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RIO DE JANEIRO
2022
Resumo
O presente trabalho trata-se de um estudo sobre a temática da Misericórdia de
Deus, revelada por Jesus Cristo, de modo especial, no capítulo 15 do Evangelho de Lucas.
Neste trecho, o evangelista procurou demonstrar a relevância desse anúncio para o
Messias, bem como seu significado na vida do povo sofrido e marginalizado de todas as
épocas. A partir da conceituação de rahamim (amor visceral, que brota das entranhas
maternas) e de hesed (fidelidade à Aliança) no Antigo Testamento, apresentou-se também
a visão do Magistério e da Tradição Eclesial no que concerne às parábolas contadas neste
capítulo lucano e sua ligação com outros trechos da Sagrada Escritura. A mensagem
acolhedora e amorosa de Jesus, vista como escandalosa por alguns, é explicada por
diversos autores e estendida à vida da Igreja e, de modo especial, à vida monástica. Torna-
se um convite a redescobrir a graça do amor misericordioso de Deus.
2
Introdução
O ponto principal da missão do Filho é tornar conhecido o Pai como ele conhece,
ou seja, pleno de amor.1 A Aliança de Deus é estendida, por ele, a toda humanidade. Pelo
método parabólico, de modo especial o lucano, Cristo expõe a Misericórdia Divina. O
Messias responde, pois, às acusações revoltosas daqueles alguns seguidores que o
acompanhavam apenas com o intuito de encontrar elementos prejudiciais a sua missão.
Um dos textos mais belos e conhecidos da Sagrada Escritura é, sem sombra de
dúvida, a série de parábolas apresentada por São Lucas no 15º capítulo do seu evangelho.
Ele se popularizou pondo sua centralidade na pessoa de um filho jovem e sonhador, no
entanto, a perícope apresenta, na verdade, a prodigalidade do pai em amar os filhos, ir ao
encontro deles, querê-los junto de si e se encher de alegria pelo retorno. O escritor do
terceiro evangelho, todavia, ainda trata sobre uma ovelha e uma moeda perdidas, que
introduz e transforma as três em uma única parábola. Transmite uma mensagem.
Mostra um Deus preocupado com o seu povo. Um Pai e Pastor atento às
necessidades de todos. O Mestre Galileu esquadrinha uma maneira de conscientizar seus
seguidores dessa profunda relação de amor entre Criador e criatura, Pastor e rebanho, Pai
e filhos. Tanto os pecadores como os “justos” precisam de uma reaproximação com esse
Pai cheio de amor que se alegra ao estar na companhia da humanidade. Ele visita o ser
humano, trata-o com desvelo, presenteia-o com a esplendorosa coroa da glória.2 Deus
ama a todos como a um filho, mostrando intimidade ao chamar cada um pelo nome.3
O “evangelista da misericórdia”,4 desse modo, revela, na pessoa de Jesus, esse
rosto do “Deus misericordioso” 5 que perdoa a todos, dá acolhida no banquete para eles
preparado6 e espera a reunião de uma grande família, unida pelo amor.
1
Cf. JOÃO PAULO PP II. Encíclica “Dives in Misericordia”, 1980. n. 16.
2
Cf. Sl 8, 5-7.
3
Cf. Os 11,1-4.
4
Cf. JOÃO PAULO PP II. Encíclica “Dives in Misericordia”, 1980. n. 18.
5
Cf. FRANCISCO PP. Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia “Misericordiae
Vultus”, 2015. n. 1.
6
Cf. Lc 14,15-24.
3
O conceito de misericórdia
Misericórdia é um termo amplo que se refere a benevolência, perdão e bondade
em uma variedade de contextos éticos, religiosos, sociais e até mesmo legais. Tem origem
latina, é formada pela junção de miserere (ter compaixão) e cordis (coração). Significa a
capacidade de sentir aquilo que o outro sente, aproximar seus sentimentos dos de alguém.7
O presente texto frisa a referência que Jesus faz nas parábolas à Misericórdia
Divina. E que este não é um conceito lançado pelo Cristo. Na verdade, Ele está retomando
a tradição do povo-eleito, a história do seu povo com Deus. Esta é a primeira característica
que Deus atribui a Si quando fala ao escolhido para guiar o seu povo da escravidão até a
terra prometida.8 Desde então o Senhor não mediu esforços para se dar a conhecer. É
necessário, pois, fixar o olhar nesta misericórdia para percebê-la mais eficazmente não só
na última parábola, como também naquelas que a antecederam.
Os escritos veterotestamentários se servem de dois vocábulos para definição de
misericórdia, ambos com uma semântica diversa: hesed e rahamim. O primeiro termo
expressa uma bondade intensa. E se tal disposição benévola é entre duas pessoas ela ganha
a significação de amor e é gerada a partir de uma fidelidade a princípios pessoais. Aponta
para características, em certo sentido, masculinas. Na Sagrada Escritura o termo é
utilizado, diante disso, quando se tratava da Aliança com Israel. Tinha um sentido
jurídico. Entretanto, da parte de Deus, hesed ganhava uma outra conotação, mais
profunda: “tornava-se manifesto daquilo que fora ao princípio, ou seja, amor que doa,
amor mais potente do que a traição, graça mais forte do que o pecado”.9
Israel, embora sob o peso das culpas, por ter quebrado a aliança, não pode ter
pretensões em relação ao hesed de Deus, com base numa suposta justiça
(legal); no entanto, pode e deve continuar a esperar e a ter confiança em obtê-
lo, já que o Deus da aliança é realmente “responsável pelo seu amor”. Fruto
deste amor é o perdão e a reconstituição na graça, o restabelecimento da aliança
anterior.10
7
SIGNIFICADOS. Misericórdia. Disponível em: https://www.significados.com.br/misericordia/. Acesso
em: 26/06/2022.
8
Cf. Ex 34,6.
9
JOÃO PAULO PP II. Encíclica “Dives in Misericordia”, 1980, nota 52, p. 15.
10
Obra Citada.
11
Cf. Is 49,14-16; Jr 31,20.
12
Cf. Os 14,5.
4
consciência e à experiência dos homens seus contemporâneos”.13 Como é o caso das
parábolas aqui tratadas.
Longa e rica é a história da conceituação veterotestamentária de “misericórdia”.14
Tantas foram as vezes que o povo de Israel rompeu a aliança realizada por Adonai quantas
as que Ele perdoou, pois desde o momento que tomava consciência de seu delito o povo
apelava à sua misericórdia. Numerosos são os relatos apresentados tanto em livros
históricos quanto em proféticos, podendo ser destacados: o auxílio do Senhor após o povo
arrepender-se de suas maldades,15 a prece e a súplica de Salomão na consagração do
Templo,16 as garantias do Senhor proclamadas por Isaías,17 a rogação dos exilados
hebreus,18 a prece sálmica de Miquéias,19 e o rito de expiação e renovação da Aliança.20
O povo eleito é amado por Deus com uma predileção toda especial, única e
pessoal, também com um amor esponsal;21 perdoando suas faltas, infidelidades e traições.
