Você está na página 1de 166

1 /- o

A DlDÁTiCA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE HiSTÓRiA


EM BUSCA DA EXPLICITACÃO OAS RELAÇÕES PODER*SABER
NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEOAGÓGiCO ›

DOF

IERECÊ REGO BELTRÃO

Dissertação Apresentada ao
Curse de Mestrado em Educacão
Centre de Ciências da Educacão
Universidade Federai de Santa Catarina
Como Requisito Parcial à Obtenção de
Títuio De Mestre em Educacão

FLORIANÓPOLiS

1998
uuxvfiflsxnâufi Ffinenâc na 6âNTâ CâTâRINé
UENTRU DE uiêuclâs na Enucâuäu
PROGRAMA na Pó5~üRânuâÇÃO Em EUUCACA¡B
cumso na Hfisrnâno Em Enucâüäo

"A DIDÁTICQ E à FORHHCÃD DE PROFESSORES DE


HISTÓRIA: EH BUSCÊ DA EXPLICITâCÃO DAS RELACÉES
PODER-SABER Ná ORGÊNIZÊCÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICOÍ
n

Dissertação submetida ao Colegiado


do Curso de Mestrado em Educacão
do Centro de Ciências da Educacão
em cumprimento parcial para a ob~.
tenção do Título de Mestre em Edu-
U
cacao.

àQ
APROVADO PELH COMISSÃO EXAHINADORQ EH: E5/09/1992.

és '_
Han); 015
_zz~z;%z;¬/v/¿çfiS/
FSC) ~ Ox entadora

'r _ MSC. Edson Passeti * (PUC/SP)

Profë Brëšíššrguëãšëgfllzäa Hanhäes ~ (UFSC)

f?
Profš HSC. Raãäel
<‹`¿¿‹%¡Í
Stela Siebert (Suelente) ~ UFSC

Cšzllzí
IERECÊ REGO BELTRÃO

_FLÚRIANÓPÚLIS/SETEMBRO DE 1992

0
AGRADEC MENTOS
K

ÂOS QUE me Bflâiflâfam 3 amal”.


ÀD8 QUE me Gflâíflafam 3 SPFGHGGF
Â05 QU8 me Sflôiflafaífl 8 f'E!8ÍStl|`
RESUMO

À PTGSBDÍG Põãqüfôâ ODJGÍÍVG €XP|ÍC|ÍaP 88 fCiãÇÕ6S GB


DOG6F“S8BBF QUE 38 C0flCF€ÍlZ8m HO ãmbltü G6 DBGBQOQÍB E G3
GSCOÍÔ, 8 flaftlf G8 0F§8fl|2õÇã0 GB Um Ífflbfiíflü QGGSQÓQICO, QUE
SB PFGÍGHÓGU flã0'aUÍOF¡ÍáFÍO, COM Um QFUPO GB B8ÍUG3flÍBS GO
CUF30 de FOFm3Çã0 G8 PFOf63SOFBS GB HÍSÍÚFÍ8 G6 uma fUflÚ8ÇãO
BGUCGCÍOHGÍ Cãtõfifleflôê, Em ÍOFHO da dISC¡Dllfla D¡dát¡Cõ.
estudo dos vínculos entre poder e saber referidos
No
ao pedagógico, a Didática val se revelando como a passagem para
um discurso prescrltivo, com pretensão de cientificldade, da
tecnologia de poder disciplinar, com seus mecanismos de
obletlficacão e subietlvacäo.
esnocada uma proposta/desafio, tanto ao longo quanto
É
ao final do trabalho; pensar de outra forma, com outra lógica,
a questão da escola, da pedagogia e da educacao.
ABSTRACT

The encioseo research nas as ohiective to expiicit the


relations between "know" and “power” which become reai in the
pedagogy and school range, foiiowing the organization of a
pedagogia work, that was defined as not-authoritarian , whit a
students group of the History Teachers Formation Course of an
Education Foudation of the Santa Catarina State, about the
Teaching discipiine.
ln the study of the honda between "know" and "power"
refering to peoagogv, the Teaching is reveaiing itself as
Paâšagö Í0 3 PFGSCFÍÕSG S§€9Ch, WHÍÍ 3 SCÉGHÍÍTÂC fiim, Of ÍHB
ÍECHHOÍOQY Of DB ãbiê ÍO üÍSCÍP|Ífl6, Whit ÍÍS m6ChaflÍSm5 Of
0bjBCtiV|ty âflü 3UD}BCÍ¡V|tV.
ÓFGTÍ Of 3 PFODOSGÍ/Cflaiieflgõ WGS mafiü, GUPÍHQ GS
A
WBÊÍ 86 GÍ ÍHB ENG Of the WOPK: ÍO ÍHÍHQ Ífl OÍHGF Wây, Whít
OTNET IOQÍC, the 3UUJECÍ~ãDOUÍ BCHDOÍ, Peüããügy âflü âüUCaÍÍOñ.
SUMÁRIO

iNTRODUGÀO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . ..Di

i.Uma história? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . ..0i

E.À construção de uma história; uma genealogia? . . . . . . . . . . . . ..D3

A análise da proveniência . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . ..U3

A história das emergências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..U4

CAP!TULO I: APRESENTACAO DA QUESTÃO DA PESQUISA . . . . . . . . . . . ..D9

1.LOC3||Zõflfi0 3 QUGSÍÊO U8 PGSQUÍSG . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . ..D5


LOC8|ÍZ8flü0 O CBHÉFÍO da PGSQUÍSG . . . . . . . . . . . . . . . . . ..U9
LOCBIÍZBHGO OS COfl3ÍPUÍOF6S Ga PBSQUÍSG . . . . . . . . . . . ..1Ú
LOC8i¡Zafld0 OS ÍOCOS da PBSQUÍSG . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..15
E.Deiimitando a questão da pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..i8
Dellmitâflüü, HO CBHÉPIO, 3 äfôã G6 ãbF8flQÊflCÍ8 Ga
P8SqU¡S& . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..1B
Deiimitando os construtores da pesquisa . . . . . . . . . . . ..i8
Deiimitando os focos da pesquisa.... . . . . . . . . . . . . . . ..i9
O objeto da pesquisa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..i9

O problema da pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....19

O
US Ob}€Í|VOS da PBSQUÍSG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..

CAPITULO li: O MODO DE REALIZAR O TRABALHO DA PESQUISA


(PESQUISAR/APRENDER/ENSINAR) . . . . . . . . . . . . . . . ..

1.0 iüãaf da BXPBFÍÊHCÍG COMO O IUQGF G0 tFaOa|h0 G6


DGSQUÍSBF, BPFSOGGF 6 Bflãíflaf . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..

Ê.A VBGIÍZÔÇÊO G0 Ífãbãlhü G8 P3SqUl8ã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. EB

3.A produção de uma história/anáiise da experiência . . . . . . .. 32

CAPÍTULO III: PODER E SABER . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 35

1.Um3 COHCCPÇÊO GB 9066? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..

E.Uma concepção de saber . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..

3.0 POGSF 6 O Saber: fUflCÍOfl8mBfltO 8 m6C8flÍSm0S QUC OS


V¡flCUi8m . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....... .43
4.AS máqülflaâ (GDSÍFBÍGS 8 COflCF8Í3S) GB POdBF'S3b6P B O S BU
ÍFãbü|h0 (ãÍU&|lZ8F, Ífltfigfäf, GÍf8F6flC¡õF) . . . . . . . . . . .... 50

CAPÍTULO IV: PODER, SABER E DISCURSOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..

i.A anáiise dos discursos referidos ao pedagógico como busca


do expiicitar reiacões de poder, e não reiacões de
sentido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..

2.0 discurso e o poder: a expiicitacão dos mecanismos que os


VÍflCU|âm, RGS FBIGCÕBS DOG8P'8ãbBF ... .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .

3.U GÍSCUFSO P€U8§ÓQlCO COmO DFÍMBÍFO 6}8m€nÍO de GHÉIÍSB


üõâ T6|&ÇÕ63 POGBT“S&bBF QUE 36 CXGPCCM flõ BSCOIG .. . . . . . . SD
4.0 discurso da escoia como segundo eiemento de anáiise das
reiacões poder-saber que se exercem na escola .. . . . . . . . . . . 7i

5.03 Uñmãlâ ÚÍSCUFSOS F€f8FÍflO3 G0 PGGGQÓQTCO: 0 OÍSCUFSO


U0 P8dã9ÓQÍCO B O GÍSCUPSO SODFB O PBGBQÓQÍCD . . . . . . . . . . ..

CAPÍTULO V: OS DISCURSOS REFERIDOS AO PEDAGÓGICO: REGISTROS

1.0 UÍSCUTSO dO DBGBQÓQÍCO: GLQUMGS fãlaâ GOS GSÍUGGRÍGS...


E.Um outro discurso do pedagógico; uma outra faia dos
estudantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..84
3.0 discurso sobre o pedagógico; as faias autorizadas de
aiguns educadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..8B
4.0 meu discurso (a partir) do pedagógico (vivido~pensado)...9E

CAPÍTULO VI; A DISCIPLINA E A DIDÁTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..IUU

i.A discipiina e o nascimento da Didática . . . . . . . . . . . . . . . . . ..1U0


3.0 poder discipiinar da escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..i03
A distribuicão dos individuos no espaco . . . . . . . . . . ..iU4
À GISÍPIDUIÇÊO GGS 8ÍIVIG8dBS 605 IHGIVÍGUOS DO
ÍGMPO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..1U7
 0rgaflIZaCãÚ ÚÕS gêne5e3 . . . z z . ... . . . . . . . . . . . . . . ..1Ug
Â5 f0rÇa5 C0mpÚ5ta3 . . . . . . . . . - . . - . . . . . . . . . . . . . - z . . ..III
A vigiiância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..ii3
I

A punição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..ii7
0 exame . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .....iED
3.Didaticaz o discurso cientifico do discipiinamento . . . . . . ..1E3

CAPITULO VII: O PENSAMENTO NA HISTÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..I3E

1.A vontade de saber . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..i3E


E.A escola panóptica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..i34
3.As armadiinas e os descaminhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..i39
4.Pensar diferentemente do que se pensa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..i5i

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..154


DO CAMINHO DO CRlADOH

QUBFBS PFOCUPGF 0 Camlnhü QUE te QUÍ8 3 ÍÍ


m8Sm0? ESPBFG aíflüa Um m0mBflÍO B OUVB-M8.
"Q que procura facilmente se perde a si
mesmo. Todo insuiamento é um erro.” Assim
fala o rebanho. E tu pertehceste ao rebanho
durante muito tempo.
Em também há de ressoar a voz do rebanho.
ti
E quando disseresz "Já não tenho uma
consciência comum convosco", isso será uma
queixa e uma dor.
Olha: essa mesma dor é filha da consciência
comum, e a última centelha dessa consciência
ainda brilha na tua aflição.
Queres, porém, seguir o caminho da tua
aflicão, que é o caminho para ti mesmo?
Demonstra-me o teu direito e a tua forca para
isso!
'

ÀCaSO ÉS Uma f0PÇ8 fl0Va 8 Um fl0V0 ÓÍFCÍÍO?

Um primeiro movimento? uma roda que gira


sobre si mesma? Podes obrigar as estrelas a
girarem em torno de tl? <...)
Chamas-te livre? Quero que me digas o teu
pensamento fundamental, e não que te livraste
de um iugo.

Serás tu alguém que tenha o direito de se


livrar de um jugo? Há quem perca o seu último
valor ao libertar-se da sua suieicão.
Livre de quê? Que importa isso a
Zaratustra? 0 teu olhar, porém, deve
anunciar-se claramentez livre, para
quê? i

1NlETZSCHE, FP¡8dP¡Ch. ASSIM falava Zaratuâtra. Rlü 08


JGHGÍFO, TBCHOPFÍHÍ, 8.6., D.5E“Õ3. '
iNTRODUÇÃO

i.Uma história?

Uma vivência que exigia ser pensada... Um sentido só


percebido, por se dizer ou por se construir. Um trabalho, a
brigar pelo estatuto de ser trabalho; a negar o convite para
ser tarefa-brilho, luz própria (ou emprestada/tomada?)
iluminando a opacidade "dada" do coletivo, da massa amorfa que,
sem iâmpadas, lanternas, fachos, holofotes, perder-se-ia na
escuridão. Um desejo de rememorar todas as armadilhas que
escondiam grilhões; uma necessidade de organizar as
experiências dos combates vividos, vistos. contados,
pressentidos, contra as prisões que se empiiham, que se
armazenam, que se sucedem, que se distribuem e redistribuem nos
espacos e nos tempos dos deslocamentos e das paradas. Uma
ânsia, uma vontade de liberdade. Um direito se fazendo luta,
uma luta se fazendo lhteiigibiiidade, uma inteiigibllidade se
fazendo arma. Um projeto, uma investigação ... uma história?
Foucault é quem me ihstiga, e quem me provoca. Não é
possível omitir este convite-desafio, menos irônico que
céptico. Não é possivel também esconder o autor do convite - a
marca se encontra aqui, no meu corpo e no meu pensamento. E é
ele quem me perguntaz uma historia?
Uma história, uma pesquisa da origem das reiacões
poder-saber construida a partir do trabalho pedagógico e de sua
organização, enquanto estes se realizam, faz sentido?
... pesquisa (...) se esforça para recolher
a
nela essência exata da coisa, sua mais pura
a
possibilidade, sua identidade cuidadosamente
recolhida em si mesma, sua forma imóvel e
anterior a tudo o que é externo, acidental,
sucessivo. (...) Ora, se o genealogista tem o
cuidado de escutar a história em vez de
E

acreditar na metafísica, o que é que ele


aprende? ... (Que) o que se encontra no
comeco histórico das coisas não é a
identidade ainda preservada da origem - é a
discórdia entre as coisas, é o disparate.E
A questão do ensinar e aprender História, o trabalho
pedagógico a ser organizado para que se ensine/aprenda História
(a Historia, uma História, fragmentos selecionados
intencionalmente do conhecimento produzido peios
nistorladores?> também se inscrevem como históricos. A
construcao de uma história das relações poder-saber, feita à
medida que o trabalho pedagógico se organiza, não val, porém,
pelo caminho de resgatar sua trajetória num tempo cronológica
anterior a ele. Também não tenta fecha-io como trabalho
pedagógico “em si", para que o pesquisador possa "limpar" o seu
objeto de investigação do que é fortuito, acidental,
desconsiderávei. A organizacão de um trabalho pedagógico que
tem como razão de estudo o ensinar/aprender História, em sendo
histórica, vai exigir uma história das relações poder-saber que
inquira o acidental, que pense o fortuito, que considere o
"desconsiderávei", por acreditar que é este mesmo 0 materiai de
que é feita a possibilidade de saber.
Esta investigação parte, portanto, do "disparate“.
Parte da negacão de que exista o lugar da verdade ao quai se
deva chegar. Parte da negativa de crer que exista a perfeição
pedagógica a quai se possa aicancar. Parte do descrédito na
ciência como o método de "descoberta" daquilo que seia
considerado como a verdade. Esta investigacão afirma a (e se
afirma na) validade de uma epistemologia anárquica - e se
fundamenta na gestão do próprio pensar. 3
Uma história das relações poder-saber na organização
do trabalho pedagógico... Uma pesquisa da origem dessas
relações feita de dentro do próprio trabalho, a partir de sua
própria organizacão... Mas não a investigação de uma origem
“para recolher neia a essência exata da coisa, (...) para
desvelar enfim uma identidade primeira"4 ou para apreende-ia
num pretenso "estado de perfeicao"5 inicial ou, ainda,

EFOUCAULT, Michel. Microfisica do poder. 8.ed. Rio de


Janeiro, Graal, 1589, p.17-18.
3Epistemoiogia anárquica, para mim, é uma epistemologia que
assegure a todo o saber construido o direito ao reconhecimento,
bem como a liberdade de ser produzido, independentemente do
"método" de sua construção. Ela questiona o poder desfrutado
pelas institulcões científicas, tidas hoje como únicas fontes
iegitlmadoras do saber sobre a realidade.
QFOUCAULT, Michel. Op. CIÍ., P.17.
516. ibid.. 9.18.
3

como "o lugar da verdade (...), nesta articulação


inevitavelmente perdida onde a verdade das coisas se liga a uma
verdade do discurso que logo a obscurece e a perde" 6. E sim
uma história contemporânea ao próprio trabalho, um trabalho que
se fundamenta em ser reflexão de si mesmo, mas sem fechar-se,
sem considerar esse sl mesmo como totalidade totaiizada,
enralzada em terra pouca ou em terra única. Uma história que
deixa para trás, por considerar desvlantes do pensamento, as
noções de essência primeira, de perfeição originária, de
verdade desvelável pelo discurso; uma história que se
reconhece como construção, como produção, como interpretação.
Uma outra historia, na pistas (e não nos moldes/modelos) do
desafiante - Foucault.

E.A construção de uma história; uma genealogia?

A análise da proveniência

iniciar pela proveniência, como Foucault, e também


diferentemente dele. Como na diferença em sermos "todos um" ou
"todos uns" 7. E isso, tanto em relação a Foucault quanto em
relação ã própria noção de proveniência. Porque perguntar pela
proveniência vai pôr em jogo e mexer, aqui, com algo que se
chama a subjetivação, não para estabelecer caracteristicas
gerais, mas para desentrannar dela (e com ela) todas as marcas
singulares que a constituem; não para produzir a identidade e a
coerência de um eu coletivo (o conjunto dos alunos
brasileiros ou, ainda, a categoria dos professores), mas para
garimpar nessa “síntese vazia“8 todos os acontecimentos que
precisam ser resgatados para que não se confunda este momento
com todos os momentos. estes sujeitos deste e neste
trabalho pedagógico com todos os sujeitos envolvidos em
qualquer ou em todos os trabalhos pedagógicos, anteriores e/ou
simultâneos.
'

iniciar pela proveniência significa não ceder à


tentação de involucrar os sujeitos numa categorização pela
semelhança, reduzindo~os a elementos componentes (sub-sujeitos)
de um sujeito maior e coletivo - a classe social. Significa,
ainda, não atender ao convite facil de fazer a leitura do
pedagógico e, consequentemente, o discurso que daí se enuncla,
a partir de uma simples justaposlção da leitura e do discurso
do econômico marxista. Significa, também, não encontrar nos

Sid. ibid., p.iB.


7LA B0éTiE, Etienne De. Discurso da servidão voluntária.
4.ed. (bilingue). SANTOS, Laymert Garcia dos (trad.). São
Paulo, Brasiliense, 1987, p.17. /
BFOUCAULT, Michel. Op. sit., p.ED.
4

suieitos envolvidos nesse trabalho pedagógico, em suas idéias e


em seus sentimentos um corpo único que secreta, por si mesmo,
continuidade, evolução ou destino pré-estabelecidos. Mas ver
neles (sujeitos) corpos individuailzados, sim, mas nos quais se
inscrevem dlferencas - marcas obscuras, talvez esquecidas,
quem sabe disfarcadas, de todos os acontecimentos de luta,
submissão e resistência que os formaram. E que, percebo, à
medida em que penso o vivido, têm sido acontecimentos
historicamente abertos, não determinados mas conflrmantes, as
vezes (e aí há uma diferenca tão sutil quanto instigante) de
uma estrutura social dando-se enquanto estratégia de poder
cotidianamente reafirmada.
A análise da proveniência, então, referida ao
pedagógico QUBP P6€flC0flÍF8F 3 mUlÍ|P|lC|d8d€, 8 VGFIGÇÊO, 8
,

d6SCOHÍ|flU|G&d€ 8 8 ü¡SPBF8ãO G05 GCOHÍGCÍMGHÍOS. POP ÍSSO, Bia


S6 ÍHSCTEVB HO ÍBPPBHO PEP |QOSO GO SãCUG|F 0 fipãfãfltemüflte
imÓV8l; U0 Sepfirãf O SUPOSÍGMBHÍB Ufllüü; G0 Valida? 0
HBÍGFOQBHGO.
A (...) análise da proveniência, está
portanto no ponto de articulação do corpo com
a história. Ela deve mostrar o corpo
inteiramente marcado de história e a história
arruinando o corpo.9
Uma história das reiacões poder-saber na organização
do trabalho pedagógico com o análise da proveniência é ao me smo
'
,

tempo, denúncia e contestação: contra a suieicão da experiência


e do pensamento que têm sido enquadrados quer queir m
1 uer a¡q
nao, quer saibam, quer não, em teoiias totaiizadoras e
universaiizantes e pela defesa do que, nos corpos e em suas
histórias, os diferencia e singuiariza, a cada momento e em
cada lugar, e que pode/deve ser pensado no contexto das
práticas em que se inscrevem.

À HÍSÍÓPÍG daã GMBFQÊHCISS

Nessa genealogia, continuar pela história das


emergências; “o ponto de surgimento, (...> o principio e a
lei singular de um aparecimento." 10 A análise da
proveniência fala das marcas das lutas, das derrotas e das
vitórias. Já a história das emergências envolve não as marcas,
mas as próprias lutas, a sua irrupcão, o local de onde,
inesperadamente, elas surgem, mas sempre numa desigualdade de
forcas e de lugares, isto é, nem os adversários estão em
igualdade de afrohtamento nem pertencem ao mesmo espaco.

910. Ibid., p.EE.


1Dld. Ibld., 9.23
5

A emergência é, portanto, entrada em cena


a
das forças, (...) (e,) em certo sentido a
peça representada nesse teatro sem lugar é
sempre a mesma; é aquela que repetem
indefinidamente os dominadores e os
dominados. ii
Referida à organização do trabalho pedagógico, a
história da emergência das relações poder-saber nos empurra
para os locais das lutas e para seus protagonistas e isso não
se clrcunscreve à relação professor~aluno (embora
necessariamente a inclua e dela parta), mas a todos os locais
onde o discurso sobre o pedagógico esteja sendo elaborado, onde
os mecanismos de dominação estejam sendo pensados e produzidos,
onde os embates estejam se desenvolvendo. Analisar a emergência
do dispositivo de poder-saber, que funciona como imperceptlvel
rede, exige nomear os protagonistas e suas ações, porque "em
cada momento da história a dominação se fixa em um ritual; eia
impõe obrigações e direitos; eia constitui cuidadosos
procedimentos." lã
A dominação marca os corpos e as coisas, como marca o
lugar dos corpos e das coisas. É pela análise da proveniência
que se identificam as marcas. É pela história da emergencia das
forças em luta que se explicam os porquês das marcas. Essa
história, essa genealogia das relações poder-saber na
organização do trabalho pedagógico arrancará do cotidiano e
explicará o surgimento do que nele é marca estabelecida,
lembrança gravada, dívida do perdedor jamais paga porque
inesgotável, isto é, as concretudes da dominação que se
convertem em regras e que têm, como razão de ser, prolongar
uma longinqua vingança para satisfazer uma vontade de submeter
que sequer possui, mais, memória.
E as regras transmutam-se em costumes, em
adestramento, em hábitos. e a dominação não se explicita, eia
parece não ter autor, eia parece não ter origem. Mas uma
genealogia das relações poder~saber na organização do trabalho
pedagógico não pode esquecer nunca que o costume é a simulação
de uma pretensa natureza humana; o adestramento é a
falsificação da educação; o hábito, a substituição destrutiva
da memória, sendo pre-condições de todos eles a repetição e a
assimilação.
A história da emergência das forcas em luta tenta
resgatar a real origem que se esconde sob a máscara da
finalidade, por apostar que os fins últimos `são o hoje de
históricas submissões, agora reinterpretadas.

11|d. Ibld., p.E4.


išid. Ibld., 9.25.
B

...não há principio mais importante para a


ciencia histórica do que este, que com tanto
esforço se conquistou, mas que deveria estar
realmente conquistado - o de que a causa da
gênese de uma coisa e a sua utilidade final,
a sua efetiva utilização e inserção em um
sistema de finalidades, diferem "toto coeio"
ttotalmentel; de que algo existente, que de
algum modo chegou a se realizar, é sempre
reinterpretado para novos fins, requisitado
de maneira nova, transformado e redirecionado
para uma nova utilidade, por um poder que ine
é superior; de que todo acontecimento do
mundo orgânico é um suniugar e assennorar-se,
e todo suhiugar e assenhorar-se é uma nova
interpretação, um ajuste, no quai o "sentido"
e a "finalidade" anteriores são
necessariamente ohscurecidos ou ooiiterados.
<...) Logo, o "desenvolvimento" de uma coisa,
um uso, um órgão, é tudo menos o seu
“progressus" em direção a uma meta, menos
ainda um "progressus" lógico e rápido, obtido
com um dispêndio mínimo de forças - mas sim a
sucessão de processos de subiugamento que
nela ocorrem, mais ou menos profundos, mais
ou menos interdependentes, Juntamente com as
resistências que a cada vez encontram.i3
Cane uma genealogia das relações poder-saber
construída de dentro mesmo da organização do trabalho
pedagógico enquanto este se realiza? Que sentido teria arrancar
do fazer pedagógico uma história fundada na analise da
proveniência e na história da emergência de diferentes
interpretações, isto é, o trazer a superfície desse fazer o que
nele são as marcas singulares da dominação e a origem histórica
dessas marcas? Nas táticas contra o poder, a que leva perguntar
por quem interpreta, por quem se apodera dos sistemas de
regras?
E FOUCaU|`É, G6 ÍIOVO, me FCSPOHCÍB:
É Justamente a regra que permite que seja
feita violência à violência <...). O grande
Jogo da história será de quem se apoderar das
regras, de quem tomar o lugar daqueles que as
utilizam, de quem se disfarçar para
pervertê-ias, utiilzá~ias ao inverso e
volta-ias contra aqueles que as tinham
imposto; de quem, se introduzindo no aparelho

l3NiETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. E.ed. São


Paulo, Brasiliense, 1988, p.8D~8E.
7

complexo, 0 fizer funcionar de tai modo que


os dominadoras encontrar-se-ão dominados por
suas próprias regras. As diferentes
emergências que se podem demarcar (...> são
efeitos de substituição, reposição e
deslocamento, conquistas dlsfarcadas,
lnversões sistemáticas. (...> se interpretar
é se apoderar (...) de um sistema de regras
que não tem em sl significação essencial, e
lne impor uma direção, dobra-lo a uma nova
vontade, faze-io entrar em um outro Jogo e
submete-lo a novas regras, então o devlr da
numanldade é uma série de interpretações. E a
genealogia deve ser a sua nistórlaz (...)
(historias várias), como emergências de
interpretações diferentes. Trata-se de
faze-ias aparecer como acontecimentos no
teatro dos procedlmentos.l4
uma genealogia das relações poder-saber construida a
partir do traoaino pedagógico, de sua organização... É possivel
uma nova interpretação que utilize proveniência e emergência,
não como categorias de análise, mas como um saber, já que "o
saber não é fel to p ar a compreender, ele é feito p ara
cortar"? 15
Um diF8iÍ0 S8 fazendo luta. uma luta se fazendo
ÍHÍCIIQÍDÍIÍÚGGG. Uma Ífltfliigibilidadñ S6 faZBnd0 arma. Um
PFOÃGÍO, Uma ÍflV8SÍi§3CãO, Umõ HÍSÍÓFÍG, ffil Sfiñtiüü?
F&Z'S8 O Sefltidü.

14FOUCAULT, MiCh€i. UD. Cit., 9.25-E5.


15id. ibid., P.EB
A surpresa é arma da minoria; modo de
intervir contra um inimigo superior, num
ponto seu que é fraco; modo de inverter,
pontuaimente, a reiacão de forces,
convertendo a inferioridade global em
superioridade iocai. Um discurso minoritária
não é o que tematiza, ou defende, as minorias
~ raciais, sexuais, reiigiosas; é o que se
recusa a giobaiizar, a totaiizar o
pensamento...iB

i6RiBEiR0, Renato Janine. Recordar Foucauitz os textos do


Colóquio Foucauit. São Pauio, Brasiiiense, 1985, p.33.
CAPÍTULO I

APRESENTAÇÃO DA QUESTÃO DA PESQUISA

i.Localizando a questão da pesquisa

Localizando o cenario da pesquisa

Todos os dias úteis da semana, em minha cidade (e em


todas as outras cidades deste estado e deste pais) milhões de
estudantes dirigem-se a um local chamado "escola" onde
permanecem, em média, por quatro horas. isso acontece pela
manhã, a tarde e à noite. Do mesmo modo, e nos mesmos dias,
muitos professores e funcionários fazem o mesmoz dirigem-se a
escola onde permanecem às vezes um, às vezes dois e as vezes
até três turnos. isso aconteceu ontem, isso esta acontecendo
hole, agora, e isso voltará a acontecer amanhã. isso acontece
sempre...
U QUE Vãü f&ZBF DESSE IOCOÍ Chamaüü 830013 ÍSHÍBS
DCSSOSS, ÍÊO GlfGTBflÍ€S ÍlDO3 OB DE3SOãS? U QUE MOÍIVB 633€
CHCOHÍPO G8 Íãfltüñ QUE 38 ÍG3nÍlfÍC8m COMO C8tUü8flÍ63, de
MUÍÍOS QUE SB |fiBflÍlflCãm COWO PFOf63SOFBS O U8 ãlgüflâ QUE 58
ÍG8flÍ|f|Cam COMO fUflC¡OfláFlO3? O QUS DU3C8m BÍBS HBSSB FB_UflÍäO
B HBSSO iügãf, O QUE DUSCGM HGSSO QUGSC OBFPEÍUSÇÊO PÍÍU8l OB
Um ÍF B F€ÍOFflaF, O que OUSCGM? O QUE |8Võm, O QUE tFOC3m, O
QUE d8§X8m, O QUE Ífõlem?
É preciso fazer parte deste espaco para poder dizer,
G6 GGHÍTO GCÍB, O QUO flB|8 3COflÍ8C€. OU, DGÍO m8fl03, ÍGP feltü
parte algum dia, embora sela possivel falar dele mesmo sem
nunca ter estado lá. Mas, para dizer, com a autoridade de quem
sabe, dos acontecimentos de dentro da escola é preciso estar
lá, é preciso viver lá uma parte diária da vida. Para dizer da
escola e dos acontecimentos da escola é preciso ser estudante,
10

professor, funcionario, simplesmente ou em múltiplas


combinações (professor - estudante, professor - funcionário,
estudante - funcionário). E para entender a escola, é preciso
ouvir a faia de quem está lá, de quem vive lá uma parte
(grande, pequena, como medir?) do seu tempo de existir.
É lá que eu tenno vivido grande parte do meu tempoz ia
o fiz como estudante, la o fiz como professora, e noie estou
la, como estudante-professora, tentando ouvir os outros e me
ouvir para trazer à superficie, interpretando-os, todos os
acontecimentos que se produzem na escola.
Na verdade, não falo de lá, porque o lá é aqui. Falo
daqui, porque estou dentro da escola, estou vivendo neia e nela
agindo, ensinando e aprendendo. isso é o que faco dentro da
escola e isso é o que todos os que nela estäo fazem também.
Ensinam e aprendem.
A escola é isso; a escola é um lugar marcado,
locallzável e ldentlflcávei nas cidades, em que pessoas se
reúnem para ensinar e aprender. Não que não haja outros lugares
em que se ensina e se aprende, mas é que a escola é o lugar
pensado, concretizado, estabelecido, lnstitucionalizado para
que aconteca o ensinar e o aprender. Ou melhor, um certo
ensinar e um certo aprender.
Decidi pensar no noiez pensar na escola hole, pensar
neste lugar que se destina a um certo ensinar e a um certo
aprender, neste lugar de re~unlão continua, em que as pessoas
buscam, levam, trocam, trazem, deixam algo - situados no tempo
de nele. E para comecar a pensar, busquei o que dizem da
escola, o que dizem do ensinar e do aprender da escola os
envolvidos neia, os nela interessados, embora eu saiba, pela
experiência, que esses interesses não são os mesmos: são as
vezes diferentes, são frequentemente conflitantes, são, em
CBPÍ08 Cfläüâ, 3flÍ8§ÔfliC08.

LOC8ilZafld0 OS COHSÍFUÍOFGS da p03QUiSã

C0flSiG€FB¡ C0m0 PGSSOGS 0808288 G6 UIZCT U8 €6C0ifi


aquöiãâ GÍP8Í8m9flÍ6 BHVOÍVÍGGS Cüm O DFDCBBSO QUE HB BSCOIS SB
F€â|iZ8: O3 BSÍUGGHÍBB E 03 PFOf6880F€S. à PSPÍÍF 088 BU&3
80665 8 088 SUG3 fãiaã (6, aigümfiâ VEZES, 085 Süõâ Pâããlvldõüüã
C 003 SEUS SÍÍÔHCÍOB) ÍBHÍBÍ COHSÍFUIF Um Saber 8 FBSPGÍÍO U8
BSCOÍ8. COHBÍGGFCÍ aqüi O GÍSCUPSO (falas 8 S¡ÍêflC|0S) Cümü
BXDFBSSÊO ÍBQÍÍÍM8 GB m0fi08 U3 PBHSGF ÓÚ5 QUE O €flUflCiam. E,
Pafa 3 lñÍ€flÇã0 08538 D8SqUi38, COÚSÍÓBFCÍ 6 DOS|ÍlViG8d8 GOB
GÍSCUFSOS IHUSDBHUBHÍG U8 COHGÍÇÊO CSCOIGF GB Qüñm 03 BflUflCiâ.
ÂSSÍm, 08 ÕÍSCUP808 GB PFOf8380F€S 8 G6 €5ÍUG&flÍES ÍiVBFõm E
têm, para mim, O mBSm0 V3|0F G8 GXDFBSSÊO G8 Um m0ü0 GE PBHSGF,
de ãflif, G8 Viver. COHSÍGBFGÍ, alflflfi, QUÊ O m€U tffibãlflü HBSÍS
11

pesquisa foi o de, buscando conhecer o que acontece dentro da


escola, através do relato e da analise dos discursos e das
ações de estudantes e professores, e também atraves da minha
atuação na escola, refletir a respeito deste cotidiano,
dando-lhe um sentido, fazendo-o inteiigivei, compreendendo-o e
tornando-o compreensível. 0 meu trabalho nesta pesquisa foi,
portanto, a produção de um saber (o novo feito, visto,
pensado e dito) que partiu de experiencias io ainda
não-saber, que pedia para ser visto, falado, pensado) e de
conhecimentos (o já feito, visto, dito e pensado), e que
utilizou o pensamento como ferramenta.
No registro dos discursos e das ações de professores e
estudantes tomei como materiais básicos escritos (textos,
livros, artigos, entrevistas, reiatos e outros materiais
impressos) e gravações de falas (realizadas nos momentos em
que aconteceu a ação pedagogica 17) posteriormente
transcritas.
Um exemplo de ação pedagógica? A descrição de uma;
Quando Foucault entra na arena, rapido,
dinâmico, como alguém que se Joga na água,
passa por cima de algumas pessoas para chegar
à sua cadeira, afasta os gravadores para
colocar seus papéis, tira o paletó, acende
uma lâmpada, e arranca, a cem por hora. voz
forte, eficaz, amplificada pelos
alto-falantes, única concessão ao modernismo
de uma saia fracamente iiuminada pelas
lâmpadas que se projetam de taças de estuque.
Há trezentos lugares e duinnentas pessoas
amontoadas, ocupando o menor espaço livre. um
gato não se arriscaria por aii. Cometi a
imprudência de chegar apenas quarenta minutos
antes do inicio da aula. Resultadoz me dói
tudo. Passar quase duas horas sentado no
peitorli de uma Janela é duro. E ainda por
cima é sufocante... Nenhum efeito de
oratória. Limpldo e terrivelmente eficaz. sem
a menor concessão à improvisação. Foucault
tem doze horas por ano para explicar em curso
público o sentido de sua pesquisa durante o
ano que acaba de terminar. Então é conciso ao
máximo e enche as margens como esses
correspondentes que ainda tem muito a dizer

17Para fins desta pesquisa, deflno como ação pedagógica o


encontro entre professor(es) e estudante(s) que se realiza
predominantemente dentro da escola, e mais raramente fora dela,
com a intenção de realizar o ensinar e o aprender um certo
objeto do conhecimento.
V
1 e

quando chegam ao fim da página. Uezenove e


quinze. Foucault pára. Os estudantes correm
para a sua mesa. Não para lhe falar, mas para
desligar os gravadores. Sem perguntas. Na
confusão Foucault está sozinho."
Ao Jornalista que o procura depois dessa
aula, Foucault confessa;
-"Preclsaria discutir o que propus. Às vezes,
quando a aula não foi boa, bastaria pouca
coisa, uma pergunta, para consertar tudo. Mas
essa pergunta nunca vem. Na Franca, o efeito
de grupo torna impossível qualquer discussão
autêntica. E como não na canal de retorno, o
curso se teatraiiza. Tenho uma relação de
ator ou de acrobata com essa gente que esta
ai. E quando termino de falar, uma sensação
de completa solidão ... "
Pois o College de France é uma instituição
muito pecuiiarz ao pe da letra os professores
não têm alunos. Têm ouvintes, aos quais não
conferem diploma, aos quais não examinam e
com os quais, por conseguinte, não tem
diálogo, não tem contato.(...) Assim exige a
tradição do College. 0 professor deve
apresentar na aula uma pesquisa, "a ciência
se fazendo", segundo a fórmula de Renan. Com
a obrigação de inovar todos os anos.
(U7/U4/i975)iB
Outro exemplo de ação pedagógica;
PFOf.À.:
- vamos fazer a chamada. (Depois no quadroz)
Bens econômicos. Conceito; "Bens e Servicos”
são todas as coisas capazes de atender as
necessidades do homem. (Repete o escrito no
quadro).
Alunas Be. e ML.z
(Discutem um trabalho sobre folha de
pagamento da disciplina OTC - organização e
técnicas comerciais.)
Pr0f.A.:
- vou terminar por convida-ias a sair para
fora de auiai Economicamente, os bens são
coisas concretas que fazem a riqueza e
servicos, são coisas abstratas que promovem
também o desenvolvimento. Às vezes o aluno
confunde bens econômicos com bens. É preciso
cuidar os conceitos, o que nós estamos

18ERIBON, Didier. MiCh8i FOUCGUIÍ: 19E6"1984. SãO PGUIO,


Cümpanhia GGS LGÍFGS, 1990, 9.206-207.
13

conceituando. Os bens são produzidos peia


indústria que é a grande produtora de bens. 0
comércio gera riquezas em termos de servicos.
Entenderam bem? Dizemos que bancos,
consultórios, escritórios são prestadores de
quê? De servicos. É meihor para o homem
produzir bens porque servicos se
descaracterizam. vejam por exempioz o pai de
família chega em casa cansado, mas pode
mostrar o monte de coisas que produziu. A
muiner é produtora de servicos; estende a
cama, iava prato, suja prato. O marido chega
mas não vê nada produzido. Servicos também
representam riqueza. Se chegarem na empresa
de transportes da cidade durante o fim da
tarde vamos encontrar os motoristas exaustos
da prestacao de servicos. Quem não entendeu
até aqui? E a ciassificacão dos bens
econômicos? Temos três ciassificacõesz quanto
ao destino, quanto à natureza ... (No
quadroz>
Quanto ao destino;
*consumo- servem para ser consumidos
imediatamente; e×s.z alimentos
*producão- finaiidade primeira de gerar novos
bens; exs.z insumos, máquinas
Aiüfla I.:
- Por que a soja näo é um bem de producao?
Prüf. À.:
- Depende do destino; se para alimento ou
grão como materia-prima. se você vai a uma
ioia, encontra feijão por Cr$E5,DD para
producão.
Aiuna i.z
- Pra mim não dá a soia para outra coisa
senão para producão.
Prof. A.:
- Näo, de Jeito nenhum. D saquinno de soia da
Sogenaida é para consumo. É a última vez que
chamo a atenção de vocês (referindo-se à G. e
D. que conversam. No quadro )
Quanto à natureza;
*materiais- casa, tiioio
*imateriais~ servicos
*econômicos- podem ser negociados;
economicamente viáveisz carro, bicicleta.
Quanto a raridade;
*não econômicos- existem na natureza e a
empresa ou Estado não podem se vaier deies
para cobrar; agua, iuz, pesca, caca.
- A água que pagamos são os servicos
prestados. Bateu. Tá pessoai, na próxima auia
14

fazemos o feed-back. Tcnau.


(Setembro/1886)18
Um outro exemplo, numa outra descrlcãoz
Haverá em todas as salas de aula lugares
determlnados para todos os escolares de todas
as classes, de maneira que todos os da mesma
classe sejam colocados num mesmo lugar e
sempre fixo. Os escolares das lições mais
adiantadas serão colocados nos bancos mais
próximos da parede e em seguida os outros
segundo a ordem das ilcdes avançando para o
melo da sala... Cada um dos alunos tera seu
lugar marcado e nennum o deixará nem trocará
sem a ordem e o consentimento do inspetor das
escolas. [Será preciso fazer com duel aqueles
culos pais são negllgentes e têm plolnos
fiquem separados dos que são limpos e não os
têm; que um escolar levlano e dlstraído sela
colocado entre dois bem comportados e
ajulzados, que o lioertlno ou fique sozlnno
ou entre dois pledosos. ED

Outras descrições e relatos:


A professora vai censurando quem não fez
tarefa falando alto para todos ouvir m š as ZDDQI

tla val ficar mais trlste com você...“


tla val ter de baixar o seu conceito. A tia
não val colocar o conceito A em quem não fez
a tarefa...". “Estão vendo como foi bom a
tia pegar de surpresa para ver os cadernos?"
(Um aluno exclamaz "Foi bom nada!").
(198B)B1
PFOf3.:
- Assim não dai Gil, da vontade de te cortar
o pescoco! Tu lá não fez a tua? Por que fazer
na folha dela?
Gil:
- Ela não sabe fazer.

19PEY, Maria Olv. A escola e o discurso pedagógico. Sao


Paulo, Cortez, 1888, p.76~78.
EDLA SALLE, J.-B.“Conduite des écoles cnrétlennes." Ap.z
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nasclmento da prisão.
6.ed. Petrópolis, vozes, 1888, p.135.
E1ANDRÉ, Marli E. D. A. “Estudo da pratica escolar na escola
de lo. grau." inz FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (org.).
Um desafio para a didática. São Paulo, Lovola, 1888,
p.18.
15

PPOf8.:
- Sabe sim! E muito bem! Eia não precisa de
ti.
ECW:
- Professora, a Pat não tá fazendo nada.
Profa.z
- Te preocupa contigo e deixa a Pat de mão.
Se eia nao quer fazer, o problema é dela. - Ó
Cid! Ele vai pensa com a cabeca dele.
Cid:
~ Eu vô dizê osnúmero pra ele.
Profa.z
- Não senhor! Eie_ vai conta e pensa com a
cabeca dele. (1985) EE
Tem festa Junina em Junho, então se da prenda
você ganha ponto na nota, ganha letra,
entende? Então a diretora falou assim; se
vocês quiserem ... vocês dão prenda de nove
matérias. (i98E)E3
Não, agente tem que caiar a boca; (...) a
gente faia qualquer coisa pra eia, eia fala
que vai abaixar a nota. (i9BE)E4
Eu achava que não ia entrar nesse esquema
nunca. Tentei lutar contra, só que não
consegui. Tentei lutar contra o esquema
`

porque eu achei que não dava ... Ai eu falei


que o colégio estava parecendo o quê? uma
ditadura. Aí eu fui pra diretoria. Ai eu
perguntei porquê. 0 senhor está acabando de
comprovar que e uma ditadura, se o senhor
está me levando só porque eu falei que é uma
ditadura. Na diretoria eu levei a maior
bronca. Eu não gostava dessas coisas, eu
chegava pro diretor e falava. Quando chego lá
eles falam; ... "é... está melhorando." Mas
eu não estou melhorando, eu disse que estava
entrando no esquema. (Depoimento de um dos
alunos entrevistados.) (i98E)E5
E3383 8X€m|9|0S, SOU 8 f0l"I'I13 U8 I"6|8`Ê0, ÚGSCFÍÇÊO OU
UBPOÍMBHÍÍO, ||USÍi"€im O QUE, P8I`ã mim, É SÇÊO P8dflQÓ§|C8. NBÍG
BSÍÊO S6m$3i`€ €i'iVOi\I|GOS '5U}€iÍ03 QUE Bflâiflam B apfefldêm, flüm

2aFREiTAS, Lia. A producao da ignorancia na escola. São


Paulo, Cortez, 1989, p.75.
E3GUiMARÃES, Aurea M. vigilância, punicão e depredacão
escolar. Campinas - SP, Papirus, 1985, p.98.
E4id. Ibid., p.1E9.
Eõid. Ibid., p.7i.
16

determinado lugar (a escola) um certo objeto de conhecimento.


Nos, este s suieitos e eu, fomos (e somos), então, os
construtore s desta pesquisa.

LO C8|iZâflG0 OS f0C08 da PGSQUÕSB

E SÍ 3 PBSqUi33 0PQGfliZOU“SB Em ÍOFHO GB ÍPÊS fOCDS:


&_U m focode atuaçãoz minha inserção no pedagógico,
C0 mo professora (das disciplinas Didática i, Didática
II, Didá tica Especial e Pratica de Ensino no Curso de
Hi stória f Licenciatura Plena, de uma fundação
Bd ucaclonal catarinense). Conslderei este foco de
at uação o ponto de partida da pesquisa enquanto
DOS sibllitou-me refletir a respeito das relações entre
POÚGF E 865€? Ha DFÚPPÍfi 0F§3fl|ZãÇã0 G0 ÍFGDGIHO U3 Um
C0 ietivo que me lnciuia, e o modo como esta
OFQ anização nelas (relações) interferia;
b"Um fOC0 de QU83tiOflêmBflt0 QUE 8flC8miflh0U_m€ Pafa 8
pro dução de uma historia que é, ao mesmo tempo, uma
âilá lise das relações poder-saber instituídas na
OFQ anização do trabalho pedagógico, história/analise
COD struida a partir da organização não-autoritária
d€S te trabalho (o que incluia o foco de atuação,
CO nsequente e coerentemente);
C”Um fOCO POIÍÍÍCO QUE PFOVÉM, 60 m€Sm0 ÍGMPO em QUE
S8 BXPPÍMB, U0 8 HO Ífabâihü PGÚGQÓQÍCO OFQGHIZGGO. O
f0 C0 D0iÍÍ|C0 GDGPCG E BXPÍÍCÔ Íõfltü O f0CO GB
QU Bãtiüflamôfltü QUGHÍO 0 fOC0 G6 âÍU&Çã0.

