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MESTRADO INTEGRADO

ARQUITECTURA

De memória.
Por entre sonhos e devaneios: uma torre
em Monsaraz
Mariana Cabrita Ferreira

M
2021
Nota à edição:

A presente dissertação segue o novo Acordo Ortográfico.


As citações transcritas em português referentes a edições de língua não portuguesa, incluindo transcrições de formato
vídeo, foram sujeitas a uma tradução/transcrição livre da autora.
O arranjo gráfico do corpo de texto, através do uso do itálico, pretende enfatizar relações implícitas, duplos sentidos e/
ou um sentido poético de palavras ou expressões, nalguns casos apropriadas de outros autores. A alteração da font da letra
traduz pensamentos e reflexões escritas na 1ª pessoa.
DE MEMÓRIA
por entre sonhos e devaneios: uma torre em Monsaraz

Mariana Cabrita Ferreira

Orientador:
Professor Doutor Luís Sebastião da Costa Viegas
Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

Porto / Zurique 2021


À memória
do meu melhor amigo, João Conde,

que habita agora a memória
de quem teve o privilégio
de partilhar um pouco
da vida com ele.
Escrever sobre aqueles de quem se gosta é uma tarefa
insuficiente neste universo dos sentimentos, mas espero
que as minhas palavras se transcendam para que se leiam
para além do que aqui será escrito.

Custa ainda pensar que cheguei ao fim desta


jornada, mas alegra saber que depois do fim há
sempre um novo começo.

Ao professor Luís Viegas pela determinação


que teve no meu 3º ano – e que julgo não estar
ciente desse feito. Obrigada por desmistificar ideias
preconcebidas e por me ensinar que somos nós que
ditamos o nosso caminho. Pela intensidade, gesto e
força com que nos comunica. Pelo dom de nos
ensinar a aprender e a querer saber sempre mais.

Ao professor Rui Cardoso, pela contribuição,


ainda que informal, durante as sessões do
laboratório.

Aos professores da escola, aos mestres de dentro


e aos de fora dela. Certamente continuarão a
fazer parte deste caminho.

Ao contributo de todos os professores que as


minhas primeiras memórias permitem recordar
com tanto carinho.

À minha família, o meu porto seguro, o meu


regressar, devo tudo. Por me deixarem partir,
por me incentivarem sempre e por me deixarem
sonhar.

6
Ao meu pai, pela confiança e compreensão Ao Miguel, a quem agradeço a paciência e
desmedidas, – e pela atenta revisão ortográfica presença desde o primeiro dia, por nunca me
desta prova; à minha mãe, pela força e inspiração, ter falhado e por ter esculpido uma escarpa
– e pela insistência constante para não me esquecer fantástica em esferovite para a minha entrega da
de guardar o trabalho; ao meu irmão, pelo amor e casa, no 1º ano.
apoio incondicional, – e por me aturar quando
sou chata. À Maria pelo compreensão, pela amizade, por
ouvires cada insegurança minha, como se fossem tuas.
Ao Gui, pela beleza das coisas e da vida. Por ser
a minha metade. Aos demais amigos da FAUP, de quem gosto
tanto: Rodrigo, António, Ricardo, Diogo, Tomé,
Às minhas amigas de sempre. À Francisca: Chica; pelo que fica e pelo que ainda está por vir.
pela preocupação. À Maleitas: pela lealdade.
À Matilde: pelo conselho. À Nocas: pela Às minhas estrelas no céu que me inspiraram a
compreensão. À Reis: pelo interesse. Sem vocês ser quem sou. Aos meus avós e à minha tia Isabel.
não seria possível. À minha madrinha Fátima, que dolorosamente
nos deixou nesta última fase do meu percurso.
À Joana, pelo caminho que fizemos lado a lado À minha prima Lena, com especial carinho, com
e, por durante muito tempo, ter sido sinónimo quem partilhei o gosto de desenhar e a quem
de casa. agradeço pelo livro O que é a imaginação, que
contribuiu diretamente para o desenvolvimento
À Natacha por ter também feito parte dessa casa. desta dissertação.
Por preencheres cada canto com a tua espontaneidade e
por nunca te esqueceres de trazer húngaros. Besonderer Dank gilt dem gesamten Semadeni-
Team, das mich im April 2021 in Zürich empfangen
Aos meus companheiros de dissertação (e da hat. Insbesondere an Armon Semadeni für den
vida): bibliographischen Beitrag. Hannah, Diana und Chiara
dafür, dass sie mir immer einen weiteren Anreiz geben,
À Xana, minha mana do coração, que só tenho weiterzumachen. Bis bald.
pena de não ter entrado nesta aventura mais
cedo. Obrigada pela partilha, amizade e apoio Aos que, ainda que não mencionados, estão
incondicional. Por seres abrigo e por seres casa. sempre na minha memória.

obrigada.

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«Somos feitos de memórias.»
José Saramago
resumo

Este é um exercício de memória, – um revisitar Depois de melhor compreender o que é a


constante. memória e como esta contribui ativamente
O nosso lugar no mundo define-se através de para a materialização de uma arquitetura que
uma coleção de fragmentos que se tornam coesos ultrapassa o tangível, – que tocamos na sua
e nos fazem unos. A memória é a base da vida, dimensão material, mas que nos toca através da
no sentido em que é através da memória que memória e imaginação, para além do que é visível
assumimos a passagem do tempo. Sem memória –, debruçamo-nos sobre a nossa memória como
estaríamos presos em frações de segundo. experiência, uma memória que não é estática e
A consciente perceção da memória como permite criar narrativas sobre a nossa própria
ferramenta operativa da vida, mas também da apreensão arquitetónica.
arquitetura, motiva este estudo sobre um espaço- Mas, estando cientes de que a arquitetura é
entre; uma ténue membrana que separa o real concreta e que este cosmos é uma consequência
do imaginário. Estamos na presença de uma da materialidade real da obra construída,
investigação sobre a ontologia da arquitetura, no propormos um exercício de projeto, em
que é o confronto entre o Ser e o lugar – e, por contexto de concurso, onde se fomentam os
isso, a construção da memória. princípios de uma arquitetura que quer ser
Esta é uma viagem sobre a essência do Ser; sobre sensível, aceitando que, nas palavras apropriadas
a matéria de que somos feitos; sem um destino certo, de Sérgio Fernandez, esta não garante a felicidade,
mas com a certeza de que o regresso se fará mais mas pode ser o lugar da felicidade, um meio para que se
seguro. possa atingir a felicidade.
abstract

This is an exercise from memory, - a continuous After a better understanding of what memory
remembering. is, and how it actively contributes to the
Our place in the world is defined by a collection of materialization of an architecture that goes
fragments that become cohesive and make us as beyond the tangible, - that we touch in its material
a whole. Memory is the basis of life, in the sense dimension, but that touches us through memory
that it is through memory that we assume the and imagination, beyond what is visible –, we
passage of time. Without memory we would be focus on our memory as experience, a memory
imprisoned in fractions of a second. that is not static and allows us to create narratives
The awareness of memory as an operative about our own architectural apprehension.
tool in life, but also in architecture, motivates But, being aware that architecture is concrete and
this study about a space-in-between; a tenuous this cosmos is a consequence of the real materiality
membrane that separates the real world from of the building, we propose an exercise, in a
the imaginary. We are in the presence of an competition context, where the principles of
investigation about the ontology of architecture, an architecture that wants to be sensitive are
in what is the encounter between Self and place fomented, accepting that, in the appropriate
- and, therefore, the construction of memory. words of Sérgio Fernandez, it does not guarantee
This is a journey about the essence of the Self; happiness, but it can be the place of happiness, a way to
about the material we are made of; without a achieve happiness.
certain destination, but with the conviction that
the return will be more certain.
#00 Ursula Schulz-
Dornburg, ‘The Land
in Between’, 2018

«If we opened people up, we’d find landscapes.»

Agnès Varda
conteúdos

Agradecimentos
Resumo
Abstract

0 Preâmbulo 19
sobre partir e regressar

1 A memória que habitamos 23


sobre ser criança e o que nos rodeia, o que lembramos e o que esquecemos
Ser criança 25
Aprender a ver 29
Primeiras memórias 47
Uma leitura sobre a casa de Bachelard 55
Mnemosyne 61
Sobre o esquecimento 71
Feito de memória. Do real e do imaginário 75
Sobre as coisas que colecionamos: um atlas vivo 85

2 Memória (i)material 95
sobre a memória como experiência
O que fica 97
Do Sul. Quinta Queimada 98
Do Porto. Piscina das Marés 104
De Berlim. The Feuerle Collection 114
Da Suiça. La Congiunta 120
De um lugar entre. Vill’Alcina 130

3 Dar lugar à memória 145


sobre uma viagem contemplativa em Monsaraz
Motivação 147
O sítio da torre: Monsaraz 149
Torre do sítio: objeto e programa 155
A interioridade das memórias 161

4 Epílogo(s) 185

Bibliografia 197
Créditos de imagem 203
0 preâmbulo
preâmbulo
sobre partir e regressar

“Descobrir é estar sempre a partir e a todas as dimensões (física e emocional) – e que


chegar, e de novo a partir e de novo a resulta num atlas pessoal de memórias. Este
chegar, e de novo a partir.”01 sentimento de pertença que sinto em relação à
FAUP, influenciou muito o partir.
Em setembro de 2019 parti em busca de Não importa agora refletir sobre a
uma nova experiência académica. Ia iniciar o divergência pedagógica entre a TU Berlin e a
meu período de Erasmus na TU Berlin e estava FAUP, mas sim esclarecer o que tornou, afinal,
entusiasmada. esta experiência empolgante.
Apesar da vontade inerente a este partir, O abandonar da zona de conforto,
tudo se tornou muito mais interessante do que permitiu (re)valorizar o crescimento pessoal
aquilo que esperava e é sempre bom quando a e o percurso que fiz. Só o partir nos permite
experiência supera a expectativa, mesmo que só ver ao longe o que deixamos para trás e este sair,
nos apercebamos disso à chegada. ainda que temporário, permitiu-me (re)afirmar
Há, sem dúvida, uma influência muito aquilo em que acredito. A vontade de dar algo
grande desta experiência, no meu entendimento ao outro; de ver a arquitetura como algo que se
do que é a arquitetura. E ainda que não me dá ao outro. Esta vontade de cingir a arquitetura
pretenda focar na experiência em si mesma, há à sua essência, através da exploração material
uma reflexão importante que se repercute no que através da avocação da nossa memória
que proponho a fazer na dissertação. pessoal se compromete a permitir ao outro que
A FAUP é casa. Há um sentido de casa construa a sua própria memória – e identidade –,
dentro da escola sem muros que nos abraça desde permitindo assim uma vida mais feliz, ou, pelo
o primeiro dia. Todos nós, que chegamos a este menos, uma vida mais plena.
momento final do curso, partilhamos um espaço
#01 Primeira fotografia
da Terra tirada do que é comum e que ficará guardado na nossa
espaço a 24 de outubro
de 1946 memória, das mais distintas formas. Sendo que
me proponho a refletir mais aprofundadamente
sobre uma dimensão da arquitetura que
ultrapassa o material, o tangível e o real, e que
se contrapõe com o imaterial, o intangível e o
imaginário: uma arquitetura que nos transcende,
que nos aumenta e diminui, que dá forma, através
da forma, que faz parte de nós; importa também
refletir sobre este crescimento pessoal, ainda que
aqui seja apresentado de forma muito sucinta,
que se faz desde o primeiro dia de FAUP – e
não propriamente na FAUP, se considerarmos

01 MENÉRES, Maria Alberta, Imaginação, p.12


1 a memória que habitamos
a memória que habitamos
sobre ser criança e o que nos rodeia, o que lembramos e o que esquecemos

Ser criança concretamente, o início da memória.


Consigo lembrar-me de não me lembrar
“Quando o escritor julga que está sozinho de nada. O que quer dizer que me
em frente do papel em branco, ele não consigo lembrar de quando me comecei
está de maneira nenhuma sozinho. a lembrar!”03
Espreitando por entre as suas mãos, estão
os dias mais ou menos longínquos da sua Haverá sempre um tempo que não somos
infância, a voz da mãe ou da avó ao serão, capazes de lembrar de forma consciente, e essa
o cheiro do pai, os receios das noites de é a única consciência que temos em relação ao
tempestade, os risos das brincadeiras momento exato em que se inicia a construção
e o sangue dos joelhos esfolados. E os do Ser e a afirmação da sua identidade. A
lugares onde cresceu.”02 infância é o momento mais importante dessa
construção; há uma inocência que lhe é inerente
A construção da nossa identidade começa e que é sinónimo de liberdade; liberdade para
#02 Gerhard Richter, desde o início da nossa existência, ainda que pensar, para criar, para crescer. É na infância
‘S. mit Moritz’, 1995
não tenhamos essa consciência. A tábula rasa que habitamos a primeira casa, a primeira escola,
de onde partimos à nascença, rapidamente se a primeira memória. A curiosidade é maior do
dissipa entre novos conhecimentos, sentimentos que o medo e, por um curto período da nossa
e relações e o nosso crescimento depende de vida, de uma forma mais ou menos intensa,
um sentido de alteridade que define o nosso permitimo-nos viver sem limites. Aos poucos
posicionamento perante o outro, desencadeando são-nos impostas as regras do jogo e o sentido
ações e reações que aos poucos nos moldam de liberdade adapta-se em função da nossa
como seres individuais e coletivos. A definição circunstância pessoal.
do que somos faz-se através de um percurso É curioso pensar que o que somos, (e que
deambulatório entre aquilo que experienciamos, achamos que se deve ao nosso esforço árduo
os lugares que habitamos e as pessoas que nos por cumprir objetivos pessoais e progredir
rodeiam; e todos estes fatores têm expressão numa carreira imaginária que é a vida), se deva,
naquilo que fazemos, mas tudo o que fazemos na verdade, a um infindável conjunto de coisas,
tem também expressão nos outros e há, por isso, palpáveis e não palpáveis, que nos fogem de
uma espécie de construção em rede que cruza vista e escorregam entre os dedos. Ainda que a
diferentes dimensões. nossa aspiração pessoal nos leve a acreditar, a
partir de uma certa idade, que tudo depende de
“Gosto de me lembrar de um tempo de nós, é importante não esquecer a matéria de que
que nunca me lembrarei: porque este é somos feitos e o que isso pode significar.
o único lugar onde posso tocar, quase

#03 Gerhard Richter, 02 MENÉRES, Maria Alberta, Imaginação, p.20


‘Gran Canaria’, 1969 03 MENÉRES, Maria Alberta, op. cit. p.72
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a memória que habitamos

Como refere Pierre von Meiss, “o


ambiente construído está longe de ser o único a
influenciar o nosso sentido de identidade. Gestos
e rituais, roupas e objetos, linguagem e muitos
outros fatores são de igual modo importantes. A
arquitetura está, no entanto, a desempenhar um
papel importante na redução ou fortalecimento
de nosso sentido de identidade.”04 Neste
sentido, a arquitetura, pelo seu importante
papel na construção de uma sociedade, tem
influência na forma como aprendemos a olhar para
nós próprios e para o outro. Com refere Juhani
Pallasmaa: “A sensação de identidade pessoal,
reforçada pela arte e pela arquitetura, permite
que nos envolvamos totalmente nas dimensões
mentais de sonhos, imaginações e desejos.
Edifícios e cidades fornecem o horizonte para
o entendimento e o confronto da condição
existencial humana.”05 O arquiteto tem, por isso,
ao seu alcance a construção de uma narrativa
que permite o diálogo; e é nesse diálogo que
se estabelecem as relações necessárias para a
definição de uma identidade. Segundo Pierre von
Miess, existem três categorias que nos permitem
afirmar a nossa identidade: a identidade como
seres humanos, que nos distingue do restante
mundo animal; a identidade como membros
de um grupo específico, como por exemplo a
nossa família, um partido político ou um clube,
onde expressamos e partilhamos os nossos
valores; e a identidade como ser individual,
onde nos afirmamos como seres únicos, livres e
responsáveis pelas nossas ações, distintos de um
grupo e de todos os outros.06
#04 Joseph Beuys,
‘I like America and
America Likes Me’,
1974

04 MEISS, Pierre von, Elements of Architecture. From form to place, p.161


05 PALLASMA, Juhani, Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos, p. 11
06 MEISS, Pierre von,op. cit., p.161

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a memória que habitamos

Aprender a ver ao início da modernidade, o estudo focou-se


sobretudo nos “(…) mecanismos da visão, o
“Para ela [criança] e para nós, o mundo funcionamento do olho e as suas patologias, a
não é só o que vemos, mas a maneira como natureza e a propagação da luz, as cores, a sua
o podemos ver.”07 diversidade e composição, as propriedades dos
espelhos e a problemática em torno das imagens
É durante o nosso crescimento que por eles refletidas, a refração e a reflexão da luz,
iniciamos uma aprendizagem que se prolongará o arco-íris e outros fenómenos meteorológicos
durante toda a nossa existência: a de aprender que envolviam a luz.”13
a ver. Neste sentido, o universo da visão
O estudo sobre a visão tem constituído tornou-se um grande instrumento de reflexão e,
um importante papel nas mais diversas áreas ao longo do tempo, foram várias as metáforas
e disciplinas, desde a filosofia, à física e à do ver que surgiram na filosofia e que tornaram
matemática. Na cultura ocidental, a visão tem a visão análoga ao conhecimento; a faculdade
sido igualada ao pensamento08; ou seja, o máxima para a compreensão da existência
pensamento como uma consequência direta do humana. Apesar disso, surgiram várias
ato de ver. contra-argumentações fomentadas por René
Durante a Antiguidade Grega, a ótica Descartes14, Friedrich Nietzsche15 e Jean-Paul
surge na filosofia como uma disciplina que viria Sartre16, com o intuito de desmontar uma
abrir portas sobre o conhecimento humano09: hierarquia sobre os sentidos, que existia desde o
toda a verdade era baseada na visão. Para Renascimento e que colocava a visão no topo e o
Heráclito os olhos eram mais confiáveis do tato em último. A visão renascentista dos sentidos
que os ouvidos10, enquanto Platão considerava estava relacionada com a imagem do corpo
a visão “a maior dádiva da humanidade”11. cósmico: a visão relacionava-se com o fogo e a
Segundo Aristóteles, seguidor de Platão, a visão, luz, a audição com o ar, o olfato com o vapor,
#05 Robert Frank, através da imaterialidade do seu conhecimento, e o paladar com a água e o tato com a terra17.
‘Mabou Footage’,
Winter, 1977 aproximava o intelecto12. Inicialmente, e até A partir da invenção da perspetiva era como se

07 MENÉRES, Maria Alberta, op. cit., p.22


08 PALLASMA, Juhani, Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos, p. 15
09 CAMPOS, Maria da Conceição, As teorias da visão no Ocidente medieval até ao século XII, Philosophica 34, p.231
10 LEVIN, David Michael, Modernity and the Hegemony of Vision cit in PALLASMA, Juhani, op. cit., p.15
11 JAY, Martin, Downcast Eyes. The Denigration of Vision in Twentieth-Century French Thought cit in PALLASMA, Juhani, op. cit., p.15
12 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.15
13 CAMPOS, Maria da Conceição, op. cit., p.231
14 PALLASMA, Juhani, op. cit., p. 19
(“René Descartes, por exemplo, considerava a visão como o mais universal e nobre dos sentidos, e a sua filosofia objetivadora baseava-se, consequentemente, no
privilégio da visão. Contudo, também equiparou a visão ao tato, um sentido que considerava “mais certo e menos vulnerável a erros do que a visão.”)
15 PALLASMA, Juhani, op. cit., p. 19
(“Friedrich Nietzche tentou subverter a autoridade do pensamento ocular, numa aparente contradição com a sua linha geral de pensamento. Considerava “o olho fora
do tempo e da história pressuposto por muitos filósofos. (…) Uma “hostilidade traiçoeiro e cega contra os sentidos.”)
16 PALLASMA, Juhani, op. cit., p. 20
(“Sartre era francamente hostil em relação ao sentido da visão (…). Preocupava-se com o “olhar objetivador do outro, e o vislumbre da medusa [que] petrifica tudo com
o qual entra em contacto. Para Sartre, o espaço superou o tempo na consciência humana, devido à priorização dos olhos. Os conceitos predominantes de espaço e tempo
e as suas inter-relações formam um paradigma essencial para a arquitetura, como Siedfried Giedion afirmou na sua história ideológica seminal da arquitetura moderna,
Space, Time and Architecture.”)
17 PACK, Steven, Discovering (Through) the Dark Interstice of Touch cit in PALLASMA, Juhani, op. cit., p.16

