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Aula de 14-02-2022
INTRODUÇÃO À CADEIRA
o Quer-se ver o direito de fora: adotar uma perspetiva crítica, com um distanciamento que permita
fazê-lo; com outras ciências, isto não é possível (por exemplo, existem leis da física imutáveis);
o O direito é uma ciência, mas é contingente: as coisas mudam, as normas mudam (aquilo que
origina as normas também muda);
o A legitimidade do direito assenta em fontes diferentes;
o A interpretação das normas implica uma adesão ao que está exposto na própria norma; neste sentido,
o direito é uma ciência: obriga-nos a atuar de acordo com métodos reconhecidos por todos como
métodos científicos;
o As leis da física, por exemplo, não são fruto da vontade humana, não são construídas; as normas são
o resultado da vontade humana, somos nós que as construímos;
o Há dois níveis de construção: quando as “coisas” emergem (as normas e as leis que construímos);
quando interpretamos as “coisas” (entramos mais no domínio da ciência porque há um método);
o Objetivo da disciplina: mostrar as variações – como se fazia antes e como se faz agora;
o Na história, o constitucionalismo e o liberalismo do século XIX são frequentemente associados aos
direitos e aos valores do constitucionalismo atual, mas também havia, na altura, um outro lado:
escravos, libertos, exclusão das mulheres, etc.;
o A forma como interpretamos o passado depende das próprias experiências do presente – na história,
há uma tendência de simplificação;
o Portanto, a história também é construção (limitada pelos factos reais);
o Há, no tempo, uma descontinuidade marcada por ruturas em conceitos base associados ao direito;
quer-se perceber como é que isto aconteceu, através de que processo, porquê;
o Porque é que determinada norma fazia sentido no passado, e hoje não faz?
o Exemplo: escravos – a mudança de um paradigma para outro;
o Democracia para Toqueville século XIX): sociedade em igualdade de condições – todos poderiam
alcançar o mesmo estatuto partindo do mesmo patamar;
o Um governo equilibrado é um governo que conjuga sabiamente aquilo que há de aristocracia e aquilo
que há de democracia (governo misto);
o Na idade medieval, o povo não era considerado o soberano porque não era um conjunto de iguais,
antes, era um conjunto de corporações;
o O poder era entregue ao povo enquanto comunidade corporativa;
Aula de 21-02-2022
TESE DE HESPANHA
o As nossas sociedades construíram uma determinada maneira de fazer a história que fosse simpática
para as próprias sociedades;
o A doutrina triunfante depois da queda do muro – liberalismo – foi construído numa visão da história
que favorecia o funcionamento das sociedades;
o O passado tem autoridade e importância para o presente;
o A ausência de neutralidade é mais notável nas ciências sociais, porque todos estamos condicionados
pelas próprias experiências;
A história do direito pode contribuir para legitimar o direito estabelecido: ele é, em si mesmo, já um sistema
de legitimação, que fomenta a obediência daqueles cuja liberdade vai ser limitada pelas normas; no
entanto, ele próprio necessita de ser legitimado, ou seja, tem de se construir um consenso social sobre o
fundamento da sua obrigatoriedade.
A legitimação dos poderes políticos pode ser obtida a partir de vários complexos de crenças – estruturas de
legitimação – organizadas em torno de valores como a tradição, o carisma, a racionalização, que dependem
muito de argumentos de caráter histórico.
o Neste texto, AMH procura dizer que a história pode ser usada como discurso legitimador da ordem
jurídica do presente, apesar de não o dever ser;
o No fundo com o objetivo de gerar consenso, de pacificação social, de garantir o convívio;
ANTIGO REGIME – matriz cultural tradicionalista – “o que era antigo era bom”: direito justo identificado
com o direito estabelecido e longamente praticado (costumes estabelecidos, opinião comummente aceite de
especialistas – opinio communis doctorum – práticas judiciais rotinadas, etc.). Era por meio da história
que a durabilidade das normas podia ser comprovada, então, a história legitimava as soluções
jurídicas e permitia a identificação das normas tradicionais, logo legítimas (e, igualmente, estabelecia
os direitos que se deviam considerar como adquiridos).
Um primeiro uso da história do direito prendeu-se com o resolver questões dogmáticas, como a de
determinar se certas normas tinham tido aplicação no passado, e, logo, se ainda estavam vigentes no
presente; tal foi corrente até ao século XIX, existindo hoje propostas semelhantes sobre o interesse da
história jurídica (por exemplo, quando se diz que ela pode ajudar a definir o conteúdo da Constituição, ou a
identidade jurídica/política de uma nação).
Núcleo da filosofia jurídica da Escola Histórica Alemã – início do século XIX – o direito surge do próprio
espírito da Nação, depositado nas tradições culturais e jurídicas. A história jurídica devia desempenhar um
papel dogmático fundamental ao relevar o direito tradicional e ao proteger o direito contemporâneo contra as
inovações arbitrárias (o que ressurgiu nos anos 30 e 40 com o pensamento jurídico conservador, reativo
contra os princípios liberais).
o Há várias formas de a história se transformar num discurso legitimador: por exemplo quando é usada
para demonstrar a antiguidade de determinadas ideias/conceitos ou de determinadas práticas jurídicas
no presente que sempre existiram (intemporalidade) – exemplo: antigo regime, as sociedades
consideravam que o que dava legitimidade às coisas era a tradição, logo a história do direito
demonstrava que as normas jurídicas que existiam eram boas porque sempre tinham existido, eram
“naturais”;
o A história serviria para mostrar que as coisas são assim, e são boas, porque sempre existiram assim;
o O direito vem do espírito do povo e revela-se nas tradições do povo – escola alemã; o que importava
era o direito tradicional, antigo; ideia de que todos os juristas que saibam direito romano são bons
juristas em qualquer tempo – intemporalidade: as sociedades têm um sistema técnico que se
naturaliza e que serve para resolver conflitos intemporalmente;
Atualmente – a tradição deixou de ser a principal estrutura de legitimação, com o impacto da ideia de
progresso.
Problema metodológico levantados pelo encarar da história do direito como via para a revelação do espírito
nacional: a história, mais do que descrever, cria: um historiador projeta as suas crenças e preconceitos
naquilo que crê encontrar como “alma de um povo”; a prova a partir da história (sobretudo de entidades
evanescentes) é uma construção intelectual.
Ainda assim, o argumento histórico continua a ser utilizado no raciocínio jurídico para provar que certa
categoria do discurso jurídico ou uma solução jurídica:
1. Pertencem à “natureza das coisas”;
2. Decorrem de categorias eternas da justiça ou da razão jurídica.
A história pode demonstrar que se foram firmando consensos sobre valores ou normas, e que esses
consensos devem ser respeitados no presente – a história seria o fórum de um contínuo plesbicito, em que os
presentes participariam, embora numa posição enfraquecida pela soma de votos já acumulada pelos
passados. A ideia de plesbicito pressuporia que passados e presentes dariam o mesmo sentido aos seus votos,
ou seja, estariam a obedecer ao que está estabelecido pelas mesmas razões, para se poder falar de consenso.
Há muitos princípios jurídicos que têm um valor facial (referidos com as mesmas palavras/frases) há muito
tempo – pessoa, liberdade, democracia, homicídio, família, etc. por baixo da superfície da sua continuidade
terminológica, existem ruturas decisivas no seu significado semântico.
O significado da mesma palavra está intimamente ligado aos diferentes contextos sociais ou textuais
das diferentes ocorrências históricas – sentido relacional/local.
Por detrás da continuidade aparente na superfície das palavras está escondida uma descontinuidade radical
na profundidade do sentido, que frusta a pretensão de validade intemporal dos conceitos embebidos nas
palavras. Afinal, o que se estava a levar a cabo era a operação intelectual de considerar como natural o que
nos é familiar (naturalização da cultura).
EXEMPLO: Conceito de liberdade:
- Grécia Clássica – não escravidão;
- Roma republicana – não dependência de outro privado (no âmbito da comunidade política);
- Cristianismo: exclusiva dependência da fé em Deus, sendo compatível com a dependência temporal,
mesmo com a escravatura;
o Liberdade espiritual;
- Muito mais tarde, o direito de autodeterminação, liberdade de agir politicamente;
o Ideia de autonomia individual;
- E ainda, receber o Estado o apoio necessário para exercer, de facto, essa autodeterminação;
o Crítica das categorias trans-históricas;
o A palavra é a mesma, mas há ruturas semânticas; os conceitos não são intemporais;
o Democracia era uma componente do governo (havia uma componente democrática – câmara dos
deputados – e uma componente aristocrática conservada no facto de haver uma câmara dos pares e
de não haver sufrágio universal); hoje, há uma conceção diferente de democracia;
o A propriedade privada, por exemplo, não é intemporal nem é natural; AMH critica esta conceção, ele
vinha do catolicismo, da doutrina social da igreja, passou pelo comunismo, e falava do perigo que
resulta da declaração de que a propriedade privada é inerente à condição humana; sabemos que há
sociedades que não se organizam com base nesta ideia da propriedade privada;
o Propriedade sempre existiu enquanto palavra; mas o seu significado foi sofrendo modificações ao
longo do tempo;
A categoria de direitos humanos com o sentido que hoje tem também não existia; os seres humanos eram
hierarquizados, o que contraria a teoria dos direitos humanos, que reconhecia todos como iguais;
o Há ligeiras diferenças entre uma forma e outra de usar a história para o discurso legitimador: uma
usa a antiguidade das coisas e a sua inscrição na natureza, outra demonstra o progresso;
o Ambos os discursos são retrospetivos e têm o problema de deformar o passado, porque se olha para
ele a partir do presente;
o Falsifica-se o passado porque olha-se para o passado como uma espécie de culturas falhadas, como a
nossa pré-história; lê-se o passado atribuindo às palavras o significado que lhes é dado no presente;
o Quando olhamos para o passado estamos condicionados pelo presente, mas temos a obrigação de
estar conscientes disso e de nos tentarmos libertar, tentando reconstituir o passado tal e qual como
ele foi, com todas as suas complexidades;
o Há uma tensão entre dizer que a história é construída e o desejo de se libertar dos elementos que
condicionam essa construção;
o No presente, esta história promove a sacralização do presente, que é glorificado como a única meta
possível; isto é perigoso porque está-se a dizer que todas as sociedades devem seguir este padrão
(homogeneização); AMH diz que a história serve para mostrar e documentar a variedade humana e a
irredutível singularidade de cada comunidade passada;
o É importante que se tenha a consciência da variedade das sociedades do passado para se encarar o
futuro de forma critica, e perceber que ele pode não ter nada a ver com o presente;
o Pode não haver nenhum progresso, podia ter acontecido de outra maneira, os percursos da história
são contingentes; tudo podia ter sido diferente, podia haver linhas no passado que se tivessem tido
continuidade, não teriam originado os problemas no presente;
o AMH: a história do direito deve ser sempre uma história crítica: temos de perceber bem do que se
trata, os juristas, como detinham saber normativo, têm de ser mais críticos ainda;
Submissão da narrativa do historiador aos conceitos e representações do presente tem sido discutida do
século XIX:
1. Há quem considere que esta situação é inevitável, já que o historiador nunca se consegue libertar
das imagens, preconceitos (pré-compreensões) do presente (aponta a impossibilidade radical de um
conhecimento histórico objetivo);
2. Há quem considere que esta leitura “atualizante” (present mind approach) da história é a condição
para que os factos históricos permitam tirar lições;
a. Objeção: o alegado “diálogo histórico” que se obtém por uma perspetiva atualista é, de facto,
um monólogo entre o historiador e uns sujeitos históricos desprovidos de autonomia;
3. Há quem considere que o que está em jogo já não é a legitimação direta do direito, mas a da
corporação dos juristas que o suportam, nomeadamente dos juristas académicos;
a. Os juristas têm uma intervenção diária na adjudicação social de faculdades ou de bens. Isto
confere-lhes um papel central na política quotidiana, embora com o inerente preço de uma
exposição permanente à crítica social;
b. Uma estratégia de defesa deste grupo é a de “despolitizar”, apresentando o veredicto jurídico
como uma opção puramente técnica/científica, distanciada dos conflitos sociais;
c. Até aos anos 60, construiu-se uma imagem dos juristas como académicos distantes e neutrais,
cujas preocupações são meramente teóricas, abstratas e eruditas (onda contemporânea de
Kelsen no sentido de “purificar” a ciência jurídica; havia, portanto, um efeito de legitimação
pela ciência;
Aula de 22-02-2022
o A história do direito deve ser uma história do discurso crítico, e não legitimador;
1ª estratégia: instigar uma forte consciência metodológica nos historiadores, problematizando a conceção
ingénua segundo a qual a narrativa histórica não é senão o simples relato daquilo que “realmente aconteceu”
– os acontecimentos históricos são criados pelo trabalho do historiador, já que a única coisa que ele
pode verificar são sequências meramente cronológicas entre acontecimentos; tudo o resto são inferências
suas.
Portanto, o historiador deve estar consciente do artificialismo da realidade historiográfica por ele
criada, da forma como os seus processos mentais modelam a realidade histórica, e das raízes social e
culturalmente embebidas deste processo de criação.
A classificação do saber histórico como um género literário não significa que ele repouse na arbitrariedade;
significa, antes, que o rigor histórico reside mais numa coerência interna do discurso – numa observância de
“regras de arte” convencionais – do que numa adequação à “realidade” histórica.
2ª estratégia: eleger como objeto da história jurídica o direito em sociedade; as normas jurídicas apenas
podem ser entendidas se integradas nos complexos normativos que organizam a vida social e a própria
produção do direito é, ela mesma, um processo social (depende de um complexo que envolve, no limite,
toda a sociedade).
Há uma tendência atual dos historiadores do direito para alargarem o seu campo de pesquisa para além do
âmbito do direito oficial, integrando nele todos os fenómenos de normação social, independentemente das
suas habituais etiquetas. Desde as normas religiosas, aos costumes, desde as regras de organização
(management) às formas mais evanescentes e difusas da ordem. Esta vaga está a chegar aos estudos de
história jurídica contemporânea, em que a ideia de pluralismo jurídico desafia cada vez mais ousadamente a
antiga ideia de que o direito se reduzia à Constituição, ao código e à lei do Estado.
Tem também de se considerar o processo social de produção do próprio direito na explicação do direito. A
ideia é a de relacionar o direito com o modo como ele é produzido, explicando a partir dai as suas
características. Há uma autonomia do direito em relação aos momentos não jurídicos das relações sociais, e
o imaginário jurídico pode mesmo modelar imaginários sociais mais abrangentes, bem como as práticas
sociais que deles decorram.
Há uma certa circularidade na hermenêutica histórica dos textos: eles são apropriados por um leitor formado
por uma tradição textual de que os mesmos textos fazem parte (contexto intertextual). Porém, existe também
um momento dinâmico neste círculo, pois a nova leitura também é conformada por outros fatores
contextuais que estão fora desta tradição textual (momentos extratextuais), empurrando o leitor para outras
paisagens intelectuais (outros discursos ou tradições literárias, outros imaginários culturais, outras
expectativas sociais, outros interesses).
o Em vez de fazer uma história legitimadora da ordem jurídica do presente, para fazerem uma história
crítica devem pôr em suspenso a ideia monista do Direito (de que o direito é só a lei, interpretada por
juristas, académicos) e perceber que (e mostrar com a história) há muitas ordens normativas numa
sociedade;
o As normas nunca vêm de um só lugar;
o Há, por exemplo, uma “ordem” da família independentemente do direito; a família regula-se
fundamentalmente por ordens não jurídicas (há uma pluralidade normativa);
o A normatividade social não é só da lei;
o Outro exemplo são as boas práticas, que constituem uma espécie de senso comum que não consta
dos códigos e das leis;
o O direito não regula tudo;
o Quando as normas próprias dos diversos grupos e corpos sociais contrariam a lei, a lei impõe-se de
forma autoritária, contrariando outros entendimentos no que toca às relações interpessoais;
o A normatividade social é plural, não está só na lei, e a história mostra isso claramente, desde que seja
bem feita; se um historiador de direito só estuda as leis para entender o direito, não entenderá nada;
o Há sociedades que acreditam que as normas são imanentes (que o direito está naturalmente nas
coisas);
o A história crítica do direito mostra que se queremos mudar uma sociedade, temos de procurar
diversas ordens normativas;
o AMH: na nossa sociedade, também funcionam várias ordens, e os juristas que procuram soluções
para os casos concretos devem conhecer a diversas conceções de justiça (para além da que está na
lei);
o AMH: o jurista tem de ser um intérprete de todas as ordens normativas, tentando encontrar
consensos, diálogos – direito democrático (implica conhecer todas as normatividades que existem na
sociedade);
o A história crítica do direito tem de ser feita chamando à atenção para o pluralismo da normatividade
social;
3ª estratégia: insistir no facto de que a história jurídica não constitui um desenvolvimento linear, necessário,
progressivo, escatológico.
Na história há descontinuidade e rutura. Se os sentidos (ou os valores) são relacionais, estando sempre
ligados com os seus contextos, qualquer mudança no contexto do direito corta-o da tradição prévia. A
história do direito será assim constituída por uma sucessão de sistemas jurídicos sincrónicos, fechados uns
em relação aos outros. O sentido de cada instituto ou de cada princípio deve ser avaliado pela sua
integração no contexto dos outros institutos e princípios que com ele convivem contemporaneamente; e não
nos institutos ou princípios que o antecederam.
No entanto, a tradição é também um fator de construção do direito atual. Porque, se o direito atual recompõe
a tradição, o certo é que é com os instrumentos (intelectuais, normativos, rituais, valorativos) que uma certa
tradição intelectual lega ao presente que o direito do presente é pensado. Neste sentido, a tradição parece
estar muito presente no direito, e sob diversas formas (tradições literárias, casos decididos, leis que se
mantêm no tempo, costumes que continuam vigentes, cerimónias e rituais herdados do passado), não pela
imposição direta de valores e de normas, mas pela disponibilização de uma grande parte da utensilagem
social e intelectual com que se produzem novos valores e novas normas.
o Não há conceitos universais, nem intemporais, todos têm um contexto, são válidos localmente; local
opõe-se a universal, neste sentido;
o Então vale tudo? O jurista tem de encontrar o equilíbrio (e pôr de parte as suas
conceções/preconceitos – atitude de abertura ao outro); deve encontrar uma solução que tenha em
conta a diversidade de valores, sem cair nos extremos;
o A história crítica deve também mostrar que o direito não exprime valores racionais nem universais;
os valores que o direito exprime são sempre explicados por condições sociais e culturais de
produção;
o O direito não é neutro, não exprime valores intemporais; há sempre uma explicação – a sociedade
que a produz, a cultura, os imaginários sociais – é sempre o produto de uma circunstância, de um
contexto concreto, local;
o O direito não surge de forma arbitrária; é condicionado socialmente;
o Exemplo de condições sociais que o influenciam: a tradição jurídica – na argumentação jurídica há
uma tradição, um método, uma língua, textos apropriados (um jurista não pode argumentar, por
exemplo, através da Bíblia, para reduzir uma pena por misericórdia); o jurista está limitado por todos
estes fatores;
o Há formas coletivas de imaginar a sociedade que condicionam o direito, à parte dos indivíduos e da
sua subjetividade;
o Cada sociedade tem as suas crenças e imagens, redes de comunicação que permitem formas mínimas
de convívio (ordens imaginárias, diz AMH); essas representações traduzem-se, muitas vezes, em
normas jurídicas;
o As normas jurídicas e os conceitos jurídicos são condicionados no momento em que são criados
(porque estão em relação com a cultura, ideologias, etc.) como também são modificados no momento
em que são recebidos por uma outra cultura;
o O direito romano da república clássica em Roma era diferente do direito romano com o imperador
Constantino (que já era uma receção do direito romano num contexto diferente, fazendo-o modificar-
se);
o O contexto altera as normas jurídicas, não têm o mesmo significado nem as mesmas consequências;
o A história crítica do direito está atenta a estes fenómenos (evita dizer que o direito é sempre igual, ou
a ideia mitológica que o direito romano é o fundamento de tudo);
o O direito impõe-se à sociedade também por causa da maneira como os juristas usam a linguagem
enigmática, a que nem toda a gente tem acesso; isto cria uma imagem de saber que valoriza o próprio
direito;
o Tem de se perceber o sentido das normas jurídicas localmente, em contexto (domínio do pluralismo e
da relatividade); isto quer em contextos culturais que se sucederam quer em contextos comunitários
que coexistem no tempo;
o Na história há descontinuidade e rutura;
o O presente é algo que é o resultado de várias coisas que se misturam, algo contingente (de certa
forma, aleatório, que é originado de acontecimentos que as pessoas não controlam, mas também de
escolhas que fizeram); tudo podia ter acontecido de outra maneira;
o Os historiadores têm também de se esforçar para se abstraírem das suas condições atuais e dos
conhecimentos que já têm no presente;
o Michel Foucault: ideia de descontinuidade; quando historizamos (fazemos história distanciada)
devemos tentar compreender as contingências que fizeram emergir as coisas em vez de procurarmos
teleologias e finalidades que estão inscritas no decurso histórico;
o AMH: a história permite ver que o direito também cria realidade (é performativo); para além de
refletir ideias sobre as coisas, também as cria;
o Exemplo: no século XVIII o indivíduo começa a ganhar importância enquanto indivíduo autónomo
capaz de pensar pela razão e de ver assim coisas autoevidentes – esta ideia tem um impacto no
direito, com a revolução francesa, em que se reivindica por direitos dos indivíduos; o direito antes
reforçava a diferença entre as pessoas (um plebeu não podia usar um cavalo, ao contrário de um
aristocrata), a hierarquia social tinha uma tradução jurídica; o direito criava categorias de pessoas
(havia normas que instituíam a ordem social); hoje, a ideia de que há indivíduos e direitos
individuais começou a ser criada pelo direito, acabando, por exemplo, com as proibições no que toca
ao vestuário; este facto produz realidade, reforçou, no século XVIII; a ideia de que todos eram iguais
e livres;
o O direito cria a raça, cria a mulher, foi extremamente dual na criação de categorias;
o Tudo isto sobre o papel do direito na conformação da ordem social e no reforço de determinadas
ideias sobre coisas/pessoas/categorias;
IMAGINÁRIO CORPORATIVISTA
Génesis, 1.
“No princípio Deus criou os céus e a terra. A terra era informe e vazia. As trevas cobriam o abismo e o Espírito de
Deus movia-se sobre as águas […].”
“Deus disse: «Faça-se a luz». E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. Deus chamou
dia à luz e noite às trevas”.
“Deus disse: «Haja um firmamento entre as águas para as manter separadas umas das outras». Deus fez o
firmamento e separou as águas que estavam sob o firmamento. E assim aconteceu. Deus chamou céus ao firmamento
[…]” (Gen., 1).
“[…] E, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa” (Gen. 1).
o Esta ideia geral do mundo medieval (herdada do mundo antigo) é cristianizada, a ideia de que a
ordem tem finalidades dá origem a ideias de que a finalidade é o bem; no mundo cristão a finalidade
mais elevada é a salvação, um fim supraterreno; tudo no mundo terreno deve ser funcional a essa
finalidade que é a salvação – o mais importante é a finalidade última, não o que se passa na terra;
o Consequências: acrescentam-se coisas novas á ideia de ordem (por exemplo, uma nova finalidade –
louvar a deus, ou a ideia de pecado) – ideias antigas que se misturam com ideias novas;
o A ideia de ordem antiga dos gregos está a ser recebida e modificada no mundo cristão;
o Ideia de que Deus criou a ordem – deus é o ordenador;
o Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. Deus chamou dia à luz e noite às trevas” –
deus vai fazendo as coisas e vai percebendo que o que faz é bom: parece que deus admite que há uma
bondade para além dele e que compara a sua obra a partir desse padrão de bem; isto abre uma grande
discussão teológica;
o Passa a haver duas perspetivas diferentes sobre Deus: deus criou o mundo e se amanhã as coisas
forem diferentes, o mundo continua a ser bom porque foi Deus que o modificou; Deus não pode estar
sempre a modificar as coisas porque a verdade hoje também é verdade amanhã (2+2 é sempre 4);
O amor funda-se na comunicação dos bens naturais que nos foi feita por Deus.
Por meio dele, não é somente o homem que, na sua integridade da natureza, ama a Deus sobre todas as coisas e mais
do que a si mesmo.
Mas também qualquer criatura - tal como as pedras e outras coisas que carecem de conhecimento - O ama, a
seu modo, seja pelo amor intelectual, pelo racional, pelo animal ou mesmo pelo natural.
Pois qualquer parte naturalmente ama mais o bem comum do todo do que o seu bem particular”
o AQUINO: Ideia de cristianização, de ordem que é boa e que caminha para o bem; deus criou as
coisas e uniu-as com amor (amor é ordem); deus ama o homem, mas ama também tudo o resto que
criou; cada parte ama mais o bem comum do que o bem particular, todos amam a ordem, o
importante é sempre o coletivo mesmo para o particular; o que interessa é o bem comum;
Hespanha, p. 72-84
As práticas de que a história se ocupa são práticas de homens. Os agentes constroem versões do mundo
exterior, avaliam-nas, optam entre formas alternativas de reação, representam os resultados e antecipam as
consequências futuras. Todas estas operações pertencem à esfera do mundo interior. São operações
irredutivelmente intelectuais, baseadas em representações construídas a partir de estímulos (de natureza e
impacto muito variados) recebidos do exterior. A realidade, ao ser apreendida como contexto de ação
humana, é consumida pela sua representação subjetiva.
Estas raízes mentais da prática não são inatas, mas externamente dependentes de contextos externos. As
operações intelectuais e emocionais comportam momentos de relação com o mundo exterior. Nesta medida,
a mente está sujeita a processos de incorporação de dados ambientais, processos a que, simplificadamente,
chamaríamos “de aprendizagem”.
E é justamente a ideia de existência de tais quadros mentais de avaliação que exclui a ilimitada liberdade de
escolha, de opção, de justificação, de discurso, dos agentes em situação, pressuposto por alguns dos
defensores mais radicais do método dos case studies. E que, por isso, permite considerar a economia da alma
como uma forma de regulação heterónima, logo, como direito. Mas esta mesma ideia de que há modelos
intelectuais (ou de sensibilidade) que condicionam a ação humana leva também a uma posição crítica em
relação a uma boa parte das tentativas de interpretação sociológica das formas políticas e jurídicas.
A contextualização que aí normalmente se faz das formas políticas e jurídicas consiste em inseri-las em
ambientes económicos, geodemográficos, tecnológicos, militares. Ausente está quase sempre o contexto
específico deste universo de entidades mentais que constituem a forma de “ler”, representar, imaginar, as
relações de poder, pois este contexto específico é formado por outras representações mentais, vizinhas ou a
montante.
Tudo se passa, nesses ensaios, como se as condições externas agissem diretamente, por um processo não
explicado e dificilmente explicável, sobre as disposições interiores dos agentes políticos. Este processo de
interpretação distingue-se pela atitude de distanciamento do historiador em relação ao seu objeto de
estudo. A crítica mais pertinente que se pode fazer à história jurídica tradicional é a do seu dogmatismo; ou
seja, o de impedir toda a contextualização histórica, pois as construções interiores são consideradas como
construções exclusivamente intelectuais necessárias (e, logo, a-históricas), decorrentes da natureza das
coisas ou da evidência racional. Em contrapartida, a orientação proposta relativiza os modelos mentais,
como resultado de vários processos interiores – desde os racionais aos emotivos – e, também, de uma
“educação sentimental” exercida pelo meio externo, pelos contextos práticos.
A história das ideias cultiva uma centralidade do sujeito (do “autor”) que está completamente ausente da
perspetiva aqui proposta. Ao sujeito substituiu-se o discurso, os contextos dos discursos, a força dos textos
como esquemas que modelam a perceção e a avaliação dos autores, os próprios dispositivos materiais de
comunicação.
Relativismo: não há valores permanentes, sendo a justiça ou injustiça das situações produto de avaliações
(leituras) “locais” ou “contextuais”. Não há um progresso histórico, fluindo a história em geral (e a história
jurídica, em particular) segundo um percurso marcado pelo arbitrário das ruturas. Nem, em rigor, há um
conhecimento “verdadeiro” do passado, pois a história é uma permanente construção e reconstrução dos
seus objetos pelo olhar do historiador.
No meio de toda esta incerteza sobre o justo e o verdadeiro, parece não sobrar espaço para qualquer
projeto de “racionalização” da sociedade, de uma sua re(organização) sobre valores jurídicos objetiva e
indubitavelmente justos, um projeto muito característico da política do direito e das intenções dos juristas.
Tudo aparece com mutável, dependente de tempos, lugares e culturas. Enfim, tudo aparece como relativo,
impossibilitando estabelecer o direito sobre uma base firme, liberta das contingências e das opiniões.
Relativismo metodológico:
- Crença de que é aparentemente impossível fundamentar os valores jurídicos na “natureza”, na
“razão” ou na “ciência”;
- É muito antigo e tem sido muito permanente na tradição cultural europeia, sendo hoje largamente
partilhado pela teoria das ciências;
- Não impede a adesão pessoal a valores, nem enfraquece a forca desta adesão. Como também não
prejudica a observância de regras metódicas convencionais (ou geralmente aceites) de investigação;
- Nem, por fim, constitui um obstáculo à aceitação pragmática de valores consensuais. Tudo reside,
afinal, no modo como se entendem esses vários padrões de conduta;
- Não tem nada a ver com o relativismo moral e, longe de constituir um fator de dissolução e
permissividade, esta atitude metodológica contém uma forte carga ética.
- Do ponto de vista ético, o relativismo promove a coragem e a autorresponsabilização na
afirmação dos valores de cada um. E obriga, evidentemente, a cautela e reflexão dobradas sobre as
opções ou propostas pessoais; no caso concreto dos juristas, sobre as avaliações quanto à justiça ou
injustiça das situações ou sobre as propostas quanto à política do direito;
- Constitui um princípio de tolerância. As opções e os valores são apenas evidências pessoais. Não
se podem impor. Nem se podem fazer passar por algo mais do que aquilo que são. Nomeadamente,
não se podem apresentar como valores universais ou naturais;
Na história do direito, como se verá, as épocas dominadas pela ideia de uma razão única unidimensional
foram épocas de violência sobre a pluralidade das razões de cada um, de violência do direito sobre os
direitos. O que se explica bem: porque, se se crê que há possibilidade de provar a existência de valores
humanos naturais – isto é, comuns a todos os seres dotados de natureza e razão humanas –, então todos os
dissidentes desses valores ou não são homens ou, sendo-o, são irracionais (dementes, anormais).
A violentação das consciências não provém apenas do Estado, através da lei; pode provir também da
sociedade, através da imposição de cânones opressivos de comportamento (regras “de pensar” e de “atuar
politicamente”, regras “de decência”, regras “de trato”, “de vestir”, “de falar”, etc.), tal como tem acontecido
naquilo a que se pode chamar um “fascismo social”.
O relativismo, se é o fundamento da tolerância, é também o fundamento do diálogo, pois a aquisição de
posições comuns, que permitam a convivência das diferenças individuais, só pode ser obtida pelo confronto
de opiniões, pela transação de compromissos, pelo ganho de consensos, abertos, pragmáticos e provisórios.
A convivência exige a existência de um mínimo de regras comuns. Estas devem ser, por um lado,
consensuais.
1. Consensuais não quer dizer, por um lado, únicos, simplificadores da variedade social, opressores da
liberdade dos indivíduos ou dos grupos que compõem a sociedade. Consensuais quer dizer, desde
logo, que foram objeto de uma negociação política, em que todos tiveram a oportunidade de
participar de forma equilibrada. Estas condições não se realizam automaticamente, ou seja, não se
verificam sem uma intervenção da “república” no sentido de “melhorar as oportunidades de vida e de
maximizar a liberdade humana”.
2. Consensuais não quer dizer, por outro lado, “plebiscitários”, obtidos por qualquer meio empobrecido
de sondagem da opinião pública, que ratifique, no plano político, o predomínio de um senso comum
não refletido e manipulador. Porque isto não conduz a um reforço da autonomia individual, mas
antes à desorganização dos indivíduos perante forças que, essas sim, permanecem organizadas; quer
dizer obtidos a partir da multiplicidade dos pontos de vista pessoais, entendidos como pontos de vista
sobre o bem comum, mas seguidos de uma discussão política “substantiva”, que confronte essas
perspetivas e as avalie através da discussão.
Estas regras de convívio devem ser minimamente substanciais (quase integralmente processuais), para
deixarem conviver valores diversos. Por outro lado, devem ser tidos como provisórios, suscetíveis de revisão
e, eventualmente, afináveis no momento da sua aplicação, ou seja, variáveis de acordo com uma cuidada
interpretação de cada situação.
Sem prejuízo de que se trata de princípios mutáveis e abertos, eles constituem um núcleo muito firme de
regras de convivência, cujo estabelecimento (positivação) foi rodeado de uma série de cautelas, destinadas
justamente a garantir que eles exprimem o sentido comum da “república”; a sua alteração é possível, mas
deve obedecer a processos refletidos e inclusivos, não pode decorrer de juízos de oportunidade
conjuntural de uma maioria no poder. Aos juristas cabe esta vigilância para que o estrutural e permanente
não flutue ao sabor de interesses parciais ou de modas conjunturais. Isto supõe identificar e descartar, de
entre os valores emergentes, aqueles que correspondem ou (i) a meras reivindicações de apenas uma parte da
sociedade; ou (ii) a valores efémeros; ou (iii) a valores oportunistas dos que governam. Descartados estes
falsos valores comuns, restam os outros, como base mais estável da convivência.
É, então, importante reencaixar as pessoas em valores comuns assentes numa reflexão comum e
reconstruir, assim, a ordem social (e o sentido de comunidade e de segurança). Os juristas – embora não
só eles – podem participar nesta tarefa de construção de uma ordem social consensual para a
generalidade das pessoas. Para isto, tiram partido da sua especialização técnica; mas apenas se esta se
traduzir num conhecimento e reflexão sobre o direito em sociedade, pois só a combinação da técnica jurídica
com o conhecimento do seu impacto na sociedade podem viabilizar uma avaliação adequada dos valores a
eleger como valores constitucionais da ordem social.
A referência ao direito em sociedade envolve também o reconhecimento, por parte dos juristas, da sua
própria inserção social e da natureza politicamente comprometida (em vários planos) do seu discurso. Para
que, reduzidas as parcialidades e enviesamentos, a cultura jurídica dos juristas possa aspirar a valer como
um referencial neutro e inclusivo de todos os pontos de vistam que pode criar consensos sociais.
2. Cabe aos juristas procurar estabelecer rotinas para aplicação destes princípios, sempre tendo
presente a ideia de que todos estes processos e conceitos são provisórios;
Hespanha, p. 98-111
O pensamento social e político europeu é dominado, até ao século XVIII, pela ideia da existência de uma
ordem universal (cosmos), abrangendo os homens e as coisas, que orientava todas as criaturas para um
objetivo último que o pensamento cristão identificava com o próprio Criador. Tanto o mundo físico como o
mundo humano não eram explicáveis sem a referência a esse fim (telos) que os transcendia.
Numa sociedade profundamente cristã, o próprio relato da Criação não pode ter deixado de desempenhar um
papel na gestação desta ideia de ordem do mundo. Aí, Deus aparece, fundamentalmente, dando ordem às
coisas.
Esta narrativa da Criação inspirou seguramente o pensamento social medieval e moderno, sendo
expressamente evocada por textos de então para fundamentar as hierarquias sociais.
Ordenações afonsinas portuguesas esta memória da Criação/Ordenação aparece a justificar que o rei, ao
dispensar graças e, com isso, ao atribuir hierarquias políticas e sociais entre os súbditos, não tenha de ser
igual para todos.
Também a tradição da filosofia clássica – grega e romana – confirmava este caráter naturalmente
organizado do universo natural e humano.
Aristóteles o mundo está organizado em função das finalidades (causas finais); as coisas continham na
sua própria natureza uma inscrição (um gene, por assim dizer) que “marcava” os seus lugar e função na
ordem do mundo e que condicionavam não somente o seu estado atual, mas também o seu futuro
desenvolvimento em vista de finalidades. Era este gene que criava nas coisas “apetites” ou “hábitos”
internos que as encaminhavam espontaneamente para a ocupação dos seus lugares naturais e para o
desempenho das suas funções no todo. No caso dos homens, este gene determinava o seu instinto gregário e
o desempenho dos seus papéis políticos no seio de uma sociedade organizada em vista do bem comum.
A ideia de uma ordem objetiva e indisponível das coisas dominava o sentido da vida, as representações do
mundo e da sociedade e as ações dos homens. A ordem era um facto espontâneo da vida.
O comportamento justo era o que guardava a proporção, o equilíbrio, o modo (moderação) ou a verdade do
mundo, das pessoas, das coisas. Viver honestamente – que passava por ser um dos preceitos básicos do
direito era aderir à natureza das coisas, à ordem natural do mundo.
O comportamento manifestava a natureza, a honestidade e a verdade eram as qualidades daquele que se
portava como devia, como lhe era pedido pela sua natureza.
Imperativo de honestidade e de verdade importância atribuída aos dispositivos que visam tornar
aparente a ordem essencial das coisas e das pessoas: títulos e tratamentos, trajes “estatutários”, hierarquia
de lugares, precedências, etiqueta cortesã linguagem corrente das sociedades de Antigo Regime é, por
isso, muito rica nas formas de tratamento (de classificação, de hierarquização) eram condenáveis,
assim, todas as formas de falsidade e dissimulação.
Queria-se também reinventar uma ordem para o governo do mundo salientava-se a ideia do caráter
natural da constituição social: a organização social depende da natureza das coisas e está, por isso, para além
da arbitrariedade da imaginação ou da vontade de cada um As leis fundamentais (“Constituição”) de uma
sociedade (de um reino) não dependiam da vontade.
Soberano e vassalos podem temporariamente afastar-se das leis naturais de ordenação social, pela tirania ou
pela revolução; mas o mau governo é sempre um episódio político passageiro. Os povos já podem eleger as
formas de governo: monarquia, democracia, aristocracia, governo misto. Mas a constituição natural
conserva-se sempre como um critério superior para aferir a legitimidade do direito estabelecido pelo
poder, sendo tão vigente e positiva como este.
Portanto: o direito – todo ele, mas sobretudo o natural – desempenha uma função constitucional. Impõe-se
a todo o poder. Não pode ou, pelo menos, não deve ser alterado porque se funda nos princípios necessários
de toda a convivência humana.
Toda a atividade dos poderes superiores – ou mesmo do poder supremo – é tida como orientada para a
reposição da boa ordem, resolvendo conflitos entre conceções particulares acerca do respetivo lugar (direitos
e deveres) na ordem da cidade. Ao poder competia, portanto, “fazer justiça”. Se o poder, em vez de fazer
respeitar a ordem do mundo, tentasse criar uma ordem nova, o governo seria tirania (tirania quanto ao
exercício) podendo (e devendo) ser objeto de resistência.
A intervenção da imaginação e da vontade nas coisas do governo, ainda que não estivesse excluída de
princípio, deveria ser mínima. O príncipe só excecionalmente se devia desviar da razão dos peritos na ordem
natural das coisas (conselheiros, juristas), seguindo a sua vontade impetuosa e arbitrária. O bom governo
era o governo ordinário (dirigido à manutenção da ordem das coisas e organizado segundo os
procedimentos estabelecidos e ordinários).
O pensamento medieval sempre se manteve firmemente agarrado à ideia de que cada parte do todo
cooperava de forma diferente na realização do destino cósmico. Por outras palavras, a unidade da
Criação não comprometia, antes pressupunha, a especificidade e diferenciação dos objetivos de cada uma
das “ordens da Criação” e, dentro da espécie humana, de cada grupo ou corpo social. Nesta ordem
hierarquizada, a diferença não significa – pelo menos numa perspetiva muito global da Criação, que tem em
conta a sua origem primeira e o seu destino último – imperfeição ou menos perfeição de uma parte em
relação às outras. Significa antes uma diferente inserção funcional – subordinação de uns a outros não
representa menor dignidade dos primeiros, mas antes apenas o reconhecimento de que cada qual tinha um
específico lugar na ordem do mundo, que importava a submissão funcional a outras coisas explicação
otimista dos laços de submissão que decorriam da própria natureza ordenada do mundo.
