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ALICE ATRAVÉ S DO ESPELHO

ALICE ATRAVÉS DO ESPELHO

PERSONAGENS:
ALICE
LILY, A FILHA DA RAINHA
RAINHA VERMELHA
LÍRIO
ROSA
MARGARIDA
TWEDLEEDUM
TWEDLEEDE
RAINHA BRANCA
OVELHA
UNICÓRNIO VERMELHO
UNICÓRNIO BRANCO

MOSQUITÃO
BODE
BESOURO
HOMEM
HUMPTY DUMPTY
REI BRANCO

CENA 1
Alice está sentada em uma cadeira, em frente à janela. Ela observa o que acontece lá fora. Perto de seus pés
há uma gata:
ALICE: Está ouvindo a neve contra a vidraça, Kitty? Soa tão agradável e suave. Como se alguém estivesse
beijando a janela toda do lado de fora. Sabe que conheço um lugar, Kitty, onde as coisas são assim? É uma

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ALICE ATRAVÉ S DO ESPELHO

casa que fica através do espelho. As coisas lá são praticamente iguais aqui. – Eu mesma nunca fui lá, mas
posso imaginar que seja um lugar belíssimo. E a neve lá, Kitty, oh, a neve beija a todos e envolve a todos
como um manto o ano inteiro. Deixa a gente quentinho, e quentinho, e quentinho...

Alice começa a bocejar em meio a seus devaneios. De repente, todas as personagens entram.
COREOGRAFIA DE INICIO QUE INDICA A PASSAGEM DE ALICE DA CASA ONDE ESTAVA PARA O
ESPELHO. De repente, Alice se vê dentro de um quarto.

ALICE: Oh! Onde vim parar, Kitty! Dentro da casa do espelho, pode crer numa coisa dessas? Mas como é
que eu vim parar aqui? Kitty? Kitty? Onde é que você está?! Ahn? (Começa a procura-la e acaba encontrando
Lily, a filha da Rainha, que joga xadrez sozinha)

LILY: Então eu deveria mover esta peça a direita e, talvez, esta a esquerda. Não, não, não... Está tudo
errado. Por que não mover esta pra esquerda e esta pra direita? Ah, claro, porque então eu não poderia
trazer esta na diagonal.
ALICE: Oi?
LILY: Posso cruzar essas tuas diagonais e então obteria um x para então trazer o meu peão mais a frente.
ALICE: Por que não deixa o peão parado defendendo a rainha?
LILY: Pensando bem, eu deveria deixar o peão parado defendendo a rainha.
ALICE: Isso.
LILY: Mas também, a Rainha pode muito bem se defender sozinha, é claro. Aliás, onde já se viu uma rainha
que não ande com soldados ao seu redor? A minha mãe – uma legitima Rainha Branca – anda com soldados
o tempo todo. Temos até um unicórnio para protegê-la. Sim, são tempos dificílimos. Acho, portanto que não
haveria problema em mover o peão.
ALICE: Eu não ficaria esperando. (Pausa) Isto é um jogo de xadrez, as peças não vão se mexer sozinhas.
Mas que saco! Ela parece não me ouvir. Alô? Tem alguém aí?
LILY: Parece-me no mínimo impossível que uma peça se mexa sozinha, mas aqui na casa do espelho o
impossível se torna possível e o possível se torna ainda mais mágico. Então... Vamos lá: 1, 2, 3 já! Luta de
cavalos!!
ALICE: Já vi que não me vai adiantar em nada ficar aqui.
LILY: Nada, saco!
ALICE: Kitty? Onde foi que você se meteu?
LILY: Talvez haja algo mais interessante pra fazer lá no jardim.
ALICE: Tem um jardim aqui? Kitty adorava Jardins! Ela deve estar por lá.
LILY: Ou talvez eu deva esperar que a luta ocorra aqui no quarto mesmo.
ALICE: Que menina mais avoada!! (sai)

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ALICE ATRAVÉ S DO ESPELHO

LILY: Tive a impressão que alguém passou por aqui! Bobagem... deve ser coisa da minha cabeça.