Tai s focos trouxeram para a pesquisa uma direção e uma


singularlda de que podem ser formuladas sob a forma de
proposições
a- por uma história que é, ao mesmo tempo, uma
an álise das relações poder-saber instituídas a
PHP tir do trabalho pedagógico e de sua organização,
Bflq uanto estes se realizam, entender um procedimento
GB resgate e prlvllegiamento dos acontecimentos
Sin gulares e dos saberes dominados. Nesse sentido,
CO nsiderar como acontecimento;

... uma relaçäo de forças que se lnver ÍB, Um


poder conflscado, um vocabulário retomado e
voltado contra seus utilizadores. uma
dominação que se enfraquece, se distende, se
envenena e uma outra que faz sua entrada,
mascarada. (isso porque) as forças que se
encontram em logo na história não obedec Em
17

nem a uma destinação, nem a uma mecânica, mas


ao acaso da luta. E6

... considerar como saberes dominados os saberes


e
locais das pessoas (no caso desta pesquisa, os saberes
de estudantes e professores que atuam em saia de
aula), Julgados sem cientiflcldade ou “incompetentes”
enquanto discursos do pedagógico;
b-por trabalho pedagógico entender uma açco que é,
ao mesmo tempo ensino, aprendizagem e pesquisa; que
envolve connecimento, experiência, investigaçco e
producco de saber e que utiliza o pensamento como
ferramenta e arma. Nesse sentido, a acco pedagogica,
lá definida como o encontro entre professor(es) e
estudante(s) que se reaiiza predominantemente dentro
da escola, e mais raramente fora dela, com a intençco
de realizar o ensinar e o aprender um certo objeto de
conhecimento, na medida em que dlcotomlza ensino e
pesquisa (nco realizando a última), na medida em que
dlcotomlza professor e estudante e, em consequência,
ensino e aprendizagem (um ~o professor- só ensina; o
outro ~o estudante- só aprende), na medida em que
dicotomiza teoria e prática (priorizando qualquer
delas, em detrimento da outra), na medida em que
centra-se no conhecimento e siiencia o saber (quer o
saber existente, quer o possível de ser construido) é
C0flSid6Ffiüã, HGSÍS PGSQUÍSÔ, tarefa;
c-por relações de poder-saber entender, no âmbito
desta pesquisa, as relações pedagógicas que sço, ao
mesmo tempo, origens e efeitos de relações de poder.
Nco circunscrever as relações pedagógicas à reiacço
professor-estudante, embora necessariamente a inclua
já que dela parte e a eia retorna, mas considerar
também o disposltivoE7 que nestas reiacões funciona
no Jogo das forcasz

...um conjunto decididamente heterogêneo que


engloba discursos, instituições, organizações
arquitetônicas, decisões regulamentares,
leis, medidas administrativas, enunciados
científicos, proposições filosóficas, morais,
filantrópicas. Em suma, o dito e o não
dit0.E8
'

EBFOUCAULT, MiChei.Micr0fÍsica do Poder. P.EB.


E7Dlspositivos sco "estratégias de relacões de força
sustentando tipos de saber e sendo sustentadas por eles." lnz
la. ibia., p.a4s.
EBIG. Ibid.. P.E44.
18
d-por tras desse trabalho pedagógico não julgar
existente uma teoria unitária e giobaiizante, ou uma
proposta de generalização. considerar este trabalho
como local, parcial, fragmentária e inacabado, mesmo
ao seu término, como são os afrontamentos cotidianos
entre os dominadoras e os dominados, entre os
autoritários e os rebeldes, entre os que desejam
transformar os sujeitos todos em "um" e os que
incessantemente combatem pelo direito de os suieitos
serem todos “uns“.

E.Delimitando a questão da pesquisa

Delimitando, no cenário, a área de abrangência da


pesquisa

Coloquei a escola como existe (se estrutura e


funciona), hole, como cenário desta pesquisa. Dentro desse
cenário, escoini uma área delimitada, na quai me lnseri como
pesquisadora/participante dela, enquanto professora das
disciplinas Didática i, Didática ii, Didática Especial e
Pratica de Ensino no Curso de História - Licenciatura Plena de
uma fundacão educacional catarinense, sendo que, para fins
desta pesquisa, considerei o trabalho pedagógico realizado com
a turma ingressante em 1988, no 6o., 7o. e Bo. semestres
letivos, o que somou E4D horas/aulas regulamentares.

U8|¡mit3flÓ0 OS COHSÍPUÊOFSS da PBSQUÍSG

Coloquei, para fins dessa pesquisa, como seus


construtores, os sujeitos que, dentro das áreas deiimltadas
para eia, estiveram envolvidos com o ensinar e o aprender e
foram, por isso mesmo, os que constituíram as relações
pedagógicas de poder-saber. Dentro desse âmbito, escoinl como
parceirosz
ã”OS BSÍUUGHÍGS da Íüfmã 88.1 G0 CUPSO GB HÍ8ÍÓF|fl "
LÍC€flCiãÍUFâ Plüflõ de Uma fUflGãÇä0 BüUCflCÍOfl8l
Catafiflõflâe 00m D5 qüaiã ÍFêb&|hBl HG C0flüÍÇã0 U8
PFOf6SSOF3;
b-os educadores e pensadores que, com suas obras e
suas atuações (escritas e/ou relatadas) auxiiiaram.
através da participacao na construcao dos fundamentos
teórico/práticos desta pesquisa, no alcance dos
objetivos que este trabalho se propôs.
19

Dôlimftõfldü OS ÍOCOS da PGSQUÍSG

O ODÍBÍD da PBSQUÍSG

Considerei como objeto da pesquisa a explicitação das


reiações poder-saber a partir da organização de um trabalho
pedagógico não-autoritário, referido à Didática, num curso de
formação de professores de História, trabaiho de que
participei, junto com outros sujeitos, ensinando, aprendendo e
pesquisando.

O Pfõbiemõ da DGSQUÍSG

Considerei como probiema da pesquisa investigar que


reiações de poder-saber um trabaiho pedagógico pode
instituir, no âmbito da saia de auia quando propõe, a partir de
sua própria organização, o rompimento do autoritarismo
pedagógico.

Os objetivos da pesquisa

O objetivo gerai da pesquisa

Considerei como objetivo geral da pesquisa a produção


de uma história e, ao mesmo tempo, uma anáiise das reiações
poder-saber instituídas na organização do trabaiho pedagógico,
história/anáiise construida de dentro do próprio trabalho, a
partir de sua própria organização, capaz de resgatar e
priviiegiar os acontecimentos singuiares vividos, bem como os
saberes tidos como "incompetentes" ou não-científicos.

O3 0b}6ÍiVOS 8Sp€CÍflCOS G8 PBSQUÍS8

COHSÍUGFBÍ C0m0 ODJGÍÍVOS 8SP6CÍfÍCO6 da PGSQUÍSG:


a-realizar um trabalho pedagógico coietivo
fundamentado em reiações não-autoritárias, únicas
capazes, no meu entendimento, de uitrapassar o estágio
,

de reprodução do conhecimento (tarefa escolar


existente hoje), chegando à produção de um saber novo
(trabaiho pedagógico possivei/desejável);
b-descrever e analisar como e quando os sujeitos
(educadores e educandos, na escoia) tornam-se e, em
EU
consequência, se percebem qualificados;
* enquanto sujeitos de experiência,
* enquanto sujeitos de saber,
* enquanto sujeitos de discurso;

c-investigar se o dispositivo de poder-saber que


funciona no âmbito do pedagógico propicia a autonomia,
reduzindo a beteronomia do coietivo; como funciona
esse dispositivo e due resultados produz na
organização do trabaino pedagógico.
Contra o pos¡t¡v|smo que pára perante
fenômenos e oizz "Há apenas fatos." eu o
“Ao contrário, fatos é o que não há há
apenas interpretações." E9

EQNIETZSCHE, Friedrich, ap. ALVES, Rubem. F¡IDSOfi8 da


ciência. 1U.ed. São Paulo, Brasiiiense, 1987. P. 127.
i

CAPITULO ii

O MODO DE REALIZAR O TRABALHO DA PESQUISA


(PESQUISAR/APRENDER/ENSiNAR)

Toda vez que tentei fazer um trabaiho teórico


foi apartir dos eiementos de minha propria
experiência; sempre em reiacäo com processos
que via se desenroiarem a minha volta. Porque
eu Juigava reconhecer fendas, ahaios surdos.
disfunções nas coisas que via. nas
instituições as quais estava iigado, em
minhas reiacões com os outros, foi que
empreendi tai trabaiho - um fragmento de
autDbi0grafia.3B

1.0 |U§l‹'3I" Cla BXP8i"iÊflCÍa COFHO O HJQGI” U0 'CFBDGIHO U8 DGSQUÍSGF,


apfâfldôf' E BI'i3li`i8i`

Tenho um jeito de ver o mundo, como tenho um Jeito de


pronuncia-io. Ver e pronunciar o mundo correspondem, em mim, a
uma capacidade/possibiiidade de estruturar, de coiocar em
"ordem" os dados ou os fatos "desorganizados", “desconexos“ que
me circundam, construindo para eles um sentido, tornando-os
inteiigiveis, significativos para mim e (ao comunicar-me com os
outros) para os outros. Esse jeito de ver e de pronunciar o
mundo é um Jeito muito parecido comigo. Mistura-se um pouco com
meus sonhos, com minhas experiências, com os meus sofrimentos.
Esse Jeito é feito tanto de um modo especifico de pensar quanto
de um modo especifico de sentir. Racionaiidade e deseio
fundem-se ai, de uma forma que eu não posso esconder, nem mesmo

BDFUUCAULT, MiCh8i, rap. ERiBON, Didief. Michel FOUCaUIt:


19E6*1984. P.43.
E3
em nome da necessidade de legitimação dos saberes construídos
ou a construir por mim. É um risco a correr, uma aposta não só
na minha capacidade de ver e dizer o mundo com outro sentido
(uma nova interpretação) como também uma aposta no proprio
jeito escolhido para descrever e enunciar o mundo.
Esse meu Jeito, eu o construi a partir da experiência.
viver me fez, e me fez de um modo especifico. E porque é a
experiência que me permite conhecer e saber (toda a vez que
penso o vivido re~oriento minha ação), é da experiência que
parto para investigar, aprender e ensinar.
Esse meu jeito não me permite, portanto, investigar
"de fora", isto é, buscar respostas na observação, descrição
e/ou interpretação da ação dos outros sem que eu esteja
mBFQU|hõdã Ífimbám 08833 8Çã0. POFQUB GU ãpfefldi QUÊ PEHSO
meihor enquanto ajo; porque eu aprendi que aprendo mais e
meihor com os outros, em ações que são nossas; porque eu
aprendi (e custou muitoi) que é preciso estar disponível para
pensar todos os acontecimentos, no que eles têm de ambiguos, de
incertos, de não conciusivos, deixando de lado (por não ser boa
orientadora) a pressa de fazer/pensar/agir "certo", e
valorizando positivamente o acontecendo e o acontecido,
sejam eies quais forem, sejam quais sejam seus resultados. isso
me foi ensinado sempre e quando estive participando de dentro
dos acontecimentos, e não no exterior deles, como espectadora.
É, portanto, uma experiência vivida que me informa o modo
meihor de investigar os problemas que me coloco - o que pode
gerar, e com razão, uma percepção de que essa pesquisa
tornar-se-á, ao fim e ao cabo, também (ou apenas ?) "... um
ffâgmefltü U8 8UÍOb|0QFäfl8. II

Coerentemente com esse meu modo de ser, minha inserção


no Mestrado em Educação da UFSC veio "marcado" - além de buscar
aprofundamento teórico na área em que atuo (educação que se
realiza na escola), eu questionava, fundamentalmente, três
aspectos da realidade pedagógica que, ã época do ingresso no
Curso, apareciam para mim como desvincuiados, talvez, uns dos
outros.
0 primeiro era; por quê, apesar de todo o discurso
critico referente as práticas pedagógicas das escolas, em todos
os niveis, e apesar de diretrizes fundamentadas num modo
dialético de pensar a realidade (o que incluía pensar através
das categorias fundamentais desse método), no cotidiano das
saias de aula a ação pedagógica permanecia intocada, isto é,
permanecia autoritária, exigindo memorização no lugar do
questionamento, exigindo submissão no lugar da autonomia,
exigindo uniformidade no lugar da criatividade, o que tornava
GGUCGGOFBS 8 BGUCGHGOS ÍflS8ÍÍSf€iÍ08 COM SEU Ífâbâlflü 8, além
disso, não fazia da
'

escola um espaço/tempo capaz de


possibilitar-lhes uma leitura e uma pronúncia do mundo mais
critica e transformadora do já-existente? E não consigo ver
E4
nessa mlnna angústia traços de ativismo, considerando que o
discurso critico da escola se faz desde 1970 (na vinte anos,
portanto).
Esse questionamento surgiu em mim exatamente porque
meu trabalho estava diretamente vinculado as realidades da saia
de aula, isto é, atuava como supervisora escolar e professora
de Sociologia em uma escola estadual de io. e Eo. Graus, e como
Professora de Didática eill dos cursos de Estudos Sociais
(licenciatura curta) e História (licenciatura plena) numa
fundação universitária catarinense. isso significava estar, ao
mesmo tempo, trabainando com futuros professores em cursos de
formação docente, em disciplinas denominadas pedagógicas (como
se as outras não o fossem, nesses cursos) e trabalhando com
professores (formados e não) na escoia pública de io. e Bo.
Graus. Na licenciatura sentia-me informando para formar; na
supervisão sentia-me questionando para re-formar. A diferenca
qualitativa entre esses dois tipos de encontros, eu percebia
definir-se no sentido da vontade de aprender o "como se ensina"
aliada a submissão própria do estudante (própria no sentido de
habitual), face ao professor, que os alunos evidenciavam, em
comparação a vontade de descobrir o “como se ensina melhor"
aliada a resistência própria do professor de questionar o seu
trabalho e seus fundamentos, face ao supervisor, que os
professores evidenclavam. Poslclonamentos distintos,
dependentes do lugar ocupado pelo suieito - ou o lugar de
ausência de saber (que é como os alunos se vêem) ou o lugar
de dono do saber (que e como os professores se vêem). como
interpreta-los? Como entender a submissão do aluno?
Os alunos dependem do professor, mas não só
como orientador da aprendizagem. Percebem
desde logo que a primeira coisa a aprender é
o que e o como o professor quer que "façam",
pois isso determina, em última instância, as
notas que receberão. Fazer o que o professor
espera que façam acaba se transformando em
uma questão de segurança e não de busca de
~autonomia inteiectuai.3i
POP OUÍPO iâdü, COMO 9I'iÍ€I'iC|Bi" QUE”, 0 3|Ui'i0 SUDITHSSO de
Ontem `COY'i'i6i"S8 O Pi"0f€S80f` FBSÍSÍBHÍB É i'flUdai'iÇã de YIOÍB? QUGI 6
QÊHGSB 06358 P3SSÍVÍüõiC|8 UE GUGS CGFGS?
Dos professores que colaboraram neste estudo
86,2% têm o Curso Superior completo. (...)
destes professores, 65,5% têm o Curso de
Licenciatura em História (...) e 13,8% têm o

3iMAZZiLLi, Sueli. "O estado da Pedagogia; repsnâêndü a


partir da pratica." Campinas - SP, Faculdade de Educação,
Universidade Estadual de Campinas, 1989, p.39. (mimeo.)
E5
curso de Licenciatura em Estudos Sociais.
(...> dos professores entrevistados, apenas
35,7% consideraram que a formação acadêmica
recebida no Ensino Superior foi eficiente
para orienta-los no exercício profissional.
(...) Quanto a (metodologia da História)
(...) 24,1% têm como referencial o
materialismo histórico. Este dado, porém,
torna-se incompreensível quando 8,4% destes
dizem que (...) não sabem utiliza-lo enquanto
metodologia. (...) a "falta de tempo" do
professor para estudar e, em decorrência,
para pensar, refletir; o oferecimento de
livros didáticos pré-selecionados e a
consequente resistência, marcante, para a
inovação e o aperfeiçoamento, encontrada
entre os professores que participaram desta
pesquisa demonstra, embora com certo
escamoteamento, o sutil incuicamento
ideológico que atua sobre os professores de
Historia de io. Grau. (...) a dificuldade
mais importante de todas é, com certeza, a
que mais claramente foi percebida nesta
pesquisa; a falta de estímulos e,
consequentemente, de vontade do professor em
mudar, em se aperfeiçoar, até porque ninguém
lhe oferece nada, ninguém lhe cobra nada.
(...) encontramos resistência de parte de um
número expressivo de professores. (...)
ficou-nos evidente que os mesmos esperavam do
PROJETO determinadas "receitas prontas" que
pudessem resolver os seus problemas e as suas
dificuldades em relação ao trabalho com a
disciplina História - ministração de aulas,
apenas-.BB
Esse "buraco negro" que eu percebia entre a formação e
a atuação do professor, entre um conhecimento critico due era
(quando era) trabalhado na licenciatura e uma ação conservadora
que se concretizava em sala de aula, dizia da incapacidade do
ensino de Bo. Grau em transformar conhecimento em saber,
abstração em teoria. Trabalhando com os conhecimentos de
Didática, eu não só enfrentava as dificuldades de ultrapassar a
critica ao existente e alcançar alternativas pedagógicas outras
para a sala de aula, como também, em relação ao próprio
conteúdo da Didática enquanto disciplina (e que até então era;
planejamento, avaliação, métodos e tecnicas de ensino, todos

3EBALDiN, Neima et alii. "Relação Universidade/Comunidade;


uma proposta de melhoria qualitativa ao ensino de História
na escola pública de iu. Grau ~ relatório de pesquisa."
Florianópolis, UFSC, 1989, p. 16-47. (mimeo.)
E6

eles fundamentados numa visão tecnicista de educafiÊo)03urÉ


sabia de caráter conservador, mas não sab a Q
Conteúdo propor em seu lugar. 0 “buraco negro era. então. n ä o
algo fora de mim, mas algo que me envolvia e a meu trabalho.
Era, efetivamente, o meu espaco de atuação.
Portanto, a minha inserção no Mestrado em Educacão
veio marcada pela minha experiência e pela fl6C6S5¡0a09 de
pensar essa experiência. e, partindo dela, buscar um modo de
tornar meu trabalho pedagógico coerente. Nesse sentido, as
propostas que encontrava pareciam, todas, lnsatisfatóriasz
(...) é preciso pressionar para que os cursos
de Pedagogia e as Licenciaturas seiam
reorganlzadas, repensadas. Esses cursos devem
assumir maiores responsabilidades com relação
a escola de lo. e Eo. Graus. A Universidade
deve estar preparada para priorizar a
formação de educadores com sólida formação
teórica e instrumentação pedagógica para dar
conta da realidade da escola pública
brasileira. (...) É preciso, além disso, que
o pedagogo tenna consciencia de que esta
formando um professor que, possivelmente,
estará formando alunos, em sua maioria,
provenientes das classes trabalhadoras.
Frente a essa clientela desprlvlleglada
econômica e culturalmente os modelos teóricos
não podem ser transplantados mecanicamente. É
preciso revê-los criticamente e readapta-los,
se for o caso, as necessidades dessa
clientela. No fundo, o que deve ser buscado é
uma "pedagogia da miséria" (sici) em
substitulcão a miséria pedagogica que vem
dando conta da educacao brasllelra.33
Certamente, não era uma "pedagogia da miséria" a que
eu deseiava. Era uma nova forma de realizar a educação.
D segundo aspecto da realidade pedagógica que era
questionado por mim (e que talvez sela a minha "marca" mais
funda) refere-se ao autoritarismo. Ao longo de toda a mlnna
experiencia dentro da escola, quer como educanda, duer como
educadora busquei, por lulgáflo intolerável, as razões de ser
do autoritarismo pedagógico (e, em outros espacos, as razões de
ser das diversas formas autorltárlas de relacionamento entre
pessoas e/ou grupos) e os modos de com ele romper. Classificar
as pessoas pela classe social não explicava 0 mando-submissão;

BBCENÀFOR. Â f0I"l'fl6lÇã0 de PI"O'fB8S0l"8S. |i'l: BÍTHCSÍFB " f`€VÍS`Ca


dO E0. Grau, Brasilia, MEC/iNEP°CENÂFOH, 1(i):E5°E7,
Out. 1986.
E7
03 DFOÍGSSOFGS ÔUÍOFÍÍÉFIDS 085 BSCOIGS DÚDIÍCGS PBFÍGHCBM
tanto à classe trabalhadora quanto seus alunos. A raiz do
autoritarismo não estava dada definitivamente, então, pela
classe social de origem (pela “classe em si“). A passagem para
niveis de consciência aparentemente mais críticos também não
rompla com a prática autoritária na escola e na sala de aula;
os movimentos reivlndicatórios do magistério, grevistas e não,
que incluiam em suas propostas "maior autonomia para a escola e
para os professores, democratização da gestão da escola", bem
como a filiação dos professores a sindicatos e partidos
politicos progressistas ou radicais de "esquerda", entendida
como forma de luta contra a ditadura que existiu (e ainda
existe) na sociedade brasileira, manteve lntocado o
relacionamento autoritário entre professores e alunos, entre
especialistas e professores, entre diretores de escola e
professores, especialistas, alunos. A raiz do autoritarismo não
estava dada, também, pela consciência de classe ("classe para
si”).
Era preciso buscar em outras instâncias a génese
autoritária. E era preciso explicitar, também, a destrutividade
pedagógica que o autoritarismo realiza, para que o "ser ou não
ser" autoritário não se diiuisse numa perspectiva de opção
pessoal, indiferente porque inócua, em relação ao processo e ao
produto do ensinar/aprender.
Estar no Mestrado em Educação era estar presente,
portanto, com as "marcas" do corpo, inesquecíveis,
caracterizadoras do eu que sou. E por isso a nova educação
buscada por mim como saber devia também trazer as marcas
politicas e pedagógicas do não-autoritarismo.
O terceiro questionamento que eu (me) fazia era em
relação ao próprio Mestrado como espaço/tempo de produção de
saber. Sendo fiel ”devoradora“ de livros e revistas da área da
educação (da sociologia e da politica também), fascinava-me
ler, nas notas de rodapé de artigos (de revista) e capitulos
(de livros), referências ou aos títulos dos autores daquilo que
lia ou aos trabalhos (dissertações e teses) acadêmicos que
fundamentavam o escrito. Mas esse fascínio tinha muito mais
componentes de perplexidade que de admiração. Eu me perguntava;
como pode existir essa proliferação discursiva sobre o
pedagógico, proliferação sofisticada onde abundam citações de
Marx, Gramsci, onde a realidade do ensinar/aprender passa
inúmeras vezes pela “peneira” da dialética, que é tecida com as
categorias da contradição, da totalidade, da mediação, das
"múltiplas determinações” (já que eia - a dialética - é
considerada como o único modo de pensar capaz de levar o
educador até a essencia dos fenômenos educativos, para além de
sua aparência, da sua pseudo-concreticidade) e, apesar disso
(OU DOF CSUSG GÍS30?) 0 Cütifliäflü UBS 38183 GB 3Ui3 Íêm
permanecido o mesmo, impermeavei a essa discursividade
teórico-critica? Qual a materialidade que se interpõe entre os
EB
que faiam sobre o pedagógico e os que efetivamente fazem o
pedagógico?
Nesse sentido, a inserção no Mestrado em Educacão era
um dupio desafioz por um iado, o de tentar desvendar a origem e
as razõoes de ser dessa discursividade quantitativamente
profusa e qualitativamente especular (como se se estivesse num
Jogo de espeinos em que cada escrito fosse o reflexo e o
reforco do outro, dizendo sempre o mesmo) que ganhava em
consumo (e iucro) o que perdia em forca de transformar; e, por
outro iado, o de tentar produzir e comunicar um saber em que os
que fazem o pedagógico neie se re-connecessem por re~connecerem
neie o reiato de uma experiencia vivida por educador e
educandos comuns no mais comum (e mais dificil/necessário de
ser pensado) espaco/tempo pedagógico; a saia de aula.

Por tudo isso é que, para mim, o lugar da experiência


foi e o lugar do trabaino pedagógico de pesquisar, aprender e
e
ensinar. Dele parti e e a ele que retorno, no meu pensar,
porque deie nunca sai, no meu agir/fazer. E esse meu iugar da
experiência chama-se, obviamente, saia de auia.

2.13 i'8õ||Z8Çã0 (10 Íi`€ib8|h0 da PGSCIUISG

Este trabaino utilizou um itinerário de


pesquisa/ensino/aprendizagem que foi se construindo a medida em
que nós, coletivo formado por aiunos e professora, íamos
questionando os acontecimentos de saia de auia.
No entanto, aiguns obstacuios teórico-metodológicos ao
iongo da pesquisa foram se colocando, e isso desde o inicio.

como ia afirmei no capituio anterior, considerei como


pessoas capazes de dizer da escoia aquelas diretamente
envoividas com o processo que neia se reaiizaz os estudantes e
os professores e sempre a partir das suas ações e das suas
faias (e, algumas vezes, das suas passividades e dos seus
siiêncios). Para tanto, considerei o discurso (feias e
siiencios) como expressão iegitima de modos de ser dos que o
enunciam e considerei a positividade dos discursos independente
da condição, na nierarquia escoiar, de quem os enunciaz os
discursos de professores e de estudantes tiveram e tem,
portanto, o mesmo vaior de expressão de um modo de pensar, de
agir, de viver.
Considerei, ainda, que o meu trabaino nesta pesquisa
seria o de, buscando conhecer o que acontece dentro da escoia,
através do reiato e da analise dos discursos e das ações de
estudantes e professores, e também atraves da minha atuação,
refietir a respeito deste cotidiano, dando-ihe um sentido,
fazendo-o inteiigivei, compreendendo-o e tornando-o
B9
compreensivel.
NO FBQÍSÍTÚ (103 CHSCUFSOS B (183 âÇÕ8S de PI`0'f8SSOI“€S B
ESÍUÓGYIÍGS f0f`8m m3Í8I“iaiS IOÔSÍCOS OS GSCPÍÍOS ÍÍGXÍOS,
HVFOS, 8i"IÍÍQOB, 8i'lÍi`€V¡S1I'ãS, FBÍGSÍOS 8 OUÍPOS m8i'CBl"fãi8
ÍMDPBSSOS) B 36 QFSVBÇÕGS G3 f8l83 (füãlilõüfiã DOS ITIOMBHÍOS
Bm QUE €=iCOflt€CBU S GÇÊÍO PBCÍ€iQÚQÍCã) IJOS'C8I"Í0l`mBI'iÍ8 Íi`3I'lSCf'Ít83.

No decorrer do trabaino, à medida que os


acontecimentos iamse sucedendo em saia de aula e/ou fora dela
com o grupo, foi me apercebendo da impossibilidade de
estabelecer distincão ou distanciamento entre pesquisadora e
objeto de pesquisa - no caso, a explicitação das reiacões
poder-saber a partir da organizacão de um trabalho pedagógico
não-autoritário referido à Didática, num curso de formacão de
professores de História - como o único modo de não comprometer
a coerência 'indispensável entre a metodologia do trabalno e a
anaiitica das relacões poder-saber que o orientou.
Sabia-me participante dos acontecimentos e, por essa
razão, o afastamento metodológico pesquisadora-objeto não
ocorreu. E também não me pareceu necessário, em nenhum momento,
que eu mantivesse, em relacao as experiências grupals que se
iam sucedendo, acumulando_ e modificando, uma suposta/falsa
objetividade decorrente da visão de observadora capaz de não
misturar o que é "propriamente seu" do que é "próprio do grupo
e/ou do obieto investigado". Éramos um grupo, e eu, parte desse
grupo, estava interessada em compreender, analisar, relatar e
registrar o que nos acontecia.
Compreensão, análise, relato e registro dos
acontecimentos vividos passaram a ser, então, aspectos
problemáticos da pesquisa. Foi dificil, de início, estabelecer
a diferenciação entre;

a-uma atitude/comportamento que eu procurava evitar;


“dar a palavra" ao grupo e, depois, selecionando as
falas em função de pré-conceitos, arbitrando o que é
"adequado ou não" ao discurso acadêmico, transpondo a
linguagem dos sujeitos envolvidos para expressões
"convenientes", pré-organizar uma “compreensão”
referida a um modelo e dai partir para a análise e o
relato do acontecido;
b-uma atitude/comportamento que eu buscava aicancarz
registrar o exercicio total das falas e dos silêncios
do grupo e, através dele, das suas acões sem
realizar reducões ou recuperacões, isto é, sem
enquadra-los num a priori de modo a fazer o grupo
falar/fazer exatamente aquilo que a pesquisadora
queria ouvir/ver e sem etiqueta-los, rotuiá-los,
ciassificá-los em relação a categorias tais como
"niveis de consciência", “alienação versus
BB
crlticidade" ou, ainda, "percepção ingênua - percepção
elaborada", procedimentos todos identlflcatúrios,
porque remetem invariavelmente a um modelo, a uma
norma, a um padrão.

À ülfÍCU|ü3G8, 305 POUCOS 5UP€F3ü3, GXPFBSSGVG mlflha


preocupação com um autoritarismo que muitas vezes se iustlfica
sob a máscara de "comportamento científico“z o uso, na
pesquisa, de procedimentos de análise propiciados pelas
tecnicas disciplinares de exame e vigilância, observação e
registro, controle e caracterização de individuos e/ou grupos.
Tais procedimentos encaminham o pesquisador, quer ele saiba ou
não, a.
3“83Í3b8i8C6F dÍfBFBnÇaS CHÍFB OS ÍHGÍVÍÓUOS: âflütafldü
03 GBSBMPBHHOS, GBÍBCÍBHGO G FBQISÍFGHGO fiã GÍÍÍUGBS,
SPFGCÍGHGO OS CGFGCÍBPBS, COHSÍPUÍHGO Ci8SSÍfÍCaÇÕ€S;
b-realizar experiências com os individuos; modificando
o comportamento, experimentando "soluções" (aplicacao
de prêmios e sanções, utilização de novas técnicas de
trabalho e/ou idéias pedagógicas), verificando os
efeitos dessas “soiuçñes";
C“ãfl3iiS8F 35 ÍFfiflSfOFm3ÇÕBS QUE SB Püüfim ODÍBF
HBÍBS.
Poroutro lado, mas também em referência as armadilhas
de um poderexaminatório capaz de prender em suas redes os
próprios questionadores das relações poder-saber, era preciso
ÍUQÍF da confissão, isto é, dez
... um ritual de discurso onde o suieito que
fala coincide com o suielto do enunciado;
(...) que se desenrola numa relação de poder,
pois não se confessa sem a presença ao menos
virtual de um parceiro, que não é
simplesmente o interlocutor, mas a instância
que requer a confissão, impõe-na, avalia-a e
intervém para julgar, punir, perdoar,
consolar, reconclilar; um ritual onde a
verdade é autenticada pelos obstáculos e as
resistências que teve de suprimir para poder
manifestar-se: enfim, um ritual onde a
enunciação em si, independentemente de suas
consequências externas, produz em quem a
articula modificações intrínsecas:
lnocentato, resgata-o, purlfica-o, livra--o
de suas faltas, libera-o, promete-lhe a
salvação. (...) Pela estrutura de poder que
lhe é imanente, o discurso da confissão (vem)
(...) de baixo, como uma palavra requisitada,
obrigada, rompendo, através de alguma pressão
31

misteriosa, os lacres da reminiscëncia ou do


esquecimento.84
E ¡SSC! UG 6013 WIOGOS:

a-não fazendo da historia/análise construída o


resultado final de uma "confissão" imposta ao grupo de
alunos, tomados estes como objeto;
b-não fazendo da história/análise construida uma
"confissão" da pesquisadora ante uma banca
"examlnatórla" que opera dentro de um ritual acadêmico
de producão/extorsão de verdade, procedimento que se
inscreve como regular e regulamentar num curso de
mestrado em educação.
Era preciso, portanto, inverter os papéis e as regras;
impedir que o grupo se tornasse obleto, sela pelos
procedimentos de investigação, seia pelo processo de confissão
na producão da verdade e, ao mesmo tempo, fazer a escola
confessar o seu autoritarismo na obletificacão de suas
práticas, tendo em vista que a verdade da confissão é
garantida;
...pelo vinculo, pela mútua impiicacão,
essencial ao discurso, entre aquele que fala
e aquilo de que fala. Em compensacão, a
instância de dominacão não se encontra do
lado do que faia (pois é ele o pressionado)
mas do lado de quem escuta e cala; não do
lado do que sabe e responde, mas do que
interroga e supostamente ignora. E,
finalmente, esse discurso de verdade adquire
efeito, não em_ quem recebe, mas sim naquele
de quem é extorquldo.35

E se à confissão corresponde um iocai de dominação, ã


autobiografia corresponde um foco de resistência.
O que seria confissão e autobiografia na historia
construída como interpretação?
Esta nistória escrita não buscou, como algumas,
predizer o futuro; não na uma finalidade única para a qual tudo
deva tender, como não na uma verdade única ou uma trajetória
"certa" a ser tracada no sentido de encontrar. conquistar ou
concretizar, por exemplo, uma sociedade perfeita: a sociedade
dos sonhos, a sociedade utóplca.

34FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de


Saber. 1D.ed. Rio de Janeiro, Graal, 1990, p.B1.
35ld. Ibld., D. B1°BB.
BE
Esta história escrita não pretendeu, como outras,
justificar o passado; não existe uma ordem objetivo-racional
subjacente a tudo o que acontece. O presente não é um filho
legítimo de situações anteriores que nos empurram para o
progresso, o aperfeiçoamento ou a transformação; o presente não
é também a exigência global e sem saída de um contexto
histórico determinado, determinante, por sua vez, do que somos.
Esta história desejou escrever sobre o passado para
criticar o presente. As situações do hoje são mais arbitrarias
e contingentes do que ousamos pensar. Tudo o que fazemos,
nossos procedimentos nabituais e correntes, talvez não nos
apercebamos, deitam suas raizes em lutas passadas. Por isso,
escrever a história desse presente e questionar o que nos
constitui, a nos e aos objetos de nosso saber (principalmente
aqueles que nos informam quem somos, formando-nos como somos),
de modo a dissolver a confiança instituida que aiimentamos em
relação a realidade das coisas, das experiências e das
objetlvações e subjetivações que sofremos.
Por isso, esta história/análise das relações de
poder-saber, instituídas quando da organização e
desenvolvimento de um trabaino pedagógico que se pretendeu
não-autoritário, estrategicamente suscitou que a escola se
confessassez que pusesse a sua interioridade em discurso, que
se sentisse obrigada a voltar-se para dentro de si mesma a fim
de produzir a verdade; que se sujeitasse a lnterrogatórios e a
exames; que se embaraçasse mas que, mesmo assim, colocasse a
descoberto seus mais íntimos segredos; que não temesse contar
os seus pequenos e feios procedimentos cotidianos; que
trouxesse a visibilidade de nosso olhar a sua obssessão em
combater o desvio, a desobediência, a diferença
considerada inútil, obssessão fundada no medo de que uma
multiplicidade rebelde e perigosa possa estar espreitando em
seu intimo para minar sua constituição.
Quanto à nós, coube~nos escrever, a medida que
arrancavamos a confissão da escoia, uma autobiografia; a
analise do que, em nosso presente, nos processos que se
desenrolam a nossa volta, buscam fixar nossa identidade pela
sujeição; a análise da tecnologia politica da individualização
e do dlscipiinamento que, a cada instante, realizam nossa
objetivação. Em suma, análises-resistências, analises úteis
para lutas específicas e para a invenção de novos jeitos de
ser.

3.A produção de uma história/análise da experiência

Foi o objetivo maior desta investigação a produção de


uma história e, ao mesmo tempo, uma análise das relações
poder-saber que podem ser instituídas num trabalho pedagógico
'ss

organizado de modo não-autoritário, história/anáIise`1Hlääfuida


de dentro mesmo deste trabalho, enquanto eie se reaiiz va, e
CIUG DU6COU f`B8Q8tõif` 9 Pl"ÍVÍ|6QÍ8f' OS GCOHÍSCIMGHÍOS SÍHQUIGVBS
vividos, bem como os saberes tidos como "incompetentes" ou
não-científicos.
Como história/anáiise da experiência de um coletivo,
esta produção é (e desde o início não desejou ser mais do que)
Um ffãgmefltü de aütübiügfãfía .
...o motivo que me impulsionou (...) foi
muito simples. Para alguns, espero, esse
motivo poderá ser suficiente por ele mesmo. É
a curiosidade ~ em todo caso, a única espécie
de curiosidade que vale a pena ser praticada
com um pouco de obstinacãoz não aquela que
procura assimilar o que convém conhecer, mas
a que permite separar-se de si mesmo. De que
valeria a obstlnacão do saber se ele
assegurasse apenas a aquisicao dos
conhecimentos e não, de certa maneira, e
tanto quanto possivel, o descaminno daquele
que conhece? Existe momentos na vida onde a
questão de saber se se pode pensar
diferentemente do que se pensa e perceber
diferentemente do que se vê, é indispensável
para continuar a olhar ou a refletir. Talvez
me digam que esses jogos consigo mesmo tem
que permanecer nos bastidores; e que no
máximo eles fazem parte desses trabalhos de
preparação que desaparecem por si sós a
partir do momento em que produzem seus
efeitos. Mas o que é filosofar hoje em dia ~
quero dizer, a atividade filosófica - senão o
trabalho critico do pensamento sobre o
próprio pensamento? Se não consistir em
tentar saber de que maneira e até onde seria
possivel pensar diferentemente em vez de
legitimar o que ia se sabe? Existe sempre
algo de lrrisório no discurso fiiosofico
quando ele quer, do exterior, fazer a lei
para os outros, dizer-lhes onde está a sua
verdade e de que maneira encontra~iaU ou
quando pretende demonstrar-se por
positividade ingênua; mas é seu direito
explorar o que pode ser mudado, no seu
próprio pensamento, através do exercicio de
um saber que lhe é estranho. 36

35|C|. H|S'CÓl"|8 G8 SCXUBHGÕGC E: O USO 003 PI"8Z8|"68. 5.80.


Rio de Janelrü, Graal, 1990, 0.13.
CAPÍTULO ill

PODER E SABER

'Ê.UiTIa COHCBIÍ-iÇã0 G8 P009?

O que se deve entender por poder? As pistas são de


Foucauitz _

... multiplicidade de correlações de forças


a
imanentes ao dominio onde se exercem e
constitutivas de sua organização; o iogo que,
através de_ lutas e afrontamentos incessantes
as transforma, reforça, inverte; os apoios
que tais correlações de força encontram umas
nas outras, formando cadeias ou sistemas, ou,
ao contrário, as defasagens e contradições
que as isoiam entre sl; enfim, as estratégias
em que se originam e cuio esboço geral ou
cristallzação institucional toma corpo nos
aparelhos estatais, na formulação da lei, nas
negemonias sociais. A condição de
possibilidade do poder, em todo caso, o ponto
de vista que permite tornar seu exercício
lnteliglvei até em seus efeitos mais
periféricos e, também, enseja empregar seus
mecanismos como chave de inteligibilidade do
campo social, não deve ser procurada na
existência primeira de um ponto central, num
foco único de soberania de onde partiriam
formas derivadas e descendentes; é o suporte
móvel das correlações de força que, devido a
sua desigualdade, induzem continuamente
estados de poder, mas sempre localizados e
instáveis. onipresença do poder, não porque
tenha o privilégio de agrupar tudo sob sua
36

invencível unidade, mas porque se produz a


cada instante, (...) em toda relacao entre um
ponto e outro. 0 poder está em toda parte;
(...) porque provém de todos os lugares.
(...) o poder não e uma instituição e nem uma
estrutura, não é uma certa potência de que
alguns sejam dotadosz e o nome dado a uma
situacão estratégica complexa numa sociedade
determinada.37
Assim, para o estudo e a compreensão das relações
poder-saber que se exercem no âmbito da saia de aula e da
escola, a análise dos mecanismos de poder parte de proposicões
especificas. Por um lado, estas proposicões definem son que
aspectos e a partir de que ângulos o poder não é considerado
e, por outro, elas colocam o entendimento que tenho do poderz

a-o poder aqui não é considerado como um direito ou


propriedade, fruto de conquista ou apropriacão e que
se cede ou se perde a partir de um dado momento, já
que "o poder não é algo que se adquira, arrenate ou
compartilhe, algo que se guarde ou deixe escapar"38.
Não e, portanto, algo que o aluno, por exemplo, possua
até sua entrada na escola (e na saia de aula) e que é
dele tomado pelo professor ou pela instituição, o que
caracterizaria o mau uso, o abuso do poder
contraposto a um nom uso do poder, aparecendo este
como um ideal a ser alcançado. Tai concepcão remeteria
o pensamento à crítica do autoritarismo referida à
maior ou menor quantidade de autoridade, sem
questionar a concepção e a existência dessa autoridade
em si mesma e o discurso de verdade que a sustenta
como necessidade;
n-nas relações de poder, o elemento primeiro e último
dessas reiacñes são os individuos, lá que os sujeitos
que se opõem são ...
... todo mundo a todo mundo. Não né, dados de
forma imediata, suieitos que seriam o
proletariado e a burguesia. Quem luta contra
quem? Nós lutamos todos contra todos. Existe
sempre algo em nos que luta contra outra
coisa em nós.3B
c-nesse sentido, as lutas contra o poder
(resistências) e as lutas do poder são constitutlvas

37id. História da sexualidade iz a vontade de saber.


P.B8*89.
Baid. inid., p.89.,
39id. Microfislca do poder. P.E57.
37
Umflã 083 outras e cada uma delas se desenvolve, de
modo disperso, descontinuo, em torno de um foco
particular do poder (não mais a luta contra o Estado,
mas contra o chefe do dia), que não se identifica
GIPGÍG 8 m8C8fllC8mBflÍ9 Cüm Uma Ci3SSB SOCÍGI. NO
âmbito desse trabalho, as lutas do/contra o poder não
se vinculam, portanto, a idéia marxista de luta entre
classes por iulga-ia insuficiente para dar conta das
especificidades e dos mecanismos que funcionam nas
relações poder~saper. A história tradicional das
C|âSS€8 B Gfiâ Süââ ÍUÍBS HOMOQBÍHÍZG E CFÍ3Íã|i2fi 0
POGGF E constrói o discurso da luta por um
privilégio ou uma apropriação; a analise do poder
como relação insere tais lutas num outro quadro que,
sem nega-ias, desenha outras paisagens, outros
personagens, outros procedimentos e destaca o poder
pela singularidade, sltuando-o nos inúmeros pontos
específicos e instáveis por onde passa;
d-não há um lugar privilegiado do POGBF, Um fDCO
central que se irradia até a periferia do corpo
social; o poder de Estado, localizado em seus
aparelhos, em relação aos quais os poderes privados
seriam aparente dispersão. Não na um poder totallzado
e unitário a que se deva destruir em busca de
libertação. Há, isto sim, relações' dlsseminadas de
poder em todos os lugares, a cada instante, entre
todos os sujeitos, o que implica que as lutas contra o
seu exercicio, quando as ha, não podem ser feitas de
fora das próprias relações que o constituem. Se o
Estado 6 seus aparelhos aparecem como detentores do
poder, é muito mais por um efeito de conjunto visível
produzido por uma multiplicidade de engrenagens e de
focos de poder quase imperceptíveis que se situam em
outros níveis e que constroem, por sua conta, uma
mlcrofislca do poder. Tanto os sistemas privados (a
chamada sociedade civil e suas instituições), quanto
as peças explícitas que compõem o aparelho de Estado
tem ao mesmo tempo origens, procedimentos e exercicios
FBÍGÍÍVOS 30 P008? QUG O ESÍGGO GDFOVG, C0flÍFO|a OU
PFBSSFVE, POFBM flãü OS ÍHSÍÍÍUÍ;
e-em consequência, o poder aqui também não é
considerado violência legalizada, utilizada por um
Estado represslvo que, através de leis e de normas e
em defesa de grupos ou classes determina, do ponto
central que ocupa, o funcionamento de seus aparelhos
POP ÍOUG a sociedade para realizar a dominação dos
iflGlVIGUOS através do impedimento de suas ações, da
proibição de suas falas e da inculcaçäo ideológica no
seu pensar. Nesse sentido, a análise das relações
poder-saber no âmbito do pedagógico não interpreta a
escola como simples aparelho de Estado que funciona
38
utilizando primordialmente a ideologia e,
secundariamente, a repressão. isso porque não existe,
em relação ao poder, a sua subordinação a um modo de
produção que seria, para ele, a infra~estrutura (a
"determinação,, em última instância", tal como a vê a
análise marxista da sociedade) e em relação a quai ele
estaria numa posição de subordinação, de
super-estrutura;
Toda economia, a oficina, por exemplo, ou a
fábrica, pressupõe esses mecanismos de poder
agindo, de dentro, sobre os corpos e as
almas, agindo no interior do campo econômico
sobre as forças produtivas e as relações de
produção.4U
f-o poder não é, portanto, algo que se identifica
iinearmente com a repressão, isto e, não é um
mecanismo utilizado para dizer não. Não é também
algo que se dissemina através da ideologia, isto e,
não é um mecanismo pensado para divulgar e fazer crer
em idéias faisas, e que esconderia em algum lugar
obscuro e secreto a verdade. As relações de poder
são produtivas e produtoras e essa produção obedece ao
principio da eficácia estratégica, identificávei
apenas pelos efeitos que produzem as posições,
manobras, táticas, técnicas e funcionamentos
discursivas e não discursivas do dispositivo do poder.
Não se trata mais de vincular poder e ideologia, poder
e repressão, mas de ver no poder uma tecnologia
politica, capaz de produzir, ao mesmo tempo, verdade e
individualidade. A relação de poder é uma relação da
força com a força, isto é, "de uma ação sobre uma
ação" si.
uma relação de forças é uma função do tipo
“incitar, suscitar, combinar ...". No caso
das sociedades disciplinares, dir-se-az
repartir, colocar em serie, compor,
normalizar. (...) 0 poder “produz realidade",
antes- de reprimir. E também produz verdade,
antes de ideoioglzar, antes de abstrair ou de
mascarar. (isso não significa ignorar) (...)
de modo algum a repressão e a ideologia, mas
(...) elas não constituem o combate das
forças, são apenas a poeira levantada pelo
combate.4E

QÚDELEUZE, GÍÍIBS. FOUCGUIÍ. Ê.E'-Ú. SãO PGLHO, BFGSÍIÍBIÉSB,


1991, P. 36.
41FOUCAULT, Michel. in: DELEUZE, GÍÍIBS. OD. Cit., P. 38.
4EDELEUZE, GIIISS. Op. Cit., p.38"3B.
39
g-essa tecnologia política que se instaura nas
sociedades modernas, fazendo delas sociedades
disciplinares, não vincula disciplina com uma
instituição ou com um aparelho específico, exatamente
porque a disciplina é um tipo de poder, um exercicio
de forças que atravessa todas as espécies de aparelhos
e instituições para articula-los sem nomogenelzá-los,
prolonga-los em seus efeitos sem unifica-los, fazê-los
converglr sem destruir suas especificidades, em suma,
operá-los para que se apliquem, a cada vez e cada um,
de um novo modo e com certa autonomia em relaçao aos
outros. Isso significa que não na homogeneidade,
unificação, identidade, centralização ou totallzação
entre a familia, a escola, a fábrica, o hospital
(psiquiátrico e não), 0 quartel ou a prisão. Mas
todos, a seu modo, compõem uma continuidade segmentar
através da qual os individuos de uma massa circulam,
permanecem ou saem, sujeitos a e produtos de
relações de poder que trabalham mobilizando
sentimentos (como na família), educando (como na
escola), produzindo bens (como na fábrica), chamando à
norma, ao normal (como no hospital), construindo
corpos hábeis para a guerra, seja em defesa da
"segurança nacional" ou da "democracia" (como no
quartel), confinando e punindo (como na prisão);
h-o poder aqui e considerado, não como um objeto ou
um atributo, capaz de qualificar quem o possui
(dominantes) e desqualiflcar quem não o possui
(dominados), mas sim como uma relação, como uma
prática que, se existe, é porque se exerce, porque
funciona, e se exerce e funciona toda a vez que outras
relações também se exercem. isso porque as relações de
poder (relações de forças sobre forças) são vividas em
todos os lugares onde toda e qualquer relação entre
individuos se constitua. Não há exterioridade possivel
nelas (não há como estar fora delas) como não há
exterloridade possivel delas (não há como elas estarem
fora das outras relações). No âmbito desse trabalho,
portanto, as relações pedagógicas são também relações
de poderz estas são efeitos das desigualdades e
desequilíbrios que se produzem nas relações
pedagógicas e, ao mesmo tempo, as condições de
existência dessas desigualdades e desequilíbrios;
i-na medida em que as relações de poder são relações
desiguais e relativamente estabillzadas de forças,
isso implica uma diferença de potencial entre os
sujeitos envolvidos nessas relações. Essa diferença é
constituida pelos próprios sujeitos das relações.
isso significa que as relações de poder-saber que se
estabelecem quando se estabelecem as relações
pedagógicas entre professores e alunos, se são
40
relações autoritárias, o são porque tanto alunos
quanto professores as constituem assim. Em outras
palavras; o autoritarismo do professor não se exerce
automaticamente sobre o aluno como decorrência de um
atributo natural de seu poder como educador e apenas a
partir de sua vontade individual, mas é solicitado e
sustentado por colegas (seus e/ou do aluno), pais,
comunidade, que querem vigilância, controle e punição
dos mais ínfimos sinais de desordem e usam o professor
como um "serviço publico" regulador de conflitos,
poilciador de comportamentos, luiz de desvios e
aplicador de castigos.