Quando o objeto do seu amor é encontrado arrependido e penitente, de imediato o
reestabelece na sua graça. A misericórdia anunciada pelos profetas é uma sumidade
amorosa que precede ao pecado e à infidelidade. A ela se apela a partir de uma experiência
pessoal, um mal vivido, como é visto com Davi,22 com Jó,23 com Mardoqueu e Ester24 e
muitos outros exemplos.25
Há que expor, à vista disto, a passagem do povo eleito da escravidão no Egito à
libertação, sua caminhada no deserto e sua chegada à terra prometida: o Senhor atentou-
se às agruras da escravidão imposta ao povo, ouviu seus rogos, foi-lhe ao encontro e o
libertou.26 Quando tratou desse trecho da história salvífica do povo eleito, o Profeta deu
ênfase na individualidade do amor e da compaixão do Senhor.27 É ratificada, com isso, a
confiança do povo na misericórdia de Deus, invocada em toda e qualquer circunstância
adversa. Mais tarde, cantarão as maravilhas por Ele realizadas.28
No meio do deserto, prestes a receber das mãos de Moisés o Decálogo, 29 o povo
cai em pecado, erguendo um bezerro fundido para adorá-lo. Contudo, foi o momento
oportuno, encontrado pelo Senhor para solenemente se apresentar ao povo como um
“Deus de ternura e de piedade, lento para a cólera, rico em graça e em fidelidade” 30, ou
seja, um Deus misericordioso. Nessa manifestação o povo – e cada um em particular –
encontra motivo para, contrito, abrir o coração diante Senhor31 e recordar que Ele é
amoroso, tolerante para com o pecador.32 Transborda compaixão e ternura.33
13
JOÃO PAULO PP II. Encíclica “Dives in Misericordia”, 1980, nota 52, p. 16.
14
Cf. JOÃO PAULO PP II. Encíclica “Dives in Misericordia”, 1980, n. 21-32.
15
Cf. Jz 3.
16
Cf. 1Rs 8,22-53.
17
Cf. Is 1,18; 51,12-16.
18
Cf. Br 2,11 – 3,8.
19
Cf. Mq 7,18-20.
20
Cf. Ne 9.
21
Cf. Os 2,21-25.
22
Cf. 2Sm 12; 24,10.
23
Cf. Jó passim.
24
Cf. Est 4,17s.
25
Cf. Ne 9,30-32; Tb 3,2-3.11-12; 8,6s; 1Mc 4,24.
26
Cf. Ex 37s.
27
Cf. Is 63.
28
Sl 136,4.10-11.13-14.
29
Cf. Ex 32,1-20.
30
Ex 34,6.
31
Cf. Jl 2,13a.
32
Cf. Nm 14,18; Sl 86,15.
33
Cf. 2Cr 30,9; Eclo 2,11.
5
Assim o Senhor revelou a sua misericórdia tanto nas obras como nas palavras,
desde os primórdios do povo que escolheu para si; e no decurso da sua história,
este povo, quer em momentos de desgraça, quer ao tomar consciência do
próprio pecado, continuamente se entregou com confiança ao Deus das
misericórdias. Na misericórdia do Senhor para com os seus manifestam-se
todos os matizes do amor: Ele é para eles Pai, dado que Israel é seu filho
primogênito; Ele é também esposo daquela a quem o Profeta anuncia um nome
novo: “bem-amada” (ruhama), porque será usada misericórdia para com ela.34
Deduz-se, assim, que a misericórdia não é só uma definição divina que levou à
conclusão apostólica de um Deus que ama e também é amor.35 É uma realidade que
caracteriza a vida daqueles que são chamados a serem povo de Deus, filhos e filhas de
um mesmo Pai. Cria uma intimidade com o seu Senhor. Anunciada primeiro a Israel, esta
verdade toma uma perspectiva que engloba toda a história humana. É nela que se dá a
revelação por parte de Jesus, que apresenta de uma nova forma essa realidade entranhada
na vida do povo de Israel.
Com a significação de misericórdia, abre-se um claro horizonte no estudo sobre
as parábolas desse capítulo 15 de Lucas que é concluído com a intensa narração sobre um
pai e seus dois filhos extraviados, isso mesmo, os dois estão extraviados. Para pedagogia
divina, bem como para aqueles que creem, nada está perdido, nada pode ser desprezado.
As parábolas são progressivas: perde-se uma ovelha dentre cem, uma moeda dentre dez
e por fim, um filho dentre dois. Tomando a matemática, as perdas são, respectivamente,
de 01%, 10% e 50%. Aos olhos de Deus contentar-se com o que ficou não é suficiente, é
necessário importar-se com aquilo que está perdido.36
34
JOÃO PAULO PP II. Encíclica “Dives in Misericordia”, 1980, n. 27.
35
Cf. 1Jo 4,8.16.
36
Cf. MAZZAROLO, Isidoro. Lucas – A antropologia da salvação, 1999. pp. 147-148.
37
Cf. DIAS, Tiago C. S. A parábola do pai misericordioso: uma releitura de Lc 15, 11-32 à luz do
contexto histórico-cultural da Palestina no Tempo de Jesus. PqTeo, v. 3, jul/dez-2020, nº 6, p. 316.
Acessado em 14/06/2022. http://dx.doi.org/10.46859/PUCRio.Acad.PqTeo.2595-9409.2020v3n6p313.
38
Cf. Lc 7,36-50.
39
Cf. DIAS. Op. Cit. Loc. Cit.
40
Cf. GONZALES, Angel et al. Commento della Bibbia Liturgica, 1982, p. 1244.
41
Cf. Mt 8,20.
6
confiado e não poderia lançá-los fora nem os perder.42 A todo momento os chamados
pecadores queriam fazer comunhão com o Messias anunciado. Todos sabiam quem eles
eram, afinal já havia uma predefinição de “pecantes”, o próprio evangelista, mais à frente,
traz uma classificação destes: ladrões, injustos, adúlteros.43 A lista da época também
incluía pessoas que exercessem uma profissão desonrosa como os cobradores de
impostos, pastores, tropeiros, vendedores ambulantes. A estes eram negados alguns
direitos civis (cargos públicos e testemunho em tribunais).44
Percebe-se, em vista disso, que Jesus age de modo contrário aos princípios
rabínicos que proíbem um homem fazer companhia a um ímpio até mesmo se for para
conduzi-lo a conversão e também contra uma importante convenção destes. Deus não
pode amar um pecador sem que antes ele se converta.45 Cristo, que a essa altura do
Evangelho, percorre o caminho rumo a Jerusalém,46 dá uma resposta defensiva rápida,
não direta, mas seguindo a tradição dos antigos, através de uma série de três parábolas.