CENA 2
Alice chega à porta da casa e quer ir até o jardim. Mas toda vez que tenta dar um passo para frente é
impedida por uma força que dificulta que ela ande.

ALICE: Mas... Que será isso? Parece haver uma força me puxando pra trás... Eu quero ir até o jardim!
LÍRIO: (Surgindo) Talvez seja melhor ficar paradinha aí!
ROSA: (Surgindo) É! Aí!
MARGARIDA: É! Bem aí.
ALICE: Quem está falando?
LÍRIO: Iuhuu!
MARGARIDA: Nós, aqui embaixo!
ALICE: Três flores falando?
ROSA: Uma rosa!
MARGARIDA: Uma margarida!
LÍRIO: Um lírio.
ALICE: Eu só posso estar maluca.
MARGARIDA: Uhhh, mas é claro que está!
LÍRIO: Já viu alguém aqui através do espelho que não seja maluco?
ROSA: Já viu alguém aqui nesse jardim que não seja maluco?
ROSA: Coloque sua mão no chão e sinta a terra.
ALICE: (Fazendo) É muito dura!
MARGARIDA: Isso menina. Na maioria dos jardins fazem um canteiro tãaaãããão fofo que as flores estão
sempre DOR-MIN-DO.
ALICE: Eu nunca pensei nisso antes.
LÍRIO: Pelo que posso ver e imaginar você nunca pensa em nada.
MARGARIDA: Eu nunca vi criatura assim!!
ALICE: Então quer dizer que vocês já viram mais alguém! Existe alguém como eu em algum lugar do jardim?
ROSA: Há outra que pode se mover igual a você.
MARGARIDA: Você vai encontra-la daqui a pouco.
ROSA: Ela usa os espinhos envolta da cabeça.
ALICE: Já preciso ir andando... Não tem mais nada que vocês possam me acrescentar... E tem mais.. Eu sou
alérgica a flores. (Sai)
MARGARIDA: Hey! Ainda temos que conversar.
LÍRIO: Quanta petulância.

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ALICE ATRAVÉ S DO ESPELHO

ROSA: Ei, menina, volte aqui!


LÍRIO: Aliás, eu já estava me perguntando por que é que ela não tem espinhos.
MARGARIDA: Envolta da cabeça?
LÍRIO : Isso é mérito da Rainha, meu bem.
ROSA: Isso mesmo! E nem deu tempo de contar mais coisas sobre a rainha para ela.
MARGARIDA: Se quis sair correndo sem dar ouvido as flores não é problema nosso!
FLORES: É uma pestinha! Pestinha!

CENA 3
Alice, correndo, tromba com a Rainha Vermelha.

RAINHA VERMELHA: Oh!!!! Menina, não olha por onde anda?


ALICE: Desculpe-me! Eu estava justamente tentando encontrar você.
RAINHA: Vossa Majestade!!
ALICE: Eu estava justamente tentando encontrar vossa majestades!
RAINHA: Majestade!!
ALICE: Eu estava justamente tentando encontrar vossa majestade.
RAINHA: Levante a cabeça, arrume a postura, olhe nos meus olhos, cuide onde pisa e diga sempre: Vossa
majestade.
ALICE: Oh, sim, me desculpe.
RAINHA: Eu não suporto quem pede desculpas a toda hora.
ALICE: Oh, me descul... OPS!
RAINHA: É nova por aqui, não?
ALICE: Sou sim. Estive na casa do espelho e encontrei uma menina jogando xadrez.
RAINHA: Lily, minha sobrinha, filha da minha irmã, Rainha Branca. Quantos anos você tem, menina?
ALICE: Treze.
RAINHA: E ainda não sabe que as pessoas só prestam atenção naquilo que lhes convém? E então veio parar
aqui como?
ALICE: Encontrei três flores pra lá de abusadas e elas me disseram que voc... Digo, vossa majestade, estaria
por aqui.
RAINHA: Muito bem, Alice. Estou a caminho de um grande jogo de xadrez.
ALICE: Um jogo de xadrez? Eu adoraria participar.
RAINHA: Alguém lhe convidou? Então imagino que saiba que não deve se intrometer. Já estou indo, menina.
Vai ficar por aqui?
ALICE: Não tenho lá muitos lugares pra onde poderia ir.
RAINHA: Tenho três amigos que estão viajando neste exato momento, você poderia entrar no mesmo trem.

