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POSSIBILIDADES DE EMPREGO DE ESCALAS, ARPEJOS E TRÍADES FORA DA CAIXINHA

Utilizar bem as escalas e seus subconjuntos (arpejos, tríades, intervalos) para improvisar é a
busca eterna dos músicos em qualquer instrumento ou estilo. O improviso é o momento de
expressividade maior de um músico dentro de uma apresentação.

Assim como na língua falada, quanto maior o vocabulário do músico, melhor ele se expressa.
Mas o que seria o vocabulário propriamente dito? Na minha maneira de entender o vocabulário de um
instrumentista é o domínio das possibilidades sonoras que as diversas escalas apresentam. Aqui eu vou
falar de algumas que eu gosto de usar e considero simples de entender e usar.

I. Modos Gregos: eu vejo os modos gregos como a mesma escala tocada a partir de cada um de
seus graus. Assim, tomando como exemplo dó maior, C Jônico, D Dórico, E Frígio, etc., seriam a mesma
escala de dó maior começada de cada um de suas notas.

Jônico: C D E F G A B
Dórico: D E F G A B C
Frígio: E F G A B C D
Lídio: F G A B C D E
Mixolídio: G A B C D E F
Eólio: A B C D E F G
Lócrio: B C D E F G A

Mas isso não traz nenhuma novidade ou surpresa. Tocar qualquer uma dessas escalas sobre o
tom de dó maior é chover no molhado. Porém, se olharmos pelo prisma dos acordes de cada tom, as
coisas ficam mais interessantes...

Vamos pensar no acorde de C7M. Tétrade (C E G B), velha conhecida... Esse acorde faz parte de
que tonalidades? "Em dó maior ele é o I grau, em sol maior ele é o IV grau". Ou seja, ele está presente
em duas tonalidades, Dó Maior e Sol Maior - o que nos dá a possibilidade de tocar sobre um acorde de
C7M a escala de dó maior OU a de sol maior. Ou seja, posso tocar dó jônico (em dó maior) ou dó lídio
(sol maior).

Lembrando que dó lídio é sol maior começando da nota dó, como ficaria?

C D E F G A B
Dó Jônico:
T 2M 3M 4J 5J 6M 7M
C D E F# G A B
Dó Lídio:
T 2M 3M #4 5J 6M 7M

Assim, teríamos um F# soando sobre o C7M (sua 4ª aumentada), causando um efeito bem
interessante.

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Esse raciocínio pode ser estendido aos acordes menores. Continuando em dó maior, vamos
analisar o acorde de Am7 (A C E G). Am7 pode ser o VI grau de dó maior, o II grau de sol maior, ou
ainda o II grau de fá maior. Logo, podemos considerar as escalas de Dó Maior (Lá Eólio), Sol Maior (Lá
Dórico) ou Fá Maior (Lá Frígio) sobre esse acorde!

A B C D E F G
A Eólio:
T 2M 3m 4J 5J 6m 7m
A B C D E F# G
A Dórico:
T 2M 3M 4J 5J 6M 7M
A Bb C D E F G
A Frígio:
T 2m 3m 4J 5J 6m 7m

OBS.: no caso do A frígio, a no Bb deve ser usada com cautela, pois esse intervalo de 2ª menor
pode soar bem estranho.

Esse raciocínio pode ser estendido aos acordes maiores com 7º maior e aos acordes menores
com 7ª sem problemas. Na prática, estamos usando escalas de tons vizinhos ao tom para improvisar.

II. Pentatônicas sobre um acorde V7: é tradicional a utilização de pentatônicas sobre os


acordes dominantes. A tradicional progressão | I7 | IV7 | V7 | I7 | é utilizada até hoje como uma
das primeiras bases harmônicas para o estudo de improvisação com as pentatônicas. Mas porque
funciona?

Vamos considerar o acorde A7 e a pentatônica de A (que é a mesma que a de F#m, pois A e F#m
são tons relativos - têm as mesmas notas):

A7 A C# E G
Penta A (F#m) A B C# E F#
Relação T 9 3 5 13 b7

Assim, a pentatônica de A traz a 9ª e a 13ª para o acorde A7. Mas... E a pentatônica menor?
Vamos analizar, lembrando que a pentatônica de Am é a mesma que a de C:

A7 A C# E G
Penta Am A C D E G
Relação T b3 11 5 b7

Calma lá! C sobre um acorde que tem C#?? Como é possível?? Simples: o C é a famosa blue
note, inflexão de terça menor tradicional no blues. Além da blue note, ainda temos a presença da 11ª -
que em acordes dominantes também soa bem.

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III. Modos Gregos e o acorde V7: vamos imaginar a progressão tradicional de blues I7 IV7 V7
I7. Para ficar confortável, vamos pensar em lá maior.

| A7 | % | D7 | A7 | E7 | D7 | A7 | E7 |

A solução óbvia e imediata seria mandar a pentatônica de Am e ser feliz. Mas temos outras
possibilidades... Se pensarmos que acordes V7 são o V grau de algum tom (pensando em modos gregos,
o modo mixolídio), temos:

A7 = V7 de D || D7 = V7 de G || E7 = V7 de A

Assim, no A7 podemos utilizar a escala de ré maior, no D7 a de sol maior e no E7 a de lá maior.


