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2º Domingo do Advento - Ano A (4/Dez/2022)

Tema do 2º Domingo do Advento

A liturgia deste domingo convida-nos a despir esses valores efêmeros e egoístas a que, às vezes, damos uma
importância excessiva e a realizar uma revolução da nossa mentalidade, de forma a que os valores fundamentais
que marcam a nossa vida sejam os valores do "Reino".

Na primeira leitura, o profeta Isaías apresenta um enviado do Senhor, da descendência de David, sobre quem
repousa a plenitude do Espírito de Deus; a sua missão será construir um reino de justiça e de paz sem fim, de onde
estarão definitivamente banidas as divisões, as desarmonias, os conflitos.

No Evangelho, João Batista anuncia que a concretização desse "Reino" está muito próxima... Mas, para que o
"Reino" se torne realidade viva no mundo, João convida os seus contemporâneos a mudar a mentalidade, os
valores, as atitudes, a fim de que nas suas vidas haja lugar para essa proposta que está para chegar... "Aquele que
vem" (Jesus) vai propor aos homens um batismo "no Espírito Santo e no fogo" que os tornará "filhos de Deus" e
capazes de viver na dinâmica do "Reino".

A segunda leitura dirige-se àqueles que receberam de Jesus a proposta do "Reino": sendo o rosto visível de Cristo no
meio dos homens, eles devem dar testemunho de união, de amor, de partilha, de harmonia entre si, acolhendo e
ajudando os irmãos mais débeis, a exemplo de Jesus.

1ª LEITURA - Is 11, 1-10

AMBIENTE

A primeira leitura apresenta-nos um poema que alimenta o sonho do regresso a essa época ideal do reinado de Davi
e que dá fôlego à corrente messiânica.

Não é claro o enquadramento histórico em que este oráculo aparece. Para alguns autores, contudo, este poema (e
outros semelhantes) surge na fase final da atividade profética de Isaías...

Quando o rei Ezequias atingiu a maioridade e começou a dirigir os destinos de Judá (por volta de 714 a.C.),
preocupou-se em consolidar uma frente anti-assíria (a potência que, nessa época, ameaçava os países da zona), com
o Egito, a Fenícia e a Babilónia. Isaías condenou essas iniciativas... Elas significavam um colocar a confiança e a
esperança no poder de exércitos estrangeiros, negligenciando o poder de Jahwéh: eram, portanto, um grave sinal de
infidelidade ao Deus de Judá. Essas iniciativas, na opinião do profeta, não poderiam conduzir senão à ruína da
nação... De facto, as previsões funestas de Isaías realizaram-se quando Senaquerib invadiu Judá, cercou Jerusalém e
obrigou Ezequias a submeter-se ao poderio assírio (701 a.C.).

Por essa altura, desiludido com a política dos reis de Judá, o profeta teria começado a sonhar com um tempo novo,
sem armas e sem guerras, de justiça e de paz sem fim. Tal "reino" só poderia surgir da iniciativa de Jahwéh (os reis
humanos de há muito que se haviam revelado incapazes de conduzir o Povo em direção a um futuro de paz); e o
instrumento de Jahwéh na implementação desse "reino" seria, na opinião do profeta, um descendente de David.
Este texto será, talvez, dessa época em que a profecia e o sonho de um mundo melhor se combinam.

MENSAGEM

Na primeira parte do poema (vers. 1-5), o profeta apresenta a personagem que será o instrumento de Deus na
realização desse "reino" de justiça e de paz...

Em primeiro lugar, o profeta anuncia que esse instrumento de Deus virá "da raiz de Jessé". Jessé era o pai de David;
portanto, ele será da descendência de David (o que nos liga à promessa feita por Deus a David - cf. 2 Sm 7) e,
presumivelmente, fará voltar esse tempo ideal de bem-estar, de abundância e de paz que o Povo de Deus conheceu
durante o reinado ideal de David.