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a memória que habitamos

o olho fosse o centro do mundo e imagem do refletir sobre a hegemonia da visão e o privilégio
conhecimento. que é atribuído pela nossa cultura aos olhos. A
Atualmente, a visão e a audição são visão, de certo modo, provoca o afastamento e
privilegiadas em função de um mundo cada vez isolamento e a arquitetura não pode negligenciar
mais digital – mas não podemos esquecer que o corpo e os restantes sentidos, essenciais para
uma ida ao cinema se torna mais agradável entre a construção de proximidades. Segundo Jean-
o cheiro e o sabor das pipocas; e que uma ida Paul Sartre, foi devido ao privilégio da visão
a um concerto não dispensa o movimento do que “o espaço superou o tempo na consciência
corpo, do qual resulta, muitas vezes, o toque; humana”19, e esta relação de interdependência
mas, ainda que num entendimento distinto do tempo-espaço constitui um paradigma
formulado pelos filósofos da Grécia Clássica, fundamental para a reflexão da arquitetura.
a visão continua a ser considerada, em muitos Apesar desta clara, e muitas vezes
contextos, o órgão sensorial mais importante. inconsciente, preponderância da visão é
A arquitetura exerce um papel mediador necessário entender em que consiste efetivamente
entre o nosso corpo e o mundo e permite-nos ver, mirar através de…, e como os restantes
#06 Sergio Larrain,
afirmar a nossa experiência existencial. Uma sentidos contribuem para uma apreensão total
‘Fishermen daughters’,
Village of Horcones,
vez que a visão ocupa um lugar distinto no da experiência. Para o arquiteto esta consciência
1957
entendimento da existência humana, importa- é essencial no momento de criar: a consciência
nos, compreender o ato de ver, para além da multissensorial do estar no espaço.
ação mecânica da visão, querendo com isto
compreender que dessa ação resultam sensações “Ver precede as palavras. A criança olha
e emoções que, de algum modo, retemos para e reconhece, mesmo antes de poder
lá da nossa retina. Mas para que a compreensão falar.”20
seja total, a visão não pode ser considerada um
ato que se esgota em si mesmo; a desmistificação Ver, como refere John Berger, é uma
de que ver é com os olhos, porque afinal podemos das primeiras aprendizagens do Ser e está, por
ver com as mãos, com os ouvidos, com o nariz, desde isso, antes da palavra. Mas na verdade, existe
que a nossa memória e imaginação o permitam. um outro sentido em que a visão antecede a
A arquitetura é o principal meio para a palavra, apontado por John Berger: é através
atribuição de uma dimensão humana, na relação do ato de ver que nos posicionamos no mundo.
entre o espaço e o tempo, “(…) domestica o Quando tentamos explicitar um acontecimento
espaço ilimitado e o tempo infinito, tornando- com palavras, temos como base a observação
os toleráveis, habitáveis e compreensíveis para dos factos. No entanto, existe um limite entre
a humanidade.”18 David Michael Levin, citado a palavra e a imagem que é analisado por John
por Juhani Pallamaa, refere que é apropriado Berger, em Modos de ver, através da obra de

18 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.17


19 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.20
20 BERGER, John, Modos de ver, p.9

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a memória que habitamos

René Magritte, La Clef des songes, quando refere ato isolado em si mesmo: “só vemos aquilo que
que existe uma distância entre o que vemos e o olhamos. Olhar é um ato de escolha. Como
que compreendemos e que, muitas vezes, somos resultado dessa escolha, aquilo que vemos é
incapazes de estabelecer relação entre a palavra trazido para o âmbito do nosso alcance (…).”24
e o alcance da nossa visão, – desmistificando Quando olhamos, estamos a estabelecer relações
certas crenças que defendiam que visão e entre o mundo e as coisas, entre nós próprios e o
conhecimento eram um só. que nos rodeia. Estamos em constante movimento;
Também Luis Moreno Mansilla faz movimento esse necessário à apreensão e
#07 René Magritte,
‘La Clef des songes’, referência a uma falta de “correspondência entre que nos permite compreender que fazemos
Brussels, 1935
a palavra e a imagem”21, ilustrada na obra de parte de um universo maior: vemos e somos
Marcel Duchamp, Le Grand Verre, no seu título vistos, “(…) somos parte do mundo visível.”25
original, La mariée mise à nu par ses célibataires, Maurice Merleau-Ponty defendia a osmose entre
même: “O Grande Vidro é um sonho. É o sonho a individualidade e o mundo26: o nosso corpo
da expansão poética da pintura, encontrado na ocupa o mesmo espaço que o que nos rodeia;
ausência de correspondência entre palavra e somos o observador e o objeto observado, em
imagem.”22. Através deste grande vidro, quem o simultâneo. Ver está antes da palavra exatamente
observa é convidado a apreendê-lo e a conhecer devido a esta dualidade de ver e ser visto; através
a sua dimensão poética, que está para além da palavra tentamos explicar o nosso próprio
do que vemos e somos capazes de expressar. ponto de vista, enquanto tentamos compreender
Duchamp deixa uma parte da obra para ser como o outro vê as coisas.27
terminada pelo observador, que caminha através
da sua visão e corporalidade. Colocar o corpo “(…) para alguém capaz de usar todos os
no espaço, é corporificar a nossa visão: o que seus sentidos, a experiência da arquitetura
vemos, de onde vemos, como vemos. A obra, é principalmente visual e cinestésica
que se detém no nosso olhar, transcende-se em (usando o sentido do movimento das
si mesma e transforma-se em “objeto expectante partes do corpo).”28
perante o nosso olhar”23, para deixar de ser
potência e passar a ser ação, do possível ao ineludível. Tudo o que absorvemos, por via dos
Este quadro sem fundo, frente ou trás, alto ou cincos sentidos, é armazenado na nossa
baixo, provoca-nos; desperta-nos para a nossa mente, como uma interpretação daquilo que
#08 Marcel Duchamp,
‘La mariée mise à nu ação como parte integrante da obra. experienciamos e essa interpretação depende
par ses célibataires,
même (Le Grand Como explica John Berger, ver não é um da nossa perceção sobre as coisas. Apesar da
Verre), 1915-1923

21 MANSILLA, Luis Moreno, Apuntes de viaje al interior del tiempo, p.167


22 MANSILLA, Luis Moreno, op. cit., p.167
23 MANSILLA, Luis Moreno, op. cit., p.165
24 BERGER, John, op. cit., p.10
25 BERGER, John, op. cit., p.11
26 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.20
27 BERGER, John, op. cit., p.11
28 MEISS, Pierre von, op. cit., p.15

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a memória que habitamos

visão ser um dos mais importantes mecanismos não alcançamos através do olhar; há uma relação
para a memorização e essencial para a perceção que se estabelece entre a pele e a materialidade
da arquitetura, isso não significa que devemos das coisas, da qual resultam reações que nos
abdicar de uma experiência total, da qual fazem permitem sentir se é quente ou frio, liso ou rugoso,
parte os restantes sentidos29. A experiência deve macio ou áspero… e que é, de certa forma,
ser multissensorial. imprevisível porque nos permite compreender
que nem tudo o que parece é.
“O olho é o órgão da distância e da Cada detalhe num edifício deve ser
separação, enquanto o tato é o sentido da pensado para estimular sensações e convidar à sua
proximidade, intimidade e afeição.”30 apropriação; como refere Juhani Pallasmaa: “o
puxador da porta é o aperto de mãos do edifício,
É através do tato que a visão adquire que pode ser revigorante e cortês ou proibitivo
uma dimensão física. Tocamos o que o nosso e agressivo.”32 Também Peter Zumthor faz,
olho observa e é, por isso, um dos principais curiosamente, referência à maçaneta do portão
auxiliares à perceção do espaço, até pelo simples de casa da tia, quando era criança, e que ainda
facto de tocarmos o chão quando caminhamos hoje recorda como um “sinal especial de entrada
sobre ele; essa simples relação, da qual nem num mundo de ambientes e cheiros diversos.”33
sempre estamos conscientes, é uma forte ligação As mãos são a parte do corpo mais
entre o Ser e a arquitetura, estabelecendo-se uma dotada de um sentido háptico e permitem
relação física de clara apropriação. a compreensão do mundo material. A mão
“(…) tem os seus sonhos e suposições. Ajuda-
“A gravidade é medida pela sola dos nos a compreender intimamente a essência da
pés; seguimos a densidade e a textura do matéria. É por isso, que nos ajuda a imaginar
chão através da sola de nossos pés. Ficar [a matéria].”34 Numa perspetiva explicada por
descalço sobre uma lisa rocha glaciar Pallasma, em The Thinking Hand, relativamente
junto ao mar, durante o pôr do sol, e sentir à pintura e ao momento da sua criação, a mão
na pele o calor da pedra aquecida pelo sol vê, o olho pinta e a mente toca35, permitindo
é uma experiência muito revigorante que compreender que existe uma relação intrínseca
nos faz sentir parte do ciclo eterno da entre estas três partes do nosso corpo. Uma não
natureza; faz-nos sentir a respiração lenta existe sem outra, naquela que é a sua totalidade.
da terra.”31 O movimento da mão é medido pelo olho e
Da ação do toque, resulta uma energia que executado pela mente.

29 MEISS, Pierre von, op. cit., p.15


(“Isso não significa que nos podemos permitir ser surdos e insensíveis ao cheiro e ao toque. (…) A experiência estética do ambiente é uma questão que diz respeito a
todos os nossos sentidos e existem mesmo algumas situações em que a audição, o olfato e o tato são mais importantes do que a visão; são vividos com extraordinária
intensidade.”)
30 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.43
31 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.55
32 PALLASMA, Juhani, op. cit., p. 58
#09 Rio Paiva, Castro 33 ZUMTHOR, Peter, Pensar a Arquitetura, p.7
Daire, 2020 34 BACHELARD, Gaston, Water and Dreams: An Essay on The Imagination of Matter, p.107
35 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.74

35
36
a memória que habitamos

#10 Lucien Hervé,


‘La main de Le
Corbusier avec un
galet’, Cap Martin -
Roquebrune, 1951

37
38
a memória que habitamos

A pele é o invólucro do Ser, o limite entre grande, coleciona, amplia e transmite os sons.”40
um mundo exterior e a sua interioridade. É o Encontramos som nas pessoas que conversam,
órgão que nos permite sentir o aconchegar da casa, preenchendo o espaço, nos pés que pisam o
apontada por Bachelard como uma ação que pavimento, no vento que bate sobre as paredes.
“pertence à fenomenologia do verbo habitar Abrimos a janela de nossa casa e a cidade entra
e, somente aqueles que aprenderam a fazê- dentro dela: o metro que se aproxima, a água
lo [a aconchegar-se] conseguem habitar com da chuva sob os pneus dos carros, as folhas
intensidade.”36 Este aconchego remete-nos para as das árvores que se movimentam umas sobre as
memórias da nossa infância de uma forma que a outras… O som que se aproxima e afasta permite
visão, por si só, não permite. medir distâncias e calcular o espaço, auxiliando
o movimento do corpo. Na cidade, permite-nos
“Acho muito bonito construir um compreender que fazemos parte de um todo,
edifício e pensá-lo a partir do silêncio. que não estamos sozinhos no interior da casa.
Ou seja, fazê-lo calmo, o que hoje em dia Sabemos que o barulho dos carros em constante
é bastante difícil, porque o nosso mundo movimento se difunde pelas ruas, o sino da igreja
#11 Helena Almeida, é tão barulhento.”37 diz-nos que horas são, a gaivota em terra anuncia a
‘Tela Habitada’, 1976
tempestade no mar.
O som dá vida ao espaço, “estrutura e O mesmo espaço pode ser muito distinto
articula a experiência e o seu entendimento.”38 consoante a sua sonoridade: em silêncio, oferece
Como explica Pallasmaa, o som confere ao calma e intimidade; com ruído, traz movimento e
espaço um continuum temporal39, através do qual agitação. Na casa vazia ecoam os sons da solidão,
ficamos cientes da passagem do tempo numa da vida adormecida; enquanto na casa habitada
determinada ação. No cinema, os filmes mudos o som é refratado pelos objetos pessoais, que lhe
permitem compreender a necessidade da banda atribuem uma essência singular. É no ruído dos
sonora para a compreensão das ações. Sem lugares que encontramos afinidades.
qualquer som, o cenário seria como um espaço
vazio, sem vida. Neste caso, o uso exagerado de “A visão isola, enquanto o som
expressões e movimentos do corpo, em junção incorpora; a visão é direcional, o som
com música e sons rudimentares, dão sentido é omnidirecional. O sentido da visão
aos cenários e ações do filme. implica exterioridade, mas a audição
A audição, apesar do seu vínculo mais cria uma experiência de interioridade.
performativo, está também relacionada com a Eu observo um objeto, mas o som
forma e materialidade do edifício e como ambas aborda-me; o olho alcança, mas o ouvido
são pensadas para absorver e refletir o som, recebe.”41
“cada espaço funciona como um instrumento

36 BACHELARD, Gaston, The Poetics of Reverie cit in PALLASMA, Juhani, Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos, p.55
37 ZUMTHOR, Peter, Atmosferas, p.28
38 PALLASMA, Juhani, Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos, p.47
39 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.47
40 ZUMTHOR, Peter, op. cit., p.28
41 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.46

39
40
a memória que habitamos

Entre os universos sonoro e visual, é capazes de recordar a memória visual a que está
possível estabelecer um infindável número de associado, fazendo-nos caminhar pelo mundo
relações, sendo que, pela imagem, procuramos da imaginação quando o tentamos recriar. No
materializar o que o nosso ouvido capta. entanto, o cheiro é uma das características que
Podemos considerar que o som é uma abstração mais facilmente somos capazes de associar a
que tentamos compreender e traduzir através um espaço ou momento. A dificuldade passa
de imagens, mas, como refere Pierre von Meiss: por traduzir essa abstração que habita a nossa
“se, por vezes, fecharmos os nossos olhos para memória.
remover a dominância do mundo visual, com o Num texto de Gaston Bachelard, em A
intuito de ouvirmos mais atentamente, é a prova poética do Espaço, o autor refere a essência da casa,
real do puro prazer da experiência auditiva.”42 a sua atmosfera, que só ele pode relembrar,
Esse prazer da experiência auditiva, está através do cheiro… A descrição seria infiel
associado à arquitetura como a arte do silêncio, à verdadeira experiência, uma vez que não
já abordada por Peter Zumhor e aqui ilustrada podemos descrever de forma justa um cheiro,
por Pallasmaa. Esta dimensão possibilita ao uma sensação; como refere: “só eu, nas minhas
utilizador uma experiência total de corporização lembranças de outro século, posso abrir o
na perceção do espaço que se retém na sua armário profundo que guarda ainda, só para
memória. O tempo e o espaço estão consagrados mim o cheiro único das uvas que secam no
na arquitetura do silêncio, “a matéria, o espaço e vime. O cheiro da uva! Cheiro-limite, é preciso
o tempo fundem-se numa experiência elementar muita imaginação para senti-lo.”46 Deste modo,
e singular: a sensação de existir.”43 podemos colocar o olfato no universo do Ser
único e individual; o olfato como uma parte da
“Um cheiro específico faz-nos reentrar experiência, que é intransmissível e que tem, por
de modo inconsciente num espaço isso, que ser vivida na primeira pessoa.
#12 ‘Gruta dos totalmente esquecido pela memória da
Capitães’, Algarve, 2020
retina; as narinas despertam uma imagem “Não me consigo lembrar da aparência da
esquecida e somos convidados a sonhar porta de casa da quinta do meu avô quando
acordados.”44 eu era muito pequeno, mas lembro-me
O olfato através da sua carga nostálgica muito bem da resistência imposta pelo
transporta-nos para um estado emocional e seu peso e a patine da sua superfície de
permite-nos identificar “lugares e momentos madeira marcada por décadas de uso, e
para toda a vida.”45 O olfato vive sobretudo de recordo-me especialmente do aroma da
uma capacidade de abstração, pois apesar de sua casa que atingia o meu rosto como
reconhecermos um cheiro, nem sempre somos se fosse uma parede invisível por trás

42 MEISS, Pierre von, op. cit., p.15


43 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.49
44 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.51
45 MEISS, Pierre von, op. cit., p.15
46 BACHELARD, Gastón, Poética do Espaço, p.32

41
42
a memória que habitamos

da porta. Cada casa tem o seu cheiro sentidos não são apenas uma ferramenta que
individual de lar.”47 permite a nossa capacidade de compreensão,
mas também um meio para estimular a nossa
Cada lugar tem o seu cheiro. Quantas imaginação.
vezes, passado algum tempo, chegamos a um
lugar e, automaticamente, somos levados pela “O nosso contacto com a realidade
memória do seu aroma a viajar pelo tempo. nunca é puro ou direto, mas é sempre
Assim que chegamos e sentimos o cheiro daquela matizado por discursos, textos, imagens,
cidade, sabemos que estamos perante um aroma fotografias, filmes... ou seja, num sentido
único, de que tanto sentimos falta, mas que lato, pela linguagem, qualquer que seja
sem esse contacto direto não o conseguíamos a sua expressão, ou pela cultura. Assim,
recuperar através da imaginação. Há cheiros nunca nos relacionamos com as coisas
#13 Stephan Shore,
‘Transparencies’,
que nos fazem felizes na sua essência de ser; tal como elas são, mas apenas como as
1971-1979
nas coisas simples encontramos o cheiro a pão construímos.”48
quente e a café, pela manhã.
A visão, ao contrário do olfato, permite Segundo Luz Valderrama Aparício,
reter imagens que mais facilmente somos quando nos confrontamos com uma realidade
capazes de descrever. Conseguimos ter noção do estamos já a interpretá-la com base num
aroma, mas não o conseguimos sentir sem que conjunto de vários elementos que fazem parte
estejamos efetivamente expostos a ele. Ainda do nosso reportório pessoal: “não vemos, mas
que um cheiro seja mais marcante, uma imagem miramos através de.... ante pupila, ou seja, imagens
de um momento que fica retida na nossa mente é anteriores ao olho, anteriores ao olhar.”49
mais acessível à capacidade humana de recordar. Também John Berger refere que, “(…) embora
A possibilidade de registar a duas dimensões toda a imagem incorpore uma maneira de ver, a
um momento, permite definir um limite entre a nossa perceção ou apreciação de uma imagem
imagem, associada à visão, e os restantes sentidos depende também do nosso próprio modo de
que estão num grau de maior intimidade na ver.”50 Ver é a construção da nossa própria
relação do Ser com o espaço vivido realidade.
Nesse sentido, procuramos compreender Neste sentido, se considerarmos a visão
em que consiste este ato de ver através dos como uma ação única e individual, podemos
sentidos, como experiência sensorial total, e o que atentar que existem diferentes visões e,
acontece depois dessa ação. Como se processa consequentemente, a construção de diferentes
a informação que se traduz em memórias, que realidades, sobre uma mesma realidade. Como
muitas vezes, denominamos como memórias faz referência Peter Zumthor, a imaginação
visuais, mas que podem, na verdade, traduzir-se trabalha com a realidade e “(…) tudo existe
em abstrações, sensações e emoções. Os nossos apenas dentro de mim. Mas depois faço a

#14 Aldo Rossi,


‘Interior view of a 47 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.51
house’, 1980-1990 48 APARICIO, Luz Fdez. Valderrama, La construcción de la mirada: tres distancias, p.19
49 APARICIO, Luz Fdez. Valderrama, op. cit., p.19
50 BERGER, John, op. cit., p.12

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44
a memória que habitamos

experiência e elimino a praça. E já não tenho os observação que o arquiteto consolida uma base
mesmos sentimentos. (…) Naquela altura, nunca para os seus projetos. Aprender a ver é aprender
os teria tido da mesma forma sem a atmosfera a relacionar. A arte, a literatura, o cinema, a
da praça. Lógico. Existe um efeito recíproco vida… Todo um universo que reúne distintas
entre as pessoas e as coisas.”51 Assim, quando disciplinas, confere ao arquiteto a capacidade de
visitamos um lugar, estamos já a apropriá-lo, criar de olhos fechados um caminho tateado pelas
olhá-lo à nossa maneira; essa maneira que é única mãos e pelos sentires. O arquiteto olha, interpreta
e que diz respeito ao Ser. Este, é imediatamente e relaciona, apreende e, mais tarde, cria através
dominado pela nossa mente através da memória dessas vivências revisitadas e imaginadas: “(…)
e da imaginação, que “(…) não se deixam já vi isto, enquanto sei ao mesmo tempo que
dissociar. (…) Ambas constituem, na ordem tudo é novo e diferente e que nenhuma citação
dos valores, uma união entre a lembrança e a direta de uma arquitetura passada trai o mistério
imagem.”52 de um ambiente cheio de memórias.”55

#15 Fernando Guerra,


Álvaro Siza em Taipa,
“Talvez a observação das coisas
Macau, 2015
tenha sido a minha mais importante
educação formal; depois, a observação
transformou-se numa memória destas
coisas. Agora, parece-me vê-las a todas
como se fossem instrumentos numa fila
perfeita; alinhados como num herbário,
numa listagem, num dicionário. Mas esta
listagem entre imaginação e memória
não é neutra, ela regressa sempre a alguns
objetos e, nestes, participa também na
deformação ou, de algum modo, na sua
evolução.”53
Para o arquiteto, aprender a ver é parte
essencial do desenvolvimento do seu ofício, “existe
uma bagagem de conhecimentos aos quais
inevitavelmente recorremos, de modo que nada
de quanto façamos seja absolutamente novo.”54
A observação é necessária à comunicação
e a comunicação é essencial para que nos
possamos relacionar com o mundo. É através da

51 ZUMTHOR, Peter, op. cit., p.17


52 BACHELARD, Gastón, op. cit., p.25
53 ROSSI, Aldo, op. cit., p.49
54 SIZA, Álvaro, op. cit., p.165
55 ZUMTHOR, Peter, op. cit., p.8