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ALICE ATRAVÉ S DO ESPELHO

ALICE: Pegar um trem há essas horas? Eu nem sei como faço isso.
RAINHA: Basta fechar os olhos. (Blackout) Isso. Agora imagine um trem em movimento saindo do seu
espelho! Tente agarrá-lo, Alice!!
Fica um foco apenas na Rainha.
RAINHA : E boa sorte, querida... acho que vai precisar (risos) aqui nesse reino do espelho as coisas podem
ser como se quer que sejam... mas a realidade exatamente como ela é nem sempre é agradável (risos e
Blackout)

CENA 4
A luz acende rapidamente e há um barulho de trem. A Rainha sumiu e ao lado de Alice estão o Bode, o
Besouro e o Homem.
BODE: Booom dia!
ALICE: Bom dia! Como vim parar aqui?
HOMEM: Bom dia.
BESOURO: Bom dia.
ALICE: Como vim parar aqui?
BESOURO: Como veio parar aqui? Jurava que estávamos sozinhos até então.
HOMEM: E estávamos. MENINA, como veio parar aqui?
ALICE: Eu não sei! Eu só lembro de estar falando com uma rainha e, de repente..
BODE: Então está explicado.
ALICE: O que?
BESOURO: A rainha te mandou pra cá.
ALICE: Na verdade eu meio que fiz isso.
BODE: Então foi você quem se meteu e ainda nos pergunta como veio parar aqui?
HOMEM: Menina enxerida!
ALICE: Foi tudo culpa daquela rainha atrapalhada.
HOMEM: Não fale assim da nossa rainha!
BESOURO: Jamais fale assim da rainha!
BODE: Está pensando o que?
HOMEM: É! Quem é você para falar qualquer coisa dela?
BESOURO: Uma menininha intrometida!
BODE: Uma menininha intrometida e petulante!
ALICE: Pra onde esse trem está indo?
BESOURO: Não lhe interessa.
HOMEM: É, não lhe interessa. Quem veio parar aqui foi você!
BODE: Foi! Devia saber pra onde estamos indo.

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ALICE ATRAVÉ S DO ESPELHO

ALICE: Por que é que um besouro, um bode e um homem estariam no mesmo trem?
HOMEM: Por que é que uma menininha insuportável estaria no mesmo trem que um bode, um homem e um
besouro?
ALICE: Já podem parar de me ofender!
BESOURO: Ohhhh! Ela está ofendida!
BODE: Coitadinha da Alice...
ALICE: Como sabe o meu nome?
BESOURO: Umas flores amigas nossas comentaram.
ALICE: Acho melhor eu ir andando.
BODE: Eu também.!
HOMEM: Até mais!
ALICE: Esperem! Como é que eu faço pra sair daqui?
HOMEM: Pula.
BODE: É, pula!
BESOURO: É, Alice, pula aí!
ALICE: Mas não pulo mesmo! Impossível pular de um trem em movimento.
BESOURO: Já não conseguiu ver que aqui o impossível é possível?
BODE: Pule e vai acabar encontrando um Mosquito super gente boa!
ALICE: Podem pelo menos me dizer onde é que vou chegar?
HOMEM: Na Floresta do Esquecimento!
ALICE: Por que é que ela tem esse nome?
HOMEM: Ih... ESQUECI!
O Besouro, o Bode e o Homem caem na gargalhada. Alice pula.
BODE: Eu também me esqueci! Nem lembro se estive lá para falar a verdade!
BESOURO: Eu lembro que estive, mas esqueci quando foi!
HOMEM: Será que ela vai se lembrar de nós? Quanta gente estranha passa por aqui...
BODE: E quem disse que nós não somos estranhos nos olhos dos outros?
BESOURO: Muita gente acha besouro estranho mesmo... outros tem medo de bode e outros ainda mais
medo do Homem.
HOMEM: Por que?
BODE: Simplesmente porque ele é capaz de ferir – principalmente com palavras.
BESOURO: Ou atitudes!
HOMEM: Acho que vou levar vocês para a Floresta do Esquecimento...
BLACKOUT.
Os três saem.