E.Uma concepção de saber

Admlte-se que a partir do momento em


(...)
que se o poder, deixa-se de saber; o
atinge
poder enlouquece, os que governam são cegos.
E somente aqueles que estão ã distância do
poder, que não estão em nada ligados e
tirania, fechados em suas estufas, em seus
quartos, em suas meditações, podem descobrir
a verdade.
... existe (...) uma perpétua articulação do
poder com o saber e do saber com o poder.
(...) exercer o poder cria objetos de saber,
os faz emergir, acumula informações e as
utiliza. Não se pode compreender nada sobre o
saber econômico se não se sabe como se
exercia, cotidianamente, o poder, e o poder
econômico. O exercício do poder ~cria
perpetuamente saber e, inversamente, o saber
acarreta efeitos de poder. (...) Não é
possivel que o poder se exerça sem saber, não
é possível que o saber não engendre
poder.43
Mas que saber é esse de que se faia e que está
irremediavelmente vinculado ao poder? 0 que é saber?
a-para situar o saber e o seu funcionamento, bem como
seus mecanismos de produção, é preciso recorrer as
relações de poder de que não se separa; o saber se
constitui sempre e quando as relações de poder criam
para ele um campo próprio. Por exempioz é a partir da
suieição política do corpo, sujeição concretizada
através de mecanismos e aparelhos disciplinares que se
pode “ .. dar origem ao homem como obieto de saber

43FOUCAULT, MiCh8i. MiCFOfÍSIC8 G0 POGBP. P. 142.


41

para um discurso com status `cientifico'“ 44. 0


poder produz saberz a partir da sujeição do corpo, o
poder disciplinar produz as "ciências do nomem";
b-entretanto, poder produz saber, a relação entre
se o
eles não é apenas de suporte mecânico, em que o
poder colocar-se-la a serviço do saber de modo a
favorecê-lo, ou em que o saber colocar-se-la a servico
do poder de modo a ser-lhe útiiz

... poder e saber estão diretamente


lmpiicados (...) (já que) não ba relacão de
poder sem constituição correlata de um campo
de saber, nem saber que não suponba e não
constitua ao mesmo tempo relações de
poder.45
O saber, portanto, se constitui com as relações de
poder, que são relações da força sobre a forca,
relações essas que atravessam o tecido do social
percorrendo todos os seus pontos múltiplos e móveis;
c-ao saber, como prática, corresponde o visivel e o
enunclavel, isto e, o que pode ser trazido a
visibilidade para ser falado, dito, para formar
discursos; ao poder, como estratégia, cabe o
enquadrável, isto e, o que pode ser produzido como
um quadro - uma nova realidade em que as
multipilcidades humanas dlfusas e fugidias se
enquadram para formar uma multiplicidade organizada e,
aí entao, dar-se como objeto visivel do qual é
possivel dizer algo ~ constituir um saber. O poder,
como tecnologia disciplinar, produz quadros, de modo
cego e mudo; o saber, como prática de “extração da
verdade" dos quadros, produz através de visões mudas
("certas" iuminosidades) e de falas cegas ("certas“
enunciacões>, discursos "verdadeiros", isto é,
discursos que funcionam como verdade;
d-logo, não se deve partir, para a análise das
relações poder-saber, de um sujeito de conhecimento
que estaria livre, em relação ao poder, para extrair,
descobrir ou produzir, enfim, a verdade em estado de
pureza, já despojada da ideologia ou ainda não
contaminada por ela. Deve-se, isso sim, considerar que
aquele‹s) que ocupa(m) o lugar de sujelto(s) de saber,
tanto quanto os campos instituídos de saberes e os
objetos a que esses campos se referem são, todos
(sujeitos, campos, objetos) resultados, produtos,

.D-.B
U'l.iä O_O.
-<
U_~

-Q
Q...
m “S
v
OJC os
1 IS mmo šo 3 r-I'

o Qm v _!
w me o _P.E7.
'vo
- `
42
"...efeitos dessas impiicações fundamentais do
poder-saber e de suas transformações nistÓricas"4d,
isto é, o próprio jogo poder-saber (que, ao longo da
História, funciona sem sujeito "homem" que o
constitua) é que institui os campos de saber, o lugar
do sujeito, o próprio sujeito e o modo como ele
articuiara o pensamento no intervaio entre o visivei e
o enunciávei (entre a luminosidade e a linguagem) para
produzir um saber referido a um quadro que ine é
contemporâneo e, ao mesmo tempo, construtor de si;
e-em decorrência, a distinção entre ciência e
ideoiogia é não-pertinente para situar o que é o
saber. A ciência é pensada como um campo de
conhecimentos produzidos por sujeitos capazes de
superar as iimitações de suas condições de existência,
no sentido de aicançar a objetividade e a
universaiidade. A ideoiogia é pensada como um conjunto
de idéias falsas sobre a reaiidade produzidas por
sujeitos incapazes de superar as limitações de suas
condições de existência, conjunto esse a que
corresponderia, de um outro iado e em oposição, um
conjunto de ideias verdadeiras. Ora, todo saber é
poiitico, não-neutro, constitui-se a partir de
reiações de poder e constitui-se dotado de poder, isto
é, exatamente por ser saber é que exerce poder. Logo,
a ciência e a ideologia, enquanto saberes, só podem
existir a partir de condições politicas, que são as
condições em que se formam tanto os seus sujeitos
quanto os campos possiveis de saber;
f-o saber é, ainda, "o espaço em que o sujeito pode
tomar posição para faiar dos objetos de que se ocupa
em seu discurso" 47 e nesse sentido o saber da
pedagogia é o conjunto das funções de anáiise,
exortação, prescrição e/ou critica que podem ser
exercidas veios que venham a ocupar o iugar de sujeito
do discurso no âmbito do pedagógico.

Entretanto, conceituar o poder e o saber não é, por si


só, suficiente para dar conta de seu funcionamento e dos
mecanismos que os constituem e os vincuiam. `É necessário
investigar esses mecanismos e esse funcionamento, para anaiisar
e compreender, as reiações que estabeiecem entre si poder e
saber.

4Bid. Ibid., P. BD.


47id. A arqueologia do saber. 3.ed. Rio de Janeiro,
Forense-Universitária, 1987, p. EUB.
43
3.U POCÍSY' 6 0 Babel": fUI'lClOl'lafl'I€flÍ0 E MBCÕHÍSITIDS QUE OS VÍI'iCU|am

Ha uma distinção, em cada estrato ou formação


histórica, “entre duas espécies de formações políticas, as
`discursivas' ou de enunciados e as “não-discursivas' ou de
meios."48 São duas formações neterogêneas, isto é, não têm a
mesma formação nem são a mesma forma, embora tenham implicações
uma com a outra. As formações discursivas referem-se a um
regime de linguagem, às "paiavras", à expressão, enquanto as
formações não-discursivas ou de meios referem-se a um regime de
luz, as "coisas", ao conteúdo. O entrelaçamento entre as
formações discursivas e as formações não-discursivas, entre as
"paiavras" e as "coisas", entre expressões e conteúdos, é
chamado' de saber. A cada formação nistórica corresponde,
portanto, um regime de luz e um regime de enunciados, regiões
de visibilidade e campos de dlzipilidade entrelaçados - um
saber.
Tomando como referência as sociedades modernas, que
são sociedades disciplinares (e nesse sentido é que somos
modernos), pode-se afirmar que) sendo formações históricas,
também neias o "composto" do saber as faz, através das paiavras
e das coisas, do enunciávei e do visivel, da expressão e do
conteúdo.
Um exemplo pertinente ao tema deste trapainoz as
formações discursivas, a expressão têm uma forma (a pedagogia)
e uma substância ía educação, enquanto onieto de enunciados);
as formações não-discursivas, o conteúdo também tem uma forma
(a escola) e uma substância (o escolar, enquanto objeto de
visibilidade). Assim como a pedagogia enquanto forma de
expressão define um campo de dizipilidade (os enunciados de
educação), a escola como forma de conteudo define um local de
visibilidade (um local de onde é possivel, a todo momento, ver
tudo sem ser visto - o panoptismo>. Enquanto maneira de
dizer, a pedagogia enuncia a educação, o ensino, a
aprendizagem, a ignorância, em função ou de um aperfeiçoamento
(melhoria ou transformação) da sociedade ou de um aprimoramento
pessoal. Mas a escola, enquanto forma de ver, não remete a
uma palavra ou a um discurso que a designarla ou a um
significante da qual seria o significado (a pedagogia). A
escola, por estar referida a um regime de luz, por operar
através de “vislbilidades“, remete a paiavras e conceitos
diferentes dos da pedagogia. A escola não é fruto materializado
de um discurso, não é a sua redução nem o seu resíduo. A escola
é uma forma de agir sobre os corpos; eia vem não de uma
perspectiva pedagógica, mas de uma perspectiva disciplinar.
Nesse sentido, a pedagogia diz respeito ao enunciável

48DELEUZE, Gilles. FUUCEUIÍ. F-40.


44
Em m atéria de educação, enquanto a escola diz respeito ao
visl Vêl Em mñtáfia ÚB €SCO\&iiZ3ÇãO. E QÚTQUB O VB? B O faiãi
encontram~se em dlsiunçäo, Já que "ver e falar é saber, mas
nos não vemos aquilo de que falamos, e não falamos daquilo que
vemos“49, a educação, enquanto obieto do discurso da
pedagogia, não coincide nem é sinônimo de escolarização. Não
SãO 8 mêâmã füfmä 8 BCQUEF têm 03 mB3m0S ODÍBÍOS.
M6 s como isso pode acontecer? Como se fala de algo QUE
não é o que se ve, e s 6 vê algo que não e aquilo de QUE 36
falã? '
E quez

Enquanto nos atemos às coisas e às palavras,


podemos acreditar que falamos do que vemos,
B VBMOS HQUÍÍO de QUE fâiãmüâ E QUE OS GOÍB
€nCaü€ifim: É QUE PBFMGHGCCWOB flüm
exercicio empírlco.5D
preciso queblar, abrir as` palavras e 8 s C0i3flS P ara
É
`

extrair delas o enunciável e o visível. Então percebe-se; a


pedagogia, forma de expressão que enuncla sobre educação, tem
conteúdos seus; as inumeras concepções do que e educar, por
exemplo. A escola, forma de conteúdo que produz vlsibiiidades,
tem enunciados seusz os regulamentos, as regras que gerem seu
funcionamento interno. Essas duas formas comunicam-se e
inserem-se uma na outra ininterruptamente, cada uma arrancando
Uma P arte G6 OUÍFG, mãã 36m COÍHCÍGIFSM. Â Dödügüglõ, GÍFGVÕS
G8 SGUS enunciados, não pára de remeter educandos a escola;
esta substitui o educando por outro personagem - o escolar - e,
graças a essa substituição, a escola não para de produzir uma
certa instrução, um certo conhecimento, uma certa capacidade e
Uma C8 FÍG C0mP6tÊflCifi, 80 m€3m0 ÍGMPO Em QUE flãü PÉFB U6
produzir uma certa ignorância, um certo desconhecimento, uma
certa incapacidade e uma certa incompetência, fazendo dessas
produções "objetos" para o discurso pedagógico. A escola
realiza de outro modo os objetivos da pedagogia (em nome do
aperfeiçoamento social/pessoal eia organiza a multiplicidade
pela individualização/normalização).
A pedagogia produz discursos sobre a educação
independentemente da escola, como se estivesse afirmando
reiteradamentez “ISSO (o objeto do meu discurso, aquilo de que
falo) não é a escola". Administrando a educação, a escola,
por sua vez, possui uma certa autonomia, um suplemento
disciplinar em relação ao pedagógico, necessarios e expressos
(essa autonomia e esse suplemento) pelos seus regulamentos,
pelas suas regras arbitrárias de conduta, pelas "violências
inúteis" dos professores e/ou pelo autoritarismo de sua gestão
que se originam no fato, não de a escola "trair" a pedagogia,

49ld ., 93.117.
50|d 9.74
O_O.

.,
CFÚ
45
ou deincapaz de ligar à sua prática a teoria
se r eia
pedagógica sim no fato de que se pede à escola que seia
, mas
util
TI '
ao lnvé s de educar;
1!
, através de um enclausuramento
ÍIPÍCO
'
cabe -ine fabricar os individuos dóceis e produtivos,
,

flüfmâtllafl os. A escola, à sua maneira, também afirma; "isso (o


meu procedimento, aquilo que faço) não é a pedagogia."
Não há aqui dicotomia entre teoria e prática
pedagógica s. A pedagogia, enquanto discurso, e uma prática
tanto qua nto a escola (agenciamento/máquina concreta). 0 que na
é uma di siunção entre ver e falar, entre linguagem e luz que
não SB FGS oiveria fazendo coincidir ambas por força da
intenciona lidade de sujeitos, lá que eia se produz ia
disiunção) nas relações de poder que é o dominio do
não-connec ido, como se verá adiante.
ENUHCÍÉVEÍ UUHS f0Fm&S ' fOFm3 GE
SG HGO O VÍSÍVBÍ G O
COHÍBUGO (escola) e forma de expressão (pedagogia) ~
"e×istiria, geralmente e exteriormente às formas, uma causa
C0mUm ima fleflte 60 Cãmpü SDCÍ8|? 51 ISÍO Ô, Há ã|§0 füffi 11

ÓGSSGS f0 FMGÇÕGS QUE 33 PFOdUZã.3 ãmbêô, maã Seflafadômeflte, já


QUE Uma flãü É O P€f|8X0 da OUÍF8, Uma fläü COFFBSQOHÚC É Úutfõi
P6|0 COHÍFÉFÍO, ambãã "SB 8ÍFaCam OÍFBÍGMGHÍB COMO |UÍaGOP€3,
se comba ÍBM B S6 Cäptüfãm, C0flSÍÍÍUiflG0 8 Caflâ VCZ 8
`verdade'” ? 52
A resposta é sim.

Em Ca da estrato ou formação histórica encontramos a


duãlidafifi das formas ou formações politicas;
3 -por um lado 0 visivel, a visibilidade, a forma de
Conteúdo, a formação não-discursiva ou de m elos (a
86 cola é um exemplo). Aqui se organizam (formam)
mat érias. A escola é uma matéria organizada, formada:

b-por outro lado o enunciávei, o dlzlvei ou ieglvei. a


f orma de expressão, a formação discursiva (a pedagogia
e um exemplo). Aqui se finaiizam (formam) funções,
da o-se às funções objetivos. Educar e uma fun ção
f ormalizada, formada.

essas formas, são essas formações que compõem o


Sã o
Saber. saber e como um arquivo audiovisual; compõe-se do
0
VÍS lvel e do enunclávei em cada formação histórica. Entretanto,
38 93635 duas formas são neterogêneas, irredutlveis uma a
OUÍPG, como permitem uma quase co-adaptação, uma
COFFBSPOHG ência entre ambas (entre pedagogia e escoia)?

Ê; ., p.43.
mm |'|J¿
QE CLQ

_, p.7S.
45
É que na algo fora dessas formacões, dessas formas,
que as produz e que não é uma superestrutura ideológica nem uma
infra-estrutura economica.
... podemos conceber puras matérias e puras
funções abstraindo as formas em que se
encarnam. Quando Foucault define o
Panoptismo, ora ele o determina
concretamente, como um agenciamento Óptico ou
luminoso que caracteriza a prisão, ora
abstratamenta, como uma maquina que não
apenas se aplica a uma matéria visivel em
geral (oficina, quartel, escola, nospital,
tanto quanto a prisão) mas atravessa
geralmente todas as funcões enunciáveis. A
fórmula abstrata do Panoptismo não é mais,
então, "ver sem ser visto", mas impor uma
conduta qualquer a uma multiplicidade humana
qualquer. Especifica-se apenas que a
multiplicidade considerada deve ser reduzida,
tomada num espaco restrito, e que a imposição
de uma conduta se faz através da reparticão
no espaco-tempoq.. É uma lista indefinida,
mas que se refere sempre a matérias
não-formadas, não-organizadas, e funções
não-formaiizadas, não finalizadas, estando as
duas variaveis indissoluveimente ligadas.
Como denominar esta nova dimensão informe?
Foucault deu-lhe certa vez o nome mais exato;
é um "diagrama", isto é, um "funcionamento
que se abstrai de qualquer obstáculo ou
atrito... e que se deve destacar de qualquer
uso especifico". O diagrama não e mais o
arquivo, auditivo ou visual, é o mapa, a
cartografia, co-extensiva a todo o campo
social. É uma maquina abstrata. Definindo-se
por melo de funcões e matérias informes, ele
ignora toda distinção de forma entre um
conteúdo e uma expressão, entre uma formacao
discursiva e uma formacao não-discursiva. É
uma maquina quase muda e cega, embora seia
eia que faca ver e falar.53
Ai está a resposta a pergunta sobre a origem dos
enunciados e das visibllidadesz ambos se originam de um
diagrama, máquina abstrata, mapa. Porém, mapa de quê?
O Óia§i"al'fla, OU a maqU|fla aDSÍi"aÍa, É O mapa
üaâ i"BiaÇÕB5 GB f0|"Ça'â, mapa de GCHSÍGBCÍB, G8
Íi'i`C6i'iSÍdaCl9, CIUB `|9I"0C8ü6 PDF |iQaÇÕ63

5310. Ibid., P.43*44.


47
primárias não iocailzávels e que passa a cada
instante por todos os pontos, "ou melnor, em
toda relação de um ponto a outro".54
Eis, vinculo entre poder e saber; sendo o
então, o
diagrama maquina abstrata de poder que age como causa comum
a
imanente não unificadora das vlsibliidades e dos enunciados,
isto é, due da forma de visibilidade a um regime de luz (a
escola) por um iado, e que dá forma de dizibllidade ou de
legibilldade a um regime de linguagem (a pedagogia) por outro
iado, embora essa máquina não fale nem veja, e sendo as
visioliidades e os enunciados o que compõem o saber. é o
diagrama de poder que constitui o saber, que da forma de saber
a algo que era, pouco antes, apenas relação de forças com
forças. Por essa razão não se fala daquilo que se vê (faia-se
do objeto do enunciávei - a educação para a pedagogia) e não se
vê aquilo de que se fala (vê-se o objeto do visivel - o corpo
ou a multiplicidade dos corpos para a escola) e, por essa
razão, também, as duas formas "lutam" entre si na constituição
da "verdade" - as relações de poder são a origem dessa batalha
ou, pelo menos, a sua condição de possibilidade.

Sobre o diagrama, enquanto mapa das relações de


forças, é preciso dizer quez
a-se abstralrmos as formas em que as funções se
concretizam (educar) e em que as matérias se organizam
(escola), podemos pensar em puras funções
não-formallzadas e puras matérias não-organizadas. Às
puras funções corresponde o poder de afetar e as
puras matérias corresponde o poder de ser afetado;
b-na muitas funções e muitas matérias diagramaticas
(funções e matérias abstratas) porque o diagrama é
sempre uma multiplicidade espaço-temporal (ele se
efetua em inúmeros agenciamentos concretos, em
inúmeras máquinas concretas), e também porque ná
tantos diagramas quantos são os campos sociais na
história. Nesse sentido é que se pode afirmar que toda
sociedade tem o seu diagrama, o seu mapa das relações
de forças. Assim, o diagrama panóptico, correspondente
ao mapa das relações de poder numa sociedade
disciplinar, tem como fórmula impor uma conduta
qualquer (função abstrata) a uma multiplicidade humana
reduzida qualquer (substância abstrata), através do
enclausuramento dessa multiplicidade num espaço
restrito, onde se fará sua repartição tanto nesse
espaço quanto no tempo (matéria abstrata);
c-o diagrama é altamente instável e fluido, porque não

said. leia., p as.


48
pára de misturar matérias e funções de modo a produzir
mutações. Ele e composto por relações de forças (força
de afetar e de ser afetado) e essas forças, por serem
apenas potenciais, instáveis e moleculares, traçam
apenas possibilidades de interação até entrarem num
coniunto maior (macroscópico) capaz de dar forma a sua
matéria fluente e à sua função difusa. Por essa razão
é que o poder éz _

... a multiplicidade de correlações de forças


imanentes ao domínio onde se exercem e
constitutivas de sua organização; o jogo que,
através de lutas e afrontamentos incessantes
as transforma, reforça, inverte; os apoios
que tais correlações de força encontram umas
nas outras, formando cadeias ou sistemas, ou,
ao contrário, as defasagens e contradições
que as isoiam entre si...55
d~em razão disso se diz que as relações de forças são
a causa comum lmanente não-uniflcadora que forma o
saber (o visivel e o enunciávei)z as relações de
forças só se atualizam (tornam-se ato, concretude) em
seus efeitos (o saber). Elas necessitam das formas do
saber para se atuailzarem (e também para serem
conhecidas). Antes da atualização, as relações de
forças tão-somente desenham um possivel;
e~mas essa atualização só se faz por integração
progressiva, isto é, é preciso a integração de focos
de poder a principio locais e parciais, que vão
tendendo a giobalidade na medida em que a integração
traça uma linha de força geral operando um
alinhamento, uma nomogeneização, um acúmulo, uma
convergência das singuiarldades. Nesse sentido a
escola, como materia concreta, vai operando, Junto com
a atualização das forças em relação, integrações
progressivas (a principio locais e tendendo para
globais) sobre substâncias qualificadas (os escolares)
e funções finalizadas (educar). integram-se
(atualizando-se), também, outras matérias concretas.
organizadasz a prisão, a fábrica, o hospital, sobre
substâncias qualificadas (o dellhquente, o operário, o
doente) e funções finalizadas (punir, disciplinar,
curar) até remeterem a forma-Estado. 0 Estado obietiva
uma integração global. Ele é, em si mesmo, um
integrante que não origina o poder nem o explica,
mas que supõe relações de poder que qualquer
integrante (como ele) apenas repõe e estabiiiza;

55FOUCAULT, MiChBi. HiStÓFia da 36XUa|Id8dB I: 8 Vúfltade de


Saber. P.BB.
49
f-além das operações de atualização e integração
simultâneas, a causa comum imanente utiliza ainda,
. para produzir seus efeitos, a diferenciação. O
diagrama é uma multiplicidade e, para atualizar essa
multiplicidade diagramatica, é preciso que se
atualizam-integrem, ao mesmo tempo, as diferentes
forças, por diferenciação, desdobramento, dissociação,
criando formas divergentes. Desse modo, ao se
atualizar-integrar por diferenciação, a multiplicidade
diagramática permite que apareçam as grandes
duaildades (os dominantes e os dominados, os
governantes e os governados, o público e o privado).
Essas dualidades são efeitos de coniunto de posições
estratégicas (táticas, técnicas, funcionamentos), de
relações de forças atualizadas/integradas de forma
diferenciada;
g-a multiplicidade diagramática também produz, de modo
divergente, as suas duas formas de atualização; o
enunciávei e o visível, a forma de expressão e a forma
de conteúdo, as funções formallzadas e as matérias
organizadas, due compõem o saber. O saber é issoz o
saber é o entrelaçamento entre o visivel e o
enunclavei. Entre ambos existe uma dleiunção onde
penetra a máquina abstrata, diagramática, para se
concretizar nas duas direções divergentes,
diferenciadas e lrredutiveis uma à outra.
Comparativamente, em relação à natureza do poder e do
saber, dir-se-ia que eles são diferentes, neterogêneos, embora
baja "pressuposlção recíproca e capturas mútuas e, (...)
primado de um sobre o outro"56 (primado do poder sobre o
5fib8P). ÀS FSlâÇ06S U8 f0FÇ3S (af&tõF, SGP ãffltadü) COHSÍÍÍUBM
o poder; as relações de formas (o enunclávei e o visível)
constituem o saber. O poder passa por forças instáveis; 0 saber
passa por formas estáveis. O poder é estratégico; o saber é
BSÍPatlfiCâdO. Em FBIGÇÊO 30 PDÓGF, UtÍlÍZ3”5B Um nmãpflfl; Em
relação ao saber, utiliza-se um "arquivo”. O poder é dotado de
uma segmentaridade bastante flexível. O saber é dotado de uma
segmentaridade relativamente rígida. O saber passa por formas,
o poder passa por pontos:

... pontos singulares que marcam, a cada vez,


a aplicação de uma força, a ação ou reação de
uma força em relação as outras, isto é, um
afeto como "estado de poder sempre local e
instável". (...) Ao_ mesmo tempo locais,
instáveis e difusas, as relações de poder não
emanam de um ponto central ou de um foco
único de soberania, mas vão a cada instante

EBDELEUZE, Gilles. Op. cit., p.B1.


50
"de um ponto outro" no interior de um campo
a
de forças, (...) É por isso que elas não são
iocaiizáveis numa instância ou noutra.
Constituem uma estratégia, enquanto exercicio
do não-estratificado. e "as estratégias
anônimas" são quase mudas e cegas, pois
escapam as formas estáveis do visivel e do
enunciávei. (...) Por isso as relações de
poder não são conhecidas. (...) a prática
do poder permanece irredutivei à toda prática
do saber. (...) o poder remete a uma
“microfisica“ (...) um outro dominio, um novo
tipo de relações, uma dimensão de pensamento
irredutivei ao saber: ligações móveis e
não-iocaiizáveis.57
E se saber é histórico, o diagrama "duplica a
o
história com um devir" 58, isto é, dá à forma histórica do
saber um a priori; o devir das forças, um tornar-se, um
vir-a-ser, sempre pronto a tudo metamorfosear.

4.As máquinas (abstratas e concretas) de poder-saber e o seu


trabalho (atualizar, integrar, diferenciar)

0 diagrama ou mapa das relações de poder é uma máquina


abstrata; eia está sempre referida a funções não~formailzadas,
a matérias não-formadas e a substâncias não-qualificadas,
funcionando destacada de qualquer uso especifico. Por outro
lado, eia e como que a causa das maquinas concretas
(agenciamentos) e estas estão necessariamente referidas a
funções formaiizadas (educar, punir, fazer trabalhar), a
matérias formadas (escola, prisão, fábrica) e a substâncias
quaiificadas (escolar, deiinquente, operário). As máquinas
concretas, agenciamentos, têm especificidades quanto a
funcionamento e uso. Comparando-as, dir-se-ia que "as máquinas
concretas são os agenciamentos, os dispositivos biformes; a
maquina abstrata é o diagrama informe." 59
Entretanto essa dualidade das máquinas é de tai
maneira fluida que se passa do concreto ao abstrato sem
dificuldades, mas também sem percepcão clara. As vezes
circula-se de uma maquina concreta e outra, e estão separadas
todas por "tabiques, vedações, descontinuidades formals“6D de
modo que parecem quase isoiadasz quando se chega à escola
sabe-se que não se está mais em casa, quando se começa a

5710. Ibid., B1“8E.


58|d. ibid.,
59Id. ibid., 'cs-c1:'c:

Ui.hJ>
c:i:.uU1

Büid. lbid.,
51

trabalhar se é avisado que “não se está mais na escola". Mas as


vezes as máquinas concretas (os agenciamentos concretos, os
dispositivos biformes) comunicam-se no que tem em comum io
diagrama informe, a máquina abstrata) e passam a ter uma
“microssegmentaridade flexível e dlfusa"Bi, a tal ponto que
se responde sincera e negativamente a perguntaz

DEVEMOS aiflfia HOS Gdmlfaf QUE 8 PPÍSÊO 83


Paf6Çâ COM 53 fäbF|Ca8, COM 33 BSCO|âS, Cüm
OS QUGFÍÉÍS, COm OS HOSDÍÍGÍS 9 ÍOGOS SB
QBPBÇHM COM 85 PFÍ8Õ88?BÊ
0 diagrama de poder atualiza-se por integração.
integrar consiste em traçar uma linha de forca geral entre os
diversos pontos de força, de modo a conecta-los. Conectados,
atualizando-se também por diferenciação, os pontos lá
integrados vão formar as muitipllcldades do saber; o visivel,
que se dissemina e o enunciavei, que se dispersa; os
agenciamentos/máquinas concretos e biformes e as instituições,
que também operam por dispersão. Ha, tanto nas estratégias de
poder quanto nos estratos do saber, uma multiplicidade
produzida e lançada num "fora" e que se inicia numa dualidade
(poder/saber, enunciávei/visível, afetar/ser afetado,
matérias/funções, discursivo/não discursiva, etc.).
Entretanto, se o diagrama de poder integra os pontos
singulares das forças de afetar/ser afetado, ele não consegue,
nessa integração, "prender" os pontos, os focos de resistência.
Esses são pontos relativamente livres e desligados e é deles
que vêm as possibilidades de mutação, de criação, de devir. Em
consequência, não é dos estratos do saber que vêm as
transformações, mas das estratégias das forças que opõem
resistência ao poder. Cabe ao poder, para atualizar-se,
integrar operando diferenciações. Caberia a resistência
à ualizar-se
Q) sem integrar e sem diferenciar em dualldades, isto
(B~
sem reproduzir o que é próprio do poder. A questão do como
~

GB problemática.
Talvez uma breve análise da operação de 'integrar
ofereça condições de pensar o como da resistência.
O diagrama de poder atualiza as relações de força que
ele conecta por integração e diferenciação nas formas do saber
<o visivel e o enunciável). Esse dualismo inicial, porém, é
apenas uma divisão preparatória; ambas as formas transformam-se
em dois tipos de multiplicidade. As visibilidades, exteriores
aos enunciados, transformam-se numa multiplicidade
não-discursiva através de uma disseminação própria. Os

Bild. lbid., 9.50.


ÕÊFÚUCÂULT, M|Ch3|. Vͧ|8F 8 Püflif: fl8SC|m9flt0 da Pflôäü.
P.1QQ.
53
enunciados, exteriores as vislbliidades, transformam-se numa
multiplicidade discursiva através de uma dispersão própria. É
exatamente essa multiplicidade das formas de saber que explica
a "luta" de ambas na constituição da "verdade“z ambas, enquanto
muitlpilcldades em dispersão e disseminação, se atribuem
objetos, substâncias, funções, formas, enunciados e conteúdos.
É o caso das maquinas concretas, que são também
agenciamentos ou dispositivos blformes (pois falam e fazem
ver). São máquinas concretas a prisão, a escola, o hospital, o
asilo, a fabrica. São integrantes, também, e diferenciais. Elas
operam integrando as slnguiarldades das forças e as
diferenciando. Mas é uma integração que aprislona as
slngularldades, como e uma diferenciação que da
docllldade/utilidade às forças. É, ao nivel dos sujeitos, o
processo de subletivaçao humana que desemboca na sujeição;
...por um lado é "a submissão ao outro pelo
controle e pela dependência", com todos os
procedimentos de individualização e de
modulação que o poder instaura, atingindo a
vida cotidiana e a interioridade daqueles que
ele chamara seus sujeitos ílntegraçãol; por
outro lado é “o apego (de cada um) ã sua
própria identidade mediante consciência e o
conhecimento de si", com todas as técnicas
das ciências morais e das ciências do homem
que vão formar um saber do suleito
ldlferenclação1.63
É próprio do poder integrar e diferenciar, e a
tecnologia do disclpllnamento, como se verá adiante, opera eia
mesma por agrupamentos e repartições; a fabricação de
individuos normallzados, referidos a um modelo supõem a
inscrição, ao mesmo tempo, nos corpos e nas "almas" (uma
primeira repartição), de tudo o que é “comum a" e de tudo o que
é “diferente de". integrados, -os sujeitos perdem a
singularidade. Dlferenciados, os suieltos adquirem um
rótulo/identidade. Codlflcados como individuos, presas do
poder, são produto da logica do "ou" (ou são isso ou
aquilo, ou são desse modo ou daquele). Talvez pensar a
resistência se inicie por “pensar de outra forma", com outra
lógica. A logica do "e“?

BBDELEUZE, GÍIIBS. OP. CIÍ., D.11U.


O desejo diz; “eu não quereria ter que entrar
eu próprio nesta ordem casual do discurso; eu
não quererla ter que enfrenta-lo no que tem
de cortante e de decisivo; eu quererla que
estivesse sempre ao redor de mim como uma
transparência calma, profunda,
indefinidamente aberta, onde os outros
responderlam a meu chamado, e de onde as
verdades, uma a uma, provlessem; eu só teria
QUE me CÍGÍXSF IGVEH", 11816 G POI' 818, COITIO Um
destroeo feliz." instituição respondez
E a
"näo tens que temer comecar; estamos sempre
aí para te mostrar que o discurso é da mesma
ordem das leis; que se vela desde muito tempo
sobre seu aparecimento; que um lugar para ele
foi feito, que o respeita, mas que o desarma;
e que, se chega a ter qualquer poder, é de
nós, e somente de nós, que o recebe."

Mas talvez esta instituição e este desejo não


sejam outra coisa senão duas réplicas opostas
de uma mesma lmquletacäoz inquietação com
respeito ao que é o discurso em sua realidade
material de coisa 'falada e escrita;
inquietação a respeito dessa exigência
transitória, destinada a desaparecer, sem
dúvida, mas segundo uma duração que não nos
pertence; inquietude de sentir durante essa
atividade, sem embargo cotidiana e triste,
poderes e riscos que mal imaginamos;
inquietude de suspeitar das lutas, das
vitórias, das feridas, das dominacões, das
servldões, através de tantas palavras culo
uso na tanto tempo reduziu as asperezas.
Mas que na então de tão perigoso no fato de
o
que pessoas falem e que seus discursos
as
proilferem indefinidamente? Onde está, então,
o perigo?B4

#%4FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. iiuí, FiDENE-iJUi,


i 973 , p.i
CAPÍTULO lV ,

PODER. SABER E DISCURSUS

...eu suponho que, em toda a sociedade, a


produção do discurso é, ao mesmo tempo,
controlada, selecionada, organizada e
redlstrlbuída por um certo número de
procedimentos que têm por objetivo
coniurar-lhe os poderes e os perigos,
dominar~lne os acontecimentos aleatórios, de
esquivar~lne 0 peso, a temivel
materiaIldade.65
z
l.A análise dos " discursos referidos ao pedagógico como busca G0
exp icitar relaçoes de poder, e não relacões de sentido

Numa volta ao cotidiano da escola, àqueles dlscurs 05


CiU3z nas páginas anteriores (p.1l a iõ) desta pesquisa, tomei
COFNO exemplos de acao pedagógica, o que é possivel extrair
deles?
No primeiro exemplo, a descrição (um "quadro") de Uma
Gula de Foucault, aula em que ele faia para quinhentas pesso 85
l'lUm espaco fisico onde "apenas" cabem trezentas. Sua locução,
6811 discurso é forte. É possivel que ele instaure o diálogo c Om
O 138083 mento de muitos dos presentes. É possivel. Mas Foucau IÍ
J
'ômã is saberá (ou soube)... Diz elez "E quando termino de
falal”, uma S8flS8ÇãO de COITIPIGÍG S0|l(Íã0..."

De que material e feita essa solidão? Não e eia feita


G0 isolamento, da ausência de retorno em relacao ao que se

65ld .in¡ú., p.1.


55
fala, ao que se diz? De que material e feita a solidão
cotidiana das saias de aula, nas escolas, hole?
No segundo exemplo tem-se a aula sobre "bens
econômicos", onde é clara a ausência de diálogo. Onde na fala
unilateral, como na aula de Foucault, mas diferentemente dele,
não na saber do professor, na recitacão de conceitos
abstratos; há o ensino de que o mundo é fixo, organizado,
dividido, compartimentado. Há os equívocos do professor, há os
seus erros, há o seu desconhecimento do que está ensinando. E
esse desconhecimento é anotado no quadro, copiado nos cadernos
e reproduzido nas provas. E o único modo de assegurar que o
erro sela tomado como verdade é a autoridade inquestionada do
professor.
No terceiro exemplo, na descricao de um novo "quadro",
o discipiinamento prescritivo na/da escola, as divisões em
classes escolares, as separações vaioratlvas (os mais
adiantados/ os mais atrasados, os que tem piolho e pais
negligentes/os limpos que não têm piolho, os ievianos e
distraidos/os bem comportados e aluizados, os iibertinos/os
piedosos), a autoridade quase ilimitada do inspetor, a
impotência dos alunos... Nas divisões, nas separações, nos
julgamentos prévios e preconceituosos, reiacões de poder e de
saber, onde o discurso da escola é certamente efeito, mas
também nova origem.
quarto exemplo, o discurso pseudo-afetivo ("A tia
No
val ficar trlstei") mascarando o castigo, justificando a
vigilância-surpresa, inesperada e disclpllnadora, como se ela
fosse capaz de, por si só, tornar o aluno "bom"... O poder mal
disfarçado, num discurso pedagógico familiar e prescrutador (e
familiar também porque prescrutador - que criancas escapam
deie?>
No exemplo seguinte e na faia do professor, a
repreensão e o desestimulo à aluda mútua, a compulsiva
vigilância e punição à solidariedade, brote de onde brotar,
surja de quem surgir. Produção do discurso pedagógico, ao mesmo
tempo que garantia do seu poder enquanto fundador das
desigualdades, eis ai o isolamento.
Os dois outros exemplos evidenciam, no discurso do
pedagógico, o logo que se estabelece entre o prêmio escolar (a
nota, o diploma - alias, o mesmo documento que permitiu ao
professor estar ocupando o lugar da fala e da autoridade) e os
interesses imediatos da escola (sela o brinde para a festa
junina, seja o sllenclamento do aluno). Esse "logo" da aos
estudantes a exata dimensão do que se espera deles - apenas
obedecer as regras...
ND Últimü GXBYTIPIO, O CÍCPOÍFHGHÍO G8 quem, VÍVBHGO
f`8laÇÕBS aUÍOf`ÍÍái`¡8S C¡€i'i'CÍ'0 da GSCOÍG, PGFCCDS, C0i'i'i 3 C|3f'8Z8
56
dos que sabem, a iniustica da dominacão, o esmagamento das
singuiaridades. A escola o classifica como quem “...está
melhorando". Ele se sente e vê “entrando no esquema",
normalizado.
Entre o primeiro e o ultimo exemplos, cabem algumas
aproximações; _

-a solidão do educador que faia sozinho para ouvintes


que não ousam ser seus interlocutores;
-a solidão do educando que lá não faia mais, porque a
escola é o lugar onde se aprende a calar, onde se
aprende a apenas ouvir, a não duvidar do que se ouve.
E nesse calar está referido ao calar a sua curiosidade
e o seu deseio, a sua vontade de saber e de agir;

-a escola (espaco/tempo da producão do isolamento)


como uma máquina que, aos poucos, transforma os alunos
em ouvintes do educador; onde não há diálogo, onde não
há o contato capaz de possibilitar a faia em torno do
obieto do conhecimento.
Os discursos pedagógicos tem sido isso; ensinar e
aprender a não ousar ver e falar com o mundo, com os outros,
consigo mesmo, a não ousar pensar diferentemente o mundo, os
outros ou a sl mesmo. Essa lição aprendem (e essa armadilha
prende) educadores e educandos.
Aos poucos, suprime~se a diferenca entre imagem e
realidade. Olha-se o professor, escuta-se o professor,
repete-se o (tudo, qualquer coisa) que ele diz. Não é que não
se fale, faia-se o tempo todo. mas faia~se de modo a só dizer o
permitido. Não é um silêncio geral que se impõe aos alunos, mas
sim uma fala que remete, permanentemente, ao professor e ao seu
poder de, esquadrinhando o dito, julgar; de julgando, premiar
ou punir, sempre tomando como referência um padrão: o
pré-estabelecido como certo.
_

As palavras ouvidas e faladas <aprende~se) não têm


mais sentido, não fazem mais sentido, não precisam fazer
qualquer sentido, descoladas já do pensado e do vivido.

Não quero, porem, enganar-me ou enganar. E, de novo,


reiembro Foucaultw quanto ao que me move; não é a falta de
SCHÍÍGO QUE 56 GIJOUBF8 (2386 CDÍSSS, É 8|Q0 mëiíã |3i"0'fUi'iC10 6
dlfUSO.
A historicidade que nos domina e nos
determina é beiicosa e não linguística.
Relação de poder, não relação de sentido.
A história não tem "sentido", o que não quer
dizer que seia absurda ou incnarsnte. Ao
57
contrário, é inteiigivei e deve poder ser
analisada em seus menores detalhes, mas
segundo a inteligibilidade das lutas, das
estratégias, das táticas. Nem a dialética
(como lógica de contradição), nem a semiótica
(como estrutura da comunicação) poderiam dar
conta do due é a inteiigibllidade intrínseca
dos confrontos. A "dialética" e uma maneira
de evitar a realidade aleatória e aberta
desta lntellgiblildade reduzindo-a ao
esqueleto begeliano; e a "semiologia“ é uma
maneira de evitar seu carater violento.
sangrento e mortai, reduzindo-o a forma
apaziguada e piatônica da linguagem e do
dlálogo.B6
É preciso perguntar, então, pelas relações de
poder-saber que envolvem os discursos referidos ao pedaoúslco
e, além disso, perguntar pelos discursos que tais relações
Cünstituem.

2.0 GÍSCUFSO 8 O PDGGF: 6 BXPiiCiÍfiCã0 GOS mBC8fli8mO3 QUE OS


V|flCU|8m, flaS F8ifiÇÕ6S POG6F“S8D8F

U3ÓÍSCUFSO3 VEÍGFÍGOS G0 PGGQQÓQÍCO fUflCi0fl8m, Ra


P306 G8 BÍBMGHÍOS QUE €SÍFUÍUFam 88 F6|8ÇÕ8S UE POd8f`83U8F,
COMO GÍVOS 8 ÍHSÍFUMBHÍOS, COMO C8U8aS 8 €f6ÍÍ05 GBS383
TSIGÇÕBB. SãO PVOGUÇÕGS E SUDOFÍGS CSS T8iäÇÕ6S G6 f0FÇ3 QUE S6
GXSPCBM em S8|6 U8 aula 6 fla BSCOIS. Côbô, ögüfô, DUSCBF 33
QÊHSSBS 065883 GÍSCUFSOS, ÍSÍO É, OS m€C3fliSm08 QUE OS tüfflam
coerentes, que os fazem funcionar do modo como hole,
predominantemente, funcionam; como produtores das desigualdades
dessas relações.
N35, de ÍDÍCÍO, É PTBCÍSO fale? Uma P€8S&|Vã: SG 08
GÍSCUFSOS SãO GIBMSHÍOS 655CflCi8|3 Para 3 GHÉIÍSB G05
m8C8flÍSm0S G8 POGGF, E163 HÊO üBV9m SST BHÍBHÕÍGOS fl C0m0 3
simples teia de projeção desses mecanismos" 67, como o seu
espelho ou seu resultado final. As relações entre
discursividade, poder e saber são outras;
É iustamente no discurso que vêm a se
articular poder e saber. E, por essa mesma
razão, deve-se conceber o discurso como uma
série de segmentos descontinuos, cuja função
tática não é uniforme nem estável. (O mundo
do discurso é) ... uma multiplicidade de

66ld. Mlcrofisica do poder. Ú


67id. História da sexualidade -m
a vontade de saber. P.95.
58
elementos discursivos que podem entrar em
estratégias diferentes. É essa distribuição
que é preciso recompor, com o que admite em
coisas ditas e ocuitas, em enunciações
exigidas e interditas; com o que supõe de
variantes e de efeitos diferentes segundo
quem faia, sua posição de poder, o contexto
institucional em que se encontra; (...) o
discurso pode ser, ao mesmo tempo,
instrumento e efeito de poder, e também
obstáculo, escore, ponto de resistência e
ponto de partida de uma estratégia oposta. 0
discurso veicuia e produz poder, reforça~o
mas também o mina, expõe, debiiita e permite
barra-io.68
O mundo do discurso que se constrói no âmbito do
pedagógico compõe-se de elementos discursivos múitipios que
entram, nas relações poder-saber, em estratégias e táticas
diferentes. É preciso, para anaiisá-ios, não só transcrevê~ios,
mas também dar-ines uma inteiigibiiidade, um sentido, isto é,
determinar, em seu funcionamento, em sua razão de ser, os
sistemas de poder que os produzem e os apóiam e os efeitos de
poder que eies induzem e que os reproduzem. Para isso, na que
considerar; ~

a-a própria constituição dos discursosz


w-a incitação institucional para a produção do
discurso (poder de ouvir e de fazer faiar)z o fato
de faiar, ou de escrever, isto é, de fazer do seu
saber ou do seu connecimento um discurso;
*-0 controle dos enunciados; quem faia e quem não
faia, onde e quando faiar e não falar;
b-a vontade de saber que conduz a produção e a difusão
dos discursos;
c-a intenção estratégica que sustenta não só a
produção dos discursos, como ainda a sua circuiaçãoz
*-por que se faia;
*-0 que se diz;
*-que efeitos de poder decorrem dai;
'*-que saber se forma a partir dai;

Bãid. ibid., p.B5-BB.


59
d-as instituições;
*-que incitam a falar;
*-due armazenam e difundem o dito;
e-a "policia" dos enunciados; as regras politicas que
fiitram, due depuram rigorosamente as palavras,
produzindo, assim, um vocabulário autorizado.
Mas é preciso considerar, ainda, a atual economia
politica da producao da verdade (due também rege a produção
dos discursos) e due, para Foucault, se regula por cinco
caracteristicas historicamente importantes;
til ... a "verdade" é centrada na forma do
discurso científico e nas instituições due o
produzem; [E1 esta submetida a uma constante
incitação econômica e politica (necessidade
de verdade tanto para a produção econômica,
quanto para o poder politico); [33 é objeto,
de varias formas, de uma imensa difusão e de
um imenso consumo (circula nos aparelhos de
educação ou de informação, cuja extensão no
corpo social é relativamente grande, não
obstante algumas limitações rigorosas); [41 é
produzida e transmitida sob o controle, não
exclusivo, mas dominante, de alguns grandes
aparelhos politicos ou econômicos
(universidade, exército, escritura, meios de
comunicação); (53 enfim, é obieto de debate
politico e de confronto social (as lutas
“ideoiÓgicas“).69
No entanto, se a economia politica da verdade
fornece as pistas da produção, distribuicão e consumo da
verdade sob a forma de discurso e segundo as necessidades das
sociedades, é a politica geral de verdade que informa a
respeito do sistema de poder (de lutas e afrontamentos) que
rege, de dentro, essa produção, difusão e consumo. E é essa
politica geral de verdade que distingue, por exemplo, dois dos
discursos que serão considerados nesta pesquisa; o discurso
do pedagógico e o discurso sobre o pedagógico. É a politica
geral de verdade que estabelece;
OS ÍÍPÚ8 G6 UÍSCUFSD QUE' (Cada SOCi8(1õC|€)
ÕCOIHS 6 fêiZ 'fUflCi0fl€ii` COYHO V8i'Ci8CÍBii`0S$ OS
m€Cfii'ii3mÚ3 E GS ÍFISÍÊÚCÍGS QUE $36I"iYiiÍÍ€ii1
GISÍIHQUÍF OS BHUHCÍEICIOS V8f'C18C|€¡i"0S GOS
fâiâüã, 8 i'i'i8ii8Íi`õi COMO 88 5ãi”iCiOflã UHE 8

B9ld. Mlcrofisica do poder. P.13.


