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ANÁLISE DO SOLO DE JOHN COLTRANE EM GIANT STEPS

A análise de Giant Steps a seguir foi realizada com base nas técnicas e procedimentos
de improvisação no jazz, conforme os princípios abaixo.

REFERÊNCIAS PARA A IMPROVISAÇÃO

 Harmonia
 Melodia
 Motivos

I. Improvisação Com Base Harmônica

 Harmonia do Tema (Coltrane utiliza com variação em Giant Steps)


 Harmonia Standard (Coltrane não utiliza em Giant Steps)
 Flat-9 (Coltrane utiliza raramente em Giant Steps)
 Notas do Acorde (Técnica muito usada em Giant Steps)

II. Improvisação Melódica

 Ornamentação Melódica (Coltrane não utiliza em Giant Steps)


 Improvisação Pentatônica (Coltrane utiliza pouco em Giant Steps)
 Improvisação Modal (Coltrane utiliza regularmente em Giant Steps)

III. Improvisação Motívica

 Elaboração Temática (Coltrane não utiliza em Giant Steps)


 Padrões Cordais (Técnica muito usada em Giant Steps)
 Padrões Escalares (Técnica muito usada em Giant Steps)
 Motivos Próprios (Técnica muito usada em Giant Steps)
HARMONIA

Em Giant Steps, a harmonia do tema é formada por um ciclo de 16 compassos com


mediantes cromáticas preparadas por dominantes secundárias e pelo encadeamento ii7-V7-I.

Mediantes Cromáticas B G Eb
Dominantes Secundárias D7 Bb7 F#7 Retorna ao início
Ciclo ii7-V7-I Am7 D7 Fm7 Bb7 C#m7 F#7

Esse princípio aparece desta forma na sequência de acordes do tema. As mediantes


estão marcadas em negrito, as dominantes – V7 – e o movimento ii7-V7-I estão indicados
abaixo das cifras dos acordes.

B D7 G Bb7 Eb Am7 D7 G Bb7 Eb F#7 B Fm7 Bb7 Eb


V7 V7 ii7 V7 V7 V7 ii7 V7

Am7 D7 G C#m7 F#7 B Fm7 Bb7 Eb C#m7 F#7


ii7 V7 ii7 V7 ii7 V7 ii7 V7 Da Capo

Essa harmonia não é mantida literalmente durante o solo, que é realizado sobre outra
sequência de acordes que segue o mesmo princípio cíclico de 16 compassos, com mediantes
cromáticas preparadas por suas dominantes e pelo encadeamento ii7-V7-I. Em outras palavras,
trata-se de uma transposição da harmonia do tema à segunda maior superior (de B – G – Eb
para Db – A – F).

Mediantes Cromáticas Db A F
Dominantes Secundárias E7 C7 Ab7 Retorna ao início
Ciclo ii7-V7-I Bm7 E7 Gm7 C7 Ebm7 Ab7

No esquema abaixo, está a sequência completa da harmonia que serve de base ao


solo.

Db E7 A C7 F Bm7 E7 A C7 F Ab7 Db Gm7 C7 F


V7 V7 ii7 V7 V7 V7 ii7 V7

Bm7 E7 A Ebm7 Ab7 Db Gm7 C7 F Ebm7 Ab7


ii7 V7 ii7 V7 ii7 V7 ii7 V7 Da Capo

No total são dezessete repetições do ciclo, da seguinte forma: onze repetições


completas com solo de saxofone; a 12ª volta inicia com sax (2 compassos) e se completa com
solo de piano (14 compassos), que segue por mais três voltas do ciclo harmônico; ao final, são
realizados mais duas repetições com solo de saxofone. A forma geral da peça é esta:

TEMA Solo Sax Solo Sax + Piano Solo Piano Solo Sax TEMA
Voltas 1ª - 2ª 3ª -13ª 14ª 15ª – 17ª 18ª – 19ª 20ª - 21ª
O SOLO DE JOHN COLTRANE

A seguir, está a análise do solo de John Coltrane em cada volta do ciclo. Vários
aspectos e elementos do solo de Coltrane são repetidos nas diferentes voltas, o que produz
coesão melódica e coerência na apresentação das ideias musicais ao longo das dezessete
repetições do ciclo temático. O solo de saxofone é realizado em treze voltas e o solo de piano
em quatro delas.

