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3º Domingo do Tempo Comum

O Livro do profeta Isaías propõe-nos um conjunto de oráculos ditos “messiânicos”, que alimentam a
esperança do Povo nesse mundo de justiça e de paz que Deus, num futuro sem data marcada, vai
oferecer aos seus.
O nosso texto pertence, provavelmente, à fase final da vida do profeta. Estamos no final do séc. 08
a.C. Os assírios oprimem e humilham as tribos do Povo de Deus instaladas na região norte do país
(Zabulão e Neftali); as trevas da desolação e da morte cobrem toda a região setentrional da Palestina.
No Sul, em Jerusalém, reina Ezequias. O rei, desdenhando as indicações do profeta, envia embaixadas
ao Egito, à Fenícia e à Babilónia, procurando consolidar uma frente contra a maior e mais
ameaçadora potência da época – a Assíria. A resposta do rei da Assíria, não se faz esperar: tendo
vencido sucessivamente os membros da coligação, volta-se contra Judá, devasta o país e põe cerco a
Jerusalém.
Ezequias tem de submeter-se e fica a pagar um pesado tributo aos assírios.
Por essa época, desiludido com os reis e com a política, o profeta teria começado a sonhar com uma
intervenção de Deus para oferecer ao seu Povo um mundo novo, de liberdade e de paz sem fim. Este
texto pode ser dessa época.

O nosso texto está construído sobre um jogo de oposições: “humilhar/cobrir de glória”, “trevas/luz”,
“caminhar nas sombras da morte (desolação, desespero) alegria e contentamento”. Os conceitos
negativos definem a situação atual; os conceitos positivos definem a situação futura.
O profeta fala de “uma luz” que irá começar a brilhar por cima dos montes da Galileia e que irá
iluminar toda a terra. Essa luz eliminará “as trevas” que mantinham o Povo oprimido e sem esperança
e inaugurará o dia novo da alegria e da paz sem fim. O jugo da opressão que pesava sobre o Povo
será, então, quebrado e a paz deixará de ser uma miragem para se tornar uma realidade.

Qual a origem dessa luz libertadora e recriadora? O sujeito dos verbos do versículo 3 é Deus: será
Deus quem quebrará a vara do opressor, quem levantará o jugo que oprime o Povo de Deus, quem
triturará o bastão de comando que gera escravidão e humilhação. O mundo novo de alegria e de paz
sem fim é um dom de Deus.

2º Leitura

Após ter abandonado a cidade de Corinto, Paulo continuou em contato com a comunidade cristã.
Mesmo distante, continuava a acompanhar a vida da comunidade e inteirava-se regularmente das
dificuldades e problemas que os seus queridos filhos de Corinto tinham de enfrentar.
Quando escreveu a primeira carta aos Coríntios, Paulo estava em Éfeso. De Corinto haviam chegado,
entretanto, notícias alarmantes. Após a partida de Paulo, tinha aparecido na cidade um pregador
cristão – um tal Apolo, judeu de Antioquia, convertido ao cristianismo. Era eloquente, versado nas
Escrituras e foi de grande utilidade para a comunidade. Formaram-se partidos na comunidade
(embora Apolo não favorecesse essa divisão, segundo parece): uns admiravam Paulo, outros Cefas
(Pedro), outros Apolo (cf. 1 Cor 1,12). Formaram-se “partidos”, à imagem do que acontecia nas escolas
filosóficas da cidade, que tinham os seus mestres, à volta dos quais circulavam os adeptos ou
simpatizantes: o cristianismo tornava-se, dessa forma, mais uma escola de sabedoria, na qual era
possível optar por mestres distintos.
A situação preocupou Paulo: além dos conflitos e rivalidades que a divisão provocava, estava em
causa a essência da fé.

Para Paulo, contudo, o cristianismo não era a escolha de uma determinada filosofia de vida,
defendida mais ou menos brilhantemente por um mestre qualquer; mas era a adesão a Jesus Cristo,
o único e verdadeiro mestre.
Paulo não mede as palavras: a Cristo e unicamente a Cristo os cristãos, todos, foram consagrados
pelo batismo. É Cristo e só Cristo a única fonte de salvação. Ser batizado é entrar a fazer parte do
corpo de Cristo e participar no acontecimento salvador do qual Cristo é o único mediador. Dizer que
se é de Paulo, ou de Cefas, ou de Pedro é, portanto, desvirtuar gravemente a essência da fé cristã. Foi
Paulo quem foi crucificado em benefício dos coríntios? O batismo significou uma adesão à doutrina
de Paulo, ou de outro qualquer mestre?
Deve ficar bem claro que o importante não é quem batizou ou quem anunciou o Evangelho: o
importante é Cristo, do qual Paulo, Cefas e Apolo são simples e humanos instrumentos. Os coríntios
são, portanto, intimados a não fixar a sua atenção em mestres humanos e a redescobrir Cristo, morto
na cruz para dar vida a todos, como a essência da sua fé e do seu compromisso. Dessa forma, a
comunidade será uma verdadeira família de irmãos, que recebe vida de Cristo, que vive em unidade e
comunhão.