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CENA 5
Alice cai na floresta. O mosquito entra.
MOSQUITO: Oh, menina... Bom dia. Esta é a Floresta do Esquecimento.
ALICE: E como foi que vim parar aqui?
MOSQUITO: Te vi descer de um trem com um Homem, um Besouro e um Bode.
ALICE: O que eu estava fazendo num trem com um Homem, um Besouro e um Bode?
MOSQUITO: Não sei muito bem. Me parecia ser um Besouro-Cascudo. São os mais difíceis de lidar...
Parentes próximos das joaninhas. Há inclusive uma espécie de joaninhas que não tem o casco pintado e é
confundido com os Besouros Cascudos. Será que era uma joaninha com você no trem?
ALICE: Eu não me lembro.
MOSQUITO: Você me lembra uma borboleta bem conhecida por aqui. Ela também tem os cabelos
compridos... Chega a ser esquisito. Você é bem esquisita. Você é uma borboleta?
ALICE: Eu também não me lembro quem eu sou.
MOSQUITO: Crise de identidade, ai adolescentes! Eu mesmo tinha uma amiga abelha que devia ter a tua
idade. Ela não conseguia produzir mel e teve algumas crises de identidade. Depois se afogou no mel de tanto
que produziu.
ALICE: Coitada.
MOSQUITO: É. Havia até um chapeleiro e uma lebre que adoravam tomar o chá com o mel que ela produzia.
ALICE: Um chapeleiro e uma lebre tomando chá juntos? Não consigo imaginar esta cena.
MOSQUITO: E consegue imaginar um mosquito e uma menina conversando?
ALICE: Não sei. Por que é que me esqueci de tudo quando entrei nessa floresta?
MOSQUITO: É a floresta do esquecimento, oras. Não lhe parece certo que esqueça as coisas quando entra
aqui?
ALICE: É verdade. Então acho que já devo ir andando.
MOSQUITO: Ah, não vai não! É tão triste passar os dias aqui.
ALICE: Já vou indo! Acho que não posso ficar muito tempo esquecida.
MOSQUITO: Até! Ei, menina, espere! Promete não me esquecer?

ALICE sai.
MOSQUITO: É sempre assim... ninguém lembra de mim depois que sai daqui. Alguns me deixam falando
sozinho, outros prometem não esquecer, mas nada é garantia nessa floresta! Triste não acham?

CENA 6
TWEDLEEDUM e TWEEDLEEDE estão sentados olhando para o infinito. Alice entra.

