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Análise do 1º andamento das Três canções sobre poemas de Hildegard Jone op.

25 de
Anton Webern
Analysis of the 1st movement of the Three Songs on poems by Hildegard Jone op.25 of
Anton Webern

Ana Beatriz Pereira Marques da Silva

Conservatório Superior de Música de Vigo

Maio 2020

Palavras chave:

Anton Webern, serialismo, século XX, Segunda Escola de Viena, Três canções
sobre poemas de Hildegard Jone, Drei Lieder nach Gedichten von Hildegard Jone,

Keywords:

Anton Webern, serialism, 20st century, Second School of Viena, Three Songs on
poems by Hildegard Jone
Resumo:

Este trabalho visa analisar o primeiro andamento da obra Drei Lieder nach
Gedichten von Hildegard Jone op.25 de Anton Webern.

No ponto 1 é feita uma abordagem estilística do compositor.

Em seguida, no ponto 2, encontra-se a análise propriamente dita da obra,


abrangendo parâmetros como a forma, as séries utilizadas, a melodia, o ritmo, a textura,
as dinâmicas.

No ponto 2.1, aborda-se a relação do texto com a música e com a estrutura formal
e serial deste andamento.

Por fim, é possível encontrar nos anexos o primeiro andamento da obra analisado
formal e serialmente e ainda um autógrafo de Webern dos poemas utilizados nestes Drei
Lieder.

Abstract:

This work aims to analyze the first movement of Anton Webern’s Drei Lieder
nach Gedichten von Hildegard Jone op.25.

On the 1st point a stylistic approach of the composer is made.

Following, on point 2, there is the analysis of the work itself, covering parameters
such as the form, the series used in the piece, the melody, the rhythm, the texture and
the dynamics.

Point 2.1 deals with the relation between the texts and the music as well as with
the formal and serial structure of this movement.

Finally, it is possible to find in the attachments the first movement of the work
analyzed formally and serially and also an autograph by Webern of the poems used in
these Drei Lieder.
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1. Serialismo e Anton Webern

Anton Webern pode e deve ser reconhecido como o grande impulsionador o


serialismo e como um compositor revolucionário em vários aspetos musicais, sendo
ainda hoje objeto de discussão. A sua inovadora visão quanto a aspetos como a textura,
o ritmo, a organização motívica, o timbre, a dinâmica e as alturas (relacionadas com as
técnicas seriais e dodecafónicas da Segunda Escola de Viena).

Apesar deste tratamento inovador da música, e tal como afirmado por Paul
Griffiths: - “É a radical novidade do estilo de Webern que torna discreto o seu
neoclassicismo, tão discreto quanto o de Bartók, que na mesma época adaptava
procedimentos barrocos à construção de formas simétricas” (Griffiths 1987), o
compositor recorria também ao uso de procedimentos e formas de compositores como
Bach.

Era considerado um pontilhista (técnica de pintura que consiste em que pequenas


manchas ou pontos de cor provocam, pela justaposição, uma mistura óptica), mantinha
um aprecio pelas formas pequenas e as suas obras requeriam um trabalho pré-
compositivo já que compunha sob a vertente do dodecafonismo e serialismo.

Outra questão interessante acerca de Webern é que, apesar da sua meticulosa


organização, o seu perfeccionismo estrutural e a sua simetria fomal, possuia ainda
características românticas e uma grande sensibilidade compositiva, tal como se pode ler
no verbete “Webern” do Grove Dictionary:

“(…) ironicamente, Webern o compositor que era visto por muitos como o mentor do
hiperintelectualizado serialismo das décadas imediatamente posteriores a sua morte e cuja
música a maior parte dos ouvintes achava desorientante e estranha após uma primeira audição,
era por natureza um ardente romântico que sempre defendeu os ideais de sentimento e paixão
além de compreensibilidade como os mais importantes na arte. A natureza, e os Alpes em
particular, eram quase como uma obsessão para ele, e seu amor pela paz e tranquilidade
encontrada nas montanhas, assim como sua fascinação com as flores dos campos alpinos foram
a influencia de seus trabalhos em muitas formas, alguns dos quais até nem nunca serão
totalmente compreendidos. O seu trabalho em muitas de suas obras mais abstratas foram
precedidos por esboços ou projetos em que os vários movimentos, seções ou temas eram

