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Introdução
A presente apresentação contém uma série de resenhas e resumos de textos relacionados ao debate do
pluralismo jurídico no ordenamento jurídico brasileiro, enfocando posteriormente o engendramento histórico da
evolução do posicionamento dos povos indígenas e, em última análise, de outras minorias. O objetivo é negar
totalmente as acepções etnocêntricas que vigoraram, sobretudo, no século XIX e primeira metade do século XX. Ao
fim da apresentação das resenhas encontra-se a opinião do grupo elaborador do presente trabalho no que concerne
ao Pluralismo Jurídico, debate este que perfaz décadas de discussão, não só no Brasil, mas no mundo todo, a
respeito do reconhecimento em detrimento da assimilação ou integração, buscando uma relação de alteridade com
os povos autóctones e outras minorias.
Rouland, N; Nos Confins do Direito; São Paulo; Martins Fontes; 2003 ( p156-159)
O capítulo quatro dedica-se a pluralidade do direito, porque as culturas também são plurais. O autor é um
crítico do monismo jurídico. Textos, como o artigo 6º da Declaração dos Direitos do Homem de 1789 que prescreve
que a lei “deve ser a mesma para todos, quer ela proteja, quer ela puna”, parecem muito cômodos e respaldados
pelo direito positivo. Entretanto, Rouland ironiza quando indaga: “o que pode ser mais tranquilizador que um astro
único num céu fixo?” (p.159). Para o autor, essa visão clássica do direito estaria ultrapassada, pois existe um grande
universo povoado por “galáxias jurídicas” que às vezes estão afastadas e outras se atraem.
A antropologia jurídica deve descobrir o direito que se encontra debaixo da “casca“ dos códigos, levando em
consideração as abordagens interculturais e pluralistas e desmistificando as relações necessárias estabelecidas
entre o direito e o Estado.
O autor aborda o direito para além dos códigos, dando voz às comunidades silenciadas pelo positivismo e
monismo que impera no mundo jurídico ocidental moderno.
O direito francês não é espontaneamente inclinado a consagrar o pluralismo. Por mais que o estado
republicano se tenha resolvido há uns dez anos à descentralização, é apenas administrativa. O Estado retém o
poder de fazer a lei. “A lei deve ser a mesma para todos, quer ela proteja quer ela puna” – art6 – Declaração dos
Direitos do Homem, 1789.
Existem em nossa sociedade várias manifestações de pluralismo jurídico. Os diferentes grupos sociais
cruzam-se com várias ordens jurídicas: o direito estatal, os produzidos por outros grupos e direitos que podem
coincidir ou divergir. Há uma pluralidade de mecanismos jurídicos o qual pressupõem o encontro de múltiplas ordens
jurídicas. Ele oferece vantagens e autoriza o repouso das certezas: o que pode ser mais tranquilizador que um astro
único no céu fixo? O pluralismo abre-nos portas de um universo vertiginoso, povoado de galáxias jurídicas.
O Estado de direito se distingue das outras formas estatais de organização política por sua aceitação da
limitação de seus poderes pelo direito. É a autolimitação, ou seja, o direito não preexiste ao Estado, é por seu
próprio movimento. Surge uma lei de evolução: quanto mais se amplia e se uniformiza o direito, mas se democratiza
a sociedade e mais se civiliza o estado – O Estado de direito redunda no direito do Estado. Explica-se queesse
direito ao qual o Estado de direito aceita submeter-se não vem dele, mas de um princípio que lhe é anterior e
superior.
Em nossos dias, a ordem preexistente ao estado é, antes, atribuída à Sociedade, assim a distinção entre a
sociedade civil e o Estado. Todas as sociedades tradicionais ou modernas, em graus diversos são sociologicamente
plurais, no sentido de se comporem de grupos secundários, com maior ou menor autonomia. Inúmeras sociedades
tradicionais reconhecem a proteção do indivíduo que provém mais da estrutura plural do que das declarações de
direitos ou de garantias fornecidas por uma autoridade central. As sociedades modernas o negam e incentivadas
pelo discurso dominante dos juristas tem tendência a recorrer ao Estado para assegurar a coesão.