Tomás de Aquino: compatibilidade entre a perfeição e unidade da Igreja e a existência de diferentes estados
no seu seio que corresponde à única forma de traduzir, no plano das coisas naturais, a imensa perfeição de
Deus: “nas coisas da natureza, a perfeição, que em Deus se encontra de forma simples e uniforme, na
universalidade das criaturas não pode encontrar-se a não ser pela diferença e multiplicidade”.
Esta ideia de que todos os seres se integram, com igual dignidade, na ordem divina, apesar das hierarquias
aí existentes, explica a especialíssima relação entre humildade e dignidade que domina o pensamento social
e político da Europa medieval e moderna. O humilde deve ser mantido na posição subordinada e de
tutela que lhe corresponde, designadamente na ordem e governo políticos. Mas a sua aparente
insignificância esconde uma dignidade igual à do poderoso. E, por isso, o duro tratamento
discriminatório no plano social (na ordem da natureza, do direito) é acompanhado de uma profunda
solicitude no plano espiritual (no plano da graça, da caridade, da misericórdia). Havia, assim, uma
proteção jurídica e solicitude paternalista dos poderes para com os mais humildes.
Apesar disto, a ideia de ordem sugeriu também outras perspetivas mais hierarquizadoras. Nomeadamente a
perspetiva de que a Criação era como que um corpo, em que a cada órgão competia uma função, e que estas
funções estavam hierarquizadas segundo a sua importância para a subsistência do todo. As criaturas não
eram apenas diferentes. Eram também mais ou menos dignas, em função da dignidade do ofício que
naturalmente lhes competia.
Existindo na Criação um modelo de perfeição que é o próprio Deus, este modelo não se refletia igualmente
em todas as criaturas. O homem fora criado “à imagem e semelhança de Deus”. Já a mulher não teria essa
natureza de espelho do divino. A sua dignidade seria menor; a sua face podia (e devia) andar coberta,
enquanto a face do homem – imagem de Deus – não deveria ser velada. E entre os homens, alguns – os
nobres e ilustres – teriam uma especial dignidade, constituindo a parte mais sã da sociedade a que devia
pertencer o governo.
Na sociedade tradicional europeia, identificavam-se três ofícios sociais: a milícia, a religião e a lavrança.
Mas esta classificação das pessoas podia ser mais diversificada e, sobretudo, menos rígida. No domínio da
representação em cortes, manteve-se basicamente a classificação tripartida até aos finais do Antigo Regime.
Já noutros planos da realidade jurídica (direito penal, fiscal, processual, capacidade jurídica e política), os
estados eram muito mais numerosos – constituíam-se estatutos pessoais ou estados, correspondentes aos
grupos de pessoas com um mesmo estatuto jurídico.
A conceção do universo dos titulares de direitos como um universo de “estados” (status) leva à
“personificação” dos estados. Ou seja: a considerar que uma mesma pessoa tem vários estados e que, como
tal, nela coincidem várias pessoas. Frente a esta multiplicidade de estados, a materialidade física e
psicológica dos homens desaparece. A pessoa deixa de corresponder a um substrato físico, passando a
constituir o ente que o direito cria para cada aspeto, face, situação social em que um indivíduo se lhe
apresenta.
A sociedade, para o direito, enche-se de uma pletora infinita de pessoas, na qual se espelha e reverbera, ao
ritmo das suas multiformes relações mútuas, o mundo, esse finito, dos homens. A mobilidade dos estados
em relação aos suportes físicos é tal que se admite a continuidade ou identidade de uma pessoa, ainda que
mude a identidade do indivíduo físico que a suporta. A relação entre estado e indivíduo chega a aparecer
invertida, atribuindo-se ao estado (à qualidade) o poder de mudar o aspeto físico do indivíduo. Nestes
casos, a realidade jurídica decisiva, a verdadeira pessoa jurídica, é esse estado, que é permanente; e
não os indivíduos, transitórios, que lhe conferem momentaneamente uma face.
Homem que não tenha estado não é pessoa. Há pessoas que, por serem desprovidas de qualidades
juridicamente atendíveis, não têm qualquer status e, logo, carecem de personalidade. Tal é o caso dos
escravos.
Esta é a imagem da sociedade de estados característica do Antigo Regime e que antecede a atual
sociedade de indivíduos.
Faz parte deste património doutrinal a ideia de que cada corpo social, como cada órgão corporal, tem a sua
própria função de modo que a cada um deve ser conferida a autonomia necessária para que a possa
desempenhar ideia ligada à de autogoverno (capacidade para dizer o direito, entendido como ordem que
fixa o conjunto de normas que asseguram a realização da função do órgão).
OU
Pluralismo jurídico = a ordem tem várias fontes de manifestação, não podendo ser reduzida ao direito
formal; a ordem estabelecia vínculos necessários entre as coisas, os comportamentos correspondentes a
estes vínculos convertendo-se em comportamentos devidos em virtude da natureza das coisas.
Ordem entre as criaturas cria dívidas recíprocas entre elas relações estabelecidas na ordem são deveres
a ordem institui o direito natural e soma dos deveres deve-se à ordem, ou seja, a Deus cumprimento
dos deveres recíprocos é um dever para com Deus direito natural é um direito divino.
Este caráter natural da ordem fazia com que ela se manifestasse de muitas formas – pelas tendências naturais
(amores), com o tempo concretizadas em costumes, pelas virtudes morais, pela Revelação divina e também
pelo direito formalizado pelos juristas, como peritos na observação e memória das coisas sociais, ou mesmo
pela vontade do rei, como titular de um poder normativo de origem divina.
IMAGINÁRIO INDIVIDUALISTA
Hespanha, p. 85-88
A exposição foi centrada na cultura jurídica erudita. Também tendo em conta a força modeladora que esta
tinha sobre as culturas subalternas, já antes referida.
Este efeito modelador da cultura jurídica letrada sobre as visões do mundo dos leigos aponta para dois temas
centrais que podem orientar a leitura deste livro e que constituem traços específicos da cultura da Europa
Continental Centro-Ocidental.
Um deles é esta centralidade da cultura jurídica.
O saber sobre a ordem das coisas, e a justiça como a virtude ou qualidade que atalha a desordem e repõe a
ordem, a cultura jurídica é a chave para a compreensão e direção das relações humanas de todo o tipo.
Também a técnica intelectual de decidir sobre quase todas as coisas problemáticas ou conflituais obedecia
ao modelo usado pelos juristas: recolher todos os pontos de vista possíveis, discuti-los com base nos
argumentos que se podiam produzir a respeito de cada um deles, ponderar estes argumentos uns em relação
aos outros, e decidir de acordo com o peso relativo que esses argumentos tivessem naquele ambiente
cultural.
Nas lutas pelo poder social, o grupo dos juristas esteve sempre na primeira linha. Durante séculos, os
juristas disputaram com outros grupos a legitimidade para dizer o direito e, assim, estabelecer as normas que
haveriam de regular a vida social, bem como decidir os conflitos que surgissem. Numa primeira fase, a sua
luta pela hegemonia na função de dizer o direito travou-se com as assembleias dos principais que, nas
comunidades europeias da Idade Média e da Idade Moderna, tinham funções quer de regulação da vida
local, quer de resolução de conflitos.
Ao mesmo tempo, os juristas tinham de disputar também aos príncipes – que, a partir do século XI,
começavam a querer imitar os imperadores romanos, reclamando para a sua vontade a força de lei – o poder
de estabelecer o direito. Não conseguiram impedir a legislação real; mas criaram uma série de
mecanismos que os tornava árbitros decisivos para a interpretação desta, para julgar da sua
legitimidade e para estabelecer o lugar dela no quadro das várias fontes de direito. Na verdade, em
sociedades com vários direitos – como foram as sociedades medievais e modernas – eram os juristas que, de
acordo com regras doutrinais por eles formuladas, decidiam da hierarquia dos vários direitos, da
aplicabilidade de cada um ao caso concreto (real ou imaginário), e do sentido que as normas deviam ter.
Consideravam-se a si mesmos como sacerdotes da Justiça, especialistas em distinguir o justo do injusto, com
base numa capacidade especial que teriam de reconhecer “as coisas divinas e humanas”. E, na doutrina do
direito contida nos seus livros, construíam instrumentos adequados a garantir que tivessem a última palavra
sobre a declaração do direito.
Este predomínio dos juristas nas sociedades de Antigo Regime provocou fortes tensões, quer das
populações, quer do poder dos príncipes. Desenvolveu-se uma forte cultura adversa aos juristas
profissionais, que desembocou numa extensa literatura contra os juristas.
Muitas das polémicas jurídicas atuais (positivismo vs. pós-positivismo, constitucionalismo vs.
neoconstitucionalismo, separação de poderes vs. governo de juízes, direitos nacionais vs. direito global)
podem ser lidas como episódios recentes de uma disputa de séculos.
Hespanha, p. 111-114
A genealogia mais direta do imaginário individualista da sociedade e do poder deve buscar-se na escolástica
franciscana quatrocentista – é com ela (e com uma célebre querela filosófica, a questão “dos universais”)
que se põe em dúvida se não é legítimo, na compreensão da sociedade, partir do indivíduo e não dos
grupos.
Passou a entender-se que aqueles atributos ou qualidades (“universais”) que se afirmam ou negam em
relação aos indivíduos (ser escolar, ser plebeu) e que descrevem as relações sociais em que estes estão
integrados não são qualidades incorporadas na sua essência, não são “coisas” sem a consideração das
quais a sua natureza não pudesse ser integralmente apreendida – como queriam os “realistas”. Sendo antes
meros “nomes”, externos à essência, e que, portanto, podem ser deixados de lado na consideração desta. Se
o fizermos, obtemos uma série de indivíduos “nus”, incaracterísticos, intermutáveis, abstratos, “gerais”,
iguais. Ignorada a sociedade, ou seja, o conjunto de vínculos interindividuais, o que ficava era o indivíduo,
solto, isolado, despido dos seus atributos sociais.
Para se completar a revolução intelectual da teoria política moderna só faltava desligar a sociedade de
qualquer realidade metafísica, laicizando a teoria social e libertando o indivíduo de quaisquer limitações
transcendentes – novo entendimento das relações entre o Criador e as criaturas: recaída no fideísmo, na
conceção de uma completa dependência do homem e do mundo em relação à vontade absoluta e livre de
Deus, que levou a uma plena laicização da teoria social (Grócio e Hobbes).
Deus move-se pelos seus “impulsos” estes – tal como os seus desígnios – são insondáveis tem de se
tentar compreender (por observação empírica ou por dedução racional) a ordem do mundo nas suas
manifestações puramente externas, como se Deus não existisse, separando rigorosamente as verdades da fé
daquilo que os homens podem ver ou inferir libertação dos indivíduos de todos os vínculos em relação a
outra coisa que não sejam as suas evidências racionais e os seus impulsos naturais.
Colocação do indivíduo no centro da teoria social – individuo genérica e abstratamente definido, igual livre
e sujeito a impulsos naturais o poder não pode ser tido como fundado na ordem das coisas poder
fundado na vontade:
1. Ou na vontade de Deus – manifestada na Terra, também soberanamente, pelo seu lugar-tenente, o
príncipe (direito divino dos reis);
2. Ou pela vontade dos homens – que, ameaçados ou pelos perigos e insegurança da sociedade natural,
ou pelo desejo de maximizar a felicidade e o bem-estar, instituem, por um acordo de vontades, por
um pacto, a sociedade civil (contratualismo).
Aula de 07-03-2022
IMAGINÁRIO CORPORATIVISTA
o A realização dos objetivos gerais da Criação implica que cada um desempenhe um papel diferente; a
ordem reside na desigualdade e a cidade é como um corpo;
o Num imaginário em que se acredita que a natureza está ordenada e que para conhecer o direito temos
de observar a maneira como a realidade está ordenada e como as coisas se fazem no mundo humano,
então tudo correrá bem e não é necessário um direito exterior a não ser quando a ordem falha;
o A ideia de eliminar a pobreza não se contempla neste imaginário porque a pobreza faz parte da
ordem das coisas; mas no mundo medieval admitia-se que os reis fizessem leis que atenuassem a
pobreza; diferença entre os fins: uma coisa é o rei e a ordem terrena, mas isto são fins temporais; no
que toca aos fins espirituais, está-se no plano divino, não há contradição;
o A pobreza era também uma oportunidade para os ricos exercerem a virtude da caridade;
o Não devia haver, portanto, mobilidade social; mas historicamente isto aconteceu, com o crescimento
das cidades e o surgimento de novos grupos sociais no século XIII;
o Mas o que se imaginava enquanto sociedade era que cada um sabia o seu lugar e todos
desempenhavam a sua função, e dessa maneira tudo correria bem;
o Diferenciação dos estatutos sociais: cada um tinha uma função e deveres e direitos próprios dessa
função; força reformativa do direito;
o Ideia de complementaridade: todos igualmente dignos, laços unem pessoas diferentes umas às outras
e todos são igualmente dignos; isto explica o preconceito, mas também a proteção paternalista e
solicitude do direito baseada na condescendência em relação aos mais pobres;
o Ideia de autonomia/autogoverno: poder descentralizado, por natureza repartido pelos vários grupos
sociais – havia vários poderes superanos (superiores) mas não era um só: autonomia político-jurídica
dos corpos sociais;
o Processo de centralização política como uma tentativa de o rei impedir isto, porque assim tornar-se-
ia um tirano (alguém que retira poder aos outros corpos e o concentra em si, alterando a ordem
social);
o A função do rei é garantir a ordem;
o Exercer o poder é coordenar e dar a cada um o que é seu, o que significa que exercer o poder se
identifica com preservar a justiça;
o A revolução (enquanto palavra remetia para um movimento cíclico dos astros) e era entendida como
uma forma de repor a ordem; depois a palavra adquiriu outro significado com a revolução francesa;
o Um rei tirano governa contra a constituição natural; a deposição de um tirano pode assentar no
discurso da restauração; os reis tinham limites que decorriam da repartição natural dos poderes e da
ideia de que a ordem não era para mudar;
o Não há política; toda a política está submetida ao jurídico porque há uma ordem anterior a qualquer
política que os homens possam querer prosseguir que se impõe;
o O direito torna-se criador quando reforça a ordem instituída através de regras;
IMAGINÁRIO INDIVIDUALISTA
Aula de 08-03-2022
Nominalistas:
o Nominalistas – na natureza há coisas particulares e diversas, cada coisa vale individualmente
(indivíduos), e os nomes e os rótulos não fazem parte da natureza VS realistas – ideia de que tudo
está ordenado e regulado em categorias na natureza (universais);
o Os nominalistas trazem a ideia de que é a vontade de Deus que ordena (teologia franciscana); mais
tarde, é a vontade do Homem;
o Vai surgindo com o tempo a ideia de laicização social, porque inicialmente vem ligado a uma ideia
fideísta;
o Neste sentido, distingue-se o bem do mal através da vontade de Deus, e esta vontade descobre-se
através da Bíblia;
o Para os nominalistas, fica o individuo, que ganhava antes existência inserido nos grupos que o
Homem criou; as corporações abafavam o indivíduo, despersonalizavam-no;
o Todos os indivíduos são iguais, quando vamos ao limite da abstração;
o Com os nominalistas, surgem os átomos (no sentido do individualismo) e a vontade de Deus;
o Para os nominalistas só há uma vontade primeira que está sempre a atuar;
o Com o tempo, desiste-se um pouco de Deus porque não se percebe qual é a sua vontade e quais são
os objetivos, então abdicam dessa ideia para manterem a paz;
Realistas:
o Para os realistas há uma dimensão racionalista, a ordem era obtida através da fé e da razão; mas
ainda estamos na Idade Média, momento em que o Homem ainda duvidada da razão; havia uma certa
racionalidade na natureza que permitia conhecê-la; figura de S. Tomás de Aquino importante no
realismo (tomistas);
o O realismo associa-se ao imaginário corporativista;
o Distingue-se o bem e o mal ao observar a natureza, ninguém o impõe do exterior;
o Os realistas são mais tradicionais, para eles as coisas existem, na sua essência, sem que haja
convenções sobre as coisas;
o A teoria das causas segundas integra-se no realismo, na separação da ordem da vontade de Deus (a
causa primeira);
o Deus criou o mundo fazendo-o funcionar de acordo com determinadas regras de organização,
afastando-se posteriormente e deixando o mundo a funcionar autorregulado pelas causas segundas; a
natureza, a sociedade, está organizada de acordo com causas autónomas da causa primeira, que é
Deus; as causas segundas não dependem da vontade;
o Até podemos olhar para a natureza como se deus não existisse – ideia que surge muito mais tarde; há
uma autonomização da obra em relação ao criador, a natureza passando a autorregular-se;
o De vez em quando deus intervém e altera as regras, quando há milagres;
Mais tarde,
o A sociedade pode ser pensada como um agregado de indivíduos;
o Reforma e contrarreforma – Século XVI – parece que o conjunto de átomos estão a chocar uns com
os outros e que afinal não há ordem, há desordem;
o Afinal, vai ter de haver uma vontade que ponha ordem em tudo; a ordem pode ter uma vontade
exterior;
o O processo de laicização favorece a ideia de que na origem da ordem está a vontade do Homem; “se
Deus não organiza, organizamos nós” – século XVII, o homem já confia em si próprio e acredita que
se pode substituir a Deus;
o Visão otimista das capacidades do Homem (culto do homem, crença na razão);
o Começa a achar-se que a sociedade pode ser o resultado de um contrato entre indivíduos iguais
(Contrato Social) – Racionalismo;
o Visão contratualista da ordem humana – “estado de natureza” é um estádio pré-social (em alguns
casos antissocial); diz-se até que o Homem é naturalmente antissocial;
o A natureza já não é a sociabilidade, mas exatamente o contrário;
Hobbes:
“Eu demonstro, em primeiro lugar, que o estado dos homens sem sociedade civil, estado esse a que
podemos chamar com propriedade estado natureza, nada mais é do que um estado de guerra de todos
contra todos; e nessa guerra todos os homens têm igual direito a todas as coisas. De seguida, que todos os
homens, logo que chegam à compreensão desta odiosa condição, desejam, e a própria natureza os compele
(nesse sentido), ser libertados desta miséria. Porém, isso não pode ser realizado a não ser por contrato.
Todos eles renunciam a esse direito que têm a todas as coisas. Para além disso eu declaro e confirmo qual
é a natureza do contrato; como e através de que meios o direito de um pode ser transferido para outro,
para tornar válidos os seus contratos; também que direitos, e a quem devem eles ser concedidos para o
estabelecimento da paz”.
o Nova ideia: quem garante que o homem cumpre as normas se a sua natureza é tão negativa? Nasce a
ideia de soberania;
o Tem de haver um soberano que garanta as normas da convivência social;
o Este soberano representa-os a todos e é criado no contrato – um contrato de submissão para garantir
a força do contrato e para garantir que ninguém quebra o contrato (evitando voltar ao estado de todos
contra todos -à violência do estado de natureza);
o Onde antes havia uma ordem natural com poderes repartidos e a ordem se equilibrava, agora como
tudo no início é desordem, é preciso transferir tudo para o soberano, para que ele tenha o poder
suficientemente forte para manter a paz;
o O soberano existe para garantir segurança e é respeitado porque representa a vontade de todos, já que
é criado com o consentimento dos súbditos (contrato de obediência – o soberano representa na
condição de que os súbditos obedeçam, e assim mantém-se a paz);
o É o soberano quem cria a propriedade, a liberdade e a segurança; mais importante que estes direitos,
está a paz;
o Positivismo: é a lei que cria a ordem, não há direito antes da sociedade;
o Em Hobbes não há direito de resistência porque isso põe em causa a ordem e há um retorno ao caos
do estado de natureza; o soberano representa todos (teoria da representação); só há povo quando há
soberano, porque o povo só existe a partir do momento em que há um soberano que o represente
(Hobbes contorna o problema da resistência);
Locke:
o Locke: também diz que há estado de natureza e guerra (porque cada um é juiz em causa própria) mas
os homens respeitam-se uns aos outros na sua liberdade, propriedade e vida (há alguma segurança);
ele diz que no estado de natureza já existem leis (e é no estado de natureza que se constitui a
propriedade);
o Há uma certa ordem no estado de natureza;
o Como cada um é juiz em causa própria, cada um pode decidir condenar outros que violem os
interesses; é preciso alguém que faça com que o direito natural se torne direito positivo para que as
condenações ocorram sem arbitrariedade;
o Para evitar o perigo de uma guerra, entra-se no Contrato Social e aceita-se transferir um poder para o
soberano com a garantia de que ele respeite e faça respeitar os direitos que já se tinha no estado de
natureza (liberdade, propriedade e segurança);
o Jusnaturalista: a sociedade só existe para garantir melhor dos direitos que o homem já tem
naturalmente;
o Não se pode nomeadamente legislar contra os direitos naturais;
o Os direitos já existem antes do soberano e limitam o próprio soberano (raciocínio liberal); evitar que
o soberano use um poder extremo para pôr em causa direitos;
o O soberano é uma assembleia junto do rei (democrático) e não atenta contra os direitos porque há
mecanismos que o controlam;
o Locke considera a paz como uma coisa natural;
Concluindo:
o Do ponto de vista do poder, ele está concentrado numa só entidade (o pacto entre todos gera o
soberano mais ou menos limitado por direitos);
o Desaparece o pluralismo político; quem diz o direito já não é a família, os senhores, o pai, mas
apenas o soberano (monismo);
o Paradigma individualista – “paradigma” não é algo totalitário; são tendências, uma hegemonia;
DIREITO COMUM
Séculos XII-XVIII
Direito Romano
- Vigora em “Razão do Império”, em virtude da submissão política à autoridade universal do
Imperador;
- Vigora por “imperativo da Razão”, em virtude da crença na sua racionalidade intrínseca, na sua
consonância com a “ordem das coisas”, por uma aceitação voluntária da sua razoabilidade,
potenciada pelos juristas das Escolas medievais (Glosadores e Comentadores).
o Ideia de que o direito romano vigora em todo o lado e tem legitimidade porque é racional, porque se
acredita que é a razão escrita; em alguns lugares acredita-se que o direito romano se opera a partir do
imperador (na idade média há vários momentos em que se procura reconstituir o império romano);
o O direito romano vigora por causa da autoridade do imperador e da sua razoabilidade (também
porque reconhecia o pluralismo, nomeadamente o direito das cidades);
o O direito romano era inicialmente um direito próprio de uma cidade, Roma, e, portanto, os direitos
próprios das cidades eram considerados vitais;
Direito canónico
- Vigora em virtude da autoridade universal do Papa;
- Vigora porque tem como fonte primeira as Sagradas Escrituras.
o O direito canónico: desde o século I que a igreja tende a expandir-se aproveitando os regimes
imperiais; os imperadores medievais eram cristãos;
o O direito canónico tem legitimidade por causa do papa e por causa das suas fontes (nomeadamente
os evangelhos, a palavra de Deus, que são a fonte primeira);
o Ambos os direitos são importantes e válidos, cada um na sua esfera, atuando ao mesmo tempo;
Direitos próprios (dos Reinos, das Cidades (estatutos), das Corporações, costumes locais, direitos
senhoriais, privilégios pessoais, territoriais e corporativos, etc.)
- Vigoram em virtude da lei Omnis Populi (Digesto, 1,1,1,9);
- Vigoram em virtude da permissão (permissio) ou reconhecimento tácito (tacitus consensus) do
Imperador, no Livro da Paz de Constança (1184);
- Vigoram em virtude da submissão política à autoridade dos reis (“O rei que não conhece superior é
Imperador no seu Reino”, rex superiorem non recognoscens in regno suo est imperator, Azo, séc.
XII);
o O mapa político da Idade Média é extremamente complexo (condados, cidades, reinos – cada um
com o seu direito próprio);
Hespanha, p. 114-175
O direito da Europa Ocidental entre os séculos XII e XVII tem recebido designações muito variadas, mas a
designação hoje mais usada é a de “direito comum” característica central deste direito: a de que ele
tende para a unidade:
1. Unifica as várias fontes do direito;
2. Constitui um direito tendencialmente único (ou comum) a todo o espaço europeu ocidental;
3. “Trata” este direito de acordo com os cânones de um saber jurídico comum;
4. Forjado num ensino universitário do direito que era idêntico por toda a Europa;
5. Vulgarizados por uma literatura escrita numa língua então universal – o latim;
a. Tendência para a unidade dos vários ordenamentos jurídicos europeus a tríade “uma religião, um
império, um direito” parecia apontar para algo de natural na organização do género humano, uma
comunidade de governo temporal e espiritual e uma certa unidade do direito (ius commune).
1. Reconstituição do Império de Carlos Magno (séc. IX), seguido do Sacro Império Romano-
Germânico (séc. X) – ideia de que estes impérios sucediam ao Império Romano, um “império
universal” de que os novos imperadores francos e germânicos seriam os sucessores;
2. Existência, no plano religioso, de uma Igreja universal que reunia toda a cristandade – o império
e a igreja tinham os seus ordenamentos jurídicos, que coexistiam paralelamente;
b. Homogeneidade da formação intelectual dos agentes a cargo de quem esteve a criação do saber
jurídico medieval: os juristas letrados:
1. O uso da mesma língua técnica – o latim –, o que lhes criava, para além daquele “estilo” mental que
cada língua traz consigo, um mesmo horizonte de textos de referência;
2. Formação metodológica comum, adquirida nos estudos preparatórios universitários, pela leitura dos
grandes “manuais” de logica e de retórica163 utilizados nas Escolas de Artes de toda a Europa;
3. Facto de o ensino universitário do direito incidir unicamente – até à segunda metade do séc. XVIII –
sobre o direito romano (nas Faculdades de Leis) ou sobre o direito canónico (nas Faculdades de
Cânones), pelo que, nas escolas de direito de toda a Europa Central e Ocidental e ensinava, afinal, o
mesmo direito, com a mesma língua e a mesma metodologia;
Na sociedade europeia medieval, conviviam diversas ordens jurídicas: direito comum temporal (identificável
com o direito romano, embora reinterpretado), direito canónico, e direitos próprios – coexistência de ordens
jurídicas diversas no mesmo ordenamento jurídico pluralismo jurídico.
Aquino: a ordem mantinha-se pela existência de forças íntimas que atraem as coisas umas para as outras, de
acordo com as suas simpatias naturais, transformando a Criação numa rede de empatias. O amor é o afeto
das coisas pela ordem do todo.
Esta ideia central de uma ordem global sustentada por impulsos naturais e plurais explica a proximidade
entre mecanismos disciplinares como o direito, a religião, o amor.
Uma vez que a instituição da ordem foi um ato de amor e que as criaturas estão ligadas umas às outras por
afetos, o direito humano (civil) constitui apenas uma forma externa, rude e grosseira, de corrigir défices
ocasionais dessa simpatia universal. Para os níveis mais elevados – e mais internos – da ordem, existem
mecanismos mais subtis, como a fé ou as virtudes, que disparam sentimentos ordenadores.
Os juristas são os guardiões deste mundo multiordenado e auto-ordenado. O seu papel não é o de criar ou
retificar a ordem. Têm o papel de sondar o justo a partir da natureza, tirando partido de todos os recursos da
sensibilidade humana (achava-se que a razão, mas também as emoções serviam para descobrir o justo). A
criação do direito não é com eles. É com eles levar a cabo uma hermenêutica ilimitada de Deus, dos
homens e da natureza. E explicar os resultados deste trabalho de interpretação em fórmulas que
reunissem o consenso da comunidade.
"Os direitos do povo romano são constituídos por leis, plebiscitos, senatusconsultos, constituições dos príncipes,
éditos dos que têm direito de dar éditos e respostas dos prudentes.
Lei é o que o povo autoriza e estabelece (…)
Senato-consulto é o que o Senado autoriza e estabelece (…)
Constituição do príncipe é o que o imperador estabelece por decreto, édito ou epístola (…)
O direito de dar éditos têm-no os magistrados do povo romano. Este direito está principalmente nos éditos dos
pretores, do urbano e do peregrino (…); igualmente nos éditos dos edis curis, cuja jurisdição têm nas províncias do
povo romano os questores (...).
Respostas dos prudentes são as sentenças e opiniões daqueles aos quais se permite estabelecer direito. Quando as
sentenças de todos são unânimes, o que opinam obtém força de lei, mas quando se desentendem, o juiz pode seguir a
sentença que quiser (...)".
Institutiones, 1,2, Gaio (séc. II(?))
Todos os amores (familiar, filial, por contrição, etc.) eram o cimento da ordem do mundo, e criavam
obrigações. A religião também criava obrigações, bem como as criaram as afeições que deus imprimiu nas
nossas mentes ou desejos.
Entre os amores existia uma hierarquia, baseada no critério da proximidade em relação à fonte da ordem
(Deus, natureza).
1. A revelação e o direito divinos deveriam, por isso, ocupar um lugar de topo no conjunto das ordens
normativas;
2. De seguida, o direito canónico positivo (mais externo à natureza das coisas e mais dependente da
vontade dos homens);
Em alguns casos, a ordem divina afastava a ordem humana. Noutros, a ordem divina atenuava o rigor da
ordem civil.
3. Depois vinham as outras ordens normativas – ordem doméstica, por exemplo – onde as normas
decorriam da própria “natureza”, sendo transcritas para o corpo do direito.
Como a família não era a única instituição natural, outras relações humanas tinham pretensões “naturais” em
relação ao direito (por exemplo, os contratos).
A transcrição de normas de uma ordem na outra tornava-se possível pela existência de conceitos genéricos
que serviam como que de “canais de comunicação” entre elas. Por exemplo, a comunicação entre:
- Direito e política: canais como “utilidade pública” ou “bem comum”
- Direito e o que estava estabelecido na comunidade: por meio de noções como posse de estado e direitos
adquiridos;
- Direito e natureza: recurso à natureza das coisas;
- Direito e religião: invocação da piedade, da moral, da caridade.
Resultado: ordem entrecruzada e móvel, cujas particularizações não podiam ser antecipadamente previstas
– geometria variável do ius commune. Em vez de um sistema fechado de níveis normativos, cujas relações
estavam definidas de uma vez por todas, o direito comum constituía uma constelação aberta e flexível de
ordens cuja arquitetura só podia ser fixada em face de um caso concreto.
Nesta constelação, cada ordem normativa (com as suas soluções ou seus princípios gerais) era apenas um
tópico heurístico (ou perspetiva) cuja eficiência (na construção do consenso comunitário) havia de ser posta
à prova. Daí que coubesse ao juiz fornecer uma solução prudencial ou arbitrada.
o direito continha orientações que o juiz devia pôr em confronto para, de forma metódica e argumentada,
chegar a uma solução quanto possível explicável e suscetível de obter consenso; uma solução que
harmonizasse princípios jurídicos conflituais.
O direito canónico deveria prevalecer em assuntos relacionados com a ordem sobrenatural, deixando ao
direito civil as matérias de natureza temporal. MAS, mesmo em matérias temporais, podia acontecer que
devesse vigorar o direito canónico, desde que a solução do direito civil contrariasse gravemente princípios
de convivência impostos pela ordem religiosa, legitimando atitudes pecaminosas. Só caso a caso se podia
determinar o modo de resolver conflitos entre direito civil e direito canónico.
Ius commune direito geral conjunto de normas tidas como provenientes da razão natural.
Direito civil: aquilo que cada povo estabelece como direito e é próprio de uma cidade.
Direito das gentes: aquilo que a razão natural estabelece entre todos os homens e é observado por toda a
parte.
O facto de provirem da razão não garantia a estas normas uma vigência superior, pois da mesma razão
decorria a faculdade de cada cidade ou de cada nação corrigir ou adaptar, em face da sua situação concreta,
o princípio racional estabelecido em geral (embora a razão natural tivesse em vista o que resultava justo na
generalidade dos casos, a realidade era demasiado variada).
A decisão “autoritária” do legislador – tal como a decisão “arbitrária” do juiz – tinha de se fundar em dados
objetivos (neste sentido, racionais). Por isso, a legitimidade dos poderes para dizer o direito (iurisdictio)
estava vinculada à realização da equidade.
O direito comum vigoraria apenas para os casos em que um direito particular não o tivesse afastado;
ou seja, vigoraria apenas como direito subsidiário. Mas, sendo fundado na razão, acabava por ter uma
vigência potencialmente geral. Isto queria dizer que, em primeira linha, se aplicava a todas as situações não
cobertas pelos direitos próprios ou particulares. Importa ainda dizer que os juristas, formados na dogmática
do direito comum e crentes na sua intrínseca racionalidade, tendiam a aplicar ao direito particular os cânones
interpretativos e conceituais do direito comum.
Assim, direito comum completava os direitos próprios, nas suas lacunas. E a decisão sobre existência ou
não de lacunas – porque aqueles não tinham uma teoria própria da norma jurídica – cabia ao direito comum,
bem como a formulação de teorias gerais (que não podiam ser deduzidas de normas particulares)
pertencia ao direito comum (à doutrina nele fundada) a constituição do fundamental do aparelho
dogmático do direito.
Ainda assim, havia relações entre o direito comum e os direitos particulares em que os segundos eram
estabelecidos – validade dos direitos feudais, prevalecimento do princípio de que o costume tem a força de
lei, etc.
Direito comum não era único: ao lado do direito comum geral, existiam direitos comuns especializados,
referentes a certas matérias (ex.: direito canónico, referente à religião). Entre direitos comuns chegavam a
existir princípios contraditórios.
Direitos próprios: direitos dos reinos + estatutos das cidades + costumes locais + privilégios
territoriais/corporativos
§ 3. O direito natural é aquele que a natureza ensinou a todos os animais. Na verdade, este direito não é próprio do
género humano, mas comum a todos os animais que nascem na terra e no mar, e também às aves. Daqui provém a
união entre o macho e a fêmea a que nós chamamos matrimónio, daqui decorre a procriação dos filhos e a sua
educação. Na verdade, vemos que os restantes animais, mesmos as feras, parecem ter uma noção deste direito.
Aquilo que distingue o direito natural do das gentes é fácil de entender, pois que aquele é comum a todos os animais
e este apenas [comum] aos homens".
Digesto, 1,1,3, Ulpianus (séc. III)
A partir do século XI direitos dos reinos pretendem uma validade absoluta no domínio territorial da
jurisdição real; “o rei que não reconhece superior é imperador no seu reino”
Fundamento doutrinal da ideia encontra-se no Digesto: “o que agrada ao príncipe tem o valor de lei; na
medida em que pela lex regia, que foi concedida ao príncipe sobre o seu poder político [imperium], o povo
lhe conferiu todo o seu poder e autoridade”
Consequências afirmação de que o ius commune não vigorava internamente por força de critérios
políticos, mas por força da sua racionalidade intrínseca o que conduziria à distinção entre normas do
direito comum conformes à boa razão e outras que não o eram + conclusão de que, sendo comum, o direito
do reino continha uma ratio iuris que vigorava o seu seio e da qual se podiam extrair consequências
normativas, com o que o direito do reino adquiria alguma força expansiva do direito comum imperial.
Relações entre direito real e direitos locais inferiores relações entre direitos próprios e ius commune a
supremacia deste não decorria da superioridade política, mas do enraizamento na natureza.
Supremacia do poder real sobre os súbditos não tinha paralelo nas relações entre ius commune e direito real.
O direito do reino é, politicamente, supraordenado aos direitos emanados de poderes inferiores do reino,
o que não acontecia com o ius commune em relação aos direitos dos reinos não submetidos ao imperador.
MAS, sendo o direito do rei o direito comum do reino, valem em relação a ele as mesmas regras que valiam
quanto ao ius commune nas suas relações com os direitos próprios. E, assim, a afirmação da supremacia
política não excluía que, desde que esta não estivesse em causa, pudessem valer dentro do reino, nos seus
respetivos âmbitos, direitos especiais de corpos políticos de natureza territorial ou pessoal. A salvaguarda da
supremacia política do rei seria garantida, então, por um princípio de especialidade, segundo o qual a
capacidade normativa dos corpos inferiores não podia ultrapassar o âmbito do seu autogoverno.
A prevalência dos direitos particulares dos corpos tinha um apoio no direito romano.
Ordens jurídicas particulares (protegidas pela regra da preferência do particular sobre o geral) = privilégios
(eram, por exemplo, os estatutos (direitos das cidades, dos municípios), considerados como ius civile, com
dignidade igual à direito de Roma; ou o costume, cujo valor era equiparado ao da lei; ou os direitos especiais
de pessoas/grupos particulares, cuja revogação por lei geral ou sem expressa referência não era admitida.
Em todos estes casos, ainda que as normas particulares não pudessem valer contra o direito comum do reino
enquanto manifestação de um poder político superior (quase imperial), podiam derrogá-lo enquanto
manifestação de um direito especial, válido no âmbito da jurisdição dos corpos de que provinham – a sua
capacidade de autogoverno e de edição de direito era natural e impunha-se, assim, ao próprio poder
político mais eminente.
Direito comum ordem garantista garantia os direitos particulares contra o direito geral os direitos
estavam antes e acima do direito, direitos particulares de uma pessoa/comunidade, adquiridos pela tradição
ou por concessão individualizada do poder consolidação dos equilíbrios sociais estabelecidos tradução
jurídica da situação de que cada um gozava na sociedade hierarquizada
A lógica de combinação temporal das normas jurídicas permitia que as leis antigas conservassem uma
certa vigência no presente.
Considerava-se que as leis antigas sobreviviam nas mais recentes e que as mais recentes deviam ser
harmonizadas com as mais antigas, a menos que as contradissessem.
As leis não eram senão explicitações de normas de direito que estavam inscritas na natureza das coisas.
Por isso, existiam desde sempre, embora até certo momento implícitas. Logo, direito novo e direito antigo,
ainda que divergentes, testemunham uma ordenação íntima das coisas, que vai sendo revelada a pouco e
pouco. As normas jurídicas acumulam-se em camadas sucessivas, podendo ser conjuntamente chamadas a
resolver um certo caso.
A tensão entre direito anterior e direito posterior tornou-se mais viva com a receção, na cultura jurídica
letrada da Europa Ocidental, da tradição do direito do antigo Império Romano – os costumes gerais/locais
contrastavam fortemente com o direito romano.
A busca por um equilíbrio casuístico entre o direito tradicional e o direito recebido (romano e
canónico) estava limitada pela tendência para a unificação jurídica, sob a égide de direitos cultos, que
aspiravam a uma validade universal.
Primeira preocupação na arquitetura do ius commune: tornar os diferentes pontos de vista normativos
harmónicos na sua diversidade, sem que isso implicasse que alguns fossem absolutamente sacrificados aos
outros todas as normas deviam valer integralmente e cada norma funcionava como uma perspetiva de
resolução do caso (mais forte ou mais fraca segundo essa norma tivesse uma hierarquia mais ou menos
elevada, mas, sobretudo, segundo ela se adaptasse melhor ao caso em exame) no decurso da discussão, as
normas irão ser admitidas ou não, dependendo da aceitabilidade da via de solução que abrem.
Regra mais geral de conflitos nesta ordem = arbítrio do juiz na apreciação dos casos concretos o juiz
que, caso a caso, ponderando as consequências respetivas, iria decidir do equilíbrio entre as várias normas
disponíveis, guiado pelos princípios gerais e pelos usos do tribunal ao julgar questões semelhantes.
Particularismo/casuísmo (literatura secundária moodle)
O critério da utilitas: Direito comum (Ius commune) e Direito singular (ius singulare)
“Direito singular é aquele que, contra o teor da razão, foi introduzido com a autoridade dos que o estabelecem, por
causa de alguma utilidade particular”
Digesto, 1, 3, 16, Paulus (séc. III), Livro único sobre o direito singular
“Multa iure civili contra rationem disputandi pro utilitate communi recepta esse”.