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similares a lugares, climas ou flores alpinas ou mesmo a membros próximos de sua família, uma
manifestação mais tangível da sua fascinação com as flores alpinas foi o seu interesse pelas
teorias de Goethe sobre as cores e a Urpflanze, esta última sendo, evidentemente, a expressão da
ideia de unidade, que para ela, assim como para Schoenberg era essencial.” (Sadie, Stanley
2001)

2. Análise Drei Lieder op.25 nº1

Tratando-se esta obra de uma obra serialista, é importante identificar não só a sua
série primordial como também as suas respetivas transposições e inversões.

A série principal não começa na primeira intervenção do piano mas sim na


primeira intervenção da voz.

Mais à frente será possível ver como Webern distribui as séries em concordância
com a forma da obra e com o texto.

A série primordial é a seguinte: G E D# F# C# F D B Bb C A G#.

I0 I9 I8 I11 I6 I10 I7 I4 I3 I5 I2 I1
P0 G E D#/ F#/ C#/ F D B A#/ C A G#/ R0
Eb Gb Db Bb Ab
P3 A#/B G F#/ A E G#/ F D C#/ D#/ C B R3
b Gb Ab Db Eb
P4 B G#/ G A#/ F A F#/ D#/ D E C#/ C R4
Ab Bb Gb Eb Db
P1 G#/ F E G D F#/ D#/ C B C#/ A#/ A R1
Ab Gb Eb Db Bb
P6 C#/ A#/ A C G B G#/ F E F#/ D#/ D R6
Db Bb Ab Gb Eb
P2 A F#/ F G#/ D#/ G E C#/ C D B A#/ R2
Gb Ab Eb Db Bb
P5 C A G#/ B F#/ A#/ G E D#/ F D C#/ R5
Ab Gb Bb Eb Db
P8 D#/ C B D A C#/ A#/ G F#/ G#/ F E R8
Eb Db Bb Gb Ab
P9 E C#/ C D#/ A#/ D B G#/ G A F#/ F R9
Db Eb Bb Ab Gb
P7 D B A#/ C#/ G#/ C A F#/ F G E D#/ R7
Bb Db Ab Gb Eb
P10 F D C#/ E B D#/ C A G#/ A#/ G F#/ R10
Db Eb Ab Bb Gb
P11 F#/ D#/ D F C E C#/ A#/ A B G#/ G R11
Gb Eb Db Bb Ab
RI0 RI9 RI8 RI11 RI6 RI10 RI7 RI4 RI3 RI5 RI2 RI1

Exemplo 1. Matriz serial da obra em questão.

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Neste andamento, o compositor apenas utiliza a série P0 e I0 e as suas respetivas
retrogradações (delimitadas a amarelo na matiz anteriormente apresentada), apesar das
48 séries possíveis.

Após a análise serial do andamento em questão (que pode ser consultada no anexo
1), é possível criar o seguinte esquema:

cc. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Voz
P0 I0 P0

Piano RI0 RI0 I0


RI0 R0

Exemplo 2. Esquema serial do I andamento.

Torna-se bastante clara a estrutura formal impingida pela linha vocal e podemos
concluir então que se trata de uma forma A (cc.2-5) B (cc. 6-8) A’ (cc.9-11) simples
com Introdução e Coda, sendo estas duas articuladas pelo piano.

Outra característica apresentada pela voz que vem ajudar a esta divisão formal é o
facto de na secção A haver um registo gradual: começa baixo, fica mais alto e volta a
descer. Isto cria um fluxo melódico que está ausente na secção B, que tem uma
organização vocal muito mais brusca e abrasiva tendendo a saltar de um registo alto
para um registo alto sem qualquer preparação ou ajuda intermédia.