Em segundo lugar, essa personagem será animada pelo Espírito de Deus ("ruah Jahwéh"). É o mesmo Espírito que
ordenou o universo na aurora da criação (cf. Gn 1,2), que animou os heróis carismáticos de Israel (cf. Jz 3,10; 6,34;
11,29), que inspirou os profetas (cf. Nm 11,17; 1 Sm 10,6.10; 19,20; 2 Sm 23,2; 2 Re 2,9; Mi 3,8; Is 48,16; 61,1; Zac
7,12). Esse Espírito confere a esse enviado de Deus as virtudes eminentes dos seus antepassados: sabedoria e
inteligência como Salomão, espírito de conselho e de fortaleza como David, espírito de conhecimento e de temor de
Deus como os patriarcas e profetas (aos seis dons aqui enunciados, a tradução grega dos "Setenta" acrescentará a
"piedade": é esta a origem da nossa lista dos sete dons do Espírito Santo).

Da plenitude dos carismas brota o exercício da justiça e a construção de um "reino" onde os direitos dos mais pobres
são respeitados e onde os oprimidos conhecerão a liberdade e a paz. Desse "reino" serão excluídas, definitivamente,
a injustiça, a mentira, a opressão... Tal será o "reino" que o "messias" virá inaugurar.

Na segunda parte do oráculo (vers. 6-9), o profeta apresenta - recorrendo a imagens muito belas - o quadro desse
mundo novo que o "Messias" vai instaurar. A revolta do homem contra Deus (cf. Gn 3) havia introduzido no mundo
fatores de desequilíbrio que quebraram a harmonia entre o homem e a natureza (cf. Gn 3,17-19), entre o homem e
o seu irmão (cf. Gn 4)... Mas agora o "Messias" trará a paz e, dessa forma, cumprir-se-á o projeto inicial que Deus
tinha para o mundo e para o homem: os animais selvagens e os animais domésticos viverão em harmonia (o lobo e o
cordeiro; a pantera e o cabrito, o bezerro e o leão; a vaca e o urso) e todos eles estarão submetidos ao homem
(representado pela criança - isto é, o homem na sua fragilidade máxima). A própria serpente (o animal que
despoletou a desarmonia universal, ao estar na origem do afastamento do homem do Deus criador) comungará
desta harmonia e desta paz sem fim: é a superação total do desequilíbrio, do conflito, da divisão que o pecado do
homem introduziu no mundo.

Destruídas as inimizades, superadas as desarmonias, o homem viverá em paz, em comunhão total com o seu Deus
(vers. 9). No primeiro paraíso, o homem escolheu ser adversário de Deus e escolheu viver no orgulho e na
autossuficiência; agora, por ação do "Messias", ele regressou à comunhão com o seu criador e passou a viver no
"conhecimento de Deus". É o regresso ao paraíso original.

SALMO RESPONSORIAL - Salmo 71 (72)

2ª LEITURA - Rom 15, 4-9

AMBIENTE

A Carta aos Romanos - já o dissemos no passado domingo - é uma carta de reconciliação, endereçada aos romanos,
mas dirigida a toda a Igreja fundada por Jesus. Pretende - numa altura em que fundos culturais diversos e
sensibilidades diferentes dividiam os cristãos vindos do judaísmo e os cristãos vindos do paganismo - afastar o perigo
da divisão da Igreja e levar todos os crentes (judeo-cristãos e pagano-cristãos) a redescobrir a unidade da fé e a
igualdade fundamental de todos diante de Deus. Desde que optaram por Cristo e receberam o batismo, todos
receberam o dom de Deus, tiveram acesso à salvação e tornaram-se irmãos, chamados a viver no amor.

O texto que nos é proposto pertence à segunda parte da carta. Nessa parte (que vai de Rm 12,1 a 15,13), Paulo
exorta os cristãos a viver no amor; em concreto, dá aos cristãos algumas indicações de carácter prático acerca do
comportamento que devem assumir para com os irmãos.

MENSAGEM

O texto que nos é apresentado como segunda leitura tem de ser entendido no contexto mais amplo de uma
perícope que vai de 15,1 a 15,13. Literariamente, esta perícope está construída na base de dois parágrafos
simétricos (cf. Rm 15,1-6 e 15,7-13) que apresentam uma mesma sequência e uma mesma organização: a)
exortação; b) motivação cristológica; c) iluminação a partir da Escritura; d) súplica final.