Digesto, 9, 2, 51, 2
Para além da pluralidade de ordens normativas e do caráter casuístico da sua hierarquização, a flexibilidade
resultava também da ideia de que o território do direito existia entre os céus e a vida quotidiana, entre o
domínio sobrenatural da religião e o domínio das normas jurídicas terrenas.
Acima da lei da natureza e do direito positivado estava a suprema ordem da Graça, intimamente ligada á
própria divindade.
Teologia da criação:
- O ato de Criação (ato primeiro) = ato incausado e livre, de pura (absoluta) vontade = ato de Graça;
- A Criação não é boa por corresponder a uma bondade anterior a Deus; Deus, sendo bom, não poderia ter
querido outra coisa senão o bem;
- A Criação, não sendo “devida”, sendo livre e “gratuita”, não é arbitrária, pois há uma ordem, nos próprios
atos arbitrários;
- O ato primeiro de Criação permitiu que Deus estabelecesse a ordem, que ficou a valer em relação às coisas
humanas e não humanas;
- Dentro das humanas, deu origem ao direito natural;
- Porém, esta ordem estabelecida não era finita, porque Deus desenvolvia a ordem por meio de outros atos,
não devidos e livres, outros atos de Graça (nomeadamente os milagres).
Tendência geral da teologia católica, depois do Concílio de Trento – restringir o arbítrio divino, tornando-o
menos soberano no domínio dos atos de Graça, insistindo no caráter justificador das ações dos homens (que
eram factos objetivos que forçavam a vontade de Deus na sua “gestão da Graça).
Assim, os atos incausados que alteravam a ordem estabelecida eram muito extraordinários e exclusivos dos
vigários de Deus na terra – os príncipes usando o poder extraordinário, imitam a Graça de Deus,
introduzindo uma flexibilidade quase divina na ordem humana.
Como a graça não é o puro arbítrio, a potestas extraordinaria dos príncipes aparece como uma versão ainda
mais sublime da justiça.
A graça ode tornar-se como que “devida”, em face de atos também gratuitos (favores, serviços) que os
vassalos tenham feito ao rei, e que, assim, geravam o sentimento natural de gratidão, forçando os reis à
atribuição de recompensas ou mercês.
Vários níveis de ordem (flexibilidade): quanto mais elevados, mais inexplicáveis e não generalizáveis eles
seriam insuficiência humana para esgotar por meios racionais e explicáveis o todo da ordem da natureza e
da humanidade.
1. Século XII: Graciano ligou a questões à legitimidade os privilégios, isto é, normas singulares que se
opunham à norma geral equidade como justiça especial, não geral e não igual, mas mais
perfeita do que a justiça igual (da qual a equidade seria a mãe).
2. Aquino: partindo da declaração de que a equidade é uma virtude anexa à justiça (Aristóteles),
interroga-se sobre uma questão mais geral acerca da natureza de um tipo de conhecimento que
designa por gnome: ao passo que a justiça geral era o produto de uma forma menos refinada e
profunda de conhecimento, a justiça particular (ou equidade) decorria dessa forma superior de
entendimento das coisas que alcançava níveis superiores e mais escondidos da ordem do mundo – a
gnome – e que permitia entender, a partir daí, soluções jurídicas que não podiam ser explicadas pela
regra geral.
- O direito medieval inglês (common law) – de origem normanda – era, sobretudo, um sistema muito estrito
e formalizado de ações (writs). Um queixoso não poderia fazer valer os seus direitos se não encontrasse uma
ação na qual pudesse integrar a sua pretensão.
- Adam Smith (séc. XVIII): a liberdade dos ingleses repousava principalmente no escasso poder dos juízes,
ao explicar, alterar ou estender, corrigir o sentido das leis, e na grande exatidão com a qual estas têm de ser
observadas de acordo com o significado literal das suas palavras.
- Grande rigidez no direito, começando a manifestar-se uma resistência dos senhores feudais à concessão de
novos tipos de ações, nos quais viam potenciais garantias de direitos das populações que poderiam limitar o
seu arbítrio.
- A forma de superar este conservadorismo jurídico foi um progressivo recurso à equidade, que – embora
com alguma expressão mesmo nos tribunais clássicos do common law – teve um impacto maior naqueles
tribunais em que os juízos de oportunidade ou a pretensão régia de corrigir o direito em função da justiça
eram dominantes (tribunais reais mais especializados).
- Dada esta separação institucional, a equity acabou por se constituir num ramo de direito relativamente
autónomo em relação ao common law.
Uma vez que este direito não permite uma aplicação automática, os aplicadores do direito (juízes) e os
especialistas em direito (juristas) não aplicam, em rigor, o direito geral ao particular; eles criam o direito
para os casos concretos.
Antes da criação orientações genéricas e provisórias, cuja justeza tem de ser avaliada no concreto
papel muito importante dos juízes/juristas na realização do direito e na configuração da ordem social
decidem muitas coisas que afetam direitos e deveres de cada um decisões só são aceites se eles
dispuserem de grande autoridade social (caso contrário, os critérios de decisão começariam a ser
questionados, e, não sendo claros, a ser considerados arbitrários ou interessados).
A autoridade social dos juízes começou por se basear no seu prestígio social: eram escolhidos pelas
populações, de entre as elites das comunidades, e a quem a comunidade reconhecia uma liderança natural
(pela idade, família a que pertenciam, autoridade civil/religiosa). Os juízes ocupavam-se da justiça e do
governo local, as suas decisões fundando-se no direito tradicional da terra (comunitariamente
reconhecido). Pelo prestígio e pela consensualidade das suas decisões, a sua autoridade não era questionada,
a menos que se desviassem dos padrões de decidir reconhecidos ou demonstrassem que usavam da sua
jurisdição em proveito próprio ou de forma desigual.
Podia haver, ao lado dos juízes, especialistas de direito local, a que chamavam assessores ou procuradores.
Não eram juristas letrados, mas pessoas com experiência prática do direito (notários, arquivistas, antigos
juízes, ...). Esta tradição de juristas práticos, sem uma formação letrada, que tiravam o direito ou de uma
aprendizagem prática ou “da sua consciência” vinha já das épocas mais antigas do direito romano, em que os
candidatos a juristas estagiavam junto de juristas mais velhos e prestigiados. Esta tradição foi corrente na
Europa antes da receção do direito romano, mantendo-se, depois, em muitas regiões, sobretudo rurais.
Os juristas letrados, em contrapartida, são um produto da receção do direito romano e do seu ensino nas
universidades, a partir do século XII. A curto prazo, a sua autoridade como especialistas de direito estendeu-
se por toda a Europa Ocidental. Ela provinha de um saber académico que se opunha tanto ao conhecimento
da prática do direito (Prudentia) como à intuição da justiça por parte de quem tinha uma consciência reta e
um coração bom (bonitas, bondade).
Os segundos, titulares do saber do direito comum, tentavam desalojar os juristas tradicionais, depositários de
tradições jurídicas locais consuetudinárias, com base no argumento da perfeição/racionalidade/tecnicismo
do direito romano ( da rusticidade dos direitos locais e da parcialidade/ignorância/irracionalidade dos
juízes tradicionais).
Práticas locais = abusos/deturpações; juízes locais = parciais e dominados por grupos; juristas = leigos,
ignorantes, manhosos desvalorização pela literatura jurídica académica dos direitos locais e
tradicionais, exaltando o esplendor e perfeição do direito dos letrados.
Direito académico:
- Revelava o verdadeiro direito escondido nas coisas da vida;
- Era revelado por um saber especializado a cargo de sacerdotes capazes de revelar regras gerais de
convivência, mas também a extensão e os limites de exceções particulares a essas regras.
- Os juristas eram também capazes de encontrar a articulação justa entre o universal e o particular, podendo,
por isso, tanto declarar o direito comum, como exprimir de forma adequada os direitos próprios.
Reação do mundo jurídico local às inovações do direito comum, à sua distância do mundo jurídico
tradicional, ao caráter e à própria natureza escrita e hermética do saber jurídico académico. Em alguns casos,
a reação contra os juristas cultos de formação cosmopolita (direi- tos romano e canónico) foi liderada por
outros juristas cultos, formados nas práticas dos altos tribunais da Coroa. Em geral, porém, a reação
contra os letrados do ius commune tinha um recorte mais popular. Os povos revoltam-se contra a subversão
do direito tradicional, contra o secretismo do saber dos juristas letrados, contra o modo como este encobriria
manhas, enganos, corrupção e desonestidade dos juristas e dos seus clientes, contra a incerteza e
arbitrariedade do direito letrado e contra a impossibilidade de escrutinar as razões dos seus técnicos. Os
novos juristas seriam palavrosos, vazios, formalistas, arbitrários, subversivos da ordem estabelecida.
Este discurso alimentava revoltas populares contra os “doutores” e os símbolos do seu saber: universidades,
direito escrito, cartórios e arquivos, magistrados letrados.
Durante vários séculos, mundos opostos produzem um resultado comum: colocar os juristas (populares ou
letrados) no centro do direito. Uns ou outros – nos respetivos níveis de ação – declaravam o direito.
A autoridade social dos juízes (e juristas) populares manteve-se mais, porque eles encarnavam práticas
jurídicas e sentimentos de justiça enraizados nas comunidades. Por sua vez, os juristas letrados vão
estabelecendo progressivamente a sua autoridade como técnicos, nas esferas do direito oficial (dos reinos,
das grandes cidades, da Igreja). Mas, à medida que isto acontecia e a sua intervenção na vida jurídica e
política local se intensificava, crescia também a oposição popular ao seu saber e à sua prática péssima
fama dos juristas, como manipuladores do direito e vendilhões da justiça.
Durante toda a Idade Média (e muito mais tarde ainda), a autoridade política não é artífice exclusiva do
ordenamento jurídico e a lei não é a fonte predominante do direito.
Os detentores de poder durante a Idade Média não têm o objetivo de estatuir nos territórios que dominam um
único conjunto de regras gerais disciplinadoras da vida social dos seus súbditos.
Os numerosos atos normativos promulgados não substituem as leis nacionais dos povos submetidos ao
domínio imperial, que continuam em vigor com as derrogações parciais introduzidas pela nova legislação.
Mesmo no auge da sua consistência política, o Sacro Império Romano é sempre caracterizado (em radical
diferença perante o paradigma estatal moderno) por uma pluralidade de ordenamentos jurídicos em que as
regras (e a legitimação) provêm de fontes diferentes da vontade do poder público encarnada no imperador.
Leis de tribos, costumes locais, direitos e obrigações feudais, cânones eclesiásticos e capitulares imperiais
convivem numa pluralidade jurídica desprovida de um sistema de fontes unitário e hierarquizado.
Povos germânicos consolidam o seu domínio nos territórios do Império Romano do Ocidente nos séculos V
e VI criação de novas entidades políticas autónomas e independentes os povos limitam-se a disciplinar
os setores nevrálgicos do direito público em função da sua supremacia e eficácia do domínio do território
na esfera das relações privadas, os súbditos romanos e os conquistadores bárbaros continuam a observar as
respetivas tradições normativas segundo o princípio da personalidade do direito que conota tipicamente a
experiência jurídica medieval (contrariamente ao principio da territorialidade do direito da experiência
moderna).
Princípio da personalidade: a disciplina jurídica das relações intersubjetivas depende da nacionalidade dos
sujeitos, de modo que no âmbito de um território habitado por vários grupos étnicos coexistem vários
ordenamentos jurídicos preserva a identidade jurídica de uma comunidade nacional (comum em situações
convivem povos pertencentes a civilizações diferentes, escassamente integrados uns com os outros e não
interessados em uniformizar os seus modelos culturais segundo costumes sociais alheios).
No reino dos francos, em particular, a observância do princípio da personalidade do direito, relacionada com
a heterogeneidade das populações submetidas (romanos e germanos, de diferentes origens), conduz a um
pluralismo jurídico particularmente acentuado e que a expansão imperial ulterior ainda mais reforçará.
Entre as fontes de produção do direito na ordem jurídica medieval, ganha relevo central o costume, cuja
evolução se orienta para a territorialização em âmbitos espaciais circunscritos, fazendo aumentar a
variedade e a multiformidade da paisagem jurídica europeia.
Mais do que pela autoridade política, o direito medieval é gerado imediatamente pela sociedade, pelas suas
forças e pelos seus valores, de onde decalca as particularidades, encontrando expressão nos costumes
(constantes e difusos) que adquirem valor vinculativo: as regularidades sociais consideradas válidas
como regras jurídicas.
Mentalidade: reconhecer caráter normativo aos factos que pareçam radicados na natureza das coisas.
Os operadores jurídicos conformam-se aos costumes, exercendo as suas funções de autoridade em campos
restritos, principalmente atinentes às estruturas da ordem pública e ao fortalecimento do comando político.
os notários certificam-nos;
os juízes fazem segui-los;
os legisladores respeitam-nos;
Sob a tensão unitária do comando político, a ordem jurídica evolui segundo as muitas configurações da
sociedade e fragmentando-se num mosaico de regras consuetudinárias diferentes.
Manifestação mais visível da centralidade do costume: ordenamento feudal, que abrange, a partir do século
IX, grande parte da Europa ocidental numa apertada trama de relações jurídicas pactuadas entre homens
livres com diversas posições sociais e com efeitos obrigatórios, pessoais e patrimoniais, constituídos pelo
dever do inferior (vassus) de assistir fielmente o superior (senior) na guerra e ofícios jurisdicionais (auxilium
et consilium) e pelo dever de o senhor proteger o vassalo e de lhe garantir uma fonte estável de sustento
mediante a concessão de uma terra ou de alguma outra fonte de rendimento financeiro (beneficium).
Relação feudal ganha forma em resultado da coagulação de institutos jurídicos de ascendência germânica e
romana no caldo cultural da sociedade medieval, tendendo (em virtude da sua força expansiva e do seu
desenvolvimento reticular) a invadir as estruturas organizativas daquela sociedade e a modelar-lhe as
articulações do poder em redor do vínculo da subordinação pessoal.
O direito feudal evolui ao longo dos séculos espontaneamente, por via consuetudinária. As
intervenções legislativas nesta matéria são raras e episódicas. As mais significativas aparecem destinadas
a sancionar regras já implantadas na prática. Só no século XII surge a primeira compilação (privada) dos
costumes feudais.
A igreja e o direito
A Igreja é um agente ativíssimo de disciplinamento social que orienta com os seus preceitos as modalidades
da convivência esforçando-se por condicionar-lhe as expressões jurídicas. Mas a sua presença no mundo do
direito não se limita a uma influência moral ou a uma hegemonia cultural. Ela própria constitui, de facto, um
ordenamento jurídico originário e autónomo com normas que cobrem tanto a esfera organizativa das
instituições clericais como o âmbito estritamente confessional, propondo-se disciplinar a comunidade dos
fiéis nos comportamentos considerados mais relevantes no aspeto ético-religioso.
Principal fonte do direito canónico constituída pelas decisões dos pontífices, enunciadas nas epistolæ
decretales, cuja produção ganha consistência quantitativa a partir da segunda metade do séc. V.
Alta Idade Média: circulam na Europa diversas coletâneas de cânones conciliares e decretais pontifícias.
Falsificações de coletâneas: contra as práticas ditadas por relações de força que põem os senhores laicos em
condições de intrometer-se na gestão dos benefícios eclesiásticos e na escolha dos titulares de cargos
religiosos, os clérigos falsários pretendem reforçar os pilares jurídicos da autonomia da Igreja e contrapor,
com as suas compilações, as disposições do direito canónico aos usos consuetudinários e às regras
antinómicas dos ordenamentos concorrentes.
Gilissen, p. 80-99
História do direito romano desde VII a.C. até VI d.C., depois prolongada até XV no império bizantino; no
ocidente, a ciência jurídica romana conheceu um renascimento a partir do século XII.
Introdução histórica:
Nos séculos II e III, Roma é o centro de um império vasto, que se deslocou no ocidente no séc. V, mas
sobreviveu na parte oriental da bacia mediterrânica, à volta de Constantinopla.
Império Romano do Oriente Império Bizantino (subsistiu até ao séc. XV)
Realeza
- Época das origens de Roma, nos séculos VIII e VII a.C.;
- As aldeias são ocupadas por famílias patriarcais agrupadas em gentes;
- Alguns bandos de pastores tomavam um chefe comum – rex;
- Os chefes de família reúnem-se e formam o que mais tarde se chama o Senado;
- O rex é sempre um estrangeiro que lhes é imposto; a realeza não é hereditária;
- O rei dirige os sues súbditos, disponho do poder de comando; tem também funções religiosas, mas a
realeza romana é laica; não diz o direito, mas dá, talvez sob inspiração divina, “soluções de direito”;
República
- A passagem da realeza à república fez-se lentamente e progressivamente;
- Situa-se a queda da monarquia por volta de 470 a.C.;
- O novo regime político instalou-se no começo do séc. IV, caracterizado pela pluralidade de
assembleias e magistraturas, anuais e colegiais;
- O magistrado romano é um órgão da cidade, um titular do poder; os magistrados são designados por
um ano;
- Os cônsules titulares do imperium dispõem do comando militar e do governo da cidade; presidem às
assembleias e podem propor leis;
- Os pretores são sobretudo magistrados judiciais: organizam os processos, designam os juízes;
- As assembleias eram múltiplas;
- Havia assembleias próprias da plebe – concilia plebis – em que se elegiam os tribunos da plebe e
votavam os plesbicitos (leis reservadas á plebe);
- O senado, antes composto pelos chefes de família, via os seus membros designados pelos cônsules,
primeiro, e depois pelos censores; tinha atribuições numerosas, podendo nomeadamente formular os
princípios de uma nova lei, adotada depois de discussão sob a forma de um senátus-consulto,
convidando a seguir os magistrados a sancioná-la;
- Senatus populusque romanus o senado e a comunidade dos cidadãos romanos (expressão com
sentido jurídico e político;
- Res publica designa a organização política e jurídica do populus, na qual o cidadão subordina o
seu próprio interesse ao da comunidade;
- Só os cidadãos romanos gozavam do direito dos Romanos, o ius civile; os estrangeiros não estão
submetidos senão ao ius gentium, o direito comum a todos os homens, conforme à razão natural;
- A cidadania romana foi concedida não só a pessoas individuais, mas também a grupos;
Alto império
- Progresso económico + dificuldades sociais + vastas conquistas = crise política durante o século I
a.C.;
- Octávio conseguiu centralizar em si todos os poderes, deixando subsistir as instituições da república;
recebeu do senado o título de Augusto, o poder tribunício vitalício; foi proclamado imperador, não
estando vinculado pela lei;
- O regime político tornou-se o do império;
- O imperador governa e administra o vasto território com a ajuda de funcionários por si
nomeados/demitidos;
- As assembleias/magistraturas caem em decadência; apenas o senado subsiste, mas a sua composição
depende do imperador e as suas prerrogativas são reduzidas;
- Édito de Caracala – 212 – concede cidadania romana a todos os cidadãos que se encontram nos
limites do Império (com a restrição dos deditícios);
Baixo império
- Crise política/económica/religiosa do séc. III transformações na estrutura política do império;
- Constantino, sobretudo, reorganiza o império e a sua administração;
- O imperador já não é o primeiro dos cidadãos, mas um senhor, o dominus do império; o seu poder é
absoluto, divinizado; dispõe de todos os poderes, sem controlo a não ser o dos seus conselheiros;
legisla só; encarna a res publica;
- Constantino reconheceu oficialmente a religião cristã (édito de Milão); a igreja organiza-se a partir
daí no quadro político e administrativo do Império Romano;
- Constantino funda uma nova capital – Constantinopla – na antiga Bizâncio;
- O império divide-se em dois: o do Ocidente (que cai no séc. V) e o do Oriente (que cai no séc. XV).
- Justiniano foi o último imperador do baixo império, e o primeiro dos imperadores bizantinos.
Costume
- O antigo direito romano é essencialmente consuetudinário;
- Trata-se dos costumes de cada clã, de cada família;
- Durante a república, houve os costumes da cidade, aos quais os costumes gerais estavam
subordinados;
- Não houve redução a escrito, conhece-se mal este direito consuetudinário antigo;
- Podem encontrar-se traços nas leis reais, na Lei das XII Tábuas, nos éditos dos magistrados, ...
Legislação
- Parece não ter havido atividade legislativa na época da realeza e no começo da república; a escrita
era pouco conhecida;
- As leis reais que a tradição atribui a reis são mais decisões de caráter religioso tomadas pelo rei na
qualidade de chefe religioso;
- Não são leis, mas sobretudo costumes, talvez redigidos só numa época tardia, mas atribuídas aos reis
lendários;
- Sob a república, a lei começa a entrar em concorrência com o costume como fonte de direito;
- Lex ato emanado das autoridades públicas e formulando regras obrigatórias; ordem geral
do povo ou da plebe, feita a pedido do magistrado; apenas os magistrados superiores tinham a
iniciativa delas;
- Eles propunham um texto, o voto tinha lugar num dos comícios, o magistrado que tinha proposto a
lei defendia o seu projeto (por vezes emendado) perante a assembleia;
- Se a assembleia aceitasse a lei, o magistrado que presidia à assembleia promulgava-a; mas podia
suspender o voto (por motivos religiosos) e impedir a aprovação;
- Plesbicitos atos legislativos que obrigavam os plebeus e aprovados pela sua assembleia;
- A república legislou pouco, e sobretudo em matéria política, económica e social; o direito privado
continuava regido sobretudo pelo costume.
Lei das XII Tábuas
- Um dos fundamentos do ius civile, considerada em vigor até à época de Justiniano;
- Redigida por dez comissários a pedido dos plebeus que, ignorando os costumes em vigor na cidade e
as suas interpretações pelos pontífices, se queixavam do arbítrio dos magistrados patrícios;
- O texto original foi gravado em 12 tábuas e afixado no fórum, mas destruído em 390; a própria
existência das XII Tábuas foi posta em causa, porque o texto de perdeu;
- Pôde ser parcialmente reconstruído por citações de Cícero e Aulo Gélio e por comentários recolhidos
no Digesto;
- A Lei das XII Tábuas é uma redução a escrito de costumes, sob a forma de fórmulas lapidares; a
sua redação tendeu a resolver um certo nº de conflitos entre plebeus e patrícios; mas a sua
interpretação permaneceu secreta, confiada aos pontífices;
- Revela um estádio de evolução do direito público e privado.
Direito clássico
Os textos do direito romano da época clássica são numerosos. Os romanos foram dos primeiros a sentir a
necessidade de reduzir a escrito as regras jurídicas, sendo os primeiros também a consagrar obras
importantes ao estudo do direito.
Fontes: lei e costume, com a lei a suplantar o costume.
Fontes especificamente romanas: éditos dos magistrados e a jurisprudência.
Costume
- Permanece uma fonte de direito do ius civile;
- Alguns juristas não o consideram como tal, mas como um facto;
- Foi suplantado pela lei, o édito do pretor e os escritos dos jurisconsultos;
- No vasto império permanecem regiões onde o ius civile quase não penetrou;
- Nas partes rurais, os usos locais permanecem em vigor, sendo-lhes feitas alusões em alguns
escritos romanos.
Legislação
- Papel crescente como fonte de direito;
- Constituída sucessivamente pelas leges, pelos senatus-consultos e pelas constituições imperiais;
- Leges emanam dos magistrados e das assembleias populares, permanecendo a única forma de
legislação no fim da república e no início do império; com o declínio dos comícios desapareceram,
não havendo qualquer vestígio após o séc. I d.C.;
- Senatus-consultos o poder legislativo passou para o senado nos séc. I e II do império, e já sob a
república o senado intervinha no processo legislativo das assembleias; no fim da república e início
do principado, o papel do senado no domínio legislativo continuou indireto, limitando-se a
interpretar o direito em vigor e a convidar os magistrados (sobretudo os pretores) a usar o seu ius
edicendi para introduzir regras; Adriano reconhece oficialmente a atividade legislativa do Senado,
mas este fica à mercê do imperador (só este podia propor um projeto, o senado podia apenas
ratificá-lo); a partir do fim do séc. o senado foi eliminado;
- O imperador tornou-se progressivamente o único órgão legislativo; a partir do ano 13 d.C., o senado
reconheceu a força obrigatória dos éditos deliberados em conselho imperial;
- A legislação imperial tornou-se muito abundante a partir do séc. II; Ulpiano dirá que a constituição
imperial tem a mesma autoridade que a lei;
- Constituições imperiais não tinham todas a mesma autoridade:
Éditos (disposições de ordem geral aplicáveis a todo o império);
Decretos (julgamentos feitos pelo imperador ou seu conselho nos assuntos judiciários;
constituíam precedentes aos quais os juízes inferiores deviam obediência);
Rescritos (respostas dadas pelo imperador ou seu conselho a um
funcionário/magistrado/particular que tinha pedido uma consulta sobre um ponto de direito); em
razão da autoridade do imperador, terão valor de regras de direito aplicáveis a casos análogos,
suplantando progressivamente os rescritos dos jurisconsultos;
Instruções (dirigidas pelo imperador aos governantes da província, sobretudo em matérias
administrativas e fiscais);
- O cristianismo transforma vários princípios de direito privado, influenciado por ideias do oriente;
- O feudalismo começa a aparecer através de instituições novas;
- O centro do império passa de Roma para Constantinopla;
- Depois da queda de Roma – 476 – subsiste apenas o império do oriente;
- Ao direito clássico opõe-se um direito vivo, nascido de costumes novos e por vezes fixado pelos
legisladores;
- Legislação torna-se a principal fonte de direito; assiste-se aos primeiros esforços de codificação;
Primeira recolha oficial Código teodosiano: redigido no oriente, por ordem do imperador Teodósio II,
destinado a conter o texto integral de todas as constituições imperiais, mas quando apresentado mais
modesto, contendo sobretudo as constituições promulgadas desde Constantino (312). Foi publicado em 438
por Teodósio em Constantinopla.
A influência do código foi mais duradoura no ocidente, sobrevivendo à queda do império e continuando
em vigor até à redação das Lege romanae no séc. VI.
No oriente, Justiniano fez empreender por uma comissão de dez membros uma compilação de todas as
fontes antigas de direito romano, harmonizando-as com o direito do seu tempo.
Corpus juris civilis = conjunto das recolhas publicadas por Justiniano tem 4 partes:
1. O Código (Codex Justiniani) recolha de leis imperiais que visava substituir o código Teodosiano;
1º código de Justiniano (529); 2º código (534);
2. O Digesto compilação de extratos de livros escritos por jurisconsultos da época clássica;
3. As Instituições manual elementar destinado ao ensino do direito, uma obra mais sistemática e
clara que o Digesto, e que passou a ter força de lei em 533;
4. As Novelas (novellae) constituições que surgem após o Codex; não existem recolhas oficiais, mas
possuem-se coleções reunidas por particulares.
Direito bizantino:
Sob pressão dos povos vindos da Ásia central, os povos germânicos deslocam-se para Ocidente, penetrando
na orbita do Império Romano a partir do séc. III
Séc. V invadem o Império do ocidente, que desaparece; estabelecem-se aí reinos germânicos
Os povos eslavos deslocam-se para oeste e sul; no extremo ocidental da Europa, mantêm-se povos céticos.
O império do Oriente resiste a estas pressões, o direito romano sobrevivendo aí enquanto direito
bizantino.
Império Romano uma religião nova pregada por Cristo no século I impõe-se no séc. IV; o Império torna-
se cristão; um sistema jurídico próprio da comunidade dos cristãos – direito canónico – desenvolve-se à
margem do direito romano, instalando-se um sistema dualista – direito religioso e laico – que se mantém
até ao séc. XX.
- Os sistemas jurídicos sofrem grandes transformações no decorrer das ideias político-jurídicas dos
séc. XVII e XVIII;
- Revoluções francesa (1789) e americana (1776) concretizam essas ideias nos textos de
constituições e de leis;
- Últimos vestígios do feudalismo desaparecem, com algumas exceções: as liberdades públicas
garantem os direitos subjetivos dos cidadãos, livres e iguais perante o direito; a soberania passa das
mãos dos reis e dos príncipes para a Nação; a unificação do direito prossegue no quadro estatal;
- Cada estado soberano tem o seu próprio direito, fixado por órgãos legislativos;
- A lei torna-se a fonte principal do direito;
- A Inglaterra mantém o seu sistema jurídico – common law, exportando-o para as suas colónicas; os
EUA conservam o common law;
- Nos outros estados, os direitos continuam romanistas, sendo os direitos de certos estados exportados
para as suas colónias;
- Séc. XX: nacionalismo dos sistemas jurídicos tende a recuar; um direito europeu está em elaboração,
no quadro dos países do Mercado Comum;
- Um novo sistema jurídico nasce no leste da Europa, na sequência da revolução russa em 1917;
- Sob a égide da doutrina marxista-leninista, a Rússia, depois de 1945, procura transformar a
sociedade capitalista em sociedade comunista, sem estado e sem direito; segundo esta doutrina, uma
fase intermédia é necessária no quadro dos Estados socialistas;
Três grandes sistemas jurídicos da Europa:
1. Common law;
2. Direitos romanistas;
3. Direitos socialistas dos países de tendência comunista.
Aula de 21-03-2022
DIREITO ROMANO
“Os que se vão dedicar ao estudo do direito devem começar por saber donde vem a palavra ius. Na verdade, provém,
de iustitia: pois (retomando uma elegante definição de Celso) o direito é a arte do bom e do equitativo. § 1. Pelo que
há quem nos chame sacerdotes. Na verdade, cultivamos a justiça e, utilizando o conhecimento do bom e do
equitativo, separamos o justo do injusto, distinguimos o lícito do ilícito”.
o Aqueles que Ulpiano cita também são válidos porque Ulpiano tem em si muita autoridade
reconhecida pelo imperador;
o Quando há várias opiniões, prevalece a da maioria;
o O jurista mais sábio (pelo que escreveu, pelo impacto da sua obra), e o que melhor sabia distinguir o
bem e o mal, era Papiano;
o O imperador que reconhece a autoridade diz ao mesmo tempo que quem decide é ele próprio
(enquanto na idade clássica estes jurisconsultos tinham autoridade própria);
Hespanha, p. 117-138
A tradição romanística
Entre os séculos I a.C. e III d.C., o Império Romano estendeu-se por toda a Europa Meridional,
prolongando-se, depois, pela Ásia Menor, pelo Próximo Oriente e pelo Norte de África.
O cultivo intelectual do direito por um grupo de especialistas (os juristas) com grande autoridade social e
política, tornou-se a partir de então a principal tecnologia de governo no Ocidente.
Na base de umas poucas leis e das ações que elas concediam para garantir certas pretensões jurídicas, o
pretor, magistrado encarregado de administrar a justiça nas causas civis, desenvolvera um sistema mais
completo e mais maleável de ações, baseado na averiguação das circunstâncias específicas de cada caso
típico e na imaginação de um meio judicial de lhes dar uma solução adequada. Nesta tarefa de extensão e de
afinação do arcaico “direito dos cidadãos”, ius civile – formalista, rígido, desadaptado às novas condições
sociais –, os pretores criam um direito próprio, o “direito dos pretores”.
Inicialmente, socorrem-se dos seus poderes de magistrados (imperium), dando às partes ordens que
modificavam as circunstâncias de facto e que, por isso, excluíam a aplicação de uma norma indesejável ou
possibilitavam a aplicação de outra mais adequada à justiça material do caso. Mais tarde, a Lex Aebutia de
formulis (149 a.C.) atribui ao pretor a possibilidade de criar ações não previstas na lei (actiones praetoriae).
Cada ação consiste numa fórmula, espécie de programa de averiguação dos factos e da sua valorização
jurídica. A partir daí, é a fórmula elaborada para cada situação jurídica típica, e não a lei, que dita a
solução para o caso em análise. Com isto, a jurisprudência dos pretores autonomiza-se completamente das
leis e torna-se uma fonte imediata de direito. Mais tarde, o Edictum perpetuum (c. 125-138 d.C.) codifica
as ações do direito pretório.
O direito ganha um caráter casuístico que incentiva uma averiguação muito fina da justiça de cada
caso concreto.
Fora de Roma, no entanto, este direito letrado e oficial pouca aplicação teria. Aí, pontificavam usos locais e
formas tradicionais de resolver os litígios. Iurisprudentia romana clássica, se contribuiu para a unificação
dos direitos europeus até aos dias de hoje, não foi por causa da sua difusão pelo Império, no período do seu
maior brilho, mas porque constituiu um tesouro literário em que, mais tarde, se vieram a inspirar os juristas
europeus.
Crise do Império Romano (séc III) + Queda do Império do Ocidente (476) = crise deste saber jurídico.
Num império vasto, com poucos técnicos deste direito erudito, longe da ação dos pretores urbanos de Roma,
o que progressivamente foi ganhando mais importância foram as leis imperiais (constitutiones principum). O
direito como que se burocratizou. De um saber de uma elite cultivada numa longa tradição intelectual passou
para uma técnica burocrática de aplicação, mais ou menos mecânica, de ordens do poder.
Dizer o direito torna-se uma atividade menos exigente e mais simplificada, acessível mesmo aos leigos.
O saber jurídico perde o rigor e a profundidade de análise. O direito vulgariza-se. Esta vulgarização é mais
pronunciada nas províncias, em virtude das corruptelas provocadas pela influência dos direitos locais. Aí,
forma-se um direito romano vulgar.
Império Oriental o direito clássico deixou-se contaminar pelas influências culturais helenísticas e pelas
particularidades do direito local (apesar de o gosto pela reflexão intelectual não se ter perdido, continuando a
produção doutrinal dos juristas clássicos a ser apreciada).
Nos meados do século VI, o imperador Justiniano, um apaixonado pela cultura clássica e um nostálgico das
antigas grandezas de Roma, empreende uma tarefa de recolha de textos jurídicos da tradição literária
romana, desde as obras dos juristas romanos clássicos, que mandou reunir numa compilação a que chamou
Digesto (533 d.C).
38 anos de reinado de Justiniano - intensa atividade bélica instrumental para o projeto de restauração do
Império romano com a reconquista dos territórios ocidentais - apesar dos êxitos obtidos com enorme
dispêndio de vidas humanas, energia e recurso humanos, os resultados não tardarão a revelar-se efémeros.
⁃ Petrus Sabbatis nasce em 481 na provincia da Dácia Mediterrânea, entre Naísso (Sérvia) e Scupi
(Macedónia), perto do Castelo de Baderiana, onde predomina a profissão de fé cristã e se fala latim;
⁃ Justiniano, pelo apego à sua região natal, reforça-a com estruturas arquitectónicas e edifica nas
cercanias uma nova cidade, Justiniano Prima;
⁃ Justiniano Prima entra em decadência e é efetivamente abandonada por volta de 615;
⁃ Pai: Sabbatius;
⁃ Irmão da mãe (de quem não se conhece o nome): Justino;
⁃ Em 525, Justiniano desposa Teodora, cujo passado era duvidoso, pois tinha sido atriz, obtendo do tio
a revogação da antiga norma augusta que proibia os senadores de casar com mulheres como
Teodora;
⁃ Em abril de 527, Justino - já gravemente doente - induz senadores a compartilhar poder com o
sobrinho, que é coroado pelo patriarca de Constantinopla na presença de altos dignitários, senadores
e militares;
⁃ Torna-se imperador a 1 de agosto de 527;
⁃ Teodora torna-se imperatriz, e a união é sólida e segura até à sua morte em 548;
⁃ Teodora beneficia da elevada consideração do marido e não é estranha a decisões do governo;
⁃ Inspira, quiçá, algumas normas que melhoram a condição feminina, equilibrando, como monofisita
convicta, as inclinações calcedónicas do marido e dando apoio aos seus correligionários, que
encontram refúgio no seu palácio;
A reta fé
A reconquista de África
⁃ Quando Justiniano sucede ao tio, o império está em guerra com os persas por causa do reino cristão
da Ibéria caucasiana e de problemas relacionados com a prevista sucessão do rei de Pérsia, Kavadh;
⁃ Quando este morre, os romanos fazem o acordo da “Paz Eterna” com o seu filho, pagando uma
indemnização, mas assegurando um acesso aos mercados asiáticos e à sede chinesa que passa por
território persa;
⁃ Justiniano vira-se então para a África vândala, onde o rei ligado a Constantinopla por tratados e
considerado filocatólico fora deposto e substituído;
⁃ Confiado o comando a Belisário para combater esse substituto, ele vence, ocupando ainda Sardenha,
Córsega e as Baleares;
⁃ A Igreja Católica recupera os bens que lhe havia sito tirados e as heresias são novamente
condenadas;
⁃ Em 563 há uma nova revolta pelos vândalos e militares não pagãos, e de regresso a Constantinopla
Belisário obtém o triunfo e o consulado de 55;
Belisário em Itália
Narres em Itália
⁃ Espanha: Em 552, Justiniano envia a Espanha um exército comandado por Libério; os imperiais
conquistam a zona de sueste da península ibérica, que se organiza como província;
⁃ África: A recuperação imperial de África só se finaliza com a conquista árabe, as guerras e as
rebeliões deixando a região despovoada e empobrecida;
⁃ O desígnio Justiniano de reconstituir a unidade política do ocidente, sob o governo de
Constantinopla, está destinado a desfazer-se rapidamente;
O declínio:
As novellae constitutiones
O direito romano nem sempre teve características unitárias e nunca foi codificado. Só no século V se
procede no Oriente a uma compilação dos materiais jurídicos romanos, quando o império do Ocidente se
encaminha para o declínio definitivo; mas essa compilação é extremamente parcelar, porque se restringe
às leis imperiais promulgadas de Constantino em diante. Justiniano, imperador do Oriente, realiza, porém,
no século VI, uma grande compilação que engloba leis e jurisprudência romana e transmite aos vindouros
um património jurídico de inestimável valor, destinado a constituir durante séculos a base do direito
vigente em muitos países europeus.