Enquanto a voz apresenta a série de uma forma simples e organizada, já o piano


não tem nenhuma segmentação claramente definida.

Tal como é típico numa primeira audição das obras de Webern, esta obra pode
primordialmente ter uma textura fragmentada, fria, sem ligação evidente entre as
diversas secções (o que remete para a textura pontilhista mencionada no ponto 1), mas
após análise, o sentido de cada fragmento musical e a interrelação entre os fragmentos
torna-se mais evidente.

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Não obstante, em “Wie bin ich froh”, pode-se verificar que as três primeiras notas
da série primordial (Sol–Mi–Ré#), e os intervalos entre as mesmas, desempenham um
papel importante na formação desta melodia.

Veja-se o seguinte exemplo, que esquematiza a questão interválica (contabilizada


por cada meio-tom) mencionada:

Exemplo 3. Relação interválica entre as três primeiras notas da série primordial.

Esta ordem interválica ocorre mais duas vezes na linha vocal: no compasso 3 (Ré–
Si–Sib) e novamente no compasso 4 (Dó–Lá–Sol#).

Ainda relativamente às relações interválicas que surgem ao longo da obra, as três


primeiras notas apresentadas na linha vocal no compasso 3 (Dó#–Fá–Ré), também estão
relacionadas com o esquema de altura das três notas inicial (3,8 e 11) mas estão
dispostos numa ordem diferente, e, em dois dos intervalos, também numa direção
diferente.

Exemplo 4. Relação interválica entre as três primeiras notas da linha vocal no compasso 3.

O acompanhamento do piano vem reforçar as mesmas ideias musicais


apresentadas pela voz, sendo de ressaltar a figura de quiáltera de semicolcheia que se
repete ao longo de toda a obra seguindo sempre o mesmo padrão interválico (2ª menor +
3ª menor), apesar de alguns intercâmbios na ordem de apresentação do mesmo.

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Na tabela seguinte pode-se ver cada exemplo organizado e os respetivos intervalos
formados, bem como o compasso onde se encontra cada um (sendo que alguns são
apresentados mais que uma vez).

Anacrusa c.1; Ré – Fá – Fá# 3ªm – 2ªm


c.10; c.12
c.2 Ré# - Mi -Sol 2ªm – 3ªm
c.3; c.5; c.7 Sol# - Lá - Dó 2ªm – 3ªm
c.4; c.12 Lá – Dó – Dó# 3ªm – 2ªm
c.4 Si – Sib - Sol 2ªm – 3ªm
c.5 Sib –Si - Ré 2ªm – 3ªm
c.9 Dó# - Ré - Fá 2ªm – 3ªm
c.10; c.8 Mib – Mi – Sol 2ªm – 3ªm

Exemplo 5. Tabela relativa à relação interválica entre as quiálteras de semicolcheia da linha do piano

Mantendo o foco no acompanhamento, é ainda de frisar os tetracordes que


apresenta ao longo da obra que são também formados pelos intervalos anteriormente
mencionados, como se pode ver, por exemplo no compasso 1: Sol#-Lá/Dó-Dó# - 2ª
menor; Lá-Dó - 3ª menor.

Relativamente ao ritmo, o andamento inconstante, a pulsação instável e a ausência


de um padrão regular dos tempos fortes e fracos contribui para a desorientação inicial
do ouvinte.

O ritmo flui e reflui sem seguir nenhum padrão preciso e a figuração rítmica
utilizada é bastante simples sendo que a melodia utiliza maioritariamente colcheias e
semínimas, à exceção das pausas, de duas semínimas com ponto e duas tercinas.

Já o ritmo do acompanhamento é mais interessante já que apresenta a quiáltera de


semicolcheia seguida de duas colcheias e um tetracorde e repetindo sempre esta
quiáltera mas deixando-a cada vez mais isolada.

Quanto à dinâmica, são apresentadas mudanças bastante bruscas, alternando


continuamente entre forte e piano. Mesmo sendo uma obra de apenas doze compassos,
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Webern é capaz de criar um panorama dinâmico bastante completo. Este contraste deve
ser bastante enfatizado principalmente pela linha vocal que não só deve tornar claro este
contraste de volume, mas fazer de ele também um contraste de cores.