45
46
a memória que habitamos

Primeiras memórias Durante a nossa infância aprendemos


a colocar-nos perante o que nos rodeia, por
“A criança que eu fui não viu a paisagem vezes sem compreendermos muito bem o que
tal como o adulto em que se tornou seria isso significa. Aprendemos a olhar e a tocar o
tentado a imaginá-la desde a sua altura de mundo sem pretensões, numa procura inocente
homem. A criança, durante o tempo que de significados, crescendo com as “mãos, pés,
o foi, estava simplesmente na paisagem, cinco sentidos”57, a passo e passo com quem
fazia parte dela, não a interrogava, não nos acompanha e absorvendo o que mais tarde,
dizia nem pensava, por estas ou outras durante a idade adulta, se revelará pertinente. O
palavras: “Que bela paisagem, que olhar do adulto que foi criança sofre as mutações
magnífico panorama, que deslumbrante naturais da maturidade. A essência, as atmosferas,
ponto de vista!”. Naturalmente, quando as pequenas memórias ficam gravadas no Ser, mas
subia ao campanário da igreja ou trepava não voltarão nunca a ser o que foram. São,
ao topo de um freixo de vinte metros agora, uma coisa diferente, transformadas pela
de altura, os seus jovens olhos eram imaginação. José Saramago transporta-nos para a
capazes de apreciar e registar os grandes nossa infância através do seu próprio imaginário.
espaços abertos diante de si, mas há que Encontramos no seu relato as nossas próprias
dizer que a sua atenção sempre preferiu pequenas memórias, as mais importantes
distinguir e fixar-se em coisas e seres no moldar do nosso carácter e definição das
que se encontrassem perto, naquilo que nossas aspirações, conscientes de que o que
pudesse tocar com as mãos, naquilo vimos através dos nossos olhos de criança é que
também que se lhe oferecesse como algo nos faz olhar o mundo como agora o fazemos.
que, sem disso ter consciência, urgia Como nos conta Peter Zumthor: “as memórias
compreender e incorporar ao espírito desse tipo contêm as vivências arquitetónicas
(escusado será lembrar que a criança não mais profundas que conheço. Constituem a base
sabia que levava dentro de si semelhante de ambientes e imagens arquitetónicas que tento
joia), fosse uma cobra rastejando, uma explorar no meu trabalho como arquiteto.”58
formiga levantando ao ar uma pragana Em criança, posicionamo-nos pela
de trigo, um porco a comer um cocho, primeira vez no espaço, dotados de uma noção
um sapo bamboleando sobre as pernas espacial, – que brinca connosco no jogo das
tortas, ou então uma pedra, uma teia de escondidas – e de uma noção do habitar, –
aranha, a leiva de terra levantada pelo quando construímos casas imaginárias dentro do
ferro arado, um ninho abandonado, a nosso próprio quarto. Até antes de aprendermos
lágrima de resina escorrida no tronco do a ler e a escrever, aprendemos a comunicar,
pessegueiro, a geada brilhando sobre as aprendemos como nos movimentar e colocar
ervas rasteiras. O rio.”56 no espaço. Os nossos primeiros lugares são,
#16 Aberaldo Morell,
‘Laura and Brady in the
Shadow of Our House’,
1994
56 SARAMAGO, José, As pequenas memórias, p.13
57 SIZA, Álvaro, 01 Textos, p.25
58 ZUMTHOR, op. cit., p.28

47
48
a memória que habitamos

deste modo, as nossas primeiras referências de descoberta. Não uma viagem física, real, como
projeto e estão connosco desde o início da nossa relata Álvaro Siza, mas uma viagem através
existência. do olhar do outro; e neste caso, através do
Álvaro Siza, relembra as viagens em olhar de Stendhal, por via da sua autobiografia
família durante a sua juventude, em específico inacabada62. Associado a este contaminar da
no texto Barcelona, onde faz referência às férias ação projetual por diferentes meios, formas e
em Espanha “entre quarenta e cinco e cinquenta formatos, Aldo Rossi está consciente de uma
e poucos”59, como um momento de viragem liberdade associada ao ofício, que sendo baseada
na sua adolescência, quando os seus “olhos de em exemplos distintos se confunde, muitas vezes,
quinze anos brilhavam”60 e quando, talvez sem com a nossa história pessoal.
saber, descobriu o entusiasmo pela arquitetura,
através de Gaudí. “Talvez por intermédio dos desenhos
de Stendhal e esta estranha mescla entre
“Tive o primeiro pressentimento de autobiografia e plantas de casas se tenha
que talvez a arquitetura me interessasse manifestado em mim uma primeira
mais do que qualquer outra coisa; de apropriação da arquitetura; é este o
que estava ao meu alcance; bastava pôr a primeiro contributo de uma noção que
dançar janelas, portas, rodapés, ferragens, chega até este livro. Impressionavam-me
lambrins em cerâmica ou pedra, caleiras, os desenhos das plantas por parecerem
goteiras.”61 uma variação gráfica do manuscrito e,
precisamente, por duas coisas; a primeira,
#17 Frame do filme
‘Cinema Paradiso’, Estas vivências traduzidas em memórias, de como a grafia é uma técnica complexa
Giuseppe Tornatore,
1988 e aqui descritas por Álvaro Siza, são também entre a escrita e o desenho, e a isto
sobre a arquitetura que encontrámos nas voltarei ao falar de outras experiências, a
pequenas coisas e que ficam retidas como as segunda, de como as plantas prescindiam
nossas primeiras memórias, as pequenas memórias, e ou ignoravam o aspeto dimensional e
que são vitais para a formação do arquiteto, no formal.”63
sentido em que são, de certo modo, responsáveis
pelo despertar de uma sensibilidade necessária Numa era em que as verdadeiras
para a prática da arquitetura. referências perdem valor em prol de uma
Também Aldo Rossi lembra a sua primeira aceleração digital, e, da consequente – e fácil
apropriação da arquitetura. Neste caso, esse – propagação da imagem, é importante o
estímulo surge através de um livro, que pode, arquiteto manter-se fiel a si mesmo e não a
em si mesmo, ser também uma viagem, uma uma produção em massa, vazia de conteúdos e

59 SIZA, Álvaro, op. cit., p.24


60 SIZA, Álvaro, op. cit., p.25
61 SIZA, Álvaro, op. cit., p.25
62 Referência ao livro A vida de Henry Brulard de Stendhal por Aldo Rossi em Autobiografia científica
63 ROSSI, Aldo, Autobiografía Científica, p.31

49
50
a memória que habitamos

significados. Como explica Italo Calvino, em Seis memória, de incalculável, anónima sabedoria.”67
proposta para o próximo milénio, antes das imagens Peter Zumthor faz também um exercício
pré-fabricadas que nos inundam, estávamos de memória e lembra o “tempo que vivia a
reduzidos à imagética criada pelas nossas arquitetura sem pensar sobre isso.”68 Trata-se de
próprias experiências diretas e a um conjunto um exercício que desconstrói as suas primeiras
limitado de imagens que refletiam a cultura. memórias e que se repercute nas suas intenções
A realidade atual do poder da imagem, resulta enquanto arquiteto e ator criador de espaço.
numa difícil separação entre a memória de uma
experiência direta e a memória do que vimos na “Tudo nesta cozinha era como nas
televisão64. As camadas de imagens que cobrem cozinhas tradicionais costumava ser.
a nossa memória e que não somos capazes de Não havia nada de especial nela. Mas
filtrar, “imaginam por nós” e “parecem estar talvez esteja tão presente na minha
a ameaçar até mesmo as nossas capacidades memória como síntese de uma cozinha
autênticas de imaginar.”65 precisamente por ser de uma forma quase
A intuição surge, muitas vezes, como natural apenas cozinha. A Atmosfera
motor que desbloqueia; vemo-nos dominados desta sala associou-se para sempre à
por tantas imagens e referências, que o desafio de minha imagem de cozinha.”69
hoje, não passa por memorizá-las, mas sim por
esquecê-las. Nesse sentido, as primeiras memórias Muitas vezes, os espaços que não têm
constituem parte ativa no momento da criação, nada de especial, são os que nos ficam. Pela sua
para que não nos esqueçamos da informalidade simplicidade, pela forma como nos envolveram
do que nos rodeia e para que possamos trazer e aconchegaram em certos momentos da vida,
essência para os espaços que desenhamos. E porque o sol entrava pela porta de vidro
quem sabe se não são as primeiras influências do quintal e manchava a cozinha branca
que ditam as ações do projeto, como confidencia de amarelo, porque cheirava a figos e
#18 Vista da cozinha da
casa de Peter Zumthor,
Aldo Rossi: “Talvez estes desenhos de Stendhal era verão… São os que ficam e que passam
Haldenstein, 2005
me tenham conduzido mais tarde, precisamente, a fazer parte de uma certa memória criativa.
ao estudo dos tipos de habitação e do carácter Peter Zumthor refere as memórias antigas como
fundador da tipologia.”66 São os gestos do ferramentas do seu trabalho que integram um
pensamento que dão, muitas vezes, significado exercício particularmente interessante: revisitar
à ação do arquiteto. Como refere Álvaro Siza: essas memórias, da primeira casa, da casa dos
“Todos os gestos – também o gesto de desenhar avós ou da rua onde se brincava, das férias em
– estão carregados de história, de inconsciente família, e perceber que estão (e sempre estiveram)

64 Ideia expressa por Italo Calvino em As seis propostas para o próximo milénio, p.112
65 PALLASMAA, Juhani, La Imagen Corpórea: Imaginación e Imaginario en la Arquitectura, p.7
66 ROSSI, Aldo, op. cit., p.31
67 SIZA, Álvaro, op. cit., p.29
68 ZUMTHOR, Peter, op. cit., p.7
69 ZUMTHOR, Peter, op. cit., p.7

51
52
a memória que habitamos

presentes em nós e, ainda que, nalgumas


situações, se tenham desvanecido espacialmente,
ficam as sensações pictóricas, os cheiros e os
sabores; a curiosidade e o entusiasmo; fica a ideia
de casa, a ideia de lugar, de segurança.

#19 Aberaldo Morell,


‘Refrigerator’, 1987

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a memória que habitamos

Uma leitura sobre a casa de Bachelard Neste estudo, não importa analisar a casa como
objeto e tentar descrever ou pormenorizar as partes
“Dentro [da casa] somos independentes que a caracterizam, mas antes compreender as
ou quase. Estamos protegidos da cidade virtudes primárias ligadas à função do habitar. Para
e do mundo inteiro.” 70 o fenomenólogo o habitar relaciona-se com o
que nos liga a um lugar, o apego ao lugar; e, nesse
A casa, aqui citada por Álvaro Siza, que caso, “como habitamos o nosso espaço vital de
encontramos na obra de Gaston Bachelard e que acordo com todas as dialéticas da vida, como
“mantém a infância imóvel nos seus braços.”71 é a nos enraizamos, dia a dia, num canto do mundo.”75
primeira casa, “(…) o nosso canto do mundo”72, Estas dialéticas da vida, estão para além
que reconhecemos em nós mesmos, e onde do espaço em si mesmo. A casa mais simples, a
tantas vezes regressamos à procura de refúgio e casinha humilde, é várias vezes evocada pelo poeta.
de respostas, também no momento de projetar. No entanto, Bachelard considera a sua descrição
À ideia de casa estão associados conjuntos de demasiado sumária, sem se focar na sua
imagens que encontramos na intimidade das primitividade, que na verdade não diz respeito ao
memórias passadas e que se vêm manifestar valor (material) da casa, mas sim a um outro tipo
quando sentimos necessidade de recorrer de valor, que diz respeito à memória individual.
a elas. É preciso encontrarmo-nos a nós O espaço verdadeiramente habitado transmite
próprios, não esquecer o que nos define e na casa a essência da casa. Através da imaginação
encontraremos proteção. conseguimos evocar o imemorial e construir as
Segundo Gaston Bachelard, a casa pode paredes que nos protegem e que nos permitem
ser lida como um instrumento de análise da alma abandonar a nossa zona de conforto, mas se a
humana, essencial para o estudo fenomenológico dos função do habitar não estiver consolidada, nem
valores da intimidade do espaço interior; e assim como os muros mais sólidos serão capazes de nos
#20 Vista da cozinha refere Álvaro Siza: “A casa é o eu de cada um. proteger.
da Vill’Alcina, Sérgio
Fernandez, Caminha, (…) A casa é eu e nós, conforme se queira.”73 A primeira casa manifesta-se: “os
2021
“Através das memórias das casas que habitámos, verdadeiros bem-estares têm um passado. Todo
além de todas as outras que sonhamos habitar, é o passado vem viver, pelo sonho, numa casa
possível isolar uma essência íntima e concreta que nova.”76 As imagens da antiga casa permitem-nos
seja uma justificação do valor singular de todas recuar à infância imóvel onde encontramos fixações de
as nossas imagens de intimidade protegidas.”74 – felicidade. A casa permite o sonho e o devaneio;
esta é a questão central lançada por Bachelard.

70 SIZA, Álvaro, op. cit., p. 243


71 RILKE, Rainer Maria, Les Lettres cit in BACHELARD, Gaston, Poética do Espaço, p.27
(“E o poeta sabe que a casa mantém a infância imóvel “em seus braços”)
72 BACHELARD, Gastón, op. cit., p.24
(“Porque a casa é o nosso canto do mundo. É, como se diz amiúde, o nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. Um cosmos em toda a perceção do termo. Vista
intimamente, a mais humilde casa não é bela?)
73 SIZA, Álvaro, op. cit., p.244
74 BACHELARD, Gastón, op. cit., p. 23
75 BACHELARD, Gaston, op. cit., p. 24
76 BACHELARD, Gaston, op. cit., p. 25

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a memória que habitamos

#21 Bernd and Hilla


Becher, ‘Framework
Houses’, 1959-1973

57
58
a memória que habitamos

integra o pensamento e a experiência que de certo modo, uma dimensão concreta que não
fortalecem a condição da existência humana. lhe é inerente.
Será sempre associada ao primeiro universo As memórias individuais, vividas
do homem, o abrigo antes de se lançar sobre o na plenitude da solidão, marcam a nossa
mundo que o envolve. personalidade e são indissociáveis do nosso ser.
A título de exemplo, Bachelad refere que mesmo
“Casa, aba da pradaria, ó luz da tarde, que já não se tenha um sótão, não se apaga
De súbito adquires uma face quase que se tenha amado um sótão. Os espaços que
humana. vivemos na solidão e que armazenam as nossas
Estás perto de nós, abraçando, lembranças fazem parte da nossa existência:
abraçados.” 77
“Uma casa construída no coração
Na casa encontramos a nossa referência Minha catedral de silêncio
espacial no universo, a coordenada do nosso Cada manhã retomada em sonho
ponto de partida, a nossa ligação umbilical com E cada noite abandonada
o mundo físico. Apesar do lugar objetivo que a Uma casa coberta de aurora
casa ocupa, é, ao mesmo tempo, um organismo Aberta ao vento da minha mocidade.” 79
dinâmico e complexo onde depositamos as
#22 Barbara and nossas memórias. Assim, o espaço limitado da É neste sentido que a Poética do Espaço,
Michael Leisgen,
‘Mimesis - Kornfelder realidade que nos circunda confunde-se com as de Bachelard nos permite compreender que há
[Mimetic - Cornfields]’,
1971 suas próprias impressões. A casa (material), as suas um enraizamento complexo do Ser com o lugar,
paredes, janelas e portas, confundem-se com o que permite afirmar a simbiose entre a memória
calor, o aconchego, a relação de dentro para fora e a arquitetura, uma vez que a arquitetura
com a paisagem. materializa a memória e a memória funciona
Partindo do geral para o particular, como ferramenta essencial no momento de criar.
Bachelard entra em maior detalhe quando se Como será enunciado no texto Feito de
refere ao porão, ao sótão, cantos e corredores. memória. Do real e do imaginário, acreditamos que
A explicação da casa deixa de ser genérica para a arquitetura é a vida, é o invólucro que nos
se focar nas suas partes e nas relações que permite ser mais autênticos, mais humanos. Sem
estabelece com as mesmas. A este estudo chama arquitetura não existe sonho, nem devaneio. Não
topoanálise: “o estudo psicológico sistemático dos existe vida.
locais da nossa vida íntima”78, e que permite
compreender que não nos conhecemos através
do tempo, mas pela necessária fixação num
espaço. O espaço retém o tempo atribuindo-lhe,

77 RILKE, Rainer Maria, op. cit., p.27


78 BACHELARD, Gaston, op. cit., p.24
79 LAROCHE, Jean, Mémoire d’été, cit in BACHELARD, Gaston, op. cit., p.24

59
60
a memória que habitamos

Mnemosyne80 memória de uma sociedade e, ao mesmo tempo,


preservar a identidade individual do Ser. Nestes
Juhani Pallasmaa defende uma arquitetura lugares, as nossas emoções são despertadas
que permite criar estruturas que estimulam a nossa através de evocações de memórias que são
perceção e entendimento sobre a nossa própria preservadas no tempo.
existência e que nos possibilitam, desse modo,
afirmar a nossa identidade; uma arquitetura, “de “O monumento não encarna ou representa
natureza lenta e silenciosa”81, que nos sensibiliza meramente um acontecimento, mas
para diferentes estados emocionais. É nesse sentido esforça-se por preservar a sua memória
que aponta que “a arquitetura deve proteger nos tempos vindouros – no limite,
as memórias e proteger a autenticidade e tempos para além do mensurável.”83
independência da experiência humana”82, uma
arquitetura que nos faz compreender quem A categorização dos vários tipos de
somos e a matéria de que somos feitos. memória – desde o seu carácter mais íntimo
Para além do carácter individual da ao carácter mais público – é analisada por
experiência humana, existe também um carácter Edward Casey, no texto Public Memory in Place
que se relaciona com a alteridade e que coloca as and Time. Neste texto, aborda a memória pública,
nossas memórias a par com a do outro, quando que ao contrário de outros tipos de memória,
#23 Joel Sternfeld,
‘Women at their daily se trata, por exemplo, de um acontecimento não está presente apenas no passado que é
gathering beside an
ancient Roman wall’, comum a uma sociedade ou a um grupo mais relembrado, mas também na capacidade de estar
Parco dei Gordiani,
Rome, October 1990 restrito de pessoas, e que resulta numa memória simultaneamente ligada ao passado e assegurar
que é partilhada. Ainda assim, na vertente mais um futuro através da recordação posterior desse
pública da memória, podemos considerar que mesmo acontecimento. Os lugares de memória, já
grandes acontecimentos históricos, sociais e mencionados, fazem parte deste universo da
políticos, têm ecos distintos, em seres distintos. A memória, pela forma concreta como através da
coletividade da memória é, portanto, limitada no sua materialização, permitem afirmar no tempo
sentido em que se individualiza em cada um de a permanência dos acontecimentos. Tornar-se
nós. Estas questões serão explicitadas, através da parte uma memória pública não significa apenas ser
obra de Edward Casey, filósofo contemporâneo, observado pelo público, mas ser compreendido
nos parágrafos que se seguem. de forma imediata e sem hesitações ou
Os lugares de memória, como ruínas, interpretações.
museus e memoriais, refletem a importância Edward Casey, classifica a memória
da arquitetura na definição de uma identidade em quatro formas distintas: memória individual,
coletiva, no momento de arquivar e colecionar a memória social, memória coletiva e memória pública que

80 Referência a Mnemosyne, deusa da memória, na mitologia grega


81 PALLASMA, Juhani, Essências, p.30
82 PALLASMA, Juhani, op. cit., p.31
83 CASEY, Edward, Public Memory in Place and Time, p.18

61
62
a memória que habitamos

integra as anteriores. Compreender os diferentes pela proximidade geográfica ou por estarem


tipos de memória e como estes atuam, ajuda- envolvidas num determinado contexto que lhes é
nos a ter uma ideia global do que é a memória e comum. É, no fundo, a memória que partilhamos
como esta influencia a nossa perceção sobre as com aqueles a quem já estamos vinculados de
coisas e, consequentemente, a nossa capacidade algum modo e que pressupõe uma relação pré-
criativa, essenciais para a ação do arquiteto. existente85. Aqui, podemos evocar as primeiras
A memória individual diz respeito à memórias que não recordamos com clareza – ou
memória da pessoa que está envolvida numa que possamos até nem ter vivido –, mas que
ação, num determinado momento e lugar. nos são relatadas neste núcleo de proximidades.
A construção desta memória está apenas ao A memória social apesar do seu carácter coletivo
alcance dessa pessoa que recorda, não apenas o não é necessariamente uma memória pública, uma
estado das coisas, mas como estas se sucederam. vez que pode estar confinada a um grupo ou
Neste âmbito, somos capazes de lembrar não contexto restrito. Partilhar memórias significa
só as coisas, mas também o contexto em que se que vivemos um determinado momento com
inserem. Para além disso, como explica Edward outras pessoas, num determinado lugar; no
Casey, lembramo-nos quando reconhecemos entanto, a experiência de recordar esse evento
algo e também pelo contacto com os outros. permanece única e individual.
Esta relação permite clarificar a relação entre a A memória coletiva, propriamente dita, diz
memória individual e a memória social. A linguagem respeito à memória partilhada por um grupo
é essencial para que se estabeleçam relações de pessoas que não se conhecem, mas que
e, portanto, uma narrativa, que associamos partilharam individualmente um acontecimento.
a um determinado acontecimento e que se Neste caso, a memória está entre a memória
traduz na nossa memória. Na verdade, ainda individual e a memória social; não tem como base
#24 ‘Denkmal für
que a memória tenha esta dimensão individual um evento íntimo, nem existe uma relação direta
die ermordeten Juden
Europas’, Peter
e idiossincrática, não podemos separá-la das com os restantes envolvidos. Geralmente, estas
Eisenman, Berlim, 2019
relações que estabelece e que advêm dos outros; memórias estão associadas a acontecimentos
a nossa memória individual não se separa do marcantes de uma sociedade, sem a necessária
que nos rodeia e está saturada de aspetos que participação de quem o recorda. Recordamos o
lhe são exteriores. “O locus primário da memória 11 de setembro, em memória dos que perderam
encontra-se não só no corpo ou na mente, a vida, mas a maior parte de nós não conhecia
mas num nexus intersubjetivo que é, ao mesmo ninguém em concreto, nem nos encontrávamos
tempo, social e coletivo, cultural e público.”84 em Nova Iorque naquela data. Estas memórias,
A memória social é a memória de que se perpetuam no tempo, têm uma carga
pessoas que estão, de alguma forma, ligadas simbólica associada. A compaixão com os que
por uma determinada afinidade, quer seja viveram diretamente uma catástrofe coloca-