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ALICE ATRAVÉ S DO ESPELHO

ALICE: Pareço me lembrar das coisas agora. Engraçado. Foi só cruzar aquela linha ali atrás e PIMBA me
lembrei de tudo.
TEWDLEEDUM: Quem está falando?
ALICE: Sou eu.
TWEEDLEEDE: Olá, menina.
ALICE: Olá. Venho de longe e estou cansada. Onde posso ir para descansar um pouco?
TWEEDLEEDE: Pode ficar aqui.
ALICE: No meio da floresta? Me parece perigoso.
TWEEDLEEDUM: Quanta ingenuidade. Há lugares bem piores.
TWEEDLEEDE: Parece meio atordoada!
ALICE: Acabei de sair da Floresta do Esquecimento.
TWEEDLEEDUM: Ah, claro. Estava esquecida.
ALICE: E vocês são...?
TWEEDLEEDUM: Ele é o Tweedleedum!
TWEEDLEEDE: E ele é o Tweedleede. Espera, eu tenho quase certeza que eu sou o Tweedleede.
TWEEDLEEDUM: Bom, neste caso eu sou o Tweedleedum. Muito prazer.
ALICE: O prazer é meu. E vocês fazem o que por aqui?
TWEEDLEEDE: Não fazemos. Passamos os dias aqui, parados, sem fazer muita coisa.
TWEEDLEEDUM: De vez em quando até alguém aparece por aqui. Ou nós mesmos vamos pra floresta do
esquecimento.
TWEEDLEEDE: Mas toda vez que vamos pra lá acabamos esquecendo como voltamos pra cá.
ALICE: Entendi. Mas e agora? O que eu faço? Estou aqui perdida no meio do nada, atrás de um espelho.
TWEEDLEEDE: Coitada.
TWEEDLEEDUM: Chega a dar dó.
ALICE: Até agora ninguém sentiu pena de mim. Só me criticaram.
TWEEDLEEDUM: Talvez você tenha dado motivos pra isso.
TWEEDLEEDEE: E para onde você quer ir menina? Talvez possamos te ajudar.
ALICE: Qualquer lugar.
TWEEDLEEDUM: Então qualquer caminho serve.
TWEEDLEEDE: Só não vá por ali.
ALICE: Porque não?
TWEEDLEEDE: Por que o Rei Vermelho dorme ali.
TWEEDLEEDUM: Claro! Agora tudo faz sentido!
ALICE: Ahn?
TWEEDLEEDE: Você só pode ser uma invenção do Rei Vermelho, Menina!

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ALICE ATRAVÉ S DO ESPELHO

ALICE: Não sou uma invenção! E vocês dois estão falando bobagens. Se qualquer caminho serve eu vou
sempre em frente! Com licença.
Alice sai.
TWEEDLEEDE: Que pena. Ela parecia ser legal.
TWEEDLEEDUM: Que pena.
TWEEDLEEDE: Ela poderia ter ficado... seria uma ótima amiga, não acha?
TWEEDLEEDUM: Eu tinha me apegado a ela em tão pouco tempo.
TWEEDLEEDE: Mas ainda bem que ela se foi... pense que amanhã ou depois a gente descobrisse que ela
não é nada disso que aparenta ser.
TWEEDLEEDUM: Sim! Verdade... sofreríamos muito mais. Decepção com pessoas que temos uma mínima
consideração sempre machuca o coração.
TWEEDLEEDE: Por isso que gosto de você irmão. Sempre abre os olhos da verdade. Até quando ela não
existe.
Twees saem abraçados.

CENA 7
Alice encontra a Rainha Branca.

RAINHA BRANCA: Está perdida, menina?


ALICE: Como nunca estive antes.
RAINHA: Dá pra ver pela sua carinha.
ALICE: É que desde que cheguei aqui pareço estar fazendo tudo errado. As pessoas não têm gostado muito
de mim.
RAINHA: Um pessoal complicado aqui no País do Espelho. Eu te entendo. Fique tranquila, menina. É sério.
As coisas acontecem como tem que ser! O destino não costuma brincar com as pessoas. Sempre que algo,
supostamente, ruim acontece, é por que tem outro lado que temos que enxergar.
ALICE: Parece verdade.
RAINHA: Fico feliz que possa ter te ajudado. E anda muito assustada com as coisas estranhas aqui do País?
ALICE: Bastante. Mas já andei tanto que nem sei mais o que é estranho. Talvez a estranha seja eu.
RAINHA: Um ponto de vista peculiar. Somos todos crianças com medo que alguma coisa diferente surja no
escuro.
ALICE: E quando algo diferente aparece ficamos surpresos e receosos... É CLARO! Por isso temos que
desfazer desse algo.
RAINHA: Perspicaz você.
ALICE: Obrigada, eu acho.

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ALICE ATRAVÉ S DO ESPELHO

RAINHA: Tem medo do diferente menina? Pois saiba que por aqui tudo é meio diferente. Já viu uma ovelha
que vende coisas?

