várias ordens jurídicas: o direito estatal, os produzidos por outros grupos e direitos que podem
coincidir ou divergir. Há uma pluralidade de mecanismos jurídicos o qual pressupõem o encontro de múltiplas ordens
jurídicas. Ele oferece vantagens e autoriza o repouso das certezas: o que pode ser mais tranquilizador que um astro
único no céu fixo? O pluralismo abre-nos portas de um universo vertiginoso, povoado de galáxias jurídicas.
O Estado de direito se distingue das outras formas estatais de organização política por sua aceitação da
limitação de seus poderes pelo direito. É a autolimitação, ou seja, o direito não preexiste ao Estado, é por seu
próprio movimento. Surge uma lei de evolução: quanto mais se amplia e se uniformiza o direito, mas se democratiza
a sociedade e mais se civiliza o estado – O Estado de direito redunda no direito do Estado. Explica-se queesse
direito ao qual o Estado de direito aceita submeter-se não vem dele, mas de um princípio que lhe é anterior e
superior.
Em nossos dias, a ordem preexistente ao estado é, antes, atribuída à Sociedade, assim a distinção entre a
sociedade civil e o Estado. Todas as sociedades tradicionais ou modernas, em graus diversos são sociologicamente
plurais, no sentido de se comporem de grupos secundários, com maior ou menor autonomia. Inúmeras sociedades
tradicionais reconhecem a proteção do indivíduo que provém mais da estrutura plural do que das declarações de
direitos ou de garantias fornecidas por uma autoridade central. As sociedades modernas o negam e incentivadas
pelo discurso dominante dos juristas tem tendência a recorrer ao Estado para assegurar a coesão.
Podemos admitir que a esse pluralismo sociológico corresponde a um pluralismo jurídico. O Estado não é a
única forma de organização social, muitos grupos são organizados e estão aquém e além do Estado e produzem o
seu próprio direito. Tem o seu próprio mecanismo de punição, seus tribunais. A ordem jurídica estatal não é a única
como se ensinam. Assim o pluralismo jurídico, permite superar a problemática do estado de direito ao afirmar que o
estado não tem o monopólio da produção do direito oficial. Há também a interação das ordens jurídicas, pois se
enredam no funcionamento concreto dos diversos sistemas de regulação e a partir desta interação que se pode
elaborar um duplo controle. O do estado sobre as ordens infrajurídicas, que ele tolera, incentiva ou combate, mas
também o que resulta para o estado da própria existência dessas ordens.
O que é direito? Conseguimos separar o direito da moral, da política ou da religião em um sistema cultural. O
mais difícil é distinguí-lo dos costumes. Podemos admitir segundo J. Carbonier:
“Uma regra de conduta humana, e cuja observação a sociedade pode nos coagir, mediante uma pressão
exterior de maior ou menor intensidade”

Análise e Fundamentação:
A antropologia considerada em seu terreno propriamente jurídico não é recente. Segundo Rouland (2008,
p.69-70):
“Não somos os primeiros a usá-la. A antropologia jurídica nos mostra que outras culturas, africanas ou
orientais, descobriram antes de nós suas direções. Entretanto, cumpria interessar-se pelas experiências delas. (...) A
antropologia jurídica se propõe estudar os direitos de culturas não ocidentais e voltar em seguida com um olhar
novo, aos das sociedades ocidentais.”
É possível afirmar que encontramos precedentes para esse campo de estudo na Antiguidade e na época
moderna, bem como entre os autores e os viajantes árabes da idade média. Ela nasce, no entanto, no mesmo
compasso da construção da disciplina Antropológica em suas características gerais, conforme observamos
anteriormente, no final do século XIX, em pleno triunfo tecnológico e cultural do Ocidente: a Revolução Industrial se
propaga na Europa, e a colonização se estende na África e na Ásia.
Com a globalização, surge um natural confronto nas formas tradicionais de produzir uma identidade, está
sempre vinculada à cultura e sempre marcada pela diferença. Um novo padrão cultural, no entanto, não suprime os
modelos culturais locais ou particulares, mas remodela suas formas de estar no mundo, adaptando-as ao tempo da
globalização.
A mundialização da cultura representa uma reação aos efeitos irradiadores da globalização, uma vez que, ao
contrário desta, sustenta-se em um paradigma flexível que evita a homogeneidade e a assimilação, bem como
permite articular uma reação racional pela valorização de um modelo cultural que se contrapõe de forma fática às
ligações enraizadas do mercado global. A identificação dos espaços culturais como locais privilegiados e como
exclusivo caracterizador de uma dada cultura está cada vez mais fragilizada pelo processo de desterritorialização
produzido pela diluição das fronteiras A sociabilidade contemporânea vinculada à globalização produz contradições
em todas as esferas sociais. Não é somente a economia que apresenta sua face globalizadora. Vislumbra-se,
também, uma globalização das biografias. Percebe-se, assim, um processo de conexão entre culturas, pessoas e
locais que tem modificado o cotidiano dos indivíduos.