Ou, pensando modalmente, A Mixolídio (ré maior começando do lá), A Dórico (sol maior começando do
lá) e A Jônico (lá maior mesmo).

IV. Outra possibilidade para o V7: quando estamos tocando as mais diversas canções ou temas,
muitas vezes nos deparamos com acordes dominantes que tem várias alterações na forma V7(911) - por
exemplo G7(911) - que também pode ser escrito com F/G. Ou seja, é uma tríade de F com o baixo em G!
O que trás a possibilidade de usarmos a tríade maior um tom abaixo do V7 para improvisar. Mantendo o
G7(911) para análise:

F: F A C
G7: G B D F
T 3 5 b7 9 11

V. Sobreposição de Arpejos: essa é usada por mestres como George Benson e Pat Metheny.
Alguém parou pra analisar as tétrades formadas por cada grau dos acordes maiores e menores, e
compará-los. O que se deu foi o seguinte (vamos raciocinar em dó).:

C7M = C E G B

Em7 G7M Bm7

E (3M de C) G (5J de C) B (7M de C)


G (5J de C) B (7M de C) D (9M de C)
B (7M de C) D (9M de C) F# (#11 de C)
D (9M de C) F# (#11 de C) A (6M de C)

Ou seja, se o acorde é X7M, o arpejo do IIIm7, V7M e VIIm7 funcionam muito bem.

Analogamente, para acordes Xm7, o arpejo do III7M, Vm7 e VII7M vão funcionar também.

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VI. Arpejo Diminuto sobre V7 (sem tocar o arpejo): fazendo um raciocínio análogo ao caso da
tríade um tom abaixo, vamos ver como se relacional o acorde V7 e o arpejo de um acorde diminuto com
a mesma tônica.

Bb Db Fb
G°: G
(A#) (C#) (E)
G7: G B D F
T 3 5 b7 T #9 #11 13

Vemos que o arpejo diminuto traz várias nuances para o acorde V7. Mas temos um dispositivo
prático para facilitar o emprego dessas tensões melódicas: vamos tocar sobre o V7 as TRÍADES MAIORES
geradas a partir de cada grau do arpejo diminuto.

Fbb G#
E B
(E) (Ab)
Db E# G#
C#
(C#) (F) (Ab)
Bb
Bb D F
(A#)
G7 G B D F

Intervalo T 3 5 b7 #9 5 b7 #11 b7 b9 13 b9 3

VII. Escala Diminuta: a escala diminuta é uma escala peculiar. É formada por intervalos de tom e
semitom sucessivos (daí ser chamada em inglês de "whole-half scale". Sua utilização mais óbvia é sobre
acordes diminutos, sem causar qualquer surpresa ao ouvinte. Porém, vamos olhar para essa escala a
partir de outro prisma.

Tomando por base a escala diminuta em C, temos:

C D Eb F Gb Ab A B
T ST T ST T ST T

Dentro da escala temos o arpejo do acorde e aproximações cromáticas a essas notas do arpejo
(que também formam outro acorde diminuto - D F Ab B (Cbb) = D°).

Mas, se olharmos essa escala sobre um acorde dominante meio tom abaixo do tom da escala? Se
tocarmos a escala diminuta de C sobre B7?

#9 3M b5 5 13
Intervalo b9 7 T
(C##) (D#) (#4) (F#) (G#)
Escala
Diminuta C D Eb F Gb Ab A B
de C
B7 B D# F# A

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Assim, temos um grande leque de tensões sonoras provocadas pela escala diminuta de um
determinado tom se a tocarmos dobre um dominante um semitom abaixo.

Um detalhe importante é que a escala diminuta é simétrica (como os acordes diminutos). Assim,
sua digitação se repete de tom e meio em tom e meio.

Digitações da escala diminuta: aqui temos três possibilidades de digitações. Duas são com 3
notas por corda. A última, com 4 notas por corda, é um modelo que vi num vídeo de Robben Ford.
3 Notas por Corda

III IV

4 Notas por Corda (Robben Ford)

XII XIX VII V III I

VIII. Triades Formadas na Escala Diminuta: se olharmos com cuidado as digitações da escala
diminuta em 3 notas por corda, encontraremos algumas tríades maiores "escondidas" ali dentro. Vou
manter o tom do exemplo anterior (escala diminuta de C soando sobre o acorde B7)
Escala Diminuta de C (Tom - Semitom)

VIII VIII

Tríade de D Tríade de B

VIII VIII

Tríade de Ab Tríade de F

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Olhando pelo ponto de vista do B7, temos o seguinte quadro:

Ab C Eb
Ab
(6M) (b9) 3M
F (E#) A C
F
(#4/b5) (7) (b9)
D F# A
D
(#9) (5J) (7)
B D# F#
B
(T) (3M) (5J)

B7 B D# F# A

Int. T 3M 5J 7

Assim, podemos utilizar as tríades de F, D, Ab sobre o acorde B7 (ou pode-se pensar na tríade de
B e caminhar por terças menores).

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