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CADERNO – INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA GERAL E JURÍDICA – CLÁUDIA


ALBAGLI

AULA 01 – EVOLUÇÃO DO DIREITO

DIREITO  JUSTIÇA  JURISPRUDÊNCIA


DIREITO  NORMA  POSITIVISMO JURÍDICO
DIREITO  CULTURA  CULTURALISMO
JURÍDICO
DIREITO  LINGUAGEM  PÓS POSITIVISMO

 Inicialmente a ideia de direito esteve muito vinculado à justiça. Trata-se de uma


concepção correta porém não absoluta, uma vez que o conceito de justiça pode
ser relativizado, sendo, mais eficaz o estabelecimento de normas visando ao
combate do considerado injusto;
 De acordo com a historiografia, diversas ações, inclusive governamentais,
embora ferissem direitos humanos, foram legalizadas, como por exemplo,
algumas práticas cruéis contra os considerados infiéis pela Santa Inquisição
durante a Idade Média;
 A partir do final do século XVIII e início do século XIX, período marcado por
intensas transformações na história humana, a exemplo da Revolução
Francesa, ocorreu um processo de racionalização do conhecimento, ou seja, o
desejo de sistematizá-lo de uma maneira mais eficaz (desencantamento do
mundo para Max Weber). O direito passa, portanto, a vincular-se às normas,
regras que visam impor formas de conduta em direção à manutenção do
convívio social harmônico;
 Em seguida, o conceito de direito passa a ser aprimorado, sendo considerado
fruto das manifestações culturais de uma sociedade e de uma determinada
época. Por exemplo, o consumo de bebida alcóolica é proibida por lei em
países como Barein independentemente da idade, entretanto, isso não pode
ser afirmado no Brasil, tendo em vista a legalidade para maiores de 18 anos;
 Por último, é importante estabelecermos um paralelo entre norma-regra
(vinculada às condutas – inflexíveis) e norma-princípio (vinculada à
interpretação). A linguagem é tida, de agora em diante, como o principal
instrumento de uso do direito pelo fato das leis valorizarem, também,
princípios como o equilíbrio, a igualdade, a dignidade, entre outros. Os
operadores, devem, assim, redigi-las apresentando um discurso que as
justifiquem (comprovem, validem...);
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 Na contemporaneidade, a Tripartição de Poderes, ideia sintetizada por


iluministas como Locke e Montesquieu, ainda é levada em consideração.
Todavia, um dos maiores debates atualmente consiste na sobreposição do
poder judiciário em várias civilizações, o que viola o princípio da independência
e do equilíbrio entre os três. Entretanto, em regiões onde regimes
democráticos se consolidaram, um marco comum consiste na presença de um
poder judiciário forte, consolidado e eficaz;

AULA 02 – DIREITO, SOCIOLOGIA JURÍDICA E PARADIGMAS

 A Sociologia traz um olhar que transcende o ambiente meramente jurídico,


estabelecendo uma ponte (conexão) com a sociedade, compreendendo as
possibilidades de impactá-la;
 Segundo Ana Lúcia Sabadell, a Sociologia seria a janela de um ônibus, o qual
representaria o direito, oferecendo-lhe, portanto, uma visão mais ampla e
externa da sociedade;
 A Sociologia contribui significativamente com o direito antes, durante e depois
– demonstra as expectativas da sociedade em relação ao direito e os impactos
das normas em um convívio social bem como as consequências de
determinadas sanções;
 A Sociologia ainda carece de maior reconhecimento e de maior uso no âmbito
jurídico;
 A Sociologia passou a, de fato, ganhar um cunho científico a partir do século
XIX, dedicando-se ao estudo das relações sociais. A Sociologia jurídica consiste
em um ramo pertencente à Sociologia Geral;
 Entre os principais autores podemos destacar a figura de Eugen Ehrlinch,
responsável por sintetizar a concepção de que a premissa da norma é a
sociedade. Além disso, se opôs à visão positivista do direito, buscando um
olhar mais social e pautado no direito-vivo, ou seja, o direito estaria nas
relações vivas da sociedade;
 A Sociologia interage, assim, de forma dinâmica e permanente com o Direito,
não ocorrendo o estabelecimento de qualquer hierarquia;

PARADIGMA DOGMÁTICO PARADIGMA SOCIO-JURÍDICO


Monismo jurídico – busca por considerar Pluralismo jurídico – direito produzido
somente como norma aquilo que o difusamente pela sociedade, respeitando à
Estado determinou, sendo uma óptica ideia de licitude mas estabelecendo suas
mais perceptível a partir da formação dos próprias regras (PLURALISMO =
Estados Nacionais (século XVI); DIVERSIDADE = ORGANICIDADE SOCIAL).
Ex: A comunidade anárquica de
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Chiristiânia, na Dinamarca é um exemplo


de Pluralismo jurídico, todavia, o mesmo
não se pode afirmar das milícias e
organizações sociais criminosas;
Prática técnico-formal – relaciona-se com Prática empiricamente inserida – vertente
o direito dogmático e com as normas- defendida pela Sociologia, valorizando-se
regras, admitindo raro espaço para a a capacidade interpretativa e a fixação de
valorização da interpretação e da normas-princípio, ampliando o ramo de
subjetividade humana. Contribui para um atuação da subjetividade humana e de um
direito mais frio e, às vezes, injusto; olhar mais humano direcionado para as
especificidades de cada contexto social;
Crença na segurança jurídica - a Crença no ideal de justo - Já a sociologia
dogmática jurídica acredita que o jurídica crê que o ordenamento é
ordenamento jurídico é completo, não incompleto, porém completável, agindo
havendo a existência de lacunas jurídicas com uma abertura zetética, buscando pela
e, por consequência, a completude do realização da justiça através da valorização
Direito dá uma maior sensação de de princípios
segurança jurídica, ou seja, maior
estabilidade;
Ordem e completude do ordenamento – Interpretação sociológica – busca
crença na completude do ordenamento interpretar as normas jurídicas através das
jurídico como já mencionado relações sociais e das especificidades de
anteriormente cada sociedade, preenchendo possíveis
lacunas do ordenamento jurídico

OBS: A coisa julgada vincula-se à segurança jurídica e à maior estabilidade, todavia,


algumas raras exceções podem ocorrer como a relativização da coisa julgada e a
inconstitucionalização da coisa julgada;

AULAS 03 E 04 – ÉMILE DURKHEIM E O POSITIVISMO FILOSÓFICO

 Émile Durkheim, assim como Max Weber e Karl Marx, integra o grupo dos
sociólogos clássicos por serem os primeiros a aderirem um caráter científico
para analisar a sociedade;
 Durkheim apresentou uma linha de pensamento com grande influência da
Filosofia Positivista de Saint-Simon e Comte, admitindo uma aproximação
entre as ciências sociais e as ciências da natureza – os fenômenos sociais
seriam regidos, também, por leis naturais;
 Crença na objetividade, neutralidade e imparcialidade científica;
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 Durkheim buscou compreender como as transformações (novas relações de


produção, aumento da concentração fundiária, expansão de princípios
liberais...) resultantes de processos revolucionários marcantes do século XVIII
(Revolução Industrial e Revolução Francesa, por exemplo) impactaram na vida
humana em coletividade;
 Crença de que a humanidade estaria em constante evolução e
desenvolvimento entrelaçado ao conhecimento científico. Esse lema positivista
influenciou a elaboração da bandeira nacional brasileira com os dizeres “Ordem
e Progresso”;
 O objeto de estudo da sua sociologia são os fatos sociais – comportamentos
coletivos que pela sua permanência e extensão são dotados de uma
autonomia, independente das individualidades;
 São considerados fatos sociais – o direito, a economia, a religião... Na
contemporaneidade, as redes sociais podem ser associadas a um fato social;
 Os fatos sociais são coercitivos (impostos), exteriores (é sobreposto da
coletividade para o indivíduo) e gerais (não se limitam a um grupo reduzido de
indivíduos);
 Durkheim, ao apontar para a consolidação dos fatos sociais, distingue maneiras
de ser e maneiras de agir. As maneiras de ser apresentam um forte grau de
consolidação, admitindo raras mudanças e questionamentos, como os
princípios religiosos. Todavia, a moda, por exemplo, é vista por Durkheim como
um fato social de baixo grau de consolidação;
 Representações coletivas – é a forma da sociedade ver a si própria, sendo os
fatos sociais transferidos de geração para geração. Por exemplo, na Bahia é
nítida a presença de um sincretismo religioso;
 Valores – consequências mais difíceis de serem superadas, como os valores
religiosos;

Consciência Coletiva (CC) x Consciência Individual (CI) – Nas sociedades com


baixa divisão do trabalho prevalece, segundo Durkheim, a consciência coletiva,
sendo observada uma semelhança nos comportamentos individuais
(homogeneidade comportamental) e menor grau de complexidade (CC > CI).
Analisando-se as sociedades mais complexas, é nítida, para o sociólogo, a
presença de uma maior divisão do trabalho, culminando em uma
interdependência acentuada entre os seus membros (CC < CI).