7
Já nos primeiros decênios, após a paixão do Senhor, as parábolas têm sofrido
desvios interpretativos, sendo tratadas como alegorias, atribuindo a cada ponto da história
uma profunda significação, que acabou por envolvê-las em uma espessa névoa no que
concerne ao seu sentido.50 Por influência helenística, pode ter havido, para tal, uma ânsia
inconsciente de encontrar na simplicidade de se expressar de Jesus uma definição mais
densa. Joachim Jeremias afirma que: “No meio helenístico estava amplamente espalhada
a interpretação alegórica[...], a exegese alegórica fez escola; coisa semelhante era de se
esperar neste assunto também dos mestres cristãos”.51
Jesus é simples para falar com os simples. Ele se utiliza das figuras que eram
comuns tanto para Ele quanto para aqueles que o seguiam. Fala sim dos assuntos divinos
e elevados, contudo com uma linguagem acessível para que todos possam se aproximar
dele e buscar viver os ensinamentos por ele pregado. Até pode ter bebido das fontes do
Antigo Testamento, porém verte de si algo de original, único, de tal modo a prender e
cativar o ouvinte, que não se sacia e o busca para ter mais desta salutar bebida.52
Em suas parábolas, o Galileu busca colocar aqueles que o circundam em situações
concretas. Ele fala com o salmista: “Vou abrir minha boca numa parábola, vou expor
enigmas do passado”.53 Faz referência a momentos vividos, leva-os a uma mudança de
visão e comportamento, ou seja, está intimamente ligado a um condicionamento histórico.
Tudo isso levando em consideração o seu propósito: Revelar Deus e Anunciar o seu
Reino. Por meio delas Ele faz o irrecusável convite de participar do Reino, tornam-se um
traço típico de sua pedagogia. Através do método parabólico há um chamamento não só
para o banquete54 como também à uma escolha radical: para possuir o Tudo (Deus/Reino)
é necessário dar tudo.55 É preciso mais ação que somente palavras.56
50
JEREMIAS. J. As Parábolas de Jesus, 1978, p. 9.
51
JEREMIAS. Loc. Cit.
52
CERFAUX. L. O tesouro das parábolas, 1974, pp. 5-14.
53
Sl 78,2; Mt 13,34-35.
54
Cf. Mt 22,1-4; Lc 14,15-24.
55
Cf. Mt 13,44-45.
56
Cf. Catecismo da Igreja Católica, 2000, n. 546.
57
MONLOUBOU, Louis; DU BUIT, F.M. Dicionário Bíblico Universal, 1996, pp. 588-589.
58
JEREMIAS, J. As Parábolas de Jesus, 1978, p. 15.
59
Cf. Mt 13,10-17.
60
Cf. GONZALES, Angel et al. Commento della Bibbia Liturgica, 1982, p. 1244.
8
O rebanho, as ovelhas de um Pastor (Lc 15,4-7)
Deus é revelado como a força61 de um amor que não se cansa de ir ao encontro.
Um amor que salva e cria.62
Na primeira parábola Jesus utiliza uma imagem muito comum e cara ao povo
daquela região: a de um pastor de ovelhas. Nota-se a alusão ao Antigo Testamento
mostrando um Deus-Pastor, a exemplo de Israel ao abençoar José64 e se despedir de seus
filhos,65 ou dos profetas ao pronunciarem oráculos do Senhor contra os maus pastores.66
O evangelista Mateus ao expor uma semelhante parábola67 trata apenas da consequência:
“do mesmo modo, vosso Pai do céu”...68; já Lucas, em contrapartida, apresenta o modo
como o Divino Pastor se volta para o pecador, oferecendo não apenas um perdão estático.
A Misericórdia Divina é algo dinâmico. Ele busca de maneiras diversas, até que encontre
a ovelha perdida.69
Ao observar que o Senhor é o Pastor, percebe-se assim, que o rebanho que ele
pastoreia é o povo eleito e este proclama tal fato em vários momentos da Sagrada
Escritura, atestando de fato que ele é conduzido por Deus qual um rebanho.70 Por vezes
antecipa a imagem da parábola e se apresenta como ovelha perdida implorando pela busca
do seu pastor71 e também como seguidores do próprio caminho, errantes, pelos quais o
Senhor toma sobre si as suas dores.72
Jesus inicia sua apresentação com uma pergunta, não dando outra opção a não ser
a de uma resposta positiva. No entanto, poderia surgir outro questionamento por parte dos
ouvintes: para quê fazer tanto caso por uma ovelha se ainda restam noventa e nove? Não
é à toa que ocorre a insistência de repetir o número de ovelhas “deixadas” na pastagem
que é muito superior à de uma única ovelha. Neste ponto expõe-se uma reflexão sobre a
visão de superioridade daqueles que murmuravam, aqui qualitativa, lá quantitativa, em
relação aos que se aproximam do Senhor. Ele usa do psicológico, no qual algo perdido,
por esse simples fato, ganha um valor superior ao real.73 Ainda mais para quem pastoreia
tal número de ovelhas, para ele cada ovelha é importante, pois de cada uma ele tira o seu
sustento.
61
Cf. Rm 1,16.
62
Cf. 1Jo 3,1-2.
63
FRANCISCO PP. Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia “Misericordiae
Vultus”, 2015. n. 9.
64
Cf. Gn 48,15.
65
Cf. Gn 49,24.
66
Cf. Jr 23; Ez 34; Nuovissima Versione della Bibbia: LUCA. Versão de Carlo Ghidelli, 1981, cap. 15,
vers. 4, nota de rodapé.
67
Cf. Mt 18,12-14.
68
Mt 18,14.
69
Cf. TUYA, Manuel et al. Biblia Comentada: Evangelios, 1962, p. 163.
70
Cf. Sl 23.
71
Cf. Sl 119,176.
72
Cf. Is 53,6.
73
Cf. DUPONT, Jacques. Por que parábolas? O método parabólico de Jesus, pp. 51-52.
9
De fato o dono do rebanho não é homem muito rico. Entre os beduínos, o
tamanho do rebanho oscila entre vinte e duzentas cabeças de gado miúdo;
trezentas cabeças já se tem no direito judaico como um rebanho
descomunalmente grande. Como dono de cem ovelhas, o homem tem, pois,
um rebanho de tamanho médio; ele próprio cuida delas [...], não podendo pagar
ninguém para fazê-lo para ele.74
O pastor só cessa sua busca quando o objeto desta é reencontrado. E eis que Jesus
toma uma outra imagem veterotestamentária, profética e bela: a ovelha que é carregada
no regaço e é carinhosamente conduzida.75 Cansada por vagar a ermo, sem forças e
podendo até mesmo estar ferida, ela espera; assim como conhece a voz daquele que a
conduz,76 no seu íntimo ela também sabe não ser abandonada pelo pastor. Ele virá ao seu
encontro.77 Chega de fato e se alegra ao vê-la. Jesus manifesta um Deus cheio de alegra
pela conversão de um pecador,78 alegria transbordante e fecunda, que tranquiliza e gera
força.79 Um gozo que anseia ser comunicado e partilhado. Para Lucas, ele deve ser quase
que epidêmico, deve encontrar um caminho em direção ao outro. Quando fala de amigos
e vizinhos, a alegria ganha uma dimensão comunitária e fraterna.80 Pode ser feita uma
ligação de amigos com profetas e vizinhos com aqueles que os ouvem. A alegria diante
desse retorno ganha definição e perspectiva novas, não se limita ao contentamento terreno
de convidar amigos e vizinhos para festejar: ela ecoa nos céus.81
Jesus está falando, ao povo de Israel, para que Ele veio. Os “justos” (fariseus e
escribas) necessitam entender a frase dele dirigida a cananeia.83 Veio senão para reunir o
povo de Israel, juntar como ovelhas no aprisco e rebanho nas pastagens.84 É a estes a
direção desta parábola de Cristo. É aos filhos de Israel que estão dispersos e
marginalizados. Eles não deixaram de ser herdeiros da aliança e da promessa, apenas
necessitam ouvir de novo a voz do pastor,85 permitir-se serem acomodados nos ombros e
se alegrarem diante da festa que Deus faz por estarem em comunhão. Deus quer a
conversão e a vida para todos.86
74
JEREMIAS, J. As Parábolas de Jesus, 1978, p. 135.
