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O TEMPO DO BONDE EM ARACAJU: UM RECORTE DA

PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX

LUCAS DE JESUS SANTOS

ARACAJU, SE – BRASIL
Setembro de 2022.
INTRODUÇÃO
O seguinte estudo tem como principal objetivo resgatar a memória do Sergipe
novecentista e demonstrar de que forma os Bondes foram introduzidos e como desenvolveram-
se na cidade de Aracaju, sua capital. Nesse contexto, serão abordadas as principais observações
enfatizadas nos escritos que relatam o processo de adesão dos Bondes enquanto o primeiro meio
de transporte público da sociedade aracajuana, tal como a sua influência nos hábitos sociais
(para além de suas transformações no fluxo e na configuração geográfica da cidade).

A pesquisa pretende, ainda, se adequar aos parâmetros da construção de um dos


núcleos que farão parte da composição do Memorial de Sergipe da Universidade Tiradentes
(servindo de guia para reter as informações necessárias para o seu desenvolvimento). Para tanto,
utilizaremos imagens de Aracaju que nos mostre a configuração da cidade na época em que os
bondes funcionavam (período datado entre os anos de 1908 e 1950).

O BONDE EM SERGIPE: AS INOVAÇÕES NA MOBILIDADE DE ARACAJU


Historicamente, o bonde possui registro de atividade no Brasil desde o século XIX
(mais precisamente no ano de 1859) com a sua implantação na cidade do Rio de Janeiro. O
bonde puxado por burros foi o modelo que antecedeu a modernidade dos bondes elétricos, os
quais, mais tarde, viriam a se popularizar por todo o país.

Figura 1: Atual Memorial do Poder Judiciário – Aracaju/SE (col. Allen Morrison).

No estado de Sergipe, esta transição é observada durante a primeira metade do século XX, entre
os anos de 1908 (ano de sua implementação) e 1950 (quando as suas atividades parecem ter
sido, de fato, encerradas). No dia 24 de outubro de 1908, na cidade de Aracaju, é iniciado o
tráfego de bondes puxados por animais (os quais permaneceram em função do tráfego
aracajuano até o ano de 1926) disponibilizados por uma empresa chamada Carris Urbanos, a
qual foi encarregada pelo serviço de locomoção da cidade até o ano de 1919 (ano em que o
governo assume este setor com a intensão de melhora-lo).

Durante este período, a capital sergipana contou com cerca de quatorze bondes para
atuação no serviço público, sendo estes, segundo Amâncio Cardoso dos Santos Neto, divididos
da seguinte forma: “09 para passageiros; 03 especiais, para atender ao governo do Estado; 01
para transporte de carne do matadouro ao mercado; e 01 para o serviço funeral.” (CARDOSO,
p 300).

Estes bondes possuíam 5 acentos com uma capacidade máxima de 20 pessoas. Os


primeiros bondes, os que eram puxados por burros, foram comprados em “segunda mão” e
trazidos de Salvador. Apesar da proposta para a melhoria no fluxo da mobilidade urbana de
Aracaju, reclamações referentes ao serviço e principalmente as condições em que se
encontravam os bondes eram bastante frequentes. Estas, por sua vez, referiam-se ao atraso e a
falta de horário regular; além da falta de preparo dos funcionários na realização do atendimento
e dos descarrilamentos dos veículos (mesmo com a transição dos modelos mais tradicionais
para os bondes movidos a eletricidade, consequente da inovação tecnológica).

Figura 2: Rua Japaratuba – Aracaju/SE (col. Allen Morrison).

A implantação dos bondes elétricos na capital sergipana foi viabilizada por um


contrato assinado pela Empresa Tracção Elétrica de Aracaju (formada em 1923 por um grupo
de capitalistas locais) o qual negociava com o agente/representante da Siemens-
Schuckertwerke de Berlim, João Andrade de Almeida, e Companhia de Salvador, “10 carros

abertos de passageiros e dois carros de mercadorias motorizados da Van der Zypen & Charlier
em Köln. Cada carro com oito bancos reversíveis e um arco para coletar a corrente do fio aéreo
que conduz a eletricidade para o seu funcionamento” (MORRISON, 1989).

Figura 3: Bonde Elétrico de Aracaju (col. Wolfgang-D Richter).

A encomenda dos veículos chegou no estado de Sergipe em dezembro de 1925. Os


primeiros testes na linha ocorreram em março de 1926 e já no mês de maio os bondes começam
a circular pelas ruas da capital sergipana. No entanto, o bonde elétrico de Aracaju foi
formalmente inaugurado no dia 13 de agosto de 1926, com a presença de Washington Luiz
Pereira de Souza, o recém-eleito Presidente do Brasil (em 1936 foi registrada uma quantidade
de quinze veículos em funcionamento, sendo doze direcionados para o transporte público e três
para serviços do governo).