BD
outros; as técnicas e os procedimentos que
são valorizados para a obtenção da verdade; o
estatuto daqueles que têm o encargo de dizer
o que funciona como verdadelro.7B

Todos esses são aspectos a serem considerados para a


análise da discursividade que se produz no pedagógico. Por essa
razão foi preciso, em função da própria analise, caracterizar
os discursos levando em conta, de inicio, o ponto onde eles
são constituídos. isto é, a localização institucional ocupada
pelos suleitos do discurso. Foi a partir dai, bem como da
"economia politica" da produção, distribuição e consumo da
verdade e da “politica geral de verdade" que se buscou trazer à
luz a multiplicidade dos discursos referidos ao pedagógico.

3.0 GISCUFSO P80aQÓQ|C0 COMO Pf'im6lI`O Biämefltü G6 äfláiiâe (183


i"€|3ÇÕ€3 §30dBf""88bBf' QUE S6 BXBFCEM na €SCO|a

Estou em uma sala de aula. Junto comigo, outras


pessoas. Estamos sentadas em circulo. 0 ambiente é
materialmente pobrez carteiras, cadeiras, o quadro-verde, giz,
apagador... uma pessoa (que não eu) faia para as outras do que
sabe, do que conhece, ou do que julga saber e conhecer. Todas
as outras pessoas escutam, calaoas. inclusive eu.

Essa descrição, por sl so, possibilita a quem a lê


inferir a minha condição de estudante nessa saia de aula?
Possibilita, mas não deveria.
Porque possibilita? Porque nas saias de aula, hole, o
lugar da fala é do professor. A ele pertence, como
propriedade, e ihe e garantido pela sua posição na hierarquia
burocrática, sustentácuio fundamental da máqulna~escoia. Para
adquirir essa propriedade e para chegar a essa posição ele
utilizou um documento ~ o diploma - que o afirma autorizado
legalmente para. isso significa estar a sua autoridade
juridicamente legitimada, independente de ele saber mais/melhor
ou não, conhecer mais/melhor ou não que os estudantes para os
quais da aulas.
A questão do "quem ocupa o lugar da fala no ambito do
pedagÓgico?“ é crucial para o entendimento das relações
poder-saber na escola, lá que a faia, o discurso pedagógico
(tomado como "... o processo discursivo que se estabelece entre
alunos e professores sobre objetos de conhecimento" 71) é o
condutor do processo educativo.

7Did. ibld., p.1E.


7iPEY, Maria Oiy. Op. cit., p.11.
Bl

Certamente o discurso pedagógico não é o único


elemento das relações de poder-saber que funcionam na ação
pedagógica. Existem relações de poder-saber funcionando
enquanto a ação pedagógica se realiza, mas essas relações
envolvem inúmeros elementos que se organizam e se distribuem
estrategicamente a partir de certas posições e de certas
funções - um dispositivo, isto éz
... um conjunto decididamente heterogêneo que
engloba discursos, instituições, organizações
arquitetônicas, decisões regulamentares,
.

leis, medidas administrativas, enunciados


científicos, proposições filosóficas, morais,
filantrópicas. Em suma, o dito e o não
dit0...7E
Contudo, embora o dispositivo sela uma rede de
elementos que inclui o dlscurslvo e o não discursivo, o
discurso pedagógico é o elemento primeiro para a análise das
relações de forças que se efetivam na escola, porque;
a~o ensinar e o aprender (o que, o como, o por que e o
para quê da ação pedagógica) dependem da relação que
se estabelece entre professores e alunos,
explicitando-se e, ao mesmo tempo, fundamentando-se no
tipo de discurso que predomina em sala de aula,
independente dos procedimentos ditos "didáticos"
(métodos e técnicas de ensino, materials utilizados);

U“SBflUO 3 F€|ãÇã0 PFOf8830F“filUfl0 VlVlU3 C0mO Uma


FCIGÇÊO BHÍPB d6SÍQU8l3 B flãü BHÍFB
UÍf€F€flt6373, O ÍÍPO G9 UÍSCUFSO PF8U0mÍfl&nÍ8
6SÍFUÍUFa 8 C0l0Cã em fUflCÍÚflGm8flÍ0 Um ÍOQO GB POUBF
QUE GSÍÉ SOU O COHÍFOÍB G0 PFOf66SOP;
C“DOPÍüflÊÚ, O UÍSCUFBO PBGBQÓQÍCO Bm Sala UE flüiü,
Sõflüü C0flÍF0l8U0 P810 PFOf8S8OF, PBFMÍÍB QUE BSÍE
GX8PÇa O POGBF U6 abflf/fBCh8F 08 Cãflalâ GS
C0mUfllC8Çã0, õbfiflüü 6 fGCH8flU0, Sm C0fl3€QUÊflCl8,
GÍTGFBHÍGS POSSÍbÍ|ÍG8U8S de dlf8P8flÍ8S
POd6F€S“Sfib6FSS Para Ulfefüflteã ÔIUHOS. ÀSSÍM, É 0
DFOfBS3OF QUE, atflfiülflüü Va|OFBS 6 Sl§fl¡f|C8GOS
30CÍaÍ3 B POÍÍÍÍCOS à COWUHÍCGÇÊO, GSÍäbG\eC6:
*o queé conhecimento escolar válido e o que não o
é, na medida em que seleciona e organiza os
-
conteúdos de ensino, individual ou coletivamente

7EFOUCAULT, Michel. Op. Cit., 9.246.


73A diferença de conhecimentos, experiências e saberes
entre aluno e professor mais a posse do "diploma" por este,
instaura e legitima, entre ambos, a desigualdade.
(
\.

J'
BE
(com os alunos);
*o que é faia correta/incorreta,
relevante/irrelevante, certa/errada dos alunos,
sempre e quando aprova/desaprova, corrige/elogia,
interrompe ou não o que os alunos dizem;
'

*qual o momento, por quanto tempo e quê alunos têm


direito à faia em saia de aula;
*quem pode participar da comunicação autorizada
(por exemplo: professor -> aluno = autorizada;
aluno -> professor = às vezes autorizada; aluno ->
aluno = quase nunca autorizadaz);
*as fontes autorizadas de conhecimentoz a
bibliografia indicada, que pressupõe uma
bibliografia desconsiderada (a que é conhecida
pelo professor mas que ele julga não autorizada);
os materiais utilizados porque úteis, que
pressupõem materiais desconsiderados (os que são
conhecidos pelo professor, mas que ele julga
não-uteis para o conhecimento);
*quem sabe e quem não sabe, isto é, quem possui
autoridade e decide o que é necessário, possivel
e/ou desejável conhecer e quem não possui
autoridade para decidir, e se ve, por isso,
impedido de poder afirmar o que é necessário,
possível e/ou desejável conhecer;
*qual a relação de poder a ser estabelecida; o
professor como detentor do discurso e os alunos
como meros respondentes ou tão-somente ouvintes,
reforçando, em ambos os casos, o discurso do
professor, ou professor e alunos como detentores
do discurso, colocando em exercicio um revezamento
de falas em que não há proprietários, mas sujeitos
que exercitam 0 ato e o poder de falar;
d-a discursividade pedagógica que se estabelece em
sala de aula é, portanto, efeito e origem de relações
de poder-saber que o professor imprime à sua ação
(trabalho ou tarefa), através de estratégias e táticas
de ocupação ou não ocupação exclusiva do espaço/tempo
da fala, na medida em quez

*S8l8ClO|'lü, DFQBHÍZEI, BPTGSGIWÍG, EXÇHICB, COÍHBHÍ3


OS COYIÍBÚCÍÚS i`8f6l`ÍCl0S 80 SEU ODJÕÍO CIB
C0|'lh8CÍl'l'iBl'lÍO 8 O M0010 COI1'i0 0 fal;
*corrige os alunos (adequação da linguagem as
normas gramaticais, pertinência do falado com o
63
conteúdo que esta sendo trabalnado, relevância do
afirmado/negado/questionado/não entendido pelos
alunos) ou probiematiza as suas percepções e as do
aluno due, do seu ponto de vista, precisam ser
esclarecidas, expilcitadas para melnor
entendimento;
*"avaiia" os alunos (controla as falas, os
entendimentos, os comportamentos, os gestos, os
deslocamentos dos suieltos, através de vigilância,
repreensões, castigos, punições, elogios e
prêmios) ou avalia o trabalho pedagógico que se
processa no próprio ato de ensinar e aprender,
onde os alunos são também parceiros avaliadores;
*PFOVOCG OU FBPTÍFHE 3 faia (106 GIUHOS,
|flSÍ3U|"3|'lÓ0, CÚHSBQUSHÍBMBHÍG, O GÍÓÍOQO OU 0
Si |BI`lClõmBHÍOJ

*impede os alunos de pensar <desautoriza a sua


experiência e o seu saber e, em relação ao
conteúdo, resume, lnfere, deduz, conclui pelo e
para os alunos, induzlndo~os a não pensar) ou
possibilita, provoca o pensar dos alunos
(desafiando-os, questionando-os em torno do
conteúdo);
*torna a ação pedagógica problemática para os
alunos (que a vivem como uma ameaça à sua
autonomia, ao seu direito de pensar, ao seu desejo
de conhecer e a sua possibilidade de produzir um
saber) ou torna a ação pedagógica desafladora para
si e para os alunos (onde coletivamente a vivem
como uma confirmação cotidiana de sua autonomia,
do seu direito de pensar, do seu desejo de
conhecer e da sua possibilidade de produzir um
saber);
*direciona o ensino, a aprendizagem, os
comportamentos, as "cabeças", apropriando-se dos
interesses dos alunos (silenclando seus deseios e
suas necessidades e, as vezes, apagando~os) e faz
com que estes lnteriorizem a indispensabiiidade
dessa direção fundada na neteronomia como sendo o
único modo de o grupo alcançar "produtividade",
“competëncia”; ou direciona a sua ação para o
atendimento dos desejos, das necessidades e dos
interesses dos alunos em relação ao objeto de
conhecimento com o quai trabalham, enquanto
coletivo, possibilitando due este assuma a
condução do processo de ensinar e aprender, o que
funda a (e se funda na) autonomia individual e
grupal (que não se antagonizam, mas que se
B4
constituem simuitaneamente).
discurso pedagógico funciona, então, na rede de
O
elementos estruturam as reiações de poder-saber na saia de
que
auia, como instrumento, mas também como alvo, como origem, mas
também como efeito dessas reiações.
Eis aqui exempios de dois discursos pedagógicos,
transcritos para fins de comparação em reiação aos sujeitos das
falas e aos objetos de que faiam.
O primeiro gira em torno da leitura e debate de um
texto 74 (Didática do Curso ide História, 3o. Grau). O
segundo gira em torno de conteúdos de estudo (Economia e
Mercado do Curso de Contabiiidade, Bo. Grau). Ambas as turmas
são compostas por aiuhos que trabaiham durante o dia e estudam
a noite.

10. EXEMPLO
TEXTO- "Cada vez que a gente faz essa discussão, a gente
comeca imaginando que está pedindo o possível e, ao
fim e ao cabo, descobre que estava pedindo o
impossível. E no entanto o fato de que,
incessantemente, em cada ponto desse pais, em momentos
diferentes, a iuta por uma transformação da
Universidade ressurgir - eia morre num iugar para
nascer no outro, eia morre nesse outro para nascer num
outro - eu acho que é o que mais conta. Não são perdas
que nos tenhamos aqui ou aii que devem contar, mas o
fato de que o desejo de modificar a Universidade não
morre nunca, porque quando eie desaparece num canto
eie ressurge noutro. E eu gostaria, então, de
considerar que o que se passa na PUC de Campinas,
hoje, faz parte de uma história, que é a história de
iutas de transformação do significado da educação e da
Universidade no Brasii.
Para os que são mais jovens, que estão aqui, pode
aparecer como um acontecimento inédito. Mas é, na
verdade, mais importante do que um acontecimento
inédito; é a continuação de uma tradição de iuta."

ÀHHIO À' Tem Uma COÍSG QUE N18 CHGIHOU 3 8ÍBflÇã0 GCIUÍ: 858 m0i"f'B
HSSSG OUÍFO PSFG |'iã8CBf' HO OUÍFO Eia BSÍÉ
PBFQUHÍGHUO O QUÊ? EU PBHSBÍ HO I'I'IOVÍiT|€^.flÍÍO
ÉSÍUGHHÍÍÍ... HO m0VÍiTI€i'iÍ0 BSÍUUGHÍÍI Gia Yiãü

74CHAUí, Marilena de Souza. "A transformação da


universidade." Transcrição de paiestra apresentada na
PUC-CAMP sobre o tema "Reforma Universitária", em dezembro
de 1981.
B5
8D3F8C8...
Aluno B- Mas a coisa é tão estranha... Na outra aula... Já essa
semana a coisa mudou tudo... Bateu no bolso... 75 ÀS
vezes ele morre por não ser mais necessário naquele
momento... Quando se faz realmente necessário a luta
aparece.
Prof.- Ela surge como necessidade, como emergência. Mas
também tem a questão do apagamehto... Qual é o valor
de ser mais importante do que ser novo?

Aluno C- É a continuação.
Prof.~ Exatamente. É a questão do conhecimento histórico da
luta. Mais importante do que ser um acontecimento novo
é o fato de ser, de novo, um acontecimento.

Aluno B- Eu tenho uma ressalva sobre o movimento estudantil.


Essa coisa de ser continuo, mas inconstante, de ter
partes, de ter periodos e parar... Se falou que, de
repente, é uma falta de conhecimento do todo, mas
nesse ponto eu até discordaria, porque as pessoas que
estão no movimento estudantil até sabem demais o todo,
só que eu acho que falta é uma compreensão, não deles,
mas da grande maioria, de que na um elemento comum...
para o que e que eles estão fazendo aquilo.
PPOf.“ TU ffilâã em FBi8Çã0 6 QUE SUÍGÍÍOS? ÀS l|G€F&flÇâS OU
88 PGSSOSB Íüüfiã QUE DEPÍBHCGW 80 UHIVGFSO Gãfiüüflflfiil?

ÀlUfl0 B" EU COMDFGSHÚO Cümü 0 UfllV€f80 Bâtüdflfltll. E DOP 38?


6336 UHÍVGFSO Cãtüdãfltil É QUE ÍBm m0mBflÍOS QU8 €|6S
flãü têm C|&PO QUEM Sãü 35 Peââüãâ COM QUEM €3ÍâF|fim
iutâfldü...
Prof.- E não têm claro por quê?
Aluno B- Falta de conhecimento, não é historico, eu não sei se
seria essa palavra... histórico, porque hole... Por
exemplo: há vinte anos atrás tu sabias exatamente quem
era o inimigo do povo, era o Estado... sabia, tinha
claro. Hole a grande maioria não tem claro isso. Eu
acho que está muito... esta coisa modernizada, como
eia fala aqui, esta deixando o pessoal meio
embaraihado em saber, em ter claro as coisas...
Prof.- Tu estás me afirmando duas coisas melo ambiouasz o

750 8|UflO S8 F8f6F8 6SP8CÍfÍCöm6flÍ€ 80 m0Vim€flÍ0 Sätudafltil


GBHÍFO ÚGSÍG UflÍV6F3ÍGad6 QUE, dlaõ aflteâ, HGVÍG PBSSUPQÍGO Em
ÍOFHO da QUBStãO G0 GUMBHÍO USS m8fl33|Íd8d8S.
56

estudante conhece história, mas não tem claro... A


nlstória do movimento, ele conhece?
Aluno B- Sim, eu acno que é difícil pegar alguém do
movimento... da parte de iideranca, no caso... O
movimento como um todo noie realmente está assim.
PFDf.“ ... GU diãü: ÍOGOS OS €SÍUd3flÍ88 COHHSCBM 3 HÍSÍÓFÍG 6
P8FÍiCÍDam?
AIUHO B- Não, hoje não.
PFOf.- É realmente uma continuidade, mas... existe uma
tentativa de apagamento. (Faz alusão a Maio de 68, em
várias partes do mundo.) Como a classe dominante e a
classe dirigente conseguiram fazer o apagamento disso?
Aluno U- MGS GU GCHO que É mâiä fáCÍi aflagar G0 QUE fâZ6F
SUFQÍF.
Prof.~ Mas é preciso entender como é que se apaga para poder
manejar para que não se apague...
Aluno E* Eles é que fizeram o movimento, eles é que têm que
contar a história, coisa que eles não fizeram...
Aluno B- Mas se tu não tens a memória, como é que tu vais
reconstruir? Tem a censura.
Aiuno F- Quantos movimentos que existiram no país... Eles foram
detalhados, escritos anos depois. Foram reconstruídas
histórias que eram contadas de uma forma muitos anos
atras e hole se conta de outra. Não foi reconstruída?
Assim esses movimentos... As próprias pessoas tinnam
que manter todos esses acontecimentos em relatos, em
próprios depoimentos de pessoas para mais tarde
dÍVU|Q3F E SBFVÍF C0m0 8X6mP|0...
Aluno A- Mas é dificil. Durante a ditadura o pessoal, os
miiicos achavam um livro de capa vermelha na casa da
gente e queimavam o livro. Podia ser até a Biblia... A
culpa desse apagamento ai e porque de não se
identificar quem são os inimigos é esse travestimento
que a direita mantém. A direita está se travestindo de
progressista, de esquerda... Então fica mais diflciiz
além de terem apagado a memória da gente estão
reavivando essa memória ai de maneira sacana, de
maneira travestida. Fica mais dificil.
ÀIUHO B- ... sofrem perseguição essas pessoas, a grande maioria
foi perseguida. Nos Estados Unidos, por exemplo, um
cara que participou do movimento das universidades ele
jamais ia conseguir um emprego depois, esse cara foi
B7
marglnallzado ao extremo. Na França,
a mesma coisa. Em
Praga eles matavam. Então como é que tu vais ter
memória? É difícil tu fazeres reviver essas coisas. No
Brasil a gente vêz hoje tem muita gente conhecida que
está voltando, que voltou, teve gente ainda que ficou
calado que está fazendo ressurgir... Mas a gente sente
uma resistência a crer naquilo que aconteceu, porque
às vezes são tão tenebrosos os reiatos que a gente não
acredita, pelo fato de não ter vivido.
(Continua a leitura do texto. Data; ED/D8/1990)
Eo. EXEMPLO

Prof.A. Entramos na reta final e agora chamo a atenção de


vocês que ainda temos BD pontos em logo para completar
os E8 pontos para não entrar em recuperação. Não quer
dizer que a recuperação seia bicno de sete cabeças,
mas e necessario saber, se conscientizar do que tem
que meinorar. Cada um sabe aquilo que está pior e tem
que melhorar. Como na nossa disciplina o trabalho é
cumulativo, então não há esquecimento dos conteúdos.
Faremos duas avaliações sendo uma optativa a segunda ~fD

que o aluno escolherá fazer ou não e dai se fará a


média.
Al(a)B. Ambas são cumulatlvas?
Prof.A. Sim.
Ài(a)AN É em todas as materias professor?
Prof.A. Sim.
Ai(a)MAR val naver prova optatlva na recuperação?
Pr0f.A. Não, é como copa do mundo. Perdeu, sai fora. vamos
aproveitar e marcar agora nossas avaliações. (val ao
quadroz)
13.-E3 de OUÍUDPO
OP ”3U G6 OUÍUDFO

PFOf.A. E8 fica apertado. Teria de fazer o feedback com


vocês. Discutir as provas com vocês. Teria de ser 30
de outubro. (No quadro )

Vfilüf B PFBÇO
Preco~é o valor expresso em moeda, ou seia, o
resultado da comparação entre um bem e a moeda.
valor-é uma noção relativa, resultante da comparação
entre dois bens.
68
M0€flâ"é Um IHSÍFUMBHÍO QUE f3CÍiÍÍ3 G8 ÍFOCG5,
5BFVÍfld0 U8 USHOMIHGUÚF C0mUm de Val0FB3.
(Devoive a apostila a M.L. de onde copiara os
conceitos.)
PPOf.A. Se os bens são coisas acumuladas para o bem coletivo,
tem de ser caracterizado por dimensões que são o preco
- resultado entre o bem e a moeda f valor e moeda.
valor desse casaco e uma coisa, preco é outra. Quanto
maiô m06Ga BSÍÍVBTWOS 0fBFBCBflG0, mõiâ Sñfá O PFBÇO. U
valor se faz comparando o resultado entre dois bens.
isto é, no momento em que comparo caneta e sapato e
digo que sapato tem mais importância, mais utilidade,
então tem mais valor. Já a moeda é só para expressar
em termos econômico-financeiros o preco. Quando temos
um material que não sabemos a utilidade, não sabemos o
valor, mas podemos colocar um preco.
(Bateu.)
Pr0f.A. EflÍã0 C0|0C3mOS Sãta mãtéfia, m3PCõm0S GS õVäÍÍaÇÕ€S 9
âi8FÍ3m0S PQFH flãü HGVGF SUFPFGSGS. TCh8U. 76
Realizando a analise dos dois exemplos de discursos
pedagúgic os, é possivel destacar;
no io. exemplo; a partir do discurso do texto,
`

organizam-se os discursos de estudantes e professor. 0


discurso do texto pode ser considerado um discurso de
resistência contra o poder-saber da escola e da
sociedade disciplinar, isto é, contra a sua tecnologia
de poder e os discursos que a acompanham. Nesse
sentido, faia-se na “transformação do significado da
educação e da universidade no Brasil", os focos de
luta e seus revezamentos, o desejo que permanece
ligando esses focos e que vai constituindo, aos
poucos, uma historia das lutas... Em torno desse tema.
as falas dos alunos remetem o texto ao seu cotidiano e
o professor os acompannaz a reflexão sobre o movimento
estudantil e seu aparecer e desaparecer, a história do
movimento estudantil enquanto luta, as duracões e
intensidades do movimento enquanto sucessão de
acontecimentos; o conhecimento historico, a memória,
uma certa ”invisibiildade" em relação às "pessoas com
quem estariam (os estudantes) lutando", a falta de
conhecimento, não da história, mas de quem é o
inimigo, hole;
Falta de conhecimento, não é nistórlco, eu

76PEY, Ma ria OIV. Op. Cit., p.8U"81.


BB
não sei se seria essa palavra... histórico,
porque hoje... Por exemplo; ha vinte anos
atrás tu sabias exatamente quem era o inimigo
do povo, era o Estado... sabia, tinha claro.
Hoje a grande maioria não tem claro isso. Eu
acho que esta muito... esta coisa
modernlzada, como eia fala aqui, 77 está
deixando o pessoal meio embaralhado em saber,
em ter claro as coisas...
O conhecimento que falta, então, é exatamente o dos
mecanismos de poder~saber que funcionam numa sociedade
disciplinar, que uma teoria do Estado como foco
central de poder não explicaz
0 privilégio teórico que se dá ao Estado como
aparelho de poder leva, de certa forma, a
concepção prática de _um partido dirigente,
centrallzador, procedendo ã conquista do
poder de Estado; mas, inversamente, é esta
concepção organizacional do partido que se
faz justificar por esta teoria do poder.78
A reflexão continua, em torno do apagamento dos
acontecimentos históricos; o como fazer para que a
história, enquanto memória do vivido, seja conhecida;
o que isso tem de resistência contra 0 poder; a
história como interpretação ("contada de uma forma ...
contada de outra"); a "direita" e o seu trabalho de
"apagar a memória da gente" e reavivar a memória de
"maneira sacana, de maneira travestida"; a repressão,
a violência contra os rebeldes e um outro tipo de
"resistência”z a resistência a “crer naquilo que
aconteceu, ... pelo fato de não ter vivido."
O discurso pedagógico, neste lo. exemplo, "costura"
discursos de conhecimentos e de saberes (em torno da História)
com discursos de resistências (resistências contra o poder e
resistências contra relatos que parecem ihverossímeis, devido
às crueidades que trazem ã luz). Os objetos desses discursos
são as lutas, o conhecimento, os saberes e a história; os
suleltos das falas revezam-se trazendo esses objetos à
discussão.

77CHAUi, no texto, refere-se à modernização como uma roupa


nova para manter formas de dominação muito antigas. Essa
modernização significa fragmentar, da maneira a mais radical
possivel, todas as atividades realizadas em algum campo de
trabalho, inclusive o trabalho na escola. Essa fragmentação não
é inocente e aparece justificada como racionalização.
78DELEUZE, Gilles. Op. Cit., p.4D.
70
Eo. exemplo; o discurso pedagógico se inicia com o
discurso da escola inserido na fala do professor.
Este reproduz, em suas palavras, as normas que regem
os procedimentos de controle, exame e classificação
dos alunos, com suas regras de pontos a mais e a
menos, de inclusão e exclusão, e os seus conceitos de
melhor e pior. Mas o próprio discurso da escola, para
se legitimar, encaminha a faia para o discurso da
pedagogia; “Como na nossa disciplina o trabalho é
cumulativo, então não há esquecimento de conteúdo."
Entretanto, nem o discurso da pedagogia é lógico no
que enuncia (quando o trabalho é cumulativo não há
esquecimento do conteúdo?) nem se vincula logicamente
ao discurso da escola (o diálogo entre professor e
alunos trata do caráter cumulativo/optatlvo das
avaliações e das provas e não do caráter cumulativo do
trabalho da disciplina Economia e Mercado; no diálogo
ainda se confundem avaliação e prova, funcionando uma
como sinônimo da outra). A questão aí não é a de uso
correto das palavras segundo uma conceituação que a
pedagogia faz (a avaliação não se reduz à prova), mas
a dos mecanismos de poder que vinculam avaliação
escolar a exame, prova, julgamento referido a uma
norma. Por isso é possível passar da palavra avaliação
à palavra prova significando o mesmoz na prática, elas
remetem aos mesmos mecanismos de poder. Mais adiante,
quando o discurso pedagógico se dirige ao objeto de
estudo da disciplina Economia e Mercado, ele inicia a
partir de um texto copiado da apostila de uma aluna e
o conteúdo desse texto é a conceituação de preço,
valor e moeda. Tais conceltuações servem de
suporte à fala do professor, que trata o objeto em
estudo (relação preço, moeda e valor) de modo
abstrato, não referido ao cotidiano do aluno nem ao
campo social de onde se originam tais conceitos.
"Exemplos e explicações são `dadas' pelo professor sem
qualquer interferência dos estudantes." 79 E mais;
As informações faladas ou escritas são
lineares, deixando nas entrelinhas que aquilo
que tinha de ser dito esta sendo dito, e
sobre isso nada ha a reparar ou a dar
continuidade, muito menos a duvidar. os bens
são, mesmo, as coisas acumuladas para o bem
coletivo? se sim ou não, isso deixa de ter
significado, pois é escrevendo exatamente o
que o professor disse na prova que o
estudante garantirá êxito. Professor e
estudante são cúmplices na reafirmação. do
dlt0.80

EY, Maria Oiy. Op. Cit., 9.81.


d. Ibid., p.8E.
71

É possível acusar o discurso do professor de ser


um discurso "ideológico", intencional ou não. Mas
os mecanismos de poder que se estabeiecem entre
professor e aiunos são de outra ordem e pertencem
a outra instância. O discurso poderia ser
verdadeiro no sentido de não mascarar a
reaiidade das reiações economicas entre produção,
bens e vaior de mercadoria e, ainda assim, a
tecnoiogia de poder discipiinar estaria
funcionando entre professor e estudantes, porque
eia não se da apenas ao nivel do discurso (embora
também o inciua), mas na prática de sujeição do
escoiar as regras e as normas do discipiinamento
(submeter-se ao controie, ao exame, à
ciassificação, ao prêmio e ao castigo, através da
análise de seu comportamento e da repetição
daquiio due o professor estabeiece como
conhecimento). De duaiduer modo, o discurso em
torno do objeto de estudo guarda uma certa
correspondência com o discurso sobre a avaiiaçãoz
o "preço" da aprendizagem é o seu vaior expresso
em notas, isto é, o resultado da comparação entre
um dito/uma norma e sua repetição. Quanto a isso
aiunos e professores concordam; "cúmpiices na
reafirmação do dito", eles também são o suporte
das relações diferenciais de poder. Sem
resistências. Por isso é possivei passar do
discurso em torno do objeto de estudo para o
discurso da escoiaz um dá continuidade ao outro
como escora, ponto de apoio <"Então coiocamos esta
matéria, marcamos as avaiiações e aiertamos para
não haver surpresas.“)
O discurso pedagógico, neste Bo. exempio, "costura"
discursos de conhecimentos (em torno de Economia e Mercado) com
discursos da escola e da pedagogia. Os objetos desses discursos
são os conceitos que codificam a realidade, as normas e os
mecanismos de vigilância e punição; os sujeitos das faias
revezam-se trazendo apenas os úitimos objetos a discussão.

4.0 OISCUFSO da GSCOIS COm0 SBQUÚÚO Biflmêfltü U8 âfláliãfi Úfiã


F8|3ÇÕES P0dBF”S3bBF QUÊ SC GXBFCBM Ha GSCOIG

É DFCCÍSO GGSÍGCGF, POFÍGDÍO, QUE O ü|SCUPSO


pedagógico funciona referido a outros discursos; eie "costura"
os discursos sobre o objeto de estudo (História ou Economia e
Mercado) ao discurso da pedagogia, ao discurso da resistência
e ao discurso da escoia. Este aigumas vezes reforça e,
outras, se antagoniza aos demais. O discurso da escola seria
definido como "... o discurso interno da instituição - o que
eia profere para si mesma e circuia entre os due a fazem
72
funcionar ...” Bl, discurso em que não ná um suieito que o
origina, mas que funciona através de dispositivos
arquitetônico-espaciais, regulamentos de disciplina e
vigilância, decisões administrativas, e que trata da
organização interior da escola. 0 discurso pedagógico e o
discurso da escola são, ambos (embora não apenas eles),
produções e suportes das relações de forcas imediatas e locais
que se exercem no âmbito da saia de auia e da escola.
Fundamental para a análise das relações poder-saber
que funcionam no pedagógico, o discurso da escola é
caracterizado separadamente porque, sem sujeito, ele torna~se o
local privilegiado de afrontamentos e o alvo marcado das lutas
que travam entre si os demais discursos referidos ao
pedagógico. Nesse sentido, e para este trabalho, ele é
analisado como o lugar que a luta em torno da verdade do
pedagógico reserva, provisoriamente ou não, ao seu eventual
VCHCCGOF. 1580 P0fQU€ DS m€C3fli5m0S U6 POUGF PVOGUZBM
visibiiidades e enunciados diversos e divergentes em relação à
educação e à escola (pedagogias tradicional, escoianovista,
tecnicista, não-diretiva, critico-social, histórico~critica,
lbertadora), mas todos têm um a prlorlz a própria escola como
máquina capaz de operar mudanças qualitativas no escolar,
referidas (essas mudanças) a modelos mais ou menos codificados.
Esses embates, essas lutas se processam exatamente
porque o discurso da escola está referido a uma região de
visibliidades (quadros) que eia produz. Como na formação do
saber pedagógico a escola responde pelo não-discursivo, pelo
visivel, eia tem uma função diferente da funcão da pedagogia. A
função da pedagogia é a de produzir enunciados sobre a
educação. A função da escola é a de produzir "quadros",
visibilidades, para fabricar a individualização, a docilidade e
a produtividade dos corpos. isso é escoiarizar. E os seus
discursos estarão sempre visando realizar essa escolarização,
seia qual for o modelo pedagógico a ser perseguido.
Em fUflÇã0 GCSSÕS lutõâ, OS €mb3Í65 G0 UÍSCUFSO da
GSCOIG S8 üãü em GÍVGFSOS HÍVBÍS, Gm C0flfFOflÍ0 C0m GÍVGPSOS
diSCUPSOS: BIC DUSC8 SGMPPB, Em ÍBFMOS de V€Fd8ü6_POd6F,
F8f0FÇ3F aiguflã GÍSCUFSOS B ü6SaUÍOFÍZ3F OUÍFOS.

5.ÚS Óemfliâ ÕÍSCUFSOS TBTBFÍÚOS GU P6G3§Ô§ÍCã: O GÍSCUFSO 60


pedagógico e o discurso sobre o pedagógico

Para a produção de uma história/análise das relações


de poder~saber que um trabalho pedagógico não-autoritário pode

8iFOUCAULT, Michel. História da sexualidade iz a vontade de


saber. P.3U.
73
instituir, é preciso buscar os acontecimentos singulares
vividos por educandos e educador e os discursos que brotam,
orientam, produzem e relatam esses acontecimentos. Tal mundo de
discurso, se a análise e iniciada pelo discurso pedagógico,
nele não se esgota, como ia foi visto. inserem-se aí também o
discurso da pedagogia e o discurso da escola. Entretanto, é
necessário ir adiante, agora destacando do discurso pedagógico
o discurso do pedagógico de estudantes e professores, e
também o discurso sobre o pedagógico.
O discurso do pedasóglco é o discurso tanto de
educador quanto de educandos a respeito da própria acão
pedagógica, enquanto experiência vivida de que são sujeitos. É
um discurso, falado ou escrito, que tem a acäo pedagógica como
objeto de reflexão, a partir da experiência feita e pensada,
mas que, numa "política geral de verdade", não possui estatuto
de cientiflcidade e, em consequência, não lhe são atribuídos
efeitos específicos de poder. -

Em contrapartida, o discurso sobre o pedagógico é o


discurso científico ou o considerado como tai, e que se produz
a partir das institulcões reconhecidas como capazes de
enuncia-io; dentro dessas instituições (universidades, órgãos
de pesquisas, ou editoras de livros e/ou revistas
especializadas no assunto) na sujeitos que têm a tarefa de
produzir a verdade sobre o pedagógico.
O que diferencia o discurso do pedagógico do discurso
da pedagogia? inicialmente o estatuto institucional de quem o
profere. O discurso do pedagógico tem como sujeitos, no caso
desta pesquisa, os alunos e professores quando se referem aos
acontecimentos que os envolvem em saia de aula e/ou na escola.
Este discurso surge e circula num espaco restrito, é efêmero
(pois raramente tem registros) e os procedimentos de sua
producao são considerados, no mais das vezes, não-científicos.
0 discurso do pedagógico que enunclam professores e estudantes
a partir do discurso pedagógico só são revestidos de
cientificldade se inseridos numa tecnologia de poder
disciplinar que visa submeter os suleitos do discurso a
análise, exame e/ou mudanca de comportamento. Diferentemente, o
discurso da pedagogia tem a seu cargo enunciar a verdade sobre
a educacao. Ele se produz a partir de diversos pontos
considerados como capazes de lhe fornecer um caráter de
cientificidade ou de respeltabiiidade, e circula amplamente nos
aparelhos de educacão e de informacão. g

Us objetos dos discursos também são não-coincldentesz


o discurso da pedagogia enuncia sobre a educacão e o discurso
do pedagógico enuncia tanto sobre a educação quanto sobre a
escolarizacão (função da escola).
Já 0 CHSCUFSO SOUPS O FIBGBQÓQÍCO 6 O GÍSCUTSO G3
PSGSQOQÍ6, l'i€SÍ8l DBSQUÍSG, SãO O MSSITIO CUSCUFSO. S6 |"6C8b6m
74
duas denominações é em função do que é a eles contraposto ou
associado na análise dos demais discursos. Assim, contrapõe-se
e/ou associa-se o discurso da pedagogia ao discurso da escola.
Do mesmo modo, contrapõe-se e/ou associa-se o discurso sobre o
pedagógico eo discurso do pedagógico. Na vinculação
pedagogia-escola, chama-se a atenção do processo de produção da
verdade num âmbito mais geral e sem referências a sujeitos. Na
vinculação sobre o pedagógico-do pedagógico, chama-se a atenção
do processo de produção da verdade no âmbito especifico da saia
de aula e da escola e referido a sujeitos determinados.

Esta caracterização pretende dar uma intellglollldade


ao "mundo do discurso" referido ao pedagógico, isto é,
determinar os sistemas de poder que os produzem e os apóiam e,
ao mesmo tempo, identificar os efeitos de poder que eles
provocam e que os reproduzem. E se, ao longo do traoalno, vou
contrapondo o discurso do pedagógico aos demais discursos é por
entender que, na busca de produzir uma história/análise das
relações poder~saber instituídas num trabalho pedagógico
não-autoritário, que resgate e privllegie os acontecimentos
singulares vividos por educandos e educador e os discursos due
brotam, orientam, produzem, relatam esses acontecimentos,
existe a pretensão de questionar a própria política de verdade
que, hoje, responde pela gestão da discursividade pedagógica. E
questionando-a, tentar inverter as regras do logo
negemonia~verdade-poder.
Quando tento colocar o problema do desejo
enquanto formação coletiva, evidencia-se logo
que o desejo não e forçosamente um negocio
secreto e vergonhoso como toda a psicologia e
a moral dominante pretendem. 0 desejo permeia
o campo social, tanto em práticas imediatas
quanto em projetos muito ambiciosos. Por não
querer me atrapalhar com definições
complicadas, eu proporia denominar desejo a
todas as formas de vontade de viver, de
vontade de criar, de vontade de amar, de
vontade de inventar uma outra sociedade,
outra percepção do mundo, outros sistemas de
valores. Para a modelização dominante -
aquilo que eu chamo de “subjetividade
capitalístlca" ~ essa concepção do desejo é
totalmente utóplca e anárqulca. Para esse
modo de pensamento dominante, tudo bem
reconhecer que "a vida é muito dificil, que
há uma série de contradições e dificuldades",
mas seu axioma de base é due o desejo só
poderia estar radicalmente cortado da
reaiidade e que haveria sempre uma escolha
inevitável, entre um principio de prazer, um
principio de desejo, por um lado, e de outro,
um princípio de realidade, um principio de
eficiência no real. A questão consiste em
saber se não ha uma outra maneira de ver e
praticar as coisas, se não há meios de
fabricar outras realidades, outros
referenciais, que não tenham essa posição
castradora em relação ao desejo, a dual lhe
atribui toda uma aura de vergonha, toda uma
espécie de clima de cuipabiiização, que faz
com que o desejo só se possa insinuar, se
inflltrar secretamente, sempre vivido na
clandestinidade, na impotência e na
repressão. BE

8EGUATTARl, Félix e ROLNIK, Suely. Micropolíticaz


cartografias do desejo. E.ed. Petrópolis, vozes, 1986,
D.E15-216
CAPITULO V

OS DISCURSOS REFEHIDDS A0 PEDAGÓGICO: REGISTROS

Para' iiustrar o “mundo do discurso referido ao 71

pedagógico, eis aqui aiguns registros dele. Escoini como eixo


centrai desses discursos exatamente a discipiina ou campo de
conhecimento com que trabalhamos, educandos e eu, no Curso de
Formação de Professores de História - a Didática. Em torno
desse campo de conhecimentos, com todas as suas impiicações
espaço-temporais (os periodos de auia, as reuniões de Facuidade
ou de Departamento que, como professora de Didática, recebi
convocações para assistir) foi estabeiecido o discurso
pedagógico em saia de auia e desenvolvidos os discurso do
pedagógico, através dos quais foram feitas a anáiise e a
interpretação do discurso da pedagogia (discurso sobre o
pedagógico) e do discurso da escoia.

1.0 QÍSCUPBO U0 BJGGGIQÓÊHCO: filL3¡'l.|i`fl€ã3 fâiaä (108 BBÍUGGHÍBS

D primeiro registro refere-se ao discurso* do


pedagógico produzido por um grupo de aiunos estagiários (Bo.
período) que soiicitou um espaco durante as aulas de Didática
para conversar com seus coiegas a respeito do estágio
supervisionado reaiizado por eie. D grupo (composto por quatro
alunos) propunha uma refiexão a respeito do sentido e dos
resuitados de sua inserção num curso de formação de professores
de História, considerando as Práticas de Ensino por ele
recém-conciuidas. Eis parte de seu discurso;

Est. A- A nossa proposta para conversar, para ter vindo aqui


também... é que nós achamos que esse estágio não está
convencendo ninguém porque... veia bem; na nossa
equipe tem a B que é professora, a E da auia para
várias séries, Eo. grau (...) Então a gente chegou à
seguinte conclusão; partir para que estágio? 0 nos
objetivo era esse; durante dois dias no Bo. período
um curso que é de licenciatura plena, lnvarlavelme
daria nisso. Nós fracassamos, sim, nós não tínhamos
C3p3CÍU3UE Pfifâ PESOÍVEF ÍSSO fl8qUE|ES Uiãâ POFQ
QEHÍE flãü SGDIB GS flECESSÍdõdES 003 PFOfE8SOFES,
ÚECESSÍUGUE U0 10081, ta, QUEÍ EF3 8 EVã3dO
'
w
E8 COÍEF,
se as criancas se alimentavam na escola ou fora
escola ou somente na escola, se tinham algum proble
na familia, como é que a professora se envolvia c
aqueles alunos, como é que uma professora pré-primá
ia trabalhar independência do Brasil com criancas c
UEZ fiflO5 fÍSÍCOS E ÍFE8 EROS MEHÍEÍB E COM CFÍ3flÇâ
QUEÍFO anos físico e mental e com criancas de se
anos físico e mental e perfeitos idiotas junto, tá?
Nós não sabíamos disso. Essa professora deve s
louvada, porque eia fazia um trabalho que nos
temos o mínimo conhecimento” e pelo que nos conversam s
com eia foi mu'ito pouco, nao deu para fazer nada e foi
uma das criaturas que nos conseguimos que produzia
no segundo dia, porque no primeiro dia, quando nos lá
estávamos lá, nós nos juntávamos, conversav amos a '

respeito, chegávamos à conclusão de que tinha sido


coisa terrível para eles e para nos. Porque,
FEPEHÍE, SE ãlQUEm CHEQGSSE 0fEFECEflU0 EMPFEQO Da
QUGÍQUEF Um UE HÓS Em Uma ESCOIG, EU ÍEÚHO CEFÍEZ3
nenhum ia aceitar. Não, eu não ia. 0 início lá tin
sido terrível, como é que la... com pessoas adultas
que tem plena liberdade para chegar para você e di
não gostei do que voce falou... como e que eu
^ TI
Ó,
II

ficar na frente de uma turma com trinta alunos, c


UEZ GHOS UE ÍUGUE, fôZEflU0 0 QUE EU tinha fEÍÍO ? Qual
SEPÍa 0 mEU UESEMPEÚHO? SEFÔ q UE eu ainda teria o
direito de exigir que esse aluno conseguisse apren
alguma coisa, conseguisse ficar interessado na min
aüid,'
SE EU ESÍGVG ÍEFMÍHEHUO Um curso que me
capacitaria para isso e não estava conseguln
resolver o meu problema? A incapacidade é minha s ,

tá? Eu fui cega de não perceber. Acontece que eu a


o meu caminho sozinha. Eu descobri isso sozinha,
numa sala com dez pessoas, que não sabiam o que que
estava falando, por que que eu estava falando e que
hora
"
que eu ia terminar... E não tinham como dizer que
flaü, POP mãlâ QUE 6 QEHÍE UEÍXESSE 8 VOHÍ ade, tá?
`

LÓQÍCO QUE NESSE mEÍO ÍOUO RUS ESCUÍ8Vâm0S UÍZEF, Uma


pessoa que odeia escola, que é o pior empreg
mUflU0, ÍÍVEMOS COHNECÍMEDÍO QUE o Secretário de
Educacão ficou o tempo inteiro na cozinha, tá? Tlvem
COHHECÍMEHÍO QUE VÊFÍSS PFOfESSOFãS Saíram
receber pagamento, na hora do almoço fomos
interrompidos por políticos que foram distrib
"santinhos" e levar dinheiro para o Jantar do
78
professores, com direito a discurso, quer dizer...
tudo isso entrou como uma rica experiência para nós,
só que foi no "fim da festa", tá? A meu ver, este
estágio, essa é a minha opinião pessoal, alguns
compartilham da mesma opinião comigo, é que esse
estágio deve ser começado muito antes do 8o. periodo e
que o professor ou orientador ou alguém que se preste
a esse tipo de trabalho deve ficar ao lado do aluno,
tá? ...que esta desenvolvendo aquilo. Para quê? Para
que observe a aula que aquele aluno deu e para que
possa corrigir e porque... gente, eu acho muito
importante a gente pensar a respeito do que nós... do
que que essa gente vai botar na cabeca de nossos
filhos... que não adianta ser um colégio... o colegio
mais caro da cidade, o colégio público melhor da
cidade, se o professor vai fazer a mesma coisa em
todos eles. 0 que que nossas criancas vão aprender na
escola, com professores como nós fomos? Eu acho que
isso é uma coisa a ser pensada, não só pelo Bo.
período, mas sim pelo 40., pelo 3o., pelo Bo. e até
pelo lo., coitadinno, que está entrando e não sabe de
nada. Metade vai sair do Curso, o restante, se não for
alertado, provavelmente ha uma grande chance de passar
pela mesma experiência amarga que nós passamos. (...)
Embora haja pessoas que acham que a nossa atitude é
errada, que a gente não devia... há pessoas do Curso
que acham que a gente não devia estar aqui conversando
com vocês porque isso é fazer u jugo do professor. Eu
como pago a faculdade, pago com meu dinheiro, tá,
posso emitir a minha opinião desde que não preiudique
ninguém, tá? A minha vinda aqui, junto com os colegas
não é de prejudicar, é tentar ajudar porque eu sei que
tem mais gente que vai se formar. Eu gostaria de
encontrar amanhã colegas em algum lugar que dlssessem
assim; “Po×a, aquele estágio que nós fizemos valeu.
valeu a pena alguém ter mexido em alguma coisa."
Porque se a gente não senta e não para para discutir,
não se troca idéias. Aí vai acontecer que nem
aconteceu lá: a gente só falava, o pessoal só ouvia.
(...)
ESÍ. B' Acho que umas duas semanas antes de comecar o estágio
a professora se reuniu conosco e eu lembro que foi
levantada a seguinte questãoz ela sugeriu que nós
iniciássemos o conteúdo lembrando da
interdisciplinaridade, que nós ensinássemos os
professores de la. a 4a. (e aí nós já sabíamos que
seriam professores de la. a sa.) a como ministrar
História fazendo a ...ligação com Matemática,
Português, disciplinas e tai... Mas eu pergunto; como
é... por que nós fazermos isso?
UHO E” ... se vocês nunca viram isso...
79
ESÍ. B* ... se eu não vou trabalhar com alunos de ia. a 4a.,
por quê... por quê eu vou fazer isso no estágio? (...)
ESE. C- No final do curso tem que entregar um relatório que
nos não sabíamos fazer, não sei se vocês sabem, mas
nós não sabíamos fazer, quer dizer, o nosso relatório
foi considerado. além do de um outro menino da nossa
saia, que vocês sabem... o nosso foi pior.
ESÍ. A- Mas nos tiramos oito no relatório, oito no conteúdo...
ESÍ. C- Ficamos com 9,5 na média...
ESÍ. A' isso. Não dá para tu saber quai é o parâmetro para...
(Alguns aiunos sugerem que o professor responsavel
pelo estágio seia afastado. Um estagiário ressaitaz)
ESÍ. D* Não tem nada a ver professor nem turma. A questão é o
estagio em si. Nos e que temos que mudar o estágio.
(...)
ESÍ. A" A gente descobriu as dificuldades quando pisou na
saia. Descobriu uma dificuldade ~ a nossa
incompetência. A outra dificuldade que a gente
descobriu era - fazer o quê com tanta informação. A
terceira dificuldade era botar tudo isso no papel, tá,
porque são seis cabeças e cada uma pensa de uma
maneira e a gente tem que resumir tudo isso e colocar
numa folha, numerar essa folha e dar um título, tá?
Esse talvez seja o maior trabalho, porque você tem que
pegar aquela pessoa que foi observador de outra turma
e ficar escutando o que aquela pessoa tem a dizer.
Então esse estágio, eu me pergunto, se ele é um
deiator oficial de grupos ou se ele é um formador de
individuos. Eu ainda não entendi qual é. Mas para mim
está errado isso também. Se houver necessidade, eu me
proponho a fazer esse estagio de novo o ano que vem.
Eu não estou satisfeita comigo.