Os procedimentos encontrados no solo de Coltrane podem ser sintetizados no uso de


notas de acorde, padrões escalares, trechos com uso de modos antigos, escala pentatônica,
passagens cromáticas e elaboração motívica com permutação de notas.

O uso de notas de acorde aparece com ou sem expansão da harmonia através da


melodia. Quando a harmonia é estendida, as notas mais comuns da melodia são a nona maior
sobre acordes com função de dominante e a sétima maior em acordes com função de ponto
de chegada. O uso de sétimas menores, tanto em acordes maiores quanto em acordes
menores, não costuma ser considerado como expansão da harmonia, já que no jazz o uso de
tétrades normalmente é a referência básica para a construção harmônica.

O uso de padrões escalares em Giant Steps pode ocorrer no âmbito de um compasso,


através do emprego da escala completa perfazendo a extensão de uma oitava. Também
ocorrem trechos em que a escala percorre uma extensão mais ampla, alcançando uma nona
através da supressão de uma nota intermediária da escala e trechos em que são utilizados
fragmentos escalares, frequentemente na forma de pentacordes em permutação. Em alguns
trechos com tetracordes ou pentacordes, torna-se difícil definir qual é o modo escalar que está
sendo empregado. Por isso, optou-se pela interpretação que considera o modo que se
relaciona à harmonia.

Por exemplo, é comum o uso de um fragmento da escala de Fá Maior, com as notas ré-
mi-fá-sol-lá, nos compassos com os acordes Gm7 C7 (ii7 – V7, em Fá Maior). Se forem
consideradas apenas as notas da melodia, parece tratar-se de um pentacorde formado pelo
primeiro tetracorde do modo Ré Eólio (ré-mi-fá-sol), em Fá Maior, com acréscimo de uma nota
(lá). Entretanto, geralmente este fragmento melódico ocorre sobre o acorde de Gm7. Por isso,
preferimos interpretar como sendo o segundo tetracorde do modo Sol Dórico (ré-mi-fá-sol)
com o acréscimo de uma nota (lá). Essa escolha deve-se à técnica de improvisação jazzística
com base nos modos antigos, em que se costuma tocar um modo específico para cada grau da
escala, desta forma (exemplo em Fá Maior):

I grau – F7M: Modo Jônio


II grau – Gm7: Modo Dórico
III grau – Am7: Modo Frígio
IV grau – Bb7M: Modo Lídio
V grau – C7: Modo Mixolídio
VI grau – Dm7: Modo Eólio
VII grau: EØ: Modo Lócrio

Outro fator a ser levado em consideração é o uso de fragmentos escalares que


correspondem à tonalidade de cada trecho em questão, conforme o movimento ii7 – V7 – I.
No ciclo harmônico de Giant Steps por mediantes cromáticas, os acordes passam por três
campos harmônicos distintos, claramente explicitados pelas notas da melodia, no solo de
Coltrane, através das notas das tonalidades referentes a cada fase do ciclo.

Abaixo, está o processo:

 Ebm Ab7 Db – Réb Maior (notas: réb-mib-fá-solb-láb-sib-dó)


 Bm E7 A – Lá maior (notas: lá-si-dó-ré-mi-fá#-sol#)
 Gm C7 F – Fá Maior (notas: fá-sol-lá-sib-dó-ré-mi)

O uso dos três acordes ii – V7 – I completam as notas de cada uma das tonalidades. Por
exemplo, em Réb Maior: ii = Ebm (notas: mib-solb-sib); V7 = Ab7 (notas: láb-do-mib-solb); I =
Db (notas: réb-fá-láb). O quadro abaixo demonstra como esses três acordes completam a
escala.

Acorde/Nota réb mib fá solb láb sib dó


ii Ebm x x x
V7 Ab7 x x x x
I Db x x x

O processo de permutação das notas de um pentacorde (pitch changes ou step


changes, no vocabulário jazzístico) provavelmente deriva da técnica instrumental e da
alternância dos dedos para tocar a escala. As notas da tríade formam um âmbito melódico de
5ªJ que serve de base para a disposição das notas do pentacorde.

Nos improvisos jazzísticos, um pentacorde formado a partir de um acorde maior


normalmente contém as notas do primeiro tetracorde do modo Jônio ou do modo Lídio.