⁃ Em 410, Alarico, rei dos visigodos, cerca Roma e expugna-a e saqueia-a (prelúdio do definitivo
desmantelamento do império);
⁃ Aqui ainda não há recolha oficial dos materiais jurídicos romanos;
⁃ Durante a sua longuíssima história, o direito romano não teve características sempre unitárias;
⁃ Nasce como direito civil (ius civile) de uma cidade-estado;
⁃ Baseia-se durante séculos, mais do que na lei (lex) promulgada pelo povo sob proposta (rogatio) do
magistrado, na atividade dos juristas, homens pertencentes ao estrato possidente, que ao dar as
respostas que os cidadãos lhes pedem, e examinando no concreto os diversos casos, auxiliam a
evolução do direito romano com a sua obra de interpretação (interpretatio);
⁃ Os pareceres dos juristas, como, de resto, as leis públicas, não são reunidos em compilações oficiais;
com o passar do tempo, perde-se inevitavelmente a sua memória precisa, bem como as deliberações
do senado (os senatus consulta) e os éditos (edicta) dos magistrados;
⁃ Com o advento de Augusto (primeiro imperador romano) e depois com os seus sucessores, começa a
impor-se uma nova fonte de produção do direito, a lei do príncipe (constitutio principis);
⁃ Os juristas, especialmente a partir do século II, tendem a modificar as suas funções tornando-se os
conselheiros e depois os burocratas que nos gabinetes da chancelaria dão forma e relevância jurídica
à vontade do príncipe;
⁃ Os imperadores nunca reúnem as suas leis em códigos;
⁃ Consequências: grande incerteza do direito e uma situação notoriamente confusa de que há vestígios
nas próprias fontes antigas;
⁃ Os problemas, não resolvidos, da obscuridade das normas e as dúvidas sobre a autenticidade dos
textos constituem questões bastante importantes durante todo o principado até à Antiguidade tardia;
⁃ Já na época republicana, por exemplo, Cícero (106 a.C.-43 d.C.) lamenta a desordem e dispersão das
normas: na obra de título De Oratore, delineia uma ideia ordenadora do direito, em que a
jurisprudência é entendida como a «arte perfeita do direito civil» (perfecta ars iuris civilis),
caracterizada pela clareza e não por dificuldades e obscuridades;
⁃ Motivos que levam à falta de uma compilação oficial de normas no mundo romano:
⁃ Peso dos costumes, que impede que se mude radicalmente uma tradição jurídica que não
prevê códigos
⁃ O caráter fortemente jurisprudencial do Direito;
⁃ A consequente dificuldade de se compilar um direito que nasce para uma cidade-estado, mas
que tem de ser aplicado a um império universal e cosmopolita;
⁃ Até muito perto do fim da sua história, Roma nunca tem uma compilação oficial das suas normas;
⁃ A partir do século III, alguns juristas particulares preparam para uso das escolas e dos operadores do
direito, segundo determinados sistemas expositivos, concatenações de leis imperiais (as leges); ex.:
Codex Gregorianus;
⁃ Em 429, o imperador do Oriente, Teodósio II promove uma primeira codificação oficial;
renunciando aos projetos iniciais mais ambiciosos e depois de laboriosas diligências, manda
compilar um código - Codex Theodosianus
⁃ Este contém as constituições imperiais promulgadas depois de Constantino, o primeiro imperador
que se converte ao cristianismo;
A obra de Justiniano
⁃ A compilação não tem imediatamente as características de uma obra completa e unitária, sendo feita
de modo gradual;
⁃ A própria expressão Corpus Iuris Civilis (Corpo do Direito Civil), por que é habitualmente
designada, não é de Justiniano, mas de Denys Godefroy (1549-1621), o jurisconsulto francês que
assim intitulou a sua edição de 1583;
⁃ Em 528, pouco depois de tomar o poder, Justiniano outorga uma constituição conhecida pelas
palavras iniciais Hæc Quæ Necessaria, em que dispõe que uma comissão constituída por
funcionários e peritos em direito proceda à compilação de um codex ou coletânea de leis do império,
a efetuar com materiais dos Codici Gregorianus, Hermogenianus e Theodosianus, e a completar com
a sucessiva legislação imperial;
⁃ Finalidade utilitária do código: reduzir a extensão das causas (prolixitas litium) —> para isso
mandata a comissão no sentido de manipular os textos originais cortando, acrescentando ou
modificando palavras e reagrupando numa única disposição as normas dispersas em disposições
diversas;
⁃ O Codex entra em vigor a 7 de abril de 529, com a lei intitulada Summa Rei Publicæ;
⁃ Em 530, Justiniano promulga nova constituição conhecida pelas palavras iniciais Deo Auctore , em
que manifesta a intenção de proceder a uma grande compilação dos escritos da jurisprudência antiga,
iura, a que dará o nome de Digesta seu Pandectæ;
⁃ Dirige a lei ao seu quæstor Triboniano, com quem já tem, evidentemente, delineado as ideias
diretrizes da coletânea;
⁃ Triboniano, homem de profunda cultura jurídica, será o grande arquiteto de Digesta;
⁃ A comissão incumbida deste trabalho é composta por professores de Direito e advogados do foro de
Constantinopla;
⁃ Tem por encargo selecionar os textos dos juristas romanos, escolher os fragmentos mais atuais,
modificando até as palavras, se necessário, e reunir o todo em 50 livros a intitular segundo o
respetivo conteúdo;
⁃ O conteúdo de Digesta terá plena validade, como se os pareceres formulados nos textos
jurisprudenciais contidos proviessem da boca do próprio soberano;
⁃ A fim de evitar novos conflitos de interpretação e a incerteza do direito, Justiniano adverte que é
proibido formular comentários ou interpretações da obra;
⁃ Ao cabo de apenas três anos, em 533, o imperador publica o Digesta por uma constituição bilingue
intitulada Tanta ou Devdwken;
⁃ Em 534, emite nova constituição, conhecida por Cordi, em que publica uma segunda edição do
Codex (Codex Repetitæ Prælectionis) que se tornara necessária por causa do grande número de
constituições inovadoras promulgadas a partir de 530;
⁃ Os critérios de compilação deste segundo Codex são análogos aos do precedente. Mas,
diferentemente do primeiro que chegou até nós, está dividido em doze livros, por sua vez
subdivididos em títulos, no interior de cada um dos quais se encontram as leis dos imperadores: a
mais antiga de todas é de Adriano (imperador a partir de 117);
⁃ Depois de 534 e até à sua morte, em 565, o imperador continua a promulgar copiosa legislação,
inovadora em vários campos do direito: estas novas constituições, chamadas Novellæ (Novellæ
Constitutiones), não são reunidas em compilações oficiais, mas chegam aos nossos tempos por via de
coletâneas privadas;
⁃ Os estudos sobre a compilação de Justiniano incidem, de modo muito particular, nas técnicas de
redação e no problema das interpolações (modificações/inserções operadas nos textos originais pelos
comissários;
⁃ Justiniano teve o grande mérito de transmitir aos vindouros um património jurídico de inestimável
valor que nos séculos seguintes viria a ser, por via direta ou subsidiária, a base dos ordenamentos
jurídicos de muitos países europeus;
⁃ Deu a este património a forma de código, aquela que permitiu ao longo dos tempos a sua
conservação e a facilidade da sua consulta, embora, como vimos, os romanos nunca a tivessem
conhecido;
⁃ Quem hoje se entregar à leitura dos textos desta compilação não pode deixar de ter em conta este
dado, e deve lê-los na tentativa de descobrir a sua história, procurando fazê-los reviver por aquilo
que realmente representaram no contexto e na época em que foram pensados;
Os estudos romanísticos no quadro da formação dos juristas
Perfeição do direito romano (1) + importância do seu legado ainda no direito atual (2) = estudo do direito
romano, como disciplina “dogmática” no âmbito das licenciaturas de direito.
(1) - os romanos tiveram uma especial sensibilidade para as coisas do direito, tendo criado conceitos e
soluções cuja justeza (adequação à natureza das coisas) ou justiça (conformidade com o padrão ideal do
justo) se teriam imposto à usura do tempo; ideia de que existem padrões universais e eternos de justiça na
regulação das relações humanas (que se baseia ela própria na ideia de que existe uma natureza transtemporal
e transcultural), dos quais as várias épocas ou culturas se aproximariam mais ou menos: tratar-se-ia, então,
de uma perfeição “material”; de um ponto de vista “formal”, ideia de que existiriam técnicas também
intemporais de tratar as questões jurídicas.
(2) - interesse do direito romano para a interpretação do direito atual (no âmbito da chamada “interpretação
histórica”).
Da perspetiva das correntes de pensamento que destacam o caráter construído, cultural, local, das
representações e dos valores que dominam cada época tem sido destacada a dificuldade de valores, de
princípios ou de técnicas jurídicas que tenham vencido o tempo ou a diversidade cultural. Esta
descontinuidade e inovação na história jurídica é encoberta pela própria maneira de fazer história
frequentemente. Os historiadores do direito fazem, frequentemente, uma leitura do direito passado na
perspetiva do atual.
Um estudo da lógica originária do conceito, bem como da sua integração no seu contexto conceitual ou
institucional de então, mostraria que, se se respeitar a autonomia do conceito histórico, este não corresponde,
de forma alguma, ao atual – muitas vezes, por detrás da continuidade das palavras, verificam-se ruturas
decisivas de conteúdo.
Cada instituto jurídico ou cada conceito de direito faz parte de um sistema ou contexto, do qual recebe o seu
sentido. Mudado o contexto, os sentidos das peças isoladas recompõem-se, nada tendo a ver com o que elas
tinham no contexto anterior. porque esquecemos os sentidos originários dos conceitos ou das instituições é
que elas podem continuar a funcionar, nesta contínua readaptação que é a sua história.
Seguramente que não poderíamos hoje aceitar que um grupo de juristas dispusesse de uma quase total
discricionariedade de conformação do direito, nem que um magistrado utilizasse a sua autoridade
burocrática para decidir em que casos garantia proteção jurídica (como o fazia o pretor através da concessão
ou negação de actiones praetoriae) ou para nos forçar a praticar atos que alterassem o nosso estatuto jurídico
ou o estatuto jurídico das nossas coisas (como nos expedientes do pretor baseados no seu imperium).
Direito romano inegável interesse histórico (nos quadros de uma história do direito de intenção crítica,
ou seja, que vise mostrar o caráter apenas local da atual cultura jurídica).
O império aparecia como uma criação providencial destinada a ser o suporte político da Igreja – a
universalidade do Império correspondia à catolicidade da Igreja.
Resíduos de direito romano que sobreviviam na área do antigo Império do Ocidente e, sobretudo, os livros
do Corpus iuris bizantino são tidos como direito dos novos impérios do Ocidente europeu, sucessores do
antigo Império dos Romanos.
Direito romano tido como o direito comum da Europa Ocidental que, grosso modo, correspondia quer ao
antigo Império Romano do Ocidente, quer aos novos impérios medievais.
Império: poder supremo que se exercia num plano superior ao de outras entidades políticas (reinos,
principados, ducados, condados, cidades), as quais mantinham a sua entidade política, embora
reconhecessem o poder superior do Império.
Reinos medievais jovens e cidades, senhorios, comunidades camponesas e outras corporações de base
pessoal existiam direitos próprios: fundados em tradições jurídicas romano-vulgares, canónicas e
germânicas, na vontade dos seus senhores de criarem um direito próprio ou, simplesmente, nos estilos locais
de governo, de regulação e de resolução de litígios.
Neste sentido a pretensão de validade universal de direito comum do Império defendida pelo Imperador e
pelos juristas universitários que o ensinavam originava tensões.
A vigência dos direitos locais foi inicialmente fundada numa pretensa permissão (permissio) ou
reconhecimento tácito (tacitus consensus) do imperador. Depois, dir-se-á que o rei (ou a cidade) que não
reconhece superior é como imperador no seu território, com isto se justificando a pretensão dos príncipes
dos reinos da Europa Ocidental tanto a não reconhecerem a supremacia imperial) nem, consequentemente, a
obrigatoriedade política do seu direito, como a promulgarem leis, imitando as constituições imperiais dos
imperadores romanos.
Digesto central para a forma de relacionar o direito comum e direitos próprios – com base nele,
reconhece-se que os povos têm naturalmente a capacidade de estabelecer o seu próprio direito.
Então, a vigência do direito comum tem, assim, de se compatibilizar com a vigência de todas estas ordens
jurídicas reais, senhoriais, municipais, corporativas ou mesmo familiares.
Compatibilização: Considerar que, no seu domínio particular de aplicação, os direitos próprios têm a
primazia sobre o direito comum, ficando este a valer não apenas como direito subsidiário, mas também
como direito modelo, baseado nos valores mais permanentes e gerais da razão humana (ratio iuris), dotado,
por isso, de uma força expansiva que o tornava aplicável a todas as situações não previstas nos direitos
particulares e, ao mesmo tempo, o tornava um critério tanto para julgar da razoabilidade das soluções
jurídicas nestes contidos, como para reduzir as soluções, variegadas e dispersas, dos direitos locais a uma
ordem “racional”.
Século XIII – direito passa a estar integrado no sistema de fontes de direito da maior parte dos reinos
europeus (mesmo aqueles em que não se reconhecia a supremacia do imperador).
As questões deveriam ser resolvidas "segundo a forma do estatuto, onde estão os estatutos, e quando
os estatutos falham, segundo o direito romano”.
Apesar de o princípio ser o de que o direito comum só vigor na falta de direito próprio, o facto é que os
juristas formados nas universidades só estudavam os direitos cultos (romano e canónico) e, por isso, tendiam
a preferi-los aos direitos locais.
Circunstâncias que explicam a receção do direito romano nos direitos dos reinos europeus:
1. Desenvolvimento inicial da economia mercantil e monetária europeia; para o novo tipo de relações
económicas era necessário: um direito estável, que garantisse a segurança jurídica e institucional
necessária à previsão e ao cálculo mercantil; um direito único, que possibilitasse o estabelecimento
de um comércio indo-europeu; e um direito individualista, que fornecesse uma base jurídica
adequada à atividade do empresário, livre das limitações comunitaristas que os ordenamentos
jurídicos medievais tinham herdado do direito germânico. O direito romano reunia estas
características: a sua abstração (i.e., o facto de as situações visadas pelas normas estarem nelas
descritas através de formas muito estilizadas e, portanto, gerais) opor-se-ia ao casuísmo dos direitos
da Alta Idade Média; depois, era aceite como direito subsidiário comum a todas as praças
comerciais europeias, constituindo uma língua franca de todos os mercadores; e os grandes
princípios do sistema jusromanista coincidiriam, no fundamental, com a visão capitalista das
relações mercantis – liberdade de ação negocial (princípio da autonomia da vontade), possibilidade
de associações maleáveis e funcionais (figuras romanísticas da personalidade jurídica), etc.
Na realidade, o direito romano não tinha este caráter abstrato, nem garantia a comunicação jurídica entre as
grandes praças, nem conseguia inverter o sentido anti-individualista dos direitos medievais europeus. Por
isso, esta circunstância não deve ser tomada em conta.
2. Restauração do Império Ocidental (séc. IX) – gera a ideia de que como os súbditos vivem sob a
autoridade de um piíssimo rei, devem reger-se todos pela mesma lei – a unidade política e religiosa
do Império exigia a unidade jurídica.
3. Onde a autoridade do direito romano não pudesse provir da autoridade do imperador, aquele
continuava a impor-se em virtude da superior perfeição que lhe era atribuída – as suas fontes eram
muito mais completas e sofisticadas do que as dos direitos locais, cobrindo a generalidade das
situações com a sua rica casuística e sendo objeto de elaboração doutrinal (as soluções eram
justificadas/explicadas pelos juristas). Os juristas tinham elaborado argumentos – razão do direito
(ratio iuris), equidade, utilidade – que eram linhas de orientação do saber jurídico e garantiam
coerência às várias soluções casuísticas, permitindo encontrar novas. Assim, o direito romano
respondia à generalidade das situações de forma razoável e convincente.
Direito romano valia pela submissão política (ratio imperii, em razão do império) e pela aceitação
(voluntária) da sua razoabilidade (imperio rationis, por imperativo da razão).
Mesmo em domínios regulados pelo direito local, deu-se uma uniformização provocada pela influência dos
princípios romanistas sobre o próprio legislador.
Inicialmente, a influência processava-se através das coletâneas legislativas da Alta Idade Média e de
conhecimentos obtidos em textos de direito romano vulgar, que os notários utilizavam para redigir fórmulas
negociais (reunidas em coletâneas).
Entre os séc. V e X, estas fórmulas constituíram os únicos documentos de uma cultura jurídica escrita. Mais
tarde, a receção do direito romano vai ter como agentes os letrados presentes nas chancelarias reais, que
utilizam as fórmulas deste direito para fazer valer as pretensões políticas de reis e imperadores aparecem
fontes de direito régio fortemente imbuídas de princípios romanistas e afirmações doutrinais, de juristas
formados no direito romano, de que este deve ser o modelo segundo o qual se interpretava o direito próprio
dos reinos.
O direito romano vigente na Península Ibérica, a partir do início da romanização (218 a.C.) era:
a. O ius civile para os cidadãos romanos, estabelecidos nas cidades romanas; o direito civil era
adaptado às características da vida provincial pela atividade do magistrado encarregado de
administrar a justiça (governador), originando-se um direito com bastantes especificidades, mas
também menos técnico (direito romano vulgar);
• O édito de Caracala em 212 d.C. outorgou a cidadania a todos os habitantes do império, pelo
que o ius civile passou a ter uma vigência tendencialmente generalizada.
b. Para os não-cidadãos (a maioria), os seus direitos, quase sempre costumeiros, direitos que eram
reconhecidos pelos romanos.
c. Para as relações entre romanos e não romanos, o ius gentium, que os romanos reconheciam como
um direito comum a todas as nações (gentes).
FONTES DO DIREITO ROMANO – DIREITO ROMANO ANTIGO (Realeza/República: sécs. VIII
a.C.- II a.C.):
1. O costume (mos, primeiro, os costumes das clãs e tribos; depois, os costumes da Cidade de Roma).
2. A lei:
a. Leges, leis produzidas pelos magistrados e aprovadas pelos Comitia;
b. Plebiscitos, leis aprovadas nos Consilia Plebis (só depois da Lex Hortensia, de 287a.c., é que
adquirem validade universal);
c. A Lei das XII Tábuas (cerca de 450 a.C.), primeira compilação de leis romanas.
"Se por acaso por mim se propuseram hoje algumas leis que não existem nem existiram na nossa república, sem
dúvida se acharão no mos dos antepassados que então valia como lei".
Cícero, de legibus, c. 52-51 a. C.
“[…] assim como as mesmas leis não nos obrigam por outra coisa senão porque foram admitidas pelo juízo do povo,
pela mesma razão todos hão-de guardar o que, sem nenhum escrito, aprovou o povo (...) Pelo que também está
rectissimamente admitido que as leis se derroguem não só pelo voto do que dá a lei, mas também pelo tácito
consentimento de todos, mediante desuso".
Digesto, 1, 3, 32 – Julianus (séc. II)
"Em tão grande autoridade se tem este direito, que tão provado está, que não foi necessário recolhê-lo por escrito
(...) Se se tratar da interpretação da lei, primeiro há que investigar-se de que direito usou a cidade no passado em
casos semelhantes, pois o costume é o melhor intérprete das leis".
Digesto, 1, 3, 22 – Paulus (séc. III)
" Naqueles casos em que não usamos leis escritas, convém que se guarde o que pelos mores e pelo costume se
introduziu; e se isto faltar nalgum caso, então o que seja semelhante e consequente (...) O costume muito antigo
guarda-se como lei não sem razão e este é o direito que se diz estabelecido pelos mores. Porque assim como as
mesmas leis não nos obrigam por outra coisa senão porque foram admitidas pelo juízo do povo, pela mesma razão
todos hão de guardar o que, sem nenhum escrito, aprovou o povo (...) Pelo que também está rectissimamente
admitido que as leis se derroguem não só pelo voto do que dá a lei, mas também pelo tácito consentimento de todos,
mediante desuso".
Digesto, 1, 3, 32 pr – Julianus
“Não é desprezível a autoridade do costume e do uso de largo tempo, mas não deve ser válido ao ponto de prevalecer
sobre a razão ou a lei”.
C., 8, 53 (52), 2
"O costume constante deve observar-se como direito e lei, naquilo em que não contraria o direito escrito".
Digesto, 1, 3, 22 - Ulpianus
"Aquelas coisas que estão comprovadas por largo costume e são observadas durante muitíssimos anos, como por
tácito convénio dos cidadãos, observem-se não menos que as que estão escritas nos direitos".
Digesto, 1, 3, 22 - Hermogenianus
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DIREITO CANÓNICO
Hespanha, p. 139-148
A tradição canonística
Progressiva extensão do domínio jurídico jurisdicional da Igreja (facilitada pela derrocada das
estruturas políticas, jurídicas e jurisdicionais no Ocidente europeu, consequente à queda do Império Romano
do Ocidente (476 d.C.) e às invasões germânicas).
Culturalmente prestigiada, dominando quase exclusivamente a cultura escrita, e prosseguindo uma política,
a Igreja tende a hegemonizar os mecanismos políticos e jurídicos, procurando impô-los aos reis e tutelar
cidades e comunidades locais.
Esta pretensão obriga-a a constituir um corpo normativo muito mais complexo, surgindo novas fontes no
seguimento de novos problemas e culturas diferentes da sociedade em relação aos primeiros séculos.
1. Decretos dos concílios: ecuménicos, regionais, provinciais ou diocesanos – assembleias dos bispos
de toda a cristandade ou de uma região, província ou diocese particulares.
2. Determinações papais: a política papal tende a alterar-se (socorrendo-se da imagem paralela do
imperador, segundo o direito romano) aumentando progressivamente e de forma não linear a sua
capacidade de edição do direito, emitindo constituições (encíclicas, bulas ou breves de acordo com a
temática e a finalidade).
(Inicialmente o poder normativo da Igreja estava atribuído aos concílios e o Papa intervinha apenas para
esclarecer/aplicar concretamente as normas conciliares).
A partir de certo ponto, torna-se necessário compilar o novo direito escrito da Igreja, o que é feito por
iniciativa privada, durante os séculos VI a VIII.
Século XII Graciano elabora uma compilação que se impõe a todas as anteriores e permanece como o
grande repositório de direito canónico praticamente até à atualidade - a Concordantia discordantium
canonum (concórdia dos cânones discordantes), mais conhecida por Decretum Gratiani [Decreto de
Graciano].
Com o contínuo desenvolvimento do direito da Igreja, o Decreto foi- -se desatualizando, tornando
necessárias compilações complementares.
Ao conjunto de todas as coleções que foram aparecendo como complemento passou a chamar-se Corpus
iuris canonici, à semelhança do nome dado à compilação justinianeia de direito civil.
O Direito civil (Ius civile); o ius civile romanorum, direito próprio da civitas romana (literatura moodle)
“Todos os povos, que se governam por leis e costumes, usam em parte o seu próprio direito e em parte o direito
comum a todos os homens. O direito que cada povo constitui para si é próprio desse povo e chama-se direito civil,
como que a significar próprio da cidade
Digesto, 1,1,9, Gaio
Direito comum = doutrina romanística + doutrina canonística + institutos dos direitos tradicionais dos povos
europeus
A influência do direito canónico – ainda que menos relevante do que a do direito romano – para o direito
comum foi determinante, enquanto direito que não representava apenas o direito da Igreja e das coisas
sagradas, mas um direito mais recente do que o direito romano – uma espécie de direito romano
reelaborado e adaptado às condições da sociedade alto-medieval.
Influência canonística:
1. Matéria de relações pessoais entre cônjuges;
2. Valorização da vontade (em vez da forma) no direito dos contratos;
3. Desformalização do direito sobre as coisas;
4. Valorização da sucessão testamentária e na desformalização do testamento;
5. Exigência de boa-fé para a prescrição;
6. Valorização das soluções de equidade contra as decisões de direito estrito;
7. Promoção da composição amigável e da arbitragem em matéria processual;
8. Estabelecimento do processo inquisitório, com uma maior preocupação da averiguação da verdade
material (matéria processual penal);
Teoria canónica das fontes de direito subordinação dos direitos humanos (secular e eclesiástico) ao
direito divino, revelado pelas Escrituras ou pela tradição.
Direitos humano dois modos complementares de realizar uma ordem querida por Deus
O equilíbrio entre os dois direitos rompeu-se com a oposição entre o Papa e o imperador (séculos X a XII):
1. O primeiro queria estabelecer uma tutela sobre a Igreja;
2. O segundo queria salvaguardar o autogoverno eclesiástico.
Na teoria canónica, a rutura era no sentido de estabelecer a supremacia do direito canónico, que estaria mais
próximo do direito divino. O Papa gregório VII estabeleceu, neste sentido, o primado do Papa sobre os
bispos, a autonomia da Igreja e dos clérigos face aos poderes temporais, e sujeição destes à tutela de Roma.
A autonomia da igreja e do clero fundamentava a isenção dos clérigos em relação ao foro temporal e a
consequente reclamação de um “privilégio de foro” para os eclesiásticos; a sujeição dos poderes temporais
ao poder eclesiástico atribuía ao Papa o poder de depor os reis ou de libertar os súbditos do dever de lhes
obedecerem.
A supremacia do direito canónico é posta em causa no século XIII – a teologia começa a insistir na ideia de
que, na esfera temporal, se prosseguem fins próprios, que não têm a ver com a salvação pós-morte, mas
apenas com a boa ordem terrena. Assim, intervenção corretiva do direito canónico apenas deveria verificar-
se quando a regulamentação temporal pusesse em causa aspetos decisivos da ordem sobrenatural; tal
como a intervenção de Deus (pelo milagre) apenas tinha lugar quando, de todo em todo, o funcionamento
da ordem da natureza comprometia o plano da salvação.
Posto isto, canonistas e civilistas reconhecem que, em casos em que os ordenamentos civil e canónico se
oponham, fazendo surgir um conflito grave, a última palavra pertence ao ordenamento da Igreja.
O direito canónico apenas vigoraria, como padrão superior, nos casos em que da aplicação das fontes
jurídicas terrenas resultasse pecado.
Para além disso, a ideia de que entre o direito dos reis e o direito da Igreja há um especial parentesco porque
são fatores poderosos na uniformização dos direitos locais, à sombra de um modelo único que era mais o
direito canónico do que direito romano.
A partir de 1363, o Papa passou a proclamar solenemente a Bula da Ceia, uma lista dos atos dos poderes
temporais que davam lugar à excomunhão, que foi aumentando ao longo do tempo, mas que tinha menos
impacto do que o pretendido, porque muitos monarcas reagiam contra ela ou proibiam a sua divulgação nos
reinos.
A evolução do direito canónico em Portugal corresponde, nos seus traços gerais, à europeia.
Notas a destacar:
- O beneplácito régio foi introduzido em Portugal pouco antes de 1361;
- Quanto aos privilégios do foro, embora em Portugal tenham sido recebidos os respetivos princípios
do direito canónico, desde cedo o poder temporal reclamou para si a competência jurisdicional sobre
eclesiásticos, em certas circunstâncias;
Gilissen, p. 133-159
Direito canónico = direito da comunidade religiosa dos cristãos (direito da Igreja Católica).
Direito religioso, retirando as suas regras de preceitos divinos, revelados nos livros sagrados (Antigo e
Novo Testamento).
A Igreja desempenhou um papel considerável na sociedade medieval, período durante o qual foi um poder
temporal muito poderoso. Fatores que explicam esta importância:
1. Caráter ecuménico da Igreja: na Europa Ocidental, entre os séculos VIII e XV, a religião cristã
impôs-se por toda a parte, esta tendência universalista dando à Igreja um caráter unitário. A
unidade e a uniformidade do direito canónico em toda a Igreja foram proclamadas pelo Papa no
tempo de Gregório VII; ele não podia ser interpretado senão pelo Papa.
2. Certos domínios do direito privado foram regidos exclusivamente pelo direito canónico durante
vários séculos, mesmo para os laicos: os conflitos eram resolvidos por tribunais eclesiásticos. Por
isso, o direito canónico está na base de numerosas disposições do direito civil moderno.
3. Durante a maior parte da Idade Média, o direito canónico foi o único direito escrito (o laico
permaneceu essencialmente consuetudinário). As compilações de direito canónico conheceram uma
larga difusão, assistindo-se a partir do século XII a uma espécie de codificação.
A igreja deixou de subsistir o poder dos soberanos laicos, mas os estados cristãos pretenderam servir-se da
Igreja como de um serviço público. Assim, os conflitos entre os dois poderes (temporal e espiritual) foram
numerosos.
Concordatas:
- Fim da Idade Média, Época Moderna e Contemporânea: as relações entre igreja e estado são regidas
por concordatas convenções estabelecidas pelos dois poderes no sentido de organizar a
intervenção do Estado na nomeação dos altos funcionários eclesiásticos;
Jurisdição eclesiástica:
A influência do direito canónico explica-se em parte pela extensão da competência dos tribunais
eclesiásticos.
Fontes do Direito
Principal fonte do direito canónico vontade de Deus (revelada nos livros sagrados, sobretudo na Santa
Escritura)
O direito divino é completado por atos de caráter legislativo que emanam das autoridades constituídas da
Igreja Católica e pelo costume. O direito romano foi a mais importante fonte supletiva de direito na Igreja.
Ius divinum:
- Conjunto das regras jurídicas que pode ser extraído da Sagrada Escritura (Antigo e Novo
Testamento), e dos Escritos dos Apóstolos e dos Doutores;
- O antigo testamento foi redigido pelos hebreus, o antigo direito hebraico constituindo uma das fontes
históricas do direito canónico;
- O novo testamento e os atos dos apóstolos refletem a doutrina de Cristo, amplamente influenciada
pela evolução das religiões/filosofia/direito no mundo helenístico do séc. IV ao séc. I;
Legislação canónica:
- Decisões das autoridades eclesiásticas que formam a fonte viva do direito canónico;
- Até ao séc. XVI tiveram um desenvolvimento considerável, sendo reunidas em compilações de
coleções canónicas;
- Decretos dos concílios decisões dos concílios (mais importantes são os ecuménicos, assembleias
gerais de todos os bispos da cristandade); existem ainda concílios regionais, provinciais e
diocesanos;
- Sínodo assembleia das autoridades eclesiásticas de um bispado; as suas decisões são estatutos
diocesanos/sinodais, aparecem no séc. IX e tornam-se muito numerosos a partir do séc. XIII;
algumas compilações constituem pequenos códigos de direito canónico adaptados às necessidades
locais de um bispado;
- Decretais escritos dos papas, respondendo a uma consulta ou a um pedido emanado do bispo ou
de uma alta personagem eclesiástica/laica; são decisões dos papas, complementares dos decretos dos
diversos concílios, tendendo a dar a explicação autorizada e a indicar as modalidades de aplicação
dessas regras conciliares; o poder legislativo passou progressivamente dos concílios para os papas;
- A legislação canónica conhece um declínio na mesma época da legislação laica (891-1049);
- Hoje, os papas fazem ainda constituições pontificais, que são verdadeiras leis da Igreja; mas dirigem-
se aos bispos sobretudo através de encíclicas (bulas com conselhos em vez de instruções).
Costume:
- Direito não escrito que não desempenha um papel considerável na evolução do direito canónico, em
razão da abundância das regras jurídicas escritas;
- Idade média: canonistas construíram princípios para reconhecer o caráter obrigatório do uso jurídico;
- Para ser válido, o costume: tem de ser seguido há pelo menos 30 anos, tem de ser razoável (não
ofender a razão) e tem de ser legítimo (conforme ao direito divino/decretos/ensino autorizado pela
igreja);
- O costume foi muitas vezes consagrado pela jurisprudência dos eclesiásticos como fonte local de
direito;
O hábito de reunir em compilações mais ou menos extensas os principais textos de direito canónico persistiu
nos séc. X, XI e XII, altura em que todos os outros domínios da vida jurídica no Ocidente, as fontes escritas
do direito tinham desaparecido quase completamente; o direito canónico permaneceu então como o único
direito escrito.
A coleção escrita por Graciano em Itália no século XII viria a eclipsar todas as outras, sendo completada no
decurso dos três seguintes séculos por 4 compilações conjunto das recolhas reconhecido como o código
do direito canónico = corpus iuris canonici (1582), em vigor até 1917 (quando foi substituído pelo Codex
iuris canonici).
Corpus iuris canonici = Decreto de Graciano (1140) + Decretais de Gregório IX (1234) + Livro Sexto
(1298) + Clementinae (1314) + Extravagantes de João XXII (1324) e Extravagantes Comuns (séc. XV)
Decreto de Graciano:
- O título da obra era um programa: estabelecer uma coordenação entre os cânones discordantes, pela
comparação e classificação dos textos de acordo com o seu valor jurídico;
- Graciano foi influenciado pela dialética dos primeiros escolásticos;
- Procurou explicar a discordância dos textos por distinções de tempo e de lugar, por exceções e
dispensas aos princípios de acordo com as necessidades da prática;
- O decreto não era apenas uma recolha de testos; o autor acrescentou a cada conjunto de documentos
sobre uma questão um breve comentário pessoal no qual resumia o problema e propunha uma
solução para as contradições constatadas;
- Segunda metade do séc. XII tornou-se a principal base para o estudo do direito canónico nas
universidades;
- Era uma obra privada, mas reconhecida pelas autoridades eclesiásticas; não tenho caráter oficial,
não obrigava os juízes;
- Esforço de Graciano insuficiente: os concílios e os papas legislaram muito nos fins do séc. XII e no
séc. XIII; várias atualizações da obra de Graciano foram necessárias a partir de 1150;
Decretais de Gregório IX
- O Papa Gregório quis encontrar solução para a multiplicação das coleções pós-gracianas,
ordenando a redação oficial de uma compilação de textos canónicos que não se encontravam na obra
de Graciano;
- Esta compilação foi redigida por Peñafort e completada em 1234;
- O Papa enviou o texto como um código oficial às Universidades de Bolonha e de Paris para servir
para o julgamento dos processos e para o ensino;
- Proibiu a realização de outras compilações sem autorização da Santa Sé;
- Vários papas tomaram depois a iniciativa de completar a obra de Graciano e de Peñafort;
- Por imitação do nome dado à codificação justiniana, a partir do séc. XIII começou a dar-se o nome
de corpus júris canonici às coleções de Graciano e de Gregório IX;
- Em seguida o papa deu ordem de preparar uma edição oficial das coleções canónicas;
- As grandes compilações da Idade Média foram submetidas ao exame de uma comissão de
canonistas e de cardeais correctores comani;
- Edição oficial do corpus – 1582;
- O corpus manteve-se em vigor até 1917 como código oficial do direito canónico; era necessário
completá-lo pelos cânones dos concílios dos séculos XV e XVI e pelas novas decretais dos papas
(jus novissimum).
Desenvolvimento do estudo do direito romano em Bolonha + importância tomada pelo Decreto de Graciano
formação de escolas de direito canónico nos finais do século XII
Começaram a coexistir os dois ensinos, muitas vezes os estudantes seguindo os cursos das duas faculdades e
tornando-se doutores em ambos os direitos.
Em Paris, a partir de 1219, só o direito canónico continuou a ser ensinado até ao século XVII.
Evolução dos métodos de estudo do direito canónico = evolução dos métodos de estudo do direito romano
(método dos glosadores, seguido pelo dos comentadores).
Decretistas: tomaram o decreto de Graciano como base dos seus trabalhos, fazendo sobretudo glosas sobre
o decreto e exposições sumárias (summae).
Decretalistas: consagraram-se sobretudo ao comentário das Decretais de Gregório IX; nos dois últimos
terços do século XIII, aplicaram ainda o método dos glosadores, inspirando-se mais tarde no dos
comentadores.
A partir do século XVI: o ensino do direito canónico perdeu progressivamente interesse para os laicos
(inicialmente em França).
Fontes (moodle):
Poder temporal e espiritual
Francisco de Vitória (Burgos, 1483-Salamanca, 1546), Os Índios e o direito da guerra (de indis et de iure belli
relectiones), trad. Ciro Mioranza, Ijuí,, Editora Unijuí, 2006, pp. 71-21.
Terceira proposição: “O Papa tem poder temporal com referência às coisas espirituais, ou seja, enquanto é necessário
para administrar as coisas espirituais”
Também esta proposição é de Torquemada, na passagem citada anteriormente, e de todos os doutores. Prova-se
isso porque a arte à qual corresponde um fim superior é imperativa e preceptiva das artes às quais correspondem fins
inferiores, subordinados a este fim superior, como se lê em Aristóteles (Ética a Nicômaco, I, 1, 1904). Ora, o fim do poder
espiritual é a felicidade suprema, enquanto o fim do poder civil é a felicidade social. Logo, o poder temporal está sujeito
ao espiritual. Inocêncio IV recorre a este argumento (Decretalia Gregorii, IX, I, 36, 6 – cap. Solitae, De majoritate et
obedientia).
Confirma-se isso porque, a quem foi pedido o desempenho de alguma função, entende-se que lhe são concedidos
todos os meios necessários, sem os quais não pode desempenhar a contento essa função (Decretalia Gregorii, I, 29, 1, De
offici delegati). Ora o Papa, por delegação de Cristo, é o pastor espiritual e essa missão pode ser dificultada pelo poder
civil; como Deus e a natureza não podem falhar nas coisas necessárias, não há dúvida de que foi transmitido ao Papa o
poder sobre as coisas temporais, uma vez que é necessário para governar as coisas espirituais.
Por essa razão o papa pode invalidar as leis civis que fomentam o pecado, como derrogou as leis sobre a prescrição de
má-fé, tal como conta em De Praescriptione, capítulo final (Decretalia Gregorii, 2, 26, 20). Pela mesmo razão, se os
Príncipes estiverem em discórdia quanto ao sireito sobre algum principado e envolvidos numa guerra, pode o Papa ser juiz
e examinar o direito das partes e pronunciar a sentença, que os príncipes são obrigados a aceitar, sem dúvida para evitar
muitos danos espirituais que necessariamente ocorrem quando de uma guerra entre príncipes cristãos […].
Mais ainda, não duvido que, da mesma forma, tenham também os bispos autoridade temporal em seu bispado, pela mesma
razão que a tem o Papa em todo o mundo. Por isso fazem mal e agem mal os príncipes e governantes que tentam impedir
que os bispos imponham aos leigos penas pecuniárias por causa de seus pecados, ou lhes apliquem o desterro ou ainda
outras penas temporais, pois isso não foge da sua competência, contanto que não o façam por avareza e lucro, mas por
necessidade e para proveito do governo espiritual”.
Mulheres
Santo Ambrósio:
“Foi Adão quem foi enganado por Eva e não Eva por Adão. Foi a mulher quem o atraiu para a culpa, pelo que é justo que
seja ele a assumir a direcção, para que, por causa da facilidade das mulheres, não volte a cair (Decreto, 2. p., C 34, q. V.,
C. 18).
S. Jerónimo:
“como a cabeça da mulher é o marido, mas a cabeça do marido é Cristo, toda a mulher que não se submeter ao seu
marido, isto é, à sua cabeça, torna-se ré do mesmo crime do homem que não se submeta a Cristo, sua cabeça (…)
(Decreto, 2. p., C. 33, q. V., c. 15).
Direito Canónico:
Aula de 29-03-2022
o A doutrina e a jurisprudência desta época podem basear-se em materiais empíricos que vêm de várias
tradições jurídicas e que se acumularam ao longo do tempo, desde o século VI e da Lei das 12
Tábuas;
o Ideia de unidade: tentativa de reconstituir o Império Romano (fator político que dá validade ao
Direito Romano);
o Todos os reinos, cidades, são cristãos – unidade; no século XII aparece uma Europa Medieval cristã
o Os direitos próprios são os direitos de cada cidade, reino, principado e constituem-se ao lado do
direito romano (corpus iuris civilis) e do direito canónico (que se vem formando desde o século I);
o O direito canónico vigora por causa da autoridade do papa e das escrituras; conhecer é conhecer a
tradição, saber o que os antigos escreveram;
o O saber não vem da razão humana (que é considerada o instrumento para se aceder ao saber) mas
vem do livro e da tradição;
Aula de 04-04-2022
o Direito germânico: os povos que se estabeleceram na parte ocidental do império também sofreram
influência do direito canónico, instalando-se num território onde tinha vigorado o direito romano;
o Constituíram-se povos e houve códigos a aplicar-se em vários ramos;
o O conjunto de materiais jurídicos vindos de épocas diferentes encontram-se no direito comum; há um
sistema casuístico (direito a partir de casos – encontrar as melhores soluções possíveis para os casos
concretos, partindo dos vários ordenamentos, procurando argumentos que justifiquem cada ponto de
vista;
o Estão em vigor ordenamentos jurídicos diversos com proveniências diversas no tempo, todos eles
válidos pelas suas razões; falta perceber quando é que se aplicam uns e outros;
o As escolas jurídicas medievais tentaram sistematizar tudo (encontrar princípios gerais, adaptá-los à
realidade concreta, procurando concordâncias) e encontrar regras que permitam saber minimamente
quando é que se aplica cada direito;
o Metodologia: olhar para os casos a partir dos argumentos dos vários ordenamentos, ter em conta as
circunstâncias dos casos, e tomar decisões (que podem ou não ser generalizadas);
Pobreza
“Porque os fins são diversos, também os meios que para eles se elegem são diversos. E assim, não é correto dizer-se
que se a Lei de Deus manda isto, assim devem mandar as leis dos Príncipes. E nem por isso se deve dizer que as leis
humanas são contrárias às divinas, da mesma forma que não se diz que a lei evangélica é contrária à lei de Moisés,
mas apenas que, como têm fins diversos, tomam para eles meios diversos. E isto deve ser bem notado, para que
ninguém se atreva a condenar por injustas as leis que os príncipes fazem nos seus reinos. Assim, o rei quer que no
seu reino sejam todos ricos; e Deus disse que quem quer ir mais facilmente para o céu viva na pobreza; o rei quer
que não haja no seu reino quem maltrate o próximo; Deus quer que, ainda que os haja, sejam suportados com toda a
paciência; Deus quer que não vinguemos as nossas injúrias; o rei quer, e com razão, que seja castigado quem injurie
o próximo”.