75
Cf. Is 40,11.
76
Cf. Jo 10,27.
77
Cf. Pr 7,15.
78
Cf. Sl 16,9.
79
Cf. Ne 8,10.
80
Cf. Nuovissima Versione della Bibbia: LUCA. Versão de Carlo Ghidelli, 1981, cap. 15, vers. 5-6, nota
de rodapé.
81
Cf. TUYA, Manuel et al. Biblia Comentada: Evangelios, 1962, p. 163.
82
LANCELLOTTI, Boccali. Comentário ao Evangelho de São Lucas, 1979, p. 158.
83
Cf. Mt 15,24.
84
Cf. Mq 2,12
85
Cf. Jo 10,27.
86
Cf. Ez 18,23.
10
A mulher e sua pequena fortuna (Lc 15,8-10)
A segunda parábola vem imediatamente seguida a das ovelhas. Jesus não dá tempo
para contra respostas. O momento é de ouvir o mestre que ensina. Assim como a seguinte,
esta parábola é única em Lucas. Segue a estrutura daquela anterior: pergunta, solicitude
para com o pecador e alegria pelo retorno deste. Jesus descreve minunciosamente cada
passo da personagem. É uma história viva, que prende. Perde, acende a luz, varre e então
encontra. O destaque mais uma vez está no zelo de Deus pelo pecador. Neste instante
toda a providência está suspensa. O pecador se esconde para escapar do perdão que o
Senhor oferece.87
Por que o Mestre usa apenas dez moedas e por qual motivo a figura da dracma?
Não poderia ser um valor bem mais superior e, ainda mais, haveria a necessidade de ser
uma moeda estrangeira, de origem grega? As dracmas da mulher podem fazer referência
aos adornos de cabeça, constituídos de moedas, utilizados pelas mulheres palestinenses e
que são pertencentes ao seu dote. É algo precioso, de muito valor, inclusive sentimental.
São referências encontradas também nos antigos escritos rabínicos. É possível avaliar,
desse modo, que pela quantidade de moedas a mulher deveria ser alguém pobre, visto
que, se assim não fosse ela possuiria tanto um número maior como também elas seriam
de ouro. Era um dote modesto, segundo Joachim Jeremias.88
Ao usar a dracma e não uma outra moeda utilizada pelos judeus da época, Cristo
amplia o círculo da salvação. Aquela parábola da ovelha, como visto, é direcionada para
o povo-herdeiro de Israel. Esta, com a imagem da moeda grega, quer estender esta herança
para todos aqueles povos chamados gentios, estrangeiros, ou seja, aos não-judeus
presentes naquela região. Também para estes o Messias e sua mensagem foram enviados.
A estes Deus volta a sua atenção e os procura. Já que eles buscam o Senhor89 e acreditam
no projeto do Cristo, a eles, do mesmo modo, é garantido o cumprimento da promessa
salvífica.
Na narrativa Jesus não menciona o momento do dia em que ocorrem os fatos,
apesar de comentar que uma luz foi acesa. Não significa, todavia, que seja noite, pois
após encontrar, ela reúne um grupo para festejar. Esta informação pode significar que, de
fato, era uma mulher de condição humilde, ao ter o conhecimento que as casas dos
camponeses da época não eram possuidoras de janelas e que a luz que eventualmente
entrava no recinto vinha da pequena porta.90
A luz acesa e a dúvida da hora podem significar que para o Senhor, desejoso pelo
retorno do pecador, não há hora específica para a busca. Deus não descansa enquanto não
tiver de volta seu precioso dom: o ser humano. Cristo é a lâmpada usada por Deus e
através da qual ele vai ao encontro do objeto do seu amor, dissipando as sombras da
ignorância e do pecado.91 O povo é iluminado e arrancado das sombras da morte, enche-
se de vida.92 Vale lembrar que Evangelho já no seu início fala dessa luz e da misericórdia
do Senhor: “Graças ao misericordioso coração do nosso Deus, pelo qual nos visita o Astro
das alturas, para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte, para guiar nossos
passos no caminho da paz”.93
O versículo segue com uma ação bem comum. É uma estratégia da mulher para
encontrar mais depressa a moedinha. Ora, a poeira recobre o chão da casa de terra batida
87
Cf. CERFAUX. L. O tesouro das parábolas, 1974, p. 74.
88
JEREMIAS, J. As Parábolas de Jesus, 1978, p. 137.
89
Cf. Is 55,6.
90
Cf. CERFAUX, L. O tesouro das parábolas, 1974, p. 74.
91
Cf. CONFESSOR, São Máximo. Das “Respostas a Talássio”. In: Lecionário Monástico. Volume V.
Semanas 12 a 23 (Ano II). Org.: Mosteiro de São Bento. Rio de Janeiro: [s.n.], 2016, p. 2.
92
Cf. Is 9,2.
93
Lc 1,78-79.
11
e pedras, ao tomar a “vassoura” que pode ser um ramo de palmeira, a mulher espera ouvir
o tilintar do objeto perdido. Encontrando-o, ela reúne as amigas e vizinhas. É um fato
importante que precisa ser partilhado, festejado e devem comungar de sua alegria. Afinal,
a moeda tem o valor de um dia de trabalho no campo.94
Gradualmente o filho mais jovem julga esta vida tediosa, insatisfatória: [...]
levantar todos os dias, digamos, às 6 horas e depois, segundo as tradições de
Israel, uma oração, uma leitura da Bíblia Sagrada, e depois ir trabalhar e no
final novamente uma oração. Assim dia após dia, ele pensa: mas não, a vida é
mais do que isto, devo encontrar outra vida, em que eu seja verdadeiramente
94
Cf. JEREMIAS, J. As parábolas de Jesus, apud FABRIS, Rinaldo; MAGIONNI, Bruno. Os Evangelhos
(II), 1992, p. 160.
95
FABRIS, Rinaldo; MAGIONNI, Bruno. Os Evangelhos (II), 1992, p. 161.
96
Cf. Ex 3,7-9.
97
Cf. Ap 2,4-5.
98
Sl 118,1b.
99
Cf. 1Sm 16,7.
100
Cf. BAUDLER, Georg. A figura de Jesus nas parábolas: a obra narrativa da vida de Jesus, um
acesso a fé, 1990, pp. 288-289.
101
LANCELLOTTI, Boccali. Comentário ao Evangelho de São Lucas, 1979, p. 158.