84 CASEY, Edward, op. cit., p.21


85 CASEY, Edward, op. cit., p.22

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a memória que habitamos

nos de certa forma na ação, que recordamos determinada pessoa, num determinado lugar.
sem fazermos parte dela. No fundo, é como Com pública, queremos dizer que a memória
se existissem diferentes anéis de memórias. No se relaciona com qualquer aspeto oposto
primeiro núcleo estão as pessoas que viveram ao universo íntimo do Ser. “Público significa
diretamente e que, por isso, recordam e relatam em campo aberto, no koinos cosmos [mundo
na primeira pessoa o sucedido; num segundo partilhado], onde a discussão com os outros é
núcleo estão as pessoas ligadas por algum tipo possível, mas onde se está também exposto e
de afinidade às pessoas ou lugares onde se deu o vulnerável, onde as limitações e falibilidades são
evento; e um terceiro, onde estão as restantes que demasiado aparentes.”87
moldaram as suas lembranças através de relatos,
dos media, da literatura ou do cinema. A memória “A memória pública não é uma busca
coletiva é, por isso, uma memória plural que se nebulosa que pode ocorrer em qualquer
distingue de memórias individuais e sociais. lugar; acontece sempre num determinado
A memória pública é influência pelos três lugar.”88
tipos de memória já mencionados. Ainda que
possa ser muito ampla, a memória pública depende, A existência de uma memória pública
em todo o caso, da perceção individual de cada depende da arquitetura. É através dos lugares de
um e por isso, está diretamente relacionada com encontro que as pessoas se relacionam e inserem
a memória individual. A memória social permite num contexto. Neste caso em concreto, o espaço
afirmar relações, adindo identidades e pontos público é vital para o processo de memorização.
de vista distintos, que ultrapassam a experiência A memória pública permite assentar a identidade
individual e que nos inserem num núcleo de coletiva de uma sociedade e fomentar o
proximidades e afetos. Já a memória coletiva, em diálogo; “é um horizonte contínuo à volta da
contrapartida, tem uma influência negativa arena pública”89 Este horizonte possibilita a
na memória pública, na medida em que, está construção de pensamentos e permite-nos olhar
implícita a partilha de uma memória sem que se para e sobre o outro. Nesse horizonte avistamos
estabeleçam relações entre quem a lembra. um futuro, através do confronto entre o passado
A memória individual e a memoria social e o presente.
são dois círculos interiores da memória pública, É o lugar que nos permite olhar este
enquanto a memória coletiva é “o seu perímetro horizonte; ajuda à construção das memórias,
exterior, a rede solta dentro da qual eventos e não só pela sua capacidade de nos colocar no
objetos são recordados”86 em comparação com mundo e estimular a nossa capacidade de nos
as memórias de outros e, portanto, de forma lembrarmos, mas também porque é através dos
oposta à recordação da memória individual, de uma lugares construídos que se criam relações de

86 CASEY, Edward, op. cit., p.25


#25 Suzanne Plunkett, 87 CASEY, Edward, op. cit., p.25
‘Sept 11, 2001’, New 88 CASEY, Edward, op. cit., p.32
York, 2001 89 CASEY, Edward, op. cit., p.26

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a memória que habitamos

proximidade; não numa questão de intimidade, possui apenas uma dimensão temporal. A
mas naquela que é a construção de uma sociedade memória é corporificada93. É necessário colocar
e de um pensamento comum. Fernando Távora o corpo no espaço94, conferindo à memória
refere, em Da organização do Espaço, que o uma dimensão espacial, “o mundo é refletido
arquiteto deve alcançar “(…) a forma justa, a no corpo e o corpo é projetado no mundo.”95
forma correta, a forma que realiza com eficiência No entanto, o Ser é um organismo dinâmico
e beleza a síntese entre o necessário e o possível, e a memória não possui uma dimensão fixa,
tendo em atenção que essa forma vai ter uma no tempo e no espaço. Como já referido, a
vida, vai constituir circunstância.”90 interdependência entre o Ser e a memória está
diretamente relacionada com a interdependência
“Apreendemos desmedidamente; o que do Ser e do lugar, o que significa que memória e
aprendemos reaparece dissolvido nos lugar estão diretamente relacionados.
riscos que depois traçamos.”91 A memória está, presente na ação
projetual, não de forma direta ou mimética,
A memória existe no Ser como um mas por via do inconsciente; como explica Aldo
atlas de vivências. Há em nós imagens com Rossi, “nos projetos, também a repetição, a
diferentes graus de clareza que funcionam como colagem, a deslocação de um elemento desta para
#26 ‘Bonjour Tristesse’,
Álvaro Siza, Berlim,
ferramentas operativas no nosso quotidiano. aquela composição nos coloca perante um outro
2019
Imagens muito presentes e reais; outras que se projeto que queremos fazer, mas que também é
manifestam apenas por via do inconsciente. memória de uma outra coisa.”96 Há um processo
Através das nossas lembranças implícito no pensamento do arquiteto que tem
revisitamos o que é, no fundo, uma impressão como base: experienciar – memorizar – esquecer
do passado e, na impossibilidade de reviver um – lembrar. Este processo que está diretamente
determinado momento, tentamos reviver a sua relacionado com o esquecimento como síntese, será
dimensão espacial. As nossas memórias colocam mais à frente aprofundado.
o nosso corpo no espaço92; estão em nós através
dos lugares vividos e movem-se connosco, “Quando estou a projetar, encontro-me
sem perder o seu vínculo de origem, onde frequentemente imerso em memórias
regressamos em sonhos e pensamentos. antigas e meio esquecidas, e questiono-
Nesse sentido, e ao contrário do que me: qual foi precisamente a natureza desta
muitas vezes consideramos, a memória não situação arquitetónica, o que significava

90 TÁVORA Fernando, Da Organização do Espaço, p.74


91 SIZA, Álvaro, op. cit., p.38
92 BACHELARD, Gastón, Poética do Espaço, p. 28
(“Nos seus mil alvéolos, o espaço retém o tempo comprimido. É essa a função do espaço. (…) Aqui o espaço é tudo, pois o tempo já não anima a memória.”)
93 Referência ao subtítulo Memória Corporificada presente no livro Essências de Juhani Pallasmaa
94 CASEY, Edward S., Memorizing: A phenomenological Study cit in PALLASMA, Juhani, Essências, p. 27
(“A memória é (…) o centro natural de qualquer relato sensível de lembrança”, afirma o filósofo Edward S. Casey (…), concluindo: “Não há memória sem memória
corporal.”)
95 PALLASMA, Juhani, Olhos da Pele, p. 43
96 ROSSI, Aldo, op. cit., p.48

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a memória que habitamos

na altura para mim e ao que é que poderei


recorrer para ressuscitar esta atmosfera
rica que parece saturada da presença
natural das coisas, onde tudo tem o seu
lugar e toma a sua forma certa?”97

A Arquitetura constrói-se através do


deambular neste atlas vivo, que reúne referências,
lugares, acontecimentos vividos, memórias
imaginadas e a presença natural das coisas, que
revisitamos e adaptamos a um determinado
contexto, criando, assim, uma nova realidade;
a nossa própria realidade, que passará a ser a
realidade do outro.

#27 Sagres, 2019

97 ZUMTHOR, Peter, op. cit., p.7

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a memória que habitamos

Sobre o esquecimento esquecer para armazenar uma nova memória,


– mas na verdade, nunca deixamos de reter
“(…) Não apenas as nossas lembranças, novas informações e o que já foi memorizado
mas também os nossos esquecimentos permanece em nós, ainda que de forma
estão alojados. O nosso inconsciente está inconsciente.
alojado. A nossa alma é uma morada. E, Segundo Marc Augé, quando cita o
lembrando-nos das casas, dos aposentos, dicionário Littré, o esquecimento é “a perda
aprendemos a morar em nós mesmos. de uma lembrança.”100 Mas apesar de se definir
Assim, podemos ver que as imagens da como uma perda, como explica, é importante
casa caminham nos dois sentidos: estão compreender que o que se perde não é o
em nós tanto quanto estamos nelas.”98 acontecimento em si mesmo, mas a lembrança
que fica desse momento. Já a lembrança é
Tal como a memória, também o “uma impressão que permanece na memória”.
esquecimento faz parte do nosso hipocampo. E a impressão define-se como “o efeito que os
Fazem ambos parte de um processo natural que objetos exteriores provocam nos órgãos dos
caracteriza este atlas vivo. “O esquecimento é sentidos.”101
necessário para a sociedade e para o indivíduo. O esquecimento pode ser interpretado
Há que esquecer para saborear o gosto do como uma parte do processo de memorizar,
presente, do instante e da espera, mas a própria uma parte essencial do ciclo: experimentar –
memória necessita também do esquecimento: há memorizar – esquecer – lembrar. Se considerarmos
que esquecer o passado recente para recuperar o que o esquecimento é a perda de uma lembrança
passado remoto.”99 Esquecemos para nos lembrarmos; e se a lembrança é uma impressão que permanece
organizamos informação, sobrepomos camadas na nossa memória, podemos considerar que não
e vivemos entre o que se lembra e o que se existe uma perda, mas sim a transformação de
esquece, entre o caos e a ordem que caracterizam um acontecimento num outro estado subjetivo
a memória como organismo vivo. É nesse limbo que paira na memória.
que reside a nossa memória; um exercício O esquecimento pode também ser
constante entre lembrar e esquecer, mas talvez uma ferramenta importante para a nossa
exista algo entre: a intuição, a imaginação, o livre- capacidade (inconsciente) de síntese; podemo-
arbítrio. nos lembrar apenas de um pequeno detalhe de
A memória é uma base de dados infinita. um acontecimento maior, ou mesmo alterar e
#28 Michael Wolf, Há uma estranha sensação de perda porque as reinterpretar o acontecimento em si mesmo
‘Tokyo Compression
#156’, 2010 memórias mais antigas já não se manifestam e assim, lembrarmo-nos de algo que não
de forma tão clara – uma quase necessidade de aconteceu numa falsa impressão da realidade. Este

98 BACHELARD, Gastón, op. cit., p. 20


99 AUGÉ, Marc, Las formas del olvido, p. 9
100 LITTRÉ, Émile, Dictionnaire de la langue française cit in AUGÉ, Marc, Las formas del olvido, p. 22
101 LITTRÉ, Émile, op. cit, p. 22

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a memória que habitamos

estado que nunca é totalmente claro e resulta


sempre da perceção individual de cada um,
agrega um conjunto de fragmentos da realidade
e nunca um todo; retemos o nosso ponto de
vista em detalhes específicos e por se tratar de
uma interpretação pessoal é, por si só, subjetivo
e vago, criando cenários fictícios e imaginários
que pintam o nosso quotidiano.
Para além das memórias vividas, podemos
considerar também as memórias que nos são
contadas. O arquiteto Álvaro Siza recorda o
Brasil – uma memória não vivida – como uma
memória presente na sua infância: “Belém
do Pará entrou no meu imaginário por relatos
apaixonados do meu pai e por lembranças
periodicamente recebidas (…).”102
Retemos, muitas vezes, histórias e
momentos narrados por outros e a certa altura é
difícil fazer uma separação entre que memórias
são nossas e que memórias são do outro;
sobretudo quando se trata de memórias que
nos envolvem e nos colocam num determinado
espaço e período de tempo. Parte das nossas
memórias de infância são-nos contadas (ou
relembradas) por outras personagens da história,
que as tornam, muitas vezes, dúbias, mas dentro
dessa dubiedade, tornam-se tão reais que deixam
#29 Ai Weiwei, de ser uma narração, para fazer parte da nossa
‘Dropping a Han
Dynasty Urn’, 1995 própria realidade.
O real e o imaginário fundem-se numa
nova memória, que passa também a fazer parte do
nosso universo.

102 SIZA, Álvaro, op. cit., p.270

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a memória que habitamos

Feito de memória. Do real e do A arquitetura como acontecimento é


imaginário abordada por Aldo Rossi, quando menciona,
no livro Autobiografia Científica, que “com os
“Imaginar significa recordar aquilo que instrumentos arquitetónicos nós favorecemos
a memória escreveu dentro de nós e pô- um acontecimento, independentemente de ele
la em confronto com as exigências e as acontecer. E neste querer o acontecimento há
condições.”103 qualquer coisa de progressivo. (…) Por isso
a dimensão de uma mesa, ou de uma casa,
A arquitetura é o invólucro da vida104; é muito importante; não como pensavam
vive entre o real e o imaginário. O real trabalha os funcionalistas, para desempenhar uma
com o imaginário e é nessa relação que surge a determinada função, mas para permitir mais
ideia. Uma ideia do que é o lugar traduzido já funções. Enfim, para permitir tudo o que na vida
em apropriação. A ideia não existe em si mesma; é imprevisível.”107
existe em nós e no outro; existe na memória e no A imprevisibilidade da vida, aqui
esquecimento. abordada por Aldo Rossi, está relacionada
O projeto nasce, muitas vezes, a partir com a informalidade da arquitetura; no fundo,
dessa ideia; nasce da ideia que temos do sítio, do a vida depois da obra. Apesar do arquiteto não
contexto105, em confronto com a sua apropriação controlar o uso do espaço, até porque não é essa
#30 Cité manifeste, criativa. O confronto entre o imaginário criativo a sua função, é responsável pelo uso sensível
Lacaton & Vassal,
Mulhouse, 2005 e o contexto do real, resulta numa materialização dos materiais e apropriação do contexto em
concreta e objetiva. A nossa mente flui, através que se insere a obra. O arquiteto não é um
de um mundo imaginário, que imagina já, decorador dos espaços; estes devem estar livres de
o que o sítio pode vir a ser. Este vir a ser é o perturbações: apenas a conjugação dos materiais,
mote do arquiteto. O poder transformador de as suas propriedades e o desenho do espaço são
um sítio e, consequentemente, transformador essenciais para o seu uso. Assim, o espaço é livre
de pensamentos e sociedades. Ainda que não se para receber todas as suas funções.
possa mudar o mundo, que a mudança se faça no Eduardo Souto de Moura faz menção a
que está ao nosso alcance. este assunto, em entrevista para o programa A
casa de quem faz casas: “(…) a arquitetura tem de
“Um sítio vale pelo que é, e pelo que pode ser minimalista porque tem de ser muito simples
ou deseja ser – coisas talvez opostas, mas e abstrata para estar disponível para receber
nunca sem relação. (…) Nenhum sítio coisas. O objetivo da arquitetura não é ser
é deserto. Posso sempre ser um dos minimalista, é ser confortável, porque a vida é
habitantes.”106 feita de objetos e de afetos. E nós estabelecemos

103 GREGOTTI, Vittorio, O Outro, prefácio: Siza, Álvaro, Imaginar a Evidência, p.27
104 ZUMTHOR, Peter, op. cit., p.12
105 Referência ao texto Oito Pontos presente no livro 01 Textos de Álvaro Siza
106 SIZA, Álvaro, op. cit., p.22
107 ROSSI, Aldo, op. cit., p.27

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a memória que habitamos

sempre relações com estes objetos porque anónimo nas suas representações e fotografias
nos lembram emoções, momentos, coisas. Os é, na realidade, um edifício que aconchega os seus
arquitetos não podem desenhar este layer. Por habitantes na intimidade da casa. Os espaços
esta razão a estrutura tem de ser simples. A habitados pelo quotidiano são ricos em objetos
arquitetura tem de obedecer a este princípio de e peças que se associam a viagens, pessoas e
austeridade para poder receber. A sua função é afetos, e que desenham esta segunda camada de
ir recebendo.”108 memórias que não está ao alcance do arquiteto.
No edifício de apartamentos da Seguindo um princípio enunciado por
Forsterstrasse, em Zurique, do arquiteto Christian Peter Zumthor no livro Pensar a Arquitetura,
Kerez, encontramos a mesma segunda arquitetura109 podemos afirmar que, apesar da sua dimensão
abordada por Eduardo Souto de Moura. O edifício onírica, a arquitetura tem o seu lugar no mundo
apresenta uma estrutura sólida e clara de paredes concreto, “encontra-se numa ligação física
estruturais sem subdivisões. Não existe qualquer especial com a vida”, não propriamente como
#31 Walter Mair,
hierarquia ou distinção do uso dos espaços110, uma “mensagem ou sinal, mas invólucro e
‘Apartment building
on Forsterstrasse’,
construídos com recurso às mesmas técnicas e cenário da vida, um recipiente sensível para o
Christian Kerez,
Zurich, 2003
materiais. As divisões estão interligadas entre si, ritmo dos passos no chão, para a concentração
permitindo a circulação fluida pelos espaços. As do trabalho, para o silêncio do sono.”111 Maurice
grandes paredes de vidro que fecham o edifício Merleau-Ponty refere que a intenção das pinturas
no seu perímetro ligam o interior e o exterior, de Cézanne é “tornar visível como o mundo nos
afirmando uma ideia de conjunto presente em toca”112; também este pode ser o propósito da
toda a conceção do edifício. O betão das paredes arquitetura.
interiores adquire um sentido único através dos Peter Zumthor afirma que “os materiais
reflexos verdes e azuis da paisagem exterior que podem assumir qualidades poéticas”113, no
invadem o espaço, como se a textura do betão entanto, os materiais em si mesmos não
estive ao alcance de ser manipulada pela própria são poéticos: é necessário conjugá-los com
natureza. Na mesma lógica mencionada por coerência de forma e sentido. Este sentido, a que
Souto de Moura, também aqui estão presentes o Zumthor faz referência, ultrapassa questões de
rigor e austeridade no tratamento arquitetónico linguagem e composição, diz respeito à essência
dos espaços, não como objetivo final do projeto, do objeto, no momento em que são atribuídos
mas como meio para a coesão da sua diversidade significados aos seus materiais, que não seríamos
espacial. O edifício que se esconde na vegetação capazes de sentir da mesma forma em nenhum
que o envolve e que conhecemos como outro objeto. Importa por isso, entender de que

108 MOURA, Eduardo Souto de, in, CREMASCOLI, Roberto, MILANO, Maria, Eduardo Souto de Moura: Gosto de Chegar a Casa, Coleção: A Casa de
Quem Faz as Casas, p.31
109 MOURA, Eduardo Souto de, in, CREMASCOLI, Roberto, MILANO, Maria, Eduardo Souto de Moura: Gosto de Chegar a Casa, Coleção: A Casa de
#32 Edifíco de Quem Faz as Casas, p.27
apartamentos na 110 KEREZ, Christian, Uncertain Certainty, p.32
Forsterstrasse, 111 ZUMTHOR, Peter, op. cit., p. 12
Christian Kerez, 112 MERLEAU-PONTY, Maurice cit in PALLASMAA, Juhani, Olhos da Pele, p. 43
Zurique, 2021 113 ZUMTHOR, Peter, op. cit., p. 10

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a memória que habitamos

forma um material reage a um determinado mestria na forma como manipula os materiais.


contexto, quais são as suas qualidades sensoriais A capela integra-se na paisagem, em total
e que significado lhe podemos atribuir. “Os concordância com a envolvente, através do
materiais soam em conjunto e irradiam, e é uso de materiais locais, neste caso a madeira.
desta composição que nasce algo único. Os A fachada, apesar de modesta, demonstra uma
materiais são infinitos – imaginem uma pedra: grande sensibilidade na manipulação da madeira,
podem serrá-la, limá-la, furá-la, cortá-la e poli- em pequenas telhas sobrepostas. No interior,
la… tornar-se-á sempre em algo diferente. Zumthor cria um espaço etéreo, autêntico: as
Pensem nesta mesma pedra em quantidades colunas singelas de madeira apoiam o telhado
muito pequenas ou em quantidades enormes, reforçado com vigas de madeira. As aberturas na
novamente algo diferente. A seguir exponham- parte superior deixam entrar a luz e convidam-
#33 Joseph Beuys,
na à luz – diferente outra vez. Há milhares de nos a erguer o olhar para o céu, afirmando o
‘Blitzschlag mit
Lichtschein auf Hirsch’,
possibilidades num único material.”114 carácter sacro da capela. Em ambos os exemplos
1958–85, Guggenheim
Museum Bilbao, 2001 As ligações entre cada parte do objeto, encontramos a qualidade da manipulação dos
definem a sua qualidade arquitetónica. Peter materiais presente também nas obras de Beuys
Zumthor faz uma analogia entre as artes ou Merz.
plásticas e arquitetura. Nas artes plásticas a A arquitetura não deve ser adulterada
junção dos materiais é simplificada em função por memórias ou sentimentos de nostalgia,
de uma ideia de conjunto. Joseph Beuys e Mario motivações ou pretensões pessoais, mas há que
Merz criaram composições simples de objetos ter em conta que estas dimensões fazem parte da
soltos no espaço, que se interligam através de sua conceção. O ser arquiteto e ser pessoa não
dobragens e sobreposições, que resultam num se desconstrói, não de divide em duas realidades
todo harmonioso. Na composição destas peças, distintas. As nossas intenções estarão sempre
os seus autores mostram de forma clara a ligação associadas ao nosso caráter, àquilo que nos
das partes, tornando mais fácil a leitura dos molda.
objetos como um todo. O nosso olhar não se Sobre esta relação entre a arquitetura e
detém em pequenos pormenores e apreende os a vida, Aldo Rossi conta, na sua Autobiografia
objetos no seu conjunto. Científica, um grave acidente que teve em 1971 a
Podemos estabelecer aqui, uma relação caminho de Istambul e como este foi charneira
com a Piscina das Marés de Álvaro Siza. Nesta para uma nova fase da sua obra. Ali, nascia o
obra o arquiteto desenha cada detalhe de uma cemitério de Modena e terminava a sua juventude115.
forma clara e evidente, o que resulta numa “(…) Em Modena, Rossi limpou a sua arquitetura
apropriação total sem perturbações. Também na da última parte do modernismo ideológico,
Caplutta Sogn Benedetg, Peter Zumthor demonstra a favor de refletir a vida tal como ela é – sem

#34 Hélène Binet, 114 ZUMTHOR, Peter, Atmosferas, p. 28


‘Caplutta Sogn 115 ROSSI, Aldo, op. cit., p.37
Benedetg’, Peter (Talvez daquele acidente, como já disse, tenha nascido, no pequeno hospital de Slavonski Brod, o projeto para o cemitério de Módena e simultaneamente terminava a
Zumthor, 1997 - 2011 minha juventude.”)