ESE. C" A gente aprendeu por exciusãoz isso não dá, isso não
da... (...)
Est. À' inicialmente, vocês sabem que a minha intenção é
continuar o estudo, tá, e partir para a área de
pesquisa. A minha intenção é essa. Mas veiam bem; eu
quero ter a gratificação de saber que mesmo que ... é
uma coisa que eu não posso, trabalhar com o futuro
concretamente, mesmo que eu não venha a dar aula...
assim, nos próximos meses, eu me quero saber
competente. isso me faz bem. (...) Eu quero saber o
seguinte; que aquele meu diploma que eu vou guardar
com o maior carinho dentro de uma gaveta vai valer.
BD
Que o dia que eu sacar o diploma e apresentar no
colégio eu vou saber que eu tenho competência para
deixar quarenta e cinco minutos trinta alunos com
olhinhos pregados em mim e sentindo a maior pena na
hora que eu for embora. Se não for assim, para mim não
vai prestar. Se não for assim, para mim não valeu.

Não por acaso os estagiários escolheram o espaco da


Didática para
i comunicar a seus colegas frustracões,
questionamentos e indignação em relacao a um momento do Curso
que é mostrado como, talvez, o mais importante; como aquele que
integra teoria e prática, como aquele que põe a prova a
capacidade de cada um de ser um bom professor. Sendo a Didática
o primeiro espaco-tempo do Curso em que a questão do "ser
professor" é colocada claramente (até então os alunos têm
apenas as disciplinas chamadas "de conteúdo"), nada mais
coerente do que ocupa-io para indagar sobre o modo como a
"formacão profissional” se processa na "prática", isto é, no
estágio.
Pode-se dizer que ha toda uma regulamentação legal
para a Prática de Ensino;
-a Resolucão No. 9 de iU/iU/59 do Conselho Federal de
Educacão que especifica, em seus art. io., E0. e 3o.z
Art. io.~0s curriculos mínimos dos cursos que
habiiitem ao exercicio do magistério, em escolas
de Bo. grau, abrangerão as materias de conteúdo
fixadas em cada caso e as seguintes matérias
pedagógicas;
a)Psicologia da Educacão (focalizando pelo menos
os aspectos da Adolescência e Aprendizagem);
b)Didática;
c>Estrutura e Funcionamento do Ensino de lo. e Eo.
Grau.
Âi"C. E0.“SBi"á ODFÍEJEIÍÓFÍ3 3 PPÉÍÍCS de Eflãiflü (188
mâtéfíêã QUE Sfšjãim OUÍBÍO CÍ8 fl8b|lÍ'ÊäÇã0
$3i"0f|S8iiÍlfl&i, SUD 'f0i"mâ GB BSÍÉQÊO SUPEPVÍSÍOHGCÍO
8 (ÍGSBHVOIVE-i"'56 Em SlÍU8ÇãO P681, G6 Pi`6f6I"ëi"!C|8
em B'3C0|€i Cia Cümüfliüâüe.
Art. 30.-A formação pedagógica prescrlta nos
artigos anteriores sera ministrada em, pelo menos,
um oitavo (1/8) das horas de trabalho fixadas,
como duração minima, para cada curso de
licenciatura.
-a Portaria no. 152 de U6/D5/BB do Ministério da
Educacão e Cultura, que trata do registro de
professores:
81

ÂFÍ. 30.“Ú FBQÍSÍFO G8 PFOf8S30F de EHSÍHO GC ÍO.


6 20. GFâUS SBF3 CUHCBGÍUO flaô áfefiã, GISCÍPÍÍDGS
e niveis de ensino, conforme itens especificados a
seguir:
(...)
Xl-aos licenciados em História;
i-licenciatura plena; Área de Estudos
Sociais, no io. Grau; História e Organização
Social e Política do Brasil, no lo. e Eo.
Graus.
(...>
Art. 7o.-É obrigatória a prática de ensino nas
disciplinas, objeto de registro, sob a forma de
estágio supervisionado.
Art. 8o.~Nennuma disciplina poderá ser objeto de
registro quando não houver sido estudada ao longo
do curso, pelo menos, em 160 (cento e sessenta)
noras-aula."
so Decreto Presidencial No. 87.497 de 18/G8/BE, que
regulamenta a Lei No. G.494, de 7/ie/77, a qual dispõe
sobre o estágio de estudantes de estabelecimentos de
ensino superior e de Bo. Grau regular e supletivo, nos
limites que especifica, e dá outras providências;
Art. io.-O estágio curricular de estudantes
regularmente matriculados e com frequência efetiva
nos cursos vinculados ao ensino oficial e
particular, em nivel superior e de Bo. Grau
regular e supletivo, obedecerá as presentes
normas.
Art. E0.-Considera-se estágio curricular, para os
efeitos deste Decreto, as atividades de
aprendizagem social, profissional e cultural,
proporcionadas ao estudante pela participação em
SiÍUãCÕB8 F33lB U8 Vlüã B ÍFBDBÍHO Em SBU meiü,
SBHUÚ FEãiiZ8G3 HE Cümüfliüãfiô Em §3Fãl OU jüfltü G
PGSSOGS }UFÍdiCãS GB GÍFBIÍO PÚDÍÍCO OU PPÍVGGO,
SGD Fôâpüflââbiiidaüê 8 CO0FdGflãÇã0 U8 ÍHSÍÍÍUÍÇÊO
G8 BRSÍHO.

Art. Bo.-G estágio curricular, como procedimento


dldático~pedagógico, é atividade de competência da
instituição de ensino a quem cane a decisão sobre
a matéria, e dele participam pessoas Jurídicas de
direito público e privado, oferecendo oportunidade
e campos de estágio, outras formas de ajuda, e
colaborando no processo educativo.
Art. 4o.~As instituições de ensino regularão a
BE
matéria contida neste Decreto e dlsporão sobre;
a)lnserção do estágio curricular na
programação didático~pedagoglca;
bicarga horária, duração e Jornada de estágio
curricular, que não poderá ser inferior a um
semestre letivo;
c)condlções lmpresclndiveis, para
caracterização e definição dos campos de
estágios curriculares, referidas nos
parágrafos io. e Bo., do artigo lo., da Lei
no. 6.494, de 7 de dezembro de 1977;
d)sistemática de organização, orientação,
supervisão e avaliação de estágio curricular.
“6, aiflüa, COI11 PGFBCBPBS E FBSOÍUÇÕGS BS|3BCÍfÍC08.
Há, portanto, toda uma dlscurslvldade legal (leis,
pareceres, resoluções, estatutos, decretos) fundamentando o
estágio supervisionado e estabelecendo, por exemplo, que o
estágio deve “desenvoiver~se em situação real, de preferência
em escola da comunidade" e, no caso especifico da licenciatura
plena na disciplina Historia, deve desenvolver-se na "área de
Estudos Sociais, no lo. Grau, e Historia e OSPB, no io. e Bo.
Graus". Ora, pelo que os próprios estagiários estão afirmando,
a proposta da escola não é estaz

Existem três opções (para local de estágio);


na APAE, num asilo (de idosos) ou com
professores de ia. a sa. série em uma escola
de outro municipio. É a turma que decide.
(...) Na escola, um grupo tem que dar
metodologia. Metodologia é pura didática,
pura didatica. você tem que ir sabendo porque
val se discutir tudo o que diz respeito à
didática, como; o que passar para o aluno,
não procurar passar as coisas prontas e
acabadas, não fazer Isso... dar técnicas, dar
trabalhos para os próprios professores
realizarem, dar situações que os professores
tem que se posicionar, se colocar... 83
Os alunos estagiários nem trabalharam em situação real
(não trabalharam com alunos de lo. e/ou Bo. Graus, lá que só
podiam escolher entre alunos excepcionais - APAE, idosos -
asilo, ou professores de la. a sa. series), nem trabalharam
em escola da comunidade (visto terem atuado em escola pequena
de outro municipio), nem trabalharam com o seu objeto de estudo
(que seria a área de Estudos Sociais, no caso de lo. Grau,

83Faia de aluna que, pertencente à turma de Didática l, já


havia realizado o estágio supervisionado em História em 1989.
Não há pré~requisitos de disciplinas no Curso.
83
História e OSPB, no caso de io. e Eo. Graus; eles trabalharam
com Didática Especial de História). Atuaram como professores de
Didática, alguns sem jamais terem sido professores (o caso de
grande número de estudantes) e ensinando conteúdos que jamais
aprenderam (ensinar, por exemplo, o como realizar a
li'lt6l"diSCiPIIilâl`lCi8Ci6 da Hl8'CÓi"I8 Cüm 38 d8mõll8 dlSClDIl|'l88).

Mas não cabe aqui uma análise de conteúdo do discurso


dos estagiários no aspecto do certo-errado quanto as questões
pedagógicas (0 discurso da pedagogia, ou o discurso sobre o
pedagógico dos intelectuais da área). isso porque 0 que se
pretende é, com o discurso do pedagógico que esses alunos
proferiram, destacar que eles denunciam, claramente, algo que
não é apenas a dicotomia teoria-prática, algo que ultrapassa o
aspecto “formação deficiente do professor", algo que se pode
denominar de ilegaiismos que a escola seleciona para,
dependendo da situação, fazer funcionar num dispositivo de
poder-saber de modo a sujeitar os estudantes.
Tais liegaiismos permitem a escola, por um lado,
exigir dos estudantes todo um comportamento regido por regras e
normas que se encontram expiicitadas no estatuto da instituição
e que se remetem, em última instância, as prescrições legais
emanadas dos diversos Órgãos que deiiberam sobre educação
(Ministerio de Educação, Conselho Federal de Educacão, por
exemplo); por outro, estabelecer para sl uma margem de
tolerância quanto ao cumprimento das leis sempre e quando lhe
for conveniente. Essa incoerência legal da escola não e, porem,
uma falna sua. Ao contrario, é condição de seu funcionamento.
Fazer o discurso iegallsta e, concomitantemente, utilizar a
tecnologia do poder de dlsclpiinamento são práticas de sujeição
que se superpõem. Na verdade, a escola tem suas proprias leis e
repete ou "esquece" o discurso legal na medida em que este
facilita ou dificulta o seu funcionamento.
Assim, é obrigatório realizar o estágio suervlsionado
(embora o modo como a escola o organiza não entre em
discussão), é obrigatório apresentar um relatorio escrito do
estagio (embora utilizar esse relatório para fazer a critica do
desenvolvimento do estágio seia punido com "a nota pior"). É
possivel escolher entre três locais para estagiar (embora
nenhum deles ofereça possibilidades de experiências com reais
alunos), assim como é possivel escolher o conteúdo a ser
ensinado para os "alunos”, isto é, o grupo de professores de
pré, ia., Ea., Ba. e sa. séries do lo. Grau (embora qualquer
conteúdo deva ter o enfoque da Didática Especial de Historia).
Em resumo, é possivel fazer apenas o que a escola propõe e que,
por ser proposto por ela, torna~se automaticamente legal. É
ilegal fazer o que a escola não permite ~ criticar, questionar,
indagar da validade e da legitimidade da experiência. O ilegal
radica, para a escola, na contestação, sinonimo de
indisciplina, perigo a ser permanentemente coniurado. Na
escola, o que não é possivel, o ilegal é desobedecer.
84
Ê.U|'I'l 0U'Cl"0 CIÍSCUFSO dO í38CÍi3QÓ§lD0: Ulflâ ÚUÍÍFES fflliši (105
€3ÍU(18l'lÍ€S

O grupo de alunos pertencentes à Didática em isso, a l

medida que nosso trabalno se ia desenvolvendo, colocava em


discurso suas reflexões em torno da escola. isso porque, sendo
a Didática vista como uma disciplina referida à pedagogia e à
escola, o discurso pedagógico que se enunclava em sala de aula
automaticamente tornava-se discurso da pedagógico. A
discussão partiu do mais próxlmoz o próprio processo educativo
que se processava no Curso, especificamente, e na Universidade,
de um modo geral.
i

Assim, em relação as dificuldades encontradas no Curso


de História, os alunos apontaram;

-falta de tempo para ler mais, estudar;


-falta de integração das disciplinas;
-conteúdos mais adequados à realidade (a realidade e
quase o oposto das teorias que o curso prega);
-conciliar e aceitar a incompatibilidade de idéias
entre professores e alunos;
-a maneira como são dadas as aulas por alguns
professores (alguns professores deixaram a desejar);
-financeira;
-localização geográfica do conteúdo (do momento
histórico);
-o curso oferece pouco;
-falta de material na biblioteca;
-poucas disciplinas na área de pesquisa;
-norárlo pequeno para desenvolver um bom trabalho;
-dificuldades de relacionamento com a direoão e as
diretrizes desta.
A tônica do Curso é a falta. no Curso falta
lntegracão das disciplinas, conteúdos adequados à realidade,
competência dos professores, diálogo professor-aluno,
contextualizacão ampla dos conteúdos, bibliografia,
aprofundamento na pesquisa. Aos alunos faltam recursos
financeiros. A alunos e Curso falta tempo. o Curso é organizado
pelo principio da escassez, da precariedade.
Em relação as expectativas em torno do Curso, os
alunos apontaram;
-entender melhor o mundo em que vivemos;
-ter mais conhecimento, e mais profundo, de todo o
movimento social e político que nos envolve;
-abrir novos caminhos e modificar a forma de ver e
estudar História;
-que um dia os conteúdos sejam adequados à realidade;
-que melhore o quadro de professores;
85
-as aulas poderiam ser menos cansativas;
-mais auias práticas;
-mais debates nas aulas;
-realizar viagens, visitas a cidades históricas
importantes;
-melhoria do nível do curso;
-que possa lecionar bem História quando terminar o
curso;
-produzir algo no campo da pesquisa histórica;
-produzir conhecimento histórico capaz de resgatar a
cultura popular;
-um futuro mais ativo, consciente, com os alunos
participando;
-concluir o curso;
-não veio expectativas futuras.
As expectativas envolvem desde situações do dia-a-dia
(mais debates em aula) até situações projetadas num futuro
provável (produzir conhecimento histórico capaz de resgatar a
cultura popular). Envolvem compreender, conhecer, realizar
mudanças, perceber mudanças, viaiar, ensinar, produzir
conhecimentos. Envolvem também encerrar essa etapa escolar
(concluir o curso) ou não envolvem nada (não veio expectativas
futuras). Os deseios viajam no tempo e no espaço - tudo é
desejável, é possivel desejar tudo.
Em relação à Didática, as expectativas são;
-História è uma matéria dificil de ser transmitida aos
alunos. Espero que a Didática me auxilie;
-aprender algo (conteúdos) que possa utilizar ao
lecionar História;
-aprender a repassar os conteúdos;
-como tentar passar a matéria para o aluno da melhor
maneira possível;
-como enfrentar uma saia de aula;
-ajudar caso no futuro precise dar aulas e palestras;
-pretendo criar métodos pessoais de como me expressar
correta e sistematicamente diante de um grupo ou
classe;
-fazer boas discussões sobre metodologias
revolucionárias no ensino da História;
-que possamos adquirir mais conhecimento para nos
prepararmos para o estagio;
-que, através dela, façamos um estágio melhor do que
os formandos de outros anos;
-ia possuo Didática ii, espero complementar meu
conhecimento.
Os estudantes não apontaram dificuldades, mesmo
porque, para a maioria, é o primeiro contato com a Didática. As
respostas quanto às expectativas direcionam o grupo para o
atuar em sala de aula - o desafio maior, o maior enfrentamento.
B6

Entretanto, esse atuar envolve passar, repassar, transmitir


conhecimentos de um campo de estudos tido como difícil - a
História. As expectativas giram em torno, também, da
comunicacao (expressar-se de forma correta e sistemática, dar
aulas e palestras), do estágio (a Didática prepara para ele ou
possibilita melhora-io) e de métodos revolucionários referidos
a História (discussões em torno do assunto). Ao final, a
expectativa de complementar conhecimentos, para quem já cursou
a Didática ll (o que explicita não haver pré-requisitos para as
disciplinas pedagógicas, visto a aluna já ter cursado Didática
il, Didática Especial de História e lá ter realizado o Estágio
Supervisionado). A Didática tem a ver, do ponto de vista dos
alunos, com conhecimentos que remetem a formacao do professor.
Ds alunos indicaram, também, os conteúdos que
gostariam de estudar em Didática:
-conteúdos a serem aplicados no estágio;
-como avaliar o aluno;
-técnicas de aprendizagem;
-a melhor maneira de motivar a aprendizagem;
-como dar aula de História;
-como transmitir História para a crianca de modo que
ela entenda a idéia central;
-tudo o que se refere ao ensino de História;
-como trabalhar o livro didático, de modo que não se
torne cansativo;
-como elaborar um ensino que não desmotive;
-como passar ou transmitir os meus conhecimentos para
os meus alunos sem choca-los;
-a realidade de todos os aspectos da relacáo
aluno-professor; .

-interesses da faixa etária com que vamos trabalhar


futuramente;
-a prática de lecionar (o que fazer e o que não
fazer);
-que sirvam para nos ajudar a enfrentar uma sala de
aula;
-métodos/processos didáticos;
-as correntes (métodos) da Didática e o que cada um
representa e trata;
-como organizar comunidades hum espírito
participativo;
-pesquisas participantes;
-educacao para a participacao;
-a educacao em geral;
-entender a estrutura educacional e a escola
brasileira;
-o processo de compreensão e posterior transformacáo
de nossa realidade precisa de caminhos mais seguros,
firmes, para acontecer. Podemos desenvolver esse
assunto.
87
Os conteúdos da interesse dos estudantes apontam para
a Didática como campo de conhecimentos que trabalha desde
conteúdos bem específicos (a serem aplicados no estágio) a
conteúdos bem amplos (a educação em geral). A Didática contém
modos, maneiras de fazer, de agir e de ser, métodos e
processos (como avaliar, ensinar, motivar, dar aula,
transmitir conhecimentos, fazer entender a idéia central, usar
o livro didatico sem cansar, não desmotivar, não chocar). A
Didática contém, ainda, a prescrição do que fazer e do que não
fazer no enfrentamento da saia de aula. Ela também possibilita
estudar o relacionamento professor-aluno, os interesses dos
educandos segundo as faixas etárias, a participação (na
comunidade, na pesquisa, na educação), a estrutura
educacional/escolar e o processo de compreensãoftransformação
da reaiidade.

Entre o como avaliar e o processo de compreender e


transformar a realidade, um universo de assuntos, temas e
objetos podem ser escolhidos para estudo. No entanto, esse
discurso dos estudantes tem um ponto de cruzamento: para eles,
a Didática é algo difuso, ampio, mas que ensina como ensinar,
atendendo necessidades do futuro professor (quer no estágio,
quer depois), pois eia possui uma espécie de receituário a ser
utilizado nas mais diversas circunstâncias. Em suma, a Didática
vai transforma-ios, de estudiosos de História em
professores de História. Esta é a expectativa dos estudantes.
Mas não sem uma certa criticidadez

Aluno G- Nunca tive aula de Didática. Só fiz Didática uma vez


numa das faculdades que eu comecei e não terminei. Eu
pensava também que seria Didática da Historia ... como
você coloca, não existe essas gavetas, tu abre a
Gerai, fecna a da História, mas acno que vai por ai
essa questão de técnicas, orientacão mesmo para a
gente, né? Mas eu comecei a dar aula sem nunca ter
pego um livro de Didática, nunca ter estudado...
parado para estudar Didática porque eu acho que quando
tu estás lá na frente, o que vale é a tua experiência,
não é o que está lá nos livros, o que tu estudou, o
que tu escreveu na prova...
Aluno C- ...tudo o que aprendi de Didática no magistério não
-

'utilizo nada, nada do que eu aprendi. Porque a gente


com o passar dos anos quando a gente vai dando aula a
gente tem uma Didática própria, a gente vai se
aperfeiçoando, porque um vai dizendo uma coisa, a
gente gosta, a gente utiliza. E a gente vai assim e
vice-versa. Uma vai dizendo para a outra e vai
aprendendo, tanto que agora não faço nada do que
aprendi, só das experiências que eu tenno e eu
acredito que a Didática também vai ser assim, desse
leito, a Didática de Historia.
88
uno H- ...acho que o campo da História é muito grande, aqui
na nossa faculdade é que ele é bastante limitado e por
isso que eu queria discutir o texto de História, quer
dizer, falar sobre o texto na área de Didática porque
é na discussão com os professores que a gente tem...
que tem que se mudar muita coisa aqui dentro,
primeiramente a grade curricular, é a primeira
mudanca que tem que ser feita, para se mudar a
mentalidade. Quer dizer, você está preparando um
professor, teoricamente você está preparando, porque
se um de nós do Bo. periodo formos dar aula, não o
pessoal que já trabalha, você não vai conseguir sair
do chão, primeiro porque você não tem o dominio de si
mesmo, a gente não vai aii na frente para colocar
alguma coisa para nós. Então imaginamos estar lá numa
sala de aula discutindo com os alunos. Então, esse
problema da Didática... Didática por Didática, nos
temos aquele velho exempioz é um texto didatico, quer
dizer, é fácil de se entender, é alguma coisa fácil de
se traduzir. Então Didática a gente pode entender por
isso (...) E falando do nosso Curso de História, eu
acho que ele é muito bom, ele só não é bom para
transformar você num professor de História, porque
você pode aprender muito bem História, agora você
passar tudo isso que você aprendeu você nunca vai
conseguir numa sala de aula, nunca. Tirando uns
apartes que a gente tem aqui dentro, né, com os
professores, eu acho muito dificil. Quer dizer, o
dominio só da matéria não faz um bom professor. E se a
Didática val estar aqui para colocar os outros
cinquenta por cento, parabéns para eia. vamos ver se a
gente consegue. Eu acho que é isso. Didática eu acho
que é isso.
uno A- Em relação à Didática, eu fiz Pedagogia, aprendi...
aprendi, colocaram para a gente o que colocam no
magistério também sobre a Didática, que de repente
aquilo daria instrumentalizacêo para a gente
trabalhar, seria os métodos, a parafernália que se
usaria em saia de aula para trabalhar, seria por ai a
Didática. E depois a gente vê que não é bem por aí a
Didática, se a gente entrar nessa vaia ai a gente vai
acabar artificiaiizando o contato da gente com o
aluno. Eu percebi isso quando eu comecei a dar aula,
eu comecei a dar aula em oitenta e sete, só dei aula
dois anos, aí quando eu percebi que estava fazendo uma
porcão de coisas na saia de aula que era mais para
atrair o aluno, para chamar a atenção do aluno, e até
conseguia, né, eu vi que não era por ai, né. Poxa, não
tinha que atrair o aluno com a minha maneira de falar,
com eu ficar andando na saia de aula, com eu sentar no
fundo da saia de aula e ficar falando lá dos fundos e
todo mundo prestando atenção, ou entrar de costas na
B9
saia de aula,subir na mesa, eu percebi que não era
por ai. Queeu estava, de repente, perfumando,
mascarando alguma coisa ai, não era assim, estava
ficando uma coisa pobre, bem artificial mesmo, aí eu
percebi que a Didática, o que eia tinha que mexer
mesmo era na relação da gente com o aluno, do aluno e
do professor. Didática é por ai. Mexer nessa relação
da gente. (...) Eu resoivi fazer História porque
quando eu comecei a pensar nessa relação da gente e
como mexer no trabalho da gente como professor, eu
percebi que a escola não é bonita, não é belo estudar,
não e gostoso, parece que não é gostoso estudar, as
pessoas não gostam, não têm prazer em assistir aula...
Aliás, nem e para ter mesmo prazer em assistir aula.
Então eu comecei a pensar; puxa, de onde é que eu
podia tirar prazer, onde estaria o prazer da escola?
qi eu acho que o prazer deve estar muito ligado à
arte. Bom, vou fazer História, vou fazer pelo menos
duas disciplinas, que é Historia da Arte com a X e
Historiografia do Brasil, porque me interessa muito a
Historia do Brasil para eu compreender essa coisa que
é a educacao e dai eu entrei para o Curso de Historia
por ai, para entender um pouco melhor essa questão da
antropologia ate, de como pintou a arte na gente, o
que e que a gente pode fazer com a escola para eia ser
artística, para eia não ser fria, técnica, dura, como
é.B4

3.0 GÍSCUPSO SODFB O PGGGQOQÍCO: 38 fãiâã BUÍOPÍZGÓGS G8


ãigüflã GGUCGGOFGS

Mas se,expresso no discurso do pedagógico, o pensar


dos estudantes torno da Didatica está centrado numa visão
em
que chamo de "mágica“ (transformar o estudante em professor,
absolutizando os dois papéis, Já que o estudante "nada sabe" de
Didática apesar de treze anos de escolaridade, e o "bom
professor" sabe tudo, isto é, sabe transmitir de modo que o
aluno aprenda), é preciso buscar um outro discurso que defina
com clareza o papel da Didática nos cursos de formacao de
professores. E vou buscar no discurso sobre o pedagógico (o
discurso autorizado e cientifico que se produz nas
universidades e nos Órgãos de pesquisa e que se difunde e
consome através de diversas publicações) a funcao da Didática
enquanto campo de conhecimento, e que se estabelece a partir da
identificação do seu obieto de estudo. Para apresentar o
discurso sobre o pedagógico parto, então, da seguinte perguntaz
quai é o obieto de estudo (ou de conhecimento) da Didática? Que

84Transcricão de algumas falas do grupo de estudantes da


disciplina Didática i.
BD

conteúdo, afinal, deve ser abordado pelo grupo de alunos e


professores, ao longo da disciplina Didática, num curso de
formação de professores? V

Os autores do discurso sobre o pedagógico têm variadas


opiniões. Às vezes, as opiniões de um mesmo educador variam com
o tempoz ora é “o processo de ensino-aprendizagem“B5. ora é
“a pratica pedagÓgica."98

O objeto da Didática pode ser o mesmo para educadores


diferentes. 0 objeto da Didática é apontado, então, como “o
ensino, aquele conjunto de ações - por mais pressupostos due
comportem - que caracterizam o trabalho do professor"87 e, do
mesmo modoz V

D objeto da Didática é o ensino. D ensino


existe para preparar alunos, ou seja, futuro
membros de uma comunidade e, além disso,
capacita-los para mudarem esta comunidade na
medida em que esta ainda não satisfaz de
forma "ideal" as necessidades dos seus
membros.98
É o caso, também, desses educadores:
A Didática é uma disciplina do Curso de
Formação de Professores cujo objeto de estudo
e o processo de ensino no seu conjunto, isto
é, finalidades e principios, condições e
meios de direção e organização do ensino,
tendo em vista a mediação de objetivos,
conteúdos e métodos implicados na
aprendizagem escolar. Deve fornecer ao futuro
professor as bases teóricas e praticas do
trabalho docente. Na medida em que tem
características integradoras dos
conhecimentos providos pela Filosofia da
Educação, Psicologia da Educação e Sociologia

BBCANDAU, vera didática e a formação de educadores


Maria. "A
- da exaltação a negação; a busca da relevância.". ln; ld.
<org.). A didatica em questão. 5.ed. Petrópolis, vozes,
1986, p.13.
Bõid. “Tem sentido noje falar de uma didática geral ?“ lnz
id. (org.). Rumo a uma nova didática. E.ed. Petrópolis,
vozes, 1989, p.38.
87GASTANHO, Maria Eugenia L. e M. "OS Objetivos da educação."
in: VEiGA, lima Passos Aiencastro (coord.). Repensando a
didática. E.ed. Campinas - SP, Papirus, 1989, p.54.
98RiEDEL, Harald. Didática e pratica de ensino; aspectos
ideológicos, científicos e técnicos. São Paulo, EPU, 1981,
9.3.
91

63 EGUCãÇã0 C flE|&3 MEÍOü0|0Q¡ãS 6Sfi€CÍfiCGS


de cada materia, sintetiza no seu conteúdo o
básico e fundamentai
\

que é comum, para a


docência de todas as matérias escoiares.
Dessa forma, assegura ao futuro professor a
fundamentação teórica para a ação docente
coerente e a instrumentaiização
técnico-pedagógica para a ação docente
eficaz.
 Didátlüõ, âããlm, C0flSÍ|ÍUÍ°3& COWO T8ÚFÍã
Ensino, abarcando em seu objeto de estudo
.

do
o processo de ensino e aprendizagem,
elaborando princípios e praticas váiidos para
todas as matérias de ensino.89
Neste caso, Pimenta e Gonçaives apresentam o processo
de ensino no seu conjunto como objeto da Didática mas ressaitam
que, ao tornar-se Teoria do Ensino (ao integrar conhecimentos
de outras discipiinas pedagogicas), a Didática passa a ter como
objeto o processo de ensino-aprendizagem. vaie iembrar aqui que
a integração e um dos modos como se atuaiizam os diagramas de
Püder.
Já OUÍFO BUUCGÕUF, flfi m€Smã ODFG, a8SÍm 88 PFOHUHCIB:
Unindo a preparação teórica e pratica, a
Didática tem como objeto de estudo o processo
de ensino no seu conjunto, isto é, os
principios, condições e meios de direção e
organização do ensino e da aprendizagem peios
quais se assegura a mediação escoiar de
objetivos e conteúdos das matérias.
integrando BD conhecimentos teóricos e
práticos da Filosofia, Socioiogia, Psicoiogia
e das metodologias especificas de cada
matéria do currícuio de io. grau, a Didática
sintetiza o que é comum, básico e fundamentai
para a docência de todas as materias
escoiares. 91
Mas as divergências em torno do objeto da Didática
continuam. E não só continuam como são reconhecidas como
existentes, na medida em que é um objeto apontado como
questionáveiz "embora se questione o processo de ensino como

89PiMENTA, Seima Garrido e GONCALVES, Carlos Luiz. Revendo 0


ensino de ao. Grau; propondo a formação de professores.
São Pauio, Cortez, 1898, p. 127.
9DGrifo meu, para novamente ressaitar a questão da
atuaiização das reiações de poder por integração.
9iLiBANEo, dose Darios. “Ementário de discipiinasz didática."
inz id. ibid., p.i5i-isa.
92
objeto de estudo da Didática ele será aqui (nessa obra) tomado
como tal."9E
E as ambiguldades não param por ai. Para uma mesma
educadora, na mesma obra que traz o seu discurso sobre o
pedagógico, a Didática tem, ao mesmo tempo, objetos diferentesz
“... a aula, como efetivamente ocorre e transcorre, é em nossa
opinico o principal objeto da didática hoje“93 e "...
dÍf8FBflÍ8 G0 ODÍBÍO da MBÍOGOIOQÍG Ci8flÍÍflCG 6 G0 ODJBÍO da
MGÍOGOÍOQÍG GO BHSÍHO, 6 GÍGÊÍÍCE Íflm C0m0 ODIBÍO 8 metüdüiüšlâ
do pensamento.“9s

U PFOCBSSO de €fl3Ín0“3PFSflüiZ&g€m, 3 PFÉÍÍCG


pedagógica, ensino, o processo de ensino no seu conjunto, a
o
aula como efetivamente ocorre e transcorre, a metodologia do
pensamento, são estes os objetos de estudo (ou conhecimento)
apontados para a Didática pelos educadores brasileiros due,
hoje, fazem o discurso mais atual sobre o pedagógico.
Discordando dessas falas autorizadas, eu ouso elaborar um
GÍSCUPSO do pedagógico e apontar, den Í ro G e e o due, DGFG ml m
i
,

e o objeto de estudo e de conhecimento de uma disciplina due,


nas acões pedagógicas a ela referidas, tem sido caracterizada
por incoerênclas e lndefinicóes - a Didática.

4.0 meu discurso (a partir) do pedagógico (vivido/pensado)

Diz Llhâneo:
US â|Ufl0S mfiiã V6|fl0S C0m€flÍõm Entre Si:
"Gosto do Prof. Fulano porque ele tem
didatica". Ds menores costumam dizer que
gostam de aprender com a professora X. D que
.os alunos querem dizer é que esses
professores têm um modo acertado de dar aula,
que ensinam bem, que com eles de fato
aprendem. 0 due é ter didática? A didática
pode ajudar os alunos a aumentaram o
aproveitamento escolar? D que um professor
precisa conhecer de didática para que possa
melhorar o seu trabalho docente? (...)
Podemos dizer, então, que o processo didático
é o conjunto de atividades do professor e dos
alunos, sob a direção do professor, visando a

SBMARTINS, Pura Lúcia Diiver. Didática teórica, didática


prática: para além do confronto. Sao Paulo, Loyola, i9B9,
p.EE.
BBWAGHOWICZ, Lilian Anna. D método dialético na didática.
Campinas - SP, Papirus, l9B9, p.ii.
94id. ibld, P 94.
93
assimilação ativa pelos alunos dos
conhecimentos, habilidades e hábitos,
reunidos nos conteúdos e métodos de uma
matéria de estudo em cuio processo se
desenvolvem as forcas intelectuais dos
aiunos.95
O que é "ter didatica“?

Llbaneo distingue por idades a avaliacao dos alunos em


reiacão ao modo como os professores atuam em u sala de aula (os
maiô VBHÍOS QOSÍGITI de F. POFQUS 'ÍBI11 Giüátiba
¬
OS malã JÚVEHS
11
1

gostam de aprender com ×.). É preciso entender essa dlstincãoz


ela marca muito mais a diferenca entre tempos de escolarizacão
(os alunos mais velnos, aos poucos, vão aprendendo a utilizar
os termos com que a escola se refere a si mesma) e muito menos
uma aproximação conceptual entre o que o aluno pensa que e a
Didática e o que os educadores afirmam que ela e. Criancas de
ia. série, de classes de alfabetizacão, não dirão que gostam da
professora porque ele "tem didatica". Ja alunos de um curso de
formacao de professores, no Bo. Grau, podem até classificar
professores em dois grupos; os que “tem didatica" e os que não
a têmz
D professor A tem didatica porque, quando ele
explica a materia, antes de ele explicar ele
coloca no quadro um esquema do assunto que
ele vai abordar e ele segue aquele esquema.
Então a gente acompanha a exposicao dele com
facilidade.
A B, não, a B é diferente, a didática dela é
diferente. Ela vai expondo a matéria
conversando com a gente, e em tudo eia faz
"pontes", eia liga tudo com coisas da vida da
gente e nem se sente o tempo passar. Quando
se vê, a aula acabou. B6

Se os estudantes tem razão, "ter didatica” muitas


vezes esta mais vinculado ao modo como a comunicacao entre
professores e alunos se realiza, isto é, tem mais a ver com o
tipo, a qualidade da comunicacao que se estabelece entre
educador e educandos do que, propriamente, com todos aqueles
aspectos acordados pelos educadores que pronunclam o discurso
score o pedagógico e/ou com todos aqueles temas e suntemas,
itens e sub-itens que os livros de Didática apontam como de
fundamental importância para a acao pedagogica "competente,

s5LiBnNEo, Jose carlos. 0 professor e a didática. Jornal do


Professor de io. Grau, Brasilia, MEG/iNEP, E(9)z3, dez.
1987.
95Transcricão de falas do grupo de estudantes da disciplina
Didática i.
. 94
coerente e eflcaz“z ooletlvos, conteúdos, métodos, técnicas,
recursos do ensino; planejamento educacional, avaliacao
escolar, etc.
Penso que, ao longo do tempo, a Didática vem se
constituindo num corpo (ou num campo) de conhecimentos que
pretende estabelecer qual o meinor modo de transmitir os
conteúdos para os alunos, isto é, qual o melnor modo de ensinar
algo de um “leito” que os alunos aprendam.
Em torno desse melnor modo, tem navldo polêmicas
metodológicas, ideológicas e politicas entre os educadores
considerados a vanguarda intelectual no Brasil, noie. Mas o que
parece passar desapercebldo, entre uma polêmica e outra,
independente de para onde a "vara se curve", é que os
estudantes, diferentemente dos educadores que elaboram o
discurso sobre o pedagógico, evidenciam possuir um sanar, local
e muito coerente com suas experiências, dessa questão
“didatica“.
Os estudantes, no seu cotidiano, identificam (e
destacam) professores que têm ou não didática, que ensinam
meinor (ou menos pior) que os demais. Entretanto, eles não se
limitam a dizer apenas, como aparece no discurso de Llbâneo,
que “gostam do Prof. Fulano porque ele tem didatica", ou que
“gostam de aprender com a professora X". Eles vão além,
justificam as razões do seu gosto. E dificilmente esse gostar
está vinculado a técnicas de tranalno (individuals e grupais),
recursos didáticos ou a existência ou não de pianos de ensino
(diario, mensal, olmestral, semestral ou anual).
Por essa razão é que os futuros professores de
História, quando apontam conteúdos que gostariam de ver
estudados com eles na disciplina Didática, centram suas
expectativas em torno do eixo que eu denominaria do
desejo-prazer; eles querem estudar os processos, correntes e
métodos didáticos, bem como avaliar, sim, mas paralelamente
querem saber como se concretiza o outro lado do ensino - a
aprendizagem; como se faz para motivar e para não desmotlvar;
como dar aula de modo que os alunos entendam o conteúdo e não
cansem; sob que bases se funda a relação professor-aluno; que
interesses os alunos têm em cada faixa etária; qual o papel da
participação no âmbito da educação, da pesquisa, da organização
das comunidades. E isso não tão ingenuamente, a ponto de
permitir a rotulacão apressada de que estamos, de novo, son o
reino do escolanovismo - os estudantes querem saber como se
estrutura a escola, a educacão e querem compreender a sua
realidade visando transforma-ia.
Poroutro lado, estes estudantes têm uma visão
"mágica" da Didática, na medida em que esperam desta disciplina
que os transforme de "entendedores" de Historia em professores
de História. Todavia, essa visão mágica não é o reflexo de um
95

pensamento ingênuo e dasavisado dos alunosz eia é produto do


próprio modo como esses estudantes são "formados" professores.
Na verdade, o que a instituição que os "forma" diz a eles é que
a Didática é o conhecimento que val faze-los passar do lugar
do silencio ao lugar da faia, do comportamento do calar ao
comportamento 'do dizer, isto é, a Didática vai transforma-los,
de mudos em eioquentes. Aliás, a escola diz a todos os seus
reclusos que a passagem da ignorância ao conhecimento
socialmente válido só se da através dela. visão mágica dos
alunos ou visibilidade magica produzida pela lnstltulcão
formadora?
Por isso quero propor, no questionamento da Didática,
não partir da pergunta "o que e ter didática", mas de outra
indagação inicial; por que e necessario "ter dldatica"? E por
quê, em torno dessa necessidade, foram produzidos corpos de
saberes expressos em discursos (que, atualmente, se dividem a
si mesmos em instrumentais, escolanovlstas, não-diretivos,
tecnicistas, críticos) e mecanismos de poder que disciplinam
professores e estudantes em torno ou a partir de um saber
didático?
destas perguntas é inverter os modos de ver o
Partir
cotidiano escola e das salas de aula e as ações pedagogicas
da
que lá se efetivam e que fornecem pistas lnstigantes em relação
à questão "didática“z

a-quando as "coisas não vão bem" em sala de aula, com


estudantes e professores, esse "não ir bem" refere-se
muito mais ao comportamento dos alunos (rebeldes,
lndiscipllnados, preguiçosos, desobedientes) do que
isso significa que, por exemplo,
OQJ'

sua aprendizagem.
corpo administrativo da escola (diretor, orientador,
supervisor e mais todos os outros especialistas que o
sistema escolar consegue produzir) lulga um professor
e a sua "didática" pela capacidade de manter os
estudantes sob controle. Aliás, é um fato quase
inquestionável que ensino e aprendizagem de
conhecimentos só se realizam num clima de ordem, de
disciplina; o que o aluno aprende é decorrente do
como ele se comporta. A afirmação de Gramscl97 de
que “deve-se convencer a muita gente que o estudo é
também um trabalho, e muito fatigante, (...) é um
hábito adquirido com esforço, aborrecimento e mesmo
sofrimento...“ exemplifica o modo de pensar não só da
grande maioria dos professores como também de muitos
educadores que fazem o discurso critico sobre o

B7GRAMSCl, Antonio. Ap.z FRANCO, Luiz Antonio Carvalho. “A


disciplina na escola." Revista da Associação Nacional de
Educação, São Paulo, Cortez-CNPq-FlNEP, 6(li)z6E~67,
1986.
96

sobre o pedagógico. A Didática é sentida, então, como


um conhecimento ausente e necessário, no mais das
vezes, em relaçäo àqueles professores que a
administração classifica como "sem dominio de classe",
isto é, aqueles que não conseguem convencer os
estudantes dos benefícios “do esforço, do
aborrecimentd e mesmo do sofrimento" de estudar. 0
mundo do discurso referido ao pedagógico, neste caso,
torna-se ambiguo, pois fica dificil estabelecer, com
clareza, o verdadeiro objetivo da escola; o
disciplinamento ou a educação?98 E esta amblguidade
encontra correlação no mundo escolar vivido; os
professores que têm controle sobre os aiunos, mas não
conseguem que estes aprendam, são chamados de
"durões", de "exigentes" e são, muitas vezes,
eiogiados por essa “qualidade“. Lembro, para ilustrar,
a existência de escolas particulares que possuem um
alto grau de valorização social exatamente pela
rigidez com que tratam os estudantes e pelas
dificuldades que apresentam a estes em relaçäo ao
obstáculo de "passar para o ano seguinte", sem que
fique claro se o obstáculo é produzido pelo excesso de
conteúdo ensinado, pelo nivel de complexidade do
conteúdo ensinado, por problemas de comunicação
professor-estudantes ou se pelos três fatores
conjugados. Exemplos disso são as escolas militares de
io., Eo. e Bo. Graus:
b~á medida que o professor avança em termos de grau de
atuação, a exigência do “ter didática" vai
decrescendo. isso significa que, para o professor de
ia. a 4a. série do lo. Grau "ter didática" é
fundamental; para o professor de 5a. a Ba. série de
lo. Grau "ter didática" é importante; para o professor
de Bo. Grau "ter didática" é desejável e para o
professor de 3o. Grau “ter didática” é apreciável.
Tanto isso é verdade que, nos cursos de pós-graduação
(especialização e mestrado, por exemplo, que formam
professores para as licenciaturas), a disciplina
Didática raramente é oferecida como campo de
conhecimento. Em contrapartida, á medida que o
professor avança em termos de grau de atuação, a
exigência de "ter dominio do conhecimento" vai
crescendo. Assim, o “ter didática" e o "ter dominio
do conhecimento” são duas exigências diferentemente
combinadas para professores diferentes; nas séries
iniciais o professor tem dominio do conhecimento se
tem didática; nas séries finais o professor tem
-___...-_____.__...__.
98Na verdade, o discurso da pedagogia anuncia sobre a
educação e a máquina escola, através das visibiiidades que
institui, realiza o disciplinamento.
B7
didática se tem dominio do conhecimento;
c-do mesmo modo, o controle e as exigências
burocráticas que a administração da escola exerce
sobre o trabalho do professor vai decrescendo ã medida
que o professor avança em termos de graus de atuação.
inversamente, a autonomia enquadrada do professor (uma
autonomia dentro de limites burocráticos) vai
aumentando ã medida que ele atua em graus mais
elevados de ensino. Assim, se ele atua de ia. a sa.
série do lo. Grau, é-lhe exigida a elaboração de
pianos diários, bimestrais e anuais, no mínimo; se ele
atua de 5a. a Ba. série do lo. Grau ou em qualquer das
séries do Ee. grau, o piano diário lá não lhe é
exigido ~ apenas registra nos diários de classe os
conteúdos trabalhados, por dia e o plano que lhe
exigem é um piano anual, dividindo os conteúdos em
bimestres. Aos professores do 3o. Grau, em qualquer de
seus níveis, é exigido apenas o piano da disciplina.
Quanto a seleção dos conteúdos, o mesmo controie é
exercido, sempre mais nos professores das séries
iniciais, e diminuindo ã medida que a atuação do
professor avança em relação aos graus de ensino;
d-uma última "pista"z quando um professor é Julgado
como “não tendo didática", consideram-no um problema
sempre maior se ele atua nas séries iniciais e sempre
menor ã medida que sua atuação avança em graus de
ensino. Desconheço situações em que professores
universitários, que atuam em licenciaturas e/ou
pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado)
seiam apontados como "problemas pedagógicos" pela
instituição e tratados como tai, recebendo o mesmo
tipo de intervenção institucional que recebe o
professor de io. Grau. No caso deste, o problema de
"não ter didática" desencadeia, em torno dele, uma
estrutura de "apoio", de "re-educação", que assume
formas diversasz de reuniões pedagógicas a estudos
para atualização, de cursos de aperfeiçoamento a
implantação de novas diretrizes curriculares, além da
cotidiana vigilância de seu trabalho que fazem o
diretor da escola, o supervisor escolar, o orientador
educacional e os demais funcionarios destacados pela
escola para este fim. Estas são as pistas que me
provocam pensar a Didática de um modo diferente do que
ela tem sido pensada até nole.
Creio haver uma logica nestas "pistas", se a elas eu
acrescentar que para os estudantes a didatica não significa o
mesmo que para a administração da escola e/ou para os
educadores que fazem o discurso sobre a pedagogia. Eu ouso
afirmar ser a Didática o discurso cientifico que, no ambito do
pedagógico, fundamenta e, ao mesmo tempo, esconde a tarefa de
SB

GÍSCÍPIÍHHF 03 COFPOS. OU, GÍZCHÚO de OUÍFO müüü, 8 DÍGÉÍÍCS É


E DGSSHQBM Para Um GÍSCUFSO PFBSCFÍÍIVO, HOFMGÍÍVO, C Om
PFEÍBHSÕBS QG C¡8flͧf§ClG3üB, G0 POGBF ÓÍ3CÍP¡§flãF QUE EXBFCBM,
na CSCÚI8, OS PFOÍBSSOFBS SODFG OS GIUHOS E E DUFOCFãCla SODFB
OS PFOf6SSOF85, SGHGO O SGU ODJCÍO de CSÍUUO 3 ÍÕCHÍCG U6
GÍSCÉPÍÍHBWBHÍD U8 BüUC3flGO3 B Eüüüõdüfõã.
São lntoleráveisz
os tribunais,
os tiras,
os hospitals, os asilos,
a escola, o servico militar,
a imprensa, a televisão,
0 Estado. 99

ROUPE D'|NFORMATlON SURLES PRISONS (FR). "lflt0IéF8bl "

AD. ERIBON, Didlüf. OP. Clt., D.BU8.