O efeito da globalização sobre a identidade cultural não é unívoco. Global e local não se excluem, mas se
interligam numa relação dialética na transformação de identidades. De um lado, as identidades nacionais são
enfraquecidas pela convivência com interesses de natureza global e, por outro lado, veem reforçada sua tarefa
simbólica de produzir pertença, resultado de uma reação às indeterminações e aos esvaziamentos provocados pela
globalização.
Do mesmo modo, em vez de as diferenças desaparecerem no meio da homogeneidade cultural perpetrada
pela globalização, que influencia a um só tempo todas as realidades particularidades do planeta, novas fórmulas
identitárias, passam a conviver com as identidades nacionais em declínio, ou até mesmo assumem o seu lugar.
Dessa forma, local e global se interligam, fazendo com que novas identidades surjam, outras se fortaleçam, algumas
enfraqueçam e outras encontrem seu ponto de equilíbrio.
Nesse ponto, ao analisarmos o impacto dessas questões para a área propriamente jurídica, chegamos à
conclusão que numa sociedade multicultural, a universalidade dos direitos humanos será sempre analisada pelas
inúmeras diferenças que constituem a humanidade presente em todas as experiências históricas. A universalidade
preocupa-se em atender ao que é comum aos indivíduos como tal, no entanto, a singularidade de cada cultura
reivindicará, face a desigualdades, aquilo que constitui parte do homem representada em sua particularidade.
É pacífico que numa sociedade que possui uma diversidade significativa de culturas distintas produzirá um
número elevado de representações, imagens e discursos que simbolizam as posições e os limites de ideais entre si.
A grande celeuma, sobretudo, se instala quando a cultura adquire um patamar localizado, inclusive, acima
dos direitos humanos, quando potencializa e protege as características da coletividade mesmo quando isso implica
desrespeito à dignidade de alguns de seus integrantes. Os direitos humanos como tal cobram um respeito recíproco
entre as culturas, as quais não poderão negociar a validade e a abrangência de ditos direitos em favor de interesses
comunitários. Da mesma forma, o Estado não pode negar ao seu cidadão os direitos humanos, também as razões
de ordem cultural, religiosa e ética não poderão se sobrepor aos direitos que são devidos ao homem em função de
sua humanidade.
É necessários o reconhecimento e a aceitação das diferenças culturais que traduzem formas particulares de
se produzir uma dignidade mundial. Dessa forma, a diversidade se constitui como fonte de inventividade e de
renovadas riquezas autênticas merecedoras de proteção. A celeuma, contudo, reside em práticas culturais que
impõem um comportamento inadequado para parte de pessoas dessa mesma cultura, ocasionando, assim, uma
espécie de poder e de autoridade hierárquica. Inclusive, a Declaração Universal da Unesco sobre a diversidade
cultural busca limitar as experiências de diversidade quando reza que “ninguém pode invocar a diversidade cultural
para fragilizar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem limitar seu alcance”
Numa sociedade em que as diferenças são cada vez mais claras e desafiadoras do consenso, não seria
salutar que as portas de cada cultura se fechem e impeçam olhares de fora para dentro e de dentro para fora.
A tarefa dos direitos humanos é permitir que todos os homens, em igualdade de condições, acessem o
mundo com liberdade e dignidade, independentemente dos vínculos que possuam. Dessa forma, faz-se necessária a
promoção de um diálogo intercultural que fortifique as demandas comuns do homem e as instituições democráticas
para resolvê-las, facultando uma conversação na qual todos os interessados possam em igualdade de condições,
manifestar as suas preocupações e diferenças, na procura de respostas para os problemas que são interculturais.
Dessa forma, os direitos humanos não podem provocar o choque de civilizações, caso contrário estará
servindo para a opressão cultural. No entanto, as concepções tradicionais de direitos humanos albergam em si
concepções caracteristicamente liberais, quais sejam: universalidade do indivíduo, certa forma de organização do
Estado, dignidade absoluta, superioridade da natureza humana.
Por todo o exposto, é nesse sentido que a antropologia jurídica faculta renovado entendimento às questões
relacionadas aos direitos humanos. Assim, não serão eles mais vistos sobre a antiga bandeira de conquista do
Oriente pelo Ocidente, do Sul pelo Norte. Assim, para que a afirmação dos direitos humanos no plano internacional
realmente corresponda a um projeto cosmopolita, é necessário o respeito de certas premissas.