SOLIDARIEDADE CARACTERÍSTICAS
MECÂNICA  Os laços sociais são resultantes da
manutenção de comportamentos;
 Sociedades menos complexas
economicamente;
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 Os seres se comportam de formas


semelhantes;
 Baixa divisão do trabalho;
 Sociedade mais homogênea;
 CC > CI
 Coerção imediata, violenta e
punitiva;
ORGÂNICA  Os laços sociais são mantidos pelas
dessemelhanças (diferenças);
 Sociedades mais complexas
economicamente;
 Diversificação dos papéis sociais;
 Interdependência mais acentuada
entre os indivíduos;
 Maior divisão do trabalho;
 Sociedade mais heterogênea;
 CC < CI;
 Coerção formal e mediata;

 Direito como um indicador social – Para Durkheim, o direito é um fato


social, servindo como um indicador das solidariedades;
 Em uma solidariedade mecânica, há o direito repressivo cuja finalidade
consiste em coibir possíveis comportamentos desviantes;
 Em uma solidariedade orgânica, há o direito restitutivo cuja finalidade
consiste em restituir o indivíduo após o descumprimento da relação de
interdependência (contrato);
 O contrato, de acordo com Durkheim, é um instrumento apto a
conectar diferenças, não necessariamente relações escritas;
 O crime seria um fato social normal, uma vez que encontra-se inerente
a qualquer sociedade, consistindo em qualquer atitude que venha a
gerar instabilidade na consciência moral coletiva;
 A pena teria a finalidade de manter a coesão social e garantir a
estabilidade da consciência moral predominante;
 Anomia (“a” + “nomos”) – ausência de norma ou desregramento
Modernidade  solidariedade orgânica  excesso de especialização 
enfraquecimento dos laços sociais  anomia

Outros autores além de Durkheim, realizaram concepções e discorreram


sobre a anomia
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 Na óptica durkheimiana, a mudança de complexidade da sociedade


impacta em uma maior divisão do trabalho. Todavia, é necessário
cautela pois o aprimoramento excessivo das habilidades individuais
poderia conduzir a uma menor coesão social, enfraquecendo as
relações sociais (anomia);

 Aplicação da anomia na contemporaneidade:


a) Ineficácia da norma – Quando a norma não produz o efeito necessário,
causando um desregramento social;
b) Ausência de poder – (ex: favelas) - o Estado perde espaço, causando-se uma
desordem social como o que costuma acontecer com as greves da polícia;
c) Multiculturalismo - É a anomia com efeito positivo, fruto do encontro de
culturas que contemplam diferenças, sendo o caminho para a convivência
das diferenças, simbolizando o rompimento com a e estrutura jurídica rígida
vigente;

AULA 05 – A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA DE MAX WEBER

 Assim como Durkheim e Marx, Weber é considerado um sociólogo clássico por


ser um dos pioneiros a conferirem um caráter científico à Sociologia;
 Aspectos históricos – Weber, assim como Durkheim, analisa as transformações
na Europa, no século XIX, devido à Revolução Industrial (aspectos econômicos e
sociais) e à Revolução Francesa (aspectos políticos);
 O pensamento de Weber se desenvolveu na Alemanha, país que se unificou
tardiamente (1871) em relação à maioria dos Estados europeus, evidenciando-
se, portanto, que esses países não acompanharam mesmos níveis de
desenvolvimento;
 A Sociologia de Weber ficou conhecida como compreensiva, devido à
valorização da interpretação acima da explicação, buscando analisar as
especificidades de cada sociedade bem como as condições histórico-culturais
em que foram formadas;
 A Sociologia de Weber associa-se a diferentes outros ramos do conhecimento –
Religião, História, Economia, etc... – análise não estanque sociológica;
 Reconhecimento de um processo de racionalização – necessidade de analisar
os processos sociais de forma objetiva e pautada em ópticas racionais;

 Influências teóricas:
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 Dilthey – método compreensivo – método interpretativo baseado na


reconstrução histórica dos fatos para possibilitar uma melhor compreensão
acerca da realidade social;
 Rickert – ciência da realidade – defesa de que o estudo sociológico se limita a
fragmentos da própria realidade do pesquisador. Além disso, há, mesmo que
involuntariamente, influência das subjetividades e preconceitos do sociólogo na
construção do processo científico;

 Para Weber, os tipos ideais constroem as ciências sociais. Os tipos sociais


seriam conceitos teórico-abstratos com base na realidade-indução, ou seja,
indicar conceitos abstratos para analisar conceitos concretos;
 Ex: Religião, Direito, Economia, etc...;
 Religião – após a realização de análises sobre diferentes religiosas busca-se
extrair o que há de comum entre elas (cultos + símbolos + rituais + lugar
sagrado...)

 Características dos tipos sociais:


 Unilateralidade – escolha de um fragmento da realidade social (uma das
interfaces desses fenômenos sociológicos)
 Racionalização – busca por objetivar o estudo ao relacionar elementos distintos
 Utopia – Não se caracteriza em nenhuma realidade específica;

 Dominação legítima – aquela na qual o dominado aceita a dominação como se


fosse a sua própria vontade (o dominado não se percebe na condição de
dominado);
 Não há uma relação de coerção – inexistência de mecanismos explícitos;
 Classificação ou formas de dominação legítima:

 Tradicional – resultam de uma relação de tradição, assimilada por gerações


sucessivas (ex: comportamentos semelhantes ao longo da estrutura familiar);
 Carismática – forma de dominação quando um indivíduo segue outro por se
identificar com seus ideais, sem perceber o real poder de impacto desse líder
(ex: líderes religiosos e políticos – Papa, Hitler, Getúlio Vargas, Hugo Chávez) –
nem sempre configura uma liderança negativa e geralmente se associa à
repetição de comportamentos ou ideias;
 Racional-legal – característica da Idade Moderna, consiste naquela exercida
pelo Estado – dominação exercida pelas leis, responsáveis por moldar ações e
comportamentos humanos que, aos poucos, serão reproduzidos naturalmente
(ex: necessidade de parar no sinal vermelho sinalizado por um semáforo) –
associa-se com o atributo “legitimidade” das normas jurídicas;
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 Para Weber, a monarquia seria um atraso para a Europa;


 Para Weber, sempre existiram formas de dominação legítima mas as
predominantes foram reconfiguradas ao longo do tempo;
 Weber defendia que a partir de uma dominação racional-legal unida à
burocracia, ocorreria a extinção de qualquer reminiscência do passado político
europeu;
 Vinculada à dominação racional-legal encontra-se a burocracia (do francês
“bureau”), um processo de racionalização das relações e se materializaria em:

 Procedimentos previamente definidos – Cabe ao Estado antecipar, tornar


previsível e democratizar previamente as normas visando à obtenção de um
caráter equitativo (garantia de maior segurança jurídica aos cidadãos);
 Divisão de competências funcionais – Necessidade do Estado repartir as
competências e funções relacionadas a determinadas normas. Dessa forma,
auxilia o cidadão a ter consciência sobre a quem se referir ou a quem procurar
em determinada situação;
 Ascensão por meritocracia – Defesa da ocupação dos cargos estatais pelo
mérito e aptidão, ou seja, aqueles mais preparados intelectualmente deveriam
assumir o poder;

 Weber buscava entender quais as questões que originaram a economia


capitalista. Assim, percebeu que havia um relação entre economia e o Estado
(relação de causa e efeito), ou seja, quanto mais o Estado usou a forma de
dominação racional-legal, mais ele propiciou e consolidou o sistema capitalista
na economia. Weber percebe que a economia necessita para seu
funcionamento a existência de mecanismos que assegurem as relações
econômicas (no Direito, instrumentos jurídicos como o contrato, por exemplo).
Direito, Economia e Estado estão numa relação de interferência recíproca,
concluindo-se que o Direito é um instrumento necessário para a Economia
assim como a Economia é necessária para o direito.