CAPÍTULO Vi

A DiSCIPLiNA E A DIDÁTICA

i.A disciplina e o nascimento da Didática

 DÍCÍÉÍIÍCG ÍGITI 03126! MSFCSGEI (16 i'i3'3CÍ|'fl8i'iÍ0:

A didática nasceu para a sociedade moderna na


transição do seculo XV! para XVII. Tai época
representou, na verdade, o palco de atuação
da burguesia enquanto classe emergente. É o
período das monarquias absolutistas, da
formação dos Estados nacionais, do
fortalecimento do poder do rei (...) Dra, é
nesse contexto que surge a Didactlca Magna
(1557), escrita pelo pastor luterano Comênio
(1592-1671). iBB
No entanto, fazer a leitura do surgimento da Didática
bem como das outras "ciências" do nomem como consequência
direta da emergência e posterior dominância de uma classe
social (a burguesia) é, no mínimo, um erro nistorico. É quase
explicar um efeito por outro. 0 mesmo sucede com o apontar a
burguesia como o suieito historico das transformações
pedagógicas que vão ocorrendo:
A pedagogia de Comênio pertencia a um mundo
onde a produção era manufatureira, um período
superado. A pedagogia de Rousseau
correspondeu aos anos anteriores à revolução,

iDUGUiRALDELLl JR., Paulo. Heeiaboração da didática e


história concreta. Revista Educação e Sociedade, São
Paulo, Cortez, 8(B3)zi36~i47, abr.i986, p.i37.

.sã
101

não mais servia. Fazia~se necessário que as


escolas salssem do marasmo romântico e se
comprometessem com a tarefa da burguesia de
governar. A burguesia necessitava
instrumentalizar seus quadros, formar o
cidadão, preparar as elites para o avanço
tecnológico, ao mesmo tempo difundir sua
visão de mundo às camadas populares. Era
preciso uma escola eficiente que realmente
capacltasse a burguesia, instruindo-az uma
escola que garantlsse, pelos menos às elites,
a aquisição do saber gerado pelas gerações
passadas. lol
Quase se vê o quadro; a burguesia, sentada em torno de
uma enorme mesa redonda, estabelecendo um piano de ação (a
ideologia) para submeter e/ou extinguir as demais classes. Ora,
essa é uma interpretação simplista, equivocada, redutora de
todo um processo histórico sem sujeito de onde emergem novas
relações de forças. Apontar uma classe social (seja eia quai
for) como sujeito histórico é tomar os efeitos de conjunto
dessas relações de poder como causa do próprio poder. A
dominação de uma classe não se origina, como já se viu no
capítulo lv, da tomada de um ponto central de poder de onde
seriam produzidas ideologia e repressão. Ao contrario, ela e
efeito de estratégias de conjunto que, de pontos móveis,
difusos, instáveis, vão constituindo a cada vez, em cada lugar,
por atualização, integração e diferenciação, aquilo que se
costuma denominar dominação de classe.
É preciso portanto destacar que, se a data de
nascimento da Didática está referida a uma transformação
histórica, essa transformação não se deve ao brilho e à força
de uma nova classe que teria sido capaz de criar um novo mundo
à sua semelhança e em função dos seus interesses. A
transformação histórica que faz surgir a Didática é bem mais
humilde, bem menos ostentosa, não se atribui poderes, apenas os
exerce. Uma tecnologia política, uma “microflsica“ que, em
função do novo diagrama de poder que passa a funcionar no corpo
social, tem um nome - a dlsciplinaz

... métodos que permitem o controle minucioso


das operações do corpo, que realizam a
sujeição constante de suas forças e ines
impõem uma relação de docllidade-utilidade
(...) as disciplinas se tornaram, no decorrer
dos seculos Xvll e xviii fórmulas gerais de
dominação. (...) O momento nistórico das
disciplinas é o momento em que nasce uma arte
do corpo humano, que visa não unicamente o

iülid. lbid., P.139.


ÍDE
ÔUMBHÍO üñ SUGS hãbiiifiafiëã, flôm ÍGMPOUCO
õflfüfufldãf SU3 SUJCÍÇÊO, môö 8 f0PmãCãD G8
Uma FBi&Çã0 QUE fl0 mB6m0 m€CãflÍSm0 O ÍOFHB
Íãfltü maiô obediente quanto é mais utii, e .v

inversamente. (...) A disciplina fabrica


assim corpos submissos e exercitados, corpos
"dóceis". A disciplina aumenta as forcas do
corpo (em termos econômicos de utilidade) e
diminui essas mesmas forces (em termos
politicos de obediência) (...) dissocia o
poder do corpo; faz dele por um iado uma
"aptidão", uma “capacidade” que eia procura
aumentar; e inverte por outro iado a energia,
a potência due poderia resuitar disso, e faz
deia uma reiacão de sujeição estrita. Se a
8Xp|0F3Çã0 SCOHÔMÍCG SGPGFG 8 f0FÇa 6 O
produto do trabaino, digamos que a coerção
diseipiinar estabelece no corpo o eio
coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma
dominação acentuada. iUE
À diSC|PÍ|flã flã0 ÊUFQB G8 Umã flOFõ Para OUÍFE, Cümü
também nao tem um “iocus" de origem especifico;
À
11 N
ÍHVSHÇGÚ ü6SSõ HOVG ÔHGÍOWÍ3 poiitica nao
II ^'

GGVB SBF BHÍ€flfiÍüâ COMO uma GGSCODBPÍ3


súbita. Mas como uma muitipiicidade de
processos muitas vezes minimos, de origens
diferentes, de iocaiizacões esparsas, que se
recordam, se repetem, ou se imitam, apóiam~se
uns sobre os outros, distinguem-se segundo
seu campo de apiicacão, entram em
convergência e esbocam aos poucos a fachada
de um método geral. Encontramo-ios em
funcionamento nos coiédios, muito cedo; mais
tarde nas escoia primárias; (...) Circuiarem
as vezes muito rapido de um ponto a outro
(...>, às vezes ientamente e de maflüifã maiâ
UÍSCPSÍG (...). À Cada VEZ OU QUGSG,
`
ÍmDU5BF3m“S€ Pafõ FBSPOHGBF 8 €XiQÊflCÍâS GB
C0fl}UflÍUFfi... TU3
A disciplina inaugura o tempo de um novo oinar, ou um
oinar para novos objetos; o oinar as insignificâncias, as
coisas pequenas, ao detaine. A minúcia, se se duer investi-ia
de poder, o menor dos gestos, a mais infima acão, se se quer
controiá-ios para torná-ios úteis, requerem, agora, novas
Viâibiliüadeâ QUE PFOGUZÍFGO fl0V3S PãCÍOflãiÍ0âG€8:

ÊDÊFUUCÀULT, MÍCHBI. Viglaf 8 PUHIP: HSSCIMBHÍO da DFÍSÊO.


P.iE6~1E7.
1U3id. ibld., 9.1E7“1E8.
103
uma observacäo minuciosa do detalhe, e ao
mesmo tempo um enfoque político dessas
pequenas coisas, para controle e utilização
dos homens, sobem através da era clássica,
levando consigo todo um coniunto de técnicas,
todo um corpo de processos e de saber, de
descricões, de receitas e dados. E desses
esmiucamentos, sem dúvida, nasceu o nomem do
humanismo moderno. 104
Os corpos, os tempos e os espacos se esquadrinnam,
desdobram-se em partes, se reconstituem combinados e
codificados por forca dessa nova tecnologia politica. E não
cabe à classe burguesa a autoria dessa nova estratégia de poder
como não ine cabe a autoria da Didática ou de qualquer das
"ciências" humanasz tanto as classes e seus projetos politicos
quanto os sujeitos que produzem e fazem circular os discursos
da pedagogia e da Didática, até mesmo esses novos saberes são
lá instrumentos, aivos e efeitos de reiacões de poder
especificas que os constituíram - resultados de um novo
diagrama que passa a operar dentro mesmo do corpo social.
É apartir desse entendimento de poder e desses
mecanismos disciplinares que se pode constituir uma genealogia
das relações poder-saber no âmbito do pedagógico, trazendo até
o presente, até o mais cotidiano dos gestos educativos atuais,
o seu passado constitutivo que até noie nos enlace e nos forma.

E.0 POGGF CÍÍSCÍPIÍHGF da BSCOÍG

O poder disciplinar é, no âmbito das relações


poder-saber, ao mesmo tempo, uma suieicão e um trabalho que se
exercem sobre os corpos e os produzem não so para que façam o
que se quer, mas, principalmente, para que funcionem como se
quer, a partir de tecnicas especificas; a disciplina.
Os suportes institucionais (as maquinas concretas) do
poder disciplinar são múltiplos e se inscrevem no conjunto do
dispositivo de poder. E a escola, tomada aqui como o local onde
se realiza a acão pedagógica, é um desses suportes
institucionais de poder (Junto com os orfanatos, os asilos, os
quartéis, as fábricas, os hospitais e as prisões, por exemplo),
que mantêm entre si relações de continuidade e de
reciprocidade.
Na escola, o poder disciplinar funciona através de
mecanismos, de técnicas, que visam dar uma ordem à
multiplicidade difusa, confusa dos grandes coletivos que eia

1D4id. Ibid., p.13U.


104
‹'šibi`ÍÊ]6i 6 8CimÍi'iÍSÍi"6i.

A distribuição dos individuos no espaço

0 poder disciplinar da escola se caracteriza pela


atribuição ordenada dos individuos no espaco fisico em que
encontram. A distribuição se faz com táticas combinadas;
a-o uso cerca, que tanto pode ser um muro, uma
da
tela ou grade, geralmente altos, demarcando e
uma
limitando o lugar especifico da escola; ao mesmo tempo
em due, numa espécie de geopolitica, distingue a
escola de todos os outros espaços próximos, a cerca
enciausura os indivíduos, fixando-os num territorio de
modo a que seia mais fácil controla-los em suas
entradas e saidas, e evita a invasão dos due não
"pertencem" ao espaço-escola;
b-o duadricuiamento do espaco interno da escoiaz se
a cercadelimita o dentro e o fora da escola, o
quadriculamento trabalha o dentro da escola,
estabelecendo um lugar para cada individuo, professor
ou aluno, e garantindo a existência de um individuo em
cada lugar; a cada um corresponde uma cadeira e uma
mesa numa saia. Essa forma de distribuir os indivíduos
no espaço prevê tantos pontos de localização quantos
são os individuos - um tecido de poder que isola cada
um numa espécie de "celula" para controlar sua
circulação dentro do espaço-escola. Esse
esquadrinhamento é o modo de combater o fugidio (o que
pode se esconder e escapar ao controle), de evitar o
improdutlvo (o que não realiza o esperado), de impedir
a formação do coletivo (due é o oposto e o outro do
isolamento celular); de registrar as presenças e as
ausências só com um olhar; de provocar as comunicações
acnadas úteis e interromper as julgadas inúteis; de,
vigiando as condutas individuais, observa-ias,
avalia-ias, aprova-ias ou condena-las, por palavras,
por gestos ou por atitudes;
c-as localizações funcionais; a partir do
duadriculamento e, para além dele, é preciso organizar
o espaço de modo a que cada individuo não só ocupe um
lugar, mas também exerça uma atividade (tenha uma
função). As localizações funcionais visam o alcance de
um resultado ~ as aprendizagens, em termos de produção
escolar e, ao mesmo tempo, o controle desse processo
(ensinar e aprender) através da ação dos individuos,
alunos e professores, especialistas e funcionários
(constatar sua presença, sua aplicação, a dualidade do
seu trabalno; comparar os individuos entre sl;
105
C|3SSÍfiCá“|05 SBQUYHÍO Sua hãbíilfiade, C0l'lhBC|m8flÍ0 8
l"‹'âPÍCÍBZ), SBÍTIPFB UNS Em f`BlaÇã0 305 OUÍFO5;
d-a disposição em fliaz a fila é o lugar que alguém
(ou algo) ocupa numa classiflcacão, é a organização
nlerardulzada do espaco e a insercão dos indivíduos
nele. No espaco escolar os alunos são ordenados em
filas no pátio e ao circular nos corredores, onde 0
critério de colocação pode ser o tamanho (do menor ao
maior) ou o comportamento (do mais ao menos
comportado); os alunos são ordenados em fila nas salas
de aula, pois este é o modo de dispor suas carteiras e
cadeiras. Os alunos são classificados pelo resultado
de cada tarefa e de cada prova em cada matéria ou
disciplina, de semana em semana, de bimestre em
bimestre, de ano em ano, de grau em grau. As turmas
são organizadas por critérios de idade e/ou de
aproveitamento a cada série, e depois divididas dentro
do tempo escolar em três turnos, de acordo com
critérios econômicos e sociais. As salas de aula são
dispostas, no espaco-escola, umas depois das outras;
os assuntos são ordenados segundo uma ordem crescente
de dificuldades, o mesmo acontecendo com as
disciplinas que compõem a “grade” curricular de cada
grau e curso. A escola passa a ser um espaco
disciplinar do ensinar, vigiar, nlerardulzar, punir e
recompensar. É um logo permanente de deslocamentos,
onde cada aluno ocupa diferentes casas, a cada
momento, casas due são representacões ideais de
saberes e capacidades e, ao mesmo tempo, traducões
materials de valores e méritos;
e-a formacao de “quadros vivos": o espaco
disciplinar da escola, assim nierarquizado, permite a
formacao de um quadro vivo, producao de um poder
due, dentro da cerca, combina as utilidades do
duadricuiamento celular, da localizacão por funcoes e
da dlsposlcão em fila com um objetivo preciso:
trabalhar as multidões confusas, inúteis ou perigosas
que recebe a cada ano e, através de instrumentos e
mecanismos que as percorram e dominem, transforma-ias
em muitlplicidades organizadas e úteis. Através da
formacao do quadro vivo, a escola distribui para
analisar e analisa para redistrlbuir; controla para
entender e entende para melhor controlar; na escola o
quadro é, ao mesmo tempo, uma técnica de poder e um
processo de saber.
Uma individualidade comeca a ser fabricada ai, nessa
dlsposlcão funcional; o jogo de fixar e dominar os
corpos, de lsoiá~los e dividi-los para localiza-los e
analisa-los; a tática de, vlglando, estabelecer o due
é positivo ou negativo nos comportamentos por
1D5

comparação e classificação, vão inscrevendo nesses


corpos características, valores, estágios cumpridos,
como rótulos aos quais se busca como referência. 0
espaco trabalhado pela disciplina informa sobre os
individuos (o individuo sabe de si e sabe dos outros)
não só pelas visibllidades que organiza, mas também
pelo que oé proprio espaço registra como informação
codificada. Se cada um sabe o seu lugar é porque
conhece as codificaçdes espaciais, a elas se submete e
delas busca dados sobre slz
Nosso estudo mostrou que a “chamada“, longe
de ser uma forma de "matar aula" ou perder
tempo, representa um momento de forte troca
afetiva entre professora e alunos e com tal
intensidade que todo o trabalho de saia de
aula e por essa afetado. Um extrato do
relatorio da pesquisa mostra como a
professora procede; "Ela obedece a ordem
alfabética, mas ao chamar o nome procura o
seu respectivo dono com o olhar, sorri para
ele e, as vezes, chega a conversar um
pouquinho sobre suas preferências, rendimento
nos estudos, estado de saúde ou aspectos
particulares. O aluno parece se gratlficar,
seu rosto se anima e ele parece vibrar com a
atenção da professora."(...)
Na nossa interpretação a "tia", ao pronunciar
o nome de cada aluno, olhar para ele e
comentar algo a seu respeito, o está
individualizando e isso colabora para a
definição da própria identidade de cada
adolescente.iD5 Naquele momento, ele não é
apenas um aiuno num grupo de alunos, ele é
fulano, aluno daquela classe.iU6
A chamada pelo nome é individualização, é
identificação. É algo que se exige? É algo que se deve
a cada um por direito? Entretanto não se está falando
de suleltos de direito, esta se falando de individuos
fabricados por mecanismos de poder que usam a chamada,
sim, que usam o fato de os corpos estarem presentes ou
ausentes para esquadrinnar os espaços de deslocamentos
e de fixação dos individuos, sim, mas fundamentalmente
para referir esses corpos a modelos (rendimentos nos
estudos), idéias (preferências), Instituições
(aspectos particulares de família, por exemplo) que

iD5Grifo meu.
lDBANDRÉ, Marli E. D. A. A pesquisa no cotidiano da escola e
o repensar da didática. Revista Educação e Sociedade,
São Paulo, Cortez, S(E7)z84~9E, set. l9B7, p.9U.
107
vão escavando neles lnteriorldades que eles não
possuem, vão fabricando neles diferenças que os fazem
reconheciveis para agrupá-los ou para separa-los, para
maneia-los. É exatamente a identidade individual a
maior fabricação das disciplinas; uma classe, um sexo,
uma idade, uma peculiaridade, um talento, uma
profissão, um lugar de morar, um pertencimento afetivo
- são esses os materiais de que o poder se serve para
sujeitar, isto é, para fazer, de cada um, um sujeito.
E ser suieito das disciplinas não é nonroso... Urge
pensar de outra forma.

 GÍSÍFÍDUÍÇÊO 083 fiÍlV|G3d6S düâ ÍHÓÍVÍGUOS HO têmflü

0 poder disciplinar se caracteriza, ainda, pela


strlbulção ordenada das atividades dos individuos num tempo
ntrolável. Essa distribuição se faz com táticas combinadasz
a-o horário, onde se incluem simultaneamente,
dividir o tempo em periodos exatos, e dividir todos os
tempos, sela o dia (e, dentro dele, as várias aulas;
dentro delas, os varios momentos de cada aula) ou a
vida escolar; criar para cada tempo uma ocupação e
criar as ordens que obrigam a ligar ocupação e tempo.
Porem o controle do tempo escolar não busca apenas
limitar o tempo de duração de uma ocupação; o controle
se faz para constituir um tempo com qualidade, um
tempo útil. A utilidade do tempo escolar é assegurada
por uma vigilância que, ela mesma, não sofre cortes de
tempo; pelo afastamento e eliminação de tudo o que
possa distrair. interromper ou perturbar as
atividades. isso porque o tempo disciplinar da escola
deve possuir três qualidades; regularidade (ritmo),
exatidão e esforço;
D“3 8|8b0F8Çã0 Í6mPOP8| G0 BÍO, U8 Um PFOQPGM8 em
QUE
... o ato é decomposto em seus elementos; é
definida a posição do corpo, dos membros, das
articulações; para cada movimento é
determinada uma direção, uma amplitude, uma
duração; é prescrlta sua ordem de
sucessão.lD7
Mas, se a elaboração temporal do ato inicia no ato
motor, nele não se detém. Outros programas realizam
a elaboração de outros atos, agora os mentais; e esses

1D7FOUCAULT, MICHSI. Op. Cit., 9.138. .


108
programas, enquanto atos decompostos em seus elementos
para os guais se prescreve uma ordem de sucessão,
abrangem desde os exercícios escolares dos alunos ao
trabalho de cada um e de todos os professores. O que
são os pianos de ensino senão grandes eiaboraçñes
temporais de atos pedagógicos coletivos due, se chegam
a perder em termos de exatidão, ganham sempre em
termos de controle disciplinar? Os pianos de ensino
(atos coletivos elaborados antecipadamente) prescrevem
duração - um ano, um semestre, um mês, um dia,
amplitude - recortes selecionados de um campo de
saber, e direção ~ intenções do pianelador;
c~a utilização exaustiva do tempo em due a divisão
temporal não obedece ao mesmo princípio negativo que
institui o horário (não perder tempo, não
desperdiçar o tempo), mas a um outro, a uma especie de
economia positiva que pretende, por essa divisão,
multiplicar o tempo. Como se ele (o tempo), a cada
corte, fundasse novas possibilidades de exploração,
como se âuardasse, em sl mesmo, ao ser fraclonado, a
capacidade de produzir mais instantes e sempre mais
uteis.
... a escola mútua também foi disposta como
um aparelho para intensificar a utilização do
tempo; sua organização permitia desviar o
carater linear e sucessivo do ensino do
mestre; regulava o contraponto de operações
feitas, ao mesmo tempo, por diversos grupos
de alunos sob a direção dos monitores e dos
adiuntos, de maneira que cada instante que
passava era povoado de atividades múltiplas,
mas ordenadas; e por outro lado o ritmo
imposto por sinais, apitos, comandos, impunna
a todos normas temporais due deviam ao mesmo
tempo acelerar o processo de aprendizagem e
ensinar a rapidez como uma virtude. 108
O dia escolar não é mais um dia e sim um turno (manhã,
tarde ou noite). A aula não é mais um dia escolar e
sim uma nora-aula. Nem a nora-aula tem a duração da
nora~relÓglo (BD minutos) mas é estabelecida para eia
uma duração juridico-legal; 45 ou 50 minutos. Esse é o
significado da utilização disciplinar-exaustiva do
tempo escolar; busca-se não mais uma duração em que
caibam um aprendizado, uma formação, e sim um
aprendizado, uma formação que caibam numa duração. uma
organizacão temporal interna que se pensa, porque cada
vez mais cindida, mais eficiente e mais rapida. uma

id. ibld., p.l4U.


V

109
0FQafliZãÇäO que MGFCG SEU FÍÍMO 6 ÍmPÕ8 3U38 n0Fm8S
POP Siflãlä (SÍPBHBS, 3PÍÍ08, Slflüfiãã) 6 QUE ÍÚÓUS
UGVBW FBSPOHÕBF QTÚÚÍS S Ofüñflãüâmõflte: OS
PFOf€860f8S, 3 Cãüã Slflãl ÍPOC&m U6 Sala, GB &lUflOS
_

B/OU G6 ãÍÍVÍU8dSS; OS 8|Ufl0S, 3 Cada Siflõl, ÍFOCGM U8


3Í|V¡d8ü85, U8 PFOf€550F@8 B/OU G8 5816.

A organização das gêneses

O esquadrlnnamento do espaço coloca os corpos num


quadro e produz o individuo-celula; a divisão do tempo coloca
os corpos num programa e produz o lndl víduo~organismo (co rpo
que é decomposto e recomposto até o máximo de seus limites e
possibilidades). Da utilização cruzada do quadro e do programa
o pod GF GÍSCÍPIÍHÔF BXÍFaÍ Um HOVO Saber: OS ÍHGÍVÍGUOS
evoluem, como as sociedades, através de um tempo que é linear,
composto por momentos diferentes, mas que se integram
cumulativamente uns aos outros, e que têm uma direção, que
tendem a um ponto final onde os espera a perfeição - um tempo
evolutivo. Para as sociedades. em termos de progresso. Para os
lfldiv íduos, em termos de gênese.
Esse individuo-gênese é efeito e objeto do poder
d|5C|PiÍfl3F em ÍOFHO 0616 QUE 8 OFQGHÍZGÇÊD das gêneses se
B Ô
fal. 0 QUE Off Gfltã E833 0F5fiflÍZ3ÇãO É, Giflüfl, 8 perseguição do
Íõmpü Útil, MGS GQOFG GB HCOFQO Cüm Uma CBFÍG racionalidade;
Cada ãPP8flG|Z3Q6m "Õ6VS'SB IHSBFÍF flüma QPG nde série temporal
QUG É, 30 m63mO tempü, Uma mfiFCfla flâtüfãl G0 GSPÍFIÍO B Um
CÓUÍQÚ para 08 PiDC€3SD3 BUUCGÍÍVOS. n 109
,

A organização das gêneses se faz por quatro processosz


io.-dividir a duração de um -ensino e de uma
aprendizagem em etapas sucessivas; cada uma delas
deve chegar a um fim ou a um resultado como
condição de passagem à etapa seguinte (separar o
tempo de formação e o da prática; separar as
diferentes formações pelas suas especificidades;
separar os que realizam exercícios para aprender
dos que realizam exercícios para se aperfeiçoar);
Eo.~organlzar estas etapas de ensino e
aprendizagem segundo um esquema analítico, isto é,
ordena-ias das mais simples às mais complexas;
3o.-estapelecer para cada etapa de ensino e
aprendizagem um término, marcado por uma prova.
Esta tem uma tríplice função; indica se o

1U9Id . lbid., P.i44.


110
indivíduo atingiu o nível esperado; assegura que a
aprendizagem do individuo está conforme com a dos
outros; registra as diferenças de capacidades
entre os indivíduos;
40.-prescrever cada individuo, de acordo com o
a
seu nível, exercícios que ine convêm. Se os
os
exercicios comuns diferenciam os individuos, a
partir dessa diferença é preciso propor exercícios
específicos:
Esse é o tempo disciplinar que se impõe pouco
a pouco a prática pedagógica - especlaiizando
o tempo de formação e destacando-o do tempo
adulto, do tempo do ofício adquirido;
organizando diversos estágios separados uns
dos outros por provas graduadas; determinando
programas, que devem desenrolar~se cada um
durante uma determinada fase, e que comportam
exercícios de dificuldade crescente;
qualificando os individuos de acordo com a
maneira como percorreram essas séries. O
tempo "iniciático" da formação tradicional
(tempo global, controlado só pelo mestre,
sancionado por uma única prova) foi
substituido pelo tempo dlscipiinar com suas
séries múltiplas e progressivas. Forma-se
toda uma pedagogia analítica, muito minuciosa
(decompõe até aos mais simples elementos a
matéria de ensino, nierarquiza no maior
número possível de graus cada fase do
progresso) ... ilD
organização das gêneses ou dos inícios permite que o
A
poder exerça sobre os individuos através de um controle
se
MIHUCÍOSO G8 Cada 0P€F3Çã0 6 GB Uma ÍHÍBFVSHÇÊO P0flÍUüí HBIBS 8
neles, a cada momento e em qualquer momento (diferenciando,
corrigindo, punindo, eliminando); através da caracterização e,
a partir dai, da possivel utilização dos indivíduos de acordo
com o nivel que alcançam nas séries que percorrem; atraves,
ainda, da producao de um resultado no indivíduo, ou do
individuo como um resultado - uma capacidade final que se
alcança pela sujeição do individuo ao exercicio e pelo uso do
BXBFCÍCÍO COMO PFGÍÍCG G8 SUJBÍÇÉO.
_
Porque é do exercicio que, na organização das
gêneses, se faia. Se a distribuição dos indivíduos no espaço
produz o quadro, se a distribuição das atividades dos
individuos no tempo produz o programa, as gêneses organizadas
produzem o exercicio:

11Uld. ibid., p.114.


111

_.. a técnica peia quai se impõe aos corpos


tarefas ao mesmo tempo repetitivas e
diferentes, mas sempre graduadas. Dirigindo o
comportamento para um estado terminei, o
exercício permite uma perpétua caracterização
do individuo seia em reiação a esse termo,
seia em reiação aos outros individuos, seia
em relação a um tipo de percurso. Assim,
reaiiza, na forma da continuidade e da
coerção, um crescimento, uma observação, uma
quantificação. (...) serve para economizar o
tempo da vida, para acumuiá~io de uma maneira
útil, e para exercer o poder sobre os homens
por meio do tempo assim arrumado. 0
exercicio, transformado em eiemento de uma
tecnoiogia poiitica do corpo e da duração,
(...) tende para uma sujeição que nunca
terminou de se compietar.iii
Mas se o exercicio produz o indivíduo-gênese
isoiadamente caracterizado, como este adquire,
progressivamente, saber Ae bom comportamento e se torna, com os
outros indivíduos, coietivamente dócil e util? É que o poder
discipiinar da escoia dispõe e iança mão, ainda, de um outro
mecanismo: a composição das forças.

A8 'ÍOPÇÕS CDMPOSÍSIS

Para extrair uma utilidade das forças individuais, o


poder discipiinar vai compõ-ias e construir, com eias, uma
máquina de efeito máximo. A disciplina torna-se, a partir dai,
a técnica de transformar forças isoiadas em uma força coietiva,
capaz de põr em funcionamento um apareiho eficiente.
Esse apareino, contudo, exige corpos singuiares que se
possam fixar, mover e articular com os outros. 0 valor do corpo
singuiar provém, na composição das forças, do iugar que ocupa,
do interveio que cobre, da reguiaridade e da ordem que orientam
seus deslocamentos. Assim, se o corpo individuai é reduzido em
suas funções quando se insere num corpo coietivo com o quai se
articuia, em contrapartida, esse corpo coietivo possui um
potenciai que é superior à soma de todas as forças individuais.
Esse aparelho exige ainda, aiém da combinação dos
corpos, a combinação das séries cronoiógicas, de modo a poder
formar um tempo composto, já que, para a discipiina, é possívei
extrair forças de todo e qualquer momento, desde que os
diferencia entre si e os combine adequadamente com outros.

111id. Ibid., p.145"146.


_
11 E

Nesse sentido, a escola é uma máquina de ensinar e de


aprender, em que cada indivíduo, cada nivel e cada movimen Í0,
se forem articulados de modo correto, podem ser permanentement B
utilizados no processo geral de ensino. Desse modo, a forma cão
de professores oferece uma gradacão em que é possível, ao mes mo
tempo, ser aluno e ser professor. É possível ser profess or de
Ta. a 4a. SÉFÍB 8 CUF5aF Uma LÍC€flCÍaÍUPa; É DOS5ÍV6| SBF
professor de io. Grau (6a. a 8a. série) e de Bo. Grau e cur Sa?
uma especialização (pós-graduação), é possivel ser profess OP U6
3o. Grau e cursar um Mestrado, é possivel ser profess OP de
Mestrado e cursar um Doutorado. É possível inserir- S8 na
máquina escolar nem cedo, como estudante e Jamais sair d Gia,
num processo de formacão~trabalno que, aparentemente, nunca S8
completa. Forca coletiva disciplinada, os indivíduos da esco la
mantém o aparelho funcionando como é, pela combinação otimiza da
de suas diferenças úteis.

No entanto, se essa forca coletiva existe, se o po G8?


disciplinar a produz maximizando seu potencial, como fazer c Om
que a eia não corresponda também um potencial político de ig UBI
intensidade?
Para garantir, ao mesmo tempo, o aumento das forca 8
produtoras e a diminuição das forces políticas do coletivo < QUE
se torna, então, útil e dócil), esse aparelho exige um siste ma
preciso de comando. As atividades dos individuos devem 86?
orientadas por ordens eficientes, e ordens eficientes são aã
breves e claras.
Taiâ OTUBHS flaü S6 8XPi|Cam (flãü PF€Ci8am S EF
C0mPF89flU|Ua5) C, Bm a|§UflS CaSOS, SGQUEF SãO f0PmUiaUaS
UFUÕHS GfiCl€flÍ9S U8V8m fUflCi0flaF C0m0 8lflaÉS, B, Ha m a|0F
Parte U0 Íempü, UBV€m SBF ÍFaflSmÍÍÍUaS PDF 5ÍflaÍS.
E388 aPaF8ifl0 QUÊ Cümflifla f0VÇaS, ehtãü, PFESSUP õe
C0i0CaF 03 CDFP08 flUm mUflU0 U6 Síflaiã OHUG Para Cada Um BXÍS te
apaflaâ Uma F6SD03Ía, E DUFÍQatÚPÍa. O Siflai É PBFCGÚÍUO S
aSSOCÍaUD a Uma OFUCm, PFOVOCa Uma FBaÇaO 9 PFOUUZ O
COmPOFÍamCflÍ0 GCSEÃGUO. U Slflal Õ, a0 mB8mO ÍSMPO, Uma ÍÔCflÍCa
U8 C0maflUO 8 Uma mOFal U9 0D€UÍ€flCÍa. ÀS3lm, aü QUE QUE F QUE
lhô tfiflfla SÍUO Ofdeflaüü, 03 COFUOS FB5P0flUBm Cüm Uma OD€UÍÊflCla
pfüflta 6 CBQa.
A disciplina produz, portanto, a partir do pod EF QUE
exerce sobre os corpos, uma individualidade multidimensional
celular, orgânica, genética e combinatória, através d a
construcão de quadros, da prescricao de program a8, Ga
imposição de exercicios e da organização de táticas.
A escola disciplinar, assim, se mllitarizaz utiliza fldü
como modelo uma máquina de engrenagens culdadosament E
combinadas, ela se estrutura e funciona pelas coerc ões
permanentes, pelos treinamentos indefinidamente progresslvos 6
113
pela dociiidade automática.
As técnicas disciplinares não se esgotam, entretanto,
na produção dos corpos dóceis e úteis; elas abrangem, ainda, o
que Foucault denomina de recursos para o bom adestramento.llE

Porque o poder disciplinar adestra. Para retirar das


forças individuais a sua melnor e maior capacidade, ele as liga
entre si e, ligando-as, ele as multiplica; multiplicando-as,
ele as utiliza, agora, como força coletiva. Mas isso não se
realiza num simples arranjo mecânico do que, antes, era
desordenado e difuso; não opera como um mero somatório do
disperso. O poder disciplinar, aplicado à multidão, "separa,
analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até as
slnguiaridades necessárias e suficientes" 113 de modo a
PFOGUZÍF O ÍHGÍVÍGUO " 0 GIBMBHÍO DÉSÍCO, CGIUIBF, U9 ÍOGO Um
COFPO SOCIGI QUE, 0FQ8ñlC8m6flÍ6, PFBCÍSG (3 PGSSG 3) fUflCl0flaF
00m DFOGUÍÍVÍUGGB B d0ClllG8dB.
F3bPlCâÇã0 G8 dÍ3CÍPllflõ, O ÍHGÍVÍUUO Cüflâtitül-SB Em
ODJCÍD B, 80 mfiãmü ÍÕMPO, IHSÍFUMSHÍO G0 BXBFCÍCIO GO POUBT
QUE UÍIIÍZG, fl€SSa PFOGUÇã0, Cümblfladüâi OS m6CafllSm08 G8
vigilância, da punição e do exame.

A vigilância

O olhar e o ser olhado, o ver e o ser visto na


disciplina não são, como parece a princípio, fundados na
visualização clara e na identificação inequívoca do detentor do
poder. Ao contrário, a disciplina focaliza, traz à luz e a cena
da VI§ÍläflCIõ 3qU8|BS 8 QUEM Bla S8 GPÍÍCG. transparência
€flV0|VBflG0 O ÍHÓÍVÍGUO 3 S8? OÔSSFVGGO, O que flãü ÍMPÍÍCG Ha
obscuridade em torno do individuo observador. Nao há, dados de
uma forma final, lugares fixos separando aquele que vigia
daquele que é vigiado. O logo do controle pelo olhar supõe
perpétuos revezamentos, onde a regra é a visibilidade geral e
onde o ver produz efeitos de poder:
uma arte obscura da luz e do visivel
r
...
preparou em surdina um saber novo sobre o
nomem, através de técnicas para sujeita-io e
processos para utiliza-lo. lis
Para o exercicio de um olhar que permita o controle
pela visibilidade é necessario, de inicio, um modo politico e

11EId. lbld., D.153-172.


11316. lbld., P.l45.
llqld. lbld., p.l54.
114
funciona! de dispor, organizadamente o que é, na origem, massa
confusa.
Nesse sentido, a arquitetura do prédio escolar precisa
produzir o arranjo espacial das vigllâncias, fazer visiveis os
que nele se encontram, de modo a que possam ser trabalhados,
isto é, observados, conhecidos, modeiados, modificados. isso
porque a escola, antes de ser uma figura de pedra, é uma
máquina de modelar os indivíduos; antes de ser um espaco que
abriga, é um espaço que ensina. Os seus dispositivos
ínflmos de distribuições desiguais, de aberturas calculadas, de
separações táticas, funcionam, para os que nele se encontram,
como "um aparelho de observação, de registro e de
treinamento."ii5 ~

Mas se o sonno do poder disciplinar e o de tudo (e


todos) adestrar e fazer úteis, uma arquitetura que localize a
vigilância e o controle de modo centralizado e centralizador
mostra-se inadequada como concretude desse sonno. É preciso uma
vigilância cuidadosa na sua açâoz que pouse com leveza sobre as
atividades e os corpos a disciplinar, que quase não seia
percebida, para que se exerça sem provocar resistências. Faz~se
necessário, portanto, escalonar o poder, distribui-io em
degraus nierárquicos, organiza-io como rede, para aumentar sua
capacidade de penetração e, em consequência, a capacidade de
produção daqueles sobre os quais se exerce (capacidade de
produzir, de produzir-se, de deixar-se produzir).
Especialização do poder disciplinar, democratização do seu
exercicio para a intensificação de seus resultados, a
vigilância nierarqulzada é um convite ininterrupto a
cumplicidade, que se inscreve nos individuos Junto com a
docilldade e a produtividade esperadas, pois cada um pode,
nos Jogos das forças e através deles, a cada momento,
transformar-se de controlado em controlador.
O pertence ao controle da vigilância hierárquica
que
não é apenas o resultado de uma produção, mas a propria
atividade de produzir dos individuos, as técnicas que dominam,
o seu fazer e a sua nabiildade, o seu comportamento e a sua
atitude. E porque possibilita, ao mesmo tempo, observar e
registrar, dividir e treinar, verificar e suscitar atitudes e
hábitos de submissão e de produtividade, a vigilância realiza
uma ooietivaçâo dos individuos na medida mesma em que os
sujeita. Objetos para um saber, alvos para o poder, os
indivíduos vão sendo fabricados por operações que fornecem a
eles competências, informações de si, valores e nabilidades,
sempre referidos a um modelo, sempre por aproximacâo e/ou
distanciamento do modelo.
No ambito do pedagógico, ensino e vigilância

115id. ibiü., 9.156.


115
hierárquica não se antagonizam, não se compõem paralelamente,
mas se identificam. Os procedimentos que constroem a ação do
professor encontram-se integrados num mesmo dispositivo
didático-disclpilnarz realizar um ensinamento que produza uma
aprendizagem pela proposição de um exercicio e pela ooservaeão
atenta, a orientação precisa, a correção imediata, tanto da
execução do exercicio quanto do comportamento que a acompanha.
0 ensinar se desdobra e é duplicado por funções fiscalizadores,
punltlvas, examlhatórlasz
Uma relação de fiscalização, definida e
regulada, esta inserida na essência da
prática do ensino; não como uma peca trazida
ou adjacente, mas como um mecanismo que lhe é
inerente, e multiplica sua eficiêncla.il6
Não há como educar na escola, pelo exercicio, sem
vigiar. A vigilância é o suporte da educação escolar. Explicar,
exercitar, orientar, corrigir, punir e premiar - na outro modo
de educar pela escola?

isso porque, se a vigilância hierárquica duplica de


inicio a fim o processo de educar, eia o faz em dois sentidosz
ã“Pã?a Cada QFUPO QUE Ífabãlhä, S6 ÍflSÍlÍUÍ Um QFUPO
QUE VÍQÍG: 08 €5PBClal|SÍfiS, 05 COOFGSHGGOFGS, OS
GÍFBÍOFSB, 08 f|SCfiÍ5, 3 DUFüCF3CÍâ QUE S8 figfñga É
Sã|G 58 aüiõ 36 COHSÍÍÍUÍ Para C0flÍPOlaV, 3ÍFãVé5 U6
MBCGHÍSMOS GÍVBFSOS, O QUE aii BCOHÍBCC, lfldBPBfld8flÍ€
G8 QFGUS GG GHSÍHD;
b'0 PFÓPPÍO PFOfE5SOF, Em Sala de ãülâ, S8 COHSÍÍÍUÍ,
30 m8Sm0 ÍBMPD, C0m0 quem Bflãiflã 3 COmO QUEM Vigia.

Porque é preciso garantir o respeito ao opieto de


trabalho (o conhecimento e a escola); é preciso impedir que os
erros, ao não serem percebidos, sejam repetidos; e preciso
garantir a utilização produtiva do tempo e do espaço escolares.
A máquina-escola, que sustenta o ensino e a vigilância
concomitantes, sustenta também a si mesma e se defende de
"avarias" nos mesmos dispositivos; por isso é possível a eia
tolerar greves (paraiisações> ruidosas e até verbalmente
agressivas, desde que saiam acompanhadas de ausência da
escola. O que lhe é intolerável é um outro tipo de paralisação
que se pode fazer silenciosamente, e que visa "avariar", a cada
momento, as suas peças e engrenagens - suspender o uso de seus
mecanismos de controle e coerção, de vigilância e suhjetivação,
de fiscalização e ohietlvação.

De um modo geral, se uma greve acompanhada de ausência

11BId. ibíd., D. 158.


116
ao local de trabalho não assusta o patronato (quer o patronato
proprietário, quer o patronato dirigente), uma greve de
ocupação, seia a realizada em sua forma tradicional (em que os
trabalhadores assumem o local de trabalho e passam a geri-io
diretamente), seia a realizada sob a forma de boicote-quebra
das máquinas ou de algumas de suas engrenagens, produz ações
patronais repressivas de violência multipiicada. Porque os
individuos são rapidamente substituíveis, mas as máquinas não -
elas, quando avariadas, exigem conserto, o que paralisa a
produção por um (curto? longo?) tempo. A tal ponto que
suspender o controle das ausências e presenças, bem como das
chegadas tardes e saídas cedo da aula (uso da chamada),
suspender o controle dos comportamentos e dos pensamentos (uso
de trabalhos e provas a que se atribuem notas) não só paralisa
o trabalho escolar (os estudantes afirmam que "...a liberdade
desestlmula até a paralisia completa das ações") como também
desencadeia, na escola, um discurso pedagógico~jurldico que
acena com inquéritos, suspensões e, no limite, exciusñes
(demissão do professor, expulsão do estudante).
É necessário, portanto, ver na vigilância
hierarquizada enquanto organização dos controles em rede "...ao
mesmo tempo uma peça interna no aparelho de produção e uma
engrenagem específica do poder disciplinar."ll7 E mais, se a
hierarquia do controle indica um chefe, e a rede de controle,
que se estende de cima para baixo, mas também de baixo para
cima e lateralmente, que exerce efetivamente o poder.
O aparelho inteiro da escola exerce poder e sustenta
seu exercicio dissimétricoz do aluno ao diretor, aos
especialistas, aos professores e funcionarios, incluindo os
pais, o poder se exerce a cada vez, a partir de pontos
múltiplos e móveis que vão se atualizando, se integrando nas
dissimetrlas, nas diferenciações. Nas lutas contra o poder é
preciso vasculhar incessantemente toda a rede disciplinar:
De que serviria, por exemplo, propor as
massas um programa de revoluclonarização
anti~autoritarla contra os chefinhos e
companhia limitada, se os próprios militantes
continuam sendo portadores de virus
burocráticos superativos, se eles se
comportam com os militantes dos outros
grupos, no interior de seu proprio grupo, com
seus próximos ou cada um consigo mesmo, como
perfeitos canalhas, perfeitos carolas?llB
0 "inimigo" varia de rosto; pode ser o

1i7ld. lbid., p.157.


ii8GUATTARl, Felix. Revolução molecular; puisações políticas
do desejo. E.ed. São Paulo, Brasiliense, i985, p.i5.
'i'i7

aliado, o camarada, o responsável ou si


próprio. iiB
'

A punição

A máquina-escola opera por vigilâhcias permanentes,


mas também por penalização dos mínimos atos considerados por
ela infração. Tudo é passível de entrar na rede do
inadequado; o uso indevido do tempo (as chegadas tarde, as
saídas cedo, as ausências, as presenças inoportunas, a
interrupção dos exercícios, o atraso no cumprir os prazos, a
demora no aprender); a realização imprópria do trabalho (a
falta de atenção, o desinteresse, o desieixo, a preguiça, a
apatia, o silêncio); o incorreto modo de ser e de agir (a
desobediência, a "falta de educação", os maus modos, a
contestação, o desrespeito); a fala inoportuna (falar demais,
não falar, falar incorretamente, falar lnsolentemente, falar na
nora errada); o lnsatisfatórlo referido ao corpo (a sujeira, o
relaxamento, a displicência, as incorreções de postura, os
deslocamentos desnecessários ou nocivos). Para punir, todo e
qualquer elemento é arma; para ser punido, todo e qualquer ato
entra no campo do Julgamento e da punição:
Eu nunca consegui decorar as regras de
gramática. E nunca precisei delas para
escrever. É isso que eu queria tentar
entender; como ë que isso funciona para mim.
Eu lembro que eu lia muito. Eu adorava livros
de história, eu adorava contos de fadas, eu
adorava ler e estava sempre enfiada no meio
dos livros. isso talvez tenha me ensinado
muito mais do que todas as regras de
gramática. Agora, eu vlvl numa escola em que
ler não era obrigatório, que não tinha
aquele bendito livro mensal que tu tinhas que
ler e vomitar para o professor os personagens
e o enredo da história... Porque isso,
perdoem, enche o saco do aluno. 130
O professor N tem uma listinha al... a pessoa
que se manifesta na aula, que participa da
aula ele marca com um "X", de vez em quando
ele marca um "X", Ele vê quem participou,
ele vai considerar isso ai. lëi
TOÓãS GS ë!ÇÕ6S POÚBITI SBF `COi"i'lâC18S EXGFCÍCÍO; POI"

'i'ISici. ibid., p.E'D.


lEDTranscrição de faia do discurso do pedagógico.
iBiTranscrição de fala do discurso do pedagógico.
118
outro lado, mediante sua codificação, sua redução a um corpo de
regras, todas as ações podem ser punidas. À contestação do
aluno de que participar (discutir as idéias, os conteúdos e sua
compreensão) é um direito seu, as práticas escolares
disciplinares respondem instituindo uma obrigatoriedade de
participação que é capaz de aumentar ou diminuir os pontos ou a
nota do aluno. O mesmo em relação a leitura; se ler era um
desejo-prazer pelo qual se lutava, transforma-lo em exercicio
obrigatório multipiicou a ação em si mesma ( se lê muito mais)
extraindo-lhe a alegria (e, portanto, num outro sentido, se lê
bem menos). Leitura sob controle, participação enquadrada, a
máqUÍflã”68CO|õ S8D6Fd HS ÔÇÕSS U6 SEU BUPOIÍB HO Campü U0
ÓGSGJO 8 GS ¡flÍ8QF8 Ha Offlëm G0 BXBFCÍCÍO... DOFQUB
G€S€j0“DPõZ6F G Pôâlífiaüe PF6CiS6m SBF GÍSSOCÍGGOS P810 POGBF:
Para a modellzação dominante -aquilo que eu
cnamo de “suietlvidade capitalistica“-_(...)
seu axioma de base é que o deseio só poderia
estar radicalmente cortado da realidade e que
haveria sempre uma escolha inevitável, entre
um principio de prazer, um princípio de
desejo, por um lado, e de outro, um principio
de realidade, um princípio de eficiência no
reai.iEE
O objeto da punição escolar é o desvio da norma, a
inobservância das leis que regulam o cotidiano, a inadequação
ao modelo, o afastamento do padrão considerado, “...o campo
indefinido do não~conformez (...) a falta do aluno é, assim
como um delito menor, uma lnaptldão a cumprir suas
tarefas." iE3
A justiça disciplinar que se instaura na escola exige
o respeito a uma espécie de lei de duas faces, uma mistura de
legalidade e natureza, de prescrição e constituição que compõe
a norma. 0 normal é estapeiecldoz

8'ü8 Um |&G0, POP Umã Išgâiifiãdõ PF€3CFlÍÍVa (Um


deve~se legal);
D“G€ ÚUÍFO |3Q0, POP Uma ÚGÍUFEZG COHSÍÍÍUÍÍVG (Um
é~se natural).
'H II

O "deve-se" remete as leis, aos regulamentos, aos


programas, que se tornam regras cotidianas. O "é~se" define-se
por "...processos naturais e observavelsz a duração de um
aprendizado, o tempo de um exercício, o nivel de aptidão têm
por referência uma regularidade, que e também uma regra."lE4

ÍEEGUATTARI, FÉIÍX 6 ROLNIK, Suely. OP. Cit., P.E15“E1B.