A busca da unidade humana equilibrada na compreensão da diversidade cultural é parâmetro para as atuais
discussões comuns às duas disciplinas. Nesse sentido, seja na busca por renovado entendimento dos
enfrentamentos pluralistas no campo jurídico, nos efeitos da mundialização ou na visão contemporânea dos direitos
do homem, o terceiro humanismo em seu enquadramento jurídico surge como um campo de investigação dos mais
importantes.
Em relação aos povos indígenas relatamos um fato ocorrido em meados de 1988 quando em uma reunião
anual dos tuxauas, onde se discutia a demarcação da terra indígena Raposa Terra do Sol. Em determinado
momento da reunião um dos tuxauas levantou-se e propôs que explicassem o significado dos termos Constituição e
Constituinte. Explicaram que “a Constituição garantia direitos e limitava o poder. Ao terminar sua explicação, um dos
membros da comunidade levantou-se e disse:
“Essa tal Constituição é coisa boa, está certo o que os brancos estão fazendo. Nós também temos que
fazer uma Constituição para nós, para deixar escrito e sabido quem é que pode entrar em nossas terras e quem tem
que ficar fora, quem é que diz onde podemos construir nossas casas e fazer nossas roças e quando são nossas
festas”.
A sabedoria do tuxaua macuxi era capaz de ver que o Estado e o Direito dos brancos que sepretende
universal, geral e único, é parcial, especial e múltiplo. E odisse reclamando uma identidade jurídica que reflete uma
prática escondida, escamoteada e não raras vezes proibida pelo nosso sistema jurídico. O tuxaua entendeu em
poucos minutos o que nossa cultura constitucionalnão logrou compreender em 200 anos de puro estudo e reflexão: a
uma sociedade que não é una, não pode corresponder um único Direito, outras formas e outras expressões haverá
de existir, ainda que simuladas, dominadas, proibidas e, por tudo isto, invisíveis.

Tendências da análise antropológica do direito: algumas questões a partir da perspectiva francófona


O livro Anthropologiesetdroits: étatdessavoirs et orientationscontemporaines, é a primeira síntese coletiva da
antropologia jurídica em língua francesa que visa sistematizar e organizar a pesquisa dessa área de um ponto de
vista francófono. Tal livro é publicado sobre a égide da AFAD (AssociationFrancophone d’AnthropologieduDroit) e
que engloba importantes pesquisadores da disciplina, sendo eles Le Roy, Jacques Vanderlinden, Alain Rochegude,
MoustaphaDiop, ChantalKourilsky-Augeven e ChristophEberhard.
O livro é publicado em uma época de grande interesse pela matéria antropologia do direito e tem como uma
de suas finalidades definir a especificidade de seu contorno. Portanto se distanciar da antropologia anglófona, uma
vez que segundo seus membros a obra não consiste em compilar artigos ou extratos de obras já existentes com
vista a uma abordagem introdutória a determinados assuntos, nem de um manual já que sua essência é a
sistematização dos resultados de pesquisas dos membros da AFAD.
A obra se inicia com a análise de que apesar de no contexto francófono a disciplina ser mais conhecida
como ‘’ antropologia direito’’ ela não exclui as outras designações que podem ser usadas para dar nome a disciplina,
tais como, ‘’ antropologia da juridicidade’’ e ‘’ antropologia jurídica’. Porém enfatizam ainda que apesar de
geralmente empregadas com a ideia de serem semelhantes alertam que cada uma dessas definições possui suas
diferenças. A antropologia jurídica teria como finalidade restringir didaticamente o campo particular de estudo, pois a
antropologia é essencialmente global e plural. Por isso o termo ‘’ jurídico’’, junto com a antropologia se referiria a
fenômenos pertencentes ao campo do direito. Assim a antropologia jurídica não se confundiria com a antropologia
do direito, pois a primeira é essencialmente a etapa no processo de desfiliação da pesquisa antropológica em
relação as ‘’ ciências jurídicas’’, portanto a negação de uma ciência principal denominada genericamente ‘’ direito’’. A
antropologia da juridicidade por ser ampla serviria para qualificar os fenômenos de regulação que são tidos pelos
componentes da sociedade como obrigatórios e assim sancionados, consequentemente jurídicos. Essa expressão,
portanto, estaria mais afastada das ideias ocidentais no âmbito jurídico, permitindo tanto as práticas de regulação
ocidentais como as outras mais distantes. O pluralismo jurídico é uma das diversas temáticas abordada no livro e é
esse pluralismo que visa sublinhar a riqueza das potencialidades que a análise antropologia pode proporcionar ao
direito, constituindo assim um tema essencial sendo o objeto do primeiro capítulo da autoria de Jacques
Vanderlinden.
A obra assumi um caráter plural pois como é composto pela análise de diversos autores as opiniões tendem
a não ser iguais, gerando vários pontos de vista, afastando se do padrão e de abordagens ‘’ cientificamente
corretas’’.