CENA 8
A Rainha sai e volta uma Ovelha com uma coroa.
OVELHA: E então, o que vai querer comprar?
ALICE: Você... Você virou uma ovelha!
OVELHA: Exatamente. Diferente, curioso, surpreendente. Vamos lá. O que vai querer?
ALICE: O que tem aí pra me oferecer?
OVELHA: Está com sede?
ALICE: Um pouco. Não vi água até agora.
OVELHA: Então eu tenho aqui pílulas pra matar a sede.
ALICE: E elas funcionam?
OVELHA: Claro! Basta tomar com um copo de água.
ALICE: Mas não tem água aqui.
OVELHA: Sou uma ovelha vendedora e não um bode milagroso. Vejamos... Um guarda chuva.
ALICE: Se não tem água aqui de que me adianta um guarda chuva?
OVELHA: Tenho um ovo.
ALICE: Um ovo? Pra que eu ia querer um ovo?
OVELHA: Pra que é que se usa um ovo?
ALICE: Eu sei lá!
OVELHA: Então acho que o ovo não vai ser interessante pra você.
ALICE: Tudo bem, hoje fico sem levar nada.
OVELHA: Que pena.
ALICE: Eu também nem tinha dinheiro.
OVELHA: Era por conta! Dá pra ver que está precisando de surpresas.
ALICE: Se estou! Tudo por aqui é tão monótono.
OVELHA: Eu te entendo. Acho melhor eu ir indo.
ALICE: Ei! Posso ficar com o ovo?
OVELHA: E por que essa repentina mudança?
ALICE: Por que eu não tenho mais nada a perder. E lembro que quando eu era pequena meu professor me
dava um ovo pra que eu cuidasse como se fosse um amigo. Tudo o que eu mais queria era um amigo agora.
OVELHA: Faz sentido. (Ela dá o ovo) Até mais, menina.
Alice fica sozinha e observa o Ovo. O deixa de lado. Está sem nada para fazer. Humpty, um ovo, entra.

CENA 9

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ALICE ATRAVÉ S DO ESPELHO

HUMPTY: Ei, menina qual o seu nome?


ALICE: Ahn, quem falou?
HUMPTY: Sou eu, bem aqui.
ALICE: Um ovo? Engraçado! Acabei de comprar um ovo e...
HUMPTY: Touchê!
ALICE: Ohh! Você é o meu ovo!
HUMPTY: Sou. Qual o seu nome?
ALICE: Alice.
HUMPTY: Alice? Hm... O que isso quer dizer?
ALICE: Nada, ué... Só... ALICE.
HUMPTY: Não me parece algo muito inteligente ter um nome que não significa nada...
ALICE: Qual o seu nome.
HUMPTY: Humpty.
ALICE: O que é que isso significa?
HUMPTY: Significa OVO em Holandês.
ALICE: Mesmo?
HUMPTY: Não sei. Mas tudo aqui é possível, não é?
ALICE: Já estou cheia de tantas possibilidades.
HUMPTY: Como você reclama!
ALICE: Eu estou em casa com minha gata e de repente aparecemos do outro lado de um espelho e ela some
e eu estou sozinha, e aí muita gente maluca e sem graça começa a aparecer e você quer que eu não
reclame? Olha pra mim! Eu estou falando com um ovo!!!
HUMPTY: Grossa!
ALICE: Me desculpe, não posso evitar.
HUMPTY: Pois então sugiro que tome aquele caminho ali.
ALICE: O que tem a ver?
HUMPTY: Que por ali vai encontrar alguém bem sensato... Um rei!
Alice sai correndo.
HUMPTY: Essa menina é muito ansiosa! Ansiedade não leva ninguém a lugar nenhum só atrapalha as
coisas.
Eu procuro fazer tudo devagar e no tempo que eu sinto que deve ter. Quando resolvo fazer as coisas com
pressa acabo me quebrando e um ovo quebrado vamos combinar que não é nada legal!
Humpty sai devagar.

CENA 10
Os dois unicórnios estão em cena se enfrentando. O Rei branco, sentado, assiste tudo.

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ALICE ATRAVÉ S DO ESPELHO

UNICÓRNIO BRANCO: Eu já te disse que por aqui você não passa!!