Na primeira parte da perícope (cf. Rm 15,1-6), Paulo exorta os cristãos a vencer qualquer tipo de egoísmo e de
autossuficiência e a dar as mãos aos mais débeis e necessitados (a); como motivo para este comportamento, Paulo
apresenta o exemplo de Cristo, que não procurou seguir um caminho de facilidade, mas escolheu o amor e o dom da
vida (b); este comportamento que Paulo pede aos cristãos (e é aqui que começa o texto de hoje) é aquele que a
Escritura - que foi escrita para nossa instrução - nos sugere (c); e, finalmente, Paulo pede ao "Deus da perseverança e
da consolação" que dê aos cristãos de Roma a harmonia, a fim de que louvem a Deus com um só coração e uma só
alma (d).

Na segunda parte da perícope (cf. Rm 15,7-13), Paulo começa por exortar os crentes a não fazerem discriminações,
mas a acolherem todos (a); como motivo para este comportamento, Paulo aponta o exemplo de Cristo, que acolheu
todos os homens (b); e Paulo justifica o que disse atrás com o exemplo da Escritura (e é neste ponto que termina o
trecho que a liturgia nos propõe como segunda leitura), citando explicitamente vários textos do Antigo Testamento
(c); finalmente, Paulo pede ao "Deus da esperança" que cumule os crentes "de alegria e de paz, na fé" (d).

O mais importante de tudo isto é a mensagem fundamental que sobressai nesta dupla estrutura: a comunidade deve
viver em harmonia, acolhendo e ajudando os mais fracos, sem discriminar nem excluir ninguém, no amor e na
partilha. Cristo é o exemplo que os membros da comunidade devem ter sempre diante dos olhos... Convém também
não esquecer que o ser capaz de viver deste jeito é um dom de Deus, dom que os crentes devem pedir em todos os
momentos ao Pai.

EVANGELHO - Mt 3, 1-12

AMBIENTE

Depois do Evangelho da Infância (cf. Mt 1-2), Mateus apresenta a figura que prepara os homens para acolher Jesus:
João Baptista.

João foi o guia carismático de um movimento de cariz popular, que anunciava a proximidade do juízo de Deus. Vivia
no deserto de Judá, nas margens do rio Jordão. A sua mensagem estava centrada na urgência da conversão, pois o
"juízo de Deus" estava iminente; incluía um rito de purificação pela água, um rito muito frequente, aliás, entre
alguns grupos judeus da época. É possível que João estivesse, de alguma forma, relacionado com essa comunidade
essênia que estava instalada em Qumran: o tema do juízo de Deus e os rituais de purificação pela água faziam parte
do dia a dia da comunidade essênia.

Segundo a mais antiga tradição cristã, Jesus esteve muito relacionado com o movimento de João nos inícios da sua
vida pública e alguns discípulos de João tornaram-se, a partir de certa altura, discípulos de Jesus (cf. Jo 1,35-42).

Os primeiros cristãos identificaram João com o mensageiro anunciado em Is 40,3 e com Elias (2 Re 1,8) que, segundo
a tradição judaica, anunciaria a chegada do Messias (Mt 11,14; 17,11; Mal 3,23-24 ou, noutras versões, 4,5-6). Nesta
interpretação, João seria o precursor que vem preparar o caminho e Jesus o Messias, enviado por Deus para
anunciar o reinado de Jahwéh.

MENSAGEM

Nesta primeira apresentação do Baptista, há vários fatores que nos interessa pôr em relevo: a figura, a mensagem,
as reações ao anúncio e a comparação entre o batismo de João e o batismo de Jesus.