A estrutura da obra se fundamenta em algo plural, que tem por objetivo englobar e generalizar um
conhecimento do homem. Com a comparação entre sociedades e suas diversidades os autores tendem a se afastar
da concepção ocidental que está contido num pensamento evolucionista e etnocêntrico não sendo consideradas
mais como universais ou hegemônicas perante as outras culturas. O pluralismo jurídico então, privilegiado na obra,
rejeita a suposta superioridade cultural ocidental e tenta acabar com a ideia de ‘’ povos primitivos’’, ‘’ selvagens’’ ou ‘’
subdesenvolvidos’’.
É justamente essa visão estereotipada do direito que acaba por reforçar naturalmente o enfoque pluralista,
direcionando a antropologia a situações que expressam uma pluralidade de soluções jurídicas aplicáveis a uma
mesma questão no interior de uma ordem jurídica estatal, como a partir de uma perspectiva mais radical ás relações
entre ordens jurídicas estatais e não estatais, rejeitando em alguns caso a própria noção de ‘’ ordem jurídica’’, e
dando foco para questões articuladas um ‘’ multijurismo’’ para os quais o direito seria apenas um sistema popular.
No Brasil apesar de haver pesquisas de grande qualidade a produção antropológica ainda é bastante
precária e tímida. Por isso a uma série de capítulos da obra para fornecer um panorama para futuras pesquisas.
O primeiro capítulo de Anthropologiesetdroits, intitulado, ‘’ pluralismesjuridiques’’, do autor de Jacques
Vanderlinden, é dividido em três seções. Na primeira ele aborda a concepção pluralista, na segunda seção analisa
diversas concepções do pluralismo ao qual possui três ordens sendo elas, (1) as que se consideram especificas do
pluralismo e que se articulam ao redor de três eixos fundamentais (lugar referente as ordens jurídicas, autonomia
das ordens jurídicas e centro de gravidade de produção dos mecanismos jurídicos), (2) aquelas que se expressariam
essencialmente no ‘’ multijurismo’’ e nas diferentes visões do ‘’ policentrismo jurídico’’, (3) as interrogações a cerca
do pluralismo. Por fim a terceira seção, Vanderlinden, centra-se no pluralismo jurídico concluindo que o mesmo seria
plural.
O segundo capitulo, intitulado ‘’ Norme, normativité, juridicité’’, redigido por Edwige Rude-Antonie,
CaroleYounés e Eric Millard, analisam criticamente de posicionamentos de diversos juristas e de abordagens
positivistas, que os antropólogos procuram uma constituição de um saber original do direito que preserve sua
especificidade tanto ao ensino jurídico clássico como pela antropologia geral. Assim a concepção de normatividade
seria um elemento fundamental na implementação de tal especificidade. Com uma abordagem pluridimensional a
definição de norma jurídica se tornaria mais flexível, incluindo fenômenos jurídicos mais difusos, baseado mais na
orientação das condutas que em sua prescrição. Discute-se então se o direito poderia ser reduzido a norma ou se ao
contrário, isto é, não seria mais adequado substituir o conceito de normatividade pelo de juridicidade (Integrar a
dimensão processual e dialógica do direito).
O terceiro capítulo, ‘’ Visionsdu monde, théoriedespouvoirs et représentationsdudroit:
fondementsstructurauxnd’uneanthropologie politique dujuridique’’, de autoria de ChristophEberhard e Étienne Le
Roy, mostra a ordem simbólica da sociedade. Tal capítulo é composto por duas seçoes. A primeira visa explicar a
diversidade das soluções adotadas pelas várias sociedades humanas submetidos à regulação jurídica. A segunda
seção analisa os fundamentos antropológicos das representações do direito. Os autores postulam também uma
postura que se insere no pluralismo jurídico radical, para qual das diversidades de visões de mundo decorreria uma
diversidade de direitos (cristãs, animistas, dharmicas e a racionalidade moderna, sendo essas categorias
representações acerca do direito).
O quarto capítulo, ‘’ Pouvoirs, sociétésetdroits’’, escrito por C. Eberhard e É. Le Roy, contribui a antropologia
política do direito. Examina a relação de poder, sociedade e direito. Numa primeira seção os autores procuram
romper com a ideia comum de uma antropologia direcionada apenas para os ‘’ selvagens’’ ou para pequenas
comunidades, assim é proposta uma análise que procura abordar novos desafios que emergem da sociedade
contemporânea, a partir de um enfoque que abrange desde formas de dominação, passando às problemáticas da
globalização e passando por questões postas (sociedade tradicional). A segunda seção aborda alguns debates
centrais, sendo eles: governa, querela entre universalismo e relativismo, os desafios da democratização em nossa
sociedade e etc.