Usura
Frey Juan de Robles (séc. XVI), in José Antonio Maravall, Estado Moderno y mentalidad social, t. II, p., 247.
“Receber juros (usura) por um empréstimo de dinheiro é injusto, porque nesse acto é vendido algo que não existe e isto
resulta, obviamente, numa desigualdade que é contrária à justiça. Para compreendermos isto há que ter consciência que
há coisas que são consumidas quando as usamos. Consumimos vinho quando o usamos para beber, e trigo quando o
usamos para comer. Nestes casos, o uso da coisa não devia ser considerado separadamente da coisa em si, de forma a que,
quando se dá a alguém o uso da coisa dá-se também a coisa em si. Assim, nestes casos, a posse é transferida no momento
do empréstimo. Se alguém quer vender vinho e vender o uso do vinho ele vende a mesma coisa duas vezes, ou vende algo
que não existe - um pecado evidente contra a justiça. Pelo mesmo motivo, é injusto requerer dois pagamentos por um
empréstimo de vinho ou trigo, um em troca de um montante igual da coisa e um segundo como o preço por tê-la usado.
Chamamos a isto usura.
Há outras coisas que não são consumidas quando são usadas, tal como o uso de uma casa que está desabitada e não
destruída. Nestes casos, quer o uso quer a coisa podem ser emprestadas. Por exemplo, alguém pode dar a posse de uma
casa a outrem, mas manter para si, durante um certo tempo, o uso da casa. Por isso é legitimo que um homem receba um
pagamento pelo uso da casa e, além disso, pedir que a casa lhe seja devolvida, como acontece com o aluguer das casas.
Contudo, de acordo com o filósofo (Aristóteles) o dinheiro foi inventado para facilitar a troca, e por isso o uso próprio e
principal do dinheiro é o seu uso ou gasto quando se fazem trocas. Por isso é em si mesmo errado receber um pagamento
pelo uso de um empréstimo de dinheiro - aquilo a que se chama usura. E tal como o homem é obrigado a restituir outras
coisas que adquiriu injustamente, ele também deve fazer isso com o dinheiro que obteve através da usura.
Os judeus foram proibidos de obter ganhos “dos seus irmãos”, i.e. dos outros judeus. Isso significa que obter ganhos de
qualquer homem é intrinsecamente diabólico, porque devemos considerar todos os homens como vizinhos e irmãos. (…). A
eles é permitido obter ganhos dos estrangeiros não porque isso seja correcto mas porque para evitar um mal maior, o de
obter ganhos dos judeus, o povo escolhido de Deus, por causa da avareza à qual eles são inclinados.
As leis humanas deixam alguns pecados sem punição por causa da imperfeição do homem, a quem faltariam muitas coisas
que lhe são úteis se todos os pecados fossem estritamente proibidos pela aplicação de penas legais. Assim, as leis humanas
permitem a usura não porque a considerem justa, mas para evitar interferir com as actividades úteis de muita gente”.
o Sobre o tema, de uma perspetiva utilitarista: é justa uma lei que é útil (vai ao encontro da maior
felicidade para o maior número) – S. Tomás de Aquino diz que a lei continua a ser injusta, mesmo
que seja útil, admite apenas que uma injustiça pode ficar sem punição por ser útil;
o Outra visão possível: quem empresta está a dar, e este ato é uma coisa boa; quem paga os juros, está
a manifestar gratidão a alguém que ajudou/forneceu algo, está a dar de volta/a devolver mais do que
recebeu; isto pode ser visto como algo bom (podem ser coisas admissíveis e boas);
o Discurso dos sentimentos e das virtudes: aberto a interpretação, a uma descrição a partir da economia
do dom que vê os juros como uma decisão voluntária de dar mais a alguém que o ajudou;
o Em princípio, devemos resistir ao tirano, mas para evitar males maiores, podemos não resistir; é justo
resistir ao tirano e é injusta a tirania, e não deixa de ser injusta por resolvermos não resistir;
o S. Tomás de Aquino dizia que antes do pecado não existia propriedade privada, mas depois do
pecado era necessária a existência de propriedade privada, para as pessoas terem interesse em
trabalhar a terra e desenvolvê-la;
o Também o adultério é um pecado e deve ser punido, mas a prostituição, que também é um pecado,
pode ser útil para evitar um mal maior, que seria os homens terem relações sexuais com as mulheres
dos outros (é preferível que o fizessem com prostitutas);
o Os homens pecaram e o pecado turvou-lhes a mente, nunca mais recuperando a sua bondade inicial;
o O Homem não consegue conceber toda a ordem, porque, como é imperfeito, o seu conhecimento
nunca será perfeito (ideia de que as soluções do Direito são sempre probabilísticas – pensa-se que é a
melhor solução possível, mas nunca há certezas), porque o conhecimento nunca é pleno, pois o
conhecimento total está vedado aos Homens imperfeitos – sentimento de que é sempre possível
aperfeiçoar a justiça;
o Exceção: sempre que, da aplicação do Direito Comum, resulte o pecado, é aplicado o Direito
Canónico, porque a salvação é sempre o mais importante;
Aula de 05-04-2022
Aquino e equidade:
o Aquino: equidade implica resolver o caso de uma forma ainda mais justa do que a resolução que a
lei permitiria;
o A lei é justa, mas aplicando-a ao caso concreto o resultado pode não ser tão justo, pelo que quem
está a julgar e a ponderar tem de ser mais exigente, aproximando-se da justiça do caso concreto;
o Há o reconhecimento de que o princípio é perfeito (a lei é justa) mas porque o mundo é imperfeito,
este princípio tem de ser adaptado;
o A justiça mais perfeita é a justiça que melhor se adequa ao caso concreto; o direito procurava
soluções justas, mais do que procurava aplicar a lei;
o Se nos agarrarmos muito à lei até podemos cometer uma injustiça contra a justiça da própria lei;
“Critério de pecado”
o Escolas de juristas que liam o corpus iuris civilis e que a partir do que liam encontravam e
formulavam estas regras, dizendo quando e que se aplicavam uns direitos ou outros;
o As regras gerais que os juristas encontram são recebidas nos reinos, que recebiam o direito comum
elaborado nas universidades pelos juristas, integrando os direitos próprios;
o Bártolo chegou à conclusão de que se estamos num território sujeito ao Império, em coisas
espirituais se aplica o direito canónico e vale o direito do imperador/rei em coisas temporais desde
que isso não induza em pecado (caso em que se aplicam os cânones);
o No reino de Portugal, se a matéria não traz pecado, é-se julgado pelas leis imperiais; se a matéria traz
pecado, é-se julgado pelo canónico;
o (século XVI) Lei das citações: o direito canónico vigora dentro do reino de Portugal, mas só é válido
o direito que tenha o beneplácito do rei (a autorização positiva);
o Esta lógica presidiu às regras que regulavam a aplicação do direito canónico e do direito temporal, ao
mesmo tempo que se aplicava a justiça ao caso concreto;
o O direito canónico vai influenciar a aplicação do direito romano; o direito comum é direito romano-
canónico tal como foi interpretado pela doutrina e pela jurisprudência dos tribunais nos séculos XII-
XVIII;
o Todos reconheciam a validade do direito romano e a sua razão intrínseca;
o A partir do século XII começaram a surgir universidades, onde havia especialistas em direito romano
e direito canónico, utilizando a mesma língua comum – o latim (comunidade intelectual);
o Os juristas interpretavam o direito e escreviam sobre ele; a doutrina jurídica tentava também
encontrar princípios comuns a todos os ordenamentos, que se influenciavam uns aos outros;
encontravam-se princípios gerais entre o direito romano de origem justinianeia, o direito canónico e
os direitos próprios, através de diversas técnicas;
o A tarefa da compreensão do direito era uma tarefa coletiva; havia uma acumulação de saberes de
várias gerações;
o Havia critérios que diziam quando é que cada direito deveria vigorar;
Quando é que aplica o direito romano e quando é que se aplicam direitos próprios?
o O direito romano diz que cada povo tem o sue direito próprio, necessário para que o povo exista;
existem normas específicas dependentes da utilidade particular que podem contrárias ao direito
romano; o particular prefere-se ao geral;
o Isto não é desvalorizar o geral, mas o direito romano é subsidiário; se não houver solução n direito
próprio é que se vai ao direito romano;
o Muitas vezes o direito próprio era só uma especificação do direito romano, porque os juristas eram
educados dentro do ordenamento do direito romano, não conhecendo outra realidade;
o O direito romano cria ele próprio o princípio de que uma utilidade particular possa derrogar a razão;
o Não se podia ir buscar aos direitos próprios princípios gerais; esses vinham do direito romano;
o Não era óbvio que só a lei fosse critério de solução para os problemas;
Aula de 02-05-2022
MODERNIDADE JURÍDICA
Aula de 03-05-2022
JUSNATURALISMO
o Há uma cisão no mundo cristão, entre protestantes e católicos. Esse fator promoveu a procura de
princípios acima da religião que remetesse para o que existia de comum entre protestantes e
católicos;
o Os dois grupos podiam entender-se não na questão religiosa, mas enquanto seres humanos;
o Quer-se encontrar regras que todos possam entender e aceitar, regras que não estejam intimamente
ligadas à questão religiosa;
o O eurocentrismo começa na ideia de que os princípios dos europeus se inscrevem na razão, e logo
que são comuns a todos os homens, mas na verdade tinham sido constituídos na Europa;
o Começou a falar-se do direito natural, do respeito pela organização natural; considerava-se que a
antropofagia e a poligamia eram barbaridades, e que não aceitar a mensagem de cristo era uma
irracionalidade; os índios, desde que usassem bem a razão, compreendiam isto; se não usassem bem
a razão e não compreendessem, então era legítimo fazer a guerra-justa;
o Havia também o princípio da hospitalidade dos estrangeiros (que incluía os índios);
- O direito natural é imanente, está na criação, na ‘natureza das coisas’, querida por Deus;
- Algumas das regras que constituem o direito natural estão formuladas nas Sagradas Escrituras; outras
‘lêem-se’ na ordem da Criação.
- A descoberta da ordem natural das coisas não pode provir do acesso directo às ideias divinas, nem
somente da especulação abstracta. Provém da observação dos factos e do resultado imperfeito dessa
observação;
- A mobilidade das coisas humanas quase não permite encontrar princípios de justiça invariáveis. Não
é possível estabelecer uma ciência do direito natural, formular um código de regras
permanentes.
Alguns princípios absolutos (impostos pela lei natural, válida para sempre):
- Fazer o bem e evitar o mal;
- Não matar pessoas (princípio derivado do instinto natural de conservação);
- Constituir família e educar os filhos (mandamento derivado do instinto reprodutivo);
- Dizer a verdade e não lesar o próximo (mandamentos derivados da Razão e da inclinação para a
sociabilidade);
- Não blasfemar, não pronunciar o nome de Deus em vão (princípios derivados do texto bíblico).
Destes mandamentos derivavam normas positivas contrárias ao homicídio, ao adultério e ao furto, à
idolatria…
Usura e propriedade
“As leis humanas deixam alguns pecados sem punição por causa da imperfeição do homem, a quem faltariam muitas
coisas que lhe são úteis se todos os pecados fossem estritamente proibidos pela aplicação de penas legais. Assim, as
leis humanas permitem a usura não porque a considerem justa, mas para evitar interferir com as atividades úteis de
muita gente”.
“Na verdade, se considerarmos um certo campo em absoluto, não tem porque ser mais de um do que de outro. Mas se
o considerarmos do ponto de vista da oportunidade de cultivar frutos e do seu uso pacífico, então existe uma certa
adequação a que seja de um mais do que de outro, como diz o Filósofo [Aristóteles] na Política, liv. II (c. 2, n. 4,
1263a21).
Tolerância religiosa
“S. Tomás de Aquino […], na sua Suma Teológica (1266-1272), considerava a heresia como um erro, uma errância e
um crime contra o direito. Por conseguinte, seria legítimo aplicar-lhe uma sanção tanto espiritual (a excomunhão)
como temporal (a morte). Mas também reconhecia que, se Deus, bom e omnipotente, permitia a existência de males
no universo, a supressão destes últimos aniquilaria, simultaneamente, uma parte do bem. Logo, e em termos
semelhantes, o Príncipe devia tolerar certas infidelidades. É que, se, em si mesmas, estas são um mal, a sua relativa
tolerância possibilitava evitar certos males maiores (como as desordens civis) e garantir certos bens”.
In Fernando Catroga, “Secularização e laicidade. Uma perspectiva histórica e conceptual”, in Revista de História
das Ideias, Vol. 25, 2004, p. 65
Hespanha 301-307
Tomás de Aquino direito natural S. Tomás crê na existência de uma ordem natural necessária do
mundo (que abrangia as coisas físicas e as humanas), na esteira de Aristóteles.
Filósofos gregos as coisas do mundo estão organizadas por natureza, tendem a conjugar-se umas com as
outras obedecendo a estímulos naturais.
Crença cristã num Deus bom, criador e ordenador do mundo, aponta para a ideia de Deus, causa primeira de
todas as coisas, infundindo nelas um apetite pela ordem que era uma causa ulterior – causa segunda – da
organização mútua dessas coisas; a ordem existia dentro das próprias criaturas.
O mesmo se diz da sociedade e dos homens a espécie humana também estaria integrada na ordem e no
destino da criação, refletindo-se isto no modo como as instituições humanas naturalmente se organizam.
Direito natural parte da observação do que está estabelecido nas sociedades humanas, tornando possível
perceber a natureza dos homens, tal como Deus os criou e os integrou no plano da Criação o DN é a
natureza das coisas, a ordem que Deus impusera à Criação, percebido pela observação e pela boa razão.
Liberdade no homem mobilidade essencial das coisas humanas não era possível encontrar princípios
invariáveis de justiça impossível estabelecer uma ciência do direito natural impossível a formulação
de um código de regras permanentes e universais.
S. Tomás propôs, então, a substituição de ciência por arte, de, em cada momento, encontrar o justo
(também era o ensinamento de Aristóteles).
Santo Agostinho: o direito natural não era o conjunto das normas que existiam embebidas nas relações
sociais estabelecidas, mas antes as regras que Deus tinha estabelecido e ordenado aos crentes.
- Cético em relação á possibilidade de o entendimento humano conseguir ler os planos de Deus por
meio da observação;
- A sua doutrina do DN baseava-se na obediência ao que Deus tinha deixado nas Escrituras ou ao que
Deus comunicava aos crentes por meio da fé;
- O conhecimento do DN derivava da aceitação da fé e do cultivo da obediência às ordens de Deus.
Ulpiano (séc. III): o direito natural como aquele direito “que a natureza ensina a todos os animais, pois este
direito não é específico do género humano, mas comum a todos os animais (...)”.
- Filosofia estoica, divulgada sobretudo por Cícero;
- Em todos os seres haveria uma parcela do espírito criador (logos) de tudo; essa parcela era o seu
princípio de vida e também o ímpeto que os levava a movimentar-se, a agir, de acordo com a
natureza;
- Este princípio do movimento dos homens era a vontade;
- Há uma centelha de logos – de vontade esclarecida pela razão – na alma dos homens, que os leva a
comportarem-se de acordo com a natureza;
Cícero: existe uma lei natural, eterna, imutável, promulgada pelo criador do mundo; tal lei está presente em
todos, pode ser encontrada por todos, desde que sigam as evidencias da boa razão, ou seja, da razão do
homem que respeita os seus ímpetos naturais (doutrina no Renascimento).
- O DN é constituído por normas precisas, por leis gerais e claras para todos os seres inteligentes e
autónomos, dotados de razão e vontade (não sendo necessários técnicos do direito para as
interpretar);
- A declaração do direito não depende, portanto, da observação; é uma simples extração das regras de
viver que a boa razão sugere a cada um;
- Lei natural não está sujeita à contingência dos tempos nem dos lugares, nem a razão humana (que é a
sua própria sede) tem dificuldades em a conhecer na sua generalidade.
- Não há oposição entre DN e DP: a evidência do direito natural levaria a que os homens
naturalmente quisessem viver sob a sua orientação, transferindo, por isso, para as leis positivas os
conteúdos das leis naturais; leis positivas tendem a constituir a consumação do DN.
É a partir destes ingredientes de origem estoica que se constrói a doutrina moderna do DN.
Jusnaturalismo moderno: evidencia, generalidade, racionalidade, caráter subjetivo, tendência para a
positividade.
A partir do Renascimento, a ideia de um DN universal que rege racionalmente o mundo está cada vez mais
presente, provocando a desagregação do jusnaturalismo tomista.
JUSNATURALISMO MODERNO
- A referência à “natureza das coisas” é substituída pela referência à “natureza do homem”, tida como
eterna e imutável;
- O direito natural deriva da natureza do homem e não da “ordem das coisas” ou da vontade de Deus;
- O direito natural passa a fundar-se:
a) na Razão humana;
b) nos direitos naturais dos Seres humanos.
- Jusnaturalismo racionalista (jusracionalismo): as leis naturais são uma pura construção da Razão
humana (conjunto de regras autoevidentes);
- Jusnaturalismo individualista: conteúdo do direito natural: os direitos naturais dos indivíduos;
- Jusnaturalismo objetivista: as leis naturais são parte integrante de uma ordem objetiva;
o O DN não está nas coisas, está no homem – na sua razão e nos seus instintos;
o Aqui já há propriedade, liberdade, ...;
o É a partir daqui que se diz que o DN é um conjunto de regras autoevidentes (aparece esta expressão
na primeira constituição escrita da história);
o As regras do DN podem ser conhecidas pela razão;
o O direito garante aos homens que podem ser livres, que podem garantir a sua conservação e
propriedade, sem que isso seja posto em causa pelos instintos naturais;
o O homem constata e decide viver em sociedade; a sociedade não faz parte da natureza humana;
o Ideia de soberania: é necessário para que haja sociedade organizada que haja um poder soberano (um
só) que seja capaz de fazer com que os seres humanos não choquem uns com os outros;
o O soberano é criado por todos, todos aceitam obedecer, e assim criar-se-á a ordem à luz dos
princípios da razão (ordem racional);
o Teoria dos direitos subjetivos: direitos individuais, que os homens têm pelo facto de serem homens;
o direito civil serve para garantir os direitos dos homens;
o O direito visa garantir direitos individuais; se a liberdade é um direito natural, então, para ser justo, o
direito positivo tem de garantir coisas como a liberdade contratual; se a igualdade é um direito
natural, o direito positivo deve promover na igualdade na transmissão de heranças;
o Jusnaturalismo racionalista e individualista: voluntarismo – vontade livre dos homens; os homens
podem fazer o que quiserem à luz da razão;
o Primado da lei como fonte do direito: os princípios da razão positivam-se através da lei;
o Os homens confiam que o soberano vai organizar a sociedade de acordo com os seus desígnios,
nomeadamente respeitando os seus direitos e liberdades individuais;
o Há liberdade a partir do momento em que se decide criar uma ordem social onde os direitos naturais
estão salvaguardados através da lei – criação de uma nova sociedade;
o O jusnaturalismo racionalista relaciona-se com as revoluções liberais (a francesa é a consagração dos
princípios racionais do direito);
o Os direitos naturais são autoevidentes á razão;
o Ideia de codificação moderna: tendência para que a única fonte do direito seja a li – monismo
jurídico; o código devia ser unitário, coerente e sistemático, tendo um só autor; o direito já não brota
da sociedade, brota da cabeça dos mais espertos (elitismo); é a razão humana que dá origem aos
códigos
o Aparece o povo como soberano, que faz leis através da participação política (aparece o direito de
voto); garante-se que o povo não vai contra a propriedade e a liberdade através de um sistema
representativo (quem decide são os eleitos);
Aula de 09-05-2022
JUSNATURALISMO MODERNO
o Séc. XV-XVI: guerras religiosas procuravam-se normas que pudessem regular as relações entre
povos cristãos e povos que não eram cristãos, que se organizavam de uma forma diferente;
o Tinha de se olhar para a natureza verdadeiramente, em havia diversidade cultural, religiosa, ...
o É preciso abstrair-se desta diversidade e imaginar o homem num estado de natureza, antes da
tradição, da religião, da cultura, para perceber quais eram as regras e os direitos comuns a todos os
homens;
o No estado de natureza os homens têm apenas instintos e razão; os homens compreendem que o
estado de guerra é desvantajoso e acordam criar uma sociedade (contrato social);
o Tinha de se procurar regras de convivência humana baseadas na razão, que era universal; se os
homens souberem usar a razão com o método correto (Descartes), então eles chegarão à verdade;
o Os primeiros princípios do Direito podem ser encontrados, então, na razão (e já não na forma como
as coisas estão organizadas, porque há realidades muito díspares;
o A lei transforma-se na fonte única do Direito;
o A ideia moderna de codificação era oposta à ideia de codificação do Direito Comum; as codificações
agora são o lugar onde se positivam a lei da razão, não tendo necessariamente de se relacionar com a
ordem das coisas; são códigos racionalistas;
o Os códigos tinham um só arquiteto, um jurista (Bentham);
o Códigos positivistas;
o Jusnaturalismo racionalista muito menos empírico;
o Jusnaturalismo objetivista volta a valorizar algumas das componentes da realidade objetiva;
o “Examinei em primeiro lugar os homens, e vi que, nessa infinita diversidade de leis e costumes, eles
não eram conduzidos exclusivamente pelas suas fantasias” ;
o “Várias são as coisas que governam os homens, o clima, a religião, as leis, as máximas de governo,
os exemplos das coisas passadas, os costumes, os usos sociais, resultando de tudo isto um espírito
geral (de cada povo)”;
o “As leis, no seu significado mais amplo, são as relações necessárias que derivam da natureza das
coisas”;
o Charles Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu … (1689-1755), L’Esprit des Lois
(1748).
o Para os racionalistas puros são os homens que governam as coisas; em todo o lado as sociedades têm
de ser organizadas de acordo com a razão e respeitar direitos dos homens que são todos iguais;
o Montesquieu diz que não são só os homens que governam as coisas, as coisas também governam os
homens;
o Tudo isto junto dá origem ao espírito geral de cada povo; cada povo é diferente porque tem uma
história diferente, porque vive em sítios diferentes, etc.;
o Montesquieu diz que as leis são o resultado da conjugação da razão, da vontade e da natureza;
o Não é possível que os homens façam da sociedade aquilo que querem, porque há coisas objetivas que
os limitam e os governam;
Apresentação:
o A lei manifestou-se em Portugal durante o consulado pombalino;
Ordenações Filipinas (1603), III, 64. TITULO LXIV.)
(...) Quando algum caso for trazido em pratica, que seja determinado por alguma Lei de nossos Reinos, ou Stilo de nossa
Corte, ou costume em os ditos Reinos, ou em cada huma parte delles longamente usado, e tal que por direito se deva
guardar, seja por elles julgado, sem embargo do que as Leis Imperiaes acerca do dito caso em outra maneira dispoem ,
porque onde a Lei, Stilo, ou costume de nossos Reinos dispoem, cessem todas as outras Leis, e Direitos.
E quando o caso, de que se trata, não for determinado por Lei, Stilo, ou costume de nossos Reinos, mandamos que seja
julgado, sendo materia que traga peccado, por os Sagrados Canones. E sendo materia, que não traga peccado, seja
julgado pelas Leis Imperiaes, posto que os Sagrados Canones determinem o contrario. As quaes Leis Imperiaes
mandamos somente guardar, pela boa razão em que são fundadas.
E se o caso, de que trata em prática, não for determinado por Lei de nossos Reinos, Stilo, ou costume acima dito, ou Leis
Imperiaes, ou pelos Sagrados Canones, então mandamos que se guardem as Glosas de Acursio, incorporadas nas ditas
Leis, quando por commum opinião dos Doutores não forem reprovadas; e quando pelas ditas Glosas o caso não for
determinado, se guarde a opinião de Bartolo, porque sua opinião commummente he mais conforme à razão, sem embargo,
que alguns Doutores tivessem o contrario; salvo se a commum opinião dos Doutores, que depois delle screverão, for
contraria (…).
Direito do Reino
- Lei Régia
- Estilos dos Tribunais
- Costumes do Reino
Direito subsidiário
- Direito romano, nas matérias temporais
- Direito canónico, nas matérias espirituais
- Glosa de Acúrsio (Séc. XIII)
- Opinião de Bártolo (Séc. XIV)
- “Opinião comum dos Doutores”
Direito do Reino
- Lei Régia
- Os assentos da Casa da Suplicação são fonte autónoma de direito; os assentos dos outros tribunais
são válidos depois de confirmados pela Casa da Suplicação
- Costumes do Reino (desde que não sejam contrários à lei e sejam conformes à “Boa Razão”)
Direito subsidiário
- Direito romano, desde que conforme à “Boa Razão”
- Leis das Nações “polidas e civilizadas” da Europa
- Direito canónico, somente nos tribunais eclesiásticos
- Glosa de Acúrsio, Opinião de Bártolo e “Opinião comum dos Doutores” banidas do sistema de
fontes do direito
"Item: Porque a mesma Ordenação, e o mesmo Preâmbulo dela na parte em que mandou observar as estilos da Corte, e
os costumes destes Reinos, se tem tomado por outro nocivo pretexto para se defraudarem as Minhas Leis; cobrindo-se
as transgressões delas; ou com as autoridades especulativas, e práticas dos diferentes Doutores, que escreveram, sobre
costumes, e estilos; ou com Certidões vagas extraídas de alguns Auditórios: Declaro, que os estilos da Corte devem ser
somente os que se acharem estabelecidos, e aprovados pelos sobreditos Assentos na Casa da Suplicação: E que o
costume deve ser somente o que a mesma Lei qualifica nas palavras = Longamente usado, e tal, que por Direito se deva
guardar = Cujas palavras Mando; que sejam sempre entendidas no sentido que correrem copulativamente a favor do
costume; de que se tratar, os três essenciais requisitos: de ser conforme às mesmas boas razões, que deixo determinado,
que constituem o espírito das Minhas Leis: De não ser a elas contrario em coisa alguma: E de ser tão antigo, que exceda o
tempo de cem anos. Todos os outros pretensos costumes, nos quais não concorrerem copulativamente todos estes três
requisitos, Reprovo, e Declaro por corruptelas, e abusos: Proibindo, que se aleguem, ou por eles se julgue, debaixo das
mesmas penas acima determinadas, não obstantes todas, e quaisquer Disposições, ou Opiniões de Doutores, que sejam em
contrario: E reprovando como dolosa a suposição notoriamente falsa, de que os Príncipes Soberanos são, ou podem ser
sempre informados de tudo o que se passa nos foros contenciosos em transgressão das suas Leis, para com esta suposição
se pretextar a outra igualmente errada, que presume pelo lapso do tempo o consentimento, e aprovação, que nunca se
estendem ao que se ignora; sendo muito mais natural a presunção, de que os Sobreditos Príncipes castigariam antes os
transgressores das suas Leis, se houvessem sido informados das transgressões delas nos casos ocorrentes."
Aula de 10-05-2022
JUSNATURALISMO MODERNO
o Ideia de que podemos construir nós a realidade e de que a ordem advém de golpes de vontade e
razão;
o Ideia de voluntarismo político, os homens podem fazer alguma coisa para que a vontade funcione de
acordo com a sua razão, respeitando direitos naturais do homem;
o Ideia de um só soberano e concentração do poder e ideia de limitação do poder
o Sobre este objetivismo: as leis não são pura extração da razão, apenas pela vontade e razão, mas
também pela natureza das coisas: não é que os homens não possam contornar coisas negativas e
potenciaríamos aspetos negativos associados às causas externas, MAS que para fazer as leis é
necessário ter estas questões em conta;
o Ideia de contrato social e transferência de poder para o soberano; quando o soberano faz a lei deve
atender aos costumes do povo que vai governar, ao contexto, a lei não é apenas produto da vontade e
da razão;
o Montesquieu- os decretos - considera que todos os homens nascem iguais e assim vai pensar que a
escravatura não faz sentido; abolição da escravatura;
o Sobre a abolição da escravatura: os homens do Norte são enérgicos e trabalhadores por causa do frio,
então as leis não têm que obrigar a trabalhar e aí nem as razões naturais e a razão abstrata rejeitam a
escravatura; nos países onde há muito calor a escravatura choca menos a razão – dados objetivos; no
oriente os regimes eram todos despóticos então tornava a pessoas disponíveis para aceitar a
escravatura onde politicamente estavam mais tendencialmente submetidos a déspotas do que em
zonas da Europa em regime representativo;
o Os senhores faziam uma criação de escravos engravidando as próprias escravas – escandaloso –
decretos todos os escravos nascerem em Portugal são livres; estes escravos que nascessem fossem
homens livres e não libertos, acaba com a categoria libertos – categoria intermédia, pequenos
serviços, gratidão, não ocupavam todos os cargos;
o Soco livre: decreto 1761; decreto de 1773 – decretos aplicados à pátria europeia da monarquia
portuguesa – onde as razões naturais nem elas sustentavam a escravatura;
o As leis eram um mal menor, necessário – limitava sempre a liberdade dos homens então a lei a única
justificação era aumentar a felicidade do maior número de pessoas para o mínimo de sofrimento
possível e apenas aquele necessário;
o O direito acaba por ser produto de um cálculo cuja finalidade é assegurar a felicidade para o maior
número; transforma-se numa ciência objetiva e é extraído da observação empírica sobre a forma
como os homens funcionam em sociedade – ganha cunho de ciência;
o Se o povo é soberano, depois da revolução – o que pode limitar a vontade de todos? Surge o
positivismo legalista - só a lei é fonte de direito modismo; e não vale por estar de acordo com
princípios anteriores é porque provém da vontade soberana máxima que é o povo;
Hespanha 307-351
Jusracionalismo
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Século XVII
DN evidente, universal, e eterno – idealismo cartesiano.
No séc. XVII, deu-se na Europa uma revolução científica; um dos teorizadores foi Descartes, que quis,
apoiados em noções claras e distintas, estabelecer para certas disciplinas filosóficas, políticas, jurídicas,
éticas, ..., um método que lhes fornecesse bases tão sólidas como as da matemática.
Método – regras:
1. Evidência racional: nada admitir como verdadeiro que não fosse evidente para o espírito;
2. Análise: dividir cada dificuldade em tantos elementos quantos os necessários para a resolver;
3. Síntese: começar a demonstração dos problemas pelos elementos mais aptos a ser conhecidos e
progredir racionalmente para o conhecimento dos mais complicados;
4. Revisões gerais: assegurar nada omitir no curso da investigação.
Para descartes, a chave da compreensão do mundo estava na pura reflexão racional, isolada, independente
da observação do mundo exterior, visando encontrar princípios autoevidentes para fundamentar o seu
conhecimento.
O método influenciou o saber jurídico indiciava o caminho para se construírem saberes certos e explicava
como demonstrar com segurança as soluções para questões complexas, sugerindo finalmente que o
indivíduo era o elemento mais simples sobre essa coisa complexa que era a sociedade.
A existência do indivíduo era evidente (penso, logo existo), e o primeiro fundamento de que se deveria partir
para resolver os problemas teóricos e práticos – como o da regulação social justa – relativos à sociedade.
Construir uma ordem justa para a sociedade humana era o produto de uma reflexão racional, assente sobre a
evidencia de que a sociedade era composta de indivíduos autónomos.
Ideia de que era possível uma ciência certa, intemporal e universal da natureza humana começa a ser
corrente entre filósofos e juristas meio de a atingir era usar de um método semelhante ao da matemática:
partir de noções evidentes, abstratas, gerais e universais, como a de natureza humana, racional e livre
(análise), extrair daí regras também universais (síntese) e, finalmente, comprovar a qualidade das normas
obtidas, verificando se elas eram ou tinham sido adotadas geralmente pelas nações, no presente ou no
passado (revisão metódica).
Assim, muitos juristas passaram a preferir ao direito tradicional ou positivo um direito (natural, das gentes)
que partisse das ideias claras e distintas, que se baseasse na evidência racional dos primeiros princípios do
direito, que progredisse mediante a extensão destes através da dedução; enfim, que usasse o poder da razão
individual para descobrir as regras do justo, de um justo que fugisse à contingência, por se radicar numa
ordem racional (quase matemática) da natureza. E é com este direito natural racionalista que se vai
avançar no sentido de tornar mais certo e mais justo o direito positivo.
Esta ideia de DN impõe-se decisivamente na cultura jurídica europeia dos séculos XVII e XVIII.
Corresponde a um ideal de justiça superior aos comandos das leis positivas.
Novo jusnaturalismo:
- Emancipado da fundamentação religiosa;
- Prescinde-se da ideia de que a vontade de Deus pode tudo;
- Deus está agora sujeito a princípios racionais que lhe seriam “anteriores” – atitude racionalista;
- Fundamentos de que se parte para encontrar a ordem da natureza são agora as características
humanas puramente temporais e que todos percebem clara e distintamente (como o impulso
instintivo para agir e a capacidade racional);
- Meios de acesso à ordem da natureza: experiência clara (histórica e atual) e razão;
- A razão: identificava axiomas sobre a natureza do homem – o homem é dirigido pelo instinto de
conservação (Locke), o homem tem um direito natural à autodefesa e ao castigo das injúrias que lhe
são feitas (Locke), a justiça é o que se conforma, ao mesmo tempo, com a justiça e com a bondade
(Leibniz), a vontade geral é mais do que a soma das vontades particulares (Rousseau) – e definia os
procedimentos intelectuais capazes de deduzir outras normas desses axiomas;
- Neste mundo que prescinde da dimensão sobrenatural e se concentra nas explicações ao nível
puramente temporal (físico), a natureza do homem é agora encontrada não pela sua finalidade última
(Deus, a salvação, a vida em comum), mas pelas causas das suas ações (a vontade, os instintos, a
razão);
- O modelo geral da natureza de que partem é um modelo mecanicista (baseado na relação causa-
efeito) inspirado na física do seu tempo, que substitui o modelo finalista (a estrutura mental
teleológica);
- O direito da natureza deixa de ser aquele exigido pela preparação da cidade divina, mas aquele que
decorre da manifestação das tendências naturais do homem ou da necessidade de as garantir;
- Ao prescindir da ideia de finalidade, de ordenação do homem para algo que o transcende (seja Deus,
seja a sociedade), este novo pensamento social fica limitado, nas suas referências, ao indivíduo;
- Os vínculos e a disciplina sociais são factos artificiais: correspondem ao acordo de indivíduos
conscientes das suas limitações e que concluíram, racionalmente, que apenas poderiam viver numa
comunidade organizada segundo uma ordem política que permitisse a cada um superar essas
limitações;
- A vontade passa a ser a única fonte de disciplina política e civil.
É muito frequente encontrar nos autores imagens ou modelos de argumentação importados da matemática ou
da física. Por exemplo, Rousseau constrói as relações entre Estado, soberano e governo sob a forma de uma
figura matemática.
Indivíduo = homem tomado isoladamente, desligado dos grupos em que está inserido, não caracterizado
pelas funções que aí desempenha está na base do Direito.
Impulso decisivo cartesianismo e empirismo que definiram a natureza do homem e dela fizeram derivar
direitos naturais inalteráveis e necessários.
Cartesianismo:
- Homem como ser racional e livre;
- Capacidade de pensar permite intuir a sua existência como sujeito pensante;
- Esta existência aparece livre de limites, autodeterminada;
- A combinação de razão e vontade permitem chegar à liberdade, definível como a capacidade de
dominar as paixões e de agir em função dos ditames da razão;
- Dois direitos decorrem da natureza do indivíduo: o de usar a razão livremente e o de seguir a sua
orientação.
Empirismo:
- Homem concreto, mais do que um ser racional, é um ser comandado pelos instintos;
- O direito deve garantir livre curso aos instintos;
- A sua satisfação – a felicidade – constitui um direito natural;
- Mas a satisfação plena pode criar conflitos, por isso é preciso um cálculo racional daquilo que mais
convém à criação de uma situação estável de felicidade;
- Por isso, o direito só deve ter em conta dos desejos racionais.
O direito não deriva da natureza cósmica ou da natureza da sociedade, mas da natureza do homem
individual e da observação dos impulsos que o levam à ação. Perante a necessidade “natural” de agir
racionalmente ou de agir instintivamente, a sociedade chegava a aparecer como um obstáculo, pois nela não
era possível dar livre curso a estes impulsos sem chocar com os impulsos dos outros para agir. Por isso é que
a maior parte dos pensadores jusracionalistas defendem que a instituição da sociedade organizada (sociedade
política) representa a limitação dos direitos naturais, necessária, porém para a preservação durável dos seus
portadores.
A teoria do contrato social deu lugar a teorias democráticas, mas também à fundamentação do Despotismo
Iluminado, tudo dependendo do conteúdo do contrato.
Direitos subjetivos (conceção jusracionalista) = direitos, atribuídos pela natureza a cada homem, de dar livre
curso aos seus impulsos racionais, estando, portanto, ligados à personalidade, à sua defesa, á sua
conservação, ao seu desenvolvimento.
Estes direitos não podiam desenvolver-se livremente no estado de natureza pois o livre desenvolvimento dos
direitos de um chocaria com idêntico desenvolvimento dos direitos do outro. Por isso, o estado de natureza
era um estado de guerra (Hobbes) ou pelo menos de insuficiente garantia das faculdades individuais
(Locke).
Constituída a sociedade civil através do contrato social, tais faculdades ficariam restringidas – em graus
diversos, segundo os autores (em Locke, os direitos subjetivos continuam a impor-se perante o Estado) –,
mas os sujeitos ganhariam uma proteção pública, envolvendo se necessário o uso da força, para os
direitos que lhes viessem a ser confirmados.
Pandectística alemã do século XIX Todo o direito privado foi visto como uma forma de combinar e
harmonizar o poder que cada um tinha de desenvolver a sua personalidade.
Na base de todo o direito civil vêm a estar os direitos subjetivos, definidos como “poderes de vontade
garantidos pelo direito”. Todos estes direitos subjetivos corresponderiam à expressão de uma vontade, e
não haveria efeitos de direito senão os provocados pela manifestação de uma vontade conceção
individualista e voluntarista (substituiu-se à construção aristotélico-tomista do direito privado como ordem
objetiva baseada na natureza das coisas).
Voluntarismo:
Doutrina segundo a qual o direito tem a sua fonte não numa ordem objetiva (da natureza, da sociedade), não
em direitos naturais e irrenunciáveis do homem, não numa lógica jurídica objetiva, mas no poder da
vontade.
Augustianismo a vontade era, primeiramente, a vontade divina, embora, de forma derivada, a própria
vontade humana viesse a ser revestida de igual dignidade, já que os governantes o eram por vontade de
Deus.
Duns Scotto e Guilherme d’Ockham que vieram retomar a tradição voluntarista, durante alguns séculos
submergida pelos pontos de vista jurídicos de S. Tomás. A restauração da tradição augustiniana esteve
ligada ao colapso das teorias de Aristóteles e de S. Tomás. Se, para estes, o fundamento do direito consistia
numa ordem do justo inerente à comunidade humana, agora, desfeita a ideia de ordem natural, o direito não
poderia basear-se senão na vontade dos homens ou de Deus.
Liberais (Locke) procuram combinar vontade e razão, com base no caráter racional da vontade individual
no estado de natureza o advento do estado político não cancelaria essa lei da natureza que iluminava a
vontade no estado de natureza e, por isso, continuava a constituir um padrão para julgar as leis políticas + a
vontade que estava na origem das leis políticas seria essa mesma vontade dos indivíduos, de que o Estado
não era senão um representante a vontade era o produto da soma das vontades individuais, daí que a
sabedoria moral dos indivíduos se mantivesse no Estado, o qual podia conhecer as regras racionais de vida
em comum e legislar de acordo com elas.
Não liberais (absolutistas, jacobinos) subordinavam totalmente a razão à vontade, no sentido de que não
reconheciam quaisquer limites para a vontade do soberano (monarca, povo). Para eles, a vontade soberana
(legislativa, geral) era diferente da soma da vontade das partes; o pacto social daria origem a uma entidade
nova, o corpo político, que era o detentor do poder de exprimir os comandos sobre a comunidade.