12
livre, possa fazer o que me agrada; uma vida livre desta disciplina e destas
normas dos mandamentos de Deus.102
Há um desejo de liberdade. Não quer preocupações com as tarefas dadas pelo pai
e, ao que parece, não se importa com as normas estabelecidas por uma divindade distante.
Ele tem uma solução para alcançar o seu propósito, bem simples: pedir ao pai a parte dele
na herança. À primeira vista, é algo normal e poderia ser interpretado como coragem,
autonomia e empreendedorismo. Entretanto, é interessante tomar sempre a Sagrada
Escritura e observar o que ela tem a dizer sobre o assunto.
O livro do Eclesiástico é claro ao dizer que somente na hora da morte, no último
dia dos dias, seja distribuída a herança.103 Aconselha que, durante a vida, a ninguém dê
poder sobre si, nem sobre os bens, sendo sempre o senhor de tudo,104 deixando, no
entanto, a possibilidade de fazê-lo. O rei Davi, em vista disso, seguindo um juramento
feito a Bersabéia, faz Salomão ser consagrado rei, tomar posse de seu trono e se rejubila
por conseguir ver seu filho reinando.105 Pode-se, com isso, afirmar que havia, na época,
duas formas de se conceder a posse dos bens: por direito de propriedade (doação) ou por
direito de uso (testamento). No primeiro – geralmente de difícil compreensão – o bem
pertencia ao filho, porém, este não tinha o usufruto, que só ocorreria na morte do pai.
O que pode passar despercebido, em tudo isso, é que não se vê a opção de requerer
uma herança. Um chefe de clã tem a autonomia de ceder seus bens. Todo filho tem o
direito de uma parte da herança.106 No entanto, ele não tem a prerrogativa de requisitá-la.
Ao fazê-la, ele incorre em uma grave falta. Entende-se essa atitude como que um atestado
de óbito do pai, ainda vivo, escrito e assinado pelo filho. O rapaz age como que quebrasse
com os laços familiares, lança fora a honra do pai. “Para mim o senhor não tem nenhum
valor, está morto”, diz o filho com esse ato.
A ação do pai, diante do pedido, torna a situação impensável. Imagina-se a
surpresa de todos ao ouvir que ele logo acata ao requerimento do filho. Seria de se esperar
que o filho fosse fortemente repreendido, disciplinado com o apoio da lei. 107 Este amor,
dramaticamente ilustrado, é difícil de acreditar. Até para rejeitar quem ama, ele dá
liberdade.108 Vale destacar, neste ponto, o vocabulário grego utilizado pelo evangelista.
Quando o filho pede sua porção, o termo usado é ousia (substância, propriedade, herança).
Já no momento em que o pai atende ao desejo, Lucas faz uso do vocábulo bios (vida). O
chefe daquela família, assim, ao entregar os bens, abre mão do bem mais precioso que é
a vida de seu filho. No silêncio do seu amor, o pai concede a liberdade ao filho.109
Os filhos receberam a vida do pai. O mais velho segue sua (in)dependência sem
sair de casa. O mais novo deseja tão logo ter o conhecimento do bem e do mal.110 Vale
ressaltar que nesses dois versículos que iniciam a parábola, o filho mais velho é citado
duas vezes e em nenhuma é revelada sua reação. Foi beneficiado tanto quanto o irmão.
Ele poderia muito bem receber sua parte protestando oralmente sobre as implicações que
102
BENTO PP XVI. Um caminho de fé antigo e sempre novo – Pregações para o ano litúrgico (Ano A),
2017, p. 296.
103
Cf. Eclo 33,24.
104
Cf. Eclo 33,20-23.
105
1Rs 1 – 2.
106
O que correspondia ao filho mais novo, sendo apenas dois, segundo Dt 21,15-17, era a terça parte dos
bens.
107
Cf. Dt 21,18-21.
108
Cf. DIAS, Tiago C. S. A parábola do pai misericordioso: uma releitura de Lc 15, 11-32 à luz do
contexto histórico-cultural da Palestina no Tempo de Jesus. PqTeo, v. 3, jul/dez-2020, nº 6, p. 319.
Acessado em 21/06/2022. http://dx.doi.org/10.46859/PUCRio.Acad.PqTeo.2595-9409.2020v3n6p313.
109
Cf. ROHDEN, Huberto. Sabedoria das parábolas, [s.d], p. 20.
110
Cf. Gn 3,1-6.
13
tal pedido geraria para o clã ou então assumir uma posição conciliadora, tentando
persuadir o irmão a desistir da empreitada. Não. O silêncio fala bem mais. Manifesta que
este possuía um outro relacionamento com o chefe do lar.111
111
Cf. DIAS, Tiago C. S. A parábola do pai misericordioso: uma releitura de Lc 15, 11-32 à luz do
contexto histórico-cultural da Palestina no Tempo de Jesus. PqTeo, v. 3, jul/dez-2020, nº 6, p. 320.
Acessado em 22/06/2022. http://dx.doi.org/10.46859/PUCRio.Acad.PqTeo.2595-9409.2020v3n6p313.
112
Cf. 1Rs 21,1-3.
113
Cf. Bíblia do Peregrino, 1996, Lc 15,13, nota de rodapé.
114
Cf. Pr 23,21; 29,23; Eclo 18,30 – 19,2.
115
Cf. BENTO PP XVI. Um caminho de fé antigo e sempre novo – Pregações para o ano litúrgico (Ano
A), 2017, p. 297.
116
HIPONA, Santo Agostinho de. Dos comentários sobre os Salmos. In: Lecionário Monástico do Ofício
de Vigílias (Tempo da Quaresma), 1999, p. 341-342.
117
Diascorpíso. In: Léxico Analítico do Novo Testamento Grego, 2013.
14
porção recebida do pai não faltaram. Companhias que ajudaram o herdeiro na sua
dispersão. Entretanto, também estes se dispersaram, visto que, não se vê mais à frente
amigos para o ajudar na dificuldade.
Perdeu a filiação, a herança, a comida, a hospedagem, pouco sobrou de si mesmo.
O ocorrido com ele é explicito: “gastou tudo”. Não tinha mais nada. Tornou-se um
desvalido em terra estranha, um órfão por conta própria que optou em fazer um êxodo
para longe de Deus. Perdeu sua dignidade, sua humanidade, “reduzindo-se a escravo das
paixões”.118
Quantos daqueles que ouviam o Senhor não se viram refletidos nesse ponto da
história. Buscaram seus prazeres pessoais, foram egoístas e até mesmo viraram as costas
para Deus. Os olhos deveriam estar fixos naquele jovem mestre que falava com
autoridade.119 Desejavam saber o que ele havia preparado para eles, esperavam que o
Senhor operasse maravilhas na grandeza de seu nome.120 Os que dele se aproximaram
queriam soluções para suas vidas, ansiavam experimentar esse amor de Deus que ele
proclamava, porém só encontravam perdas e dores no caminho que eles mesmos haviam
traçado. Eles necessitavam tomar consciência que “fome e miséria não são castigos
extrínsecos, mas consequências de uma conduta”,121 era uma situação que poderia mudar.