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a memória que habitamos

#35 Aldo Amoretti,


‘Caplutta Sogn
Benedetg’, Peter
Zumthor

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a memória que habitamos

diagramas, sem utopia, sem projeção, apenas sem memória, não existe memória sem ideias,
a presença das coisas. A sua juventude ideológica não existe arquitetura sem habitante.”120
tinha finalmente terminado.”116 Internado num
“(…) pequeno quarto no rés-do-chão junto
a uma janela donde via o céu e um pequeno
jardim”117, experienciou uma sensação de
impotência e imprevisibilidade, que o aproximou
do que poderia ser a conceção da morte. O
corpo é casa; e em cada dor sentia a presença
de cada elemento da sua estrutura anatómica.
“Em Slavonski havia identificado a morte com
a morfologia do esqueleto e com as alterações a
que este pode estar sujeito.”118. Torna-se assim
#36 Nuno Cera,
‘Untitled (Aldo Rossi, inegável a associação entre o esqueleto de Modena
San Cataldo)’, 2009
e este acontecimento marcante na vida de Aldo
Rossi, também apontada por Kersten Geers,
em Without Content: Aldo Rossi “traduziu o seu
estado físico imanente, deitado e a olhar através
da janela, numa série de molduras no desenho do
seu cemitério.”119
Assim, as memórias não são colagens,
nem referências diretas no projeto, mas estão
presentes e ajudam a construir a intuição e o gesto.
A memória tem, por isso, este duplo sentido de
construtora indireta de espaços e, ao mesmo
tempo, futura habitante. A memória do arquiteto
ajuda-o na conceção da ideia; a memória do
utilizador dá vida ao espaço. Será a obra vazia,
inabitada, arquitetura? Se arquitetura é, como
acreditamos que seja, a própria vida, só começa
com o habitar a casa, com as experiências, com
os diferentes momentos que marcam a nossa
passagem no tempo, e no mundo. Porque “não
existe arquitetura sem projeto, não existe projeto

116 KERSTEN, Geers, Without Content, p.50


117 ROSSI, Aldo, op. cit., p.37
118 ROSSI, Aldo, op. cit., p.37
119 KERSTEN, Geers, Without Content, p.47
120 MENDES, Manuel, Terra quanto a vejas, casa quanto baste, p.124

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a memória que habitamos

Sobre as coisas que colecionamos: um atlas vivo Aprendemos, desde a nossa infância, a
colecionar fragmentos da nossa memória: os
a·tlas álbuns de fotografias de família e as coleções
(latim Atlas, -antis, do grego Átlas, -antos, Atlas,
mitónimo [titã da mitologia grega que devia sustentar que vão desde os autocolantes comemorativos,
o céu])
aos pacotes de açúcar, moedas ou conchas da
1. Livro de mapas geográficos.
2. Volume de ilustrações elucidativas de um praia... qualquer que tenha sido a coleção e o
texto ou de uma área do conhecimento (ex.: tempo que lhe dedicámos, esta é uma virtude
atlas de anatomia)
3. [Anatomia] Primeira vértebra do pescoço, que adquirimos desde muito cedo e que está
entre o crânio e o áxis.121 ligada ao nosso instinto natural. Desde o
paleolítico que o homem primitivo recolhe e
Até este momento referimo-nos, organiza elementos que extrai da natureza, de
sobretudo, à memória que se manifesta de forma a melhor compreender o que o rodeia.
forma inconsciente. Mas referimo-nos também Este instinto permanece na nossa essência e, por
à vida, e às coisas, a uma segunda arquitetura. isso, temos tendência para trazer connosco parte
#37 Nadav Kander A nossa memória e a maneira como a ela dos lugares que visitamos.
‘Signs We Exist, Torn
Posters’ recorremos, acontece, como já explicámos, de Numa experiência proporcionada pela
forma espontânea, na resposta a determinados participação no Porto Academy Summer School
estímulos. Surge, por vezes, sem a procurarmos, 2021, com o estúdio Mary Duggan, visitamos a
permanecendo no mistério que é ainda o cérebro Casa Alves Costa de Álvaro Siza e a Vill’Alcina
humano. de Sérgio Fernandez. No enunciado, foi-nos
No entanto, existem formas de representação a pedido que, através das memórias evocadas
que recorremos para, de algum modo, acedermos pelo lugar, desafiássemos a nossa metodologia
às nossas memórias de forma consciente, e da prática do projeto e considerássemos formas
que são como uma muleta no momento de as alternativas de criar matéria, com base em dois
armazenar e classificar em gavetas122. Estes depósitos domínios: Dreaming & Making [sonhar e fazer]
constituem um importante papel naquela que é a e Action [ação]. Durante a visita deixámo-nos
ligação entre as coisas e a sua reminiscência. absorver pela paisagem e natureza envolventes
#38 Frame do filme ‘La
Collectionneuse’, Eric e fizemos, como ditou a nossa intuição, a recolha
Rohmer, 1967
“Há uma pessoa que faz coleção de areia. de pequenas lembranças: elementos extraídos da
Viaja pelo mundo e, quando chega a natureza que pudessem, de certa forma, traduzir
uma praia de mar, à orla de um rio ou de as nossas sensações e emoções. Desta viagem
um lago, a um deserto, a uma charneca, resultaram discussões pertinentes acerca da
recolhe um punhado de areia e carrega -o experiência individual de cada um; partilharam-
consigo.”123 se memórias que posteriormente traduzimos

121 “atlas”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, disponível em: https://dicionario.priberam.org/atlas [consult. 05-10-2021]
122 BERGSON, Henri, L’évolution créatrice cit in BACHELARD, Gaston, Poética do Espaço, p.88
(“A memória, como tentamos provar, não é a faculdade de classificar lembranças numa gaveta ou de inscrevê-las num registo. Não há registo, não há gaveta…”)
123 CALVINO, Italo, Coleção de areia, p.11

85
86
a memória que habitamos

em matéria. O resultado final foram peças em vida e sobre a vida – e não só sobre a arte (ou a
gesso, ao qual adimos elementos naturais crus arquitetura); e porque acreditamos que existam
que lembrassem o lugar, sem uma evocação resultados efetivos na afetividade que advém dos
demasiado direta. As peças abstratas são uma pequenos sinais que animam o quotidiano.
reinterpretação das divisões da Vill’Alcina, que
conservam a memória individual de cada um, “Qualquer atlas tem inerente à sua ambição
enquanto completam um conjunto coeso e totalitária uma entropia, que poderemos
harmonioso, naquela que seria a passagem para classificar desumana, consequente
uma memória coletiva. com um excesso de informação
Na arquitetura, mais do que um arquivo inassimilável. A incomensurabilidade
categorizador, interessa a mutabilidade de um da informação disponível na internet é
atlas [vivo], o caos, da ordem necessária. Esse muito provavelmente a melhor ilustração
cosmos que nos permite tomar decisões é o meio desta utopia, ou melhor, distopia,
onde se dão as ideias, as discussões e debates porque a ganância intrínseca desse meio
(interiores), enfim, o projeto. castiga-nos com uma inconsciência de
Organizar, nas palavras de Gonçalo M. impossibilidade. Impossibilidade de
Tavares, é arrumar e limpar os obstáculos do controlo, de limite, de conteúdo.”125
que já existe. Organizar é tornar útil o passado
e é, de certa maneira,”(…) direcionar o que já O termo atlas, por si só, tem implícita
se pensou, o que já se fez, o que já se falou; e a dimensão que ultrapassa a de uma pequena
direcionar significa dizer com as ações: isto vai coleção. O atlas requer uma (des)contrução
para aqui, aquilo vai para ali.”124 contínua das ideias que lhe são inerentes. Não
A coleção, ou o atlas vivo, como aqui lhe que se devam definir demasiadas regras, mas
chamamos, é o reflexo da fragilidade humana. devemos ter presente uma lógica de recolha e
Colecionamos por medo do esquecimento; organização que não seja demasiado ambiciosa,
o medo do esquecimento da nossa própria num processo que está em constante mutação. O
existência. Ao mesmo tempo, através de um formato em que se apresenta pode ser variado,
atlas, podemos viajar e voltar aos lugares onde – quer seja o formato físico sobre a mesa ou a
fixamos a nossa felicidade. No caso concreto dos parede, quer seja em formato digital em sites ou
atlas de imagens dos arquitetos e artistas, no Instagram – e pode ter intenções distintas de
interessou-nos particularmente o Atlas de comunicação. Pode ser parte de um processo
Gerhard Richter, por dois motivos distintos: o de trabalho que comunica a nível interno e que
primeiro, por existir uma afinidade com o artista permanece no íntimo do seu criador. Ou, no
que é anterior à elaboração desta dissertação, e caso dos atlas que encontramos online, há, por
o segundo porque se trata de uma coleção de vezes, uma clara intenção de o comunicar, não

#39 ‘Dear House’,


Mary Duggan Studio, 124 TAVARES, Gonçalo M., Atlas do Corpo e da Imaginação, p.28
Porto Academy 2021 125 BANDEIRA, Pedro in BANDEIRA, Pedro, TAVARES, André, Eduardo Souto de Moura: atlas de parede, imagens de método, p.9

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88
a memória que habitamos

permitindo, muitas vezes, compreender se esse sujeita a incertezas fundamentais,


atlas é uma ferramenta de trabalho ou a solução probabilidades, coincidências. Segue-
final que se esgota em si mesma. se: Um escritor que diz ter escrito em
A construção do atlas pressupõe, como branco porque não tem «mais nada a
referimos, uma ideia de continuidade; e dessa dizer» nunca foi um verdadeiro escritor.
continuidade ocorre a estranheza associada Ele disse o que tinha a dizer, enquanto
ao atlas inacabado, como se não pudéssemos um verdadeiro escritor nunca tem nada a
fechar um atlas. Este arquivo que quer, no fundo, dizer: Apenas as suas histórias têm algo
organizar e reter o que a nossa memória não faz a dizer, antes de mais, a si próprio - e
com rigor, acaba por resultar numa contradição isso permanece assim até à sua morte no
quando se revela impossível controlar o seu limite campo literário de honra.”126
e conteúdo. Também na arquitetura permanece,
muitas vezes, esta sensação de obra inacabada. A citação anterior é o ponto de partida
de um texto de Helmut Friedel, historiador de
“Em retrospetiva, porém, acontece arte alemão, no livro Atlas de Gerhard Richter.
que tudo isto não é assim tão simples. Esta citação ilustra a construção deste atlas:
Tenho negligenciado algo que tem sido a narrativa é o próprio narrador. Como explica
claramente visível durante todos estes Gerhard Richter, este atlas começou por ser
anos. O narrador de uma narrativa não é, uma documentação pessoal, não é uma obra
#40 Maurice Jarnoux, ao mesmo tempo, o narrador. A narrativa de arte em si mesma. Mas talvez tenha sido o
‘André Malraux chez
lui’, 1953 enquanto tal é o próprio narrador, diz- caminho que levou Richter a alcançar obra de
se a si próprio; desde a primeira frase, arte, no inconsciente gesto, que contrasta com
a narrativa é também uma surpresa a consciência que é organizar um conjunto de
para o narrador, e todos os narradores imagens, segundo uma lógica.
sabem disso. A verdadeira aventura está No Atlas encontramos uma mescla de
na narração da aventura. Não é que o registos que vão desde estudos preliminares
narrador à la Flaubert não exista, mas a reinterpretações das próprias pinturas;
sim que não lhe é permitido existir e, encontramos ideias que Gerhard Rchter
portanto, tem de se esconder; mas, é claro realizou, outras por realizar; rascunhos e
que ele existe e conta a história. E neste esboços. Encontramos trabalhos de cariz
sentido, devido ao seu modo de origem público relacionados com a sua obra, outros,
previsível e imprevisível, devido ao seu pelo contrário, profundamente privados, que
livre-arbítrio, uma narrativa é afinal um representam a sua vida familiar na forma de
reflexo verdadeiro do mundo – tal como a imagens muito íntimas e pessoais. Este amplo
realidade física só é determinada até certo espectro de imagens permite-nos conhecer, não
ponto por causa e efeito e está finalmente propriamente o estúdio do artista, mas uma

126 MULISCH, Harry, Die Prozedur, cit in HELMUT, Friedel, Gerhard Richter. Atlas, p.5

89
90
a memória que habitamos

visão sobre a sua mente127. Em Dresden, os painéis estão dispostos


Em 1962, Gerhard Richter começa naquela que podemos considerar a versão final
por usar fotografias como objetos para as suas deste atlas. A disposição, que encontramos na
pinturas e, só mais tarde, começa a colecioná- Kunsthalle im Lipsiusbau, respeita a organização
las. As imagens surgem, neste sentido, pensada por Richter e apenas se ajusta às
primeiramente como ferramentas de trabalho e características do espaço, sem quebrar a ideia
não como meras representações imagéticas. As de conjunto que lhe é inerente. O Atlas segue
imagens têm proveniências muito distintas entre uma lógica de organização que pretende, talvez
si, desde uma origem mais íntima ligada aos contraditoriamente, criar uma nova disposição
álbuns pessoais e de família, e também de alguns na mente e imaginário do seu observador.
amigos, a fotografias que retirava de revistas. As Quem consulta o Atlas de Gerhard Richter tem
imagens permaneciam em gavetas até considerar a liberdade de repensar a própria imagética que
pertinente organizá-las em painéis brancos. encontra, relacionando os seus elementos entre
Em 1971 exibiu pela primeira vez esses si e consigo mesmo, no encontro de afinidades
painéis numa exposição com o título Materiais. Só e devaneios.
#41 Gerhard Richter, posteriormente, em 1972, numa nova exposição, Apesar de Richter ter pensado sempre
‘Sterne’,1968, Büchern,
1964-1967 intitula a sua coleção de Atlas. Alguns registos dessa num atlas para si próprio, o interesse de outros
#42 Gerhard Richter,
exposição mostram que o Atlas era diferente pela sua coleção incentivou-o a tornar a sua
‘Fotos aus Zeitungen,
Büchern’, 1964-1967
do que é hoje: havia menos painéis, eram narrativa acessível. Esta é uma forma única que
organizados de outra forma, apenas em cartão, Richter encontrou para comunicar a sua obra,
fixos à parede. O que demonstra que Richter para além da obra.
revisitou o seu próprio atlas continuamente, de
forma a fomentar uma constante reflexão sobre “Eu vejo incontáveis paisagens, fotografo
a forma como as imagens eram compostas e apenas 1 em 100000, pinto apenas 1
dialogavam entre si. Como explica Dietmar em 100 dessas que fotografei. Estou,
Elger, diretor da exposição Gergard Richter; Atlas portanto, à procura de algo bastante
na Kunsthalle im Lipsiusbau em Dresden, não específico; disto posso concluir que eu
houve trabalhos criados especificamente para o sei o que quero.”128
Atlas. Richter nunca criou materiais que agora
encontramos no Atlas, especificamente para o Apesar da vasta coleção que reúne 783
Atlas. As imagens fizeram sempre parte de ideias painéis, o pensamento de Richter não demonstra
ou projetos, não sendo as ideias ou projetos em si qualquer aleatoriedade na escolha dos seus
mesmos; nunca foram pensadas como resultado registos. Com recurso, muitas vezes, à sua
final do seu processo de trabalho. própria fotografia, o processo de organização

127 ELGER, Dietmar, in ELGER, Dietmar, FRIEDEL, Helmut, Gergard Richter: Atlas, Dresden, disponível em: Gerhard Richter: Atlas » Videos » Gerhard Richter
(gerhard-richter.com)
#43 Gerhard Richter, 128 RICHTER, Gerhard, cit in, ELGER, Dietmar, in ELGER, Dietmar, FRIEDEL, Helmut, Gergard Richter: Atlas, Dresden, disponível em: Gerhard Richter: Atlas »
‘Sonnenuntergän’, 2002 Videos » Gerhard Richter (gerhard-richter.com)

91
92
a memória que habitamos

e composição de cada imagem ajuda, a


compreender a estratégia de Richter como
artista. Como já referimos, refere que para si
não se trata de uma obra de arte, mas de uma
documentação.
Uma documentação crua, muitas vezes
#44 ‘Floating Images’,
escritório Eduardo
bela outras dolorosa, do que é a vida. Uma
Souto de Moura
documentação da paisagem e da arte, e da
paisagem que é arte, ou será o contrário?
Uma documentação sincera e verdadeira da
intenção de um autor, fotógrafo, artista, que se
dá ao mundo através da dialética imagética que
compõe.
No atlas do arquiteto podemos encontrar
a oportunidade do confronto necessário entre
o espaço e o tempo. Em tempos cada vez mais
dispersos, é necessário que os propósitos, e
o processo, não se deteriorem na imagem da
solução final. No atlas devem estar implícitas
as motivações intrínsecas à sua construção.
Encontramos a sua totalidade na multiplicidade
dos fragmentos que o compõem. A arquitetura
é urgente, mas é preciso tempo para trabalhar
a urgência. Tempo para nos construirmos
enquanto arquitetos, dentro e fora da realidade
profissional. Tempo para ler, para ver, para
sonhar. Tempo para sermos arquitetos e que
muitas vezes não encontrámos na urgência de
um exercício de projeto ou na experiência do
escritório.
No atlas encontramos a casa que está em
nós como estamos nela. Encontramos as partes que
nos permitem ser um ser uno. Sem a casa, o ser é
disperso. Tal como a casa também o atlas está em
constante mutação.

#45 ‘Autobiografia
Iconográfica’, Valerio
Olgiati

93
2 memória (i)material
memória (i)material
sobre a memória como experiência

O que fica deve, por isso, reunir as condições para que


se dê o acontecimento; saber abandonar a obra no
“Essa perda, porém, há muito tempo que momento certo, para que esta possa ser vivida;
deixou de me causar sofrimento porque, para que se torne memorável.
pelo poder reconstrutor da memória, No presente capítulo, confrontamo-
posso levantar em cada instante as suas nos com um conjunto de acontecimentos, vividos
paredes brancas, plantar a oliveira que na primeira pessoa, através da arquitetura, que
dava sombra à entrada, abrir e fechar o permanecem como fragmentos na memória e
postigo da porta e a cancela do quintal que julgamos determinantes na contaminação
onde um dia vi uma pequena cobra da ação projetual. Este exercício de memória reúne
enroscada, entrar nas pocilgas para ver um conjunto de memórias e reflexões pessoais
mamar os bácoros, ir à cozinha e deitar sobre temas, muitas vezes informais, mas não
do cântaro para o púcaro de esmalte menos importantes, para a compreensão do que é
esborcelado a água que pela milésima vez a arquitetura; não estamos, portanto, na presença
me matará a sede daquele verão.”129 de um trabalho analítico, de pesquisa. Tentámos,
deste modo, encontrar uma diferente abordagem
Fazer exercícios de memória nem sempre ao estudo da arquitetura, desprendidos de um
é fácil; requer um certo distanciamento e enunciado, na tentativa de compreender o que nos
#46 Casa Alves Costa,
Álvaro Siza, 2021 compromisso com o que fica. A dor de um fica efetivamente, da experiência vivida.
passado feliz é o eco paradoxal que habita a
memória. A saudade, torna-se dolorosa de tão Do Sul: Quinta Queimada fala sobre as
minhas primeiras memórias; Do Porto:
feliz. Queremos com isto dizer que a nostalgia é
Piscina das Marés fala sobre a poética
um sentimento a que associamos uma memória
dos materiais; uma memória imaginada
feliz que se transforma, por vezes, em melancolia, através do estudo da obra, em confronto
pela impossibilidade de voltar a acontecer. com a tardia experiência do espaço;
A arquitetura é, por isso, uma disciplina De Berlim: The Feuerle Collection fala

melancólica, que na impossibilidade de se repetir, sobre a memória do lugar; uma experiência


sensorial que eterniza no tempo a vida
repete-se na tentativa; vive da e na memória,
em Berlim; Da Suiça: La Congiunta fala
traduz-se em nostalgia por ser nostalgia em si sobre a memória de uma experiência
mesma. A arquitetura tem o poder de agregar (i)material que marca um novo capítulo
objetos, acontecimentos, sinais e significados, e no percurso académico/profissional. De
de possibilitar a ação130. Construímos espaços de um lugar entre: Vill’Alcina fala sobre
um regressar; uma memória revisitada
felicidade, de tristeza, de comunhão e solidão;
do habitar.
espaços do real e do imaginário. O arquiteto

129 SARAMAGO, José, op. cit., p. 15


130 Referência à arquitetura como acontecimento abordada por Aldo Rossi em Autobiografia Científica
(“Devo dizer que esta consciência me deu, com os anos, maior interesse pela minha profissão e, nos meus últimos projetos, procuro somente erigir construções que, por
assim dizer, favoreçam o acontecimento.)
Do Sul: Quinta Queimada