Pertencente a uma pessoa diferente (pessoa moral, ens moralis, na terminologia de Pufendorf), esta vontade
legislativa teria características diferentes das vontades particulares: desejava sempre o bem geral e, logo, era
sempre racional.
No mesmo sentido, a teorização do caráter soberano e absoluto da vontade legislativa foi levada a cabo por
Hobbes e Rousseau.
- A vontade era soberana no sentido em que se impunha absolutamente a todos os súbditos, só
restando a estes a hipótese de não assinarem o pacto social ou de se expatriarem (Hobbes, que não
reconhece quaisquer direitos aos súbditos em relação ao soberano; já Rousseau, definiu o poder do
corpo político sobre os súbditos como absoluto);
- A vontade era absoluta no sentido em que não conhecia limites materiais, ou seja, não estava
subordinada a nenhum preceito exterior a si mesma, estando sempre dirigida para a consecução do
interesse geral e sendo, portanto, sempre justa e racional.
A única restrição ao poder soberano – ainda assim a ser avaliada por ele próprio – era a de que estava
racionalmente vinculado a governar de acordo com a finalidade para que o poder civil tinha sido instituído.
Contrato social ato de criação de uma nova pessoa (o soberano) e de uma nova entidade (a vontade
geral, expressa na lei, e por definição sempre conforme à razão).
A vontade geral, sendo diferente da soma das vontades, corrompíveis, dos particulares, não pode deixar de
ser justa e racional: “Segue-se que a vontade geral é sempre reta e tende sempre à utilidade pública: mas não
se segue daqui que as deliberações do povo tenham sempre a mesma retidão (...) Há muitas vezes uma
grande diferença entre a vontade de todos e a vontade geral; esta não diz respeito senão ao interesse comum
(...)”.
Rousseau proclama, assim, a soberania da vontade geral Vontade racional, dirigida para a
prossecução do interesse geral e apresentando, por isso, uma forte componente racional triunfo da
tendência democrática jacobina, em que a proteção das vontades particulares – provenientes do impulso para
a satisfação de interesses meramente individuais – vem a atenuar-se perante o dogma absoluto da lei como
vontade geral despotismo democrático.
A lei (o direito, de que a lei deve ser a única fonte) é uma vontade, mas uma vontade geral, no sentido de
que:
- Deriva de todos;
- Se refere a problemas de todos;
- Estabelece a igualdade e liberdade entre todos;
- Prosseguindo o interesse de todos.
Direito como disciplina rigorosa, científica. A fonte filosófica desde “cientismo”, desta aproximação do
direito em relação às ciências da natureza, está na tendência para submeter o mundo humano às leis
cósmicas mundo era todo da mesma natureza (monismo naturalista), obedecendo todos os seres ao
mesmo movimento.
Necessidade social de certeza e segurança redução do direito a poucos princípios, necessários e imutáveis
apoio teórico nas conceções de uma ordem geométrico-matemática do cosmos, regidos por grandes
princípios que serviam de axiomas da ciência do Direito deles extrair-se-iam, através dos métodos da
demonstração lógica, as restantes regras de convivência humana.
Para algumas correntes, o problema não se pôs, uma vez que partiam da ficção da “racionalidade da
vontade”: a antinomia entre vontade e razão desaparecia, pois a primeira surgia subordinada à segunda,
cooperando na realização e uma ordem voluntária, racional e natural.
- O direito constituiria o produto de um ato livre da vontade dos sujeitos, ou de um ato livre do poder;
mas só a vontade reta, racional, iluminada, possuiria a virtude de criar verdadeiro direito.
- Essa vontade racional tanto podia ser aquela que “agisse de tal modo que a sua ação pudesse ser
considerada como norma universal” (Kant), como aquela que agisse segundo “um plano científico de
obtenção do máximo prazer ou utilidade pessoais” (David Hume), como aquela que se formasse
tendo em vista o interesse geral (Rousseau).
Montesquieu:
- Revaloriza o conceito de “natureza das cosias”;
- O fundamento do direito objetivo não é a natureza do homem ou a vontade de Deus/do príncipe, mas
a necessidade natural (= consequências normativas das relações naturais e necessárias que se
estabelecem entre os homens unidos numa associação política);
- Conceção que, desistindo de radicar o direito na vontade/inteligência individuais, se distancia do
subjetivismo, voluntarismo e contratualismo.
Leibniz:
- Direito natural emanado da razão divina, que se imporia tanto ao próprio arbítrio de Deus, como a
qualquer estatuição voluntária, a qualquer imposição positiva do Estado;
- Nem a norma de conduta em si mesma, nem a essência do justo, dependem da decisão livre de Deus,
mas antes de verdades eternas, objetos do intelecto divino, que constituem a própria essência da
divindade;
- A justiça não seria, de facto, um atributo essencial de Deus, se ele estabelecesse a justiça e a lei pela
sua vontade livre;
- DN averiguável exclusivamente pela reflexão e que se contrapõe ao direito positivo emanado do
soberano, em virtude dos poderes tradicionais ou constitucionais de que este estava revestido;
- As leis positivas podem ser injustas sinal de que o direito se liberta do império da vontade, de que,
para além do querer dos indivíduos ou dos seus representantes, há normas objetivamente válidas.
Rousseau:
- Possibilidade de uma ciência certa do poder;
- O ideal de certeza e de verdade fez com que se concebesse uma ciência rigorosa das formas políticas,
as quais escapariam ao arbítrio dos cidadãos;
- Seria possível, por ex., estabelecer-se uma relação objetiva entre a dimensão do Estado e liberdade;
pelo que, por exemplo, o número de habitantes (Estado) variaria na razão inversa da liberdade
individual, que, por sua vez, seria o inverso da força do governo.
Bentham:
- Objetivação do DN, partindo da máxima utilitarista de que o direito justo é o que organiza a
sociedade de modo a obter o máximo de bem-estar para o maior número;
- Direito como o produto de um cálculo rigoroso;
- Legislação enquanto ciência muito próxima, na sua natureza, das ciências físicas;
- A codificação aparece-lhe como a consequência lógica da ideia de um código unificado e universal,
fundado numa ciência da legislação orientada pelo cálculo da felicidade;
- O código devia ser completo formar um sistema fechado de normas, logicamente concatenado,
justificável segundo o princípio científico da utilidade. Embora Bentham não desconhecesse os
elementos contingentes e variáveis da legislação, entendia que tais elementos não destruíam a
verdade intrínseca dos princípios científicos da legislação e, logo, a possibilidade de um código
universal.
Duas ideias deste tipo de jusnaturalismo: por um lado, ideia de que existe uma ciência do bom governo; por
outro, a ideia de que tais princípios científicos podem ser reunidos em códigos.
No séc. XVIII, o saber da boa organização deixa de estar disperso, pelo direito, passado a concentrar-se num
saber, baseado nas novas ciências da sociedade – a ciência do DN, a economia, a ciência da legislação – e
designado por ciência da polícia/cameralística, cujos tratados vão constituir não apenas um modelo para o
governo, mas uma forma indireta de governar, apelando para a disciplina científica como
substituto/complemento da disciplina de governo por meios jurídicos.
Este novo dirigismo estadualista chega à política do direito, promovendo o primado da lei do Estado perante
as fontes tradicionais de direito e procurando subordinar juízes e juristas ao direito proveniente da vontade
do Estado.
Adam Smith a preocupação pela polícia pode incentivar não uma forma obsessivamente regulamentadora
e repressiva, mas antes uma política de devolução para instituições não estaduais das tarefas de conformação
da sociedade a regulação das causas era uma regulamentação preventiva, em vez de uma regulamentação
dos efeitos, uma regulamentação repressiva. De considerar são agora fatores de ordem social ou económica;
modos de viver e, até, circunstâncias geográficas ou climáticas abre mais crédito a medidas
regulamentares que, não usando a coerção física tão sistemática e intrinsecamente, podiam ser entregues a
outras entidades que não ao Estado – a escolas, a academias, à educação pela criação de uma opinião ou de
uma estética públicas.
Mas não se pode dizer que Smith prescinda da ação do Estado ou que deixe de incluir a “polícia” no âmbito
das tarefas de governo.
Portugal divulgador da ideia de codificação – Vicente Cardoso da Costa ideia de que o código é um
repositório do direito natural “objetivo”, pois deve basear-se não na compilação das leis positivas, mas na
observação do “justo” contido nas coisas e de que as soluções nele contidas deviam ser tiradas do princípio
da utilidade assim, o código não poderá deixar de ser tendencialmente universal e eterno o código
deve ainda ser sistemático e completo.
Período pombalino sujeito a influencias de correntes doutrinais desenvolvidas na Europa desde o seculo
XVI:
- Textualismo do humanismo;
- Sistemática do racionalismo;
- Novas ideias sobre a função do direito romano da escola alemã;
- Individualismo e contratualismo das escolas jusracionalistas;
- Inovações em matérias de direito publico e ciência da administração, da cameralística alemã;
- Humanitarismo italiano em matéria de direito e processo penal.
O jusracionalismo casa-se com a ideia de “polícia”, dando origem a medidas, também jurídicas, de reforma
da sociedade e do Estado.
No caso de Portugal, isso é muito visível a partir de 1760, depois do ensaio geral de transformação causado
pela necessidade de reconstruir a zona central de Lisboa, destruída pelo terramoto. A este cataclismo físico
segue-se, por isso, aquilo a que já se chamou um “terramoto político”
O direito passa a cuidar menos da garantia dos direitos particulares e mais dos interesses considerados
públicos, desviando-se do modelo jurisdicionalista e aproximando-se de um modelo novo, que realçava o
poder regulador do Estado, quase como pai dos súbditos (daí, a insistência em usar a expressão “direito
económico”, direito da casa), ou como curador dos interesses da “polis” (“direito político” ou “direito de
polícia”). O movimento de reformas atinge a generalidade dos campos da vida social.
A novidade desta onda reformista foi muito sentida pela sociedade, já que poderes e situações estabelecidas
foram afetadas.
- Juristas passaram a ter um mau ambiente;
- Altos tribunais passaram a ser controlados, mudando o seu pessoal ou criando tribunais que lhes
disputavam o poder ou sendo extintos;
- Recursos eficazes contra atos do poder deixam de ser autorizados;
- O direito mais tradicional – o direito comum medieval – é decisivamente marginalizado no ensino;
- Para a doutrina jurídica e política tradicional, governar assim, contra o direito, era cair no
despotismo.
Grandes reformas jurídicas do pombalismo: sistema das fontes de direito + ensino jurídico.
- O primado da lei régia é reafirmado;
- Introduzem-se muitas restrições à validade dos costumes;
- O direito romano apenas é recebido, e como direito apenas subsidiário, quando fosse “conforme à
boa razão” – ou seja, aos ideais de justiça e de organização social agora dominantes;
- Bane-se a autoridade de Bártolo e Acúrsio;
- Procura-se limitar a competência normativa (assentos) dos tribunais;
- O direito canónico deixa de valer nos tribunais temporais, ao passo que, nas matérias estratégicas
para a reforma da sociedade e da economia, passa a vigorar diretamente a legislação das “Nações
christãs, illuminadas, e pollidas”.
Esta lei foi muito criticada pelos juristas mais tradicionais, pois revolucionava as fontes de direito até então
invocadas. A sua insistência no primado da lei, como vontade de poder, era atenuada pelas contínuas
referências à racionalidade que as leis deviam ter e, com isto, a um direito jusracionalista que estaria por
cima da lei.
A sua eficácia é reforçada pela reforma dos estudos jurídicos, de 1772. Todo o seu espírito é de renovação
do ensino jurídico, nos quadros de um entendimento jusracionalista do direito. Foi introduzida, pela primeira
vez, uma cadeira de direito pátrio; era apenas uma, mas deve ter desempenhado um lugar estratégico na
formação dos novos juristas, tendo sido lecionada por Pascoal José de Melo Freire (1738-1798), autor de
uma notável e muito divulgada introdução ao direito português, totalmente inspirada nos novos ideais
políticos e sociais e propondo novas interpretações de institutos tradicionais. O impacto deste livro, em
Portugal e no Brasil, é enorme, mantendo-se até quase aos meados do século XIX.
Os juristas formados em Coimbra após 1772 não seriam, muito provavelmente, os defensores de um direito
tradicional ou de uma sujeição acrítica e férrea à vontade do poder. Pelo contrário, eles aprendiam o que de
mais moderno se ensinava na Europa, temperando o regalismo da época com uma crença forte num direito
supralegal de cunho raciona- lista. Foi por isso que, quarenta anos depois, lideravam as elites políticas que
fizeram as revoluções liberais, em Portugal e no Brasil.
Período entre as reformas pombalinas e a Revolução de 1820 curto e conturbado, pouco propício à
produção de doutrina jurídica, mas caracterizado por uma sensível inovação no direito, por uma difusão
constante das ideias que preparam o liberalismo.
A influência deste complexo de tendências racionalizadoras e renovadoras, que é costume designar por
“direito iluminista”, prolonga-se por toda a primeira metade do século XIX, graças ao impacto da reforma
pombalina dos estudos jurídicos, dos compêndios de Pascoal de Melo e da literatura que eles influenciaram.
O advento do liberalismo (cujo património teórico e ideológico é, no domínio do direito, subsidiário do
Iluminismo) potencia ainda o movi- mento de renovação da ordem jurídica, cujo Leitmotiv é, então, a
“codificação”.
DIREITO RACIONALISTA
Hespanha p. 340-357
Indivíduos = átomos sociais primitivos, entidades abstratas, portadoras de razão e de vontade, mas sem
caracterização quanto às suas decisões concretas nas relações sociais formalismo.
Ordem social que se observa produto artificial da vontade dos indivíduos, que voluntariamente se
organizam, autolimitando a liberdade originária voluntarismo.
Contrato origem da ordem, quer como contrato político que salvaguarda o interesse público em que haja
ordem, quer como pactos estabelecidos entre dois ou mais para garantir interesses particulares
contratualismo.
Início da ordem = projeto artificial de ordem social, baseado na vontade dos membros da sociedade, vontade
que corresponde a um cálculo racional para alcançar a maior felicidade para o maior número de indivíduos
liberalismo.
Ligada à natureza humana, abstrata, eterna e imutável, a regulamentação jurídica não dependeria dos climas
ou das latitudes cosmopolitismo.
Códigos tendencialmente universais, podendo ser aplicados como direito subsidiário ou principal noutros
países tendência para exportar os grandes códigos (ex.: Code Civil de 1804).
O cosmopolitismo atenua-se:
- Com o “realismo” que logo cerca as propostas “utópicas” da Revolução Francesa, para o qual a
razão se enraíza sempre em instituições concretas, ligadas a uma tradição jurídica particular e a uma
sociedade concreta, com as suas instituições próprias;
- Com o surto nacionalista do romantismo: fascinados pelos elementos tradicionais do direito nacional,
os juristas vão reagir contra a importação de sistemas jusracionalistas (sobretudo na Alemanha);
O legado desta forma de pensar a sociedade e o direito foi estruturante das ideias que ainda hoje vigoram
quanto á organização social e a sua tradução em termos jurídicos.
Ideias que ficaram sendo consideradas como aquisições da cultura jurídica do ocidente:
Para efeitos políticos e jurídicos, os indivíduos passam a ser considerados, abstrata e genericamente, como
átomos sociais “sem qualidades”, equivalentes entre sim, todos apenas dependentes da vontade geral,
membros indiferenciados de uma sociedade de “iguais”.
A esta igualdade corresponde a liberdade individual, justamente definida como a exclusiva subordinação por
igual à lei a igualdade e a liberdade passarão a ser consideradas como valores estruturantes da ordem
política e jurídica, por isso inscritos no núcleo das constituições liberais proibição de qualquer forma de
discriminação jurídica ou desigualdade de direitos + consagração da liberdade pessoal e de gozo e exercício
de direitos como direitos fundamentais.
A ideia de que os indivíduos são iguais e de que devem ser tratados como tal pela lei, independentemente
das suas caracterizações sociais, está na base das proibições de discriminação jurídica com base nas
características que os distinguem (raça, género, etc.), as quais passam a figurar em todas as constituições.
A ideia de que a ordem política e jurídica tem origem na vontade dos cidadãos levou a considerar o direito
como o produto da vontade geral dos cidadãos, expressa ou no pacto constitucional, ou no pacto legislativo.
Como vigora, em relação a estes pactos, o já referido princípio da liberdade contratual, o conjunto dos
cidadãos é soberano ao estabelecer o conteúdo da Constituição e das leis. Isto corresponde à soberania do
Povo quanto ao estabelecimento do direito. E, em consequência, ao primado da lei sobre todas as outras
fontes do direito (princípio da legalidade).
2. Liberalismo: o contrato social não pode contrariar nem a natureza de quem contratou, nem as
finalidades para que se contratou. Se a natureza humana ou os objetivos naturais que se pretenderam
atingir com a consociação forem afetados pelos termos estabelecidos no contrato, este nem poderá
valer nesses termos. Por isso, tanto a Constituição como as leis terão de estar limitadas por dados
relativos à natureza do homem (direitos naturais), natureza esta que é prévia e superior ao direito
proveniente do pacto. Nesta interpretação, reconhece-se que o direito voluntário (direito positivo)
está subordinado ao direito natural, como direito correspondente à natureza do homem e das
sociedades humanas. Foi isto que levou ao reconhecimento dos direitos naturais, direitos humanos ou
direitos fundamentais e à crença de que, por detrás do pacto social voluntário (Constituição formal e
leis positivas), existe um acordo implícito e forçoso em respeitar tudo aquilo que os homens e as
sociedades humanas por natureza não podem deixar de respeitar.
Ideia de que a constituição está condicionada por uma ordem de valores anteriores e não explícita, de
que as leis têm de respeitar princípios superior, de que os juízes podem afastar as leis para realizar
esses princípios, ...
Legado negativo:
Formalismo das imagens modernas acerca do homem e da sociedade o indivíduo ou cidadão de que parte
a construção voluntarista e contratualista é um ser abstrato, separado das situações concretas a igualdade
ou a liberdade dos cidadãos são características formais, que não correspondem nem às hierarquias que
realmente existem entre os homens e mulheres nas sociedades reais, nem aos seus efetivos poderes de
decidir, cuja extensão, de facto, varia enormemente pessoas diferentes são tratadas de forma igual e não
se vê que, na ordem dos factos, uns podem impor a outros a sua vontade e estabelecer, assim, uma ordem
desigual e em que uns dominam os outros, sem que se prevejam meios de compensar esta desigualdade e de
estabelecer uma regulação social justa – tratando desigualmente o que é desigual.
Sofisma originário o direito e a política modernos destinam-se a regular a vida concreta de cidadãos
concretos, mas com base numa imagem abstrata de cidadãos abstratos.
As discrepâncias entre liberdade formal e liberdade material são muito visíveis em relações jurídicas em que
as partes estão, normalmente, em posições de grande desequilíbrio – patrões e empregados, senhorios e
inquilinos, produtores e consumidores –, sendo a igualdade entre os contraentes puramente formal.
Propriedade:
Propriedade extensão da liberdade, logo considerara uma prerrogativa genérica de qualquer homem
proteger a propriedade era proteger algo que todos tinham.
Na realidade, uns eram proprietários e outros não num mundo com escassas coisas livres, o facto de se
proteger a propriedade de quem a tinha era impedir o acesso dos não proprietários a ela.
Numa sociedade desigual, a proteção da propriedade funcionava de dois modos: garantindo a de uns,
impedindo a de outros. Para além de que, sendo a propriedade considerada como um atributo dos indivíduos
– o poder de uma pessoa sobre uma coisa – as formas de propriedade coletiva não eram reconhecidas como
tal e, logo, não eram protegidas.
Formalismo a existência de condições concretas para o exercício dos direitos abstratos não é relevante
logo, era suficiente a atribuição formal de direitos, independentemente de se criarem para cada um as
condições materiais do seu exercício na realidade, sem estas condições, é como se os direitos não fossem,
de facto, atribuídos isto é desconsiderado pelo jusracionalismo moderno.
Nesta sociedade desigual, formalmente concebida como se fosse igual, todos têm os mesmos direitos. Mas,
de facto, a proteção dos direitos de uns é o reverso da negação dos direitos de outros. Assim, para promover
os direitos de uns, tinha de se comprimir ou terminar os direitos dos outros.
Desde os finais do século XVIII, a luta pelos direitos, por vezes elementares, de alguns dos cidadãos, viu-se
paralisada pela invocação de direitos dos outros.
Fora desta sociedade ideal de indivíduos, formalmente livres e iguais, estavam aqueles que carecessem de
uma humanidade plenamente desenvolvida, ou seja, de vontade racionalmente esclarecida, livre da tirania
dos instintos animais. O que era isso dependeria do próprio conceito formal de homem, de vontade e de
razão. Todos estes conceitos assentavam sobre preconceitos culturais que apenas consideravam como
racionais e livres os cidadãos masculinos, possidentes e de raça branca. Com isto, todos os outros indivíduos
eram excluídos da sociedade política e civil, sendo considerados incapazes de gozar e de exercer direitos.
Visão individualista (liberal) da sociedade realização do interesse de todos resultava apenas da maior
satisfação da soma dos interesses individuais não era possível justificar a limitação de direitos individuais
senão para proteger outros interesses particulares; mas não com o interesse de todos, o interesse público
medidas políticas ou jurídicas visando assegurar o interesse geral depararam-se sempre com o obstáculo de
que elas representariam um sacrifício ilegítimo de interesses ou direitos individuais por não serem
justificadas pela prossecução ou garantia de outros interesses individuais.
Prática jurídica
Vida jurídica dos séculos XVI e XVII: vida forense desorganizada e insegura
- Pelo excesso de dimensões doutrinais favorecidas pelo proliferar de opiniões;
- Pela complexidade e morosidade dos trâmites processuais;
- Pela complicada organização dos tribunais (pluralidade jurisdicional do Antigo Regime) que dava
origem a conflitos de competência;
Olhava-se para a atividade dos tribunais com desconfiança. Propõe-se uma reforma judiciária que ponha
termo ao despotismo dos tribunais, depositando na mão do legislador a tarefa de interpretar a lei obscura.
Reforma da doutrina estabelecê-la sobre princípios gerais, identificados por todos e aplicados com
regularidade.
Objetivo: substituir o caos do direito e da justiça por sistemas jurídicos certos e previsíveis, baseados em
códigos sintéticos e sistemáticos e numa doutrina orientada por grandes princípios, evidentes e estáveis.
Portugal a reforma da prática jurídica começou ainda no século XVIII, com a Lei de Boa Razão e com a
reforma do ensino jurídico na Universidade de Coimbra.
Direito constituído por leis naturais ou civis (que esclarecem ou completam as leis naturais nas coisas que
são naturalmente indiferentes).
Leis naturais decorrem de princípios objetivos, de que existem indícios na natureza das coisas e que a
reta razão pode conhecer perfeitamente;
Direito civil direito positivo da cidade voluntário por natureza “é da natureza do império que o
imperante queira determinar as ações dos súbditos, de acordo com o seu arbítrio, visando o fim da
sociedade. A vontade do imperante de conformar as ações dos súbditos à sua vontade, declarada de forma
bastante, chama-se lei, em sentido estrito.”
As leis positivas não devem modificar as naturais “na dúvida, as leis presumem-se feitas segundo o
direito (natural), por aquele (o soberano) de quem é próprio conhecer melhor o bem da cidade e as
circunstâncias singulares. Pelo que, na dúvida, aos súbditos [insatisfeitos] apenas resta esperar pela glória
[da vida futura], podendo, no entanto, representar ao imperante os incómodos que julguem existir na lei”.
Fontes de direito Como “a fonte de todas as leis civis é a majestade do imperante; já não dependendo a
sua validade apenas do direito da natureza, mas propriamente do pacto comum da cidade, as sentenças dos
magistrados, os decretos e editos dos tribunais e as decisões dos concelhos das cidades não têm qualquer
força de lei, a não ser por vontade e aprovação do imperante, não obtendo os costumes a sua vigência por
força do uso dos povos, mas pela aprovação do imperante”. Quanto à doutrina, porém, reconhecia-se-lhes
uma força vinculativa autónoma, decerto por se presumir que ela obedecia aos primeiros princípios naturais,
bem como às regras do método no seu desenvolvimento e aplicação.
As leis naturais gerais mantêm o seu vigor, mas são filtradas pelo arbítrio do soberano, como entidade mais
capaz de as entender e aplicar. Ele pode, é certo, enganar-se, nesta tarefa de concretizar, no direito civil da
república, os ditames do direito natural; mas contra os seus erros, os cidadãos ape- nas têm de esperar por
melhores dias, mesmo que estes apenas cheguem depois dos Últimos Dias. Resta aos juristas, aconselhando
o soberano e ensinando o direito, suprirem – pelo conselho, pela interpretação, pela aplicação, todas
orientadas pela razão dos princípios e pelo método dos processos intelectuais – as deficiências do direito
civil. No entanto, como a sua autoridade científica compete com o império político e a autoridade gnóstica
do soberano, trabalham no fio de uma navalha. O mais sensato será, porventura, apostar antes numa discreta
influência, enquanto conselheiros do príncipe, ou numa manhosa independência, enquanto intérpretes das
leis, do que numa arrogante afirmação da sua capacidade de ler diretamente o direito na natureza.
Interpretação:
Interpretação é necessária no DN, fazendo-se a partir da reta razão, da qual se extraem regras para a
interpretação.
Deve adotar-se o sentido sugerido por uma interpretação correta – objetiva, de acordo com a natureza, a
lógica e o método, ou seja, com o sistema da natureza, enquanto ordem as coisas (valores) e ordem do
intelecto (métodos).
Na interpretação do direito positivo, a determinação fiel da vontade do legislador avulta como o primeiro
critério da interpretação. Por um lado, porque ela constitui a origem, ou causa eficiente do direito positivo.
Depois, porque, embora sujeito às leis naturais, o imperante goza de uma larga margem de arbítrio na sua
adaptação aos “momentos” da sociedade civil. E, finalmente, porque se presume que é ele quem dispõe da
melhor informação, quer sobre essas circunstâncias concretas, quer sobre o conteúdo da lei natural.
A interpretação doutrinal tende, portanto, a ser proibida.
Hespanha p. 364-400
Séculos XIX e XX
O direito constrói as instituições políticas e civis correspondentes ao projeto jurídico concebido pelo
jusracionalismo.
Direito civil o fundamental é assegurar que cada um não fique obrigado senão mediante a sua vontade
expressa em contratos, desde que estes correspondam a vontades livres e conformes aos padrões gerais e
racionais do querer; o Estado, ao estabelecer a disciplina dos contratos, só protege o poder abstrato que os
indivíduos têm de querer, descurando as condições concretas de exercício desse poder.
A sociedade que se constrói pode ser regulada de forma muito económica. Os indivíduos e as suas
características estão definidos em abstrato, sem que as situações concretas sejam tidas em conta
isto permite simplificar o direito, que agora pode assumir a forma de comandos genéricos, abstratos e
gerais, sem necessidade de maleabilidade relativamente aos casos particulares.
Direito passa a ser geral aumenta a segurança jurídica aumenta a previsibilidade social tudo corre
como previsto, sem desmentidos nos casos particulares a lei geral funciona bem.
Esta visão estadual da sociedade é uma completa abstração, que está para a sociedade real como um mapa
está para o terreno real: funciona sobre convenções simplificadas, ignora dimensões da realidade, achata
diferenças.
A consciência de que as imagens modernas do social e do jurídico eram demasiado formais para permitirem
servir de base para uma regulação real das relações sociais foi percebida por muitos durante toda a
modernidade. várias correntes do pensamento jurídico criticaram o formalismo da teoria moderna do
direito, insistindo em que o direito e o saber jurídicos deviam partir da materialidade concreta das relações
sociais e não de uma imagem superficial e deformada que se fizesse delas.
Não eram só os pensadores que viam isto que o Estado moderno não via; eram os próprios excluídos
(mulheres, não proprietários, não europeus) que, crescentemente, se iam dando conta de que, por meio de
artifícios formais – a definição de vontade livre, de igualdade, de direitos humanos, de cidadania, razão –
estavam a ser postos fora da cidade aumento do criticismo.
O próprio modernismo incorporou algumas destas críticas, procurando, através de medidas racionalizadoras,
fazer com que a realidade se adequasse melhor ao modelo. Estas políticas orientavam os indivíduos no
sentido de estes se comportarem como era esperado para que o modelo funcionasse bem missão da
educação e dos bons costumes (elemento indispensável da racionalidade económica liberal) + políticas
públicas do Estado, destinadas a criar as condições para que o fosso entre o imaginário da sociedade
imaginada e a realidade da sociedade existente não impedisse que o modelo funcionasse na prática:
- Políticas públicas de caráter social (igualdade material, liberdade pessoal, etc.);
- Políticas de fomento civilizacional (promoção de infraestruturas públicas);
- Políticas de globalização;
- Políticas de regulação económica.
Medidas de correção do formalismo liberal tornaram-no menos simplista, a fim de garantir um modelo
que produzisse melhores resultados práticos.
Fazer uma sociedade melhor – mais produtiva, mais culta, mais integrada e menos conflitual, racialmente
mais pura – são objetivos suplementares deste megaprojeto de modelação da sociedade a partir de uma
hipótese de base – a de que isto se pode fazer a partir da vontade racional dos indivíduos.
O pensamento social da modernidade alimenta este projeto de que o progresso consiga fazer com que se
chegue a uma sociedade autorregulada, sem necessidade de ingerência do Estado divisa liberal: é
preciso deixar circular e deixar fazer.
Apogeu do formalismo nada do que é real, palpável, relativo a situações concretas e a pessoas concretas,
faz parte daquilo que se vê nesta imagem hipermodernista do mundo.
Contexto político
Garantia da liberdade pessoal fundava direitos políticos e cívicos; garantia a liberdade de trabalho e
indústria, libertando a iniciativa privada; garantia o direito à construção jurídica da propriedade; promovia o
voluntarismo e punha termo às limitações éticas e comunitárias ao poder de conformação da vontade sobre
os conteúdos contratuais, permitindo a usura, a desproporção das prestações contratuais, a livre fixação dos
preços e dos salários.
Garantia da propriedade direito de dispor à sua vontade de todos os seus bens, segundo as leis; direito
natural e absoluto, livremente usufruível e livremente disponível, ilimitável por direitos dos senhores, da
comunidade ou dos parentes.
Garantia da igualdade acesso igual de todos à participação política; igualdade na aplicação da lei, no
domínio processual e penal – princípio da igualdade das penas; estatutos discriminatórios em matéria
política, restringindo os direitos políticos e civis de escravos, mulheres, nativos coloniais, ...
Estes princípios depararam-se com limitações, sobretudo o da igualdade. O modelo societário e político
subjacente estava ainda muito dependente dos modelos tradicionais de uma sociedade patriarcal em que ao
homem (e, por extensão, ao homem branco “civilizado”) competia um poder de direção sobre a “casa”,
como conjunto de familiares, de dependentes (criados, escravos, estes últimos oscilando entre o estatuto de
pessoas e o de coisas), de animais e de coisas.
Final do século XIX dinâmica social e progressos tecnológicos + instauração do capitalismo questão
social tensões sociais necessitaram de ser arbitradas pelo Estado ele tem de criar condições para
transformações tecnológicas necessárias ao desenvolvimento do sistema económico.
Governo leve/mínimo contrapõe-se a um período em que o Estado governa pesadamente, para garantir
condições que já não podiam ser realizadas pela “mão invisível”.
Estes princípios liberais de garantia de direitos originários chocavam com a incerteza do direito, provocada
pela oscilação das interpretações doutrinais, mas também com a multiplicação de leis contraditórias.
Todavia, a lei era a expressão da vontade do povo e, por isso, uma manifestação da democracia.
Jacobinismo:
Contrato social o poder tem origem no povo e deve ser por ele exercido.
A única legitimidade política é a proveniente da vontade popular, manifestada pelos representantes do
povo, eleitos através das votações nos órgãos representativos (parlamentos).
Hegemonia política absoluta do parlamento concentração nele de toda a capacidade de criar direito
o debate político público, no parlamento, permitiria distinguir as opiniões interessadas, visando o “interesse
geral” ou a obtenção da “felicidade para o maior número”, utilizando duas formulações – uma de Rousseau e
outra de Bentham – utilizadas para justificar a supremacia absoluta do parlamento.
Lei parlamentar = expressão da vontade geral = fonte primeira de direito = produto da vontade popular +
vontade geral, de todo o povo, liberta de despotismo exprimia o interesse geral + explicitava as ambições
mais generalizadas de felicidade.
A lei exprime normas socialmente consensuais, consubstanciando o interesse público.
Perante a lei, o costume devia ceder. Os costumes não foram liminar e automaticamente ab-rogados, mas
não podiam valer contra a lei parlamentar, a forma expressa e regulada de o povo manifestar a sua vontade,
até porque no costume interviera uma nação concebida trans-historicamente, e a Nação era identificada com
o povo atualmente existente, capaz de votar e eleger.
Perante a lei, a jurisprudência devia ceder. de acordo com o princípio democrático, a legitimidade dos
juízes é somente indireta, decorrendo apenas do facto de se tratar de um poder previsto na Constituição,
querida pelo povo. a jurisprudência era ainda passível de uma crítica política: na Europa, a Revolução tinha
sido feita também contra a tirania dos juízes que, apoiados no caráter casuísta e flexível do direito
tradicional, tornavam o direito um saber hermético, cujos resultados eram imprevisíveis e incontroláveis
pelos cidadãos. os movimentos reformistas da segunda metade do século XVIII em Portugal, dirigiam-se
contra o “governo arbitrário”, sendo que nesta ideia de governo arbitrário se compreendiam tanto a
autocracia dos soberanos como a arbitrariedade incontrolável dos tribunais. As decisões dos juízes não
podiam agora visar senão a aplicação estrita da lei, sem qualquer margem de discricionariedade.
Perante a lei, a doutrina deixa de ter legitimidade para fazer construções autónomas. Tais construções
eram direito porque se aceitava que uma das fontes de legitimidade deste era a autoridade doutrinal dos
especialistas, capazes de revelar um direito que residia nas próprias coisas ou nos princípios abstratos da
razão. Agora, o único poder com autoridade para estabelecer o direito é o parlamento, em representação do
povo; enquanto a única função legítima da doutrina é a de descrever a lei, de a interpretar e de integrar as
suas lacunas, propondo aquela norma que o legislador histórico, se tivesse previsto o caso, teria formulado.
Princípio da separação dos poderes formulado por Montesquieu e adotado pelos novos Estados
constitucionais, os poderes deviam respeitar-se mutuamente, não interferindo nas competências uns dos
outros. Por isso, a edição do direito, entendido como manifestação da “vontade geral”, devia ser exercitada
em exclusivo pelo poder legislativo, sem interferência dos outros.
Todo o direito se reduz à lei, deixando de ser reconhecidas não só quaisquer outras fontes de direito,
como quaisquer princípios supralegislativos a que a lei deva obedecer.
Apesar do primado da lei parlamentar assente na vontade popular, os juristas letrados continuaram a encarar
o direito como o resultado de um saber sobre o modo de realizar a justiça, dotado de regras próprias de
raciocinar que não estavam ao alcance de todos por igual tendência para salvaguardar para uma elite
cultural (os intelectuais, os políticos) aquele poder de constituir o direito que a filosofia política da Época
Moderna atribui ao povo.
Constant: Por oposição à liberdade-participação ou liberdade positiva (poder governar) dos antigos, a
liberdade dos modernos era uma liberdade-resistência ou liberdade negativa (impedir ser governado).
vantagens de um sistema de representação política que delegasse, quase definitivamente, em poucos
aquilo de que a multidão não queria mais ocupar-se. Este era o sistema representativo, em que uns poucos
políticos profissionais, escolhidos pelo povo, desobrigavam o comum dos cidadãos de se ocupar do interesse
coletivo. Se não fora a tendência dos representantes para se desviarem da cura do interesse público, bem
como o perigo de um prejudicial desinteresse de todos pelo governo da república, a delegação de poderes
bem poderia ser definitiva.
Tradição
Excluir o povo “atual” da criação do direito valorização da Constituição e do direito como legados da
tradição, modificáveis/atualizáveis pelos processos de evolução “natural” das sociedades.
Direito estabelecido pela comunidade (mas não a geração atual, antes integrando a sucessão das gerações
passadas e futuras).
Burke: a soberania não era propriedade de uma geração, mas antes património de uma tradição de muitas
gerações; o princípio de que “a soberania reside na Nação” só é verdadeiro se se entender a Nação como
uma realidade trans-histórica, feita de passado, presente e provir, de que a geração presente não é senão uma
concretização efémera e, por isso, desprovida de poderes constituintes.
Savigny: o direito proviria não de pactos constitucionais ou de vontades de legislar, mas do “espírito do
povo” (Volksgeist), expresso nas suas instituições e manifestações culturais históricas e captável por meio
de uma auscultação das tradições jurídicas, a cargo das elites cultas.
Estes pontos de vista não vão optar pelo direito que correspondia às vivências jurídicas espontâneas do
povo, mas antes pelo direito que as elites cultas declaravam ser o direito popular, ou por aquele que vigorava
efetivamente, ao ser o aplicado nos tribunais e, logo, aceite pela sociedade.
A força que criava o direito era a própria natureza do homem, como ser individual dotado de direitos
naturais e inatos, anteriores à lei positiva (ao direito voluntário) e independentes da vontade ou das
realidades concretas da vida.
A lei positiva visava justamente reforçar a proteção e manutenção destes direitos que, no estado de
natureza, não estariam suficientemente garantidos.
Origem desta tradição: constitucionalismo inglês – ideal de um governo limitado pelos direitos dos
corpos do reino e equilibrado por mecanismos de compensação de poderes.
Bom governo:
- Respeito dos direitos originários – regra explícita e estável sobre a sua salvaguarda (Bill of rights);
- Regra sobre o modo de dirimir conflitos entre estes direitos;
- Instância de julgamento desses conflitos – rule of law, due process;
- A origem dos direitos dos particulares era histórica, não natural, pois eles derivavam ou de
privilégios outorgados pelos reis, ou de prerrogativas de particulares provindas da tradição;
- As funções em que se desdobrava o processo de garantia de direitos deviam estar separadas,
competindo a poderes distintos – um estabelecia a lei, que declarava os direitos originários, outro
julgava os conflitos entre estes e o terceiro executava as decisões dos anteriores poderes.
Quando a ideia de Constituição é transposta para o Continente pelas escolas jusracionalistas, os direitos
deixaram de ser entendidos como tendo esta natureza histórica e converteram-se em direitos naturais,
inerentes a qualquer homem, e com uma origem anterior a qualquer poder constituído.
Sendo todos os homens iguais, os direitos dos particulares teriam um conteúdo igual, correspondente às
faculdades naturais dos indivíduos. Seriam direitos naturais do indivíduo; não direitos históricos de grupos.
Por isso, a verdadeira Constituição residiria na combinação espontânea dos direitos individuais e na
proibição de qualquer intromissão dos poderes constituídos no seu livre jogo, ainda que esta proviesse
de um órgão representativo.
Daí que a ideia liberal de um Estado reduzido ao mínimo, limitado às funções necessárias para garantir
direitos naturais, pré-existentes, dos indivíduos, se tenha tornado muito evidente e popular nos
constitucionalismos; limitando decisivamente a outra ideia central das revoluções dos finais do século
XVIII, a ideia da soberania do povo – ou seja, o princípio de que o que o povo quisesse era direito.
Tocqueville: a barreira eficaz contra uma tal absorção de todo o poder pelo Estado apenas podia ser
construída pela própria sociedade civil. Não seguramente pelas massas de cidadãos, mas pela “nova
aristocracia civil”, constituída pelas associações de interesses ou pelos líderes naturais, a que uma imprensa
livre poderia dar voz e opor às tendências totalitárias do Estado.
