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1888 - 1935
Modernismo Europeu
Início do séc. XX
Portugal
Álvaro de Campos
O que é um heterônimo?
amo-o! -
Ode Triunfal Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de
escada.
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para
fábrica casa
Tenho febre e escrevo. Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, Maravilhosamente gente humana que vive como os
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos cães
antigos. Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! Nenhuma arte criada,
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! Nenhuma política destinada para eles!
Em fúria fora e dentro de mim, Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Por todos os meus nervos dissecados fora, Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! maus,
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, Inatingíveis por todos os progressos,
De vos ouvir demasiadamente de perto, Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um Eia! eia! eia!
excesso Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!
De expressão de todas as minhas sensações, Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! Inconsciente!
Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
mesma, Eia todo o passado dentro do presente!
Que emprega palavrões como palavras usuais, Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Cujos filhos roubam às portas das mercearias Eia! eia! eia!
E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto belo e Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra.
[...]
Se é de noite, deitado mas desperto,
Na lucidez inútil de não poder dormir,
Quero imaginar qualquer coisa
E surge sempre outra (porque há sono,
E, porque há sono, um bocado de sonho),
[...]
Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.
À força de monótono, é diferente.
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.
Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa com suas casas
De várias cores.
UFRGS - 2008
UFRGS
2012