Cabe, ainda, ressaltar que a estatal “Serviços de Luz e Força” assume, em 1936, o
serviço de trânsito do estado e passa a administrar o tráfego de Aracaju.

ITINERÁRIO: AS LINHAS DOS BONDES ARACAJUANOS


É fato que os bondes embelezavam a cidade de Aracaju desde a sua implantação,
em 1908, até meados do século passado. Para além disso, o bonde enquanto transporte público
significou um grande projeto de desenvolvimento na mobilidade urbana da capital. O plano
itinerário dos veículos buscava atender a toda a população aracajuana, de forma a fornece-la
locomoções geográficas mais rápidas e eficazes para os momentos de lazer e de trabalho.

Figura 4: Rua João Pessoa – Aracaju/SE (col. Allen Morrison).

Nesse contexto, por intermédio dos registros de Amâncio Cardoso dos Santos Neto,
em Aracaju no Tempo do Bonde: entre História e Memórias, 1908 – 1950, é possível tomar
conhecimento sobre o primeiro trecho de bonde puxado por burros da capital sergipana.

O primeiro trecho teve como itinerário o seguinte percurso: iniciava na “porta do


palácio presidencial [palácio Olímpio Campos], fazia uma curva em frente à
repartição dos telégrafos [face sul da praça Fausto Cardoso], dobrava a esquina do
Hotel Brasil [atual Assembleia Legislativa], e terminava em frente ao trapiche
Pohlman [próximo à Capitania dos Portos], de onde voltava, passava em frente à
ponte do Governador [atual Imperador], atravessava a rua da Aurora [trecho da av.
Rio Branco] indo até a Alfândega [atual Centro Cultural de Aracaju]. Com o tempo,
outros trechos foram instalados, como registra o poeta aracajuano Jacintho de
Figueiredo (1911-1991): “Os bondinhos de burro ... – que poesia .../ ‘Fundição’,
‘Santo Antônio’, ‘Circular’ .../”.12 (CARDOSO, P 300)

Murillo Melins, em Aracaju romântica que vi e vivi (2007), discorre sobre os caminhos
pelos quais percorriam os bondes elétricos. Para quem conhece as ruas da capital sergipana será
muito fácil criar o imaginário de seus percursos (uma vez que considerada a intimidade do autor
ao escrever sobre as 5 linhas dos veículos elétricos existentes na cidade de Aracaju).

Existiam cinco linhas de bondes em Aracaju. O grande número impresso na frente


e a placa com o destino da linha eram identificados a distância. Eram elas: Número
1
– Bairro Industrial, ponto de partida a Praia do Tecido (ou Chicas Chaves),
percorriaas Avenidas: Confiança, João Rodrigues, passava pelo centro entrando na
Praça Fausto Cardoso, indo pela Avenida Ivo do Prado, passando por toda Avenida
Augusto Maynard, descendo a rua de Itabaiana em direção a João Pessoa e daí ao
ponto de origem. [...]
Número 2 – Santo Antônio – seu percurso iniciava ao pé da colina, percorria as
ruas do bairro, descia a Avenida João Ribeiro, passava no centro da cidade, subia a
Rua de Itabaiana, descia pela Avenida Ivo do Prado, Praça Fausto Cardoso,
voltando ao bairro Santo Antônio [...]
Número 3 – Aribé – essa linha passava pelas principais ruas do atual Bairro Siqueira
Campos.
Número 4 – 18 do Forte – servia as ruas que demandavam aquele bairro.
Número 5 – Circular – subia a Rua Itaporanga, passava pela Avenida Pedro
Calazans, Praça da Bandeira, descia a Avenida Barão de Maruim, indo pela Rua
Itaporanga. (MELINS, P 107).
O mapa a seguir foi encontrado no estudo do autor Allen Morrison em sua obra
intitulada The Tramways of Brazil: a 130 yar survey (Os Bondes do Brasil: um levantamento
de 130 anos). O mesmo trata de uma tentativa de reprodução gráfica das linhas dos bondes
elétricos de Aracaju. É possível perceber que a linha 18 do Forte não encontra-se delimitada,
devido a falta de conhecimento sobre o seu itinerário (como justificado pelo autor). Além disso,
é muito provável que a linha Aribé seja retratada na obra deste autor como Siqueira Campos
(tendo em vista a descrição do percurso desta linha feito pelo estudioso sergipano Murillo
Melins).

Figure 5: Aracaju – Bondes Elétricos (col. Allen Morrison).


Pôde-se perceber, de acordo com as referências analisadas e acima citadas, que o serviço de
transporte público, viabilizado pela instalação de linhas de bondes puxados por burros e,
posteriormente, elétricos, desenvolveu-se gradativamente na cidade de Aracaju a fim de atender
a demanda do tráfego na capital. Para além dos benefícios que esta tecnologia proporcionou ao
fluxo da cidade, não esquecendo, claro, dos problemas existentes neste serviço, a cidade de
Aracaju recebera novos olhares de seus conterrâneos que, delicadamente, foram expostos na
literatura sergipana. Dessa forma, é possível fazer uma leitura poética de uma época que não
mais define a modernidade aracajuana, mas que faz parte do que a mesma se tornou nos tempos
atuais.