Origem da judicial review: um modo de garantir a debilidade do Estado e de assegurar o respeito pelos
direitos pelos titulares do governo foi a introdução do princípio de que, tal como em outros conflitos de
direito, os choques entre os órgãos de governo do Estado e os particulares deviam ser resolvidos pelos
tribunais governo limitado.
Com esta primazia dos tribunais na definição do que era direito, voltava a entregar-se a juristas a última
palavra sobre o direito constituído.
Esta desconfiança em relação ao Estado, que caracteriza o liberalismo de todos os matizes), crê, que a
sociedade era a origem e melhor garante de todos os direitos e que não necessita da mediação
estadual, nem para os declarar, nem para os garantir, nem para lhes criar condições de gozo e exercício.
Ficciona-se que a sociedade é essencialmente igual e justa, mesmo quando nela uns têm mais poder do que
os outros, já que a igualdade formal constituiria um mínimo suficiente para que cada qual pudesse fazer
valer os seus direitos, mesmo contra outros materialmente poderosos.
O direito mais autêntico seria o que nascia da natural afirmação dos direitos de cada um e das transações
que espontaneamente se geram entre esses direitos no livre curso da atividade social.
Neoliberalismo o “governo mínimo” no plano do governo do Estado tem de ser compensado por um
governo forte no plano das instituições sociais – a sociedade “liberal” é fortemente regulada por normas que
não são de direito, mas de ética, de educação, de cultura, de bons costumes; o Estado deve estimular a
sociedade, no sentido da criação de padrões “racionais” de conduta – o mais evidente dos quais seria o
padrão do cálculo económico empresarial –, mesmo naqueles domínios da vida que nada tinham a ver com o
campo tradicional da economia, como a educação, a saúde, a segurança social; é o Estado que empreende
um esforço de construção (ou reconstrução) de valores da sociedade civil aspeto construtivista.
Segunda metade do século XIX: ao Estado, cada vez são pedidas mais tarefas; o liberalismo – que tendia a
congelar a dinâmica social em nome da distribuição de direitos em vigor num certo momento histórico –
viu-se confrontado com o surgir de necessidades sociais que só podiam ser satisfeitas sacrificando alguns
direitos estabelecidos; a regulamentação ficou a cargo do Estado, pois frequentemente os conflitos de
interesses sociais não permitiam uma concertação espontânea.
Elitismo social
Liberalismo: a sociedade não era um lugar de igualdade; havia diferenças – nem todos tinham o mesmo para
dar e o mesmo a perder.
A sociedade política não devia corrigir, mas antes ratificar, as desigualdades da sociedade civil logo, o
governo devia caber a uma elite.
Conceção elitista do governo consagrada pela democracia representativa uma vez escolhidos, os
governantes deviam ser absolutamente autónomos em relação aos seus eleitores representantes
conservavam toda a independência do juízo político.
Mill: necessidade de um regime eleitoral que favorecesse as elites: estas disp riam de um “voto múltiplo” ou
“plural”, o que lhes permitiria compensar a ditadura da maioria, constituída pelos cidadãos “sem qualidades”
mesmo os representados (os eleitores ou constituintes) deveriam ser objeto de uma seleção.
A questão da propriedade: a propriedade era vista como uma condição de liberdade não apenas não
se estava dependente de ninguém, como se dispunha do lazer e dos meios de fortuna que permitiam adquirir
liberdade de espírito, pela instrução e informação, pelo cultivo das disciplinas intelectuais e pela reflexão
sobre os temas públicos. Mas a propriedade e a riqueza eram ainda fatores de responsabilidade. Numa ótica
utilitarista, quem mais tem, mais arrisca e, logo, pondera melhor as suas decisões políticas. Para além de
que, numa perspetiva de pura justiça comutativa, quem produz mais riqueza (e quem paga mais impostos)
deve ter mais direitos de participação política.
Superação do contratualismo
Hegel: a razão jurídica tem uma legitimidade própria para gerar direito válido, que decorre do facto de a
razão jurídica ter a capacidade de sintetizar os interesses contraditórios que ocorriam na sociedade,
exprimindo um interesse superior, próprio do todo social – o interesse do Estado, ou interesse público.
Constituição e direito não seriam o produto de contratos entre particulares, tendentes a uma melhor garantia
dos seus interesses privados; deviam ser o resultado da ideia de Estado, como personificação de toda a
Nação, portador e defensor do interesse público (importância dos órgãos que encarnam a ideia de unidade do
Estado – o monarca – ou que prosseguem o interesse público; órgãos representativos com uma função
apenas pedagógica, promovendo no seio do povo o sentido nacional e forçando os representantes a
considerar os seus interesses na perspetiva dos interesses gerais).
Para Hegel, o direito vale por traduzir a vontade do estado, como portador e representante do interesse
público, e não por ser o produto da vontade geral. o direito deve ser concebido como um método racional de
construir normas sociais que institucionalizem a prossecução desse interesse público, que desenvolvam no
detalhe o direito do Estado a orientar a sociedade para o seu fim racional – o interesse da Nação
personificada no Estado.
Estado ético: à medida que progredisse esta ideia do primado do coletivo sobre o particular, o sentido de
Estado interiorizar-se-ia na consciência dos cidadãos como uma obrigação de submissão às exigências do
interesse público.
Juristas: o facto de cultivarem a teoria do Estado e de se dedicarem a refletir sobre o modo como o interesse
público podia ser realizado por meio do comando do Estado coloca-os numa posição ótima para reforçar o
seu domínio sobre o direito. Esta predominância dos juristas deixa-se ler na composição profissional do
pessoal dirigente da generalidade dos Estados da Europa Continental.
Reinterpretação do direito público este passa a aparecer como emanação da soberania do Estado e do
correspondente direito deste de regular a vida social em função do interesse público, impondo deveres e
criando direitos.
Constituição não é a emanação de uma soberania popular constituinte, mas apenas o estatuto jurídico do
Estado (órgãos supremos, constituição dos órgãos, relações mútuas e direitos e garantias que o Estado
concede).
Todos os detentores de poder são órgãos do Estado, limitados e guiados na sua atuação pelo interesse
público o Estado precisa da constituição como formalização das atribuições dos seus vários órgãos na
prossecução desse interesse.
Não há constituição sem estado.
Não há estado sem constituição.
Vontade ordenadora do Estado exprime-se na lei, a cargo dos detentores do poder legislativo a lei é
portadora dos princípios mais estáveis e permanentes da organização política da sociedade a lei
estabelece os limites de atuação do Estado e dos particulares (direitos subjetivos públicos e privado).
Abaixo da lei está a administração, atuando nos limites daquela (princípio da legalidade) e expressando a
sua intenção reguladora. Por cima da lei está apenas a vontade do Estado.
Doutrina estritamente “jurídica”, “pura”, baseando as suas construções apenas nos dados legislativos e não
nas opiniões sobre o justo, útil e bom.
Doutrina como “ciência positiva”
- Positiva baseada nos dados objetivos da lei do Estado;
- Ciência generaliza estes dados sob a forma de conceitos gerais.
Construção jurídica puramente formal, pretendendo uma racionalidade/validade abstrata geral e universal,
constituindo-se num saber ainda mais estável que as leis e os códigos. Os conceitos produzidos por esta
doutrina constituem formas que, pela sua generalidade e abstração, devem representar o que de mais
permanente existe na cultura jurídica de uma nação.
Este mundo entra em crise inflação legislativa provocada pela necessidade de respostas legislativas às
transformações sociais e políticas dos inícios do século XX + repolitização da vida jurídica (com a
revitalização do princípio democrático no pós 2ª GM).
Lei = oportunidade momentânea da administração; provisório arranjo político; compromisso possível entre
opções políticas incompatíveis.
Busca da segurança, estabilidade, adesão do direito a consensos permanentes parte agora da Constituição
repositório de valores consensuais colocados acima das próprias formalizações constitucionais
concretas, representando as aquisições definitivas da vida política/valores inderrogáveis do Estado.
Estado constitucional supremacia da constituição e dos valores nela consagrados sobre toda a atividade
do Estado, com a instituição de um sistema de controlo judicial da constitucionalidade das leis.
Juristas com o papel de oráculos da justiça quando se proclamam valores consensuais, embebidos no
próprio trato social está a remeter-se para a sensibilidade tecnicamente educada dos juristas, como
detentores de um saber prudencial capaz de revelar os consensos, de lhes dar a forma adequada ou, pelo
menos, de estabelecer compromissos que sejam substanciais e não meramente dilatórios.
Leitura da evolução recente dos paradigmas do direito uma luta em torno da legitimidade de dizer o
direito, opondo sobretudo “políticos” (representantes populares) e “juristas”.
Positivismo e cientismo
Elevação das ciências naturais a modelo epistemológico convicção de que todo o saber válido se devia
basear na observação das coisas, da realidade empírica a observação e a experiência deviam substituir a
autoridade e a especulação doutrinária ou filosófica como fontes de saber.
Este espírito atingiu o saber jurídico a partir do século XIX se quisesse merecer a dignidade de ciência,
devia partir de coisas positivas e não de argumentos de autoridade ou de especulações abstratas contra a
vinculação do direito à religião e à moral e contra a sua identificação com especulações de tipo filosófico,
como as que eram correntes nas escolas jusracionalistas.
Positivismo legalista positiva era apenas a lei, pelo que o saber jurídico tinha de incidir unicamente
sobre ela, explicitando-a e integrando-a.
Positivismo culturalista positivo era o direito plasmado na vida, nas instituições ou num espírito do
povo que se objetivava nas formas quotidianas observáveis de viver o direito.
Positivismo sociológico/naturalismo Positivo era o estudo do direito de acordo com as regras das novas
ciências da sociedade, surgidas na segunda metade de século XIX.
O cientismo promovia, como se disse, a crença em que os resultados do saber são universais e
progressivamente mais perfeitos. Esta crença foi, no domínio do direito, mais enfatizada pelos positivismos
sociológico e conceitual, pois o positivismo legalista estava, deste ponto de vista, demasiado limitado pelo
caráter “local” (no espaço e no tempo) da lei nacional. Em contrapartida, as duas outras correntes
formulavam proposições válidas em geral.
Esta crença otimista na validade dos resultados da ciência jurídica – que coincidiu com a época áurea da
expansão colonial europeia – teve consequências importantes na difusão mundial do direito europeu.
Convencidos da validade universal da sua ciência jurídica e, ao mesmo tempo, do seu caráter progressista
(historicamente mais avançado), os europeus impuseram os seus modelos jurídicos aos povos não europeus.
Os direi- tos locais foram impiedosamente combatidos em nome da civilização e da modernização, o mesmo
acontecendo com a organização política e judiciária.
Positivismo legalista --------------------------------------------------------------------------------------------------------
Finais do século XVIII o movimento legalista ganha mais força com a crítica contra a incerteza jurídica
(a proliferação de opiniões doutrinar/decisões judiciais contraditórias tinha-se tornado insuportável por
contrariar o modelo racional e sistemático de organização social popularizado pelo jusracionalismo e por
prejudicar a previsibilidade do direito e da vida).
Movimento de codificação resposta aos anseios por uma ordem jurídica estável, previsível, segura.
Alguns Estados europeus empreenderam reformas legislativas gerais, recompilando o direito disperso,
dando-lhe uma vigência nacional e, a partir do século XVIII, incorporando-o nessas reformas.
Foi sobretudo em França que a codificação, produto da Revolução, se propôs mudar mais radicalmente a
face do direito, fazendo tábua rasa do direito anterior e propondo a identificação do direito com a vontade do
legislador revolucionário. Os códigos napoleónicos constituíam a consumação de um movimento legislativo
e doutrinal que começara já na França pré-revolucionária, que fora enriquecido com as contribuições do
jusracionalismo setecentista e que ganhara um novo ritmo depois da Revolução.
A lei – nomeadamente esta lei compendiada e sistematizada em códigos – adquiria, assim, o monopólio
da manifestação do direito legalismo/positivismo legal (aquando da entrada em vigor do Code Civil de
1804).
Doutrina papel secundário, de proceder a uma interpretação submissa la dei, atendendo à vontade do
legislador histórico, reconstituída por meio dos trabalhos preparatórios, preâmbulos legislativos, etc.
Integração de lacunas o jurista deve tentar encontrar para cada caso uma solução que pudesse ter sido a
do legislador histórico se o tivesse previsto.
Supremacia da lei sobre a doutrina e a jurisprudência já tinha sido proposta por Montesquieu. com o advento
da Revolução (francesa), da legitimidade política que ela trouxera à lei e da desconfiança quanto ao corpo
dos magistrados e dos juristas, a ideia do primado da lei ganha tanta força que chega a levar à pura e simples
proibição da interpretação, obrigando os tribunais a recorrerem ao legislativo “sempre que entendessem
necessário interpretar uma lei” e proibindo aos juízes a criação de novas normas.
Estes pensadores, mesmo quando afirmavam que nada podia justificar a desobediência às leis positivas,
continuavam a ensinar que estas não eram senão um reflexo do direito natural, ao qual teria sempre de se
recorrer para interpretar e integrar a lei. A complexificação da sociedade teria tornado o direito natural algo
demasiadamente simples, que haveria forçosamente de ser complementado por uma regulação que o
explicitasse e concretizasse em termos mais detalhados e diversificados. Esta regulação, embora tivesse de
ser dotada de toda a força vinculativa, não deixava de estar subordinada ao sentimento natural de justiça
consagrado no direito natural.
O direito natural influenciaria leis positivas; ele positivar-se-ia no direito civil, o que fortaleceria ainda mais
a sua força, além de o ajustar às condições concretas da civilização de cada povo. Assim, o direito natural
manteria a sua força direta em muitas instituições, das quais o direito civil quase se retiraria, deixando
operar impulsos naturais do homem (família, herança, propriedade). Assim, não havia o risco de destruir a
ideia de dependência do direito positivo do DN quando se insistia no caráter vinculativo das leis positivas.
A invocação do DN era a forma de manter nas mãos dos juristas o poder de dizer o direito, em risco de ser
expropriado pelos políticos, já que:
Escola da exegese intimamente ligada ao ambiente político e jurídico francês, isto é, a um Estado
nacional revolucionário, dotado de órgãos representativos e que tinha empreendido uma tarefa de
codificação.
Ideia de um código “civil”, dos cidadãos reflete o princípio da igualdade dos cidadãos (pela sua
generalidade e estrita subordinação dos juízes aos seus preceitos).
Grandes e rápidas mudanças sociais e políticas dos finais do séc. XVIII e inícios do séc. XIX só podiam
ser institucionalizadas por via legislativa.
- O legalismo contribuiu para estabelecer a ideia de que o saber jurídico, partindo da observação de
factos positivos – as leis – e prosseguindo com o uso de métodos intelectuais evidentes, certos e
unívocos, adquire a natureza de um conhecimento científico, objetivo e neutro, que põe fim à
contraposição de pontos de vista e ao capacete argumentativo do saber nesta área. Neste sentido, ao
autoritarismo da lei – como fonte única e inequívoca de direito –, soma-se o autoritarismo
dogmático, expulsando do mundo jurídico as ideias de complexidade, probabilismo das perspetivas,
argumentação dos pontos de vista, ponderação dos resultados.
- O direito banalizou-se e tornou-se efémero.
Gerou-se desconfiança em relação ao direito legislado. Este sentimento antilegalista foi ainda alimentado
pelas alegações dos juristas letrados ou académicos de que o melhor direito não era o das maiorias
parlamentares, decidido pela “lei do número”, mas o direito dos jurisconsultos, desvendado pela sua
centenária sabedoria.
Romantismo jurídico
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Certas nações europeias – Alemanha, Itália – ocupavam lugares centrais no panorama do saber jurídico
europeu, mas não conheceram um Estado nacional até ao 3º quartel do século XIX. Nestes casos de privação
de identidade política, a consciência nacional reagiu contra a ideia de que o Estado e o seu direito
(legislado) pudessem ser a única forma de manifestar a identidade política e jurídica de um povo. As
formas “estado” e “código” tinham outra face negativa: o seu universalismo cosmopolita e
“desnacionalizador” e o seu artificialismo; para além disso, não estavam disponíveis em todo o lado.
Isto conduz à valorização das formas tradicionais e espontâneas de organização política, nomeadamente
aquelas mais presentes na tradição nacional.
Movimentos políticos contratualistas Estado como uma abstração, um produto de um contrato idealizado,
realizado entre sujeitos puramente racionais.
Estado e Código como formas universais, indiferentes a particularidades culturais/nacionais.
Uma cultura de raízes nacionalistas, ancorada nas especificidades culturais dos povos, não podia aceitar
esta visão, considerada um artificialismo que decorria precisamente do papel estruturante que tinha sido
atribuído à vontade política dos soberanos/das assembleias representativas pela teoria constitucional
estadualista.
A Nação era identificada com a geração atual ou, mais restritivamente ainda, com a nação representada nos
parlamentos de acordo com os mecanismos eleitorais, também considerados artificiais e contrários aos
modos naturais de as sociedades se manifestarem sem o império da tradição, os órgãos do Estado tinham
a ilusão de poderem querer tudo.
Sensibilidade cultural e político-jurídica deste tipo origem da Escola Histórica Alemã domina o saber
jurídico durante a primeira metade do séc. XIX e influencia-o até ao século XX.
EMH:
- Sociedade como um todo orgânico, sujeito a uma evolução histórica semelhante à dos seres vivos;
- No presente leem-se o traços do passado e este condiciona naturalmente o que vem depois;
- Em toda esta evolução, peculiar a cada povo, manifestar-se-ia uma lógica própria, um espírito
silenciosamente atuante, o “espírito do povo” (Volksgeist);
- O espírito do povo estaria na origem e daria unidade e sentido a todas as manifestações histórico-
culturais de uma nação;
- O espírito do povo revelar-se-ia nas produções da sua cultura (língua, poesia popular, tradições
folclóricas, direito histórico, produções de intelectuais, tradições literárias, etc.); estas manifestações
da “alta cultura” revelariam a alma nacional, pois eram aquelas em que, justamente pela qualidade
intelectual dos seus autores, se conseguia atingir, com uma maior profundidade, sistematicidade e
plenitude, o espírito de uma nação;
- Na sua “inocência”, o povo exprimir-se-ia numa “multiplicidade” de registos, que só as elites
culturais conseguiam reduzir a um “sistema científico”.
Consequências:
1. Antilegalismo e reação contra a codificação a lei e o código sistemático são fatores de
destruição do direito, porque introduzem um elemento conjuntural e decisionista num mundo de
normas orgânicas, indisponíveis e duráveis e porque congelam a evolução natural do direito que é
uma realidade viva, em permanente transformação espontânea (Savigny considerava a codificação
artificial e inorgânica);
2. Valorização dos elementos consuetudinário e doutrinal do direito quanto ao primeiro, é
normal, já que o costume é a forma paradigmática de o direito se manifestar espontaneamente; para
compreender o papel dado á doutrina, é preciso recordar a função que esta escola atribuía aos
intelectuais e literatos na revelação organizada e sistemática do espírito do povo. De facto, Savigny,
concedendo embora que o direito provém da alma da nação, salienta o papel que o corpo dos juristas
e juízes letrados, bem como a literatura especializada por eles produzida, tiveram na revelação,
aperfeiçoamento e tratamento orgânico ou sistemático do direito;
3. Revalorização da história do direito e do seu papel dogmático como reveladora de um passado
que, pela tradição, fecunda o presente, daí que a historiografia influenciada por esta escola revele
preocupações dogmáticas voltadas para o direito vigente;
4. Sistematicidade e organicidade da jurisprudência de que se fala a seguir.
construção sistemática do Direito foi desenvolvida particularmente por um dos ramos da EHA, a
pandectística/jurisprudência dos conceitos.
Sistematicidade decorre do facto de o direito ser uma emanação de um todo orgânico – o espírito do povo.
As instituições jurídicas teriam uma “alma”, sentidos/princípios orientadores que lhes dariam
unidade.
Princípios induzidos a partir da observação das normas jurídicas concretas permitiam que a exposição
dos institutos (e de todo o direito nacional) fosse feita de forma orgânica e sistemática, organizada por
princípios gerais dos quais se extrairiam princípios inferiores – pirâmide conceitual (Puchta) – e
soluções para casos concretos.
Existe na ideia de um mundo orgânico de conceitos – apreensível por observação e indução – uma evocação
das novas ciências da vida, que induziam conceitos e taxonomias a partir da observação dos seres vivos, e
lidavam com estes – totalidades orgânicas, coerentes e harmónicas, dotadas de uma alma (um princípio de
vida) e capazes de gerar novas entidades.
Sistema conceitual do direito como ser vivo, orgânico e produtivo aproximação da tarefa da
jurisprudência “construtiva” e do método histórico-natural das ciências da vida.
“A massa complexa do direito aparece agora não como um sistema de normas, de pensamentos, mas como
um conjunto de existências, de potências jurídicas.”
“Devemos ordenar, do mesmo modo que o cientista classifica os objetos histórico-naturais, todos os corpos
jurídicos em e para um sistema”.
Novo ideal de ciência explica este conceitualismo jurídico provinda do formalismo kantiano, destacava a
função estruturante das categorias e dos princípios gerais no conhecimento científico isto garantiria a
verdade científica enquanto coerência interna das categorias do sistema de saber o decisivo num saber
seria este quadro categorial e não a apreensão inorgânica da realidade empírica.
Domínio do direito esta conceção redundava numa estratégia científica de desvalorização relativa da
lei e dos factos sociais relevantes (Savigny).
“O conteúdo do sistema é a legislação, logo, as normas jurídicas. Para as conhecermos, em parte
individualmente, em parte no seu conjunto, necessitamos de um meio lógico, a forma, i.e., o tratamento
lógico do conhecimento de todo o conteúdo da legislação”.
Trabalho do jurista: o trabalho intelectual dos juristas devia consistir sobretudo na construção de um sistema
de conceitos jurídicos. Mas não se tratava de conceitos obtidos pela reflexão puramente abstrata, como no
jusracionalismo. Tratava-se antes de conceitos obtidos por indução a partir das máximas do direito positivo.
- 1ª fase do trabalho: jurisprudência inferior “ligação imediata à forma com que o direito aparece
na lei, graças a uma relação puramente recetiva em relação às fontes”;
- 2ª fase do trabalho: jurisprudência superior produção, por destilação e síntese da matéria-prima
antes obtida, de “uma matéria absolutamente nova”, o conceito.
O jurista estaria a adotar um método semelhante ao dos cientistas da natureza que extraem princípios gerais
subjacentes a factos empíricos a partir da observação do real e da elaboração lógica dos resultados da
observação. Os princípios são então combinados logicamente, produzindo novos princípios e teorias que,
por sua vez, produzem conhecimentos novos sobre a realidade.
No caso do direito alemão, os princípios obtidos pelo tratamento formal do material histórico e legislativo –
que teriam enformado a experiência jurídica do povo alemão e dado forma ao seu sistema de direito –
explicariam e gerariam consequências normativas ainda não explícitas, mas virtualmente já contidas no
sistema soluções seriam não apenas formalmente lógicas, mas ainda materialmente justas, porque
os princípios de que elas decorriam existiriam, de facto, embora a um nível não explícito, na realidade
cultural de que o direito se alimentava.
Do ponto de vista dos valores subjacentes: formalismo corresponde ao papel reservado ao direito no sistema
ético de Kant ao direito não compete estabelecer padrões éticos de conduta, mas garantir a liberdade que
possibilita uma avaliação ética das condutas.
Os quadros político-ideológicos da pandectística eram muito largos, podendo identificar-se com aquilo que
se poderia classificar de liberalismo. Praticamente apenas excluíam os projetos políticos estatutário-
corporativos de Antigo Regime e os projetos políticos socialistas. Dentro destas margens, a pandectística
erigia o seu formalismo e cientificidade como valores supremos, em face dos quais as soluções político-
sociais contraditórias podiam ser neutral e objetivamente julgadas.
Este pathos da neutralidade e da objetividade, combinado com o pathos político estadualista, foi um dos
principais fatores de legitimação de uma administração – e também de uma administração judiciária –
dirigidas pelo princípio da racionalidade. Ao Estado e ao direito compete levar a cabo uma tarefa de
racionalização social, avaliando as situações em termos neutrais e objetivos, independentemente dos
valores político-sociais em debate e da qualidade das pessoas envolvidas.
Pelos mesmos motivos, o formalismo reagia contra a instrumentalização do direito pela política e pelo
Estado. A vontade do poder político constituía apenas o objeto de elaboração, e as categorias de elaboração
dependiam totalmente do esforço intelectual dos juristas doutrinais.
Saber jurídico independente do poder + saber jurídico tem legitimidade para impor os critérios de
processamento doutrinal do material legislativo o direito doutrinal readquire a sua tradicional
indisponibilidade perante o poder e desempenha o papel de árbitro entre governantes e governados
imagem contemporânea de Estado dirigido por juízes como ideal de organização.
Legado da pandectística o rigorismo formal do processo de decisão pretendia garantir, por si só, a
justeza material dos resultados.
Saber jurídico explicitamente separado da discussão política e ideológica, aparentemente limitado a um
plano estritamente jurídico de discussão.
Crítica à pandectística: a neutralidade e apoliticidade era uma mistificação, pois os pressupostos teóricos da
pandectística lavavam-na a aceitar acriticamente o direito estabelecido e, ainda por cima, a reforçá-lo com
um tratamento teórico que lhe dava uma aparência científica que reforçava a sua autoridade.
A realização da justiça nos casos concretos seria assegurada subsumindo os “factos” ao “direito”, nos termos
de um raciocínio de tipo silogístico, em que a premissa maior era uma norma genérica de direito e a
premissa menor a situação de facto a resolver.
Tradução do ideal de uma regulação geral e abstrata, segura, realizada à custa da não ponderação das
particularidades de cada caso, reduzindo a atividade jurisprudencial a uma tarefa automática, simples, mas
estéril de aplicação de normas e princípios jurídicos.
Importante para a contenção do arbítrio e do subjetivismo jurisprudencial reforço da segurança
jurídica.
Embora o ordenamento legislativo tenha lacunas, o ordenamento jurídico, como sistema conceitual, já
cobriria todo o campo do juridicamente regulável.
O caráter geral dos conceitos construídos a partir das normas e a possibilidade de, por meio de operações
lógicas, obter deles outros conceitos, torna-os elásticos.
Construído o sistema das normas e definidas as suas regras de transformação, poder-se-ia projetá-lo sobre
qualquer caso jurídico imaginável, por meio de uma jurisprudência “criadora” ou “construtiva”.
Perante uma falha da norma geral de resolução de conflitos, o juiz devia subir ainda um degrau na escada da
generalização e estender, a partir dos princípios que sintetizavam o conjunto das normas do ordenamento
jurídico, o espírito sistemático deste, de modo a cobrir o caso sub judice (mas sem fazer uma avaliação do
caso concreto segundo critérios particulares dependentes da sua discricionariedade).
(c) Interpretação objetivista
O direito formava um sistema coerente de conceitos, extraídos do material legislativo empírico. Por isso, o
sentido de qualquer norma decorria da sua referência ao sistema normativo em que se integrasse.
Enquanto o positivismo legalista propunha uma interpretação da lei de acordo com as intenções do seu
legislador histórico, o positivismo conceitualista propõe o recurso à ficção abstrata de um legislador
“razoável”, de um legislador que vai integrando continuamente cada uma das normas no seu contexto
sistemático, de modo que o ordenamento jurídico conserve sempre a sua integridade e coerência como
sistema conceitual.
O sentido da norma decorre, assim, não de intenções subjetivas (do seu legislador histórico), mas dos
sentidos objetivos do ordenamento jurídico no seu todo, embora com particular incidência na norma que
está a ser interpretada.
O direito = constitui uma ordem que se legitima a si mesma, cuja validade não depende de outra ordem de
valores e que, portanto, não é reduzida a algo estranho a si mesma.
“formalismo” = os requisitos de validade do direito têm a ver apenas com requisitos formais estabelecidos
pelo próprio direito.
(requisitos relativos ao conteúdo das normas, à sua matéria, transportariam as questões acerca da validade do
direito para outros domínios normativos, como a religião, a moral, a política, e, com isso, afetariam a
autonomia do direito).
A separação entre a forma do direito e a matéria da política era incompleta, porque, se se perguntasse pelas
razões das escolhas feitas nas normas, a um certo ponto, no momento final da investigação, em que se
perguntasse pela razão última de certa norma legal ou constitucional, ou de certo princípio geral do direito,
tinha de se responder explicando a razão de ser política ou moral que tinha levado ao estabelecimento dessa
primeira norma ou que tinha dado legitimidade aos legisladores ou aos juristas para a estabelecer. Foi este
dilema, esta impureza, que Hans Kelsen procurou resolver.
Kelsen:
- Quis impedir que a discussão jurídica se transformasse numa discussão não jurídica;
- O direito era um sistema específico de normas, cujo fundamento não se devia ir buscar a outros
sistemas normativos;
- Uma norma não teria vigência por ser moral ou útil, mas porque era uma norma jurídica, uma
norma conforme ao direito (obrigatória em virtude da disposição de outra norma, que atribuía
competência a certo órgão para estabelecer o direito);
- O direito constituía uma pirâmide normativa: no topo estava a Constituição;
- Como a constituição precisava de fundamento jurídico, a construção teórica de Kelsen obrigava a
pressupor uma norma fundamental que validava a constituição;
- Solução óbvia: o que valida a Constituição é uma norma que manda pressupor a validade da
constituição;
- Problema: deve pressupor-se a validade de qualquer Constituição? A única resposta que parece
possível é a de exigir que a validade da ordem jurídica que decorre da Constituição seja tida
geralmente como válida – abandono do formalismo? O juízo de efetividade não é um juízo jurídico,
não depende de uma norma, mas sim de um facto empírico. O formalismo ter-se-ia finalmente
rendido ao realismo;
- Este é o preço que se tem de pagar para manter o formalismo normativo, evitando cair em discussões
metajurídicas sobre valores: quaisquer que sejam os valores que ela consagra, a Constituição é
válida se for geralmente tida como tal a posição de Kelsen representa uma forma de
relativismo;
- Assente a validade da norma fundamental e da constituição, todas as restantes normas daquele
sistema jurídico são válidas, desde que pertençam ao sistema, por estarem de acordo com as normas
sucessivamente superiores;
- Cada norma tem uma parte diretamente determinada pela norma superior e outra parte apenas
relativamente determinada por ela, pois entre cada degrau do sistema jurídico e o degrau abaixo há
um espaço de especificação que tem de ser preenchido, escolhendo discricionariamente uma de
várias opções de concretização da norma superior;
- Este espaço de discricionariedade também depende da norma superior, na medida em que esta
determina a competência, o processo e a forma a que deve obedecer essa tarefa de concretização.
Virtude a teoria pura do direito sublinhou a autonomia do saber jurídico, a sua natureza formal e a sua
indisponibilidade em relação a pontos de vista de natureza filosófica/ideológica, num período de intenso
debate político-ideológico (anos 30-50 do séc. XX). Esses pontos de vista estavam fora do direito, apenas
podendo ser constatados pelo jurista, quando ele pressupunha a validade (a aceitação generalizada) da
Constituição, na base da efetividade do sistema jurídico que ela fundava. A partir daqui a validade jurídica
é puramente formal.
Teoria pura do direito manifesto contra os totalitarismos políticos do seu tempo, que, num sentido ou
noutro, procuravam funcionalizar o direito em relação às conveniências do poder, legitimando-o a partir de
considerações políticas, independentemente da aceitação que estes pontos de vista efetivamente tivessem.
POSITIVISMO
o Onde antes havia pluralidade de poderes há agora um soberano e uma só fonte do direito que é a lei
contra a realidade pluralista;
o O direito tem origem na vontade deste soberano; nos regimes nos finais do século 18 são déspotas
iluminados; a sua lei estava de acordo com leis e direitos naturais anteriores, a razão – teoricamente o
soberano estava limitado pelos princípios racionais e pelos direitos dos indivíduos;
o Um soberano que era racional, que queria acabar com a irracionalidade do direito romano;
o Mas com as revoluções nos finais do século 18 e princípio do século 19, surge o impulso
revolucionário; se o direito não está de acordo com esse superior deve ser mudado;
o A lei votada no provimento, que é o único direito que existe, perde-se a ideia de que o direito
superior é a vontade dos que representam o povo;
o As leis são o único direito que existe, é o direito positivo, o que está na lei, o direito que existe é o
direito posto;
o O juiz deve imaginar o que o legislador teria proposto para resolver o caso concreto; isto simboliza a
rejeição que a revolução faz relativamente à capacidade que os juristas tinham, competindo-lhes
apenas aplicar a lei; a certa altura proibiu-se a interpretação da lei;
o Todo o sistema do direito comum é agora mal visto pois promove a arbitrariedade e não promove a
previsibilidade;
o O jusnaturalismo começa a ser criticado pois permite que juristas sem legitimidade possam especular
filosofias sobre os direitos naturais;
o O direito é o que o povo quer - e nada fora disto é direito positivismo jurídico, que era legalista na
medida em que a fonte positiva do direito é a lei que resulta da vontade do povo;
o Se o povo faz o que quer, as leis podem contrariar os princípios da razão em nome da qual as
revoluções foram feitas;
o A codificação permitia que o direito estivesse protegido da vontade política do povo de mudar o
direito e contrariar a razão;
o Outra forma foi reduzir o número de pessoas que votavam ou que podiam ser eleitas;
o Aparece a ideia de que os direitos positivados nos códigos são universais, sendo válidos para todos
os povos em todos os territórios;
o Agora cria-se a ideia de que é o direito da razão positivado nos códigos que deve ser aplicado aos
povos;
o Montesquieu nem tudo é razão, nem tudo é vontade, nem tudo são direitos abstratos concebidos
através do estado de natureza em que os homens são iguais; cada povo é diferente, e da conjugação
da tradição, dos costumes, surge o espírito próprio de cada povo;
o Tensão entre visão racional codificadora do direito com uma verdade absoluta e universal e visão
pluralista da diversidade que existe entre os diferentes povos;
o Contra o positivismo jurídico desenvolveram-se as escolas do positivismo histórico, críticas do
direito codificado valido em todos os tempos e lugares;
o O positivismo histórico surge como crítica ao positivismo jurídico;
Aula de 16-05-2022
POSITIVISMO HISTÓRICO
o O século XIX é um século muito preocupado com a questão da metodologia jurídica (o que é o
direito, como se resolvem os problemas do direito, como se interpreta o direito); é um século da
razão, da vontade, da ciência;
o A ciência não é consensual, não chega sempre aos mesmos resultados, e este facto tem repercussões
para o Direito;
o Positivismo normativo – o mais importante é a norma (Kelsen);
o Duguit – coisa positiva é a sociedade, e para definir o direito em função da sociedade, é a sociedade
que dita o que é o direito e que dá os elementos para criar o direito;
o Positivismo culturalista – o que define o direito é a cultura;
o No séc. XIX, a cultura jurídica europeia é composta por várias correntes doutrinárias do Direito, que
não é todo concebido da mesma maneira;
o Surgem também novos ramos de direito; há convulsões sociais (a questão social) que fazem nascer o
direito laboral; a época da industrialização propicia o desenvolvimento do direito comercial; cresce o
direito internacional público, porque se assiste à consolidação da ordem jurídica internacional como
a entendemos hoje; formam-se estados-nação, surge a jurisdição estadual – o estado exerce o seu
poder em função do território, e as fronteiras começam a ser importantes;
o Pensamento francês do séc. XIX: se se quer conquistar território, é preciso povo para lutar; a
soberania passa a residir no povo;
o Escola histórica alemã: surge no seio da confederação germânica que só após a guerra franco-
prussiana é que se consolida numa aproximação da Alemanha como a conhecemos;
Aula de 17-05-2022
ROMANTISMO JURÍDICO
- Período de grande instabilidade a vários níveis, em parte, devido às guerras ocorridas entre alguns
Estados;
- Importantes países, como a Alemanha e a Itália, ainda não tinham as suas fronteiras definidas;
- No Congresso de Viena (1815) constituiu-se a Confederação Germânica (Deutscher Bund) composta
por 38 Estados;
- O Congresso defendeu ideais conservadores de restauração; legitimidade monárquica e
solidariedade, ou seja, contra o ideário da Revolução Francesa;
- Nele predominou uma determinada corrente ideológica do Romantismo assente no organicismo,
conservadorismo e cristianismo;
- A Prússia Bismarckiana, para quem Savigny prestou serviços, era muito influente;
- Pelo que Savigny comungava das ideias conservadoras e daquela ideologia.
- Principais fundadores da EHA – Friedrich Carl von Savigny (1799-1861) e Gustav Hugo (1764-
1844);
- Georg Friedrich Puchta (1798-1864) foi um importante discípulo de Savigny e foi o mentor da
jurisprudência dos Conceitos;
- A origem da EHA remonta ao início do século XIX e nela formam-se duas importantes correntes do
pensamento:
Os Romanistas;
Os Germanistas.
História e organicismo
- Johann Gottfried Herder (1744-1803) dedicou-se ao estudo da filosofia, mais concretamente, à
filosofia da linguagem, história, mente (psicologia) e política;
- Defendeu duas ideias importantes e com repercussão na EHA;
- Na sua obra Ideas for the Philosophy of History of Humanity (1784-1791) e no On the Change of
Taste (1766) defende que os conceitos, crenças, valores, sentimentos variam em função do período
histórico em presença primeira ideia;
- A sociedade é encarada com um organismo vivo, um todo orgânico de que faziam parte o indivíduo e
o grupo em que se insere (identidade grupal) segunda ideia.
o Família, propriedade privada, sucessões, ... (órgãos e traves-mestras da sociedade);
o A sociedade é um todo orgânico e o indivíduo existe dentro da identidade grupal;
o O passado tem um peso brutal nas gerações presentes;
- O indivíduo, por fazer parte deste organismo vivo, enquadra-se num grupo, com determinada
identidade, por partilharem certa cultura, história e linguagem. Os ancestrais, naturalmente,
alimentaram este grupo com as tradições, regras transmitidas até à geração presente;
- Com efeito o seu peso, considerável, está sempre presente tratando-se de uma história genética. A
história fecunda, por isso, o presente;
- O “cimento agregador” desta identidade cultural e histórica é o Geist des Volkes – espírito do povo –
materializado na linguagem, literatura, artes e instituições do grupo;
o É o espírito do povo que agrega a comunidade;
Problemas:
- Savigny não define o que são instituições e não explica como se formulam os princípios gerais a
dinâmica);
- Desta matéria ocupar-se-ia, mais tarde, Puchta socorrendo-se do método dialético de Hegel.
BGB:
Ideias chave dos excertos de texto retirados da obra referida com relação ao Direito:
- Toda e qualquer relação jurídica reporta-se a uma instituição orgânica;
- Instituições jurídicas e pensamento sistemático. Hermenêutica Jurídica: elemento lógico e
sistemático:
1: Ideia da coerência das ideias;
2: Elemento sistemático: interligação interna das instituições pelo nexo orgânico do sistema.
- Fontes do Direito: pela observação das instituições extraem-se as regras particulares com um recurso
à abstração;
- Sujeito do Direito é o povo e destaca-se a importância da consciência popular por o Direito habitar
nela;
- Estudo da História para através dela se declarar o Direito;
- Direito é uma realidade em constante mudança, como se de um organismo vivo se tratasse, assente
na vontade coletiva popular;
- A centralidade colocada na tradição e no peso das gerações passadas. A História fecunda o presente;
- Importância do costume e a necessidade da sua revelação por atos exteriores (materiais e visíveis) -
usos, hábitos e costumes - para que seja reconhecido por terceiros (empirismo | positivismo);
- Fontes do Direito são formas de formação e manifestação do Direito através da História do Direito e
as decisões dos tribunais populares. A tradição expressa-se no costume que é a fonte originária do
Direito;
Aula de 23-05-2022
Hespanha p. 452-482
Pandectística, no seu ideal formalista de construir um direito “separado da sociedade” e atento apenas ao
rigor construtivo, perde força a vida começa a deixar de caber no discurso que os juristas faziam sobre
ela.