 Ordens jurídicas e ordens econômicas – Direito x Economia x Estado

 Direito e economia baseiam-se em premissas distintas mas também


apresentam pontos de intersecção através de relações de causa e efeito;
 Direito trabalha com o dever-ser (plano abstrato e ideal) enquanto a
Economia trabalha com o ser, ou seja, com os fatos concretos da sociedade;
 Existem duas principais situações que evidenciam a relação de causa-efeito
entre Direito e Economia:
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 Primeira situação – Direito causa  Economia efeito : Weber aponta


para a concepção de que o Estado capitalista somente se consolidou
devido a um aparato jurídico que garante as bases de certeza e
segurança. Ex: O Metalismo era o objetivo central inicial das Grandes
Navegações; Ex: Um contrato garante a possibilidade de retirar dinheiro
no banco;
 Segunda situação – Economia causa  Direito efeito: O sentido inverso
também pode acontecer, uma vez que a Economia pode trazer novas
demandas, culminando na necessidade de reinventar o Direito visando
à adequação às novas demandas de mercado. Ex: Contratos de franquia
e contratos de Leasing;

Weber x Kelsen (Daniel Barile)

 Weber também se dedicou à Teoria do Direito, apontando para a


distinção entre Validade ideal e Validade empírica:
 Validade ideal – Contempla as normas prescritivas de comportamentos
ou proibições. Nem sempre o estabelecido pelas normas é,
verdadeiramente, cumprido;
 Validade empírica – Observação da eficácia das normas jurídicas, sendo
a Sociologia responsável por analisar de que forma o Direito se
concretiza em sociedade sob um viés científico;

 Método lógico-normativo (plano ideal)  dever-ser;


 Método empírico-causal (plano real)  plano de ser;

 Hans Kelsen afirma que a Dogmática Jurídica é a única ordem científica


autônoma. A Sociologia recorre ao direito, evidenciando uma
hierarquia;
 Ambos concordam em um ponto: a diferenciação do dever-ser
(formal) e ser (real);
 Weber discorda ao apontar para a possibilidade da coexistência entre
ambas por apresentarem objetos e métodos distintos;

Referências:

Manual de Sociologia Jurídica – Rodrigues

AULAS 06, 07 E 08 – O ESTUDO DE KARL MARX E O DIREITO


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 Biografia: Alemão, formado em Direito, entra para o Doutorado em Filosofia e


tenta, sem sucesso, se tornar professor da universidade da sua cidade por
pertencer a um grupo que seguia os ideais críticos de Hegel.
Ao começar a trabalhar em um jornal, conhece Frederich Engels que se torna
seu grande parceiro na elaboração de suas obras devido ao tom crítico das suas
obras de análise econômica do sistema capitalista durante a Revolução
Industrial. Marx se estabelece, por fim, na Inglaterra;

Referenciais teóricos:

1. Hegel – Para Hegel, o conhecimento é processual (construído através de um


ciclo de existência) e esse processo se dá entre consciência e experiência;
Marx leva em consideração a existência de uma dialética, porém, entre
outros dois conceitos – Homem e Natureza (ambiente), intermediada pelo
trabalho. Portanto, Marx critica Hegel pelo fato do segundo sintetizar uma
dialética baseada numa visão idealista e Marx se dirige a uma óptica
baseada no plano das relações materiais;

OBS: O trabalho seria a atividade de produção responsável por modificar a sociedade,


onde o homem ao entrar em contato com a natureza, possui a capacidade de
transformá-la;

HOMEM  CAPACIDADE DE PRODUZIR  SURGIMENTO DE NOVAS NECESSIDADES

 Marx buscou entender rigorosamente o funcionamento da lógica capitalista.


Para Marx, a economia capitalista se vale da capacidade de produzir para obter
lucro, explorando elementos do ciclo anteriormente mencionado. Além de se
nutrir pela capacidade de produção, o capitalista também se nutre pelo
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surgimento de novas necessidades (formação da sociedade de consumo), o que


contribui para estimular, ainda mais, o setor produtivo;

 O Materialismo Marxista é dialético uma vez que considera os fenômenos


materiais processos possíveis de mudança. A consciência não é consequência
passiva da ação da matéria, por isso pode reagir sobre aquilo que a determina.
O conhecimento liberta o homem por meio da ação deste sobre o mundo,
possibilitando inclusive a ação revolucionária de mudança;

 O Materialismo Histórico é, portanto, o método formulado por Marx,


propondo estudar as sociedades a partir das relações materiais construídas ao
longo da história. Esse método contribui para que Karl Marx seja considerado
um sociólogo clássico, ao conferir um caráter científico com método específico
ao estudo das sociedades humanas;

OBS: Para Karl Marx, o capitalismo se fortalece a partir de suas próprias crises;

2. Feuerbach – Em sua obra “A essência do cristianismo”, desenvolve um


pensamento em um contexto marcado por uma gradual ruptura com uma
mentalidade teocêntrica preponderante. Para Feuerbach, Deus é uma
criatura supra-humana criada pelo próprio homem visando à fuga de
questões inerentes à própria existência humana. Ocorre também uma
grande crítica à Igreja pelo fato dessa se consolidar como uma estrutura de
poder, de dominação e, consequentemente, de alienação;

Para Feuerbach, a Igreja seria uma estrutura alienadora, retirando do


indivíduo a capacidade de perceber-se na real condição da pessoa humana,
ou seja, contribuindo para o atrofiamento da capacidade crítica dos
cidadãos;

A saída apontada por Feuerbach seria a atividade contemplativa da


natureza uma vez que contribuiria para o homem se perceber na real
condição da pessoa humana a partir da aproximação e do contato
harmônico com a natureza;

 Marx concorda em parte com Feuerbach, aderindo ao conceito de


“alienação”. Entretanto, na obra “11 teses contra Feuerbach”, Marx discorda
acerca da saída apontada pelo autor, sendo a luta (prática) a alternativa
mais eficaz que contribuiria para emancipar e capacitar os indivíduos;
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 Marx influencia o Catolicismo Social, ou seja, uma vertente socialista do


Catolicismo – Encíclica Rerun Novarum – Papa Leão XIII – vertente associada
mais às questões sociais;

 O capitalismo, portanto, se consolida a partir de mecanismos alienadores,


contribuindo para que os dominados não se percebam na condição de
dominados.

 Marx expande o termo alienação para as relações sociais e do trabalho,


afirmando que o mercado é uma forma de alienação pois ele distorce a
nossa realidade e somos, portanto, explorados nas relações de trabalho;

 Essa perspectiva é explícita na linha de montagem uma vez que a acentuada


divisão do trabalho contribui para que o operário não se veja como parte da
produção, não tendo consciência da totalidade do processo produtivo e tão
pouco usufrui daquilo que fora produzido;

 Karl Marx e o direito:

 Inexistência de uma teoria do direito;


 O direito como expressão da classe dominante;
 Rechaço à propriedade privada;

Marx apesar de nunca ter dedicado uma de suas obras exclusivamente ao


Direito, criticou em diversas ocasiões o chamado “direito burguês” pois este seria
um instrumento criado pelas elites visando à manutenção das classes dominantes,
ou seja, o direito é feito pelo burguês para o burguês. Resumindo, para o autor, o
direito seria mais um mecanismo de manutenção ao invés de transformação.

OBS: Nem sempre uma elite é representada pelos mais ricos, inclusive, podemos
falar em várias elites a depender do exercício do poder em determinada esfera
(intelectual, política, econômica, etc...). Por exemplo, no contexto atual marcada
por uma pandemia, os cientistas assumiram o protagonismo intelectual. Dessa
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forma, a concepção de elite para Karl Marx entrou em descrédito na


contemporaneidade pelo fato do autor admitir somente os aspectos econômicos.

O segundo ponto de crítica de Karl Marx ao direito é relacionado à propriedade


privada, objeto que é negado por Marx na sua condição jurídica pelo fato dessa
constituir um direito absoluto, contribuindo para a acumulação de riquezas e,
consequentemente, para a manutenção de desigualdades socioeconômicas.
Destarte, Marx sintetiza a necessidade da estatização das propriedades a fim de se
realizar uma nova distribuição, sendo um caminho para o Comunismo.