O quinto capítulo, intitulado ‘’ Lesculturesjuridiques’’, redigido por AkuaviAdonon, Caroline Plançon e
ChristophEberhard, enfatizaque todas as sociedades humanas necessitam organizar suas relações sociais, para
assegurar sua harmonia, reprodução e seu prosseguimento. O direito pode funcionar em diferentes sociedades
como mecanismo essencial aos fatos da vida social. As diferentes maneiras de abordar a juridicidade reflete também
distintas maneiras de conceber o mundo, de estar nele e de esclarecer as relações entre direito e cultura. Assim a
noção de direito na concepção do universo do ocidente não pode ser consideradas como universais, pelo contrário,
convém distinguir ‘’ cultura jurídica’’ no sentido da juridicidade ocidental e ‘’ culturas jurídicas homomorfas’’, nas
quais a reprodução social não está atrelada à noção de direito e que inclusive, ignora esse termo, de modo que
nelas não se pode procurar senão equivalentes funcionais.
O sexto capítulo, ‘’ Socialisation, socialisationjuridiqueetconsciencedudroit’’, de autoria de ChantalKourilsky-
Augeven, procuram analisar uma sociedade jurídica nos modos de aprendizagem das condutas, os conhecimentos e
dos comportamentos que interferem no campo do direito. Dois objetivos são evidenciados, sendo eles, os
fenômenos de socialização jurídica dos indivíduos no curso da infância e os fenômenos de consciência acerca do
direito na chave do que as pesquisas denominam legal consciousness. Há, portanto, duas concepções do direito,
feitos pela sociologia, de um lado o direito encarnado pela lei, isto é, posto, institucionalizado e do outro lado, o
direito tal comno ele é elaborado pelos indivíduos em suas práticas quotidianas. A antropologia do direito acentua os
direitos subjetivos legalmente reconhecidps aos indivíduos e sua pertinência ao mesmo.
O sétimo capítulo, ‘’ Parenté, famille, mariage, filiation’’, de Geneviéve Chrétien-Vernicos e Edwige Rude-
Antonie, mostram que os juristas e os antropólogos se interessam sobretudo, pela família, em seguida, pelo
casamento. Assim o direito se interessa pelo casamento, essencialmente pela ótica de direitos e deveres. Já os
antropólogos focalizam o parentesco como uma disciplina de base em seu campo de análise.
O oitavo capítulo, com o nome de ‘’ L’hommeetl’espaceauregarddudroit: rapportsfonciers et
dynamiquesterritoriales’’ e organizado por É. Le Roy, de acordo com ele que para tanto os antropólogos como para
os juristas, a inscrição espacial do homem e as relações que dela decorrem sempre foram fundamentais. Tratando-
se da relação jurídica que funda a propriedade e a territorialidade. Nesse âmbito a refutação do etnocentrismo que é
própria da antropologia acarreta efeitos. Proíbe que se considerem como gerais representações e os procedimentos
tidos no ocidente, como direito e, de outro lado, obriga a conceber, experimentar e aplicar um novo instrumental
conceitual que esteja à altura dos problemas atuais, tal como a questão do desenvolvimento sustentável.

Conclusão:
O livro escrito por vários autores tem por finalidade sistematizar e organizar ideias de cada um, tendo grande
quantidade de pensadores para não haver uniformidade e mesmo pensamento sobre tal assunto. Assim abordam o
pluralismo jurídico, o qual é tema central da obra, que vai contra o pensamento ocidental da época, constituído pelo
etnocentrismo e evolucionismo junto com os conceitos de povos primitivos, selvagens e subdesenvolvidos. O
pluralismo jurídico tem por função englobar e estudar todos os povos e sociedades. A antropologia é uma matéria
zetética e generalizadora, a antropologia jurídica também, porém se restringe a área jurídica, analisando direitos e
regras que disciplinam outras populações, mostrando que há outras visões de mundo no modo de disciplinar algum
grupo, fugindo de um pensamento preconceituoso e empírico que era a antropologia do século 19. Além disso a obra
mostra uma visão francófona, diferenciando e mostrando diferentes concepções sobre a disciplina além de sair de
um ponto de vista anglófono que era o pensamento predominante.

GODELIER, Maurice. Les tribosdansLhistoireet face aux États, Paris, ed 2010.


No livro de Maurice godelier , Les tribos dansLhistoireet face auxÉtats , o autor procura sintetizar algumas
temáticas desenvolvidas em seus outros livros, e apresenta conceitos relevantes para estudantes das ciências
humanas e antropologia, em particular.
No primeiro capítulo de sua obra, Maurice Godelier consigna uma análise conceitual da relação entre tribo,
etnia, comunidade e sociedade.