Podemos admitir que a esse pluralismo sociológico corresponde a um pluralismo jurídico. O Estado não é a
única forma de organização social, muitos grupos são organizados e estão aquém e além do Estado e produzem o
seu próprio direito. Tem o seu próprio mecanismo de punição, seus tribunais. A ordem jurídica estatal não é a única
como se ensinam. Assim o pluralismo jurídico, permite superar a problemática do estado de direito ao afirmar que o
estado não tem o monopólio da produção do direito oficial. Há também a interação das ordens jurídicas, pois se
enredam no funcionamento concreto dos diversos sistemas de regulação e a partir desta interação que se pode
elaborar um duplo controle. O do estado sobre as ordens infrajurídicas, que ele tolera, incentiva ou combate, mas
também o que resulta para o estado da própria existência dessas ordens.
O que é direito? Conseguimos separar o direito da moral, da política ou da religião em um sistema cultural. O
mais difícil é distinguí-lo dos costumes. Podemos admitir segundo J. Carbonier:
“Uma regra de conduta humana, e cuja observação a sociedade pode nos coagir, mediante uma pressão
exterior de maior ou menor intensidade”
Análise e Fundamentação:
A antropologia considerada em seu terreno propriamente jurídico não é recente. Segundo Rouland (2008,
p.69-70):
“Não somos os primeiros a usá-la. A antropologia jurídica nos mostra que outras culturas, africanas ou
orientais, descobriram antes de nós suas direções. Entretanto, cumpria interessar-se pelas experiências delas. (...) A
antropologia jurídica se propõe estudar os direitos de culturas não ocidentais e voltar em seguida com um olhar
novo, aos das sociedades ocidentais.”
É possível afirmar que encontramos precedentes para esse campo de estudo na Antiguidade e na época
moderna, bem como entre os autores e os viajantes árabes da idade média. Ela nasce, no entanto, no mesmo
compasso da construção da disciplina Antropológica em suas características gerais, conforme observamos
anteriormente, no final do século XIX, em pleno triunfo tecnológico e cultural do Ocidente: a Revolução Industrial se
propaga na Europa, e a colonização se estende na África e na Ásia.
Com a globalização, surge um natural confronto nas formas tradicionais de produzir uma identidade, está
sempre vinculada à cultura e sempre marcada pela diferença. Um novo padrão cultural, no entanto, não suprime os
modelos culturais locais ou particulares, mas remodela suas formas de estar no mundo, adaptando-as ao tempo da
globalização.
A mundialização da cultura representa uma reação aos efeitos irradiadores da globalização, uma vez que, ao
contrário desta, sustenta-se em um paradigma flexível que evita a homogeneidade e a assimilação, bem como
permite articular uma reação racional pela valorização de um modelo cultural que se contrapõe de forma fática às
ligações enraizadas do mercado global. A identificação dos espaços culturais como locais privilegiados e como
exclusivo caracterizador de uma dada cultura está cada vez mais fragilizada pelo processo de desterritorialização
produzido pela diluição das fronteiras A sociabilidade contemporânea vinculada à globalização produz contradições
em todas as esferas sociais. Não é somente a economia que apresenta sua face globalizadora. Vislumbra-se,
também, uma globalização das biografias. Percebe-se, assim, um processo de conexão entre culturas, pessoas e
locais que tem modificado o cotidiano dos indivíduos.
O efeito da globalização sobre a identidade cultural não é unívoco. Global e local não se excluem, mas se
interligam numa relação dialética na transformação de identidades. De um lado, as identidades nacionais são
enfraquecidas pela convivência com interesses de natureza global e, por outro lado, veem reforçada sua tarefa
simbólica de produzir pertença, resultado de uma reação às indeterminações e aos esvaziamentos provocados pela
globalização.