A função social da propriedade privada consiste na obrigatoriedade de que seja


dada a propriedade com a finalidade social, não servindo apenas à acumulação de
riquezas. Nesse sentido, o que encontra-se em questão é a garantia de benefícios
sociais. Essa visão chega ao Brasil tardiamente, ocorrendo apenas com a
elaboração da Constituição de 1988 e, posteriormente, do Código Civil

 Crítica à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1793 – pós-


Revolução Francesa);
 Relevância histórica do documento;

Esse documento apresentou um caráter internacional, transcendendo


fronteiras e importante tanto na Europa quanto para o mundo todo, sendo
constituído de princípios como a ideia de que todos os homens nascem livres e
iguais. Marx criticou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão por
considerar um documento extremamente progressista e distante da realidade
vigente.

 Direito dos homens e dos cidadãos – natureza de autodivisão social. A


representação do homem x cidadão;

Marx critica as contradições existentes na Revolução Francesa, iniciando pelo


próprio título da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. Nesse sentido, a
separação entre homem e cidadão evidencia a própria autodivisão social existente
na França uma vez que esses termos constituem uma mesma pessoa. Ademais, o
capítulo referente aos direitos dos homens (direitos particularizados – de usufruto
dos indivíduos) é bastante extenso comparado ao capítulo referente aos direitos
dos cidadãos. De acordo com Marx, esses direitos particularizados e específicos
eram destinados exclusivamente à burguesia.

 Crítica ao lema de Liberdade, Igualdade e Fraternidade


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Outro aspecto criticado por Marx foi o lema “Liberdade, Fraternidade e


Igualdade”.

Liberdade: Não há imposições que venham a garantir a convivência das


liberdades. Nesse sentido, a crítica marxista ocorre devido ao fato de que a
liberdade era protegida de forma ilimitada. Dessa forma, a liberdade de um
acaba interferindo na liberdade do outro;
Igualdade: Não há medidas que efetivassem a igualdade entre os sujeitos.
Partindo desse pressuposto, somente era garantida a igualdade formal, isto
é, perante a lei, sendo ineficaz na prática;
Fraternidade: A fraternidade só garantiria a resolução de conflitos e
segurança a apenas uma parcela da sociedade. Nessa perspectiva, essa
segurança interna direciona-se aos parisienses e à propriedade privada das
classes privilegiadas;

A saída para Marx seria a luta por um direito de caráter emancipatório – garantidor
das autorrealizações, isto é, a possibilidade de decisões autônomas, assegurando a
cada indivíduo a fazer suas próprias escolhas.

Marx questiona a relação entre lei, ordem e poder autorizado, sendo a questão da
legitimidade bastante complexa. Essa visão fica mais clara no caso da colheita de
madeiras (aquele que corta a madeira vs aquele que somente retira um galho caído do
chão). O fato de ser produzido por uma autoridade legitima, não há garantia da ideia
de justo em relação a uma norma jurídica.

Marx defende a necessidade de adequação nas normas jurídicas para evitar


mesmas punições a condutas distintas. Outro ponto de crítica de Marx seria o fato da
pena ser convertida ao proprietário e não ao Estado, além de defender o papel
desempenhado pelos costumes na elaboração de leis (fonte principal no sistema de
common law). Por último, há uma crítica evidente à colocação do interesse patrimonial
acima do interesse vital humano e um resgate do conceito da proporcionalidade,
apontando para a importância do equilíbrio.

PROPORCIONALIDADE = ADEQUAÇÃO + NECESSIDADE + PONDERAÇÃO

Referências:

 A ideologia alemã – Karl Marx e Frederich Engels


 Filosofia do Direito – Alysson Mascaro
 Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens – J.J. Rousseau
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AULAS 09 E 10 – CONTROLE SOCIAL E O DIREITO


1. Controle social

1.1 – Conceito: É todo e qualquer mecanismo tendente a trabalhar e/ou


modificar o comportamento e ações dos indivíduos para viver em
sociedade, sendo o Direito um desses mecanismos de controle social,
trabalhando em conjunto com outros mecanismos.

1.2 – Controle primário: Compreende os primeiros mecanismos que afetam a


vida do indivíduo. Ocorrem nas primeiras instâncias de controle social que
é a família, onde modelamos nosso comportamento e moldamos nossas
ações.

OBS: Trata-se de um controle, conforme mencionado, típico do ambiente


familiar e, portanto, o Estado não possui a função de exercer esse controle
social primário, apenas encaminha a criança (órfão) para um conselho
tutelar ou órgão similar. Em síntese, o Estado apenas pratica um processo
de transição nesse quesito.

1.3 – Controle secundário: É o controle social exercido por instituições sociais


(escolas, instituições religiosas, clubes...). Essa também constitui o
processo de aprendizagem mas não substitui o controle primário,
proporcionando a adaptação dos indivíduos a novas situações.

1.4 – Controle social pelo direito: Também chamado de controle social


terciário, é o mecanismo de controle que atua principalmente após o
processo completo da formação do indivíduo. Situado na última fronteira
de controle social, o Direito é uma forma de controle social pelo fato de ser
institucionalizado. Dessa forma, o Direito se vincula às normas jurídicas,
interpretadas e aplicadas pelo Estado. Nessa perspectiva, o Estado detém
o monopólio da violência legítima – isto é, goza do uso e da aplicação de
sanções jurídicas (organizadas e previamente estabelecidas), constituindo
um poder coercitivo e soberano.

OBS: A eficácia do controle social varia a depender do Estado. A título


exemplificativo, é explícito que o controle social desenvolvido no Brasil é
menos eficaz em relação ao praticado na França.

2. Tipos de sanções:
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2.1 – Constritivas: São sanções que apresentam como objetivo constranger o


indivíduo para que ele atenda uma obrigação que ele não fez
espontaneamente, sendo um exemplo a busca e apreensão;

2.2 – Reparatórios: Tem como função reparar um dano causado, tentar


reestabelecer um status que foi danificado. Há momentos que é possível
reparar por completo o dano, podendo ser quantificado – Ex: consertar um
carro que se chocou em outro. Todavia, existem situações onde o dano é
irreparável, tendo o judiciário a função de aplicar uma sanção
compensatória. Os casos mais explícitos consistem nos danos morais e os
danos à imagem – por exemplo, um indivíduo que teve seus documentos
vinculados equivocadamente a instituições criminosas ou um cidadão que
ficou marcado pelo vazamento de fotos íntimas.

2.3 – Privativas de liberdade: Ocorre quando ao se descumprir dada norma


jurídica, o indivíduo sofrerá uma sanção que causará a privação de sua
liberdade. Tais sanções compõem, substancialmente, o Direito Penal e
basicamente limitam a circulação de pessoas.

3. Controle social e o sistema penal

3.1 - Funções declaradas e latentes: Trata-se da dicotomia entre normas


jurídicas escritas x normas não explícitas diretamente mas que existem na
sociedade. Em determinadas ocasiões, as normas jurídicas escritas acabam
se distanciando bastante da realidades social. Ex: Lei de execução penal
encontra-se muito distante do sistema existente em termos práticos;

3.2 – Perspectiva liberal-funcional: Reúne aqueles pensadores que entendem


que há questões problemáticas no sistema penal mas visam a encontrar
soluções dentro desse próprio sistema. Apesar de fazer inúmeras críticas
ao direto penal, o adeptos dessas vertente acreditam que apesar do direito
penal possuir diversas falhas, é necessário à organização da sociedade. Em
síntese, o sistema penal é funcional mas carece de mecanismos que
venham a solucionar internamente questões problemáticas. Ex: Lei
9099/95 - Criou os juizados especiais criminais na tentativa de solucionar
situações de maneiras menos formal, direcionado a crimes menos graves.
Outro exemplo seria o uso de tornozeleiras eletrônicas visando ao exercício
do controle em relação ao indivíduo.
117

3.3 – Perspectiva crítica ou conflitiva: Realiza críticas ao sistema penal porém


numa linha de compreensão voltada para um processo de repensar esse
sistema punitivo. A perspectiva conflitiva possibilita tornar explícitas as
questões mais difíceis de serem solucionadas com os recursos presentes
nos dias atuais. Essa linha de pensamento consiste em um dos ramos
contidos em uma concepção abolicionista. As principais críticas realizadas
por essa perspectiva são:

3.3.1 - Ilegitimidade do poder punitivo – O poder punitivo seria ilegítimo


porque apresenta um caráter higienista, servindo para limpar da
sociedade aquilo que é considerado como nocivo, perigoso,
arriscado. Além disso, há a questão da desigualdade de tratamento,
percebendo a influência que a classe social do indivíduo exerce no
caráter punitivo – os jovens da classe mais baixa são mais
rapidamente lançados para o sistema carcerário e possuem poucas
condições de reintegração social.