No primeiro capítulo, ele define tribo nos seguintes termos: trata-se de uma forma de sociedade que se
constitui quando grupos de homens e mulheres que se reconhecem como aparentados, se unem para controlar um
território e defendê-lo. Assim, ele critica a tese de que sociedades tribais seriam fundadas apenas em relações de
parentesco, pois essa tese tem um caráter etnocêntrico e escamotearia a importância de outros tipos de relações,
como a política e a religiosa, que desempenharam importante papel na história da humanidade.
Para Godelier, a definição de etnia é a que consiste num conjunto de grupos locais de ancestrais comuns,
que falam línguas de uma mesma família linguística, e que partilham princípios de organização social e certos
valores e normas que regulam a conduta individual ou coletiva.
Percebe-se que há uma diferença entre tribo e etnia, pois a tribo é uma sociedade, e a etnia é uma
comunidade, portanto tribos podem pertencer a uma etnia pois esta leva um conceito muito mais abrangente.
Em seguida, no segundo capítulo, o autor procura ilustrar a diversidade e varidade das formas de
manifestação das tribos fazendo alusões a diversas formas tribais como os Baruja da Papua-Nova Guiné, Pawnee
da América do norte e outros. Esta alusão serve de pretexto para que Godelier enfoque a concepção de simetria
entre Clãs nas sociedades tribais sustentada por Evans Pritchard, segundo a qual as tribos seriam associações
relativamente efêmeras de clãs e de segmentos desejosos de sua independência.
No terceiro capítulo, é feita uma análise entre a relação de sociedades tribais e estados, dando-se ênfase na
vitalidade das formas tribais de organização social. É possível que antropólogos do séc XIX não conhecessem bem
essa vitalidade das tribos, e com isso, as viam como um estado arcaico de sociedade que seriam superadas ou
marginalizadas com a aparição do Estado. O próprio Lewis Morgan supunha que as tribos ilustrariam a condição de
barbárie, uma das etapas iniciais do processo de “civilização”. Para Godelier, haveria duas linhas distintas de
evolução da relação de tribo e estado. A primeira seria a formação de Estados por tribos que continuam a existir
após seu surgimento, o que implica a se dizer em uma partilha de soberania entre a tribo e o estado que a dominou.
A segunda é a formação de Estados que, subordinaram, destruíram ou marginalizaram as tribos que os constituíram,
os grupos tribais seriam desarmados e submetidos ao Estado.
A questão a que se submete essas maneiras de relações, é o desafio entre a partilha da soberania política e
religiosa que a tribo ou Estado pretendam exercer.
No quarto capítulo, se delineiam as hipóteses acerca da gênese do estado. Godelier afirma que suas
primeiras manifestações foram no fim do quarto milênio a. C na mesopotâmia até o segundo milênio, na América
Central. Esse período seria o início da pré-história, marcado pela domesticação de plantas e animais, acarretando
uma nova base material para subsistência. Seria nessa época o início da formação tribal, com ela a aparição de
cultos, a sedentarização, o aparecimento de povos nômades, a multiplicação de guerras e incrementação de trocas
comerciais que implicariam relações de paz.
Tais seriam as primeiras pré-condições do aparecimento do estado, e os estados se desenvolveriam
distintamente em função da especificidade do manejo da metalurgia e escrita em cada uma delas.
Assim, decorre-se do texto que o autor enfatizou a vitalidade das tribos, ressaltando que uma parcela da
humanidade ainda se reproduz segundo esse modo de existência portanto, pressupõe-se que sociedades tribais
detenham, ainda, soberania sobre si próprias, mas a questão é como implementar a partilha e soberania entre tribo
e Estado de modo a respeitar as duas partes.

Conclusão
Godelier foi importante para elucidar os termos de tribo, sociedade, etnia e comunidade, e mais do que isso,
deu grande reconhecimento a essa forma de sociedade que é a tribo. A tribo não se funda em simples relação de
parentesco, ela se projeta também no campo político e religioso, trazendo consigo os valores de sua etnia. Quando
o Estado surge, a tribo pode se extinguir ou se manter, sendo que no segundo caso o importante é saber partilhar da
soberania de forma proporcional entre duas partes.

O impacto da criação do Parque Indígena do Xingu na Ordem Jurídica Brasileira


Para abordar a importância da criação do Parque Indígena do Xingu, deve-se fazer menção ao texto que
retrata o posicionamento jurídico brasileiro em relação aos indígenas no período do regime militar. Façamos uma
breve digressão transcrevendo as principais ideias do texto em questão:
Iniciando a comparação entre os direitos indígenas anteriores à Constituição de 1934 e os posteriores,
pode-se inferir que existiram duas vertentes: uma, que visava a proteção e a conservação da cultura e raça
indígenas; outra, que visava a sua integração ao corpo social majoritário.