¶E3FOUCAULT, MICHGI. OP. Cit., D.¶BD.
1E4Id. Ibiü., P.1BU.
119
Os exercícios são considerando a sua
propostos
adequação a do aluno; um estágio evolutivo do
capacidade
estudante, por um lado, e uma complexidade crescente do próprio
objeto de estudo, por outro. E, sobrepondo-se a essas duas
ordens de desenvolvimento (evolução e complexidade), na prazos
para que as aprendizagens se façam, prazos fixados por
regulamentos (o calendário escolar, os regimentos dos cursos) e
por programas (planos de ensino) e sua inobservância exige
castigos especificos.
Mas de que castigo se faia? Faia-se de um castigo cuia
função especifica é reduzir os desvios da norma, diminuir a
distância entre o real e o modelo. Fala-se de um castigo que
busca a correção de um comportamento e que, por isso, é um
exercicio; corrigir é repetir inúmeras e inumeras vezes a
mesma atividade, refazer o mesmo caminho em cada detalhe do
percurso. 0 efeito corretivo não produz arrependimento por
expiação; mas adequação ao modelo por repetição, assimilação.
'

Do outro lado do castigo existe o prêmio. Se ao erro


corresponde o castigo, ao acerto corresponde o prêmio. A
educação, vista sob a ótica da disciplina, ensina, treina,
corrige através do iogo prêmio-punição. A escola e seus
dispositivos disciplinares qualifica cada um dos
comportamentos, cada uma das atividades a partir dos valores
opostos bom/mauz boas e mas atitudes, bons e maus desempenhos,
bons e maus trabalhos, boas e más notas, bons e maus pontos. A
partir dessa qualificação, registrada incessantemente (a cada
atividade corresponde uma avaliação, um julgamento, que devem
ser anotados) vai surgindo um desenho (um "perfil") do aluno,
ao mesmo tempo que um desenho (um "perfll“) da turma de alunos:
hierarquizando por distinção, "bom" e "mau" lá não se referem a
comportamentos ou a desempenhos, mas a individuos, de modo a
diferencia-los quanto aos seus dons, às suas virtualidades, ao
seu nivel e ao seu valor.

E533 GÍVÍSÊÚ Peiaã QUGIÍÕGGGS POSSÍDÍIÍÍG, DOF Um


IGUO, GGÍGCÍGF OS GBSVÍOS (HÍBFGPQUÍZGHGO 88 qU3|iGad9S, 85
COMDBÍÊHCÍGS B 86 GPÍÍGÕBS) 8, 90? OUÍFO, Cãâtlfifif OU
FBCOMPBHSGF. S6 HÍBFGFQUÍZG Caâtigaflüü 9- SB CGSÍÍQG
HÍBFGPQUÍZGHÓO.
Do mesmo modo, se hierarquiza premiando e se premia
hierarquizandoz a recompensa na escola encontra-se toda no jogo
das promoções, quando são construídas hierarquias e são
marcados os lugares de cada um dentro delas. A própria
atribuição de valores ("é bom", “está melhorando" ou “é mau",
“está piorando“) vale como prêmio ou castigo.
A penalidade hierarquizante produz, em consequência,
Um GUPIO 6f8iÍ0:
. GÍSÍFÍDUÍP OS GÍUHOS SGQUHÓO SUGS
130
aptidões e seu comportamento, portanto
segundo o uso due se poderá fazer deles
quando saírem da escola; exercer sobre eles
uma pressão constante, para que se submetem
todos ao mesmo modelo, para que sejam
obrigados todos juntos "à subordinação, à
dociildade, à atenção nos estudos e nos
exercicios, e à exata pratica dos deveres e
de todas as partes da disciplina." Para due,
todos, se pareçam. 185
U POGBF GlSCÉP|lflãF G8 BSCOÍH, HO ÍOQO QFÊmÍO“C8SÍÍQO,
realiza uma série de operaçoes encadsadas:
“C0mP8F8F: SSÍGDBIGCBF FSÍGÇÕB3 GHÍTG COWPOFÍQMBHÍOS
B UGSBMDBÚHOS Siflgulflfeã 6 Um müdelü, Uma flüfmã;

-diferenciar; estabelecer distinções entre os


individuos, uns em relaçäo aos outros e todos em
relação ao modelo;
-hierarquizarz atribuir uma medida
numérica/quantitativa às aptidões, aos desempenhos,
aos comportamentos dos individuos e os ordenar, a
partir dai, em graus ou valores;
“fl0mO§8flBlZflF: 8 P3FÍÍF Ga HÍGFGFQUÍZSCÊO, FB3|lZãF
Uma ROVG Chamada 80 m0ÓE|D, 30 fläflfãüi
-excluir; estabelecer "...o limite que definirá a
diferença em relação a todas as diferenças, a
fronteira externa do anormal" 126.
“fl0Fm8||Z3P, Bm FGSUMO.

O BXBMB

Síntese da vigilância hierárquica e do logo


premiar-punir, o exame e um dispositivo disciplinar que permite
o agrupamento de todas as operações anteriores; controla
enquanto normaiiza, vigia enquanto classifica, diferencia,
nierarquiza, nomogeiniza e exclui. Traz a visibilidade os
indivíduos para inscrever neles distinções e diferenciações e,
30 meâmü ÍBMPO, PGFG CÉSÍÍQá"i0S OU flõü. NO EXGMG

... vêm-se reunir e cerimônia do poder e 20

forma da experiencia, a demonstração da força

1E5Id. Ibid., p.163.


1EBId. ibid., p.163.
121

6 O GSÍGDCIBCÍMBHÍO U6 verdade. (...) ele


manifesta a sujeição dos que são percebidos
como objetos e a obietlvação dos que se
suieitam. 127
A escola é uma máqu lna que ensina, mas também que
examina. E esse exame acompa nna do inicio ao fim todo o
PFOCGBSO U0 BHSÍHO BSCOi8F: Uma incansável e permanente
C0mDaF8Ça0 S6 faz dos alunos entre si (de cada um com os
demais) e deles com a norma (o modelo de aluno "ideal"). O
cotidiano da escola é preen CHÍUO 90? BXBFCÍCÍOS QUE füflülüflãm
como testes ,DOF DFOVQS 8 ÍFfiDãifl08 QUE äflâ lisam, medem,
comparam, classificam, dif erenciam, agrupam, separam,
caracterizam, redistrlbuem OS alunos e por registros
permanentes de todos esses dados
O exame não se contenta em sanclonar um
6PF8flU|Z3UO; É Um U6 SEUS f8t0FBS
P€Fm3fl6flÍB5: sustenta-o segundo um ritual de
POGGP C0flSÍã ntemente renovado. O exame
Pñfmlte 30 mGSÍF8, 30 mBSmO Í8mP0 em QUE
Ífâflômite SEU saber, levantar um campo de
C0flH8CÍm6flÍOS sobre seus alunos. (...) A
63COlô Íüfflã" se o local da elaboração da
pedagogia (...> uma pedagogia que funciona
como ciência. 138
A pedagogia é, então, 6flQUêflÍ0 Um Saber "QUE fUflCi0fl8
como ciência", efeito da ÍBCflOlOgÍ8 U0 PÚUEF U¡8ClBiÍflãF, E
essa mesma tecnologia constitui a escola como visibilidade (a
outra forma de saber). Uma não produz a outra, mas ambas são
DFOUUZÍUGS P6|0 m€Sm0 ÍÍPO G8 D OUBF, PGÍGS meãmü Uiagfamõ USS
relaçoes de forças.
C0m0 fUflCÍOfla O 6Xãm6? ÀÍFaVé6 U6 Uma Série U6
operações:
ä“0 8XamB OPBF8 Uma inversão do oinar e da iuzz como
flã Viäii ância, o poder se to rna invisivel e uma
Vlã lbilldade obrigatoria recai sobre seus suieltos. Se
é sujeito do poder dl sciplinar porque é possível
38F“58 VÍSÍO ÍHÍHÍBFF upta e permanentemente. E essa
ÍÉCHÍC3, 80 mBSm0 Íõmp o em que sujeita à luz, organiza
05 SUJBÍÍ08 C0m0 OD] etos de estudo e de pesquisa -
realiza uma obietivação;
D`0 6XãmB DDBPG Uma ÍHSCFÍCÊO Ga iflUiVÍUUãiÍUãU6 flüm
campo de documentação é constituido todo um arquivo
z

em que anotaçõe s, relatórios, descrições,

1E7id. ibld., 9.164-165.


1E8id. Ibld., 9.165.
TEE
interrogatórios, confissões, em suma, uma série de
registros escritos apreendem e fixam os indivíduos por
um lado, a tracos singulares, a particularidades que
os diferenciam; por outro, a fenomenos coletivos e
globais que os agrupam;
o-o exame opera a transformação de cada individuo num
"caso", isto é, “o individuo tal como pode ser
descrito, mensurado, medido, comparado a outros e isso
em sua propria individualidade"lE9 e, num mesmo
movimento, o coloca como alvo e instrumento para o
poder e como obleto para o saber, que o introduz ao
mesmo tempo numa rede disciplinar e no discurso
cientifico.
E ISSO Íõmllém fla GSCOÍG. ÀS Flõâqülâãô 0 B\IÍd8i'lC|8m, fla
sua propria metodologia, na definicao do seu obleto de estudo e
na indicação de seus sujeitos;

Tendo em vista a preocupacão com uma analise


"situada" de experiência escolar diaria,
faz-se necessário que se recolha uma grande
quantidade de dados descritivos seia dos
ambientes, das pessoas ou das situações
focalizadas, através principalmente da
observação. Por outro lado, é preciso obter
também informacoes e materiais produzidos
pelo pessoal da escola, ou sela, planos,
memorandos, estórias, desenhos, opiniões,
pontos de vista, depoimentos, enfim, tudo que
possa vir a ilustrar a maneira desses
individuos representarem o mundo em que
vivem. 130
Achamos, portanto, que a pesquisa deve
deslocar-se em direção a prática escolar,
utilizando a observação e a descrição
sistemáticas apoiadas com metodos
quantitativos e qualitativos. Faltam estudos
sistemáticos sobre a saia de aula e a
escola. <...) Nossa proposta coloca como
tarefa imediata o levantamento das
pesquisas la realizadas nesta direcao, o
intercâmbio de procedimentos metodológicos, e
a realização de pesquisas destinadas a
captar, sistematicamente, a dinâmica do
processo pedagÓglco.i3l -

_._____.-___.-___...
1E9|d. lbid., P.l7D.
ÍBUANDRÉ, Marli E. D. A. OP. clt., p.85.
l31FREiTAS, Luis Carlos de. Projeto hlstürioo, ciência
pedagógica e didática. Revista Educacão e Sociedade, São
Paulo, Cortez, B(E7)ziEE-140, set. 1987, p.i39.
123
As pesquisas se aprofundam e soflsticam-sez de
quantitativas passam a qualitativas, dão ao "escolar" e ao
“pedagógico” a profundidade mesma de seu olhar. Mas não deixam
de sujeitar os individuos sobre os quais se debrucam,
objetivando-os, ora em nome de uma teoria que se vincule a
prática, ora em nome de uma prática que origine uma teoria. Mas
a questão fundamental, parece, não gira em torno de dicotomias
ou precedências (teoria e/ou prática), mas em torno dos
mecanismos de poder que tornam possivel um saber sobre o
escolar que sustenta a pedagogia como um discurso que se
pretende com estatuto de verdade cientifica.

3.DidátIcaz 0 discurso cientifico do disclplinamento

Afirmei anteriormente ser a Didática o discurso


cientifico que, no âmbito do pedagógico, fundamenta e, ao mesmo
tempo, esconde a tarefa de disciplinar os corpos. Ou, dizendo
de outro modo, a Didática é a passagem para o discurso
cientifico do poder disciplinar que exercem os professores
sobre os alunos e a instituicão escolar sobre os professores,
sendo o seu objeto de estudo a tecnica de discipilnamento de
educandos e educadores transformada em "saber didático". O que
justifica minha afirmação? _

inicio, cabe lembrar que as relacões de poder


De
existentes em nossa sociedade correspondem a um diagrama de
poder disciplinar. cabe lembrar também que as reiacões de poder
ou de forces só se atualizam integrando-se e diferenciando-se
em duas formas de saber; o visivel e o enunciável. As relacões
de poder não são conhecidas enquanto não se atualizam num
“diz-se" e num "ve-se", que dispersam-se (os enunciados) e
disseminam-se (os quadros).
o diagrama de poder disciplinar (diagrama panóptico)
É
que vai constituindo, entre os séculos Xvll e xvlll, o
indivíduo como alvo e sujeito de um poder e instrumento e
objeto de um saber. D diagrama panóptico, cuja funcao é "impor
uma tarefa ou um comportamento qualquer a uma multiplicidade
qualquer (individual ou grupal) sob a única condicão de que a
multiplicidade seja pouco numerosa e o espaco limitado, pouco
extenso", possibilita então, que se constitua um saber sobre o
homem f surgem dele as "ciencias" humanas. um novo modo de ver
(novos quadros) e um novo modo de enunciar (novas
discurslvidades) vão constituindo esses saberes que tomam o
corpo como alvo-objeto e desdobram, a partir dele, uma "alma",
uma interioridade.
Dentro desse contexto, junto com outras "disciplinas",
surge a pedagogia - uma forma de saber que "funciona como
ciência". Dentro desse contexto, também, junto com outros
enclausuramentos discipllnares~educativos, surge a escola - uma
124
forma saber que funciona como máquina. Escola e pedagogia
de
sao novas formas de saber que um diagrama disciplinar de
as
poder constitui em relação à educação.
Escola e pedagogia não são a mesma coisa, não tem a
mesma forma, sua relação é uma não~relação, uma dislunção. E
é dentro dessa dlsiunção que operam as relações de poder para
formá-las como duas formas de exteriorldadez pedagogia e
escola. No entanto na encontros “forçados” entre ambas e a
pedagogia, falando de educação, parece referir-se à escola,
como a escola, dlscipiinando os corpos, parece fazer educação.
Os encontros forçados é que permitem que uma retire um
segmento da outra; a pedagogia utiliza os quadros, os
programas, os exercicios, as forças taticamente compostas, a
vigilância, a punição e o exame que a escola vai constituindo
para extrair deles seu saber; por sua vez, a escola utiliza os
enunciados pedagógicos para soflstlcar, aperfeiçoar e dar
cientiflcldade a todas essas tecnicas de sujeição e obietivação
que realiza.
Por esses vínculos entre relações de poder e formas de
saber é que escola e pedagogia, enquanto coisas e palavras, nos
parecem surgir, erroneamente, como geradoras uma da outra. É
preciso, para extrair os enunciados e as visibilldades das
palavras e das coisas, quebra-las, abri-las, colocar o
pensamento na disiunção entre ambas, la mesmo onde operam as
relações de poder. É preciso pensar de outra forma.
É preciso ter uma outra interpretação, por exemplo, do
que enuncia o discurso sobre o pedagógico;
no fixarmos a educação como obieto de estudo
da Pedagogia estamos nos referindo,
preferencialmente, ao processo educacional
organizado e dirigido que ocorre no ambito de
uma instituição soclal.i3E
discurso (embora talvez sem o saber) confirma o que
O
se dizia anteriormente; a pedagogia toma a educação como objeto
de seus enunciados quando a escola toma os corpos como
objetos de seu dlsciplinamento. Entretanto, uma faia sobre
educação, a outra realiza a escolarização.
da pedagogia, a didática é uma disciplina
Parte
existente cursos de formação de professores, mas é também
nos
uma área de conhecimentos que trata do como organizar e
concretizar 0 trabalho pedagógico. Por ser parte da pedagogia,
ela é um discurso; por tratar do como, ela é prescrltlva,
isto e, ela tem como obietlvo principal propor regras gerais de

13Eid. ibid., P.13i.


135
COHGUÍ6 |38l`‹':l ÍÍOCÍO 6 QUEHCIUBT' Pi"0f6630|".

A didatica e, por conseguinte, um discurso prescritlvo


cujo objeto é o como organizar o trabalho pedagógico de
educar. Mas esse trabalho se concretiza na escola. Quer dizer,
a didatica se refere ao que se realiza na escola, que não é
educar, é escolarizar. É talvez na didática que a dlsjunção
entre pedagogia e escola fique mais explicitada, porque é nela
que se faz o esforço de unir e relacionar o que é não-relação,
o que é dislunção. As ambiguldades da didatica, a ausência de
um objeto preciso, o fato de ser acusada e/ou defendida como
saber instrumental que procura transformar estudantes em
professores explicam~se, então, pelas relações de poder que a
atravessam e que a fazem dizer o como deve ser o trabalho
(visibilidade) pedagógico (enunciado), buscando fundir educação
e escolarização.
Para aprofundar a análise, é preciso indagar; quais
são os temas que constituem o conteúdo da didática?
A nivel de saia de aula, os conteúdos
especificados nos planos de ensino de
Didática e desenvolvidos pelos professores
durante o periodo de observação, glraram em
torno dos assuntos; escola e sociedade de
classe, a realidade da escola de io. e Bo.
graus, o significado da marginaildade dentro
das teorias pedagógicas, segundo Saviani; o
pianelamento do ensino e seus componentesz
conceito, niveis e fases; objetivos
educacionais; conteúdo de ensino;
procedimentos (aula expositiva, estudo
dirigido, estudo do meio); recursos de ensino
(quadro-de~giz, cartazes, estudo sobre o
livro didático); avaliação (conceito,
técnicas e instrumentos); a disciplina na
saia de aula; formas de atuação docente.i33
didática parte daquilo que se costuma denominar de
A
uma contextualização ampla de educação, isto e, a escola (uma
visibilidade) e as classes sociais (um enunciado). cruzam-se ai
alguns discursos selecionados na Sociologia, na Politica, na
Filosofia da Educação que tecem uma trama capaz de amarrar
escola e classes sociais. Em seguida, a didática remete aquilo
que se denomina a realidade da escola de lo. e Bo. graus (uma
visibilidade) e essa realidade é vista atraves de quadros que
os discursos desenham das deficiências, carências, erros e
equívocos da escola quanto à sua função. Em relação a função da

i33VEiGA, lima Passos Aiencastro. A prática pedagógica do


professor de didática. Campinas~SP, Papirus, i989, p.iE4.
126

€SCOi&, f3¡a“S€ GB EGUCGF (O BHUHCÍÉVGÍ) 6 GS COHCCPÇÕBS


P8dãQÓ§ÍC8S têm, CBGB Umä, Um GÍSCUFSO SEU SODFG E583 fUflÇãO.
Logo depois, para direcionar a análise critica da
escola para um foco especifico, a didática privilegia um
discurso sobre o pedagógico que trata do significado da
marglnalidade (enunciado) dentro das teorias pedagógicas
(enunciados).
Daflöü SBQUÍMEHÍO 80 SEU COHÍEÚGO, 3 üÍüäÍiCã Ífõtãz
a-do planejamento de ensino e seus componentes;
-conceito;
-niveis;
-planejamento educacional,
-planejamento curricular,
-planejamento de ensino (anual, semestral,
pimestrai, mensal, diario, plano de curso,
piano de unidade, plano de aula),
-relacionamento entre os diversos niveis,
”f36€5:
-preparação (conhecimento da realidade,
determinação dos objetivos, seleção e
organização dos conteúdos, seleção e
organização dos procedimentos, seleção dos
recursos, seleção de procedimentos de
avaliação, estruturação do piano de ensino),
-desenvolvimento (plano em ação),
-aperfeiçoamento (avaliação, repianejamento);
b-dos objetivos educacionais;
-distinção entre fins e objetivos educacionais;
-funções dos objetivos;
-formulação e classificação dos objetivos;
-objetivos gerais e especificos,
-objetivos operacionais e comportamentais,
-objetivos da area cognitiva, da área
afetiva, da área psicomotora;
c-dos conteúdos de ensino;
-conceituação;
-seleção e organização sequencial dos conteúdos;
-integração dos conteúdos;
d-dos*procedimentosz
-aula expositiva;
-estudo dirigido;
-estudo do melo;
e-dos recursos de ensino;
-quadro-de-giz;
-cartazes;
-estudo sobre o livro didático;
127
f-da avaiiaçãoz
-conceito;
~técnicasz
-observação,
stestagem,
-entrevista,
-questionário,
-instrumentos;
-escalas,
sanedotarios,
~ficnas de acompanhamento,
-testes (objetivos, de diagnostico, com
referência a critérios, de ensaio,
psicológicos, de atitudes, de atenção)
~questionãrios;
9“d3 dlSCiDIifl3 na Saia de aula;
h-das formas de atuação docente:
-diretlvidade;
-não-diretivldade.
Aqui não cabe discutir se estes são ou não os
conteúdos mais adequados a didática. Cabe, sim, através da
análise desse discurso sobre o pedagógico, analisar a propria
constituição da didática enquanto discurso prescrltivo (que
propõe regras de como organizar e realizar o trabalho
pedagógico na saia de aula e na escola), discurso onde se
misturam os discursos da pedagogia (cujo objeto enunciável é a
educação) e os discursos‹ da escola (cujo objeto visivel é o
escolar).
Entre a pedagogia e a didática enquanto forma do
enunciável e a escola e a prática pedagógica enquanto forma do
visivel na diferenças e enfrentamentos, como o na entre a
educação e a escolarização. Mas é preciso lembrar que, mesmo
assim, na sua disjunção, elas vão constituindo a verdade sobre
a educação, isto é, discursos e vlsibilldades que funcionam
como verdade e, devido ã sua dlsjunção, verdade não como
descoberta/construção definitiva, mas como problema.
Mas, ainda assim, não se explicita a questão da
didática e do fato de ser ela o discurso cientifico do
dlsciplinamento. Ou melhor, não se explicita totalmente. É
preciso ir um pouco mais além, e tentar trazer os mecanismos
disciplinares com os quais a escola operaz a distribuição dos
individuos no espaço, a distribuição das atividades dos
individuos no tempo, a organização das gêneses, as forças
compostas, a vigilância, a punição e o exame e perguntar quem
os ensina e como se aprende a utiliza-los.

E aí a didática se diz presente prontamente; tecida a


partir do discurso da pedagogia, eia justifica o
_
138
quadricuiamento do espaço escolar que produz o individuo
isolado (registro e controle das circuiações, dos agrupamentos,
das presenças e ausências; controle das falas úteis,
interrupção das falas inúteis; observação e vigilância das
condutas individuais para avalia-las, aprova-ias ou puni-ias).
É a didática que aponta como um dos objetivos do seu
ensinar a organização do espaco escolar de modo que a cada um
corresponda não só um lugar, mas principalmente uma atividade
com um resultado. É ele que defende o acompanhamento tanto do
processo escolar quanto de seu produto - uma aprendizagem
(constatando presença, aplicação, qualidade de trabalho;
comparando e classificando os alunos entre si segundo sua
habilidade, conhecimento e rapidez).
É ainda a didática o saber prescritivo que ensina como
colocar em fila os alunos, seus desempenhos e seus
comportamentos; as turmas, as saias de aula, os assuntos, as
matérias, as séries, os niveis e os graus. É a didatica que
confere a essa ordenação uma racionalidade quando atrinul à
localização nierarquizada nessa Fila uma representação ideal
de valores e uma atrinuição real de méritos.

É a didatica que mostra como se constituem os


“quadros-vivos" que organizam as multipiicldades, como se
extrai dessa muitiplicidade um individuo que, aos poucos, vai
sendo produzido pelo próprio trabalho do professor, que o
analisa, caracteriza, compara, dá~lhe qualidades e atributos.
É também a didatica que ensina a organizar os tempos a
partir de sua repartição, é eia que legitima a fragmentação do
tempo escolar tanto em horários e prazos a serem respeitados
quanto na elaboração prévia dos atos coietivos. É eia que
explica de que modo se sujeita um grupo a um piano de trabalho
e como se objetiva cada um pelo proprio piano de traoaino.fÉ
eia a maior defensora dos "programas", em cada série e grau, em
cada disciplina e periodo do ano letivo. 0 ensino e atravessado
por programas que se superpõem, se entrecuzam, se confundem, se
desencontram. A interdisciplinaridade, novidade pedagogica, tem
se anunciado como a superação do incômodo das programações
fragmentadas. Um novo discurso porque um novo objeto que a
escola faprica para a pedagogia. '

E não é a didática que, repetindo a pedagogia e


tomando por empréstimo o discurso da psicoiogia, afirma a
existência de um tempo evolutivo que acompanha cada individuo,
da concepção à morte? Não é eia que, em nome desse processo de
desenvoivimento-evolução, prescreve normas que regulam o
ensinar e o aprender de ponta a ponta? 0 ensino e a
aprendizagem se fazem por etapas que devem ser organizadas das
mais simples as mais complexas. O conhecimento, em cada campo,
em cada disciplina, deve ter etapas de compreensão porque os
individuos têm etapas evoiutivas. Para cada etapa é necessaria
129
uma avaliação do que foi ou não aprendido. Essa prova
(teste,verificação) é o que val fornecer ao professor
informações sobre os alunosz os que sabem e os que não sabem e
0 quanto cada um sabe. E, a partir dai, é possivel estabelecer
para cada um exercicios diferenciados com a finalidade de
coloca-los o mais próximo possível do modelo, objetivo a
perseguir.
Não é a didática que fornece a essa construção do
tempo evolutivo das coisas e dos individuos uma utilidade? Não
é eia que ensina a codificar os resultados alcançados e
inscrever tais resultados nos alunos, quando controla seus
exercícios, quando os corrige permanentemente, quando os premia
ou pune, quando os faz serem os próprios resultados que
alcançam, a ponto de eles só saberem de si pelas referências
registradas nos diários de classe, nos cadernos do professor,
na documentação da secretaria da escola? É lícito imaginar que
apenas a prisão devolva a sociedade um indivíduo marcado para
sempre pelos erros cometidos mesmo que, no âmbito da justiça,
ele tenha lá expiado sua culpa? Não deixa também a escola
marcas lndelevels nesses corpos enclausurados por tempos
diferentes, de modo que a leitura dessas marcas possibilite
estabelecer repartições sociais, isto é, lugares que eles podem
ou não podem ocupar “por direito"? Não sera também ai a escola
irmã da prisão?

E é a didatica, ainda, que ensina ao professor a


vigiar, a punir, a recompensar - ahi como é dificil avaliar!
Ah! Como é dificil dar corporeidade, realidade, a ficção de que
é possível medir conhecimento, aprendizagem, participação,
interesse, possibilidades futuras. Em torno da avaliação a
didática se torna minuciosa, detalhada, perfeccionista. E não
por acaso: tudo na escola parece ter sido pensado para vigiar e
punir, para observar, comparar, classificar, caracterizar,
agrupar, separar, para estabelecer diferenças e construir
lntegrações, para esquadrinnar, devassar, extrair
informações, compor saberes, exercer poder. o espaço se
organiza, os tempos se repartem e adquirem utilidade, se
lmpiantam os programas, se aplicam os exercicios, se exploram
as geneses, se tornam produtivas as forças combinadas porque
incessantemente se vigia, se premia e se castiga e se submete
tudo e todos a exame ~ essa cerimônia maldosa que arranca a
verdade lançando as luzes da vigilância até o mais minimo dos
gestos, fazendo de qualquer atitude um problema, de qualquer
individuo um caso, de qualquer curiosidade um inquérito.
Não se procure na didática os seus erros por ser ela
inapilcávei no cotidiano da sala de aula. Se há duas didáticas,
uma teórica (a dos discursos) e outra prática (a que se efetiva
na ação do professor) é porque a sua constituição se faz no
embate entre educar e escoiarlzar. Não se peça a didatica que
transforme a ação do professorz é ela que sofre transformações
à medida que as lutas em torno da verdade de cada obieto de
130
saber educação, para a pedagogia; os corpos, para a escoia)
(a
vão seconcretizando. Não se exija da didatica nada aiém
daduiio que eia éz uma disciplina em que se ensina a arte das
relações de poder, a parte da formação para o magistério que
trata unicamente do discipiinamento. A educação peia escoia não
deixa de ser um encarcerar que é, simultaneamente, um
exciuir, e nem a escoiarização nem o encarceramento/exclusão
podem ser pensados como projetos fundamentados na "humanização"
das instituições ou numa "ciência" que responderia as questões
de um sujeito de conhecimento, individuai ou coietivo. A
escolarização (educação peia escola), como enciausuramento que
funciona por exciusão é uma pratica que se aprende, que se
transmite, que pode ser "normaiizada" por uma elaboração
técnica e uma refiexão racionai. "A técnica disciplinar
torna-se uma `discipiina' due, também, tem sua nistÓria.“i34

'|34FOUCÂULT, IVHCHBI. Vigiar B PUi'i|I`: O fl8SCim8flÍ0 da


prisão. P.E59.
Uma fábülã ÚFÍBHÍGÍ Cüfltã 8 HÍSÍÓFÍ8 G9 Um
homem em cuja boca, enquanto ele. dormia,
entrou uma serpente. A serpente chegou ao seu
estômago, onde se aloiou e de onde passou a
impor ao homem a sua vontade, prlvando-o
assim de sua liberdade. 0 homem estava a
mercê da serpente; já não se pertencia. Até
que uma manhã o homem sente que a serpente
havia partido e que era livre de novo. Então
dá-se conta de que não sabe o que fazer da
sua linerdadez no longo periodo de dominio
absoluto da serpente, ele se haoituara de tal
maneira a submeter a vontade dela a sua
vontade, aos deselos dela os seus desejos e
aos impulsos dela os seus impulsos, que havia
perdido a capacidade de desejar, de tender
para qualquer coisa e de agir autonomamente.
Em vez de liberdade ele encontrara o vazio,
porque Junto com a serpente saíra a sua nova
"essência", adquirida no cativeiro e não lhe
restava mais do que reconquistar pouco a
pouco o antigo conteúdo humano de sua vida.
(...) nesta sociedade, somos todos escravos
da serpente e (...) se não tentarmos
destruí~ia ou vomltá-la, nunca veremos o
tempo da reconquista do conteúdo humano de
nossa vida. 135

TBEBÀSÂGLIÂ, FF3flC0. À ÍHSÍÍÍUIÇÊO flñgêdfi: FGÍGÍO de Um


HOSPÍÍBI PSÍQUIÉÍPÍCO. E.8d. RÍO G8 JGHBÍFO, Gfãêl, 1991,
D. 132-'I33
CAPÍTULO VII

O PENSAMENTO NA HISTÓRIA

'i. VOHÍBCIG GB SGDBP

Eu queria escrever uma história. A história da


constituição de uma relação - a relação entre poder e saber. A
nlstórla de um local, um aparelho, uma máquina - a escola. A
história das falas, dos discursos que vão amarrando a maquina e
as relações. A história de um momento na vida de um grupo
atravessado por essas relações; fixado a essa máquina; ouvinte,
sim, mas tamném produtor de discursos; leitor, sim, mas também
questionador do que se diz ou se escreve. A história de um
momento da vida de um grupo compreendido, este momento, como
acontecimento singular.
Eu queria também experimentar estar em saia de aula de
modo a que o trabalho do grupo (alunos e professora) fosse
organizado pelo coletivo. Esse propósito não~autoritário partia
da percepção da Didática (disciplina que nos “unla") como
a passagem para um discurso prescrltivo, com pretensão de
cientiflcidade, de uma série de mecanismos e engrenagens da
tecnologia de poder disciplinar, diagrama atual das relações
de poder~saner; da intenção de não utilizar em sala de aula
os mecanismos de controle e vigilância, de premiação e punição
que a escola coloca em funcionamento para produzir individuos
úteis e doceis (controle de presenças e ausências; utilização
de exercicios, trabalhos e provas para atribuição de notas e
consequente classificação, nlerarquização, nomogeneização dos
estudantes com vistas a aprovação ou reprovação; elaboração de
pianos de ensino e seleção de conteúdos, feitos previamente
pela escola ou por mim, independente das caracteristicas e dos
desejos do grupo de estudantes); da convicção de que o
autoritarismo em sala de aula não é apenas uma questão de
escolha de estilo pelo professor, mas um procedimento que
133
compromete profundamente o próprio vínculo entre o grupo, a
reconstrução critica do conhecimento e a possibilidade de
produção de novos saberes.
EU QUBFi3, ãiflüa, SGDEF em QUÊ SÍÍUSÇÕBS, 3 fläftlf U8
que 3C0flÊ€CÍmBflÍOS Um QFUPO G6 Ífãbãihü flõ ÕSCOI3, füfmadü B0?
GSÍUGSNÍES B PFDf6S3OF6, Püüefiô ÍOFfl3F“5B 6 PBFCBDBF“8B
qUõi|f|C3dO C0m0 SUÍCÍÍO GB BXPBFÍÊHCÍÕ, 3Uj8ÍÍO G8 SGDBF 8
SUJBÍÍO de UÍSCUFSO, ÍSÍO É, Em QUE meüldâ B até QUE PUHÍU
SXPBFÍÊHCÍGS G8 Viüâ, SGDBFGS QUÊ 36 COHSÍÍÍUBM Cüm 63585
6XPEPiÊflCl&8 E O QUE S8 €flUflCÍã 8 DSFÍÍF GGS BXPSFÍÊHCÍGS 6 GOS
SaD6F6S POÓGFÍHM OPÍBHÍGF Um Ífâbãlhü 8/OU uma VIVÊHCI3 Qfüpãi.
E eu queria investigar se o dispositivo de poder-saber
que funciona no âmbito do pedagógico propicia ou não a
autonomia do coletivo, precisando, para tanto, analisar o
funcionamento do dispositivo poder-saber pedagógico e os
resultados que ele produz.
TOUOS 35366 "QUGPGFGSH PGFBCBM UÍSPBFSOS 8
ÓÍSPCFSÍVOB? TGÍVBZ 0 Sõiâm. MGS 3536 d|SPBFSã0 COFPBSPOHGS 3
Umã OUÍTG: BQUGÍ3 Bm QUE DOS BÚCODÍTGWOS, QUÊ fl0$ CSPC8 E que
HUB f82, 8QU8|â Gm QUE 56 €flCOflÍF3m HOSSQ Vidâ G HOSBU
DBHSGMBHÍO, ÚOSSOS GGSBJOS B fl0SS3S 8V3F3Õ€3.
Cheguei até aqui. E me perguntoz afinal, tem sido este
escrito um relato de acontecimentos singulares? Do que se
disse/escreveu, é possivel extrair uma história que se
reconhece como produção, como construção, como outra
interpretação? Uma história que buscou utilizar a análise da
proveniência para denunciar a sujeição da experiência e do
pensamento que têm sido enquadrados, quer queiram ou não, quer
saibam ou não, em teorias totalizadoras e universaiizantes e
para defender o que, nos corpos e em suas histórias, os
diferencia e singuiariza, a cada momento e em cade lugar, e que
pode/deve ser pensado no contexto das práticas em que se
inscrevem?
É possível encontrar neste escrito um relato que
buscou utilizar também a história das emergência das relações
poder-saber na pedagogia e na escola, o que nos empurra para os
locais da luta e para seus protagonistas, sabendo que essa
“geopolítica molecular" não se clrcunscreve à relação
professor-aluno (embora necessariamente a inclua e dela parta),
mas que abarca todos os locais onde o discurso sobre o
pedagógico esteja sendo elaborado, onde os mecanismos de
dominação estejam sendo pensados e produzidos, onde os embates
GSÍBÍSM S9 GBSBHVOIVBHGO?
É possivel compreender, nas entrelinhas desta
história, que perguntar por quem interpreta, por quem se
apodera do sistema de regras, nas táticas contra o poder
permite inverter as visibilidades, extrair confissões, sujeitar
134
e obietivar quem antes produzia sujeitos para o poder e obietos
para o saber? É possivel perceber que é das forças que sempre
se faia, do poder que elas integram em diagramas e das
resistências que esse diagrama de poder não consegue capturar?
E é possivel, enfim, encontrar nesse escrito uma
genealogia das reiacões poder-saber construida a partir do
trabalho pedagógico e de sua organização, como nova
interpretação que utiliza proveniência e emergência, menos como
categorias de analise e mais como um saber, feito para
cortar, abrir ao meio as palavras e as coisas e extrair delas
além do que as constitui, uma alternativa para pensar
diferentemente do que se pensa e perceber diferentemente do que
se vê?

E talvez vocês me digamz sim, compreendemos tuas


intenções, teus questionamentos, mas por causa deles te vimos
fazer desfilar diante de nos discursos originários dos mais
diversos iocais. Alguns falam sobre, outros falam de;
alguns tratam de enunciados, outros desennam quadros. Mas
eles estao embarainados, confundidos em sua cronologia e em sua
topologia. Alguns tratam de teorias, outros trazem a luz cenas
i'O`CH'i8Íi`fiS, Cütldiõflââ. D8 QUE FHOCÍO õITiõi|"f`8f` ÍUGO iSS0'.7

É verdade, vocês têm razão quanto a esse


embarainamento, a essa aparente confusão. Entretanto, é preciso
comecar a desaoreditar que na varias cronoiogias agrupadas na
nistória que conto. Mesmo nas referências ao passado, ainda é
do presente que falo, de um presente que e o nosso e que se
fabrica permanentemente, numa especie de destituição continua
da memória. E é preciso desacreditar também que há lugares
diferentes para discursos que são aparentemente teóricos e
outros que parecem vinculados a prática. Até mesmo esta teoria
de que me sirvo e prática; na sua construção, porque não faia
de outra coisa além desse codidiano que nos constitui; e na sua
utilização, porque precisa funcionar como instrumento de
combate. Talvez por isso eu consiga e, de certo modo, precise
revezar teoria. e prática, passado e presente no relato que
faco.
E e como continuo a historia.

E.A escola panóptica

Primeira reunião pedagógica do semestre letivo.


pgrupamo-nos numa ampla sala, professores pertencentes a
escola. A agenda da reunião está escrita com giz no
quadro-verdez
"Reunião Geral dos Professores de ..

*Roteiroz
135
-Motivo da reunião
-Apresentação dos novos professores
-Cursos de Especialização
-Professores due passaram no mestrado
-Professores que passaram no doutorado
-Projeto de mestrado
-Cursos novos
-Projeto de alfabetização
-Curso de Pedagogia (reformulação)
-Estágios e Praticas de Ensino
-Assuntos gerais
-Lembretes:
*Horário das aulas
*Justificativa das faltas
*Questionários (os que faltam)
*Programas
*Pianeiamentoz
-Procedimentos
-Metodologia
*Regras de trabalho
*Provas que avaliem
*Planejar as aulas, o ensino, a avaliacao
*Desenvolver o conteúdo com ânimo, com vontade
*Orientar os alunos, logo nas primeiras aulas,
sobre os critérios que utilizam para avaliacao
*incentivar pequenos grupos de estudos
*Exigir interpretacão de textos
*Exiglr mais leituras
*Exiglr mais redacao
*Cumprimento do horário das aulas
*Utilizar provas orais como melo de verificacão
(principalmente para os alunos due faltarem muito)
*Diários de classe; preenchimento correto, sempre
em dia, no fim do semestre na Secretaria
*Cumprimento do calendário
*Utilizar áudio-visuais (sem abusar)
*Bibllotecaz sugestões.
A agenda (e o seu desenvovlmento posterior, pelo
Diretor da escola e seus auxiliares) forma o discurso da
escola. E fica-se sabendo, então, que o motivo da reunião é
para nos conhecermos a todos (e são apresentados os professores
novos, fazendo parte dessa apresentacao a enumeracäo dos
titulos mais importantes de cada um) e para marcarmos "os
procedimentos iguais, uniformes, para os professores, de modo a
que possamos criar a nova famllia.“l36 Considerando a agenda
escrita e essas palavras que abriam os trabalhos de mais um
semestre letivo, perguntei-me se não estaria em reunião errada.
A lnfantilizacão que o discurso da escola operava em

TBÊREPFOUUÇÍÊO 'ÍÍEH 0133 P8|8Vi"3S GO DÍPGÍOI”, FGQÍSÍFGGGS POI"


GSCFÍÍO em ITIGU CGCÍSFHO.
135
quem o ouvia estava em desacordo, pensei, com o status do
grupoz professores universitários. Por outro lado,
questionei-me; se fosse outro o status do grupo de
professores (professores de pré-escola, professores de io.
Grau, professores de Bo. Grau), estaria justificada, por isso,
a infantlllzação? Afinal, a escola não busca operar uma
lnfantlllzação global em todos os que ela sujeita? Ha por que
esperar que alguém escape desse processo?
Procedimentos iguais, uniformes, de todos os
professores; garantia para que conseguissemos, como grupo,
criar "uma nova familia". Todos irmãos (quem seria o Pal?) e
todos um.
E o discurso da escola val se estruturando em torno
dela mesma; os novos cursos de especialização (que aumentam a
cada semestre), os professores que passaram no mestrado, os
professores que passaram no doutorado (sera que o processo e
o mesmo do vestibuiar? passar no mestrado/doutorado é entrar
no curso ou completa-lo?), projeto de criar um curso de
mestrado nessa universidade em convênio com a UNiGAMP (e, de
acordo com o que diz o Diretor, “...os entretenimentos tsicll
estão bastante adiantados.“), os novos cursos (o de
Jornalismo), o projeto de alfabetização ("...na verbas federais
para o projeto, a_lnstltulcão necessita de recursos, faremos um
projeto para a região" - lógica simples de compreender), a
reformulação do Curso de Pedagogia (a velha discussão sobre o
número de habilitações que podem ser registradas no verso do
diploma ~ reformular é atender leis, por um lado, e oferecer um
diploma mais "valioso" ao consumidor, por outro), a
apresentação da nova coordenadora das Práticas de Ensino e
Estágio Supervisionado ("Esperamos que, a partir de agora,
tenhamos uma linna única de atuação" - que sede de
uniformidade tem a escolal), assuntos gerais, iembretes.
Os lembretes começam com uma chamada ao cumprimento
dos horários (não chegar tarde, não sair cedo, procurar não
faltar; se faltar, procurar avisar a Direção com antecedência
e justificar as faltas junto a Secretaria). Quanto as faltas
do aluno, são lustificadas na Secretaria diretamente e mediante
requerimento, depois o professor e informado dessas faltas
justiflcadas.' No controle das ausências e das presenças
justificáveis, na sempre um grupo mediador/fiscalizador entre o
grupo de alunos e o grupo de professores ao qual ambos os
grupos se reportam. Questionários de avaliação da escolaz a
reitoria solicita que os professores retardatárlos o entreguem
(alguns professores nem sabiam da existência desse questionário
que pretende avaliar "o processo e o produto da escola").
Programasz é solicitado que todos os professores elaborem o
programa de sua(s) disclpiina(s) e o(s) entreguem: um exemplar
para a Direção, outro para o coordenador do Departamento a que
pertencem e é solicitado também que divulguem aos alunos
esse(s) programa(s). O mesmo para o planejamento, onde devem
137
constar, alem do programa, procedimentos, metodologia, regras
de trabalho (“Comuniquem aos alunos, desde o primeiro dia de
aula, quais são as suas regras de trabalho, para que eles não
sejam pegos de surpresa, já que cada professor tem suas regras
próprias."), provas que avaliem (não mais avaliações que provem
a qualidade de um trabalho, mas provas que, entre outras coisas
- amedrontar, submeter ao ritual, sujeitar - avaliem, isto é,
ciassiflquem, hlerarqulzem punindo e premiando, forneçam
informações sobre os indivíduos e a turma, em suma,
obietlflquem). Recomendações; planejar as aulas, o ensino, a
avaliação (de novo o planejamento como exlgênciaz planeja-se o
programa, depois faz~se um planejamento geral, e deve-se,
ainda, planejar cada momento do processo separadamente - as
aulas, o ensino, a avaliação); desenvolver o conteúdo com
ânimo, com vontade (“0 entusiasmo do aluno é fruto do entusiamo
do professor."); orientar os alunos, logo nas primeiras aulas,
sobre os critérios utilizados para avaliação (mesmo argumento
sobre as regras de trabalho; como cada professor tem um modo de
avaliar, é bom que o aluno, desde o inicio, tome conhecimento
dele).
E GÍ É C16 S8 PBFQUIYÍGF: S6 El 8SCOii':i DFBCOHÍZÔ
Uflifüfifllüãdfl, DOF Um |3CÍO, C0fl'i0 6SÍÍI'flUi3, POI" 0U`Ci`O, GS
CHf6f'6i'iÇâ'3 088 i"€Qi`3'-3 CIB Í|`üÊ)3|i`i0 B 0108 CFÍÍÊFÍOS CIB fivâiiaiiãü?
É porque o poder exige distribuição, democratização no
seu exercicio. A uniformidade que a escola preconiza se refere
a manutenção das engrenagens e dos mecanismos (ter regras de
trabaino, ter instrumentos de controle e avaliação), a
diversidade que eia estimula se refere ao quanto de
diferenciação eia necessita para operar sem emperrar seus
mecanismos ou engrenagens (escolha das regras, escolha dos
instrumentos).
Não se pense que. em relação ao poder, toda diferenca
seja inútil; na diferenças úteis em reiação tanto ao
funcionamento das máquinas quanto a produção dos enunciados.
Diversidade de regras de trabalho, de formas de avaliar dão aos
estudantes (e a alguns professores) a falsa percepção de que,
dentro da própria maquina, é possivel maior ou menor
"liberdade" e que isso depende do professor. No entanto, há
também um limite de tolerância para as diferenças, e ele está
posto exatamente nas próprias engrenagens, nos próprios
mecanismos que não devem ser retirados ou “avariados“ (o que a
escola não permite é não impor regras de trabalho, não
utilizar instrumentos de controle e avaliação sobre os
alunos).
As recomendações seguem; incentivar pequenos grupos de
estudo (no entanto, a escola não tem como oferecer apoio
financeiro para tal); exigir interpretação de textos (e não só
leitura); exigir mais leitura; exigir mais redação (exatamente
isso; exigir mais redaçãoi); cumprimento do horário de aula
138
como questão de justica em relação ao aluno que paga "x"
créditos; utilizar provas orais como meio de verificação da
aprendizagem, principalmente para os alunos que faltarem muito
(uso de uma prova que acumula, em si mesma, três mecanismos:
punição as ausências repetidas, verificação da aquisição ou não
de uma aprendizagem, sujeição a um espetaculo público de
tortura~exemplo); diários de classez preenchimento correto,
sempre em dia, pois no final do semestre devem ser entregues na
Secretaria; cumprimento do calendário escolar (em janeiro,
todas as atividades do ano letivo ja estäo programadas, até o
último dia de dezembro); utilizar o material áudio-visual, mas
sem abusar; enviar à biblioteca sugestões de bibliografia
para ser (na medida do possivel) adquirida.
Alguns comentários adicionais de poucos professores e
a reunião se encerra. Está iniciado o semestre letivo.
Este é o discurso da escola. Por que eu o dlstingo
tão claramente do discurso da pedagogia? Por causa do seu
objeto. Aqui não se fala de educação, mas de corpos (corpo
docente e corpo discente, corpos de individuos, sejam eles
alunos ou professores) que devem ser discipiinados. Aqui não se
discutem concepções pedagogicas, mas se prescrevem as
estratégias e as táticas a serem utilizadas nesse
enclausuramento especifico para chegar à individualização
produtiva e fácil de conduzir.
A sala de aula é pequena Enormes janelas de vidio a
1
¬

esquerda dao para um pátio interno e para a sala dos


professores, onde o Diretor e a Secretaria permanecem durante o
norário das aulas. Na saia dos professores se assina o
livro-ponto, se trocam rápidas palavras com alguns colegas
antes do inicio da aula e no intervalo. Um armario dividido em
pequenos escaninnos com os nomes de cada professor guarda,
nesta saia, as correspondências enviadas pela Reitoria, pela
Direção, pela Secretaria, ou por alguma editora que deseja
divulgar seus livros. Ali não na recados de alunos ou colegas,
apenas comunicados oficiais ou propagandas.
A aula inicia às 19 ED n e termina às EE ED n
oficialmente, mas todos ~ alunos, professores, funcionários,
Direcao, Secretaria, Reitoria - ja se acostumaram com o fato de
que os ônibus escolares é que determinam os horários de início
6 'CÉi`i'I'iÍi'i0 da õiülâ: Bõtô C0i'iiBÇâ qU3i'ld0 OS ÕIHDUS Chegaiii (€i'iÍi`6
i9z3D n e iszsõ n) e se encerra quando eles começam a partir
(entre Eiz5D n e EEziD n). vêm de outras cidades esses ônibus
carregados de alunos cansados.
A turma não é muito grande; vinte e cinco alunos. Eram
cinquenta quando se matricularam no io. semestre. Dois anos e
meio depois, essa metade que resistiu ao sono, às exigências
dos professores, ao _aumento das mensalidades, ao próprio
desgosto ante as perspectivas profissionais (as suas, reais, e
139
as que o curso oferece), as decepções que o ensino
universitário sempre reserva, recebe~me para, juntos, ficarmos
reunidos durante dois semestres <iED noras-aula) em torno ou em
nome de uma disciplina denominada Didática. Pelo menos, a
projeção era essa. Em função da ausência da professora de
Didática Especial de História e Práticas de Ensino de História
estendemos esse nosso encontro para três semestres (E4D
horas-aula).
Os mecanismos disciplinares de poder vão sendo
abandonados amedida que nossa convivência e nossa conversa os
vão tomando como objetos de análise ~ é abolida a chamada e,
com ela, o controle das presenças, das ausências, das cnegadas
tarde e das saidas cedo; são aboiidos as provas e os trabalhos
que tem como objetivo "dar" nota; são abandonados os modelos
(de ficnamento, de trabalhos) e o programa pre-estabelecido
para a disciplina. Decidimos organizar nossa própria listagem
dos temas que seriam de interesse coletivo para discutirmos “o
pedagógico”, isso feito a partir da leitura e discussão de um
texto inicial.