• O texto recorda que a experiência cristã é, fundamentalmente, um encontro com Cristo; é d’Ele e só
d’Ele que brota a salvação. A vivência da nossa fé não pode, portanto, depender do carisma da pessoa
tal, ou estar ligada à personalidade brilhante deste ou daquele indivíduo que preside à comunidade.
Para além da forma mais ou menos brilhante, mais ou menos coerente como tal pessoa anuncia ou
testemunha o Evangelho, tem de estar a nossa aposta em Cristo; é n’Ele e só n’Ele que bebemos a
salvação; é a Ele e só a Ele que o nosso compromisso batismal nos liga. Cristo é, de fato, a minha
referência fundamental? É à volta d’Ele e da sua proposta de vida que a minha experiência de fé se
constrói? Em concreto: que sentido é que faz, neste contexto, dizer que só se vai à missa se for tal
padre a presidir? Que sentido é que faz afastar-se da comunidade porque não gostamos da atitude
ou do jeito de ser deste ou daquela pessoa?

• Neste contexto, ainda, que sentido fazem os ciúmes, os conflitos, os partidos, que existem, com
frequência, nas nossas comunidades cristãs? Cristo pode estar dividido? As guerras e rivalidades
dentro de uma comunidade não serão um sinal evidente de que o que nos move não é Cristo, mas os
nossos interesses, o nosso orgulho, o nosso egoísmo?

Evangelho
O Evangelho retrata o encerramento da etapa de preparação de Jesus para a missão (cf. Mt 3,1-4,16) e
que lança a etapa do anúncio do Reino.
O texto situa-nos na Galileia, zona de população mesclada e ponto de encontro de muitos povos.
Refere, ainda, a cidade de Cafarnaum: situada no limite do território de Zabulão e de Neftali, na
margem noroeste do lago de Genezaré, no enfiamento do “caminho do mar” (que ligava o Egito e a
Mesopotâmia), era considerada a capital judaica da Galileia. A sua situação geográfica abria-lhe,
também, as portas dos territórios dos povos pagãos da margem oriental do lago.

Na primeira parte (cf. Mt 4,12-16), Mateus refere como Jesus abandona Nazaré, o seu lugar de
residência habitual, e se transfere para Cafarnaum. Mateus descobre que a “luz” que havia de
eliminar as trevas e as sombras da morte de que fala Isaías é, para Mateus, o próprio Jesus. Na terra
humilhada de Zabulão e Neftali, vai começar a brilhar a luz da libertação; e essa libertação vai atingir,
também, os pagãos que acolherem o anúncio do Reino (para Mateus, é bem significativo que o
primeiro anúncio ecoe na Galileia, terra onde os gentios se misturam com os judeus e,
concretamente, em Cafarnaum, a cidade que, pela sua situação geográfica, é uma ponte para as
terras dos pagãos). O anúncio libertador de Jesus apresenta, desde logo, uma dimensão universal.
Na segunda parte, Mateus apresenta o lançamento da missão de Jesus: define-se o conteúdo básico
da pregação que se inicia, mostra-se o “Reino” como realidade viva atuante, apresentam-se os
primeiros discípulos que acolhem o apelo do “Reino” e que vão acompanhar Jesus na missão.
Qual é, em primeiro lugar, o conteúdo do anúncio? O versículo 17 Jesus veio trazer “o Reino”.
A expressão “Reino de Deus” refere-se, no Antigo Testamento e na época de Jesus, ao exercício do
poder soberano de Deus sobre os homens e sobre o mundo. Decepcionado com a forma como os
reis humanos exerceram a realeza o Povo de Deus começa a sonhar com um tempo novo, em que o
próprio Deus vai reinar sobre o seu Povo; esse reinado será marcado – na perspectiva dos teólogos
de Israel – pela justiça, pela misericórdia, pela preocupação de Deus em relação aos pobres e
marginalizados, pela abundância e fecundidade, pela paz sem fim.
Jesus tem consciência de que a chegada do “Reino” está ligada à sua pessoa. O seu primeiro anúncio
resume-se na seguinte fala: “arrependei-vos porque o Reino dos céus está para chegar”.
O convite à conversão é um convite a uma mudança radical na mentalidade, nos valores, na postura
vital. Corresponde, fundamentalmente, a um reorientar a vida para Deus, a um reequacionar a vida,
de modo a que Deus e os seus valores passem a estar no centro da existência do homem; só quando
o homem aceita que Deus ocupe o lugar que Lhe compete, está preparado para aceitar a realeza de
Deus… Então, o “Reino” pode nascer e tornar-se realidade no mundo e nos corações.
Na sequência, Mateus apresenta Jesus a construir ativamente o “Reino” (vers. 23-24): as suas palavras
anunciam essa nova realidade e os seus gestos (os milagres, as curas, as vitórias sobre tudo o que
rouba a vida e a felicidade do homem) são sinais evidentes de que Deus começou já a reinar e a
transformar a escravidão em vida e liberdade.
Finalmente, Mateus descreve o chamamento dos primeiros discípulos (vers. 18-22). Não se trata,
segundo parece de um relato jornalístico de acontecimentos, mas de uma catequese sobre o
chamamento e a adesão ao projeto do “Reino”. Através da resposta pronta de Pedro e André, Tiago e
João, propõe-se um exemplo da conversão radical ao “Reino” e de adesão às suas exigências.
O relato sublinha uma diferença fundamental entre os chamados por Jesus e os discípulos que se
juntavam à volta dos mestres do judaísmo: não são os discípulos que escolhem o mestre e pedem
para entrar no seu grupo, como acontecia com os discípulos dos “rabbis”; mas a iniciativa é de Jesus,
que chama os discípulos que Ele próprio escolheu, que os convida a segui-lo e lhes propõe uma
missão.
A resposta dos quatro discípulos ao chamado é paradigmática: renunciam
à família, ao seu trabalho, às seguranças instituídas e seguem Jesus sem condições. Esta ruptura
indicia uma opção radical pelo “Reino” e pelas suas exigências.
Uma palavra para a missão que é proposta aos discípulos que aceitam o desafio do “Reino”: eles
serão pescadores de homens. O mar é, na cultura judaica, o lugar dos demônios, das forças da morte
que se opõem à vida e à felicidade dos homens; a tarefa dos discípulos que aceitam integrar o “Reino”
será, portanto, libertar os homens dessa realidade de morte e de escravidão em que eles estão
mergulhados, conduzindo-os à liberdade e à realização plena.
Estes quatro discípulos representam todo o grupo dos discípulos, de todos os tempos e lugares… Eles
devem responder positivamente ao chamamento, optar pelo “Reino” e pelas suas exigências e
tornarem-se testemunhas da vida e da salvação de Deus no meio dos homens e do mundo.