Destaquemos a figura central da abordagem: trata-se de uma situação em que imperam sistemas
autopoiéticos, ou seja, na relação social, um sistema se sobrepõe ao outro. Aqui, trata-se do Estado sobrepondo-se
ao direito e normas dos indígenas: a pluralidade é ignorada em relação a sistema jurídico-social.
Retomando a dialética estabelecida, o protecionismo constituía-se no ideal de proteger as civilizações
indígenas contra as frentes “civilizadoras” que existiam no país. Sua figura mais importante é a do Marechal Cândido
Mariano da Silva Rondon, que institucionalizou o Serviço de Proteção ao índio. Como resultado de tal instituição,
surgiu, posteriormente, o Parque Nacional do Xingu, onde verificou-se uma intensificação das medidas
protecionistas.
Em contrapartida, com o advento do regime militar, o integracionismo viu-se em assumindo o papel principal,
em harmonia com o projeto desenvolvimentista do governo militar. Visto isso, percebe-se a mudança na orientação
político-social em relação aos indígenas, ao enquadrar sua “proteção” aos moldes econômicos: o objetivo agora era
integrá-los para que estes passassem a ter as mesmas responsabilidades que os reconhecidamente civis.
A Lei 6001/73, conhecida como Estatuto do Índio, surge submissa ao plano desenvolvimentista do governo.
A presente lei estava claramente relacionada e instrumentalizada por interesses econômicos e políticos, sobretudo a
integração dos índios à sociedade brasileira e a maior exploração do interior brasileiro, exploração esta que atingiria
terras aborígines. Comparativamente, o Estatuto, por interessar-se pela integração dos índios e não sua proteção,
pode ser considerado uma involução em relação ao antigo decreto 8072/10. Assim, a integração dos índios adquiriu
uma dimensão assimiladora de tais povos: aos poucos, pretendia-se extinguir sua cultura, costumes etc. O interesse
do governo pelas terras indígenas era tanto, que sua integração ocasionaria a retomada das terras, seguindo à
lógica de que se os índios são integrados assimilados), deixarão de ser índios e passarão a compor a sociedade e
então seus direitos sobre as terras serão contestados.
Outro resultado de tal política era o enfraquecimento de líderes indígenas incômodos ao governo. Esse era
mais um passo rumo à conquista do espaço que a eles pertencia.
Numa analogia jurídico-histórica, pode-se perceber que o itinerário dos direitos indígenas atinge as
Constituições brasileiras a partir da Constituição de 1934, sobretudo na matéria de propriedade e direito de terras.
Entretanto, o Estatuto do índio, voltado a questões econômicas e políticas, colocava em segundo plano tal objetivo.
Com os fatos resumidamente expressos, percebe-se a intenção instrumental da política e da economia
nacional durante o regime militar quanto à proteção dos direitos indígenas.
A Constituição de 1988
Em seu Título VIII, arts. 231 e 232, trata a presente Constituição dos direitos dos povos indígenas.
Tal Constituição trouxe duas novidades em relação às anteriores em matéria de direito aborígine: 1) A inclusão dos
povos indígenas na sociedade brasileira; 2) O amplo tratamento dado à questão dos direitos territoriais. Frente a
isto, as comunidades indígenas deixam se serem encaradas como futuramente integradas á sociedade e passam a
serem observadas pro si mesmas.
Temos na atual Constituição, expressamente os direitos territoriais, de usufruto, de exploração, reprodução
física e cultural etc. Das comunidades indígenas.
Em seu art. 231, § 3º, condiciona as terras indígenas, quando sua exploração se fizer necessária, à
aprovação do Congresso Nacional e à consulta das comunidades afetadas.
Em cronologia com as ideias do texto apresentado, podemos analisar o posicionamento da atual ordem
Jurídica Brasileira em relação aos povos indígenas. Ora, como apresentado anteriormente, por existir fortíssimas
influências da expansão europeia no que concerne à assimilação de povos, a ordem jurídica brasileira preocupou-
se, em geral, em proteger ou integrar os índios mantendo interesse em desenvolvê-los. A ideia de mantê-los como
estão, conservá-los e respeitá-los é muito recente e incompleta: a Constituição brasileira de 1988 deu amplo avanço
a essa finalidade reconhecendo que “os índios só serão índios e só sobreviverão se mantiverem dentro de seu modo
de viver”. Portanto, não caberia ao Estado proteger o índio tentando mudá-lo: é necessário que se mantenham suas
tradições, ritos, sociedades etc. Para que esses povos autóctones não venham a sucumbir com uma possível
integração (assimilação).
A criação do Parque Indígena do Xingu proporcionou maiores horizontes à manutenção das culturas
minoritárias dos índios: maiores terras, maiores áreas isoladas, menores restrições culturais, maior autonomia etc.