3.3.2 - Inexistência do bem e do mal – O crime, sendo uma espécie de


regra valorativa, encontra-se inerente a qualquer sociedade, sendo
variáveis apenas o número realizado e o grau de complexidade.
Destarte, a perspectiva crítica ou conflitiva tenta descaracterizar o
crime como uma patologia social, tendo em vista que todos
encontram-se sucessíveis a cometerem uma ilicitude.

3.3.3 - Inexistência da culpabilidade pessoal – Ao estudar penal, o crime


é típico (necessita ser uma conduta previamente tipificada),
antijurídico (confronta o sistema e a ordem jurídica) e culpável
(onde a culpabilidade é analisada individualmente pelo sistema
jurídico). Compreende a discussão acerca do ímpeto que conduziu o
indivíduo a cometer um crime. Nessa perspectiva, há a defesa de
que culpabilidade deve ser analisada socialmente e não
individualmente, compreendendo a dimensão social que engloba o
indivíduo. Um exemplo a ser considerado compreende os
denominados furtos famélicos, ou seja, aqueles que ocorrem para
saciar necessidades imediatas. Entretanto, deve-se ter cuidado para
não consolidar uma visão determinista (“nasceu na favela é
criminoso”)
118

3.3.4 - Impossibilidade de ressocialização – A perspectiva crítica ou


conflitiva questiona o próprio conceito de ressocialização. Partindo
desse pressuposto, percebe-se a incapacidade do ex-detento ser
ressocializado, pois além do preconceito e exclusão da sociedade, há
a falta de oportunidade quando ele termina sua pena. Por
conseguinte, o sistema carcerário serve, na prática, apenas como
um caráter punitivo.

OBS: Irving Goffman, Michel Foucault e Alessandro Baratta foram autores


estrangeiros que discorreram sobre essa temática.

No caso brasileiro, é possível a firmar a existência de um sistema carcerário


falido, isto é, ineficaz – o que envolve modelo de arquitetura, modo de
ocupação, administração, entre tantos outros fatores. O Brasil apresenta, hoje,
a terceira maior população carcerária do mundo com 812.000 pessoas presas,
ficando atrás apenas dos Estados Unidos (com 2 milhões 100 mil pessoas atrás
das grades) e China (1 milhão e 600 mil pessoas encarceradas).

3.3.5 - Seletividade do sistema penal: É quando se escolhe politicamente


o seu âmbito de tutela, o Estado já seleciona intencionalmente
quem irá compor sua "clientela", ou seja, quem serão seus
“criminosos”. Esse perfil pode ser reparado no sistema brasileiro,
onde a maioria dos detentos são jovens de 18-24 anos, negros e de
baixa escolaridade. Destarte, é necessário repensar essa
seletividade.

AULAS 11 E 12 – PLURALISMO JURÍDICO


1. Definição: É a ideia de que a sociedade humana é composta de diversos
ordenamentos jurídicos, constituindo diversas formas de direito convivendo no
mesmo espaço e tempo;

O Pluralismo jurídico caracterizado pela convivência entre diversos ordenamentos


jurídicos, opondo-se à perspectiva monista, baseada na percepção de que o Estado
seria o único centro produtor e aplicador das normas jurídicas;

2. Antecedentes históricos:
119

Boaventura de Sousa Santos crê que o Pluralismo Jurídico não é uma novidade na
sociedade pois em alguns momentos de história já se manifestava o Pluralismo
Jurídico. O autor cita, como exemplo, o contexto da Idade Média – momento em que
havia o sistema normativo dos nobres (suserano/ vassalo), da Igreja e do Senhor
Feudal;

Outro exemplo citado pelo autor remete ao período da colonização devido à


coexistência entre culturas. No período colonial, mais precisamente nos países
colonizados a imposição de uma cultura jurídica não se deu de forma automática.
Portanto, o período colonial evidenciou uma dicotomia entre colonizadores e
colonizados;

Por último, outro exemplo, Bonaventura de Sousa Santos cita os processos


revolucionários visto que a implantação de um novo direito não ocorre de forma
imediata. Destarte, os desdobramentos da Revolução Russa ilustram tal perspectiva
visto que esse processo revolucionário não conseguiu o devido êxito. Segundo alguns
teóricos, esse fracasso deveu-se à manutenção de aspectos inerentes ao regime
czarista;

3. Fundamentos:

a) Crise da legalidade política – a insuficiência do ordenamento jurídico conduz à


possibilidade do reconhecimento do Pluralismo Jurídico sob uma vertente de
complementariedade e não de refutação do direito estatal;

b) Sobreposição da realidade social sobre a realidade jurídica – a realidade social


se sobrepõe visto que se modifica através de um ritmo mais célere comparado
ao âmbito do direito. A título exemplificativo, pode-se citar o cenário atual
marcado pela pandemia do covid-19 que se sobrepôs à realidade jurídica;

c) Produção por novos sujeitos sociais – uma parcela populacional passa a se


organizar um torno de uma normatividade jurídica pelo fato de não ser
correspondido pelo direito oficial (monopolizado pelo Estado). Assim, esses
indivíduos passam a criar seus próprios ordenamentos jurídicos, ou seja, uma
lógica de relações a margem do Estado. A título exemplificativo, pode-se citar
os movimentos LGBT no início da sua trajetória;

4. Tipos de Pluralismo Jurídico:


120

4.1 – Pluralismo estatal: formas do direito que são criadas a margem do Estado
mas que se submete ao controle do Estado seja anteriormente ou
posteriormente à sua concretização. A título exemplificativo, pode-se citar
as convenções condominiais, o que ilustra também o poder normativo dos
grupos sociais;

4.2 – Pluralismo comunitário: formas do direito que são criadas a margem do


Estado sem passar em nenhum momento pelo seu crivo ou controle. A
título exemplificativo, pode-se citar os movimentos sociais – como o MST.
Caso esses movimentos estivessem submetidos à tutela do Estado,
perderiam o seu poder de atuação, muitas vezes já limitado.

OBS: Apesar da luta coordenada pelos movimentos sociais conduzir a


conquistas legais (previstas por lei), esse Pluralismo permanecerá comunitário e
não estatal;

OBS: O critério para a definição de Pluralismo Jurídico submete-se ao conceito


de licitude determinado pelo Estado. Destarte, são excluídas as organizações
criminosas desse estudo;

5. Pluralismo no plano internacional – comentários:

Um exemplo de Pluralismo no plano internacional é a atual Comunidade Europeia


que é o resultado de um projeto de mais de 50 anos onde houve o processo de
assimilação de algumas características pelos mais diferentes países, havendo a
coexistência de um Direito Interno Próprio de cada país e um Direito Comunitário, que
está vigente em toda a Comunidade Europeia. Assim, caso haja uma antinomia entre
esses direitos, prevalecerá o da Comunidade Europeia, detentora de toda uma
estrutura institucional própria para o funcionamento da comunidade.

6. Pluralismo Conservador x Pluralismo Emancipatório (Antônio Carlos


Wolkmer):

6.1 – Pluralismo Conservador:

Para Wolkmer, Pluralismo Conservador é toda forma de pluralismo e direito


produzido pela sociedade que serve ao capitalismo - ou seja, são modelos jurídicos que
só servem para fortalecer mecanismos existentes na sociedade capitalista e gerar o
121

aumento da desigualdade social. A título exemplificativo, pode-se citar o processo de


descentralização administrativa e a globalização pois além de facilitar o Pluralismo
Jurídico, aumentam também a desigualdade.

O autor também retrata a denominada informalização do trabalho, também


associada à globalização, a qual é entendida como uma relação de trabalho a margem
de vínculos empregatícios e registros formais. Essa informalização do trabalho,
portanto, vai criando um rede de relações a margem do Estado, ilustrando um caso de
Pluralismo Jurídico. A título exemplificativo pode-se citar o fenômeno da uberização –
caracterizado pela existência de profissionais autônomos.