ARACAJU NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX: FOTOGRAFIAS EM


EVIDÊNCIA

Com o intuito de propor uma viagem no tempo da Aracaju novecentista, foram


pesquisadas imagens que evidenciassem os aspectos estéticos que configuravam a capital
durante o período de funcionamento dos bondes. Utilizando-se das rotas e referências que nos
mostram como era administrado o tráfego da cidade naquele tempo é possível promover um
passeio pelas ruas da Aracaju da época e ter uma ideia de seu visual. Dito isto, é certo que as
imagens e informações coletadas, desde as históricas até as geográficas, nos permitem a uma
reconstrução mais aproximada da estética contemporânea ao período estudado (delimitado entre
os anos de 1908 e 1950).

Nesse sentido, foram procuradas fotos da cidade de Aracaju que mostrassem os trechos
pelos quais circulavam os bondes. A ideia é utilizar estas imagens para transmitir o
conhecimento histórico sobre o primeiro serviço de transporte público da cidade por intermédio
da identificação local (com o intuito de introduzir os visitantes do Memorial nos principais
aspectos deste núcleo de forma lúdica).

Inicialmente recorremos ao Acervo Rosa Faria na busca pelas fotografias da cidade. Em


sequência foi analisado o Álbum de Sergipe (1920), de Clodomir de Souza e Silva, onde foram
encontradas outras várias fotografias das ruas de Aracaju. O fichamento deste, por sua vez,
possui destaque a partir da página 91 e estende-se até a página 164. Neste intervalo de laudas
foram encontadas imagens da capital sergipana que atendem a demanda temporal e histórica
(foi recorrido, ainda, ao Álbum Fotográfico de Aracaju da Biblioteca Nacional).

Com o auxílio da pesquisa histórica embasada nas referências já citadas e, ainda, no


livro de Jouberto Uchôa de Mendonça e da professora M.Sc. Maria Lúcia Marques Cruz e Silva,
Caminhos da Capital: 150 motivos para viver as ruas de Aracaju, é possível ilustrar com muita
precisão alguns aspectos visuais da Aracaju novecentista (desde início do século XX até a
metade deste mesmo).

Na página 20 dessa obra podemos observar uma ilustração gráfica do mapeamento de


Aracaju que representa o seu perímetro histórico. Quando comparada com a figura 5 (localizada
na página 7 deste estudo) é possível perceber que a mesma equivale, de forma aproximada, aos
percursos pelos quais percorriam os bondes da capital sergipana. No mais, a ilustração apresenta
uma numeração que demarca os principais pontos deste perímetro, o que nos permite a
representação gráfica destes mesmos pontos, na época em que funcionavam os bondes em
Sergipe, por intermédio das fotografias reunidas.
REFERÊNCIAS

MORRISON, Allen. The Tramways of Brazil: a 130 yar survey. New York ; Forty Fort :
Bonde Press : American distributor, Harold E. Cox, 1989. Disponível em
http://www.tramz.com/br/ac/ac.html. Ultimo acesso em 04/09/2022.

SANTOS, Jocelina. O Bonde na Literatura Sergipana: Uma Antologia. São Cristóvão.


Universidade Federal de Sergipe. Abril de 2017.

MELLINS, Murillo. Aracaju romântica que vi e vivi. 3. ed. Aracaju: Unit, 2007.

NETO, A. C. dos S. (2019). Aracaju no Tempo do Bonde: entre História e Memórias,


1908–1950. Revista Do Instituto Histórico E Geográfico De Sergipe, (48). Recuperado de
https://seer.ufs.br/index.php/rihgse/article/view/12440

SILVA, Clodomir. Album de Sergipe, 1820-1920. São Paulo: O Estado de São Paulo, 1920.

MENDONÇA, Jouberto Uchôa de; SILVA, Maria Lúcia Marques Cruz e. Caminhos da
Capital: 150 Motivos Para Viver as Ruas de Aracaju. Universidade Tiradntes, 2007.
Aracaju, Sergipe.

REFERÊNCIA DAS IMAGENS

MORRISON, Allen. The Tramways of Brazil: a 130 yar survey.

<http://www.tramz.com/br/ac/ac.html>. Último acesso em 04/09/2022. Aracaju/SE.

Memorial de Sergipe – Universidade Tiradentes. Acervo Rosa Faria. Aracaju: Unit 2022.

Biblioteca Nacional Digital do Brasil (acervo digital). Sdisponível em


http://bndigital.bn.gov.br/acervodigital. Último acesso em 12/09/2022. Aracaju/SE.

IBGE biblioteca < https://biblioteca.ibge.gov.br/> Último acesso em 30/09/2022. Aracaju/SE.

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