“Olho para esta fotografia e automaticamente sou levada a uma das fases mais bonitas da
minha vida. O cheiro a erva-doce e as alfarrobas são o que mais vivo tenho na minha memória.
Era um terreno do meu avô. Era muito grande, sobretudo para alguém que naquela altura era
tão pequena. A casa velha que existia naquele terreno, que era realmente velha, era onde o meu
avô tinha passado a sua juventude. Lembro-me de entrar por lá às escondidas… A casa, já em
ruína aquando da fotografia, era pequena, com apenas um piso e talvez meia dúzia de divisões.
Na parte de trás havia um estábulo onde curiosamente o meu avô escrevia nas paredes as
datas de nascimento dos animais. No exterior da casa havia uma cisterna – onde me divertia
bastante a atirar pedras para o seu interior – e um pequeno muro em seu redor – onde eu estou
sentada na fotografia. Não me recordo em particular deste dia, mas recordo-me deste espaço
sem paredes, pela sua dimensão que, para mim, parecia não ter limites; recordo-me do mar
ao fundo e dos figos pretos que ia comendo. É sem dúvida um espaço da minha infância que
recordo e caracterizo com a mesma inocência de criança. Ficaram as fotografias e uma saudade
enorme dos figos secos do meu avô.”131

131 Descrição de uma fotografia escrita para um trabalho, no âmbito da cadeira de TGOE, no ano letivo 2015/2016, acerca de uma memória de um espaço de infância

98
memória (i)material

#47 Quinta Queimada,


Armação de Pêra, 1952

99
100
memória (i)material

As férias no Algarve fazem parte performance. O espetáculo do som,


do meu imaginário criativo. Sendo luz e cor. A ideia de percurso
a minha mãe algarvia, rumamos a que convida o seu utilizador à
sul todos os verões – agora um ação. Mas, para além do espetáculo
pouco mais vazios pela ausência visual e sonoro, a arquitetura
dos meus avós. oferece ainda as duas dimensões
do sentir: a física e material,
A Quinta Queimada foi, em tempos,
que podemos tocar; e a abstrata,
uma quinta onde a minha bisavó, já
imaterial, que não tocamos, mas
viúva, criou os seus cinco filhos.
que nos toca.
O meu avô, que herdara a Quinta
Queimada, narrava todos os verões Nesta ação performativa da
histórias e peripécias daquela arquitetura, a performance começa
época; às vezes, as mesmas. Mas quando o trabalho do arquiteto
#48 Quinta Queimada, nunca me importei. acaba. O arquiteto não é, por
Armação de Pêra, 2018
isso, o ator principal, muito
Lembro-me, particularmente, de em
pelo contrário… pode até ser o
criança, “irmos aos figos” – ainda
encenador ou o argumentista, mas,
hoje o fazemos. A geometria das
a história que escreve, é para
figueiras, se é que se pode falar
ser apropriada e reinterpretada
de uma geometria orgânica, sempre
pelos seus utilizadores. Os atores
me fascinou: o interlaçar dos
principais são todos aqueles que
ramos – e do corpo com os ramos
vivem o espaço.
–, os figos pretos caídos, sobre as
folhas grandes de verde-escuro. De criança tenho também a memória
das texturas, associadas a este
O Algarve vive muito na minha
sentir o material, mas que hoje
memória pela dimensão sensorial.
permanecem como uma abstração
A cor terracota da terra argilosa,
clara dessa memória. A sul a
o cheiro a erva doce, figos e
textura das coisas parecia-me mais
alfarrobas. Considero que este
quente. A casa da Quinta Queimada
despertar dos sentidos, em
parecia feita de barro, com camada
tenra idade, causou em mim um
sobre camada, formava um aspeto
entusiasmo e curiosidade pela
denso sobre os tijolos, que se
materialidade das coisas – o
podia ver em corte nas paredes em
tocar, o sentir –, essenciais
ruína.
para o meu posicionamento sobre a
arquitetura; uma arquitetura do As anotações escritas nas paredes
sentir. pelo meu avô quando era jovem,
traduzem um tempo de dificuldade,
Podia ter seguido um caminho
mas sobretudo de resiliência;
distinto, pela vontade que tinha,
sinais que constituem parte da
em criança, de me expressar.
obra e que permanecem enquanto
Havia um lado performativo
esta permanecer. Sinais esquecidos
relacionado com o universo das
pelos tempos que vivem enquanto a
artes que sempre me interessou.
memória de quem vive os permitir
#49 Pai, Armação de Hoje, julgo que escolhi o caminho
Pêra, 2018 relembrar.
certo. A arquitetura pode ser

101
A Arquitetura tem, por isso, a
capacidade de eternizar a memória
no tempo. Relembro as memórias
que não foram vividas por mim, mas
que são também um pouco minhas
através desta arquitetura; essas
primeiras memórias, que estão
também no gesto e no pensamento,
e que fazem parte da minha
arquitetura. O imaterial existe
em nós através da materialidade
das coisas, através da memória que
coloca o nosso corpo no espaço.

102
memória (i)material

#50 Casa em Ruína,


Quinta Queimada,
Armação de Pêra, 2018

103
Do Porto: Piscina das Marés

“Na Piscina das Marés, o volume dos


balneários funciona como espaço de
transição, onde o banhista se encontra já
descalço em relação plena com o ambiente
interior que se abre para o exterior que
o envolve.(…) Ao deixar o balneário, o
banhista é confrontado com um ante
momento, num espaço intimista que,
apesar de descoberto, é ainda contido
entre paredes e onde a abertura para os
tanques é controlada, de maneira a que
o mar seja enquadrado numa moldura,
numa sensação de total apreensão da
realidade.”132

Visitei pela primeira vez a


Piscina das Marés em 2016, com
os meus colegas e professores da
unidade curricular Projeto 1.
Estávamos, nessa altura, a começar
o segundo exercício de projeto
do primeiro ano, o exercício do
bar, e a Piscina das Marés seria
uma importante referência para o
trabalho a desenvolver. Recordo-
me do entusiamo. Naquela altura,
sentia que ainda sabia muito
pouco sobre arquitetura. Mas
era, conhecimentos à parte, o
despontar de um interesse maior,
um interesse, se é que assim lhe
posso chamar, para o resto da
vida.
Iniciou-se, assim, esta caminhada
de pés descalços e mãos que
sentem.

132 Excerto retirado do trabalho Piscina da Conceição. A construção de um projeto de arquitetura, realizado no âmbito da cadeira de História da Arquitetura
Contemporânea, no ano letivo 2017/2018, com Ana Francisca Silva, Francisco Oliveira, Luís Miguel Costeira e Maria Miguel Trindade

104
memória (i)material

#51 Piscina das Marés,


Álvaro Siza, 2016

105
106
memória (i)material

Na verdade, este primeiro percurso tenho em relação ao que sentem os


não foi feito de pés descalços, seus utilizadores. A arquitetura
uma vez que era inverno e a compreendida pelas pessoas que,
visita era de âmbito académico ao contrário de mim, não estudaram
e não lúdico. Mas gostava de arquitetura. E por isso, pergunto
ter feito este primeiro contacto muitas vezes aos meus familiares
descalça, desprovida de qualquer e amigos – não arquitetos – o que
obrigação académica – que não me acham deste, ou daquele edifício.
foi imposta, mas que, de certa As respostas são sempre mais
forma, impus a mim mesma –, com simples do que eu estou à espera.
maior liberdade para o viver,
A visita à Piscina das Marés foi
como utilizadora da piscina e
em janeiro. Os sinais do inverno
não estudante de arquitetura.
estavam em todo o lado. O mar
Gostava que a visita não tivesse
tinha denunciado o lixo na praia,
sido um exercício de projeto.
assim como ramos de árvores, algas
Mas, ao mesmo tempo que escrevo
e objetos anónimos. Recordo-me
estas palavras, apercebo-me que
de haver uma vedação destruída,
desde esse momento, desde a minha
muito provavelmente, por uma
primeira visita a um lugar, a uma
tempestade recente. Para lá da
obra, a uma cidade, como estudante
vedação conseguíamos ver as duas
de arquitetura, e agora quase
piscinas vazias, que se anunciavam
arquiteta, tudo é um exercício
na paisagem como muros anónimos
de projeto. Provavelmente, tudo o
entre as rochas. Simbiose. Uma
que vivi antes disso faz também
simbiose perfeita entre a paisagem
parte deste exercício, através da
e a arquitetura. Mas estamos a
minha memória. Este (falso) desejo
falar de Siza e foi a beleza que
de experimentar arquitetura sem
julgávamos apenas presente na
pensar sobre arquitetura, existe
natureza que ele nos ensinou a
apenas pela curiosidade que
encontrar na arquitetura.

#52 Piscina das Marés,


Álvaro Siza, 2016

107
Chegámos à rampa, que descemos da obra para com estes jovens
até ficarmos entre paredes ainda estudantes, nas proporções dos
a céu aberto; estabelece-se espaços, na materialidade do betão
uma relação terra-céu. Sentimo- cor de areia e na madeira escura,
nos absorvidos, ansiosos com o nas peças de zinco que rematavam
passo seguinte. Permanecemos a cobertura, nos elementos
entre estes muros durante alguns metálicos que encontrámos nas
minutos, atentos às explicações juntas… no detalhe, na ideia
do professor José Manuel Soares. de percurso: a rampa que nos
Expectantes avançamos até ao convidava a entrar para depois
interior dos balneários, escuros, sermos levados numa viagem de
húmidos, com um ar de cavername. descoberta, que se prolonga até
Parámos. O ar frio do inverno hoje, em que todas as etapas
confere ao espaço uma mística parecem pensadas, porque o
distinta, imprevisível – sobretudo são realmente. Senti naquele
porque estávamos na presença momento, com ingénua pretensão,
de um programa pensado para a que a Piscina das Marés tinha
estação mais quente do ano. O sido desenhada para envolver os
silêncio. Há algo de monumental estudantes de arquitetura e não
naquela atmosfera, ao mesmo os deixar partir – ou o contrário.
tempo tão desprovida de qualquer Acredito que estes momentos de
monumentalidade. Em nenhum contacto direto com certas obras
momento senti que aquele espaço são essenciais para a compreensão
tinha sido feito (apenas) para o do que é este interesse pela
verão. arquitetura. Esta empatia que
julgo que muitos de nós sentimos,
Naquela altura ainda não conhecia
mas que se calhar não chegou a
a obra de Siza com rigor, mas
outros, mas que é determinante.
recordo-me que senti a empatia

108
memória (i)material

#53 Piscina das Marés,


Álvaro Siza, 2021

#54 Piscina das Marés,


Álvaro Siza, 2021

109
O meu segundo contacto com
as Piscinas foi indireto, mas
detalhado, através do estudo da
obra, para as cadeiras de História
da Arquitetura Contemporânea
e Teoria 2, no 3ºano. Conheci
(também) através desta obra, e
pelos olhos de Álvaro Siza, os
grandes mestres da Arquitetura
Moderna, Alvar Aalto, Frank Lloyd
Wright e Le Corbusier.
Finalmente, visitei a obra de
pés descalços. Nadei na Piscina
das Marés, em agosto de 2021. Nos
tempos estranhos que vivemos não
pude entrar pelos balneários,
fazer o habitual percurso, o
expectável. Quero voltar. Não
fossem os tempos estranhos, seria
outra coisa; queremos sempre
voltar.

Fica o sal do mar sobre a pele, o


betão sob os pés que desaparece na
areia sem darmos por isso, o infinito
do mar que absorvemos dentro de água,
o contemplar.

110
memória (i)material

#55 Piscina das Marés,


Álvaro Siza, 2021

111
112
memória (i)material

#56 Piscina das Marés,


Álvaro Siza, 2021

113
De Berlim: The Feuerle numa sala escura, a Sound Room;
Collection silêncio. Somos completamente
absorvidos naquele momento, não
sabemos o que esperar. Entre o
Do exterior vemos um edifício cru,
silêncio ecoam notas musicais
em betão. Impõe-se com uma certa
subtis, como sons da natureza
austeridade. Estamos frente a um
em completa harmonia com o
bunker construído em 1942, durante
espaço; sentimos a humidade no
a Segunda Guerra Mundial, em
ar, o bunker que na sua essência
Kreuzberg, Berlim.
construtiva continua a ser um
bunker; é a Music for Piano No.
Não sabemos para o que vamos. 20 de John Cage que estamos a
ouvir. A composição de John Cage
é arquitetura; quase como se lhe
A entrada não é óbvia e o pudéssemos atribuir dimensão,
edifício parece encerrado. Quando escala e proporção; está, também,
descobrimos a entrada, somos a desenhar aquele espaço e a
recebidos por um segurança que envolver-nos. De repente não
rapidamente nos encaminha para existe mais nada; o momento é
um espaço fechado com algumas de reflexão e meditação. Estamos
portas que nos levarão depois até submersos no espaço quando a
ao início desta experiência. A nossa visão se começa a adaptar.
visita é feita apenas por marcação Compreendemos que aquele espaço
e para pequenos grupos. Reunidas é a transição entre o mundo
as pessoas que se juntam a nós – exterior e o que estamos prestes
a mim, ao Gui e à Joana –, somos a viver. O nosso corpo repele a
convidados a deixar os nossos escuridão, mas pela nossa natureza
pertences numa zona de cacifos; e instinto, em poucos minutos
telemóveis e máquinas fotográficas, desvanece-se para nos deixar ver
não são permitidos. as esculturas Khmer que surgem
repentinamente.
Estamos no piso subterrâneo

114
memória (i)material

#57 Holger Niehaus,


John Pawson, The
Feuerle Collection,
Berlim

115
116
memória (i)material

#58 Nic
Tenwiggenhorn, John
Pawson, The Feuerle
Collection, Berlim

117
118
memória (i)material

Passamos à sala principal superfície de água que reflete os


da exposição. É estonteante. enormes pilares de betão. Naquele
Estamos na presença de peças de instante senti-me na presença de
mobiliário chinês da Dinastia um templo, algo que se eleva em
Han ao início da Dinastia Qing, si mesmo, havia algo de espiritual
desde 200 a.C. até ao século naquele espaço que nos transcende
XVII justapostas com esculturas e que comunica connosco. É
Khmer, do século VII ao século curioso, porque só recentemente
XIII, e a arte contemporânea de li a alusão que John Pawson faz
Zeng Fanzhi, Nobuyoshi Araki, à Cisterna de Basílica, Yerebatan
Anish Kapoor, James Lee Byars, Sarnıcı, em Istambul, quando
Cristina Iglesias, e Adam Fuss. pensou neste espaço.
A disposição das peças e a
forma como se complementam,
independente da época a que dizem Senti-me transportada para um
respeito, é pensada ao pormenor; o lugar maior. Entre Istambul e uma
nosso movimento entre elas é parte escultura de Donald Judd, estava
da composição. na Lake Room de John Pawson.

#59 Nic A intervenção de John Pawson é


Tenwiggenhorn,
John Pawson, The mínima; e é isso que lhe confere
Feuerle Collection,
Berlim
tamanha grandiosidade. O edifício,
que tinha sido pensado como
um centro de telecomunicações
durante a Segunda Guerra Mundial,
estava tremendamente bem isolado,
massivamente bem construído.
Rigorosamente desenhado no
que diz respeito à métrica e à
proporção; de atmosfera única
e imutável. A intervenção não
poderia ter sido outra. A água
escorre pelas paredes conferindo
ao betão um tom esverdeado. O
silêncio é total para além dos
sons que são do próprio edifício
e dos passos das pessoas. As
paredes devem ter aproximadamente
2 metros de espessura. Não estamos
num museu… é diferente. É outra
dimensão. O programa é de um
museu; o espaço é outra coisa.
Estamos submersos; quando nada
#60 John Pawson, mais é expectável surge a Lake
The Feuerle Collection,
Berlim, 2011-2016
Room. Um vidro separa-nos de uma

119
Da Suiça: La Congiunta

Fomos de Zurique a Ticino, em


março deste ano – eu e o Gui.
Em Zurique nevava. Na viagem
de comboio os nossos olhos não
queriam perder os planos abstratos
que desenhavam a paisagem: o
lago e a montanha que montavam
um cenário completamente místico.
Aquela atmosfera envolvia-nos e
o barulho do comboio desvanecia-
se. O filtro azul: água, neve,
nevoeiro. Lembro-me da sensação
de pequenez perante a tamanha
dimensão da paisagem.
Sem darmos por isso: sol. Tínhamos
entrado num túnel quando ainda
nevava, mas quando atingimos o
outro lado o sol magoava-nos os
olhos. É a beleza suíça de que
tanto se fala.
De Zurique fomos diretos a
Giornico, onde se localiza o Museu
La Congiunta.

120
memória (i)material

#61 Zugersee,
Suíça, 2021

#62 Giornico, Ticino,


Suíça, 2021

121
A relação com o museu é de
intimidade. Espera-se que o
visitante se aproprie do espaço.
O museu deve ser aberto por nós
com a chave que se encontra numa
osteria perto de La Congiunta.
O pequeno restaurante, que fica
no rés-do-chão de uma casa com
dois andares independentes,
estava fechado devido à
pandemia. Ficámos, naturalmente,
desapontados. Tínhamos ansiado
muito por aquele momento. Ter a
chave de um museu na mão é, diga-
se, bastante empolgante. Tocámos
à campainha de um dos andares
e fomos recebidos por um senhor
que, entre barreiras linguísticas,
acabou por nos compreender e
levar-nos até à casa dos donos da
osteria.
Finalmente estávamos a caminho
de La Congiunta. O percurso é
muito bonito. Giornico fica num
vale, rodeado por vinhas; é uma
localidade pequena e não se vê
ninguém nas ruas; apenas uma
pizaria que estava aberta lhe
dava algum movimento. As casas
de antigos vinicultores são
pitorescas, em pedra e telhados
de xisto. Duas pontes de pedra
antigas atravessam o rio Ticino
e levam-nos até ao outro lado da
margem. Uma pequena ilha forma-
se entre as pontes. Entre casas
e ruas estreitas avistámos, ao
longe, a La Congiunta.

122
memória (i)material

#63 Museo La
Congiunta,
Peter Märkli,
Giornico, 2021

123
124
memória (i)material

#64 Museo La
Congiunta,
Peter Märkli,
Giornico, 2021

125
126
memória (i)material

Peter Märkli desenha um edifício


complexo pela sua simplicidade,
que quer ser simples em si mesmo.
É sobre a experiência como um
todo. O edifício é o intermediário
para que se colecionem as memórias
daquele lugar. Temos a sensação de
estar perante um depósito pessoal
do artista, que nos convida a
entrar. A partir daquele momento,
aquela coleção é, também, um
pouco nossa.
La Congiunta podia, efetivamente,
ser um arquivo pessoal do autor.
Cada espaço funciona como uma
câmara protetora que acolhe
as obras de Hans Josephsohn.
A atmosfera é de intimidade
e introspeção. Peter Märkli
demonstra uma ideia clara de
percurso, que se traduz na
sequência dos diferentes espaços,
mas que se inicia muito antes do
abrir da porta; começa à chegada
a Giornico. Estamos num museu-
percurso; um museu-experiência.
Tempo e espaço. O edifício é
unicamente iluminado com luz
natural. O nascer e o pôr do sol
ditam a sua ambiência. Neste
sentido, o natural e o construído
formam um todo. A arquitetura é
parte da paisagem.
Esta analogia ao tempo através da
luz reflete a dimensão sensorial do
espaço, que deve ser experienciado
em comunhão com o que nos rodeia.

#65 Museo La
Congiunta,
Peter Märkli, Espaço-tempo. Luz-sombra. Arquitetura-
Giornico, 2021
paisagem. Natural-construído.

127
128
memória (i)material

#66 Zugersee,
Suíça, 2021

129
De um lugar entre: Vill’Alcina

“Sala de Estar
O volume construído é uma abstração da
sala de estar de Vill’Alcina. Pretendíamos
compreender a simbiose entre a
natureza e o homem feita através da
nossa memória do lugar. O objetivo era
abstrair e interpretar os elementos que
permaneciam nos nossos sonhos. Acedida
através da cozinha e do corredor, a sala
abre-se em direção à paisagem. Através
do canto aberto, o ar e o cheiro do mar
fluem através da sala. A vista sobre a
foz do rio Minho é traduzida com uma
subtração. A essência do mar é traduzida
através do uso da areia como um material.
A cozinha e a sala estão ligadas através
da lareira e da chaminé que enfatiza o pé
direto duplo. O cilindro materializado
com cinzas, representa o fogo: o fogo
como uma sensação de conforto e o fogo
como uma sensação de perigo. Ambos os
elementos se traduzem num objeto que
representa as experiências interiores e
exteriores da casa.
“O fogo quase tocou a casa”.
Sergio Fernandez” 133

133 Texto acerca da sala de estar da Vill’Alcina, realizado no âmbito do Porto Academy 2021 (Estúdio Mary Duggan, com Edda Meinertz e Tomas Rofrano Arcos
(originalmente escrito em inglês)

130
memória (i)material

#67 ‘Dear House’,


Mary Duggan Studio,
Porto Academy 2021

131
132
memória (i)material

#68 Vista sobre o Rio


Minho, Vill’Alcina,
Caminha 2021

133
134
memória (i)material

A primeira vez que visitei a encontra-se a mesma humildade na


Vill’Alcina, estava no primeiro casa que se encontra no discurso
ano da faculdade. Recordo a do arquiteto, quando a descreve
experiência como um marco como: nada de especial.135
importante no meu percurso, onde
Voltada para o Monte de Santa
encontrei, talvez pela primeira
Tecla, está implantada numa
vez, o sentido do habitar. A casa
encosta sobre a foz do Rio Minho.
revisitada recentemente, foi a
Um telhado inclinado acolhe-nos à
pedra de fecho necessária para
chegada, num aconchego contrário
marcar o final do ciclo. Acabar
à sua propriedade material: fria e
como se começou. Na Vill’Alcina
crua. A expressão dessa cobertura,
revisitada, encontrei as minhas
em tijolo e betão, com poucos
primeiras memórias preservadas.
acabamentos, está dependente dos
Nesse reconhecimento encontrei o
fenómenos da natureza, uma vez que
mesmo aconchego... é uma casa que
foi idealizada para ser coberta
aconchega, realmente, quem chega
por uma hera – o acabamento seria
pela primeira, segunda, milésima
feito pela própria natureza –,
vez…
mas nem sempre tal acontece. Como
#69 Vill’Alcina, Inserida num conjunto de obras que nos explica Sérgio Fernandez, é
Sérgio Fernandez,
Caminha, 2021
afirmam uma geração de arquitetos uma casa muito condicionada pelos
do Porto, a Vill’Alcina, de Sérgio fenómenos da natureza e a sua
Fernandez, é uma obra que vive ambiência é também limitada pelas
no imaginário de quem a visita… estações do ano. Esta relação
marca, indubitavelmente, os seus natural/construído está presente
visitantes, independentemente do em toda a obra: a casa, anónima,
contexto (geográfico) em que se dissolve-se na paisagem, como se
inserem e do seu conhecimento fosse parte dela, feita da mesma
sobre arquitetura portuguesa.134 matéria. Numa variação de cotas
que distribui o programa,
Na casa encontramos uma
(re)encontramos a topografia do que
simplificação que permite valorizar
o terreno era antes.
as vivências de quem a habita.
Sob a cobertura, o nosso olhar
Está presente o pragmatismo do
detém-se no enquadramento da
gesto e a verdade da matéria;
paisagem envolvente, antes de se

134 Testemunho relativo à visita realizada à obra no âmbito do Porto Academy 2021
135 Testemunho relativo à visita realizada à obra no âmbito do Porto Academy 2021

135
virar para a porta de entrada à
esquerda, numa cota mais baixa.
Aos poucos, os nossos corpos
movimentam-se expectantes,
incapazes de abandonar a paisagem
que já nos tomou como parte dela.