UNICÓRNIO VERMELHO: Saia da minha frente, a rainha ordenou que eu pegasse a menina.
UNICÓRNIO BRANCO: E a minha rainha ordenou que eu a protegesse.
UNICÓRNIO VERMELHO: Todos sabemos que ninguém por aqui pode com a rainha vermelha!
UNICÓRNIO BRANCO: Pare de falar asneiras.
UNICÓRNIO VERMELHO: Não podemos deixar que a menina cruze o tabuleiro.
UNICÓRNIO BRANCO: Não iremos. E quem vai ficar com a guriazinha?
UNICÓRNIO VERMELHO: Eu fico com ela. Minha rainha vai cuidar disso.
UNICÓRNIO BRANCO: E como posso ter a certeza de que a sua rainha não irá machuca-la?
UNICÓRNIO VERMELHO: E como posso ter a certeza de que a sua rainha irá machuca-la?
UNICÓRNIO BRANCO: Ela não irá!
UNICÓRNIO VERMELHO: Touchê!
UNICÓRNIO BRANCO: E então?
UNICÓRNIO VERMELHO: Então me deixe passar.
UNICÓRNIO BRANCO: Isso precisa acabar de algum jeito!
UNICÓRNIO VERMELHO: Acha mesmo que vai vencer?
UNICÓRNIO BRANCO: Eu acho!
UNICÓRNIO VERMELHO; Então veremos...
Os dois unicórnios lutam. Alice entra e vai até o rei.

ALICE: Boa noite, majestade.


REI: Boa noite.
ALICE: Por que é que elas duas estão brigando?
REI: As duas querem uma menina que esteve aqui. Enquanto a unicórnio vermelho está procurando-a para
dar a sua rainha, enquanto a Branca só quer defende-la.
ALICE: Será que a menina sou eu?
REI: Não sei. Por que acha isso?
ALICE: Porque tenho me sentido uma intrusa desde que cheguei aqui. E não devia ser assim: esse é o meu
sonho.
REI: Às vezes temos que dividir os nossos sonhos com outras pessoas...
ALICE: Eu sei. Mas eu queria mesmo que a Casa, o País, sei lá do Espelho fosse tão lindo quanto eu
imaginava, e não essa tremenda confusão.
REI: As coisas são como são e não como queremos que elas sejam. Nossos sonhos tomam rumos diferentes
com o tempo, Alice... Coisas começam a fazer mais sentido e outras menos e o nosso dever é aceitar e saber
lidar bravamente com todas as peças que a vida nos coloca no caminho.

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ALICE ATRAVÉ S DO ESPELHO

ALICE: Me canso.
REI: Todos cansam. Você vê estes dois cavalos brigando? O que seria de seus ideais se os dois desistissem
quando cansassem? É preciso persistir bravamente. E se os sonhos não se concretizam... Quem tem que
concretizá-los somos nós, certo?
ALICE: Como assim?
REI: Os sonhos não caem dos céus. Nos os criamos, temos que arcar com as suas consequências. Se você
tem um sonho, dê o seu sangue para concretizá-lo! E vai valer a pena.
ALICE: E se eu vim parar aqui por conta de um sonho... É só sonhar de volta pra ir pra casa! Claro! Mas
afinal, será que eu vim parar aqui por conta de um sonho do rei ou um sonho meu? Meu? Do Rei? Meu? Do
Rei? Meu? Do rei?
De repente, todas as personagens envolvem-se em uma coreografia que leva Alice de volta a sua casa.
ALICE: (Acordando) oh! Kity! Você está aí!! Você não vai acreditar no meu sonho! Ei, isso é neve? Está
ouvindo a neve contra a vidraça, Kitty? Soa tão agradável e suave. Será que a neve ama as árvores e os
campos que beija tão docemente? Sabe que conheço um lugar, Kitty, onde as coisas são assim? É uma casa
que fica através do espelho. As coisas lá são praticamente iguais aqui. Só que lá ainda tem um pouco mais
de beleza. Fica depois do espelho – sim, como podemos acreditar que o espelho acaba naquilo que vemos?.

Blackout.

FIM

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