O Pluralismo encontra-se evidente também na privatização das empresas estatais,


isto é, a transferência de responsabilidades estatais para empresas privadas. Assim,
percebe-se um caso de Pluralismo Jurídico uma vez que as agências reguladoras
apresentam autonomia no exercício das suas regulamentações. A título
exemplificativo, pode-se citar as operadoras telefônicas – reforçando desigualdades
uma vez que os cidadãos são obrigados a se submeterem a determinadas imposições.

6.2 – Pluralismo Emancipatório:

Segundo o autor, o Pluralismo Emancipatório estaria vinculado a um objetivo de


emancipar, de tornar um sujeito emancipado. Essa nova perspectiva busca dar
protagonismo aos novos sujeitos sociais (campesinos, indígenas, negros, mulheres,
minorias étnicas e outros), muitas vezes não correspondidos pelo direito oficial
(Estado), sendo capaz de alcançar uma síntese da vontade geral.

Principais tópicos:

 Fundamentação na satisfação das necessidades especiais: a linha de corte


para definir um caráter emancipatório seria a busca por satisfazer
necessidades essenciais dos indivíduos. A título exemplificativo, pode-se
citar novamente o MST – voltado para a luta pela terra. O exposto
anteriormente justifica a exclusão das organizações criminosas do conceito
de Pluralismo Jurídico por essas não satisfazerem necessidades especiais;
 Legitimação de novos sujeitos sociais: é necessário que esses novos
sujeitos sociais tenham voz, estando legitimadas. O reconhecimento e a
legitimação desses novos sujeitos sociais apresenta suma importância;
 Ética da alteridade: é a parte romantizada do pensamento de Wolkmer,
definida pelo autor como as relações baseadas no respeito às diferenças;

AULAS 13 E 14 – ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E DIREITO


122

Classe social: olhar da Sociologia e do Direito –

É a discussão da existência das classes sociais em uma sociedade ou o que proporciona


a criação e estabelecimento dessas classes sociais.

Utilizando o olhar da Sociologia, trata-se de ver a sociedade com diferenças e


estratificações. A título exemplificativo, quando se analisa o perfil dos alunos de uma
sala de aula jamais a Sociologia compreenderá um caráter homogêneo (com a
presença de meros estudantes) mas dará ênfase às diferenças – se há mais brancos ou
negros, quantos usam óculos, quantas mulheres e homens existem.

Por outro lado, há um discurso da neutralidade do Direito no seu aspecto abstrato,


isto é, a busca por tratar os grupos sociais da mesma forma. Destarte, conclui que o
Direito é pensado para todos de forma igualitária, não havendo diferenciações no
momento da elaboração das normas jurídicas. Por exemplo, o Código Civil Brasileiro é
o mesmo válido para homens, mulheres, negros, brancos, católicos, evangelhos ou
qualquer outra condição.

Raimundo Nina Rodrigues consistiu em um médico baiano que era defensor da


corrente do racismo científico, ou seja, a sustentação através de aspectos biológicos da
hierarquia entre raças. Esse autor ficou conhecido após propor um Código Penal
distinto para brancos e negros, sustentando a máxima de que os segundos seriam mais
propensos à prática de ilicitudes. Apesar de não ter sido levado adiante, essa
passagem é bem interessante no direito brasileiro.

Abordagens sociológicas:

 Abordagem qualitativa – trata-se de uma abordagem sociológica, inspirada em


Karl Marx, que prioriza a qualidade do indivíduo perante a sociedade, ou seja, a
análise acerca de que forma o indivíduo se apresenta para a sociedade e como
a sociedade atua sobre ele. Nessa perspectiva, possibilita-se um olhar
sociológico conflitivo, responsável por evidenciar as eventuais contradições
existentes na sociedade. A título ilustrativo, pode-se citar a questão da
condição de empregador pois assim o dono de um barzinho e o dono de uma
empresa internacional são encaixados em uma mesma categoria, o que seria
impensável na abordagem quantitativa. Em síntese, é uma abordagem marxista
e generalista.

 Abordagem quantitativa - oriunda de Weber, como o seu nome diz, há de


categorizar as classes principalmente de acordo com critérios objetivos (como
123

critério de renda, critério étnico-racial, critério de gênero, critério etário...).


Ademais, a forma de estratificação social mais utilizada, atualmente, é baseada
na criação da Alta, Média-Alta, Média, Média-Baixa e Classe Baixa (A, B, C, D, E).
Ademais, em países como o Brasil, é evidenciada a presença de pessoas abaixo
da linha da pobreza (miserabilidade) – isto é, com a renda mensal corresponde
a um valor igual ou inferior a um quarto do salário mínimo (no Brasil, hoje, o
salário mínimo vale R$ 1100,00).

Sociedades de estratificação aberta x Sociedades de estratificação fechada:

Hoje, trata-se de uma tarefa difícil identificar sociedades de estratificação fechada, ou


seja, caracterizadas por uma baixa ou inexistente mobilidade social. A título
exemplificativo, pode-se citar o passado indiano, caracterizado por um sistema de
castas vinculado a aspectos culturais. Embora esse sistema tenha sido extinto, uma
parcela significativa da população ainda pensa como se ainda existisse essa hierarquia.

As sociedades de estratificação aberta são aquelas caracterizadas por uma maior


possibilidade de mobilidade social. A lógica do capitalismo e a ampla circulação de
informações na contemporaneidade mudou, significativamente, a configuração das
sociedades, sendo essas predominantemente de estratificação aberta.

Estratificação nos países desenvolvidos e nos países subdesenvolvidos:

Essa mobilidade social deve ser analisada em casa sociedade de forma particular,
tendo em vista as disparidades evidentes entre países desenvolvidos e países
subdesenvolvidos. A título exemplificativo, Ronaldinho Gaúcho, ex-futebolista
brasileiro, saiu da pobreza à riqueza. Esse salto é mais explícito em países
subdesenvolvidos ou em países emergentes, visto que as classes, nessas localidades,
são mais espaçadas. Entretanto, tal realidade é distinta daquela evidenciada nos países
desenvolvidos, tendo em vista uma relação mais estreita entre as classes – por
exemplo, o considerado “pobreza” nesses Estados, muitas vezes, estão muito acima do
conceito de “pobreza” nos países periféricos.

O direito é um instrumento para facilitar ou dificultar a mudança social?

A ideia inicial é de que o Direito deve ser neutro, mas há episódios na história que
mostram que o Direito atua tanto como obstáculo quanto como propulsor de
mudanças sociais.
124

O direito enquanto empecilho para a ocorrência de mudanças sociais:

 Discussão acerca do cidadão eleitor – discussão acerca daqueles indivíduos


que se encontram no uso e no gozo dos seus direitos políticos. A título
ilustrativo, pode-se citar o caso dos analfabetos no Brasil, detentores do status
de cidadão eleitor somente durante a vigência das Constituições de 1824 e de
1988.

Essa perspectiva alimenta uma visão negativa do Direito visto que a exclusão dos
analfabetos dos direitos políticos dificulta a mudança social desses indivíduos. Além
dos rumos do país serem conduzidos por uma parcela letrada e privilegiada, os
analfabetos ficam impossibilitados de manifestarem uma oposição ao governo vigente
e, por conseguinte, de votar em um candidato que venha a lutar para minimizar o
analfabetismo nacional.

Atualmente, a CF/1988 determina que os analfabetos podem votar mas não podem
ser votados, ou seja, não podem se candidatar politicamente, estando restritos
somente ao papel de eleitor.

 Regime jurídico de propriedade – a norma de proteção da propriedade privada


(independentemente de ser produtiva ou não) foi também tratada como um
obstáculo, pois eram interpretadas como um Direito Absoluto, cujo caso só foi
resolvido com a CF/88 (mudança no quesito da propriedade como Direito
Absoluto) e com o Código Civil de 2002.

O direito enquanto propulsor de mudanças sociais:

A Constituição Federal de 1988 (“Constituição Cidadã”) facilita a ocorrência de


mudanças sociais devido ao seu caráter protetivo.