Do mesmo modo, em vez de as diferenças desaparecerem no meio da homogeneidade cultural perpetrada
pela globalização, que influencia a um só tempo todas as realidades particularidades do planeta, novas fórmulas
identitárias, passam a conviver com as identidades nacionais em declínio, ou até mesmo assumem o seu lugar.
Dessa forma, local e global se interligam, fazendo com que novas identidades surjam, outras se fortaleçam, algumas
enfraqueçam e outras encontrem seu ponto de equilíbrio.
Nesse ponto, ao analisarmos o impacto dessas questões para a área propriamente jurídica, chegamos à
conclusão que numa sociedade multicultural, a universalidade dos direitos humanos será sempre analisada pelas
inúmeras diferenças que constituem a humanidade presente em todas as experiências históricas. A universalidade
preocupa-se em atender ao que é comum aos indivíduos como tal, no entanto, a singularidade de cada cultura
reivindicará, face a desigualdades, aquilo que constitui parte do homem representada em sua particularidade.
É pacífico que numa sociedade que possui uma diversidade significativa de culturas distintas produzirá um
número elevado de representações, imagens e discursos que simbolizam as posições e os limites de ideais entre si.
A grande celeuma, sobretudo, se instala quando a cultura adquire um patamar localizado, inclusive, acima
dos direitos humanos, quando potencializa e protege as características da coletividade mesmo quando isso implica
desrespeito à dignidade de alguns de seus integrantes. Os direitos humanos como tal cobram um respeito recíproco
entre as culturas, as quais não poderão negociar a validade e a abrangência de ditos direitos em favor de interesses
comunitários. Da mesma forma, o Estado não pode negar ao seu cidadão os direitos humanos, também as razões
de ordem cultural, religiosa e ética não poderão se sobrepor aos direitos que são devidos ao homem em função de
sua humanidade.
É necessários o reconhecimento e a aceitação das diferenças culturais que traduzem formas particulares de
se produzir uma dignidade mundial. Dessa forma, a diversidade se constitui como fonte de inventividade e de
renovadas riquezas autênticas merecedoras de proteção. A celeuma, contudo, reside em práticas culturais que
impõem um comportamento inadequado para parte de pessoas dessa mesma cultura, ocasionando, assim, uma
espécie de poder e de autoridade hierárquica. Inclusive, a Declaração Universal da Unesco sobre a diversidade
cultural busca limitar as experiências de diversidade quando reza que “ninguém pode invocar a diversidade cultural
para fragilizar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem limitar seu alcance”
Numa sociedade em que as diferenças são cada vez mais claras e desafiadoras do consenso, não seria
salutar que as portas de cada cultura se fechem e impeçam olhares de fora para dentro e de dentro para fora.
A tarefa dos direitos humanos é permitir que todos os homens, em igualdade de condições, acessem o
mundo com liberdade e dignidade, independentemente dos vínculos que possuam. Dessa forma, faz-se necessária a
promoção de um diálogo intercultural que fortifique as demandas comuns do homem e as instituições democráticas
para resolvê-las, facultando uma conversação na qual todos os interessados possam em igualdade de condições,
manifestar as suas preocupações e diferenças, na procura de respostas para os problemas que são interculturais.
Dessa forma, os direitos humanos não podem provocar o choque de civilizações, caso contrário estará
servindo para a opressão cultural. No entanto, as concepções tradicionais de direitos humanos albergam em si
concepções caracteristicamente liberais, quais sejam: universalidade do indivíduo, certa forma de organização do
Estado, dignidade absoluta, superioridade da natureza humana.
Por todo o exposto, é nesse sentido que a antropologia jurídica faculta renovado entendimento às questões
relacionadas aos direitos humanos. Assim, não serão eles mais vistos sobre a antiga bandeira de conquista do
Oriente pelo Ocidente, do Sul pelo Norte. Assim, para que a afirmação dos direitos humanos no plano internacional
realmente corresponda a um projeto cosmopolita, é necessário o respeito de certas premissas.