2.1. “Wie bin ich froh” – Relação com o texto

Webern mantinha uma amizade muito próxima com Hildegard Jone, a autora dos
vários poemas utilizados pelo compositor, não só nesta obra mas também em outras
composições suas. Veja-se no anexo 2, um autógrafo de Webern dos poemas utilizados
neste op.25.

O texto utilizado neste andamento é o seguinte:

“Wie bin ich froh!


Noch einmal wird mir alles grün und leuchtet so!
Noch überblühn die Blumen mir die Welt!
Noch einmal bin ich ganz ins Werden

E a sua tradução:

Como estou feliz!


Novamente tudo se torna verde e luminoso!
Ainda florescem as flores e o mundo para mim!
Novamente eu, no portal da criação vivo minhas horas, porém ainda sou mortal.

É possível estabelecer uma comparação entre a disposição do texto e a estrutura


formal e serial da obra o que vem reforçar a intenção de Webern de articular uma
pequena estrutura ternária com a forma das séries. Na tabela seguinte é possível
comprovar isto de uma forma mais clara:

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Texto Série Compassos Estrutura
Wie bin ich froh! P0 cc. 2 - 5 A
Noch einmal wird mir alles grün und
leuchtet so!
Noch überblühn die Blumen mir die I0 cc. 6 – 8.2 B
Welt!
Noch einmal bin ich ganz ins P0 cc. 8.2 - 11 A’
Werden hingestellt und bin auf (à exceção de duas
Erden. notas da série I0)

Exemplo 6. Relação entre o texto e as séries/estrutura formal.

A utilização da mesma palavra no início de cada secção (a negrito na tabela) é


mais um argumento que suporta esta divisão estrutural.

Conclusão

Chegando à conclusão deste trabalho, é possível para mim ter uma visão mais
clara acerca do processo compositivo do grande Anton Webern e perceber melhor o
porquê deste compositor ser considerado o pai da música da segunda metade do século
XX e o porquê de ainda hoje ser objeto de estudo e discussão.

Foi especialmente interessante para mim notar o detalhe dado a cada nota
particular e a meticulosidade com que tudo encaixa na perfeição.

Todos estes pormenores, desde as questões dinâmicas, tímbricas, estruturais,


musicais, e etc, causarão no ouvinte a sensação de que a obra é bastante maior do que
aquilo que realmente é, graças à quantidade e à riqueza de informação e de detalhe
presente em casa nota.

Todas estas questões são, pessoalmente, de louvar e fazem com que este
compositor seja ainda (e espero que assim continue) considerado um dos grandes génios
da composição.

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Anexos

Anexo 1:

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11
Anexo 2:

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Bibliografia

Griffiths, Paul. A Música Moderna (Modern Music: a concise history). Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1987.

Hartmann, Ernesto. “Anton Webern e a tradição. Uma análise das relações forma-série
empregadas nas Três canções sobre Textos de Hildegard Jone op.25 e nas
Variações para piano op.27.” Em Trivium: Estudos Interdisciplinares, de
Ernesto Hartmann, 173-199. Rio de Janeiro, 2007.

Hartmann, Ernesto, e R. X. Silveira. “Wie bin ich froh! op. 25 nº1 para Voz e Piano de
Anton Webern, possíveis associações entre texto, estrutura e forma das séries
empregadas – Janelas Hermeneuticas.” XXV Congresso da Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Música. Vitória, 2015.

Morgeson, Paul Taylor. “DECONSTRUCTING WEBERN’S OP. 25, DREI LIEDER:


A MULTIDIMENSIONAL ASSESSMENT.” Thesis Prepared for the Degree of
Master of Music, University of North Texas, 2013.

Sadie, Stanley. The New Grove Dictionary of Music and Musicians. Londres, 2001.

Straus, Joseph N. Introdução à Teoria Pós-Tonal. New York: Prentice Hall, 2000.

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