A figura do Baptista é uma figura que, por si só, nos questiona e interpela. João aparece ligado ao deserto (o lugar
das privações, do despojamento, mas também o lugar tradicional do encontro entre Jahwéh e Israel) e não ao
Templo ou aos sítios "in" onde se reúne a sociedade seleta de Jerusalém; usa "uma veste tecida com pelos de
camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins" (é dessa forma que se vestia, também, Elias - cf. 2 Re 1,8), não as
roupas finas, com pregas cuidadosamente estudadas, dos sacerdotes da capital; a sua alimentação frugal (de
"gafanhotos e mel silvestre") está em profundo contraste com as iguarias finas que enchem as mesas da classe
dirigente... João é, portanto, um homem que - não só com palavras, mas também com a sua própria pessoa -
questiona um certo jeito de viver, voltado para as coisas, para os bens materiais, para o "ter". Convida a uma
conversão, a uma mudança de valores, a esquecer o supérfluo, para dar atenção ao essencial.

O que é que João prega? Mateus resume o anúncio de João numa frase: "convertei-vos ("metanoeite"), porque está
perto o Reino dos céus" (vers. 2). O verbo grego (metanoéo) aqui utilizado tem, normalmente, o sentido de "mudar
de mentalidade"; mas aqui deve ser visto na perspectiva do Antigo Testamento, isto é, como um apelo a um retorno
incondicional ao Deus da Aliança.

Porque é que esta "conversão" é tão urgente? Porque o "Reino dos céus" está perto. Muito provavelmente, João
ligava a vinda iminente do "Reino" ao "juízo de Deus", que iria destruir os maus e inaugurar, com os bons, um mundo
novo (por isso, fala da "cólera que está para vir" - vers. 7; e acrescenta: "o machado já está posto à raiz das árvores.
Por isso, toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao fogo" - vers. 10). A conversão era urgente, na
perspectiva de João, pois aproximava-se a intervenção justiceira de Deus na história humana; quem não estivesse do
lado de Deus seria aniquilado... É uma perspectiva muito em voga em certos ambientes apocalípticos da época,
nomeadamente na teologia dos essênios de Qumran.

Quem são os destinatários desta mensagem? Aparentemente, é uma mensagem destinada a todos. Mateus fala da
"gente que acorria de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a região do Jordão" e que era batizada "por ele no rio
Jordão, confessando os seus pecados" (vers. 5-6).

No entanto, Mateus faz uma referência especial aos fariseus e saduceus, para quem João tem palavras duríssimas:
"raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Praticai ações que se conformem ao
arrependimento que manifestais. Não penseis que basta dizer: «Abraão é nosso pai»..." (vers. 7-9). Trata-se de
pessoas que "à cautela" ou por curiosidade vêm ao encontro de João; no entanto, sentem que o "juízo de Deus" não
os atingirá porque eles são filhos de Abraão, são membros privilegiados do Povo eleito e estão do lado dos bons:
Deus não terá outro remédio senão salvá-los, quando vier para julgar o mundo e condenar os maus. João avisa que
não há salvação assegurada obrigatoriamente a quem tem o nome inscrito nos registos do povo eleito: é preciso
viver em contínua conversão e fazer as obras de Deus: "toda a árvore que não dá fruto, será cortada e lançada ao
fogo" (vers. 10).

Neste texto aparece também, em relevo, um rito praticado por João. Consistia na imersão na água do rio Jordão das
pessoas que aderiam a esse apelo à conversão. Era, aliás, um rito praticado em certos ambientes judaicos para
significar a purificação do coração (nos ambiente essênios, os banhos quotidianos expressavam o esforço em direção
a uma vida pura e a aspiração à graça purificadora)... O batismo de João significava o arrependimento, o perdão dos
pecados e a agregação ao "resto de Israel", subtraído à ira de Deus.

No entanto, João avisa: "aquele que vem depois de mim (...) batizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo" (vers. 11). De
facto, o batismo de Jesus vai muito além do batismo de João: confere a quem o recebe a vida de Deus (Espírito) e
torna-o "filho de Deus"; além disso, implica uma incorporação na Igreja (a comunidade dos que aderiram à proposta
de salvação que Cristo trouxe) e a participação ativa na missão da Igreja (cf. At 2,1-4). Não significa, apenas, o
arrependimento e o perdão dos pecados; significa um quadro de vida completamente novo, uma relação de filiação
com Deus e de fraternidade com Jesus e com todos os outros batizados.

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