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Fernando Pessoa

1888 - 1935
Modernismo Europeu

Início do séc. XX
Portugal

“Cada grupo de estados de alma mais


aproximados insensivelmente se
tornará uma personagem, com estilo
próprio, com sentimentos porventura
diferentes, até opostos aos típicos do
poeta na sua pessoa viva”.
Fernando Pessoa.

Álvaro de Campos
O que é um heterônimo?

• Ortônimo: eu-empírico, o próprio poeta, sujeito real do mundo,


ideológico, que vive as experiências, o criador
• Heterônimo é a criação, com nome, biografia, obra e estilo próprios,
como se fosse um eu-empírico, mas, por ser criação, é eu-lírico
• A heteronomia é um processo criativo pelo qual Pessoa cria seus
outros eus, e assim percorre os caminhos do auto-conhecimento

Teoria do Fingimento: teoria da criação Despersonalização: teoria criada


desenvolvida pelo filósofo alemão pelo filósofo alemão Friedrich
Friedrich Nietzsche. Hegel. O ser em si (eu-empírico)
torna-se outro ser (eu-lírico) e
“somente o poeta que é capaz de mentir retorna a estar em si. É um estado
conscientemente, voluntariamente, pode de consciência das infinitas
dizer a verdade.” possibilidades que podemos ser de
nós mesmos. Em Fernando
Pessoa, a busca por essa
consciência alimentou e elevou sua
esquizofrenia ao grau máximo.
Álvaro de Campos
SENSACIONISMO
FUTURISMO Relaciona-se ao Simbolismo e ao
foi um movimento modernista Futurismo, mas é algo único. Essa
lançado por Marinetti, autor proposta trata-se de um tentar captar
italiano (1876-1944), que se todas as sensações do mundo – intensas,
baseia numa concepção enérgicas, da vida moderna. A relação
exasperadamente dinâmica da com o Futurismo cria-se com a proposta
vida, voltada para o futuro – o da decomposição: no Futurismo,
presente -, para o combate do decomposição das formas; no
culto do passado e da tradição; Sensacinismo, das sensações diante das
prega o amor das formas formas (concreto).
nítidas, concisas e velozes; é
nacionalista e antipacifista. "Sentir tudo de todas as maneiras“;
“captar os objetos de vários ângulos e
É experimentar, viver o possibilidades.”
presente.
ISMOS: vanguardas, manifestos. Álvaro
de Campos escreveu “Ultimatum”, em
1917.
ÁLVARO DE CAMPOS

“... Nasceu em Tavira, em 15 de


outubro de 1890, é alto (1,75
de altura, mais 2cm do que eu),
magro e um pouco tendente a
curvar-se (...) Campos entre
branco e moreno, tipo vagamente
de judeu português, cabelo,
porém liso e normalmente
aparado ao lado, monóculo (...)
teve uma educação vulgar;
depois foi mandado para a
Escócia estudar engenharia,
primeiro mecânica e depois
naval”.

Fernando Pessoa, em carta ao


amigo Adolfo Casais Monteiro,
em 1935.
• As vanguardas: modernismo e futurismo
(O MOTOR, A ELETRICIDADE) O que é uma Ode?

 modernidade: estados de euforia (as do grego, canto. É um canto


inovações) e desforia (as sensações que a de exaltação e glorificação. A
modernidade cria) ode moderna segue a
mesma concepção, porém
com o aditivo da crítica,
• Relações efêmeras e superficiais capaz de exaltar o que é
• Uso da ode moderna: versos livres e bom e ruim.
brancos, ritmo fortemente acelerado
• Poesia em prosa
• Irreverência, ironia
• Subjetividade aflorada
• Tendência ao choque
• deseja a razão, mas ela é angustiante
• deseja o desapego com o pensar, porém este
é mais forte