A entrada é iluminada por uma luz


zenital que se dilui no espaço. É
nesta transição exterior-interior
que a casa se vai despindo do
anonimato e se enche das pequenas
dialéticas do habitar. A luz,
ainda que confira ao espaço um
certo mistério, encarnado pelo
olhar da curiosa peça colocada
em frente à porta, convida-nos a
entrar.
A cobertura que se prolonga para
o interior é agora mais quente. Os
tetos baixos, o revestimento em
madeira e o reboco presentes no
espaço interior atribuem-lhe uma
identidade mais íntima.
A cozinha abre-se para a sala
e ambas constituem o espaço de
estar da casa, a diferentes cotas.
A cozinha estende-se num gesto de
domesticidade. Na nossa cultura,
pensar a cozinha como o coração
da casa está, efetivamente,
presente. O momento da refeição é
sinónimo de reunião, convívio e
afetividade.
A chaminé, surge como um elemento
abstrato, único, que liga a sala e
a cozinha numa intenção que evoca
a condição humana do habitar.

136
memória (i)material

#70 Espaço de entrada,


Vill’Alcina, Sérgio
Fernandez, Caminha
2021

#71 Inês d’Orey,


‘Só Nós e Santa Tecla’,
Vill’Alcina, Sérgio
Fernandez, Caminha,
2008

137
138
memória (i)material

A casa de banho é uma fonte de


luz que se distingue da linguagem
dos restantes espaços, mas que
denota o mesmo cuidado no desenho
sublime da entrada de luz.
No espaço de dormir, encontramos
três alcovas que são o exponente
máximo da vida partilhada, vivida
em comum. O quarto que se fecha
é, por outro lado, uma tentativa
de intimidade que não encontramos
nas restantes divisões da casa. A
paisagem que invade estes espaços
através de um grande pano de
vidro resulta num momento de total
comunhão com o que nos envolve.
Contrariando a dinâmica da vida
que quer ser partilhada, naquele
espaço está-se sozinho com a
#72 Inês d’Orey, ‘Só
paisagem. Apagam-se as vozes que
Nós e Santa Tecla’, por ali habitam e encontramos
Vill’Alcina, Sérgio
Fernandez, Caminha o silêncio puro. Habitamos com
2008
intensidade.

Nesta última visita, talvez pelo


contexto em que foi proporcionada,
senti um silêncio especial
entre os passos que habitaram a
Vill’Alcina naquela tarde.

Este texto, algo inacabado, é a pedra


de fecho de um conjunto de reflexões
sobre o meu entendimento do que é a
arquitetura; mas é, ao mesmo tempo,
a pedra que se lança e que promete
construir o que está para vir, um
futuro onde a reflexão não se esgota.

139
140
memória (i)material

#73 Vill’Alcina,
Sérgio Fernandez,
Caminha 2021

141
«Projetar: há um princípio quase em nebulosa,
raramente arbitrário.

Perpassa a história toda, local e estranha, e a


geografia, histórias de pessoas e experiências sucessivas,
as coisas novas entrevistas, música, literatura, os êxitos
e os fracassos, impressões, cheiros e ruídos, encontros
ocasionais. Uma película em velocidade acelarada
suspensa aqui e ali, em nítidos quadradinhos.

Uma grande viagem em espiral sem princípio


nem fim, na qual se entra quase ao acaso. Comboio
assaltado em movimento.

É preciso parar e ser oportuno na paragem.

Agora entra a razão, com os seus limites e a sua


eficácia.

Talvez retomar a viagem?»


Álvaro Siza, ‘Projetar’, 01 Textos
3 dar lugar à memória
146
dar lugar à memória

Motivação

Dar um lugar à memória surge, na presente


dissertação, como um exercício que lança sobre
a mesa os temas até aqui abordados. Como se de
um trabalho de artesão se tratasse, pretendemos
tornar reais os sonhos e devaneios, através da mão
que desenha de memória, que experimenta por
intuição e se deixa perder no gesto da imaginação.
Propondo-se que a teoria não preceda
a prática, este é um trabalho de fundição entre
ambas. Não existe, portanto, um momento claro
destinado a cada uma das partes da dissertação,
mas sim um constante deambular entre o estudo
teórico e o exercício prático. O projeto surge
aqui como momento final desta investigação,
mas podia, na verdade, introduzi-la.
O concurso de ideias internacional Site
Tower, lançado pela ArkxSite a 21 de janeiro
de 2021, para uma proposta de uma torre em
Monsaraz, constitui o pretexto ideal para a
realização de um exercício que, apesar da sua
componente prática, ajuda a (des)contruir um
pensamento teórico, não só pelo seu carácter
formal, mas também pelo seu conteúdo
programático – uma torre contemplativa.
A liberdade e intensidade associadas a um
concurso de ideias são temas que nos interessam,
pois no âmbito desta dissertação deve elevar-se
o pensamento, a imaginação e intuição, no ato
de projetar. Um projeto real impossibilitaria que
todos os princípios fossem lidos em si mesmos,
estando limitados a um contexto e circunstâncias
específicas. É nesta viagem que se procura
encontrar a poética dos espaços, e o que nos fica na
memória. O ato de tocar e sentir, ver e reter.

#74 Richard Long,


‘Sahara Line’, 1988

147
148
dar lugar à memória

O sítio da Torre: Monsaraz reforma manuelina do foral, e estabelece-se uma


Irmandade da Misericórdia.
Apesar de, na realidade do que foi a No século XVII, durante a Guerra da
intensidade do concurso, o estudo da estrutura Restauração, devido à sua localização estratégica,
urbana de Monsaraz não ter constituído, em é reforçado o seu perímetro defensivo para
detalhe, parte do processo, importa agora, no proteger o centro medieval a partir do exterior.
âmbito da dissertação, contextualizar e cruzar a Uma nova fortaleza do tipo Vauban é edificada,
proposta final com a história do lugar. incluindo a Capela e Forte de São Bento e vários
A vila de Monsaraz, uma das mais antigas baluartes na encosta leste139.
de Portugal, ergue-se sobre um monte com vista A Ermida de São Lázaro foi construída
para o vale do Guadiana e para a fronteira com no século XIV, entre a encosta de Monsaraz e
Espanha. a Capela de Santa Catarina. A partir do século
A presença de monumentos megalíticos XIX, com a mudança da sede de concelho para
na sua região indicia a vida de um tempo Reguengos de Monsaraz, a fortificação é deixada
distante. Apresentando indícios de ter sido um ao abandono, resultando na ruína de várias
castro fortificado, este terá sido romanizado e edificações, incluindo a Ermida de São Lázaro.
sucessivamente ocupado por diferentes povos: Hoje, entre montes alentejanos, Monsaraz
visigodo, árabe, moçárabe e judeu136. apresenta-se como uma vila de uma beleza ímpar
Durante o século VIII, Monsaraz fica sob e uma paisagem única sobre o Lago do Alqueva.
o domínio muçulmano, até ser reconquistado,
pela primeira vez, em 1157137. D. Afonso
Henriques será derrotado, em Badajoz, em 1173,
ficando Monsaraz sob o poder dos almóadas,
até à reconquista de D. Sancho II, apoiado pela
ordem dos templários, a quem doa a povoação.
O povoamento cristão é consolidado
durante o reinado de D. Afonso III, quando lhe é
atribuída o primeiro foral. Durante este período,
é edificado o núcleo primitivo do castelo, que
inclui a matriz, a torre de menagem e o tribunal
gótico138.
#75 Monsaraz, vista da
Ermida de São Lázaro Durante o século XVI, dá-se um
crescimento da povoação, incentivado pela

136 Arquivo Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, O Berço do Concelho, disponível em: http://arquivo2020.cm-reguengos-monsaraz.pt/pt/site-municipio/
concelho/historia/Paginas/berco-do-concelho.aspx [consult. maio 2021]
137 OLIVEIRA, Catarina, Fortificações e todo o conjunto intramuros da vila de Monsaraz disponível em http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/
patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/70568/ [consult. maio 2021]
138 OLIVEIRA, Catarina, op. cit., disponível em: http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-
em-vias-de-classificacao/geral/view/70568/ [consult. maio 2021]
139 Informações presentes no enunciado de concurso Site Tower ( January 21, 2021 - May 08, 2021), fornecido por ArkxSite

149
20 50 100 m

150
dar lugar à memória

#76 Planta de
implantação

151
152
dar lugar à memória

#77 Vista sobre o


Alqueva (esquerda)
#78 Ermida de São
Lázaro (direita)

153
154
dar lugar à memória

A Torre do Sítio: objeto e programa A sua proporção alta e estreita traduz


verticalidade, evocando a relação entre o céu e a
tor·re |ô| terra; entre o mundano e o divino - o solo e o céu
(latim turris, -is)
celestial. Pretende-se elevar a experiência a outra
1. Construção elevada, geralmente de pedra
ou de tijolo, redonda ou angular. dimensão, que ultrapassa o físico e material e
2. Campanário. que está associado a um universo imaterial, de
3. Fortaleza.
4. [Marinha] Parte elevada sobre a coberta sensações e emoções.
dos navios onde se coloca a artilharia de
grande alcance. “Site Tower é um marco isolado, um lugar
5. [Marinha] Estrutura estanque acima do
casco do submarino, onde fica o comando, para captar a história do local e envolver-
periscópio, rádio, radar e outros sistemas de se com a paisagem e o lago do Alqueva.
controlo.
Mediando entre espaços exteriores e
6. [Antigo] [Militar] Máquina de guerra em
forma de torre. interiores, desde o solo até ao vazio
7. [Militar] Estrutura móvel e blindada no celestial, é uma experiência corporificada
topo dos carros de combate, onde fica a
boca-de-fogo. de luz e ar, através do movimento e lugares
8. [ Jogos] Cada uma das peças do xadrez, de descanso; uma viagem contemplativa
geralmente em forma de torre com ameias, através da memória, tempo e lugar.”141
que no início do jogo, está nas casas das
pontas do tabuleiro. = ROQUE
9. [Figurado] Pessoa muito alta e robusta. Como nos é anunciado no texto de
10. [Linguagem poética] Navio de guerra.140
apresentação do concurso, a torre deve assumir-
se como um marco isolado na paisagem, que
No seguimento do que foi o
convida o visitante a uma viagem contemplativa,
enquadramento histórico de Monsaraz, importa
através de uma nova dinâmica que envolve o Ser
também compreender o que é a torre do ponto
e a paisagem; o lugar e a memória – ou o Ser,
de vista etimológico.
paisagem, lugar e memória; um novo desenho
Muitas vezes associada à sua função de
do lugar que permita ao visitante perder-se em
defesa militar, todos temos presente a torre
memórias passadas, enquanto se envolve com o
como espaço de proteção, enclausuramento,
que o rodeia.
introversão. Monsaraz caracteriza-se pela sua
Através do enunciado, podemos concluir
localização privilegiada e, como anteriormente
que os sinais que nos são dados se revelam ténues
referenciado, foi, em tempos, um importante
e dotados de uma fragilidade que é positiva no
ponto de defesa militar.
momento de criar. Um projeto imaginário feito
A torre aqui enunciada não será uma torre
das fragilidades necessárias para esta reflexão.
de defesa, mas o sentido de proteção e abrigo do
Relativamente ao programa, é-nos dada a
Ser está presente na intervenção; a Torre como
seguinte informação:
lugar do Ser fechado sobre si mesmo.
#79 Plantas castelo
inglês, desenho de
Louis Kahn 140 “torre”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, disponível em: https://dicionario.priberam.org/torre [consult. 24-05-2021]
141 Informações presentes no enunciado de concurso Site Tower ( January 21, 2021 - May 08, 2021), fornecido por www.arkxsite.com

155
156
dar lugar à memória

Entrada* viagem contemplativa: ascensão/descensão, silêncio e


Um espaço de transição entre a paisagem solitude, informação sobre o lugar, vista sobre a paisagem
natural e a Torre. e relação com a envolvente.
Descanso / Vista sobre a paisagem
Um percurso de ascensão / descensão Como palavras-chave: tempo, memória e
íntimo (com espaços de descanso, que lugar.
permitam aos visitantes experienciar
momentos de silêncio e solitude, abertos
ou encerrados em torno dos elementos
naturais)
Espaço de informação
Área designada a providenciar os
visitantes com informações sobre a
história e memória do lugar; pode ser
um espaço único ou uma sequência de
#80 Eduardo Chillida, espaços, aberta ou encerrada em torno
‘Aromas’, 2000
dos elementos naturais.
Miradouro
Um espaço íntimo de contemplação
panorâmica sobre a paisagem e o bonito
cenário do Lago do Alqueva, que oferece
aos visitantes uma relação única com a
imensidão do lugar; pode ser um espaço
único ou uma sequência de espaços,
aberto ou encerrado em torno dos
elementos naturais.

A área Total da intervenção deve ser


determinada por cada participante.

O programa é livre em termos de área e


ocupação, ficando à consideração do participante
a melhor forma de o traduzir em espaço. Como
ponto de partida tentámos desconstruir os dados
que nos são fornecidos – a caracterização dos
espaços através de um jogo dual: paisagem natural
/torre, aberto/encerrado, espaço único/sequência de
espaços; e a ação no espaço que caracteriza esta

157
158
dar lugar à memória

#81 Esquissos do
projeto

159
160
dar lugar à memória

A Interioridade das Memórias O círculo desenha o espaço e o tempo.


Simboliza a vida. O partir e o regressar.
“Oculta consciência de não ser, Partimos de um espaço escuro e quente,
Ou de ser num estar que me transcende, o ventre da nossa mãe.
Numa rede de presenças Assim como a vida, também a Torre quer
E ausências, ser um percurso de descoberta.
Numa fuga para o ponto de partida:  A ligação entre a Ermida de São Lázaro
Um perto que é tão longe, em ruína e a nova torre, que marca a
Um longe aqui. paisagem, faz-se numa contradição
Uma ânsia de estar e de temer entre o gesto e a intenção. Ligação esta
A semente que de ser se surpreende, que pretende ser subtil na paisagem,
As pedras que repetem as cadências enquanto desenha um percurso que se
Da onda sempre nova e repetida faz até à zona informativa da Torre. O
Que neste espaço curvo vem de ti. facto da entrada se fazer apenas através
da Ermida assinala esta forte relação que
#82 Richard Long, José Saramago se quer estabelecer entre as memórias
‘Touareg Circle’,
The Sahara, 1988 antigas do lugar e as novas que se irão
construir.
Chegados a este espaço enterrado e
iluminado de forma singela, os visitantes
sentem-se acolhidos e prontos para
iniciar a sua viagem.
A Torre estende-se em oito pisos, que
ao longo da sua jornada, se tornam cada
vez mais estreitos. Convida-se, assim,
os visitantes a fazerem uma viagem
de interioridade, para descobrirem o
outro (através da relação com a memória
existente) e para se descobrirem a si
mesmos. Chegados ao último piso, há um
respirar sobre a paisagem do Alqueva. O
fim da viagem.”142

142 Texto presente no painel do concurso, entregue a 08/05/2021 (originalmente escrito em inglês)

161
162
dar lugar à memória

#83 Painél Final do


Concurso, Maio 2021

163
164
dar lugar à memória

A interioridade das memórias foi o título modo, uma tensão ascendente/descendente


atribuído ao projeto, na entrega do concurso. entre os dois elementos mais importantes da
Interioridade pelo duplo sentido da torre como composição: Monsaraz e o Alqueva. No cimo,
um lugar interior que traduz as memórias do Monsaraz que se impõe pelo seu desenho no
lugar e a interioridade das memórias de quem alto da escarpa; a baixo o Alqueva, intocável,
visita o lugar e que faz dessa visita um momento inacessível.
de intimidade (e interioridade), colocando o seu A torre será, deste modo, o elemento que
corpo no espaço. se coloca entre ambos.
A torre pretende dar espaço à ação. O percurso é iniciado através de dois
O edifício é, muitas vezes, o espaço entre; entre caminhos possíveis existentes, que se cruzam na
o utilizador e a paisagem. É por via deste chegada à Ermida de São Lázaro. Os acessos,
elemento contruído que o utilizador se coloca no seu estado natural, desenhados pelos passos
de uma determinada maneira em relação ao que das gentes que por ali passaram, permitem ao
o rodeia. O arquiteto tem, por isso, a capacidade visitante submergir na paisagem. O estado
de criar uma narrativa, através de uma ideia de virgem do terreno confere à torre um caráter de
percurso e da materialização de um objeto onde pertença. A simbiose que encontramos na Piscina
este culmina. das Marés é aqui evocada. A torre é reduzida à
Deste modo, atribui novos elementos ao sua essência, não querendo ser mais do que é
lugar que ajudam a evidenciar as qualidades já efetivamente: um elemento maciço e abstrato
existentes. Os elementos da paisagem envolvem sob a paisagem. A experiência é mais do que o
quem visita o lugar e constituem parte essencial edificado. A torre será o intermédio para que se
da intervenção. Os montes vestem-se de tons dê a ação e essa é a sua verdadeira função.
quentes e monocromáticos e entre azinheiras, Uma torre-percurso; torre-experiência.
sobreiros e tojos, o percurso desenha-se. Ao Chegado ao lugar, o visitante não
fundo, o Alqueva é o culminar desta envolvência encontra a entrada. Move-se entre os diferentes
com a natureza. planos da intervenção, não ficando limitado
A torre surge na paisagem como um ao enquadramento previsível e expectável da
objeto anónimo que não se quer impor. Tal chegada. Quando sabemos onde fica a entrada
como em La Congiunta, a experiência da obra há um movimento natural e instintivo que é
deve ser uma viagem contemplativa que se inicia retilíneo, direto. Neste caso, o visitante deve
muito antes da entrada na torre. Chegado a deambular entre os diferentes enquadramentos,
Monsaraz o visitante é envolvido pela paisagem deve ele mesmo enquadrar a obra sobre a
sobre o Alqueva e pela escarpa onde se desenha paisagem através da sua apropriação; deve tocar,
a muralha da vila. sentir as paredes, as texturas quentes, a cor de
O visitante faz um percurso descendente argila, procurar e estimular o seu entusiasmo e
em direção à torre, ao contrário do acesso ao curiosidade. Cria-se, neste ponto, um momento
interior da muralha de Monsaraz. Cria-se, deste de surpresa.
#84 Percuso de acesso
à Torre e Ermida de São
Lázaro

165
166
dar lugar à memória

#85 ‘Torre’, vista


panorâmica

167
4.

3.

2.

1. Entrada
2. Espaço de informação
3. Descanso /Vista sobre a paisagem
4. Miradouro

2 5 10 m

168
dar lugar à memória

1.

