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Luís Vaz de Camões é um poeta de transição, que na sua obra poética, revela a influência

tradicional e a influência clássica. Camões é consciente da sua originalidade, contudo elabora


uma lírica baseada na estética da imitação.

A influência tradicional está presente nos temas e nas formas poéticas de caris peninsular
presentes no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Esta influência é também chamada de
Medida Velha.

A influência clássica revela-se na inspiração na mitologia da antiguidade clássica, na descrição


da mulher segundo as convenções formais do petrarquismo, foi também influenciado por o
neoplatónico e usou formas poéticas que se cultivavam em Itália. Está influência é também
chamada de Medida Nova.

O Amor é a temática eu irei abordar, tema principal em toda a lírica camoniana, surgindo como
fonte de contradições vivamente sentida, apresentado no poema “Amor é fogo que arde sem
se ver”.

Amor é um fogo que arde sem se ver


Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;


é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;


é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor


nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
CAMÔES, Luís de – Rimas. Coimbra: Almedina, 1994. P. 119

Neste poema é visível que o poeta foi influenciado pela perspetiva filosófica denominada
neoplatonismo.

Este é um dos mais belos sonetos, composto por duas quadras e dois tercetos, sobre a
tentativa de definição poética do Amor, pela expressão anafórica de “Amor é …”.

A definição do Amor é dada pelos efeitos que provoca. O sujeito enumera um conjunto de
contradições que confrontam os aspetos positivos e negativos do sentimento amoroso,
apresentando ideias opostas: a dor se opões ao não sentir, o contentamento que é
descontente.

A dificuldade em definir o Amor, leva o sujeito poético a perguntar no último terceto, como
pode o Amor estar presente nos corações humanos se é assim tão contraditório.

Ele é sucessivamente “Fogo que arde sem se ver”, “Ferida que doi, e não se sente”,
“Contentamento descontente”. Assim dificilmente Ele trás consigo a alegria e a paz.

É algo indefinível, como diz o poeta “Um não sei que, que nasce não sei onde”, “Vem não sei
como, e dói não sei por que”.

O Amor aparece nestes poemas sobre dupla abordagem, uma é a sua abordagem a maneira
petrarquista, de raiz provençal e neoplatónica, trata-se de um Amor espiritualizado, onde não
se deslumbra o corpo dos amantes.

Camões demonstra, nos seus sonetos, uma luta constante entre um amor material,
manifestação da carnalidade e do desejo, e o amor visto como ideia, puro, espiritualizado,
capaz de conduzir o ser humano à realização plena. O tema Mulher está intimamente
relacionado com o Amor, assim a mulher é retratada como exemplo da perfeição, já que ele
inspira a superação do amor carnal e a realização do amor puro.

Noutros sonetos, observa-se uma inovação em torno da temática amorosa, Camões apresenta
um amor mais materializado, terreno e carnal, fonte de sofrimento constante. A
impossibilidade de explicar racionalmente o sentimento amoroso e de conciliar desejo carnal e
purificação espiritual levam a poesia camoniana e manifestar frequentes contradições, com o
uso de antíteses e paradoxos.

A poesia amorosa de Camões é sensual, do homem encantado pela forma feminina, do boêmio
apaixonado, tudo numa medida em que, mantém certo zelo pela imagem encantada, ainda
quando o retrato é o da dor da perda, da deceção amorosa, do desengano, da traição ou do
abandono. O tema amoroso em Camões é movido por uma melancólica, à sombra do
desencanto, da desesperança e da nostalgia do eu, da impossibilidade de se cumprir a
plenitude da felicidade a partir do amor.

A obra lírica de Camões torna-se imortal, não apenas porque o poeta fala sobre um sentimento
comum a todos os tempos, mas porque introduziu uma nova compreensão sobre um tema
flexível, revigorado a cada geração. Afinal, ele sabia que “mudam-se os tempos, mudam-se as
vontades”.

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