A busca da unidade humana equilibrada na compreensão da diversidade cultural é parâmetro para as atuais
discussões comuns às duas disciplinas. Nesse sentido, seja na busca por renovado entendimento dos
enfrentamentos pluralistas no campo jurídico, nos efeitos da mundialização ou na visão contemporânea dos direitos
do homem, o terceiro humanismo em seu enquadramento jurídico surge como um campo de investigação dos mais
importantes.
Em relação aos povos indígenas relatamos um fato ocorrido em meados de 1988 quando em uma reunião
anual dos tuxauas, onde se discutia a demarcação da terra indígena Raposa Terra do Sol. Em determinado
momento da reunião um dos tuxauas levantou-se e propôs que explicassem o significado dos termos Constituição e
Constituinte. Explicaram que “a Constituição garantia direitos e limitava o poder. Ao terminar sua explicação, um dos
membros da comunidade levantou-se e disse:
“Essa tal Constituição é coisa boa, está certo o que os brancos estão fazendo. Nós também temos que
fazer uma Constituição para nós, para deixar escrito e sabido quem é que pode entrar em nossas terras e quem tem
que ficar fora, quem é que diz onde podemos construir nossas casas e fazer nossas roças e quando são nossas
festas”.
A sabedoria do tuxaua macuxi era capaz de ver que o Estado e o Direito dos brancos que sepretende
universal, geral e único, é parcial, especial e múltiplo. E odisse reclamando uma identidade jurídica que reflete uma
prática escondida, escamoteada e não raras vezes proibida pelo nosso sistema jurídico. O tuxaua entendeu em
poucos minutos o que nossa cultura constitucionalnão logrou compreender em 200 anos de puro estudo e reflexão: a
uma sociedade que não é una, não pode corresponder um único Direito, outras formas e outras expressões haverá
de existir, ainda que simuladas, dominadas, proibidas e, por tudo isto, invisíveis.
Conclusão:
O livro escrito por vários autores tem por finalidade sistematizar e organizar ideias de cada um, tendo grande
quantidade de pensadores para não haver uniformidade e mesmo pensamento sobre tal assunto. Assim abordam o
pluralismo jurídico, o qual é tema central da obra, que vai contra o pensamento ocidental da época, constituído pelo
etnocentrismo e evolucionismo junto com os conceitos de povos primitivos, selvagens e subdesenvolvidos. O
pluralismo jurídico tem por função englobar e estudar todos os povos e sociedades. A antropologia é uma matéria
zetética e generalizadora, a antropologia jurídica também, porém se restringe a área jurídica, analisando direitos e
regras que disciplinam outras populações, mostrando que há outras visões de mundo no modo de disciplinar algum
grupo, fugindo de um pensamento preconceituoso e empírico que era a antropologia do século 19. Além disso a obra
mostra uma visão francófona, diferenciando e mostrando diferentes concepções sobre a disciplina além de sair de
um ponto de vista anglófono que era o pensamento predominante.
Conclusão
Godelier foi importante para elucidar os termos de tribo, sociedade, etnia e comunidade, e mais do que isso,
deu grande reconhecimento a essa forma de sociedade que é a tribo. A tribo não se funda em simples relação de
parentesco, ela se projeta também no campo político e religioso, trazendo consigo os valores de sua etnia. Quando
o Estado surge, a tribo pode se extinguir ou se manter, sendo que no segundo caso o importante é saber partilhar da
soberania de forma proporcional entre duas partes.
Conclusão
Considerando a evolução que se seguiu até ao atual posicionamento da Ordem Jurídica em relação aos
povos indígenas, percebe-se uma constante luta (e não só pelos indígenas!) pelo reconhecimento. A atuação dos
irmãos Villas Bôas procurou proporcionar as condições necessárias para que os povos indígenas do Xingu
pudessem ser reconhecidos pelo valor de sua cultura.