Não correspondência entre discurso formalista e contexto prático a que ele visava aplicar-se + ascensão de
um novo modelo de discurso científico transplantação para o saber jurídico dos modelos de abordagem
das ciências naturais observação, experimentalismo, formulação de leis científicas não apenas formais,
mas relativas à matéria observada naturalismo jurídico.
Naturalismo jurídico:
- Direito como facto social, já não como uma norma que se impõe à realidade, procurando estruturá-la
a partir de fora;
- Direito como parte da realidade, como norma que a realidade impõe a si mesma, a partir da
realidade psicológica/sociológica, apreendida de acordo com os modelos de explicação utilizado nas
ciências.
Modelo mecanicista direito aparece como a consequência de causas eficientes de natureza psicológica –
impulsos vitais, sentimentos jurídicos, características físicas/psíquicas.
Modelo biológico direito explica-se a partir de uma lógica orgânica, como a que se manifesta nos seres
vivos, cujos movimentos visam conseguir equilíbrios internos que salvaguardam o bem-estar do todo.
Direito estudado na perspetiva das suas relações, de variável dependente (sociologismo mecanicista) ou de
função (sociologismo finalista) com a realidade envolvente.
Correntes pós-modernas que reveem os mitos do modernismo jurídico – racionalista, legalista, estadualista –
em nome de uma sensibilidade jurídica não reacional (intuitiva, mítica, pragmática), de um direito vivido,
local, plural; de uma organização política em rutura com o Estado liberal-parlamentar típico da
modernidade.
Segunda fase da obra de Rudolf v. Jhering produto de uma sensibilidade antirracionalista, que prefere a
correspondência das soluções jurídicas com a lógica da vida do que o seu rigor conceitual.
Ideia: a prossecução de fins e o interesse são as forças geradoras do direito. A vontade é a causa próxima
dos atos humanos de que se ocupa o direito.
Retorno à ideia de ética social, não centrada na liberdade individual, mas nos dados objetivos da
convivência social, nos “corpos jurídicos” – institutos ou instituições (família, contratos, etc.).
Jurisprudência teleológica traz para dentro da reflexão jurídica a ponderação de finalidade e interesses
sociais abandono do formalismo.
Jhering noção de interpretação teleológica interpretação (das normas e dos negócios jurídicos) de
acordo com as finalidades que a norma visava prosseguir no sentido de uma ponderação adequada dos
interesses em presença.
Jhering nunca negou ao Estado o papel de árbitro dos conflitos de interesses; e, por isso, o monopólio da
edição do direito, devido:
- Ao impacto do imaginário do Estado numa Alemanha que acabava de se unificar;
- Ao papel que tanto o pensamento organicista (Estado como corporização da sociedade e garante da
sua solidariedade) como o pensamento hegeliano tinham atribuído ao Estado (Estado como síntese
que racionalizava as contradições sociais).
Daí que o legado dogmático desta escola se situe no plano da teoria da interpretação da lei do Estado, não no
da teoria das fontes do Direito.
Philip Heck.
Alcance menos ambicioso do que a jurisprudência teleológica de Jhering.
Aceita basicamente os pressupostos do positivismo legal e tenta apenas resolver um problema “limitado”,
a que já o construtivismo pandectista tinha tentado responder – o problema das lacunas do ordenamento
legal – que as grandes mudanças sociais e políticas dos finais do século XIX e inícios do século XX,
incompletamente cobertas pela legislação, tinham tornado ainda mais evidente.
Proposta de base constituindo qualquer caso jurídico um conflito de interesses, a decisão a atingir deve
basear-se numa adequada ponderação desses interesses e não na dedução formal a partir de conceitos, que
teriam apenas uma função heurística/didática.
Conceitos = fórmulas sintéticas com auxílio das quais poderia ser descrita a forma típica/usual de obter a
correta ponderação dos interesses num determinado tipo de casos sugeririam provisoriamente uma
solução para o problema, mas não teriam qualquer função decisiva/final no achamento da solução jurídica
(jurisprudência dos conceitos).
Crítica ao método dedutivo-conceitual como uma inversão – método da inversão – pois coloca no ponto de
partida da invenção jurídica o que devia estar no fim.
Embora não se esteja a decidir de acordo com a letra da lei (porque ela não prevê de todo ou não prevê em
termos claros o caso), está-se pelo menos a respeitar a avaliação e ponderação dos interesses segundo os
critérios estabelecidos por lei. Não deixa de se reconhecer na lei a única fonte de direito (a única
ponderação legítima dos interesses) e de se insistir no dever de obediência dos juízes à lei. Só que esta
obediência teria de ser, para utilizar uma expressão do próprio Ph. Heck, uma “obediência inteligente”.
Em termos históricos:
- Aristóteles, S. Tomás: ao ligar o direito à natureza das coisas (humanas e sociais), propunham
justamente a perspetiva de que o direito, na sua função de manter os equilíbrios sociais estabelecidos
tinha de se orientar para uma justiça que já existia nos equilíbrios naturais das instituições sociais;
- Montesquieu: dá a este enraizamento social do direito um tom mais pronunciadamente mecanicista,
relacionando a organização política e jurídica das sociedades com fatores empíricos como o clima ou
o meio geográfico;
- Savigny: no século XIX, volta a esta ideia de que o fundamento do direito tem de ser procurado nos
valores que estruturam uma cultura (nacional);
- EHA: surge a ideia de que estas culturas constituem organismos, sujeitos a uma evolução regulada
ou por leis próprias de cada um deles, ou por uma lei geral do progresso histórico.
1ª manifestação de um positivismo sociológico “científico” – ou seja, obedecendo aos modelos
epistemológicos das novas ciências sociais da segunda metade do século XIX, nomeadamente no que
respeita à adoção de modelos mecanicistas ou funcionalistas de explicação sociologismo de Auguste
Comte.
Modelo de ciência para o qual só existe uma ciência do geral, opondo-se “geral” a “particular” e a
“individual”. As ciências sociais devem visar a explicação do todo social, compreendida como o complexo
global e orgânico das relações interindividuais.
O indivíduo isolado deixa de constituir o ponto de focagem do saber social e passa a ser tido como uma
abstração “metafísica”, realmente inexistente.
Sociedade real, geral, positiva, como complexo global de relações entre indivíduos, em que estes
apareciam como determinados por constrangimentos objetivos e independentes da sua vontade. Só
tomando a sociedade como objeto, o saber social poderia, portanto, ganhar a generalidade e a positividade
das ciências.
Comtismo = positivismo, do ponto de vista da natureza dos saberes sociais. Os saberes só adquirem o
estatuto de ciência ao abandonar a pretensão de explicar as origens/finalidades últimas da sociedade e do
homem e ao dirigir a sua atenção para a simples descrição dos fenómenos sociais.
Homem determinado por causas internas e externas, e privado de livre-arbítrio dimensão valorativa dos
saberes sociais deixa de ter sentido o homem não se pode propor a outra coisa que não decorra dos seus
fatores determinantes, nem lhe pode ser dirigida qualquer censura moral pelos seus atos sociologia
completamente depurada de intenções normativas.
Durkheim:
- Aplicador das receitas metodológicas do comtismo;
- Crítica da pandectística sob o ponto de vista da sua teoria social implícita – individualismo
contratualista – e da sua teoria do conhecimento jurídico – formalismo;
- A ordem social, política e jurídica não repousava nem no acordo das vontades individuais
(jusracionalismo), nem na vontade disciplinadora do Estado (legalismo, estadualismo), mas nas
solidariedades sociais objetivas geradas pela especialização e pela divisão das funções sociais;
- Normas jurídicas como coisas objetivas, indisponíveis e transindividuais, corporizadas em
instituições.
Duguit:
- Tentou uma reconstrução da teoria do Estado em moldes positivistas;
- Crítica cerrada aos dogmas da teoria liberal do Estado – a ideia de direito subjetivo como entidade
originária e fundadora e a ideia de soberania como poder político único, exclusivo e residindo no
Estado;
- “O homem natural, isolado, nascendo livre e independente dos outros homens e tendo direitos
constituídos por esta liberdade, por esta independência mesmo, é uma abstração sem realidade”;
- “O homem nasce membro de uma coletividade; sempre viveu em sociedade e não pode viver senão
em sociedade. (...) Os homens nascem membros de uma coletividade e sujeitos, por isso, a todas as
obrigações que são implicadas pela manutenção e desenvolvimento da vida coletiva”;
- Conceção realista dos vínculos político-sociais particularismo jurídico:
Recusa do caráter eterno e imutável do direito, pois as formas da solidariedade social são
diferentes de sociedade para sociedade;
Recusa do dogma da igualdade jurídica absoluta dos homens, introduzindo a ideia de estatutos
jurídico-políticos diferentes correspondentes a lugares diferentes nas redes de solidariedade social;
Recusa do primado da norma geral e abstrata sobre a solução casuísta e concreta, pois,
variando até ao infinito as formas concretas de que se reveste a solidariedade social, o papel do
jurista é o de determinar que regra se adapta exatamente a uma situação concreta;
Recusa do primado dos direitos subjetivos sobre o direito objetivo – seria o direito objetivo que
criaria e instituiria os direitos subjetivos, concebidos agora como os direitos (derivados) de cada um
a realizar aquilo que lhe compete no quadro da divisão de tarefas instituído, em cada sociedade, pela
solidariedade social;
Uma aplicação interessante deste princípio do caráter derivado dos direitos subjetivos é a construção
do direito de propriedade o que o leva a recusar as conceções liberais da propriedade como direito
absoluto e a optar pelo conceito de uma propriedade limitada pela sua função social;
- Crítica da soberania nacional – produto da delegação das vontades individuais operada pelo
sufrágio universal, delegação que era uma abstração indemonstrada e indemonstrável; o Estado era
um facto em si mesmo, objetivo, natural, correspondente a uma constante das sociedades humanas, o
domínio dos mais fortes sobre os mais fracos;
- A divisão entre governantes e governados também não escapa à lei geral da divisão de tarefas e da
solidariedade social: a função dos governantes é justamente a de impor a ordem destinada a
manter e aperfeiçoar a solidariedade social. Daí que, nos termos de uma política positiva ou
realista, os limites do poder do Estado não provenham de direitos individuais pré-estatais, mas das
leis objetivas da solidariedade social, que o Estado visa promover.
Hauriou:
- Teoria da instituição com grande influência nos meios jurídicos;
- Instituição como uma “ideia ou obra ou empreendimento que encontra realização e
consistência jurídica num meio social”;
- Sociedade constituída por agregados sociais modelados por certas ideias diretivas – que congregam
e organizam os indivíduos, pondo-os ao seu serviço;
- Estas ideias modelam a organização das instituições e levam os seus membros a lutar pela sua
consecução;
- O dinamismo destas ideias faz com que elas se desenvolvam, ganhando progressivamente novos
contornos;
- Ordem jurídica – conjunto de instituições – bifronte:
1. Consiste em normas já positivadas;
2. Consiste em ideias condutoras, que puxam pelo direito estabelecido em direção a novos objetivos,
dando-lhe vida;
- Institucionalismo vitalismo jurídico; contraposição entre direito socialmente estabelecido
(instituições-coisas) e direito em devir, em processo de institucionalização (instituições-pessoas);
- Elementos de uma instituição corporativa:
1. Ideia da obra a realizar num grupo social;
2. Poder organizado para a realização desta ideia;
3. Manifestações comunitárias que se produzem no grupo social, em ligação com a ideia e a sua
realização;
- Institucionalismo responde à crítica de que o naturalismo ignorava o elemento dinâmico do direito,
considerando apenas o direito já enraizado na sociedade e redundando numa atitude conservadora;
- Primeiro movimento de crítica antipositivista.
Consequências da crítica positivista à pandectística (na configuração que o saber jurídico ganha):
Plano da dogmática:
- Direito público: positivismo orienta-se para a crítica da forma individualista, democrática e liberal
de estado, baseada no sufrágio e nos direitos naturais dos indivíduos, propondo formas de
organização política baseadas no primado dos grupos – desde logo, do grupo Estado – sobre os
indivíduos;
Corporativismo as entidades políticas naturais/primárias, que estão na base da organização natural
da sociedade, devem estar também na base da organização do Estado; assim, devem ser os seus
representantes (e não os dos indivíduos) a integrar as assembleias representativas;
A solidariedade e a organicidade sociais exigiram que o despique destrutivo entre forças económicas
– concorrência capitalista desenfreada – e sociopolíticas – luta partidária/sindical/de classes – desse
lugar a formas de organização económica e política que por movessem a coesão social;
- Direito privado: positivismo modera o primado do princípio da vontade; reintroduz a existência de
estruturas normativas objetivas que escapavam ao poder da vontade, como a família, a empresa, etc.;
Tendências políticas antiliberais, de matriz socialista/conservadora, que pretendiam corrigir a
competição individual desenfreada instituída pelo capitalismo selvagem;
O direito subjetivo passa a ser definido não como um “poder de vontade”, mas como um “interesse
juridicamente protegido”;
A concessão de direitos subjetivos visa a realização de uma certa ordem social, pelo que tais direitos
estão sempre limitados pela sua função social. Esta questão da “socialização” do direito privado
ganha um grande interesse político-social a partir do advento das ideias socialistas, com a sua crítica
à propriedade privada;
O positivismo teve ainda influência na teoria das fontes do direito, criticando o legalismo e
revalorizando a ideia de que há fontes extralegais de direito (costumes, ideais jurídicos vigentes
numa comunidade e averiguados pela doutrina jurídica).
Apropriações políticas do positivismo sociológico ------------------------------------------------------------
Séc. XX positivismo como movimento de ideias de sentido crítico das instituições e valores
estabelecidos progressismo devir necessário das sociedades substituição das ideias
teleológicas/metafísicas por ideias positivas e substituição das formas estabelecidas de organização social e
política por outras de natureza “científica” deve-se-lhe:
- Laicização da vida pública;
- Instituição/expansão do ensino oficial não confessional;
- Crítica aos excessos do liberalismo económico;
- Comprometimento com os movimentos socialistas no sentido de melhorar as condições das classes
tarabalhadoras, em nome da solidariedade social.
Função do Estado científico: regular o inevitável poder dos mais fortes (governantes) sobre os mais
fracos (governados) em função do interesse geral. Não admira, por isso, que o positivismo pudesse
constituir, caldeado com outras influências, um dos pontos de apoio das ideologias autoritárias das quatro
primeiras décadas do século XX.
O positivismo está na origem tanto da reação antiliberal das primeiras décadas do século XX,
normalmente designada por advento do Estado social, como dos regimes autoritários
antidemocráticos, como o fascismo ou o Estado Novo português.
MAS
- Ao insistir na desigualdade natural dos homens, abriu uma caixa de Pandora de onde saíram, por
exemplo, justificações jurídicas do sexismo, do racismo e do expansionismo europeu.
Enfim, o naturalismo positivista tendeu a “coisificar” o homem, transformando-o num mero objeto de
influências causais; ignorou a dimensão “interior”, a capacidade de escolha e, consequentemente, a ética da
liberdade e da responsabilidade que se liga a ela. Isto foi particularmente nítido no direito penal.
Esta coisificação do homem e das relações sociais instaurou, em geral, um instrumentalismo jurídico em
que o direito – como simples técnica de engenharia social, ao lado de outras – pode ser posto ao serviço de
uma qualquer política. Exemplos dramáticos desta instrumentalização produziram-se nos regimes totalitários
europeus deste século.
o Jurisprudência conceitualista olha para os conceitos em vez de para as questões sociais, logo é
uma jurisprudência formalista;
o AMH: antiformalismo e anticonceitualimso correntes que atentam contra a visão conceitual do
Direito; para ele, antiformalismo e anticonceitualismo é um direito que olha para as conceções
sociais;
o Na escola exegética, a fonte por excelência era a lei; na escola alemã, a fonte por excelência era a
cultura/tradição (positivismo histórico);
NATURALISMO JURÍDICO
- O Naturalismo jurídico “importa” do naturalismo (em geral) a cientificidade assente no
experimentalismo e observação;
- O Direito é agora um fenómeno empírico cuja apreciação incide sobre os fenómenos sociais;
- Estes constituem a “matéria a colher”, primacialmente, pela observação para depois serem feitos, em
sentido figurativo, os respetivos ensaios clínicos com o objetivo de serem aplicados ao caso
concreto;
- O Direito parte de fora para dentro, pelo que “coisas positivas” são os factos sociais com relevância
jurídica.
- No campo do Direito desperta-se o interesse pelo Direito do Trabalho devido à Questão Social – as
partes negociais são muito desiguais;
- A propriedade privada, assente em plenos poderes (soberanos) de usar, fruir e dispor, viria a
conhecer de restrições em função dos interesses coletivos a atender na sociedade (ideias liberais
postos em causa);
- Neste particular, à noção de Savigny e Windscheid do direito subjetivo ser sinónimo de um poder de
vontade concedido e protegido por uma ordem jurídica (de feição subjetivista e voluntarista) iria
contrapor-se uma outra noção, apresentada por Rudolf v. Jhering, em que o direito subjetivo passaria
a ser “um interesse diretamente protegido pelo Direito” (de feição objetivista).
- A finalidade primária do Direito passa a ser um interesse coletivo a ser tutelado (garantido e
protegido) pelo Direito.
- Face ao clima de instabilidade vivido o Direito passa a ser encarado como necessário (critério da
necessidade) para a vida em Sociedade;
- À luz de certas teorias sociológicas e institucionalistas a necessidade chega mesmo a ser elevada à
categoria de fonte originária do Direito (assim o refere, expressamente, Santi Romano);
- O Direito tem agora uma função social, com uma missão positiva, por passar a dirimir os diferentes
conflitos de interesses (sociais) em presença;
- Distinta desta visão será́, como veremos, a de Karl Marx que vê̂ no Direito um instrumento posto ao
serviço da classe dominante (capitalistas) para dominar a classe dominada (operariado);
o O naturalismo assenta na observação, mas não dos conceitos; aqui faz-se a observação dos
fenómenos sociais;
o Vai-se olhar para a matéria a colher: os factos sociais, mais concretamente os factos jurídicos, que
estão na sociedade e são relevantes para o Direito;
o Há a necessidade de olhar para certos institutos jurídicos de maneira diferente, nomeadamente a
propriedade privada;
o Começam a surgir novas definições dos conceitos como a boa-fé e o abuso de direito;
o Grande discussão do século XIX: que definição se quer dar ao direito subjetivo;
o Positivismo sociológico: temos de atender à coletividade que tem necessidades sociais; o que permite
distinguir os factos sociais relevantes para o direito é a necessidade; predomina o interesse coletivo;
o O direito passa a ter uma função social, uma função positiva de regular os diferentes interesses
sociais em presença;
- A conceção clássica da jurisprudência dos interesses tem em Phliipp Heck (1858-1943) o seu
mentor;
- Foi discípulo de Jhering, no entanto, o seu pensamento ficou muito aquém por comparação com a
jurisprudência teleológica e a Escola livre do Direito;
- Heck apenas pretendeu responder à questão da resolução das lacunas pelo Direito. Ou seja, existe um
vazio jurídico como resolvê-lo?
- Pela teoria da inversão (Umkehrungstheorie) criticou a ideia de que as soluções dadas pelo Direito
resultassem de um raciocínio lógico-dedutivo e assentes em conceitos jurídicos abstratos e distantes
da realidade social (jurisprudência dos conceitos);
- Não é o conceito jurídico que deve ditar a solução do caso, mas, antes, a ponderação dos diferentes
interesses em presença;
- A ponderação dos interesses poderia, quando muito, ajudar a identificar o conceito jurídico em
apreço e auxiliar o aplicador do Direito a encontrar respostas ou, eventualmente, transmitir
ensinamentos;
- Consequentemente estes deveriam estar, quando muito, no final do processo metodológico a seguir
para a resolução das lacunas e não, no início (teoria da inversão);
- Assim, a chave para a determinação do Direito aplicável assenta na ponderação dos diferentes
interesses em presença e, por isso, são eles que vão ditar o preenchimento das lacunas;
- Para Heck era o Estado (lei) que deveria definir, identificar e ponderar os interesses em presença
(positivismo legalista).
- A obediência cega à lei e em que os interesses do Estado foram colocados ao serviço da ideologia
nazista levaram Heck a justificar a aplicabilidade dessa legislação;
- Por isso a jurisprudência dos interesses deu lugar à jurisprudência da valoração ou principiológica
(segunda geração da jurisprudência dos interesses);
- Como representantes indicamos Karl Larenz (também defensor do Nazismo); Artur Kaufmann,
Robert Alexy, Ronald Dworkin; Claus Wilhelm Canaris;
- Continuam, por isso, em aberto todas as questões anteriormente endereçadas com relação à
jurisprudência teleológica e dos interesses, desta feita, substituída por valores ou princípios.
- A partir do momento em que o Estado pusesse o interesse, por mais absurdo que fosse, ele deveria
ser seguido abrir portas ao nazismo;
- A centralidade dos pensadores, até aqui abordados, foi dar uma resposta, direta ou indiretamente, à
jurisprudência dos conceitos;
- Agora iremos analisar o positivismo sociológico e o Institucionalismo com teorias societárias que
acentuam, ainda mais, a indissociabilidade entre Direito e Sociedade;
- O Direito encontra o seu fundamento na necessidade;
- A sociedade, também aqui, assenta no organicismo e vitalismo;
- O Ser Humano não consegue sobreviver fora da sociedade, consequentemente, depende da
solidariedade dos seus pares (determinismo);
- A função social do Direito é, por isso, reger a sociedade em conformidade com a solidariedade
social;
- É através dela que o Direito garante o bem-estar da coletividade e justiça sociais, finalidades que, de
resto, devem ser prosseguidos pelo Direito.
- A coletividade passa a ter um maior peso por comparação com a Individualidade;
- A perda da individualidade conduz à transindividualidade;
- As necessidades individuais, apenas serão atendidas, na medida em que não atentem contra o bem-
estar coletivo;
- A satisfação das necessidades coletivas passa, por isso, a ter primazia com relação às individuais;
- O ente coletivo é distinto do Individuo e, por isso, dotado com uma alma e espírito capaz de cumprir
com os desígnios postos pela solidariedade social;
- As Instituições sociais, como expressão do ente coletivo, são movidas pelo espírito oculto.
- Vamos, sumariamente, apresentar algumas ideias, defendidas por August Comte; Émile Durkheim e
Léon Duguit. referentes ao positivismo sociológico e elucidativas do indicado;
- A paternidade do positivismo é atribuída a August Comte (1798-1875);
- A sua teoria dos três estados para explicar o desenvolvimento do conhecimento assentam no
determinismo; naturalismo (evolução das espécies) e organicismo;
- Quando alcançado a última fase do conhecimento entrar-se-ia no estado positivo científico por o
conhecimento ser cingido às leis da natureza em que as verdades absolutas são substituídas por
verdades relativas;
- Esta relatividade passa a ser o principal traço caracterizador do positivismo;
- O método positivo adota, ainda, formas diferentes em função da ciência em que é aplicado: na
astronomia é a observação; na física a experimentação e na biologia a comparação;
- A ciência social (sociologia) passaria a ter um duplo estatuto, para além de ser elevada à categoria de
ciência era ainda “a” ciência com a missão de coordenar todo o conhecimento agora, enciclopédico;
- O Ser Humano integra-se em coletividades que, por sua vez, se materializam em Instituições tais
como, a paróquia e a família;
- O Homem não sobrevive fora daquelas pois depende da sua solidariedade;
- O bom funcionamento das Instituições garante-se pela racionalização do trabalho assente na divisão,
especialização e coordenação laboral;
- Para Comte o fundamento do Direito encontra-se na necessidade e solidariedade social;
- O Comtismo, assim posto, influenciou Émile Durkheim (1858-1917) e Léon Duguit (1859-1928);
- Émile Durkheim verteu, esta ordem de ideias, na sua obra De la division du travail social (1893) e é
havido, ainda, como um dos pais da sociologia moderna;
- Léon Duguit adaptaria as ideias de Comte ao Direito Público, mais concretamente, na sua teoria do
Estado vertida, principalmente, no Manuel de Droit Constitutionel;
- E, ainda, em escritos no qual reflete sobre o Direito Objetivo;
- O Direito objetivo é o direito social que garante a vida em sociedade;
- A realidade empírica deste Direito Social, alcançada pela observação, é a consciência do homem dos
objetivos sociais a alcançar em prol de determinada coletividade;
- Os direitos e obrigações são, por isso, de natureza coletiva e apenas existem direitos individuais na
medida que não comprometam a vida em sociedade;
- À autonomia da vontade individual sucede uma vontade social, de natureza coletiva, que passa a
ditar a pauta dos direitos e obrigações em função do bem-estar coletivo e da justiça social;
- Algumas críticas à vertente conservadora do sociologismo notas por AMH:
Antiparlamentarismo e autoritarismo;
Racismo e machismo;
Estatização dos sindicatos;
Classificação e instrumentalização do homem.
Aula de 24-05-2022
Hespanha p. 487-500
Assunção fundamental das escolas críticas as normas jurídicas não constituem proposições universais,
necessárias ou politicamente neutras, pelo que importa compreender o funcionamento do direito em
sociedade, para desvendar os seus compromissos sociais e políticos, bem como a violência e discriminação a
ele inerentes.
O direito é uma regulação local, tecida em função de conjunturas políticas também locais e acionada por
estas.
Marxismo clássico
------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Marx cientista social/pensador político, crítico do status quo nos quadros de uma interpretação global da
sociedade.
Estudo científico das sociedades humanas conclusão: o processo histórico é explicável pela dinâmica
gerada pela oposição de grupos sociais (“classes”).
A existência conflitual das classes explica-se pelo facto de o controlo da produção dos bens materiais
estar desigualmente repartido entre os homens. Porque uns possuem o controlo e outros não, gera-se uma
dinâmica social – luta de classes – na qual:
- A classe dominante tenta manter e perpetuar a sua posição hegemónica;
- A classe dominada tenta emancipar-se;
- Todos os meios (podes económico, ideologia, ...) são utilizados.
No limite, todas as manifestações da história do homem se explicariam por esta tensão fundamental gerada
pela forma de organizar socialmente a produção (“modo de produção”).
Fim da luta: repartição igualitária do controle da produção, garantida por uma apropriação coletiva dos
meios de produção (“socialismo”) sociedade sem classes, sem domínio de uns homens sobre outros.
Capitalismo, segundo Marx apropriação privada dos meios de produção e distribuição do produto social
por meio dos mecanismos do “mercado”.
Marxismo = para além de uma teoria social, é uma proposta política revolucionária, centrada na crítica da
sociedade capitalista e no objetivo da sua substituição por uma sociedade socialista.
(Dupla) crítica do marxismo ao pensamento jurídico estabelecido: questão da explicação social do direito e
crítica do direito capitalista (burguês):
O marxismo aplica a sua teoria geral de que todas as manifestações da vida social são determinadas pela
organização social da produção, ou seja, pelo modo como os homens se relacionam para levar a cabo a
produção de bens materiais – materialismo histórico.
O direito refletiria esse nível fundamental da organização social, defendendo os interesses das classes aí
dominantes direito como ordem socialmente comprometida, um instrumento de classe.
O marxismo critica o idealismo e o formalismo das escolas clássicas do pensamento jurídico oitocentista,
por apresentarem o direito como um sistema de princípios/conceitos produzidos pela razão e libertos das
contradições sociais; por estabelecerem as categorias jurídicas como “naturais” e partilháveis por todos os
membros da sociedade; por defenderem haver soluções “técnicas”, neutras e científicas aos conflitos de
interesses; por considerarem o Estado a incarnação do interesse geral, obedientemente dirigido pela lei-
vontade geral, igual e abstratamente aplicada a todos.
Para Marx, o direito é um facto essencialmente classista, por meio do qual os grupos dominantes
exercem o seu poder sobre os demais e o perpetuam.
1. O direito estabelece diretamente o domínio de classe, ao impor normas de conduta que favorecem
diretamente os dominantes e subjugam os dominados;
2. O direito burguês funcionaria também como ideologia de cobertura – criaria uma imagem falseada
das relações de poder, ocultando sob a capa da igualdade jurídica – garantida, pela generalidade e
abstração da lei – as reais desigualdades sociais.
Ao dispor em geral e em abstrato, o direito burguês estava a criar a forma mais eficaz de ocultar o facto de
que, na realidade, os indivíduos concretos não eram iguais, mas antes inevitavelmente hierarquizados
pelas respetivas condições económicas e políticas.
Mas esta função ideológica de ocultamento era completada pela ficção jurídica da liberdade, nomeadamente
da liberdade negocial. Também aqui, o direito construía uma realidade imaginária – a de indivíduos
senhores das suas vontades, negociando paritariamente –, totalmente contraditória com a realidade efetiva,
que era antes a de indivíduos condicionados pelos constrangimentos económico-sociais e negociando em
posições desequilibradas.
Alternativas propostas
1917 URSS criou-se um direito que protegia os interesses que o Partido Comunista definia como
sendo os das classes trabalhadoras e que, em contrapartida, sujeitava os “inimigos de classe” à “ditadura do
proletariado” direito como arma política ao dispor da classe operária e dos seus aliados na sua luta
pela construção do socialismo caráter instrumental do direito – que identificava a justiça com a
utilidade política conjuntural (sobretudo enfatizado durante o estalinismo).
Insistência no caráter burguês das características da generalidade e abstração da norma jurídica tendência
para considerar o direito como um modelo burguês de regular a sociedade.
O direito socialista deveria ser mais atento à adequação às situações do que ao respeito pela exigência
formal da igualdade, atribuindo deveres desiguais (“De cada um segundo as suas possibilidades”), bem
como direitos desiguais (“A cada um segundo as suas necessidades”).
Socialismo preferência por uma regulação casuísta e decisionista, baseada em diretivas concretas,
pontuais, provenientes da ponderação política de cada situação individual ausência de uma “legalidade
socialista”, recusa de uma normação geral e direito sempre com um caráter puramente instrumental em
relação à política, ao julgamento de oportunidade por parte do Estado.
Ideia de modo de produção aplicada autonomamente a cada um dos níveis específicos da produção social
– produção jurídica, cultural, etc.
Resultado: imagem teórica do social como constituído por diversos sistemas de produção, cada qual
dominado por uma lógica autónoma e interagindo todos uns com os outros no seio de um mesmo
espaço social, embora o conjunto acabasse por ser dominado pela lógica do nível mais decisivo,
aquele em que se produziam as relações económicas do poder (modo de produção económica).
Explicação da relativa autonomia e eficácia própria dos níveis “supraestaduais” (entre os quais o direito)
tem a ver com os efeitos de retorno, que fazem com que eles possam, por sua vez, agir sobre a
infraestrutura, condicionando-a ou modificando-a.
Crítica do direito
Ideias:
1. A própria sociedade, aparentemente inofensiva e desarmada, pode ser mais totalitária do que o mais
feroz dos Estados;
2. A liberdade de cada um, antes de ser ameaçada do exterior, é ameaçada do interior, pelas ideias
comuns que se infiltram na cabeça de cada um e que levam cada um a condicionar-se e a condicionar
outros.
O direito é o resultado de uma produção arbitrária, local, histórica, de artefactos sociais deste tipo. Ele
produz normas, que podem ser impostas coercitivamente pelos tribunais e pela polícia; mas, para além disso,
ele é também um instrumento de construção de representações (o que é que gera direitos ou deveres, o
que é que torna injustos os direitos, ...) ou de uma série de categorias sociais vinculadas a certos valores
positivos ou negativos (loucos, criminosos, mulheres, estrangeiros, empreendedores, vagabundos, ...).
1. O domínio das classes dominantes seria sempre “incompleto”, pois os grupos dominados
conseguiam fazer valer, em espaços limitados, pontos de vista próprios sociedade
irredutivelmente contraditória, partilhada entre projetos e valores político-sociais divergentes,
embora hegemonizados pelos das classes dominantes direito e Estado caracterizados por essa
natureza contraditória da sociedade, refletindo o caráter “incompleto” das relações de dominação e
os compromissos a que os grupos dominantes tinham, por isso, sido obrigados (ex.: ramos do direito
em que os movimentos progressistas impuseram normas de proteção dos grupos mais fracos);
2. O facto de a própria ideia de direito estar orientada para um ideal de igualdade, de equilíbrio (de
“justiça”), de proscrição da violência aberta ou da opressão explícita de uns sobre os outros. E de,
consequentemente, o jurista tender a imaginar o direito como a ponderação justa (“razoável”) de
interesses políticos contraditórios e a imaginar-se a si mesmo como o agente neutro dessa
ponderação. Nessa tarefa de ponderação (em abstrato – doutrina; ou em concreto – jurisprudência)
dos interesses em presença, o jurista dispõe de uma larga margem de liberdade (ou
discricionariedade), dado o caráter genérico, ambíguo e frequentemente contraditório das
proposições jurídicas. Liberdade que, então, devia ser utilizada para contradizer, corrigir e
compensar, nos planos doutrinal e, sobretudo, jurisprudencial, os pressupostos classistas do direito.
Caráter compromissório do direito compromissos existentes no seio do direito, impostos pela ousadia e
combatividade dos grupos dominados, e contraditórios com os interesses das classes dominantes.
Ideia de que o uso do direito não é irremediavelmente repressor e favorável aos grupos dominantes,
sendo possível levar a cabo, desde dentro do próprio direito e com instrumentos jurídicos, tarefas de
sentido progressista e libertador (seriam necessárias certas condições metodológicas e institucionais).
Condições metodológicas:
- Capacidade do jurista de ter uma visão menos mítica, mais esclarecida e mais crítica do
direito, de modo a torná-lo consciente do funcionamento não neutro, comprometido (“parcial”) das
instituições jurídicas, bem como do caráter “local” (não “racional”, “natural”, “evidente”) dos seus
pressupostos isto seria favorecido pela inclusão na formação jurídica de disciplinas que
treinassem o jurista numa atitude não conformista em relação ao direito;
- Liberdade do jurista perante a lei, dando-lhe espaço para construir de forma mais independente
(do poder político estabelecido ao nível dos aparelhos legislativos de Estado) soluções doutrinais ou
jurisprudenciais alternativas isto conseguir-se-ia insistindo nos pontos de vista antipositivistas –
nomeadamente combate ao método da subsunção e reivindicação da liberdade jurisprudencial e
insistência sobre o caráter inelutavelmente individual da solução jurídica.
Valorização do direito doutrinal e jurisprudencial crença em que seria mais fácil impor pontos de vista
progressistas no campo da doutrina e da jurisprudência do que no campo do poder político estadual
(legislação), devido ao contexto político italiano e ao novo entendimento de uma via democrática para a
reforma das instituições (democracia como o triunfo da igualdade).
Protegidos do governo pela sua independência estatutária, libertos – em virtude do sistema da sua
designação segundo o sistema de governo da justiça vigente em Itália – das influências partidárias e dos
compromissos eleitoralistas, dominados por um ideal de justiça como igualdade e formados num ambiente
intelectual e universitário progressista, os juízes deveriam estar em condições de realizar um “direito igual”,
mesmo numa sociedade de classe.
Insistência no caráter individualizado da solução jurídica permitiu a este projeto de “uso alternativo do
direito” valorizar a perspetiva de que o direito se colhe da observação da realidade, tal como tinha sido
proposto pela ideia de “natureza das coisas”. O uso alternativo do direito veio propor que a solução
jurídica fosse inspirada por uma análise dinâmica e crítica da realidade o jurista tem de
compreender a realidade social como algo de ainda imperfeito, percorrido por tensões e interesses
conflituais, que importa regular em vista de objetivos politicamente libertadores e progressivos que
dirigem a solução, mais do que os equilíbrios empiricamente observáveis, que, normalmente, tenderiam para
a conservação do status quo.
MARXISMO CLÁSSICO
o O direito não pode ser superficial; tem de olhar para a realidade da própria sociedade;
o A ótica agora é o grupo;
o Todos os seres humanos são iguais;
o É preciso perceber se a estratificação social faz sentido; esta estratificação é discriminatória;
- Karl Marx (1818-1883) foi um pensador político, sociólogo, mas não desenvolveu nenhuma teoria
do Direito;
- Foi crítico do modelo societário capitalista e, por isso, refuta o legalismo liberal (ideário liberal)
assente, ainda, no formalismo;
- Opôs-se à centralização da produção dos bens materiais, essenciais para a sobrevivência do Ser
Humano, se encontrarem nas mãos da classe Industrial (capitalistas) o que conduzia à exploração da
classe operária
- Desenvolveu, por isso, todo um estudo científico que gravitou em torno desta luta de classes;
- O processo histórico, assente no materialismo histórico, passa a ser explicável pela dinâmica gerada
pela oposição de grupos sociais (luta de classes) e à luz de um determinado pensamento económico;
- Materialismo histórico: para conhecer o Homem e a sua História importava analisar como é que os
Homens se relacionam para produzir bens materiais (atividade produtiva);
- A Economia é, por isso, para Marx, a infraestrutura da sociedade em que assentariam as
superestruturas políticas e jurídicas (Ideologia e Direito);
- A Economia dita os desígnios sociais pelo que, no caso, o Direito passa a estar ao serviço da
Economia (determinismo económico extremado) por ser um instrumento posto ao serviço daquela;
- Ela (Economia) fá-lo pelo modo de produção dos bens materiais. Esta última dita a própria
organização social e a estrutura das classes sociais.
- O modo de produção assenta nas forças de produção (matérias-primas, infraestruturas, instrumentos
de produção) e relações de produção (relações entre operários e Industriais);
- Forças de produção e relações de produção estão muito interligadas pelo que não devem ser
separadas sob pena de conduzirem à alienação humana (teoria da alienação) com graves repercussões
na sociedade;
- Expressão desta indesejável alienação era a sociedade capitalista por separar o trabalho do capital;
- Esta alienação está na origem da luta de classes.
- Os Industriais, tidos como classe dominante, controlavam a produção dos bens materiais,
consequentemente, dominavam toda a Infraestrutura (economia) e dispunham, ainda, das
superestruturas como instrumento da economia (Direito, Ideologia etc.);
- Por isso dominavam e queriam manter o mesmo estado de coisas com relação à classe dominada (os
operários);
- Esta última, tentava emancipar-se, mas era difícil pois encontrava-se em grande desvantagem;
- Apenas se poria termo ao conflito (tensão) pela apropriação coletiva dos modos de produção;
- Esta garantiria uma igual repartição dos modos de produção;
- Socorrendo-se do método dialético (tese, antítese e síntese) e a lei da contradição de Hegel, Marx
defenderia que o modo de produção capitalista teria de, por isso, dar lugar ao socialismo;
- Por os modos de produção serem coletivos passaria a existir uma sociedade sem classes (a
estratificação social deixava de fazer sentido);
- A inexistência de classes ditaria, ainda, a extinção do fundamento estadual e, consequentemente, do
próprio Estado com o seu aparelho burocrático e judiciário (Direito e Estado deixariam de existir);
- Enquanto para Hegel o Estado, que personificava a Nação, constituiria a última síntese do método
dialético já com Marx, Estado e Direito desaparecem para dar lugar a uma sociedade sem classes.
- Segundo Alan Hunt o marxismo clássico defende as seguintes premissas com relação ao Direito.
1. O Direito não é indissociável da política pois constitui uma das suas formas possíveis de execução;
2. Direito e Estado encontram-se em estreita conexão porquanto o Direito ter pouca (ou nenhuma)
autonomia com relação ao Estado;
3. O Direito é o espelho ou expressão das relações económicas dominantes;
4. O Direito é potencialmente coercivo por o monopólio do uso da força residir no Estado;
5. O conteúdo e procedimentos do Direito (formas e/ou formulações) expressam, direta e indiretamente,
os interesses da classe dominante – veja-se, neste particular, o artigo: “Tratamento dos conceitos
oitocentistas de cidadania: Liberalismo e Igualdade da Professora Cristina Nogueira da Silva” por ser
elucidativo dos diferentes estatutos jurídicos pessoais existentes, numa determinada época histórica,
e que fomentaram a exclusão social;
6. O Direito não vive dissociado da ideologia acabando por legitimar, através dela, os valores da classe
dominante e o controlo da classe dominada.