Não só entre os judeus a suinocultura era vista com maus olhos. Também para os
gregos e os romanos era algo desprezível. O Talmude é duro em falar sobre tal assunto,
amaldiçoando a pessoa que cuida da reprodução de porcos. Jesus não entrou nesta seara
sobre impureza à toa, pois da mesma forma eram vistos os cobradores de impostos por
118
MADALENA, Gabriel de Santa Maria. Intimidade Divina – Meditações sobre a vida interior para
todos os dias do ano, 1988, p. 236.
119
Cf. Mt 7,29.
120
Cf. Lc 1,49.
121
Cf. Bíblia do Peregrino, 1996, Lc 15,14, nota de rodapé.
122
Cf. DIAS, Tiago C. S. A parábola do pai misericordioso: uma releitura de Lc 15, 11-32 à luz do
contexto histórico-cultural da Palestina no Tempo de Jesus. PqTeo, v. 3, jul/dez-2020, nº 6, p. 320.
Acessado em 26/06/2022. http://dx.doi.org/10.46859/PUCRio.Acad.PqTeo.2595-9409.2020v3n6p313.
123
Cf. At 10,28.
124
PAIVA, Anselmo Chagas de. Anotações de Filosofia do Direito, 2013, p. 68.
15
prestarem serviços ao império romano.125 Para o jovem, o trabalho, que deveria ser
motivo de honra para um homem, torna-se causa de apostasia tendo em vista que ele
estava descumprindo a Lei. Servindo a um pagão e cuidando de porcos, o vínculo com
Elohim é rompido.
Em relação a fome, o Senhor apresenta que o jovem, ao ouvir os ruídos das bolotas
entre os dentes dos porcos e a sua satisfação ao deitarem de barriga cheia no chiqueiro,
sente o forte desejo de se alimentar quais esses animais impuros. Há algumas formas de
apresentar este trecho. As traduções falam de “encher a barriga” e “matar a fome”.
Contudo, não usa o “saciar-se”, visto que o jovem queria apenas enganar o estômago
vazio. Sentiu, talvez, vontade de ser um animal daqueles, já que a estes davam alimentos
e a ele não.
Desejava, pelo menos, esquecer sua insatisfação, já que não podia se satisfazer;
tentava enganar, narcotizar, com gozos materiais os seus anseios espirituais.
Mas, diz o texto, ninguém dava essa satisfação animalesca. Alimentos
materiais não saciam fome espiritual. Ali, no meio duma manada de animais
satisfeitos, desceu a insatisfação do jovem ao mais profundo nadir da
infelicidade.126
125
Cf. DIAS, Tiago C. S. A parábola do pai misericordioso: uma releitura de Lc 15, 11-32 à luz do
contexto histórico-cultural da Palestina no Tempo de Jesus. PqTeo, v. 3, jul/dez-2020, nº 6, p. 321.
Acessado em 26/06/2022. http://dx.doi.org/10.46859/PUCRio.Acad.PqTeo.2595-9409.2020v3n6p313.
126
ROHDEN, Huberto. Sabedoria das parábolas, [s.d], pp. 21-22.
127
Cf. FABRIS, Rinaldo; MAGIONNI, Bruno. Os Evangelhos (II), 1992, p. 162.
128
Cf. Ex 1,8-13.
129
Cf. Ex 16,3.
130
Cf. Sl 137.
131
Cf. Lc 12,17ss.
16
dos bens do patrão;132 quando da do juiz e o processo da viúva,133 dentre outros
momentos.134
A expressão utilizada pelo evangelista para esse momento é “caindo em si” que
tanto no aramaico quanto no hebraico pode significar conversão.135 Todavia, entenda-se
como início do processo de mudança. Nesse monólogo interior, Lucas não deseja
exprimir grande sentimento de arrependimento, visto que a conversão se dá, de fato, no
encontro com o pai.136 A reflexão surge da necessidade, da falta de comida e do estado
degradante no qual ele se encontrava. Tudo não passava de interesse próprio. O jovem
não pensou no mal que causara ao pai, não pensou na mãe ou irmãos que ficaram em casa,
na saudade deles. Ele, na escassez, continuava egoísta e orgulhoso.
A situação em que ele veio a encontrar-se quando se viu sem os bens materiais
que dissipara deveria tê-lo tornado consciente, como é normal, também da
perda dessa dignidade. Ele não teria pensado nisso antes, quando pediu ao pai
que lhe desse a parte de herança que lhe tocava[...] parece que nem mesmo
agora está bem consciente dessa realidade[...]. Ele se avalia a si mesmo com a
medida dos bens que tinha perdido[...].137
132
Cf. Lc 16,3.
133
Cf. Lc 18,4.
134
Cf. Lc 12,45; 20,13; Mt 24,28.
135
Cf. JEREMIAS, J. As Parábolas de Jesus, 1978, p. 131.
136
Cf. Nuovissima Versione della Bibbia: LUCA. Versão de Carlo Ghidelli, 1981, cap. 15, vers. 17, nota
de rodapé.
137
JOÃO PAULO PP II. Encíclica “Dives in Misericordia”, 1980, n. 37.
138
Cf. BENTO PP XVI. Um caminho de fé antigo e sempre novo – Pregações para o ano litúrgico (Ano
A), 2017, p. 297.
139
Cf. ROHDEN, Huberto. Sabedoria das parábolas, [s.d], p. 22.
140
Cf. Gn 39,9.
141
Cf. Ex 10,16.
142
Cf. Dt 1, 41.
143
Cf. 2Sm 12,13.
144
Sl 51,6.
17
total da lei – os destrói Deus e esquece, como coisas que se calcam aos pés[...].
Criou Deus o homem livre; e quando este, como o filho pródigo, com gestos
de independência e rebeldia, afasta-se dele [...] não o detém à força, mas o
espera.145
Jesus coloca assim, frente a frente, as duas liberdades que atuam no perdão: a
busca do pai que procura o pecador e a busca do pecador que vai ao encontro
do pai. São dois aspectos complementares do perdão: nele, como na conversão
e na fé, trata-se sempre do encontro de duas liberdades. O perdão não é algo
humilhante, não se olha o passado. O perdão é um respeito mútuo, são duas
vontades que se encontram.147
Chegando à casa paterna, que lhe permitiu descobrir por conta própria o que é
viver e não viver, o jovem é pego de surpresa. Tanto o arrependido como os ouvintes, em
especial os fariseus e escribas, esperavam uma reação diferente do patriarca. Entretanto,
ele esperava o retorno do filho desde sua partida. Ouve-se uma emocionante narração das
ações do pai. Ele nunca deixou de ser pai, apesar das ações do filho.148 Jesus abre o seu
coração e o coração de Deus neste instante. Ele quer, de todas as maneiras, revelar a
grandeza do amor e da misericórdia do Pai. Que não é uma abstração, é concreto, prático,
ativo.