 A CF/88 foi responsável pelo reestabelecimento do regime democrático no


Brasil;
 Atualmente possui suma importância por prever a amplitude do hall de direitos
fundamentais e por garantir as condições para a relativização da democracia;
 Por exemplo, ao mesmo tempo em que garante a liberdade de expressão,
também apresenta imposição de limites a essa condição visando à manutenção
da ordem social e da consolidação de um Estado Democrático de Direito;

As normas infraconstitucionais também possuem a capacidade de gerar


transformações sociais:
125

 CLT – Consolidação das leis trabalhistas (Dec. Lei n°5.452/43)

 Surgiu durante o Estado Novo Varguista, momento de impulso na


industrialização brasileira;
 Foi resultado de uma reunião de leis esparsas voltadas para questões
trabalhistas;
 Trata-se de uma lei voltada para o trabalhador e nela vigora o princípio da
primazia do trabalhador – sempre que há dúvida, está é resolvida a favor do
empregado. Daí a necessidade do empregador documentar os seus
pagamentos e acordos;

 ECA – Estatuto da criança e do adolescente (Lei n° 8.069/90)

 Também seria uma legislação protetiva que veio a ocupar lacunas do sistema
jurídico brasileiro nas questões envolvendo essa faixa etária;
 Responsável por diferenciar criança (até 12 anos) e adolescente (12 anos
completos até 18 anos);
 A criança não responde a uma infração cometida por essa não apresentar
discernimento completo de suas atitudes;
 Responsável pela criação do conselho tutelar que acompanha, de forma
atuante, a condição das crianças e dos adolescentes nas localidades que se
situam;

 Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei n° 8.078/90)

 Também veio suprimir necessidades existentes devido à inexistência de normas


constitucionais que pensassem exclusivamente das relações de consumo;
 Considera o consumidor hipossuficiente, isto é, a parte mais fraca de uma
relação, popularmente conhecido como vulnerável diante de uma empresa;
 Ainda carece de aperfeiçoamento, sobretudo, no que diz respeito à esfera
digital;
 Prevê a inversão do ônus da prova, ou seja, tira do consumidor a
responsabilidade de provar algo que ele alega, sendo essa destinada, portanto,
a outra parte;

Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/03)


126

 Proveniente da realização de censos que apontavam para uma tendência de


envelhecimento da população brasileira e, por conseguinte, a redução da
população economicamente ativa (PEA);
 Decorre da necessidade da população idosa de um aparto jurídico que garanta
especificamente suas demandas e direitos;
 Passa a classificar como idoso aqueles indivíduos que apresentam uma idade
igual ou superior a 60 anos;
 Possibilitou a formação de uma melhor compreensão acerca de como os idosos
devem ser tratados;
 Ainda necessita de maior respeito por parte dos cidadãos e de maior eficácia na
conjuntura brasileira;

Estatuto da pessoa com deficiência (Lei n° 13.146/15)

 Decorre da necessidade das pessoas com deficiência de um aparto jurídico que


organize especificamente os dispositivos esparsos relacionados a esse público;
 Trata-se de uma legislação relativamente nova, carecendo de maior
conhecimento por parte do povo e dos juristas;
 Traz à tona a inclusão das pessoas com insanidade mental, classificadas,
durante muito tempo, pelo direito brasileiro como absolutamente incapazes;
 Promove a proteção de grupos considerados mais fracos juridicamente,
tentando, portanto, reequilibrar essa condição de igualdade a partir de um
sistema protetivo voltado para o respeito às diferenças;

A formação da sociedade brasileira:

Processo de ocupação territorial – regime de propriedade:

 Conhecia-se muito pouco acerca das relações sociais brasileiras antes da


chegada dos portugueses;
 Portugal demarca o Brasil e segue com o seu propósito de dominar outras
terras – portanto, o objetivo inicial não havia o ímpeto de estender ao Brasil
uma parte do reino português;
 O objetivo inicial consistia apenas em enriquecimento por meio da exploração
de recursos naturais;
 O domínio português molda os aspectos territorial (existência de estruturas
privadas – capitanias hereditárias) e social (a sociedade passa a ser centrada na
figura do homem da terra – pioneiro da terra, latifundiário, pai de família – o
patriarca e detentor de poder político);
 Apesar do fracasso do modelo de capitanias hereditárias, manteve-se a base da
sociedade centralizada na propriedade privada e no latifundiário;
127

 Esse modelo de sociedade brasileira patriarcal vincula-se também à


subordinação da figura feminina – sendo raras as mulheres detentoras de
títulos de senhoras de engenho;
 Até a CF/1988 a propriedade consistia em um poder absoluto. A partir da
Constituição Federal, determina-se a obrigatoriedade de dar a essa
propriedade alguma produtividade, passando a carregar consigo uma função
social (geração de empregos, geração de rendas...);

Regime escravagista:

 Segunda grande marca do ponto de vista cronológico quando se pensa o


processo de formação social;
 A forma pela qual se deu a escravidão no Brasil foi marcante e violenta;
 O fluxo de escravos para o Brasil foi bastante expressivo;
 A violência foi evidenciada na forma pela qual as pessoas foram trazidas, foram
transportadas e foram tratados (inclusive juridicamente) no solo brasileiro;
 Os escravos eram tratados como propriedade (coisa) detentora de uma
determinada finalidade;
 A superação da escravidão consistiu em um processo derivado das lutas
abolicionistas, elevados custos para manutenção pós-tráfico negreiro e da
substituição da mão-de-obra escrava pela mão-de-obra imigrante;
 Esse processo de ruptura com a escravidão não se dá a partir de uma
conscientização. A escravidão somente se deu juridicamente (formalmente)
mas continuou a se estender no âmbito social tendo em vista que os negros
permaneciam em uma condição de subordinação e de uma ausência de
direitos;
 Há mais uma marginalização da população negra do que uma inclusão social;
 Atualmente, é perceptível o impacto desse período histórico na desvalorização
dada ao trabalho braçal – geralmente os indivíduos são mal remunerados e
julgados como “perdedores na vida”;
 Um dos fatores mais evidentes de permanência do período escravagistas trata-
se do racismo, seja individual, institucional ou estrutural – sendo essas duas
formas mais sutis e duradouras;

Patrimonialismo:

 Corresponde à incapacidade de separação entre o público e o privado;


 O típico exemplo de patrimonialismo corresponde à famosa “carteirada” –
responsável por negligenciar a concepção de que as normas devem ser
cumpridas por todos, independentemente de classe social ou atividade laboral
exercida;
128

 Sérgio Buarque de Hollanda ao apontar o brasileiro como um homem cordial,


discorre sobre o caráter dual desse cidadão. Se por um lado, o brasileiro é visto
como um homem sentimental e apto a desenvolver relações afetivas mais
facilmente, possui uma maior tendência em burlar regras sociais (“o famoso
jeitinho brasileiro”);
 O conceito sociológico de cidadania é errôneo uma vez que nem todos, na
prática, usufruem dos mesmos direitos – sendo o exposto formalmente
influenciado por critérios raciais, socioeconômicos, etc;
 A história brasileira foi formada a partir da concessão de privilégios a
determinados grupos sociais;
 Raymundo Faoro – autor de “Os donos do poder” e desenvolve uma tese de
que o patrimonialismo brasileiro é consequência do fato de que o mundo
privado corrompeu o Estado brasileiro. O problema, portanto, estaria,
historicamente, no âmbito privado, realizando estudos aprofundados desde o
período de formação do reino português;
 Wanderley Guilherme dos Santos – opôs-se em relação à tese de Raymundo
Faoro, defendeu que o patrimonialismo brasileiro seria resultado da condução
e do comportamento do Estado, responsável por corromper a iniciativa
privada;

Sugestão de leitura: Burocracia e sociedade no Brasil colonial (Stuart Schwartz)

Ausência de consciência cidadã (“cidadania concedida”)

 A cidadania no Brasil não é compreendida como um mecanismo de igualdade


social;
 Percebe-se uma distorção acerca do modo que a cidadania é exercida no Brasil;
 Os processos de obtenção da cidadania, ao longo da história brasileira, assim
como demais conquistas sociais, na sua maioria, não foram protagonizados
pelas classes populares, mas sim coordenados por pequenos grupos elitistas.
Nesse sentido, o exercício da cidadania se distancia das camadas populares;
 Daí o uso da expressão “cidadania concedida” por Thereza Sales – o direito
passa a ser visto como uma dádiva concedida pelos membros da elite
(proprietários de terra, coronéis...). Destarte, soa uma concepção de que as
necessidades dos homens livres dependessem de dádivas concedidas pelos
superiores;
 Roberto DaMatta discorreu sobre esse exercício errôneo da cidadania no
Brasil, apontando como o termo cidadão, em determinadas ocasiões, é
129

empregado sob uma óptica negativa – “lá vai o cidadão ali”, “deixa disso,
cidadão!”;

AULA 15 – ACESSO À JUSTIÇA – QUESTÕES E POSSÍVEIS SOLUÇÕES

Acesso à justiça x acesso ao judiciário:

O acesso à justiça corresponde ao acesso ao justo, dentro da ideia do resultado do


processo que decorre do cumprimento das várias etapas até se chegar a uma decisão
judicial. Atualmente, essa concepção se expande também como a continuidade da
participação ativa dos indivíduos no processo - a relação entre sociedade e judiciário,
onde a sociedade quer que suas demandas sejam atendidas pelo poder judiciário. Em
síntese, o acesso à justiça corresponde ao alcance de uma justiça, dentro de um
processo, resultante da solução de um conflito entre duas partes.