São exemplos de conquistas dos povos indígenas e de maiores oportunidades de se manterem íntegros. Ora, essas
conquistas não seriam possíveis no antigo Ordenamento Jurídico que visava o desenvolvimento econômico
nacional. Perdeu-se a concepção evolucionista de “tirar os índios de seu estado atual e levá-los a um estado
civilizado”.
Contrapondo-se a ideia anterior, foi garantido aos índios uma porção grande de terra, a fim de possibilitar
sua reprodução não só física, mas cultural, social, moral, etc. No que concerne à relação entre os povos indígenas e
a sociedade nacional, a política do reconhecimento estaria na base de uma superação de posturas etnocêntricas
que desqualificam os indígenas, incluindo-lhes uma autoimagem de inferioridade fundada em padrões valorativos
que lhes são estranhos.

Conclusão
Considerando a evolução que se seguiu até ao atual posicionamento da Ordem Jurídica em relação aos
povos indígenas, percebe-se uma constante luta (e não só pelos indígenas!) pelo reconhecimento. A atuação dos
irmãos Villas Bôas procurou proporcionar as condições necessárias para que os povos indígenas do Xingu
pudessem ser reconhecidos pelo valor de sua cultura.

O debate acerca do Pluralismo Jurídico


O pluralismo jurídico é uma matéria global, diversificada e que estuda diversos tipos de direito de diversas
sociedades. Tem por característica a alteridade que é a relação de conhecimento e respeito pela adversidade do
outro, sendo contra o etnocentrismo e evolucionismo que eram os pensamentos mais fortes e marcantes do
pensamento ocidental, hegemônico na época. Portanto tal pluralismo não aceita os termos de ‘’ selvagens’’, ‘’ povos
primitivos’’ ou ‘’subdesenvolvidos’’ para designar qualquer tipo de sociedade e cultura. Portanto a questão de o
pluralismo jurídico estar presente na constituição pós 88 é verdadeira, pois atualmente não há como o sistema ser
fechado para um só ponto de vista, tomando medidas em relação a uma única base, o sistema precisa ser aberto,
aceitar e reconhecer as outras formas de expressões jurídicas presentes no universo humano, não se restringindo
apenas ao Estado. Assim outras sociedades devem ser respeitadas e levadas em consideração (mulçumanos,
judeus, que vivem no Brasil). Antigamente a constituição era mais fechada e restrita se aplicando apenas ao campo
das normas, já a atual é mais aberta e flexível, dependendo e responsabilizando de maneira maior a decisão dos
juízes e legisladores para agir de tal maneira em determinado caso dependendo da situação, buscando a melhor
saída e solução para o problema (analogia, costumes e etc...)
Como exemplo de um pensamento mais “fechado” e restrito acerca da pluralidade dos povos, temos o
período compreendido entre 1910 e 1988, que se firmou sobre duas vertentes distintas: Primeiramente, percebeu-se
um objetivo protecionista dos povos indígenas no Brasil, que visava mantê-los com suas tradições até que, com
incentivos governamentais, pudessem aderir à sociedade nacional. Posteriormente, surgiu (com o advento do regime
militar e da política econômica) uma pretensão integracionista, muito mais voltada à integração do que à proteção.
Percebe-se, então, um afastamento ao reconhecimento da diversidade, ou seja, percebe-se uma diminuição da
alteridade pluralista do ordenamento jurídico brasileiro, tornando o Estado a fonte central de todo o ordenamento.
Após a Constituição Federal de 1988, essa visão evolucionista-integradora perdeu forças e passou a adotar-se uma
visão reconhecedora. Isso mostra que o reconhecimento, que deveria existir e perdurar sempre, foi obtido através de
lutas, não só pelos povos indígenas, mas por todo tipo de minoria.
O debate acerca do Pluralismo Jurídico modernamente traz consigo uma problemática muito mais complexa
da abordada nas primeiras décadas: hoje, discute-se o reconhecimento de sociedades semiautônomas pelo Estado:
as favelas do Rio de Janeiro são um exemplo disso, onde existe uma insistência em manter valores distintos dos
impostos pelo Estado. Discute-se se é necessário manter essa pluralidade, se é necessário regulamentá-la ou ainda
se deve ser mantida como se encontra. A intervenção estatal é frequente na tentativa de impor suas diretrizes, mas
os resultados têm mostrado que cada vez mais as diferenças se confirmam: os choques ideológicos causam muitos
danos tanto ao Estado quanto às sociedades estigmatizadas.
Enfim, o Pluralismo Jurídico será reconhecido apenas quando sua característica fundamental se apresentar
nas relações intersubjetivas sociais: a alteridade. Portanto, não há como abordar Pluralidade Jurídica sem uma
política de alteridade e reconhecimentos do outro.

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