O jovem ainda nem chegou, está no processo de retorno, não recebeu de volta a
glória do que era antes de sair daquele lugar. Ele é visto pelo pai. O olhar do patriarca
ilumina o caminho do filho, dissipando as trevas do erro que o envolvia. “Se o Pai celeste
não tivesse iluminado o rosto do filho que voltava, e não tivesse dissipado a tenebrosa
desordem de seu coração, [...] jamais esse filho teria visto o fulgor da face de Deus”.149
O pai se antecipa, e ao ver de longe o filho, sabe quão difícil está sendo para ele este
retorno. Os que por ele passam sentem desprezo, dele zombam, nem parece homem.150
145
MADALENA, Gabriel de Santa Maria. Intimidade Divina – Meditações sobre a vida interior para
todos os dias do ano, 1988, p. 208.
146
Cf. Pr 26,11; 2 Pd 2,22.
147
GEORGE, Augustin. Leitura do Evangelho segundo Lucas, 1982, p. 81.
148
Cf. Dt 1,31; 14,1; 32,6.
149
CRISÓLOGO, São Pedro. Dos Sermões de São Pedro Crisólogo. In: Lecionário Monástico do Ofício
de Vigílias (Tempo da Quaresma), 1999, p. 343.
150
Cf. Sl 22,7.
18
Vendo o filho ainda no caminho algo age dentro do pai. A palavra utilizada no
grego vem do substantivo splanchina e faz referência ao amor visceral, paternal e
misericordioso, atributos do amor de Deus.151 Toma uma atitude drástica: corre ao
encontro do filho errante. Para um oriental o ato de correr não é normal, ainda mais sendo
um homem abastado, pois o homem se faz conhecer pelo seu andar.152
“Além disso, o pai está à espera do teu regresso errante. Volta saltando para cima
dele, e quando estiveres ainda longe dele, correndo ao teu encontro, ele lançar-se-á ao teu
pescoço e com afetuosos abraços te apertará, já purificada pelo teu arrependimento”.153
O pai não toma o lugar de juiz que os interlocutores de Jesus esperavam. Ele só quer
demonstrar ao filho que seu amor de pai não o julga nem condena, só acolhe e ama.154
Esta foi, é e sempre será a forma de Deus amar seu povo. Israel tantas vezes se afastou
do seu Senhor e mesmo assim nunca foi por Ele esquecido.155
As ações do patriarca ao receber o filho atestam o seu perdão tanto para o jovem
quanto para a comunidade que será reunida. Após lançar-se ao pescoço do filho, que faz
lembrar a cena de perdão entre Esaú e Jacó,156 o encontro de José e seus irmãos,157 bem
como a despedida do apóstolo Paulo.158 Ele o cobre de beijos. É uma ação exagerada,
tendo em vista que tanto com Esaú159 quanto com Davi e Absalão160 o texto faz menção
de apenas um beijo. O pai, todavia, precisa mostrar ao filho que ele está perdoado, a ponto
de não deixar o filho continuar o discurso preparado. Com os feitos do pai, o filho
arrepende-se de verdade, e sabe que não será tratado como um servo, pois o pai tem por
ele um amor profundo e fiel. Há um mútuo acolhimento: o pai acolhe o filho pecador e o
filho acolhe o perdão do pai.
Por muito tempo, para cada ação do pai foi atribuído um significado, uma
explicação teológica, o que não ocorrerá no presente trabalho, visto que o texto lucano é
uma parábola e não uma alegoria. O que é necessário saber é que cada atitude do pai é
prova de que o filho foi perdoado, a filiação foi reestabelecida e que não precisa de
sacrifícios e penitências.161 A única “obrigação” do filho, neste momento, é deixar-se
acolher e festejar. Diferentemente das duas primeiras parábolas, não há um convite para
alegria, o que não significa sua ausência. A ordem de preparar um banquete162 e o motivo
para tal, já expressam o contentamento divino pelo retorno de um filho amado, mais que
isso, esse filho amado estava morto163 e tornou à vida.164 Não um simples voltar para
casa,165 mas uma compunção, uma remissão. É um reviver. Uma ressurreição.
Deveis observar que disse “comamos”, falando em plural, por onde podemos
entender que da carne santíssima deste novilho tão santo, não só come o filho
que estava morto e reviveu, perdido e foi achado, mas também comeu o pai e
os criados da casa. Nisto se vê que nossa conversão e saúde é a alegria do Pai
151
Cf. Ex 34,6; Dt 7,7-9; Is 54,8; Jr 31,3.20; Os 11,8.
152
Cf. Eclo 19,28.
153
BASÍLIO, São. Cartas 46. In: Os Padres da Igreja e a Misericórdia. Org.: Conselho Pontifício para
Promoção da Nova Evangelização. São Paulo: Paulos; Edições Paulinas, 2016, p. 99.
154
Cf. Jr 3,12.
155
Cf. Is 49,15-16a.
156
Cf. Gn 33,3-4.
157
Cf. Gn 45,14.
158
Cf. At 20,37.
159
Cf. Gn 33,4.
160
Cf. 2Sm 14,33.
161
Cf. Sl 51,18-19.
162
Cf. Eclo 32,1-1317.
163
Cf. 1Tm 5,6; Ef 2,1.
164
Cf. Sl 30,12; Cl 2,13.
165
Cf. Jr 3,14.
19
celestial, e sua alegria é o perdão de nossos pecados. E este gozo não é só do
Pai soberano, mas também do Filho e do Espírito Santo, porque a obra, a
alegria e o amor da Santíssima Trindade é una.166
Essa primeira parte da parábola (Lc 15,11-24) deve ser vista como que uma
“balada parabólica”. Possui doze estrofes que se combinam quando se utiliza o
paralelismo inverso. As seis últimas, deste modo, fazem a inversão das primeiras seis. O
discurso dirigido ao pai pela primeira vez está no início, já a segunda vez que o filho se
volta para o pai está no meio. O final inverte o inicial. O ponto de retorno encontra-se no
meio, como é de se esperar visto por esse ângulo de inversão 167 (Apêndice II). “Cada
desejo, perda ou necessidade física da primeira parte [...] corresponderá,
progressivamente, a restauração à filiação e a alegria que daí emana”.168
166
MAGNO, São Gregório. Sermão sobre o filho pródigo. In: Lecionário Patrístico Dominical. Trad. e
Comp.: Diác. Fernando José Bondan, 2016, p. 572.
167
Cf. DIAS, Tiago C. S. A parábola do pai misericordioso: uma releitura de Lc 15, 11-32 à luz do
contexto histórico-cultural da Palestina no Tempo de Jesus. PqTeo, v. 3, jul/dez-2020, nº 6, p. 316.
Acessado em 30/06/2022. http://dx.doi.org/10.46859/PUCRio.Acad.PqTeo.2595-9409.2020v3n6p313.
168
Ibid., p. 317.
169
Cf. Lc 14,15-24.
170
Cf. DIAS, Tiago C. S. A parábola do pai misericordioso: uma releitura de Lc 15, 11-32 à luz do
contexto histórico-cultural da Palestina no Tempo de Jesus. PqTeo, v. 3, jul/dez-2020, nº 6, p. 325.
Acessado em 01/07/2022. http://dx.doi.org/10.46859/PUCRio.Acad.PqTeo.2595-9409.2020v3n6p313.
171
Jn 4,2.