#86 Esquema dos pisos

169
170
dar lugar à memória

O acesso à torre faz-se através da Ermida


de São Lázaro. Este elemento é deixado em
ruína, tal como o encontrámos. Não se pretende
uma ação interventiva na ruína, uma vez que
esse não é o tema que se pretende abordar – a
intervenção na ruína. Aqui é, apenas, metáfora
para as memórias do lugar. As memórias
existentes que permitem que novas memórias
sejam criadas. A ruína é uma alusão aos sinais do
tempo sobre a obra construída.
Dentro da ermida o visitante fica entre
quadro paredes maciças, com os pés sobre a
pedra que se apaga entre terra e vegetação;
apenas o céu se abre sobre si. Terra-céu. A ideia de
verticalidade é aqui anunciada, mas só atingirá o
#87 ‘Torre’, interior seu exponente máximo com a viagem ao interior
da torre.
O visitante desce por umas escadas e faz
um movimento rotativo que o leva a um percurso
reto, um grande gesto, entre a Ermida e a Torre.
No fim deste percurso estreito, entre muros, o
visitante chega a um espaço circular, fechado,
que se deixa abrir apenas por uma fenda, onde
a luz entra subtilmente; a torre é iluminada
apenas por luz natural. Neste espaço circular,
imprimidas sobre o betão, estão informações
sobre o lugar. A impressão de memórias que
permanecerão enquanto existir a obra, gravadas
na arquitetura, como desde o início dos tempos.
O movimento de ascensão apresenta
momentos distintos. A materialidade do objeto
é uma mistura de betão com a terra argilosa do
sítio. A cor é quente como a paisagem. Estamos
a tocá-la quando tocamos a torre.
A intervenção é de escavação sobre este
maciço de betão. Os espaços são escavados
criando momentos de tensão distintos, abertos
e fechados sobre a paisagem, que, ao longo
do percurso se estreitam, provocando no
visitante diferentes sensações. É uma viagem de
171
172
dar lugar à memória

cationalVersion

5 10 25 m

#88 Alçado Norte


#89 Alçado Sul

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174
dar lugar à memória

#90 ‘Torre’, zona de


informação

175
+281.90

+260.8

+260

+257

2 5 10 m

176

GSEducationalVersion
dar lugar à memória

descoberta, introspeção e reflexão. O percurso


é solitário, é um momento individual e íntimo,
onde muitas vezes só cabe uma pessoa. A viagem
é, por isso, a contemplação sobre o próprio Ser
e não apenas na relação com o que o envolve.
No fim do percurso, entre formas
abstratas, pés direitos distintos, aberturas
contidas e enquadradas na paisagem; depois
de um estreitar que quase não deixa respirar,
num momento de total introversão: a paisagem;
abertura total sobre o Alqueva que, ainda assim,
continua a cortar a respiração, mas desta vez de
uma maneira distinta. O percurso é igualmente
labiríntico, mas o visitante tem agora o tronco
fora de muros, a apreensão da natureza é total.
A torre é, como explica o texto entregue
no concurso, uma alegoria à própria vida: há,
por vezes, momento de maior dificuldade,
traduzidos no estreitar da torre, mas existe
também a superação dessas adversidades.
Assim como na vida, são impostos
desafios, momentos de superação; no fim, a
plenitude, o respirar sobre a paisagem.

#91 Corte pela ‘Torre’


(esquerda)
#92 Plantas dos Pisos
(direita)
2 5 10 m

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dar lugar à memória

#93 Maquete da ‘Torre’


em corte, vista do
miradouro
#94 Maquete da ‘Torre’
em corte, vista dos
pisos

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dar lugar à memória

#95 Maquete da ‘Torre’


em corte, vista interior

#96 Amostras do
estudo da materialidade
da ‘Torre’
#97 Maquete da ‘Torre’
em corte, vista exterior

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dar lugar à memória

#98 ‘Torre’, vista sobre


o Alqueva

183
184
4 epílogo(s)

185
186
epílogo(s)

I. aprendizagem que nos ensina que o tempo urge


decisões rápidas, mas que as soluções procuram
“Todos nós vivemos arquitetura, ter sentido. E o que sobra do tempo para futuras
mesmo antes de sequer conhecer a reflexões queremos, de certo modo, afastar dos
palavra arquitetura. As raízes do nosso pensamentos para que se permita o sono.
entendimento arquitetónico encontram- Nesta dissertação comprometi-me a
se nas nossas primeiras vivências: o revisitar os pensamentos que se perderam nesse
nosso quarto, a nossa casa, a nossa rua, sono. Convenci-me que seria possível levar o
a nossa aldeia, a nossa cidade, a nossa tempo com mais calma e menos urgência. O
paisagem – cedo experimentamos de mais importante seria (re)ler o que ficou por
forma inconsciente, e mais tarde as ler; escrever o que ficou por sintetizar. Tentei
comparamos com paisagens, cidades desafiar o tempo, mas a vida decorre sem que
e casas que se vieram juntar. As raízes se dê por ela. E é isso que pauta o viver. Porque
do nosso entendimento arquitetónico assumindo que o viver é efêmero – haja ou não
encontram-se na nossa infância, na haja uma vida eterna –, o tempo será sempre
nossa juventude: encontram-se na nossa escasso.
autobiografia.”143

Esta dissertação poder-se-ia intitular II.


como Autobiografia possível, vivendo nesta
impossibilidade que é viver e dissertar em “Escola Primária: instituição destinada a
simultâneo. Sabia que o trabalho ia ser corrigir nas crianças o vício impertinente
autobiográfico, mesmo que não o quisesse de lerem na Natureza, nas Pessoas e nas
ser, por isso achei melhor assumi-lo, - com Coisas.
a pretensão, que seria capaz de organizar em Uma criança precisa, para existir, de
formato autobiográfico um trabalho que se espaço.
exige científico. Para que uma criança crie espaço,
Aqui, tentei reunir um conjunto de precisa de ter mãe: para que um corpo
pensamentos e reflexões pessoais que navegam se confronte com o seu; para que nesse
entre a razão e a intuição e que tentam não se espaço se possa desenvolver o gesto –
perder pelo sonho e devaneio. Um exercício de «onde põe a pitinha o ovo?» – se metam
memória constante. as palavras e se organize a linguagem
A premência que caracterizou os cinco que é basicamente emoção e AMOR.
anos como aluna e habitante desta escola Não basta comunicar pelo gesto ou pela
impossibilitaram o recuo necessário para palavra. É necessário que a comunicação
avançar. Mas esse é um processo indispensável à se faça num enquadramento de

143 ZUMTHOR, Peter, op. cit., p. 65

187
188
epílogo(s)

linguagem que é: sistema de referências, casa e rapidamente sair para brincar. Brincava na
RELAÇÃO, espaço plástico gerido por rua da escola primária. Naquela altura, o espaço
cada um e por todos. É a linguagem entre a minha casa e a escola era uma membrana
que preenche o espaço entre as pessoas; muito fina. Essa liberdade inerente ao espaço
é no envolvimento da linguagem que se da rua fez-me curiosa. O brincar estava muito
processa a comunicação. próximo do aprender, e encontrava o mesmo
A criança precisa de ter ESPAÇO para prazer em ambas.
descobrir e se descobrir, para se ver ao Quando fui estudar para o Porto, voltei
espelho, no OUTRO, nos outros, para a habitar a rua da escola numa estranha sensação
que alguém lhe possa estender as mãos, de reconhecimento. E a certa altura é muito fácil
para que ela receba a mensagem da romper a membrana que separa a casa e a escola.
cultura, para que a criança possa adquirir
sabedoria, para que possa ter um nome,
pôr nomes e criar OBRA que contribua III.
para enriquecer o património cultural
da comunidade. A criança precisa de ter “Nós pedimos apenas um pouco de
espaço para criar tempo. Tempo para ordem para os protegermos do caos. Nada
brincar, tempo que seja TODO, TEMPO é mais doloroso, mais angustiante, do que
INTEIRO. Para sentir, aprender, um pensamento que se escapa a si mesmo,
pensar... nas coisas sérias da vida... no ideias que fogem, que desaparecem
brincar. Para que possa ler na Natureza, mal são esboçadas, já corroídas pelo
nas Pessoas e nas Coisas. Antes que seja esquecimento ou avançando para
tarde, antes que chegue a escola. outras, sobre as quais não temos maior
A escola ensina, ou deveria ensinar, domínio. São variabilidades infinitas
a comunicar à distância – no tempo cujo desaparecimento e aparecimento
e no espaço – mas só depois de as coincidem. São velocidades infinitas que
crianças e dos mestres entenderem que se confundem com a imobilidade do nada
a comunicação escrita é um instrumento incolor e silencioso que elas percorrem,
intermediário da cultura e não a própria sem natureza nem pensamento. É
cultura.”144 o instante de que não sabemos se é
demasiado longo ou demasiado curto
A minha primeira escola ficava na rua de para o tempo. Recebemos chicotadas
minha casa. Apesar do seu espaço limitado senti que estalam como artérias. Perdemos
sempre a escola como uma extensão da casa. continuamente as nossas ideias. É por
Saía cedo da escola para fazer os trabalhos de isso que nos queremos tanto prender a
opiniões fixas.”145

144 SANTOS, João, Ensinaram-me a Ler o Mundo à Minha Volta, p. 312.


145 DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix, O que é a filosofia?, p.176

189
190
epílogo(s)

Procuramos, continuamente, categorizar ferramenta, como atlas vivo, que é individual, mas pode
as nossas ideias dentro das opiniões fixas, à ter uma dimensão coletiva); 5. as memórias gravam-se na
procura de uma segurança que lhes confira a matéria? (a arquitetura é concreta, real, mas chegamos
credibilidade necessária. Os pensamentos devem a ela por via do imaginário onde habitam as nossas
ser soltos para que se cruzem e interliguem. O memórias; o sentido que conferimos a um determinado
trabalho criativo não deve ser limitado, deve ser material está relacionado com a nossa perceção sobre o
arriscado e assumir o erro possível, muitas vezes, lugar em confronto com as nossas próprias memórias);
necessário. 6. como colecionamos memórias? (o ato de colecionar está
A memória deve ser livre e não dominada diretamente relacionado com o nosso instinto humano de
por versões que a deturpam e apropriam. As nos apropriarmos do que nos rodeia; colecionar é um ato
memórias pertencem ao Ser. que preserva a memória e que previne o esquecimento;
o atlas pressupõe uma organização clara que traduz
diferentes relações, e desse relacionar surge a reflexão, a
IV. pertinência e o diálogo).

Dou por terminada uma jornada que não A memória (i)material é a memória colocada
se esgota em si mesma. Daqui parte-se para em potência. É a síntese de um conjunto de
um novo ponto com a consciência de que é experiências que cruzam diferentes tempos e
necessário partir para regressar. lugares – o Algarve da infância, o Porto e Berlim
do percurso académico, a Suíça do início da
Na memória que habitamos encontramos experiência profissional, e o que chamei lugar
a nossa base, as memórias da infância e o que entre, que se refere à Vill’Alcina visitada em dois
nos molda enquanto parte de um universo. O períodos distintos, mas igualmente importantes:
arquiteto, antes de o ser, é pessoa. E por isso, o início e o fim do percurso –, que acredito
antes de ser arquiteta, quis compreender o que terem influenciado de forma direta o meu
me move, como me posiciono em relação a uma crescimento e que me permitiram compreender
determinada ação, porque reajo a determinados que a arquitetura, nas palavras apropriadas de
estímulos, … no fundo, onde me leva a minha Sérgio Fernandez, não garante a felicidade, mas pode
memória. A base teórica que se procurou ser o lugar da felicidade, um meio para que se possa
fundamentar, sem uma regra ou lógica demasiado atingir a felicidade.
evidente, segue um desencadear de respostas às
seguintes perguntas: 1. quando começa a memória? O dar lugar à memória subentende dois
(na infância); 2. como se criam as memórias? (através da princípios: o de priorizar a memória como
nossa visão sobre o mundo); 3. quais são as memórias? peça chave na ação projetual e a de conferir,
(as memórias que referenciam o nosso gesto e que não efetivamente, um lugar onde esta possa habitar.
estão associadas a esta proliferação da imagem que Na integração do projeto na dissertação surgiu a
enfrentamos, mas sim às nossas imagens, às imagens do dificuldade de a escrita ir além da materialização
nosso Ser); 4. mas o que é a memória? (a memória como concreta da ideia. É difícil escrever sobre

191
192
epílogo(s)

arquitetura, entendendo aqui que me refiro


à arquitetura como objeto, solução final. É,
claramente, mais fácil escrever sobre os universos
que a rodeiam. E pelo confronto com essa
realidade, optou-se por tornar o capítulo, que
se resumiu essencialmente à prática do projeto,
breve e claro, deixando os desenhos falarem por
si mesmos.

Sem a verdadeira vontade de dar o ciclo


por terminado, fecha-se este epílogo com a
promessa de se iniciar um novo prólogo, de
continuar a deixar livre o pensamento e nunca
deixar de questionar. Porque onde a dúvida
existe, encontra-se a resposta.

#99 Pavilhão Carlos


Ramos, FAUP, 2018

193
194
«Vou dizer como foi: aluguei uma casa. Só tinha uma cama para pôr lá dentro, mais nada. Bom. Alguns
livros e um gira-discos. Sim. Pois meti tudo isso dentro da casa. Vê-se como sobravam quartos? Pus-me a andar pela
casa, entrando e saindo dos quartos. Que se passava? Não compreendi logo. Parecia-me que sempre fizera aquilo,
nunca na vida fizera nada senão andar numa casa vazia, de quarto para quarto, ao longo de corredores. Não, não é
simbólico. A não ser no sentido em que tudo é simbólico. Aconteceu. Comecei então a escrever aquilo mesmo. A escrita
foi-me conduzindo a outro tempo, um tempo simétrico. À matéria cristalográfica do tempo. Na infância havia uma
casa onde eu andara assim, por corredores e quartos. Como direi? Escrevendo, descobrira que cada facto ocorrido hoje
correspondia a outro ocorrido na infância. Mas isto era também outra coisa. Verifiquei por exemplo que, ao escrever
sobre o passado, eu o atraiçoava, revelando-o apenas como visão presente. Assim, a experiência é mantida como
hipótese de investigação que acolhe sempre a dúvida, ou dela se alimenta. Relatos de sonhos, veja-se, tornam-se mais
seguros que relatos de acontecimentos. O sonho pode propor uma explicação exemplificativa no facto que se narra. As
relações entre as diversas partes desta realidade descontínua são esquivas, móveis, ambíguas.
(…)
Convinha a proliferação dos planos de tempo. Acumulei estratos. Importava encontrar uma tensão central,
instalar-se nela. Poder-se-ia então correr todos os riscos, pois existia uma zona sólida aonde regressar, e de onde partir
de novo. Era a minha segurança.
Trata-se de descrita circular, naquele âmbito em que se concebe a volta ao ponto de partida. E também porque
nenhuma solução é possível, por nunca se poder provar a hipótese de verdade da coisa escrita. O texto é fechado. Mas
também aberto. Fechado sobre si, pois o máximo e o melhor seria experimentar, dentro do mesmo espaço, uma nova
maneira de considerar os mesmos acontecimentos. Aberto, porque as possibilidades dessa consideração se mostravam
praticamente sem número.
(…)
Cada texto possui o seu natural movimento interior. Há uma escrita que corresponde ao ritmo brusco,
obsessivo, repetitivo, suspenso, recorrente, problemático, descontínuo da investigação que ela mesma, escrita, é realidade
que cria.
Certas obsessões (até vocabulares) iluminam-se durante a realização de um texto. A escrever é que se aprende
o que somos. Referências a objetos, situações, movimentos, aparecem como imagens ou metáforas de experiências muito
antigas, como elementos da composição interior, portanto: do mundo, da vida.

A experiência é uma invenção.


(…)
Nada fornece qualquer garantia a ninguém. Existimos em suspensão. Há muitas maneiras de respirar e
deixar de respirar. Temos os nossos ritmos. É preciso viver e morrer com eles.»

Herberto Helder, Photomaton & Vox

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Conferências e entrevistas
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setembro 2021] Mestrado sob orientação do Prof. Doutor Luís
Sebastião da Costa Viegas e co-orientação do
Sobre as coisas que colecionamos: um atlas
Prof. Doutor Pedro Jorge Monteiro Bandeira
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#39 ‘Dear House’, Mary Duggan Studio, Porto
Do Sul: Quinta Queimada
Academy 2021
#47 Quinta Queimada, Armação de Pêra, 1952
Arquivo da Autora
Arquivo da Autora
#40 Maurice Jarnoux, ‘André Malraux chez lui’,
#48 Quinta Queimada, Armação de Pêra, 2018
1953 disponível em: https://neatlyart.wordpress.
Arquivo da Autora
com/2013/05/30/andre-malraux-chez-lui-
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Arquivo da Autora
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#41 Gerhard Richter, ‘Sterne’,1968 disponível
de Pêra, 2018
em: https://www.gerhard-richter.com/en/art/
Arquivo da Autora
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Do Porto: Piscina das Marés Arquivo da Autora


#51 Piscina das Marés, Álvaro Siza, 2016 #64 Museo La Congiunta, Peter Märkli,
Arquivo da Autora Giornico, 2021
#52 Piscina das Marés, Álvaro Siza, 2016 Arquivo da Autora
Arquivo da Autora #65 Museo La Congiunta, Peter Märkli,
#53 Piscina das Marés, Álvaro Siza, 2021 Giornico, 2021
Arquivo da Autora Arquivo Guilherme Soares
#54 Piscina das Marés, Álvaro Siza, 2021 #66 Zugersee, Suíça, março 2021
Arquivo da Autora Arquivo da Autora
#55 Piscina das Marés, Álvaro Siza, 2021
De um lugar entre: Vill’Alcina
Arquivo da Autora
#67 ‘Dear House’, Mary Duggan Studio, Porto
#56 Piscina das Marés, Álvaro Siza, 2021
Academy 2021
Arquivo da Autora
Arquivo da Autora
De Berlim: The Feuerle Collection #68 Vista sobre o Rio Minho, Vill’Alcina,
#57 Holger Niehaus, John Pawson, The Feuerle Caminha 2021
Collection, Berlim disponível em: https:// Arquivo da Autora
archello.com/project/the-feuerle-collection #69 Vill’Alcina, Sérgio Fernandez, Caminha
[consult. 20 outubro 2021] 2021
#58 Nic Tenwiggenhorn, John Pawson, The Arquivo da Autora
Feuerle Collection, Berlim disponível em: #70 Espaço de entrada, Vill’Alcina, Sérgio
https://archello.com/project/the-feuerle- Fernandez, Caminha 2021
collection [consult. 20 outubro 2021] Arquivo da Autora
#59 Gilbert McCarragher, John Pawson, The #71 Inês d’Orey, ‘Só Nós e Santa Tecla’,
Feuerle Collection, Berlim disponível em: Vill’Alcina, Sérgio Fernandez, Caminha 2008
https://archello.com/project/the-feuerle- disponível em: http://www.inesdorey.com/
collection [consult. 20 outubro 2021] index.php?/projectos/ditados-velhos-sao-
#60 John Pawson, The Feuerle Collection, evangelhos/ [consult. 10 outubro 2021]
Berlim, 2011-2016 disponível em: https:// #72 Inês d’Orey, ‘Só Nós e Santa Tecla’,
afasiaarchzine.com/2016/11/john-pawson-29/ Vill’Alcina, Sérgio Fernandez, Caminha 2008
[consult. 20 outubro 2021] disponível em: http://www.inesdorey.com/
index.php?/projectos/ditados-velhos-sao-
Da Suiça: La Congiunta
evangelhos/ [consult. 10 outubro 2021]
#61 Zugersee, Suíça, março 2021
#73 Vill’Alcina, Sérgio Fernandez, Caminha
Arquivo da Autora
2021
#62 Giornico, Ticino, Suíça, 2021
Arquivo da Autora
Arquivo Guilherme Soares
#63 Museo La Congiunta, Peter Märkli,
Giornico, 2021

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3.Dar lugar à memória #84 Percuso de acesso à Torre e Ermida de São


Lázaro
Motivação
Imagem cedida por www.arkxsite.com no âmbito
#74 Richard Long, ‘Sahara Line’, 1988
do concurso SITE TOWER (2021)
disponível em: http://www.richardlong.org/
#85 ‘Torre’, vista panorâmica
Sculptures/2011sculptures/sahaline.html
Arquivo da Autora
[consult. 31 março 2021]
#86 Esquema dos pisos
O sítio da Torre: Monsaraz Arquivo da Autora
#75 Monsaraz, vista da Ermida de São Lázaro #87 ‘Torre’, interior
Imagem cedida por www.arkxsite.com no âmbito Arquivo da Autora
do concurso SITE TOWER (2021) #88 Alçado Norte
#76 Planta de implantação, escala 1:5000 Arquivo da Autora
Arquivo da Autora #89 Alçado Sul
#77 Vista sobre o Alqueva Arquivo da Autora
Imagem cedida por www.arkxsite.com no âmbito #90 ‘Torre’, zona de informação
do concurso SITE TOWER (2021) Arquivo da Autora
#78 Ermida de São Lázaro #91 Corte pela ‘Torre’ (esquerda)
Imagem cedida por www.arkxsite.com no âmbito Arquivo da Autora
do concurso SITE TOWER (2021) #92 Plantas dos Pisos (direita)
Arquivo da Autora
A torre do sítio: objeto e programa #93 Maquete da ‘Torre’ em corte, vista do
#79 Plantas castelo inglês, Desenho de Louis miradouro
Kahn disponível em: https://2014ba1atelier7. Arquivo da Autora
files.wordpress.com/2014/04/kahn.jpg #94 Maquete da ‘Torre’ em corte, vista geral
[consult. 20 outubro 2021] Arquivo da Autora
#80 Eduardo Chillida, ‘Aromas’, 2000 #95 Maquete da ‘Torre’ em corte, vista interior
disponível em: https://www.lempertz.com/en/ Arquivo da Autora
catalogues/lot/1163-1/541-eduardo-chillida. #96 Amostras do estudo da materialidade da
html [consult. maio 2021] ‘Torre’
#81 Esquissos do projeto Arquivo da Autora
Arquivo da Autora #97 Maquete da ‘Torre’ em corte, vista exterior
A interioridade da memória Arquivo da Autora
#82 Richard Long, Touareg Circle, The Sahara, #98 ‘Torre’, vista sobre o Alqueva
1988 disponível em: http://www.richardlong. Arquivo da Autora
org/Sculptures/2011sculpupgrades/toureg. 4. Epílogo(s)
html [consult. 31 março 2021] #99 Pavilhão Carlos Ramos, FAUP, 2018
#83 Painél Final do Concurso, Maio 2021 Arquivo da Autora
Arquivo da Autora

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De memória. Por entre sonhos e devaneios: uma
torre em Monsaraz
Mariana Cabrita Ferreira
FACULDADE DE ARQUITETURA

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