Por exemplo, se a referência harmônica for o acorde de A, têm-se estas duas formações:

 Modo Jônio: lá-si-dó#-ré-mi


 Modo Lídio: lá-si-dó#-ré#-mi

Os pentacordes formados com base em tríades menores podem ser elaborados com base
no modo Dórico ou no modo Frígio. Tomando-se como referência o acorde de Bm7, têm-se:

 Modo Dórico: si-dó#-ré-mi-fá#


 Modo Frígio: si-dó-ré-mi-fá#

Em qualquer uma dessas formações podem ser realizadas permutações de notas (pitch
changes ou step changes). Se cada uma das notas for representada por um número que
caracteriza sua posição na ordem da escala, têm-se, nos pentacordes de Lá Jônio e Lá Lídio:

Lá Jônio
1 2 3 4 5
lá si dó# ré mi
Lá Lídio
1 2 3 #4 5
lá si dó# ré# mi

As permutações se fazem alternando a ordem das notas, de quatro em quatro notas,


sendo as mais comuns realizadas sobre os grupos: Jônio – 1-2-3-4 e 1-2-3-5; Lídio – 1-2-3-#4 e
1-3-#4-5. Abaixo, estão alguns exemplos de pitch changes utilizados nos solos de Coltrane, com
base nos pentacordes Jônio e Lídio a partir do acorde de A.

Essa forma de elaborar a construção melódica, que tem sua origem nos improvisos
jazzísticos, foi incorporada nos cursos de composição das escolas de música e universidades
dos Estados Unidos e, a partir daí, tem sido divulgada em escolas do mundo inteiro. Em
inúmeros métodos contemporâneos de composição, ao tratar de diferentes estilos e gêneros
musicais, existem exercícios de permutação de notas a partir de pentacordes, incluindo
pentacordes atonais.

No trecho abaixo, está o uso de permutações para a realização de elaboração motívica


com base em notas de acordes e fragmentos escalares, em Giant Steps. Os numerais arábicos
correspondem às permutações pentacordais; os números entre parênteses indicam os
intervalos reais em relação à fundamental do acorde (transposições das formações
pentacordais para outros graus da escala).

O processo de elaboração motívica muitas vezes exige o uso de passagens cromáticas,


que podem ser interpretadas como sendo derivadas da blue note.

Em geral, considera-se que no Blues são utilizados dois modos de escala pentatônica
(exemplos em fá):
 Pentatônica Maior: fá-sol-lá-dó-ré (isso também pode ser interpretado a partir do
modo da relativa: ré-fá-sol-lá-só)
 Pentatônica Menor: fá-láb-sib-dó-mib

A blue note é introduzida pelo uso de um cromatismo entre segunda e a terceira nota
da pentatônica maior (nota: láb), entre a quarta e a quinta nota da pentatônica menor (nota:
si) ou entre a sétima menor e a oitava (nota: mi).
No exemplo abaixo, as notas da pentatônica maior estão escritas com notação oval
branca, as notas diferenciais da pentatônica menor estão escritas como notas ovais pretas e as
blue notes estão escritas em notas em forma triangular (o láb é tanto uma nota diferencial
entre a pentatônica maior e a pentatônica menor, quanto uma blue note).

Isso gera passagens cromáticas de três notas (sol-lab-lá; sib-si-dó; mib-mi-fá), através
da blue note, que aparecem frequentemente nos solos de John Coltrane, inclusive em trechos
que não são embasados na escala pentatônica.
Neste trecho de Giant Steps, a passagem cromática, realizada com as notas ré-ré#-mi-
mib-ré, ocorre no início de um movimento ii7 – V7 – I, em Fá Maior, em meio a um segmento
escalar com caráter Mixolídio.

Neste trecho de Giant Steps, a melodia está embasada na escala Pentatônica Maior em
Réb:

A análise do solo de Coltrane em todas as voltas demonstra um processo de


aprofundamento constante da elaboração motívica, especialmente nos trechos em que há
preparação de cadências. Isso produz um caráter de crescimento da tensão através da
melodia, já que a harmonia segue sempre a mesma, além de um contínuo desenvolvimento
das ideias musicais.
A seguir, está a análise na partitura de cada uma das repetições do ciclo de Giant Steps.

Primeira Volta

Segunda Volta
Terceira Volta

Quarta Volta
Quinta Volta

Sexta Volta
Sétima Volta

Oitava Volta
Nona Volta

Décima Volta
Décima Primeira Volta

Décima Segunda Volta (dois compassos)

São dois compassos de solo de saxofone e os outros 14 compassos com solo de piano.

Décima Terceira Volta à Décima Quinta Volta

Solo de Piano (48 compassos)


Décima Sexta Volta

Décima Sétima Volta

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