O acesso ao judiciário vincula-se ao sentido de acesso ao poder judiciário (problema


do cidadão brasileiro de ter acesso aos órgãos de justiça - custos altos de manutenção
do judiciário, burocracia...). Vale ressaltar a distinção entre o acesso ao processo
(ação) e acesso ao resultado prático do processo (sentença) – o primeiro refere-se
somente a ter uma demanda analisada pelo poder judiciário, enquanto o segundo
refere-se à movimentação e à chegada no final do processo. Em síntese, acesso ao
judiciário não significa, obrigatoriamente, acesso à justiça.

Principais questões:

Aspectos econômicos: refere-se às dimensões reais acerca dos impactos do acesso à


justiça na economia. Pode-se falar das custas processuais – nesse sentido, cada
processo apresenta um determinado custo, sendo esse custo variável a depender dos
Estados e da União. Cada processo possui certo valor dependendo proporcionalmente
da importância do caso, ou seja, o tipo da demanda define a custa do processo.

Ademais, pode-se citar o benefício da justiça gratuita, algo previsto no Direito


Brasileiro, sendo negada a justiça gratuita em demandas por partes com alto poder
aquisitivo. Outros custos envolvem a representação de um advogado, a questão
logística do processo, a contratação de peritos, a realização de xerox e também a
130

questão econômica da própria participação do judiciário (altos salários e tetos, poucos


servidores, custos excessivos).

Outro fator que impacta no valor do processo trata-se do tempo (“tempo é dinheiro”).
Quando há um desequilíbrio em uma relação processual (um banco x um cidadão), o
tempo atua a favor do conglomerado e contra a parte mais vulnerável. Em síntese, os
custos de um processo dependem da importância do caso, da localidade, das
despesas extras e do tempo.

Aspectos educacionais:

O principal problema corresponde ao desconhecimento social significativo diante do


Direito e de suas normas, já que as pessoas possuem problemas, porém não possuem
consciência de como resolvê-los. A título exemplificativo pode-se citar o número
expressivo de pessoas sem certidão de nascimento e que, por conseguinte, são
inexistentes juridicamente – não usufruindo dos seus direitos enquanto cidadãos.
Ademais, pode-se citar a falta de conhecimento acerca dos cargos e estrutura dos
órgãos e jurisdições que compõem o Direito (para onde o cidadão deve se dirigir para
solucionar uma questão).

Ultimamente, as pessoas têm incorporado maior frequência o conhecimento do


Direito em suas vidas, porém ainda não é o suficiente para a melhoria considerável do
nosso sistema judiciário. Um outro ponto importante trata-se do processo de
formação das faculdades, havendo um erro com a proliferação dos cursos de direito
(causando a formação deficitária de diversos profissionais), sendo o Exame da Ordem
uma forma de limitar o exercício da advocacia para profissionais limitados.

Aspectos culturais:

A estrutura do judiciário é feita para distanciar o sistema do cidadão comum (a mesa


do juiz fica mais alta, a mesa das demais partes é mais baixa e o uso da toga como
diferenciação...), ocorrendo o "encastelamento”, conforme discorreu Calmon de
Passos, do poder judiciário. A linguagem jurídica, por ser rebuscada, também é
responsável por esse distanciamento, só que no Direito apesar da existência de
diversos termos técnicos como em outras áreas, a principal ferramenta do direito é a
oratória e a linguagem, havendo um estranhamento por parte da sociedade diante do
Direito. Nesse sentido, é necessário repensar a maneira pela qual o Direito realiza
contato com a sociedade – desenvolvimento de uma linguagem mais clara, objetiva,
coesa, sintetizada...
131

Principais soluções: medidas voltadas para tornar mais viável o acesso ao judiciário e à
justiça

Primeira onda de acesso:

 Gratuidade da Justiça: se a pessoa quiser entrar com uma ação judicial e não
tiver condições de arcar com as demandas envolvidas no processo, poderá
solicitar a gratuidade da justiça. Esse pedido de gratuidade deve ter
razoabilidade, portanto, deve ser analisado quem está pedindo e o porquê
desse pedido;
 Medidas para assistência judiciária gratuita: destaca-se a Defensoria Pública,
considerada uma das funções essenciais à justiça. O fato da CF/88 tratar a
Defensoria Pública como função essencial à justiça, ressalta a obrigatoriedade
da existência desse órgão. A EC 45/2004 determinou autonomia administrativa
e financeira à Defensoria Pública. No aspecto administrativo, a Defensoria
Pública é potencializada, tendo em vista à autonomia em relação às políticas
estatais. No âmbito financeiro, as defensorias puderam determinar o salário
dos seus servidores, evitando a perda maciça de funcionários por questões
salariais;
 Ampliação da rede de atendimento gratuito (NPJ’s): O MEC determinou a
existência obrigatória de Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) – um órgão onde
estudantes de Direito, geralmente a partir do sétimo ou oitavo período, têm a
oportunidade de praticar todo o conteúdo teórico aprendido até então;

Segunda onda de acesso:

Coletivização do processos – envolve situações nas quais as pessoas não se


conhecem mas por conta de um ponto fático comum, são vistas como
pertencentes a uma mesma coletividade. A título exemplificativo pode-se citar a
poluição de um determinado rio próximo a uma comunidade devido à atividade de
uma indústria. A coletivização do processo é vista como parte do acesso à justiça
pelo fato de ter determinado a possibilidade de indivíduos que sozinhos não
podiam litigar possam se fortalecer coletivamente. Vale relembrar a diferença
existente entre direitos difusos (não há um titular específico – pertencem a um e a
todos), em compensação os direitos coletivos vinculam-se a grupos específicos.

Terceira onda de acesso:

 Mediação: É possível ao longo do processo no qual as partes são previamente


conhecidas e na mediação o mediador não deve apresentar soluções para o
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caso concreto. O papel do mediador corresponde a fazer com que as partes


entrem em diálogo e cheguem a um consenso. Esse exercício de mediação
exige um preparo, sendo o profissional capaz de reestabelecer o diálogo entre
as partes mas sem apresentar uma solução. A título exemplificativo pode-se
citar a quebra de contrato entre sócios;
 Conciliação: É possível ao longo do processo mas as partes não são
previamente conhecidas. Um conciliador pode, assim, apresentar soluções
práticas ao longo da tentativa de conciliação. Nesse sentido, o conciliador
possui um papel interventivo e ativo no desenvolver do processo – sem ocorrer
um constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem;
 Arbitragem: Os indivíduos contratam justiça arbitral (que corresponde a uma
justiça privada) para decidir sobre direitos disponíveis (contratos). As partes
recorrem à justiça arbitral porque buscam celeridade processual. A justiça
arbitrária possui a vantagem de poder selecionar um juiz especializado em
determinadas causas, não necessariamente jurídicas. Apesar de célere e
especializada, os elevados custos inviabilizam o uso da justiça arbitral por uma
parcela significativa da população. A título exemplificativo, no Brasil, a justiça
arbitral é evidenciada mais em questões empresariais;

Quarta onda de acesso:

 Digitalização do processo: Corresponde à substituição do processo impresso


para o processo digital, sendo um fenômeno intensificado a partir do contexto
pandêmico vigente. Se por um lado facilita o processo (digitalização de
documentos, proposição de ações a partir de uma forma mais célere...), por
outro lado, modificou a dinâmica da justiça, sobretudo, no interior dos estados
(muitos profissionais perderam seus cargos);
 Novas tecnologias aplicadas no direito: muitas modificações aconteceram em
virtude da inserção de novas tecnologias no âmbito jurídico, o que impacta na
substituição de determinadas atividades jurídicas por recursos digitais;

Thiago Coelho – FBDG – 2021.1

@taj_studies

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