172
Shalom: significa, literalmente, paz e é utilizado como forma de saudação ou despedida.
173
Cf. Mt 20,1-16.
174
Cf. Mt 20,12.
175
Cf. Lc 18,11.
176
Cf. At 17,18.
20
Ele desdenha do que tinha em casa e também do pai. O que fazia era mera
obrigação, ambicionando um bem material futuro. “O destinatário de todas as suas
acusações é o pai, sem usar uma única vez a palavra ‘pai’. Cada uma das palavras [...]
destila sua autossuficiência e, ao mesmo tempo, transpira carência afetiva, inveja”. 177 O
pai, ao contrário, frisa a filiação dele e garante que ele não perdeu nada com a volta do
irmão, pois o amor dado ao filho regresso é o mesmo que o fez sair em busca daquele que
se perdeu em casa. O filho mais velho se perdera por conta própria, pois não se via como
filho.
Israel é mostrado neste “filho bom”, ofendido pelo fato do Pai, na pessoa do Filho,
acolher os pecadores e comer com eles. Há muito tempo acreditavam que a Casa pertencia
a eles e só eles detinham o direito de possuírem os bens prometidos. Jesus lhes mostra o
contrário.
Conclusão
Jesus ao introduzir esta resposta parabólica, no capítulo 15 do evangelho de São
Lucas, convida não só aos murmuradores, mas também a cada cristão ao conhecimento
de quem é Deus: um Pai misericordioso que em seu Filho revela um amor desmedido. E
que não são os erros humanos empecilhos para fidelidade e transbordamento deste amor
divino.
O próprio Deus no decorrer da História, segundo as Escrituras, foi demonstrando
e querendo que o povo tomasse consciência deste forte sentimento que o move em direção
177
PAIVA, Anselmo Chagas de. Anotações de Filosofia do Direito, 2013, p. 75.
178
Cf. JOÃO PAULO PP II. Encíclica “Dives in Misericordia”, 1980, n. 41.
179
Cf. Gn 1,26-28.
180
Cf. Is 49,16.
181
Cf. Jr 31,3.
182
Cf. 1Jo 4,20.
21
a ele. É Ele quem corre ao encontro, quem busca e, por fim, envia o Filho como prova
desta misericórdia. Uma ação tão forte que não leva em consideração estar a humanidade
em pecado. Foi para o seu resgate que o Messias se encarnou. E Jesus quer mostrar esta
verdade paterna. Em vista disto, a cristandade, mais especificamente, aqueles que sentem
o forte desejo de seguir Cristo mais de perto, recebem do Divino Mestre um convite, um
mandato: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso. Não julgueis, para não
serdes julgados; não condeneis, para não serdes condenados; perdoai e vos será
perdoado”.183 Palavras ditas logo nos primeiros capítulos de São Lucas, como
conscientização da fragilidade humana e demonstração que ela é sempre o objeto deste
amor misericordioso do Senhor.
Quem está no Caminho deve saber que ninguém é deus a não ser o próprio Deus.
Portanto, só Ele é perfeito! O ser humano está em um contínuo crescimento e
desenvolvimento no seguimento do Evangelho. Quedas e distorções sempre haverá neste
processo de discipulado. “Expressões como ‘nunca mais confio naquela pessoa’ é própria
de quem tem vocação para viver não com os filhos de Adão, mas como deuses, num
Olimpo de sua imaginação”.184
Em Pedro, o Senhor ensina aos seus a “regra do perdão”. Deixa claro que a prática
da misericórdia, entre os discípulos, deve ser ilimitada,185 pois, sendo Ele modelo, não há
limites para o amor, o perdão e o acolhimento. Como seguidores, mais ainda, como filhos
de Deus, é preciso ser lento na cólera e pródigos na prática do amor e do perdão. A igreja
sempre entendeu isso e buscou constantemente lembrar aos fiéis. São João Paulo II afirma
que um mundo sem perdão seria um mundo de egoísmos, e que a convivência humana
seria um sistema de opressão, uma arena de luta.186
Com uma leitura atenta da regra beneditina, é possível vê-la impregnada por uma
chamada discretio que poderia, muito bem, ser interpretada como misericórdia.187 Para o
patriarca São Bento todo homem é considerado um ser de elevada importância. O irmão,
seja ele como for, é um outro Cristo, e deve ser amado e acolhido como tal. Se o irmão é
rejeitado e condenado, também o é Cristo. São Bento mostra-se um pai misericordioso e
deseja que seus filhos igualmente sejam. Ele não deseja ninguém triste na Casa de Deus,
tendo em vista que a falta de alegria é própria daqueles que não fizeram a experiência do
amor divino. Os mosteiros beneditinos bem como toda comunidade eclesial, deste modo,
devem ser Casa de Misericórdia. Onde se busca viver o Evangelho, aí se preserva a
misericórdia, caso isto não aconteça, a vida monástica e a vida eclesial tornam-se
superficiais e mentirosas.
A vida cristã, portanto, deve ser reflexo da misericórdia de Cristo, a quem nada
deve ser anteposto. Desde o mais moço na caminhada cristã até o mais alto grau
eclesiástico, deve ser notada a imagem do pai que acolhe de coração aberto, e não a do
filho perdido em legalismos que afastam. Unidos pela obediência ao Evangelho, possam
vivê-la por amor e não por obrigação. O santo legislador quis dar a vida eclesial, tomando
como exemplo a vida monástica o sentido de uma família, com membros complexos,
porém com a mesma finalidade: serem conduzidos juntos à Vida Eterna.188 Onde não há
183
Lc 6,36-37.
184
MARTINS, André. Eis o servo fiel e prudente: a vida de São Bento: comentários aos II diálogos de
São Gregório Magno, 2020, p. 124.
185
Cf. Mt 18,21-35.
186
Cf. JOÃO PAULO PP II. Encíclica “Dives in Misericordia”, 1980, n. 95.
187
Cf. Pról. 41 e 46; RB 2, 24. 31-32; RB 3,3; RB 4; RB 27, 1-3; RB 29, 3; RB 30, 1-3; RB 31, 17; RB
34, 1; RB 35, 1. 3. 12; RB 36, 9; RB 37, 2-3; RB 39, 1-2; RB 40, 3. 5; RB 41, 2. 5; RB 42, 4; RB 46, 5-6;
RB 48, 24-25; RB 50, 4; RB 53, 18-20; RB 55, 1-3. 20-21; RB 59, 8; RB 64, 10. 12-13.
188
Cf. RB 72.
22
misericórdia não há Deus, pois Deus é misericórdia. É necessário, pois, avaliar de que
modo o rahamim do Senhor é recebido no meio da comunidade.189
189
Cf. Sl 48,5.
23
APÊNDICE I
24
APÊNDICE II
BALADA PARABÓLICA190
190
BAILEY, K. As parábolas de Lucas. apud DIAS, Tiago C. S. A parábola do pai misericordioso: uma
releitura de Lc 15, 11-32 à luz do contexto histórico-cultural da Palestina no Tempo de Jesus. PqTeo, v.
3, jul/dez-2020, nº 6, p. 317. Acessado em 30/06/2022.
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25
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