3.ÃS ôfmãüilnâã E 03 GGSCGMÍHHOS

Sobre o grupo, é isso. Não é meu propósito fazer o


relato minucioso do que nos' aconteceu. Não é o grupo que se
experlmentava numa convivência sem alguns mecanismos de poder o
objeto desta pesquisa, mas sim as relações de poder-saber do
pedagógico. Neste sentido, e a escola e a pedagogia, a Didática
e o discurso sobre o pedagógico que estão sob análise e em
questão neste relato.
Mas eu sei indagacão no arz o que acontece
que fica a
quando se suspendem as relações autoritários de poder-saber na
escola? Essa atitude propicia ou não a autonomia do coletivo?
Como funciona o dispositivo poder~saber pedagógico nesta
situação?
E a pergunta feita (em que situações, a partir de que
acontecimentos um grupo de trabalho na escola poderia tornar-se
e perceber~se qualificado como sujeito de experiência, sujeito
de saber e sujeito de discurso, isto é, em que medida e até que
ponto experiências de vida, saberes que se constituem com essas
experiências e o que se enuncia a partir das experiências e dos
saberes poderiam orientar um trabalho e/ou uma vivência
grupal?) vai ficar sem resposta?
À pergunta feita sobre a condição de sujeito do grupo
é preciso que se diga, primeiro, ter sido ela erroneamente
formulada por tomar o grupo como objeto, o que a torna
incoerente com a própria intenção que orienta o trabalho. É
preciso que se diga também que, se ela foi mantida até aqui (e
140
POGCFÍG ÍGF SÍGO OMÍÍÍGG OU COFFÍQÍGG), f0i 6X3Éâm6flÍ€ DGF3
ÚBSÍGCGF G8 que ãfmãdilhãâ POGBWOS SBP PF6S8S TÓCBIS 38 flãü
6SÍlV8FmOS GÍBÚÍOS 6 GÚBFÍOS 605 3COhÍ€CÍm6flÍ03.
E Ô PF8C|S0 BSÍGF GÍBHÍO 6 GDBFÍO 303 8COflÍ6CÍmBfltUS,
POFQUB SãO E188 QUE üãü 88 PÍSÍQS UBS Gfmãüllhãâ E Siflaiilãm 08
RBCBSSÉÍÍOS G6SC3m|flfi0S 6 Sšfem COHSÍFUÍUOS Pãfã QUE 63383
afmadiiflfiâ U0 PGGBP flãü ãflflãlüflõm Bxõtflmöflte QUEM üeâñjã 8 BÍB
FBBÍSÍÍF.
Porque lá (na escola em que sou professora) ou aqui
(onde sou aluna fazendo um relato) estou no mesmo lugar, presa
às mesmas engrenagens da máquina disciplinar. E se ela me induz
a falar, então que se lnvertam as relações de poder-saber e que
se fale dela. Que se fale das teorias que eia difunde, dos
rituais que ela patrocina e impõe e das verdades que a fazem
funcionar e nas quais eia necessita e quer que se acredite.
Uma das verdades que eia faz funcionar e na quai eia
quer (porque necessita) que se acredite, hoje, é na importância
de ser sujeito. Sujeito historico, sujeito da historia,
sujeito da maquina! Por tras da historia do sujeito, por tras
da teoria do suieito existe a teoria da consciência, da
ideologia e da repressão. E enquanto estivermos (como esteve o
grupo) lidando com a fabricação de individuos como se
estivéssemos lidando com consciências ingênuas, allenadas pela
ideologia e sufocadas pela repressão, consciências as quais é
preciso libertar, estaremos fazendo o jogo da máquina. É-lhe
benéfica uma concepção de liberdade que se conquista através
da tomada do poder, objetivo aicançável só na medida em que
se passa para níveis de consciência e de conhecimentos cada vez
mais críticos, elaborados, científicos. É benéfica à máquina
escola essa crença porque então ela pode se apresentar a sl
mesma, para nós, como a única posslnilidade de conhecer e, em
consequência, de alcançar a critlcidade por etapas que
colncidlrão (e não por acaso) com os seus (de)graus. E nos
amarra a eia, num laço em que nós buscamos aprender e em que
eia nos promete ensinar a ser sujeitos nistórlcosz
A corrente metodológica que se quer resgatar
e que se pretende seguir como fio condutor do
ensino da História na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras (...) propõe que a História
apresente caracteristicas de uma ciência, e
que, neste sentido, é vista não como um fato
pronto, passivo, contemplatlvo, mas como um
processo infinito, com participação ativa do
sujeito que faz a História, e do objeto de
conhecimento histórico, levando,
consequentemente, a constantes
relnterpretações do trabalho do nistorlador.
Nestas condições, a Historia é entendida como
o resultado da ação do homem score a natureza
141

e sobre ele proprio, transformação esta que é


executada, não isoladamente, mas de forma
COÍSÍÍV3. S6 36 QUÊ? COÍOCBF 6 HÍSÍÓFÍG Sm
SEU UGVÍGO iüâüf, POÍS Bflqüüfltü áfeâ GO
COHHBCÍMBHÍO Hümaflü, 613 tem Uma ÔDPGHQÊHCÍG
SOCÍGÍ ÍÚBFBHÊG 80 COÚÍSXÍO Cm QUE SE Íflãefem
US f8ÍOS, O SEU BSÍUUO POGB COHÍPÍDUÍF Para 3
f0FmãÇã0 da COHSCIÊHCÍB SOCÍBÍ de Um DOV0.137

E a máquina escola ensina, sim. Os individuos de que a


sociedade panóptlca necessita devem ser doceis, mas devem
também ser úteis. A sua utilidade, diversificada,
hlerarquizada, depende da aquisição de conhecimentos, sim. Mas
_ de conhecimentos utilizáveis. De verdades acabadas, de teorias
globailzadas e fechadas - sobre cada um, sobre todos. A
existência de uma interioridade, de uma consciência funciona
plenamente como verdade útil para o panoptismo que nos
aprisiona.
Eé curioso observar que essas mesmas teorias, que
vêem a primazia do sujeito coletivo na condução da História
são as mesmas que desacreditam, em situações práticas, na
capacidade desse sujeito conduzir~se sem tutela, sem
"intelectuais" para apontar-lhe os caminhos da "salvacão". Essa
é a razão porque o marxismo, enquanto "ciencia", "concepção
de mundo", "corrente filosofico~politlca" ou "metodo cientifico
de interpretação e transformacão da realidade", convive
harmoniosamente com a maquina escola, quer como objeto de
estudo e conhecimento, quer como teoria para uma "práxis
revolucionária" - porque as relações de poder-saber que
produzem e sustentam a ambos (escola como máquina, marxismo
como discurso) são as mesmas; atualizam-se por integracões
sucessivas, cada vez mais totalizadoras (e o marxismo se
orgulha de poder pensar a totalidade e de poder pensar as
especificidades a partir da totalidade) e por
dlferenciacões estrategicamente úteis a um certo tipo de
dominação (intelectual-povo, verdade-ideologia, saber
ingênuo-saber elaborado, lnfra-estrutura-superestrutura,
ailenacäo-consciência critica).
Em contrapartida, não há necessidade de qualquer
sujeito histórico, seja coletivo, seja uma individualidade que
corresponda a um "eu", para opor cotidiana e concretamente
resistência ao poder. Basta ser "uns", basta não obedecer.
Então, a teoria do sujeito histórico é uma das
primeiras armadilhas que a máquina-escola nos prepara. Por

137FUNDAÇÃO DE ENSINO DO PÓLO GEOEDUCflCl0NAL DO VALE DO


lTAJAi. Funções da universidade. itajaí, FEPEVl, 1988,
p.Ei-EE.
142
causa dela fica-se acreditando que a libertação é uma questão
de esclarecimento, de revelar ou desvelar a verdade aqueles
que estão sendo enganados, iludidos e, por isso, explorados.
À pergunta sobre o que acontece quando se suspendem
alguns dos mecanismos da tecnologia de poder disciplinar na
escola, é preciso que se responda: nada. Em termos de ensino
e aprendizagem habituais, nada acontece. Como maquina
avarlada, a escola paralisa, paralisam os alunos, paralisa o
trabalho. Apenas não paralisa o pensamento de quem É movido
pela vontade de saber.
E então é possível uma outra vislbiiidadez o
controle das presenças e das ausências, a utilização de
trabalhos, provas e observações para atribuição de notas e
classificação dos estudantes, o programa da disciplina
previamente elaborado e religiosamente desenvolvido são o que
suportam, em grande parte, o funcionamento da escola. Retirados
esses suportes, a escola não funciona. os alunos perdem a
perspectiva de por que estão na escola, os discursos sobre o
interesse pelo conhecimento e pela busca de uma visão critica
da realidade se dilui e comeca a surgir um sentimento coletivo
de que "a liberdade desestimuia". Maquinas avariadas, os alunos
também não "funcionam" mais - mesmo aqueles que, incorporando
ao seu o vocabulário marxista critico-revolucionário, enunciam
discursos sobre a luta contra a exploração e a repressão e a
favor da libertação.
A respeito desse acontecimento, escrevi, à época, um
texto para os alunos. É, de algum modo, o registro de um
m0m6flÍ0 VÍVÍGO PO? HÓS, BHQUGHÍO QFUPO. El-l0:
O nlmpãããü G8 ãUSÊflCÍ3 de Cüfltrülü
Estamos, em saia de aula, num "impasse", isto
é, diante de uma situação que nos desafia a
pensar quem somos, para onde e de que modo
queremos seguir. É o impasse que se produziu
pela ausência de prescrição e controle, de
vigilância e punição da professora sobre os
alunos. Como e que esta situação se produziu,
nistoricamente?
0 Curso de Historia se caracteriza por sua
crlticidadez tanto alunos quanto professores
buscam ter, diante do mundo e dos
acontecimentos, uma visão cada vez menos
ingênua, cada vez mais critica. E, dentro
dessa “criticidade geral", um dos aspectos
mais visados é o que se refere a dominação,
tanto a dominação econômica quanto a
dominação ideológica, tanto no passado quanto
no presente. E essa crltlcidade se alonga em
143
atos; os alunos exigem dos professores
coerência, tanto em relação ao modo como
trabalham quanto em relação ao conteúdo a ser
trabalhado. .

Foram essa criticidade e essa exigência de


coerência que produziram o modo de
funcionamento da disciplina "Didatlca l" e,
em consequência, "Didatica li" e "Didatica
Especial de História" (provisoriamente).
Eliminamos o controle das presenças e
ausências porque é um modo de obrigar os
alunos a estarem presentes em saia de adia,
quando algumas vezes eles não podem e outras
vezes eles não querem estar presentes. E
eiimlnamos a chamada porque os alunos se
re~conneceram e se afirmaram maduros o
suficiente para determinar a partir de si
mesmos o uso de seu tempo. Do mesmo modo, a
cobrança das cnegadas tarde e das saidas
cedo.
Ellminamos o controle da realização dos
trabalhos através de datas estabelecidas
porque, primeiro, estas datas eram marcadas
mas não eram cumpridas e segundo, era
questionado o controle do ritmo de trabalho
do grupo por alguém de "fora" (o professor),
o que, na prática, representava o mesmo
controie que exerce o "capataz" sobre o
"operário", na fábrica.
Eiiminamos, ainda, a atribuição de notas
pontos aos escritos, às leituras (D

participação dos alunos nos debates IDU'›fDQJ'f'D

discussões porque este mecanismo inibla 93

falas, conduzia o aluno a es O < \ N ¬


CD CD
° Q. CD
¬

que o professor queria ouvir, e, pior,


separava nlerarqulcamente os alunos em "bons"
e "maus" a partir de critérios do professor
que não são nem certos nem justos <o
professor não é infalível). Desvincuiamos
avaliação de atribuição de notas e, para nós,
a avaliação se fez (e se faz) sempre que se
reflete, se pensa sobre o que realizamos.
Como agora, por exemplo.
Em resumo; ellminamos o controle do
comportamento dos alunos pelo professor,
eliminando a repressão e a coerção em auia.
P8I"ai€|8iTi€i'i`Ê€ 3 ÍSSCI (6 C06!"6i'i`Ê€mS|'1`t6
também), OS GSSUHÍOS Cie BSÍUCÍO E OS `C8m3S
144
tratados em aula sempre foram
buscados/retirados do “mundo vivido" do
grupo, de suas necessidades, de seus anseios,
de seus desejos e de suas vontades. Este
procedimento produziu, não só uma avaliação
positiva do trabalho do primeiro semestre
como ainda (o que é inedito no Curso de
Historia) produziu um piano de trabalho
elaborado pelos alunos para o semestre
seguinte (7o. semestre).
iniciado este semestre (7o.), o que está
acontecendo? sucessivamente trabalhos,
leituras, compromissos assumidos pelo
coletivo não estão sendo cumpridos. Em
contrapartida, o discurso critico contra a
repressão e a coerção referido a outros
momentos/espaços do Curso continua se
produzindo, quer em relação aos procedimentos
de vigilância e punição utilizados, quer em
relacao ao conteúdo "dado“.
Dos depoimentos dos alunos, depreende-se uma
desmotivação tanto em relacao à própria
existência como pessoa com em relacao ao seu
"ser aluno", tanto em relação ao ensinar
autoritário quanto em relacao ao ensinar num
clima de liberdade, como se a ausência ou a
presenca de liberdade não fizesse diferenca.
E um aluno pergunta; quai a diferenca que faz
ter liberdade ou ter dominação se ambas são
desmotivadoras? E os alunos, todos,
concordamz é a falta de controle (vigilância
e punição) que nos faz não fazer os
trabalhos referidos a Didatica e que nos faz
não vir assiduamente à aula. Não é a falta
de direção (existem trabalhos a serem
realizados, compromissos grupais a serem
cumpridos) nem é a falta de conteúdos de
estudo (existem temas e conteúdos a serem
estudados e que estão apontados no Piano de
Estágio) que nos colocou nesse "impasse"z é a
ausência de "cobranca“. A ausência de chefe,
de patrão, de alguém que, autoritariamente,
obrigue a fazer o que o grupo havia ia
decidido fazer.
O impasse esta criado e a "cadeira do poder
autoritário", a cadeira do chefe está vazia.
Na saida do professor desta cadeira, o grupo
tentou (e tenta) que outro aluno a ocupe - um
lider. Entretanto, na prática, nem isso
resolve o problema porque; .
145
a-o lider, por ser um igual (aluno) não
possui instrumentos de coerção e de
repressão;
b-o grupo não "segue" lider quando este não
_

o
utiliza instrumentos de coerção e de
repressão.
Então, a relação (de todos e de cada um) que
está em logo não é com este ou aquele lider,
com este ou aquele professor, com este ou
aquele conteúdo. A relaçäo que está em logo
(em cada um de nós) é com o proprio controle
externo; nós o queremos?
E é preciso perguntar, então, o que nos faz
querer o controle de nossas vidas, de nossos
atos por outras pessoas fora de nós. Dizem
alguns alunos que fomos "criados" assim,
quase dizendo que fomos "habituados" assim.
isso significa que, para nós, a liberdade
está perdida, que não faz diferenca sermos
reprlmldos/coagidos ou não a fazer o que não
desejamos/queremos. E mais, que faz
diferenca, sim: a repressão e a oercão nos
faz produtivos, trabalhadores liberdade
QC»

CD

nos paralisa, nos impede de produzir e de


trabalhar.
Só que, como estudiosos de Historia, talvez
nos caiba perguntar também sobre as origens
desse "hábito" que apagou em nos o deseio de
liberdade. Porque o hábito é a falsificação
da memória, isto é, é o apagamento da
origem, do desenrolar histórico de um ato, de
um gesto, que se realiza (este apagamento)
pela repetição e a assimilação do ato e do
gesto sem expiicacão. Hábito é não sabermos
porque realizamos isso; tornamo-nos
mecânicos no fazer. Memória e fazermos isso
sabendo a origem disso e onde nos levará
fazer isso.
Embora esta distinção memoria x hábito pareea
filosófica (e é), eia é antes prática; o
hábito substituiu a memória no nosso viver. E
este fato fica mais claro ainda quando nos
damos conta que, sem controle externo, o
habito não se cumpre - a leitura, o trabalho
escrito, o compromisso de estar em aula, que
são "coisas habituais", feitas mecanlcamente,
exigem a autoridade para se cohcretizarem -
porque são atos sem memória.
146

Em compensação, retirado o controle externo,


temos a sensação de não nos lemorarmos de
nadaz esquecemos do livro lido, esquecemos do
filme visto, do debate feito, do compromisso
assumido. Ficamos sem memoria. E ficamos sem
ela pordue já não a tinhamos - o habito a
substituiu. E, se a memória nos torna seres
no tempo (com passado, presente e futuro), o
habito nos torna seres sem tempo (objetos
funcionando mecanicamente, de modo sempre
igual, sempre igual, sempre igual).
Retirado o controle externo que produz a
“cnamada ao habitual", apaga-se o nabito.
Apagado o hábito, nos sentimos sem
referências. Onde nos agarrar? 0 que fazer?
Para onde seguir? 0 que usar como orientação?
A retirada do controle externo é um
convite/desafio; o de identificar as
faisificações que uma sociedade autoritária
nos impõe quando nos faz como somos.
A sociedade autoritária (o conjunto de todos
nos) nos retira a memória e coloca em seu
lugar a sua falsificação - o naoito. Nos
retira a educação e coloca em seu lugar a sua
falsificação - o adestramento - e utiliza. em
ambos os casos, o mecanismo da repetição das
ações até sua assimilação. Nos retira a
possibilidade de pensar e comunicar o pensado
e coloca em seu lugar a sua falsificação - a
persuasão, que utiliza o mecanismo do
apagamento dos deselos do ouvinte e a sua
conformação ao deselo do falante. Nos retira
a igualdade (a possibilidade de sermos todos
uns) e coloca em seu lugar a sua
falsificação - a unidade (o sermos todos
um), através do mecanismo da
indiferenciação.
A sociedade autoritária (que é o conjunto de
todos nós) nos retira a companhia e coloca em
seu lugar a conspiração, nos retira a amizade
e coloca em seu lugar a cumplicidade, pelo
mecanismo da estimulação do medo e da
crueldade (as pessoas estão Juntas não porque
se entre-amam, mas porque se entre-temem).
Nos retira a liberdade (desejar) e coloca em
seu lugar a vontade (o querer), nos retira a
paz e coloca em seu lugar a segurança
miserável, através do mecanismo da analogia -
faz de conta que são a mesma coisa. Nos
147
retira a politica (o poder de cada um) e
coloca em seu lugar o corpo politico (o poder
da sociedade como se esta fosse um
indivíduo) através do mecanismo da
identificação (um retrato que funciona como
espelho) e da representação (a delegação da
decisão na mão do "representante" - ele sou
eu e me representa, me substitui).

Este é o caminho que a sociedade (cada um de


nos) percorre para produzir o que La
Boétle 138 denomina de servidão
voluntária; o caminho de querer a dominação
por não sermos mais capazes de desejar a
liberdade.
0 escrito possui, reconheço, resquícios da “teoria da
consciência"z faia em critlcidade, visão ingênua, ideologia,
repressão. Obra datada no passado, foi feito para um momento
especifico da vida de um grupo. Mas ainda traz à discussão, em
seu conteúdo, uma questão que considero fundamental; a
memória e o deselo e a sua vinculação com a capacidade de
resistir.
E para ca, do dia em que escrevi esse texto até
de lá
agora, Foucault o grupo me ensinaram muito. Ensinaram-me,
e
inclusive, a não cair na outra armadilha que a
escoia~enclsusuramento, maquina de disciplinar, nos prepara
sempre que a questionamos.
A outra armadilha a que a escoia panóptica induz é a
de qua a solução para os seus problemas encontram-se nela
mesma; a escola apresenta-se como seu próprio remédio.
/à têm ÍFGZÍGO COHSÍQO, CÍBSCÍG SEU SU|"QH'fl€i'i't0,
6SCO|a El

SLI8 CPÍÍÍC3 de SEUS MÔÍODIOS. À CFÍÍÍC8 (ía BSCOÍ8 BÍJEIFBCB


8 3
QUGSB QUE SÍITIUIÍÊYICG 3 €|ã 6, 80 |OflQ0 GO ÍBWIPO, l"BP6tB"SB
GÍHCIG HOÍB l3IU3S6 SEM mU(1õl'iÇã.

Há uma linha criticai3B que afirma ser a escola


inadequada para atender aos interesses e necessidades da classe
trabalhadora, em função de sua forma de organização (não
considera as especificidades do aluno trabalhador), de sua
proposta curricular (transmissão de uma teoria sem prática,
academicista e iivresca, desartlculada do mundo do aluno), de
sua prática docente (pouco competente em função das precárias
condições de trabalho, de remuneração e da desqualificação a

i38LA BOÉTIE, Etienne de La. Op. citz. P.ii-37.


i39KUENZER, Acácia. O aluno trabalhador e o ensino
profissionalizante. Bimestre - revista do E0. Grau,
Brasília, MEC/iNEP-CENAFOR, 1(i)z16*EU, out. 1986, p.l9.
148
que oprofessor tem sido submetido em seus cursos de formacao)
e dassuas condicões fisicas (que não dispõem de bibliotecas,
laboratórios, saias especiais, espaco fisico suficiente e
adequado, equipamentos e material didático em geral).
ÚUÍFEIS Ci`ÍÍiCã8 SB õiififiãm 3 6336:
...a escola legitima o saber para uns e a
ignorância para outros. (...) na escola, a
ignorância pode ser traduzida por uma
palavra; reprovação (...) que é um resultado
produzido no interior da escola e, ao mesmo
tempo, produz um efeito; a selecao dos "mais
aptos" e a exclusão dos demais. (...) a
reprovacão longe esta de ser um resultado
final; na verdade, ela é construida,
pauiatlnamente, no dia-a-dia da saia de aula.
(...) a decisão institucional final
(aprovacão ou reprovação do aluno) e a
avaliacao cotidiana do trabalho das criancas
(em termos de "certo" ou “errado"> possuem as
mesmas caracteristicas; funcão
classificatória e arbitrariedades de
critérios. i4D
Poder-se-ia ilustrar aqui até à exaustão as criticas à
escola. insuficiente, ineficiente... No entanto, se as criticas
à escola proliferam nos mais diversos discursos, como esses
próprios discursos e a sociedade que os acolhe tem respondido
invariavelmente a essas criticas consensuais?
A resposta tem sido sempre a mesma; a solucao para o
fracasso da escola em educar se encontra na própria escola.
Mais sofisticada, melhorada, utilizando outras técnicas
pedagógicas disciplinadoras, a escola aparece como a única
maneira de reparar os seus próprios erros, a sua permanente
crise. Educacão? Só pela escola.
E, se na muito tempo a proclamação do fracasso da
escola acompanha sempre a sua manutencao, paralelamente são
esnocadas alternativas para muda~ia. Dentre tantas, uma nois se
destaca e se anuncia como "saivadora"z os GlEPs ou Cipcs, que
propõem, na verdade, maior reclusão, mais aperfeicoado
encarceramento, onde o diagrama panóptico possioitaria a
diversos outros “especialistas” (medicos, odontoiogos,
psicólogos, assistentes sociais, recreacionistas), além
daqueles que Ja pertencem à escola, a acao coniunta sopra os
corpos de criancas e adolescentes, acão essa iegitimada pela
cientificidade atribuida a seus discursos e a suas práticas.

14UFREiTAS, Lia. Op. Cit., P.iE5-TEE.


149
É preciso, portanto, inverter a questão; ao invés de
perguntar em quê a escola fracassa, deve-se perguntar em quê,
apesar do aparente fracasso, a escola obtém sucesso, a ponto de
se manter a salvo da sua substituição por outras formas de
realizar a educação.
A escola se destina a suprimir os desvios da norma, do
normal? Ela se destina a normalizar todos aqueles a que
sujeita? Não exatamente. Ela se destina, sim, a fazer um
chamamento a uma norma,- a um modelo, a um padrão, mas quando
não o consegue, ela passa a distinguir, organizar e utilizar
esses desvios. Assim, a atribuição de notas, a distribuição do
ensino em graus, o controle dos corpos no tempo e no espaco, as
punições e recompensas que são o seu suporte são uma maneira de
gerir, estabelecer os limites de tolerância para os desvios,
dando terreno- a alguns, fazendo pressão sobre outros,
neutraiizando estes, tirando proveito daqueles.
A escola não faz a simples repressão dos desvios, eia
trabalha a sua diferenciação de modo que, persistindo, eles se
tornem úteis. Nessa diferenciação, na alguns desvios
considerados noclvosz os confrontos com a lei e os regulamentos
(a desobediência) e os confrontos com os representantes do
poder (as lutas contra as estruturas do poder, as associações
"ilícitas", a quebra/sabotagem das engrenagens e dos mecanismos
das máquinas). Esses são desvios perigosos porque ameaçam a
propria maquina escola na sua materialidade e no seu
funcionamento. É preciso, portanto, trabalhar tais desvios de
modo a torná~los inócuos. Mas como ela o faz?
A pedagogia é o discurso que faia sobre a educação (o
seu objeto), enfatizando a sua lndlspensabilidade para a
aquisição dos conhecimentos, enquanto remete os educandos para
o espaço que ela tem assinalado como o único em que essa
aquisição de conneclmentos pode se dar á a escola. A partir
dai, as questões tratadas no seu discurso assinalam, em relação
aos educandos, as diferenças quanto ao acesso a esse espaço e a
essa educação (alguns tem dificuldade de acesso, outros não),
quanto ao tempo de permanência nesse espaço educativo (alguns
tem dificuldades em permanecer um tempo minimo/suficiente nesse
espaco, outros não) e quanto a própria capacidade dos educandos
de se beneficiaram com a educação que se concretiza nesse
BSPQÇD (â|QUflS 'têm mãiã (ÍÍfÍCUlCÍ€JÕSS Bm SBFGHI BGUCGCIOS, em
serem ensinados, em aprender e outros não). É preciso
ressaltar, no entanto, que tais “dificuldades” podem ser
resistências ao discurso prescritivo, com pretensão de
cientificidade, que a pedagogia enuncia sobre a educação e
sobre o espaço-escola, resistências. que eia traduz,
desquaiificando, como dificuldade dos educandos.
A escola, por sua vez, é uma máquina que, em relação
ao seu obieto (o escolar) busca impor, através do
disciplinamento, uma subietivação e uma obietificação úteis.
150

Mas eia encontra dificuldades para fazê-lo sem


provocar resistências - é quando se produz a desobediência, a
transgressão. Para combatê-ias a escola produz uma forma
politica e economicamente utiilzávei da transgressão, da
resistência ao poder classificando-as como indisciplina. No
entanto, eia caracteriza o aluno indisciplinado não mais como o
que, transgredindo, resiste a obedecer, mas sim como o que so
transgrlde porque não consegue, tem dificuldade em obedecer.
E, utilizando por repetição o discurso da pedagogia, a escola
integra e inscreve nos corpos (os escolares), acontecimentos
diferentesz a resistência ao dlscipilnamento, tornada pela
escola em dificuldade e/ou incapacidade em obedecer e a
resistência à educação, tornada pela pedagogia em dificuldade
e/ou incapacidade em aprender, denomlnando a ambas de desvio
da norma. Desse modo, a escola mistura e amarra o individuo
com "dificuldade em aprender” (o transgressor da pedagogia) e o
indivíduo com "dificuldade em obedecer" (o transgressor da
escola) numa mesma figura - um suleito ambiguo, patoioglzado,
que é necessario conhecer profundamente para melhor educar,
isto é, que é preciso transformar em obleto para um saber
pedagógico, e sob o quai vão incidir, então, mais intensamente
as relações de poder para submetê-io a novas visihilidades e a
novos discursos. _

O sucesso da escola encontra-se ai; na luta em torno


da educação, historicamente ela pode integrar as resistências
a escolarização (encarceramento que se faz em nome do educar
mas cuja função primordial é disciplinar), denomlnando~as
"dificuldade" ou “incapacidade” para fazer delas o desvio
selecionado. isto é, quando a escola substitui o educando pelo
escolar (quando historicamente se passa a pensar e a realizar a
educação apenas através da escola) a integração das
resistências em "dificuldade em obedecer" opera também a
diferenciação entre escolar disciplinado (a norma) e escolar
indiscipilnado (o desvio escolhido) e consegue, com isso,
produzir sobre a pratica educativa todo um campo com inúmeros
obletos de estudo para a pedagogia.
A escola é, portanto, o elo de dois mecanismos; o que
constitui o aluno "com dificuldades”, destacando-o como objeto
de exame e de investigação (escolhendo o desvio útil, dentre
tantos existentes) e o que reduz todos os demais desvios e,
ainda, todas as transgressões, a esse desvio único ~ aluno "com
dificuldades" - tomando-o genericamente, quase que como
produzindo uma norma para o desvio. Em ambos os mecanismos a
utilidade do desvio selecionado está em que ele institui, por
integração e diferenciação, apenas duas categorizações
possiveisz o "normal" e o "anormal", desquallficando, sob o
rótulo de "anormalidade", as diferenças ameaçadoras, as
singularidades perigosas para o poder.
FâD|“iCaÇãO da BSCGÍG 8 U8 pBCiâQOQl3, O a|Ul'l0 que
Íf`ä|'l5Qi"iG6, QUE FBSÍSÍS 6 ãmbfiã, CÚFFB O FÍÉCÚ G6 \iBi`_SE
151

transformado no incapaz e/ou lndisciplinado, no desvio


dominado, enquadrado e tornado politicamente inóquo. Em nome de
auxlila~lo a vencer suas "dificuldades em obedecer e em
aprender", ele se torna alvo, instrumento e efeito de uma
relação poder-saber que o sujeita para melhor obletificá-lo e
que o toma como objeto para mais e mais sujeita-io. Enquanto
informam sobre quem ele é, escola e pedagogia o produzem de
modo a que o seu "eu" corresponda as informações
"cientificamente" coletadas, comunicadas e difundidas.
Na sociedade disciplinar, esta é a grande contribuição
da escola, uma das razões do seu grande (e não declarado)
sucesso. E é essa contribuição que permite, apesar de um
alegado "fracasso", que a escola continue a existir produzindo
os mesmos efeitos, e que se tenha até, exatamente como em
relação a prisão, “os maiores escrúpuios em derruba-ia." iai

3.PEflSEF UÍfEFEflÍEmEflÍE U0 QUE SE PEHSG

Mas não procurem ver no que penso e escrevo uma versão


de roupagsns novas das conhecidas e combatidas teorias
critico-reprodutivistas sobre a escola. Se, por um lado,
descarto a escola como espaco para educar e questiono a
pedagogia que se constitui a partir das mesmas relações de
poder constltutivas da escola, não descarta o próprio educar, e
quero pensa-io de um modo diferente do que, até hole, ele tem
sido pensado.
PPEÍEHSÊO? CEFÍGMEHÍE flãüi bEm mEfl03 mâã, UE CEFÍO
MOUO, BEM maiô QUE DVEÍENSEO: Uma CEFÍ8 f0FÇ6 QUE Obflga, 8
SEU MOUO, 6 PENSE? E E ESCFEVEF Cümü QUEM ÍUÍE. E Efltãü,
(...ao pensarmos e) ao escrevermos, como
evitar que (pensamos e) escrevamos sobre
aquilo que não sabemos ou que sabemos mai? É
necessariamente neste ponto que imaginamos
ter algo a dizer. SÓ (pensamos e) escrevemos
na extremidade de nosso próprio saber, nesta
ponta extrema que separa nosso saber e nossa
ignorância e que transforma um no outro. É
só deste modo que somos determinados a
(pensar e a) escrever. 142
Porque não posso esquecer de mim ... ou de nós. Não
posso esquecer destes que, de um leito ou de outro, chegaram

i4iFOUGAULT, Micnei. Vigiar e punir; 0 nascimento da


prisão. P.E44.
l4BDELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro,
Graal, 1988, p.lB.
152
até GQUÍ, HCSÍB lUQãF OHUB 3P8FEflÍ€mBflÍ€ PGFGCG QUE 8P€flãS GU
BSÍOU. SOMOS UHS. MBmÓF|8 S UBSBÍO UDS QUlam.
Aprendemos, aprendemos muito. Aprendemos que a
resistência se faz nos dois níveis; no nível dos enunciados,
dos discursos e no nivel das vlslpiiidades, das maquinas. Lutas
UÍSÍÍHÍSS, mãâ ÚBCBSSÉFÍBS.
ÀDF8flUBm0S mUÍÍO, mãã SE 3PFGflUBm03 flãü f0Í POP CGUSG
da BSCO|ã, maã ÕPGSGF U8|8 8, mUÍÍ8S VEZES, Cüfltfa 918. E S6
aprendemos também não fül PDF CâUSã GH Püüüäüâlâ B U8 BU3
UÍ8CUFSÍVlUaU6 PFBSCPÍÍÍV8, mõâ GPBSGF Uelfi B, mUlÍfiS VEZES,
COHÍF8 913. PDFQUB F8SÍStÍmOS E ÍflV8flÍam0S Um OUÍFO ÍUQHF 3
Um OUÍFO QFUPG; POPQUG CF|8m03 Um OUÍFO UÍSCUFSO E Um OUÍFO
JBÍÍO U6 ãpfõfldfif.
ÂPF8flU€m03 PÚFQUG 0US8m0S Sâlf da 680018 8 POFQUG
0USam0S UUVÍUUF U8 Põüãgüglfi G Uãâ U€mãÍS Clêflülñâ QUE HUB
BX|§Íãm fé CBQ8 Bm 3UâS VBFUâU8S:
... muitos professores e alunos acreditam que
as ciências - objeto de seu estudo e ensino -
estão "escondidas" na natureza e é só preciso
desvelá-ias. A abordagem positivista dos seus
estudos não ines permite conviver com a idéia
que ciência e ensino são construções humanas
históricas e que você, qualquer um de nós,
pode ser sujeito dessa construção. Entao se
comportam como reservatório de informações
tão necrófiias como a apatia reinante nas
58188 U8 õU\ä, QU3SB VGZÍBS. 143
À E5C0|a, BHQUGÚÍO &mDl€flÍB U6 GUUCÔÇÊO, tem
deixado muito a deseiar. Nela, o tempo, o
espaco, os temas de estudo e as pessoas estão
em “situação especial", moldados,
transformados em função do "ato pedagógico".
Nesta "situação" algumas pessoas tëm como
função aprender, outras ensinar, outras ainda
administrar, ou sela, passam a ser funções,
não mais pessoas. No senso comum, a escola
serve para educar as pessoas. Engano. Do modo
como está estruturada física, politica,
nlstórlca e socialmente, ela pode, quando
muito, ensinar as pessoas os conteúdos
eleitos (não sei por quem), num processo que

143BORNHAUSEN, Élvio Jose e PEY, Maria Olv. "A pedagogia do


professor de ciências 'naturais e matemática." lnz NÚCLEO
DE ALFABETlZAÇAO TÉCNlCA DA AMÉRlCA LATINA (UFSC).
Alfabetização tecnicaz a arte de aprender ciências e
matemática. llul, UNiJU Í, 1992, P.15.
153

se podechamar escolarização. Um ambiente de


educação (um ambiente de vida) permite a
qualquer um ser, ao mesmo tempo, professor,
aluno e pesquisador, ou melhor, nenhum deles,
mas Homem, não função. 144
A parte de mim que é aluna de um Mestrado em Educação
interrompe aqui esse relato. Muito ainda haveria a contar, a
dizer. Mas a máquina escola da prazos estritos e estreitos para
o cumprimento das tarefas. É meia~nolte de catorze de
setembro de mil novecentos e noventa e dois. O prazo expirou.
Entretanto, a vida, a curiosidade, a vontade de
resistir, de lembrar e de desejar, por não serem tarefas,
continuam para além destas páginas. interrompe-se apenas um
relato e não um processo que se faz fazendo-nos a nos, esses
uns que vamos sendo, "fora da ordem" local, em melo a ruínas
ainda em construção e construções já em ruínas. Sabemos, de
algum modo, onde estamos;
vapor barato, um mero serviçai do narcotráfico,
E

Foi encontrado na ruina de uma escola em


construção
Aqui tudo parece que é ainda construção e lá é
ruína -

Tudo é menino e menina no olho da rua


U asfalto, a ponte, o viaduto ganindo pra lua
Nada continua
E o cano da pistola que as criancas mordem
Reflete todas as cores da paisagem da cidade que é
muito mais bonita e muito mais intensa do que no
cartão postal (...)
Eu não espero pelo dia em que todos os homens
concordem
Apenas sei de diversas harmonlas bonitas possiveis
sem juizo final
Alguma coisa esta fora da ordem
Fora da nova ordem mundial 145
E, na interrupção deste relato por exigência
disciplinar da maquina escola, mesmo assim ele se cumpre,
curiosamente nem aquém nem além daquilo que sempre se propôs
ser - apenas um fragmento de autobiografia.

i4sCORRÊA, Guilherme Carlos. "Pesquisa de possibilidades."


in; ld. ibld., p.7B.
ia5vEL050, Caetano. "Fora da ordem." lnz Clrculadô. São
Paulo, PolvGram, (i99l), não paginado. (Encarte de Compact
Disc 510 639-E).
REFERÊNCiAS B|BL|0GRÁFiCAS

U1 ALVES, Rubem. Filosofia da ciência. 1U.ed. São Paulo,


Erasiiiense, 1987.
DE ANDRÉ, Marli E. D. A. A pesquisa no cotidiano da escola e o
repensar da didática. Revista Educacão e Sociedade, São
Paulo, Cortez, 9(E7)z84-SE, Set. 1987.
D3 ~. “Estudo da prática escolar na escola de io. grau." in;
FAZENDA, lvani Catarina Arantes (org.). Um desafio para a
didática. São Paulo, Loyola, 1988.
U4 BALDiN, Nelma et aiii. “Reiacão Universidade/Comunidade; uma
proposta de melhoria qualitativa ao ensino de História na
escola pública de io. grau - relatorio de pesquisa."
Florianópolis, UFSC, 1989. (mlmeo.)
D5 8ASAGLiA, Franco. A instituição negada; relato de um
hospital psiquiátrico. a.ed. Rio de Janeiro, Graal, 199i.
D5 BORNHAUSEN, Élvio José e PEY, Maria Oiy. "A pedagogia do
professor de ciências naturais e matemática." inz NÚCLEO
DE ALFABETiZAGÃO TÉCNICA DA AMÉHiCA LATINA (UFSC).
Alfaoetlzacão técnica; a arte de aprender ciências e
matemática. liui, UNIJUÍ, 1992.
U7 CANDAU, Vera Maria. "A didática e a formação de educadores -
da exaltação à negacãoz a busca da relevância." in: -.
(org.). A didática em questão. 5.ed. Petropolis, vozes,
1986.
DB -. _"Tem sentido hoje falar de uma didática gerai?“ inz -.
(org.). Rumo a uma nova didática. E.ed. Petrópolis,
vozes, 1989.
D9 CASTANHO, Maria Eugenia L. e M. "Os objetivos da educação."
inz vEiGA, lima Passos Aiencastro (coord.>. Repensando a
didática. E.ed. Campinas - SP, Papirus, 1989.
ú

-‹.
155
CENAFOR. A formação de professores. Bimestre - revista do
E0. Grau, BrasIIIa, MEC/INEP-CENAFOR, I(I);E5-E7, out.
1986.
CORRÊA, Guilherme Carlos. “Pesquisa de possibilidades." lnz
NÚCLEO DE ALFABETIZACAO TÉCNICA DA AMÉRICA LATINA (UFSC).
Alfabetização técnica; a artez de aprender ciências e
matemática. ijuí, UNiJUl, 1992.
DELEUZE, GÍII63. Dlfefeflçã 6 FBPBÍIÇÊO. RIO OB JãHBIFO,
GFBOI, 1988.
'. FOUCGUÍÍ. E.€ü. SãO PHUID, BFaSÍIIBfl8E, 1991. V

ERIBON. DIGIEF. MICNBI FOUCGUIÍ: 1926-1984. Säü POUIO,


Cümpâflhiâ GGS LBÍFGS, 1990.
FUUCÀULT, MICHBI. Á GFQUBOIOQIG U0 3806?. 3.80. RIO G6
J3flB|F0, FDF€fl88'UflIV€F5IÍáTIã, 1987.
-. A ordem do discurso. Ijuí, FlDENE~lJUí, 1973.
~. História da sexualidade lz a vontade de saber. 10.ed.
Rio de Janeiro, Graal, 1999.
'. HISÍÓFIG G8 S6XUa||G6d8 II: 0 USO GOS PFGZBFBS. 6.6d.
RIO O6 Jâflãlfü, Grãfil, 1990.
-. MICFDÍÍSICG G0 POGCF. B.eö. RIO dê Janelfü, GF&8I,
1989.
“.' VIQIGF B PUHIT: HGSCIMCHÍO G8 PFISÊO. 5.33. PBÍFÓPDIIS,
VOZES, 1988.
FRANCO, Luiz Antonio Carvalho. A disciplina na escola.
Revista da Associação Nacional de Educacão, São Paulo,
Cortez~CNPq-FINEP, 6(11)z BE-67, 1986.
FREITAS, Lia. A produção da ignorância na escola. São
Paulo, Cortez, 1989.
FRElTAS, Luis Carlos de. Projeto historico, ciência
pedagógica e didática. Revista Educacão e Sociedade, São
Paulo, Cortez, 9(E7)z1EE-140, set. 1987.
FUNDAÇÃO DE ENSINO DO POLO GEOEDUCACIONAL DO VALE DO ITAJAI.
Funções da universidade. Itajaí, FEPEVI, 1988. \

GUATTARI, Félix. Revolução molecular; puisações politicas


do desejo. E.ed. São Paulo, Brasiliense, 1985.
- e ROLNIK, Suely. Mlcropolltlcaz cartografias do desejo.
2.ed. Petrópolis, vozes, 1986.
155
GuiMARÃEs, Aurea M. Vigilancia, punição e depredacão
escolar. Campinas - SP, Paplrus,, 1985.
GUlRALDELLl JR., Paulo. Reeiaooracão da didática e história
concreta. Revista Educacão e Sociedade, São Paulo,
Cortez, B(E3)zi3B*147, abr. 1988.
KUENZER, Acácia. 0 aluno trabalhador e o ensino
profissionalizante. Bimestre - revista do E0. Grau,
Brasília, MEC/INEP-CENAFOR, 1(i):16~ED, out. 1986.
LA BOETiE, Etienne De. Discurso da servidão Voluntária.
4.ed. (bilingue). SANTOS, Laymert Garcia dos <trad.).São
Paulo, Brasiliense, 1987.
LlBANEO, José Carlos. "Ementário de disciplinas; didática."
ih: PIMENTA, Selma Garrido 8 GONÇALVES, Carlos Luiz.
Revendo o ensino de Bo. grau; propondo a formação de
professores. São Paulo, Cortez, iS9U.
-. 0 professor e s didática. Jornal do professor de io.
grau. Brasilia, MEC/INEP, E<B)z3, dez. 1987.
MARTlNS, Pura Lucia oliver. Didática teórica, didatica
prática: para além do confronto. São Paulo, Loyola, ises.
MAZZlLLl, Sueli. "o estado da pedagogiaz repensando a partir
da prática.” Campinas - SP, Faculdade de Educacão,
universidade Estadual de Campinas, 1889. (mimeo.)
NiETZSCHE, Frederico. Genealogia da moral. E.ed. São
Paulo, Brasiliense, 1988.
-. Assim falava Zaratustra. Rio de Janeiro, Tecnoprlnt,
s.d.

PEY, Mafia Oiy. À 8SCO|8 8 O ÓÍSCUFSO P3dã§ÓQ|C0. Sãü


Paulo, COFÍBZ, 1988.
PIMENTA, Selma Garrido e GONCALVES, Carlos Luiz. Revendo 0
ensino de Eo. grau; propondo a formação de professores.
São Paulo, Cortez, isso.
RlBElR0, Renato Janine. Recordar Foucault; os textos do
Colóquio Foucault. São Paulo, Brasiliense, 1985.
RlEDEL, Harald. Didática e prática de ensino: aspectos
ideológicos, científicos e técnicos. São Paulo, EPU,
1981.
VEIGÂ, lima PBSSOS Âi6flCã6ÍFO. À PPÉÍÍCG PBUGQÓQÍC8 -G0
PPOf€850F GB diüáÍiC&. C8mP|fl33 " SP, PGDÍFUÕ, 1985.
157

4E.vELOS0, Caetano. "Fora da ordem." ln; Glrcuiadô. São


Paulo, PoiyGram, (1991). (Encarte de Compact Disc
510539-E).
43.wACHOwICZ, Lilian Anna. O método dialético na didática.
Campinas _ SP, Papiruã, 1989.

F|0!`ÍfiflÓ}30lÍS, EU CIB fl0V6mbY`O G6 1592

.@‹.Hê~é5 ....... _.

(ierecê Rego Beltrão)

Você também pode gostar