• Vive a intersecção dos sentimentos, o sentir


tudo de todas as maneiras, ao mesmo tempo:
SENSACIONISMO
O Que Há

O que há em mim é sobretudo cansaço


Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Três tipos de idealistas, e eu nenhum
Cansaço. deles:
A sutileza das sensações inúteis, Porque eu amo infinitamente o finito,
As paixões violentas por coisa nenhuma, Porque eu desejo impossivelmente o
Os amores intensos por o suposto em possível,
alguém, Porque quero tudo, ou um pouco mais, se
Essas coisas todas puder ser,
Essas e o que falta nelas eternamente; Ou até se não puder ser...
Tudo isso faz um cansaço, E o resultado?
Este cansaço, Para eles a vida vivida ou sonhada,
Cansaço. Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Há sem dúvida quem ame o infinito, Para eles a média entre tudo e nada, isto
Há sem dúvida quem deseje o impossível, é, isto...
Há sem dúvida quem não queira nada Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo,
cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...
O sujeito em desajuste com o mundo.
Aniversário
Tabacaria
No tempo em que festejavam o dia dos meus
Não sou nada. anos,
Nunca serei nada. Eu era feliz e ninguém estava morto.
Não posso ser nada. Na casa antiga, até eu fazer anos era uma
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos tradição de há séculos,
do mundo. E a alegria de todos, e a minha, estava certa
Estou hoje vencido, como se soubesse a com uma religião qualquer.
verdade. No tempo em que festejavam o dia dos meus
Estou hoje lúcido, como se estivesse para anos,
morrer, Eu tinha a grande saúde de não perceber
E não tivesse mais irmandade com as coisas coisa nenhuma,
Falhei em tudo. De ser inteligente para entre a família,
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo E de não ter as esperanças que os outros
fosse nada. tinham por mim.
Que sei eu do que serei, eu que não sei o O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
que sou? É terem morrido todos,
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como
E há tantos que pensam ser a mesma coisa um fósforo frio...
que não pode haver tantos! Para, meu coração!
Vivi, estudei, amei, e até cri, Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
E hoje não há mendigo que eu não inveje só Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
por não ser eu. Hoje já não faço anos.
Duro.
O pensar que desequilibra, que angustia.
Com a mala aberta esperando a
arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as
Grandes são os desertos, e tudo é
camisas que não cabem,
deserto.
Hoje não me resta (à parte o incômodo de
Não são algumas toneladas de pedras ou
estar assim sentado)
tijolos ao alto
Senão saber isto:
Que disfarçam o solo, o tal solo que é
Grandes são os desertos, e tudo é
tudo.
deserto.
Grandes são os desertos e as almas
Grande é a vida, e não vale a pena haver
desertas e grandes
vida,
Desertas porque não passa por elas
Arrumo melhor a mala com os olhos de
senão elas mesmas,
pensar em arrumar
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo
Que com arrumação das mãos factícias (e
morreu.
creio que digo bem)
Grandes são os desertos, minha alma!
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Grandes são os desertos.
Para adiar todas as viagens.
Não tirei bilhete para a vida,
Para adiar o universo inteiro.
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu
Volta amanhã, realidade!
não perdesse.
Basta por hoje, gentes!
Hoje não me resta, em vésperas de
Adia-te, presente absoluto!
viagem,
Mais vale não ser que ser assim.
Crítica à sociedade, digna de ironia e sarcasmo

Todas as cartas de amor são Ridículas.

Poema em Linha Reta.


Todas as cartas de amor são
Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Ridículas.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em Não seriam cartas de amor se não fossem
tudo. Ridículas
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas
As cartas de amor, se há amor,
vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Têm de ser
Indiscultivelmente sujo, Ridículas,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para Mas, afinal,
tomar banho, Só as criaturas que nunca escreveram
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Cartas de amor
Que tenho enrolado os pés publicamente nos É que são
tapetes das etiquetas,
Ridículas.
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e
arrogante, A verdade é que hoje
Que tenho sofrido enxovalhos e calado, As minhas memórias
Que quando não tenho calado, tenho sido mais Dessas cartas de amor
ridículo ainda; é que são
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços Ridículas
de fretes, (Todas as palavras esdrúxulas,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido
Como os sentimentos esdrúxulos,
emprestado sem pagar,
São naturalmente
Ridículas.)
Exaltação à modernidade.

amo-o! -
Ode Triunfal Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de
escada.
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para
fábrica casa
Tenho febre e escrevo. Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, Maravilhosamente gente humana que vive como os
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos cães
antigos. Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! Nenhuma arte criada,
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! Nenhuma política destinada para eles!
Em fúria fora e dentro de mim, Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Por todos os meus nervos dissecados fora, Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! maus,
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, Inatingíveis por todos os progressos,
De vos ouvir demasiadamente de perto, Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um Eia! eia! eia!
excesso Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!
De expressão de todas as minhas sensações, Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! Inconsciente!
Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
mesma, Eia todo o passado dentro do presente!
Que emprega palavrões como palavras usuais, Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Cujos filhos roubam às portas das mercearias Eia! eia! eia!
E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto belo e Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra.

Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,


Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?
Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem consequência,
Sempre, sempre, sempre,
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida...
O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade,
É agora uma coisa onde estou fechado,
Que só posso conduzir se nele estiver fechado,
Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a mim.
À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que modesto.
A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha.
Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará: Aquele é que é feliz.
Desespero do pensar, desejo de ser como o mestre.

Mestre, meu mestre querido! Alberto Caeiro: o mestre, o


Coração do meu corpo intelectual e inteiro! que nega o pensar sobre o
Vida da origem da minha inspiração! sentido das coisas e do
Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida? mundo.
Mestre, meu mestre!
Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos, “há metafísica o bastante em
Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser, não pensar em nada.”
Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de
mim!
Feliz o homem marçano
Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda
que pesada,
Que tem a sua vida usual,
Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e por isso tem alegria.
A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.
Lisboa com suas casas

[...]
Se é de noite, deitado mas desperto,
Na lucidez inútil de não poder dormir,
Quero imaginar qualquer coisa
E surge sempre outra (porque há sono,
E, porque há sono, um bocado de sonho),
[...]
Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.
À força de monótono, é diferente.
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.
Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa com suas casas
De várias cores.
UFRGS - 2008
UFRGS
2012

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