• Jesus é o Deus que vem ao nosso encontro para realizar os nossos sonhos de felicidade sem limites
e de paz sem fim. N’Ele e através d’Ele (das suas palavras, dos seus gestos), o “Reino” aproximou-se
dos homens e deixou de ser uma quimera, para se tornar numa realidade em construção no mundo.
Contemplar o anúncio de Jesus é abismar-se na contemplação de uma incrível história de amor,
protagonizada por um Deus que não cessa de nos oferecer oportunidades de realização e de vida
plena. Sobretudo, o anúncio de Jesus toca e enche de júbilo o coração dos pobres e humilhados,
daqueles cuja voz não chega ao trono dos poderosos, nem encontram lugar à mesa farta do
consumismo, nem protagonizam as histórias balofas das colunas sociais. Para eles, ouvir dizer que “o
Reino chegou” significa que Deus quer oferecer-lhes essa vida plena e feliz que os grandes e
poderosos insistem em negar-lhes.
• Para que o “Reino” seja possível, Jesus pede a “conversão”. Ela é, antes de mais, um refazer a
existência, de forma a que só Deus ocupe o primeiro lugar na vida do homem. Implica, portanto,
despir-se do egoísmo que impede de estar atento às necessidades dos irmãos; implica a renúncia ao
comodismo, que impede o compromisso com os valores do Evangelho; implica o sair do isolamento e
da autossuficiência, para estabelecer relação e para fazer da vida um dom e um serviço aos outros…
O que é que nas estruturas da sociedade ainda impede a efetivação do “Reino”? O que é que na
minha vida, nas minhas opções, nos meus comportamentos constitui um obstáculo à chegada do
“Reino”?

• A história do compromisso de Pedro e André, Tiago e João com Jesus e com o “Reino” é uma história
que define os traços essenciais da caminhada de qualquer discípulo… Em primeiro lugar, é preciso ter
consciência de que é Jesus que chama e que propõe o Reino; em segundo lugar, é preciso ter a
coragem de aceitar o chamamento e fazer do “Reino” a prioridade essencial (o que pode implicar, até,
deixar para segundo plano os afetos, as seguranças, os valores humanos); em terceiro lugar, é preciso
acolher a missão que Jesus confia e comprometer-se corajosamente na construção do “Reino” no
mundo. É este o caminho que eu tenho vindo a percorrer?
• A missão dos que escutaram o apelo do “Reino” passa por testemunhar a salvação que Deus tem
para oferecer a todos os homens, sem excepção. Nós, discípulos de Jesus, comprometidos com a
construção do “Reino”, somos testemunhas da libertação e levamos a Boa Nova da salvação aos
homens de toda a terra? Aqueles que vivem condenados à marginalização já receberam, através do
nosso testemunho, a Boa Nova do “Reino”?

• Em certos momentos da história, procura vender-se a ideia de que o mundo novo da justiça e da paz
se constrói a golpes de poder militar, de mísseis, de armas sofisticadas, de instrumentos de morte…
Atenção: a lógica do “Reino” não é uma lógica de violência, de vingança, de destruição; mas é uma
lógica de amor, de doação da vida, de comunhão fraterna, de tolerância, de respeito pelos outros. A
tentação da violência é uma tentação diabólica, que só gera sofrimento e escravidão: aí, o “Reino” não
está.

Peçamos ao Senhor, que envie seu Espirito para nos ajudar a escutar o seu chamado para nós e que
estejamos prontos para responder o nosso sim, quando formos chamados.

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