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APRESENTAÇÃO

(saudação inicial)
“Amor”, 1995, pastel sobre papel montado em alumínio, 120x 160 cm.
Estes são os conhecimentos, noções e aspectos factuais que possuímos sobre a
criação de Paula Rego projetada. No entanto, a estes meros dados, que nada
exprimem sobre a composição se não a sua “certidão de nascimento” e formato,
somo, ainda, o meu juízo crítico.
Com efeito, a seleção desta obra para apresentação não foi um simples resultado
do acaso. Esta escolha está intimamente relacionada com o facto do amor ser um
tabu, um tema proibido e funesto.
Assim sendo, como esta exímia obra expressa exatamente o interdito, venho, por
este meio, transmitir as minhas opiniões sobre esta.

Num primeiro plano, o nosso olhar é direcionado para uma mulher jovem, deitada,
isoladamente, numa posição lateral, na qual que se destacam as mãos, que estão
sobre o peito, no coração. O seu rosto repousa, numa almofada, com um ar
pensativo. Num segundo plano, a cor dominante é o vermelho escuro, que cobre
todo o fundo do quadro. Esta cor é atribuída à almofada e ao cobertor, que a mulher
usa no seu descanso, que completam, totalmente, a composição.
De facto, esta descrição relaciona-se diretamente com o meu comentário crítico da
criação artística “Amor”.

Aprecio particularmente como a postura da mulher denuncia o seu estado de


espírito e disposição. Vejamos que o amor é o agente responsável pela sua pose
corporal. A verdade é que este sentimento, positivo e idealizado como é, na
realidade, é uma disforia. É um mal-estar. Uma indisposição. E isso reflete-se no
indivíduo, como vemos, um “abalo”, quase como um tiro, deixou a personagem
naquela posição. Apresenta-se pensativa, num profundo desassossego e dor,
patente na revelação das mãos sobre o peito e cabeça que parece que pesa, de
tantos pensamentos.

Agrada-me também como o vermelho alastra o segundo plano inteiro. Esta cor
retrata a paixão, sendo uma cor quente. Associa-se à guerra e perigo. É a cor do
fogo, do sangue e do coração humano, simboliza, então, a chama que mantém vivo
o desejo, representando os sentimentos de amor, nem sempre lógicos.

Por último, saliento, ainda, que esta composição se assemelha com a obra “Amor
de Perdição”, de Camilo Castelo Branco. Do mesmo modo que o quadro revela o
sofrimento amoroso, também Camilo aborda a temática do caráter fatal do
amor-paixão, associando-lhe a ideia do Destino e da Morte, conferindo ao Amor
uma sacralidade que impõe o sofrimento. Deste modo, ambas as composições
mostram como o amor sempre leva ao sofrimento.

Em conclusão, o quadro, quer pelas suas fortes características artísticas, como a


posição corporal e a utilização estratégica do vermelho, quer pela sua
intertextualidade com “Amor de Perdição”, revela a temática de um amor implacável
que se abate sobre o indivíduo. Assim, a ideia associada ao quadro está patente na
obra “Epanáfora Amorosa” de D. Francisco Manuel de Melo : ” Quem viu jamais vida
amorosa que não a visse afogada nas lágrimas do desastre ou do
arrependimento?”. Contudo, questiono-me: será que o amor possui este caráter tão
fatal? Ou é só a minha visão exacerbada sobre a obra de Paula Rego?
(encerração)

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