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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING − ESPM/RJ

MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DA ECONOMIA CRIATIVA

RAQUEL LEIKO MACHADO MARUYAMA

NÚCLEOS CRIATIVOS: O DESAFIO DE DESENVOLVER E VIABILIZAR


PROJETOS AUDIOVISUAIS

Rio de Janeiro
2019

RAQUEL LEIKO MACHADO MARUYAMA

NÚCLEOS CRIATIVOS: O DESAFIO DE DESENVOLVER E VIABILIZAR


PROJETOS AUDIOVISUAIS

Dissertação apresentada como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre em Gestão da
Economia Criativa pela Escola Superior de
Propaganda e Marketing – ESPM.
Linha de pesquisa: Gestão estratégica de setores
criativos

Orientador: Prof. Dr. João Luiz de Figueiredo

Rio de Janeiro
2019

FICHA CATALOGRÁFICA


MARUYAMA, Raquel Leiko Machado
Núcleos Criativos: O desafio de desenvolver e viabilizar
projetos audiovisuais / Raquel Leiko Machado Maruyama. - Rio de
Janeiro, 2019.
101 f. : il., color.

Dissertação (mestrado) – Escola Superior de Propaganda e


Marketing, Mestrado Profissional em Gestão da Economia
Criativa, Rio de Janeiro, Ano.

Orientador: João Luiz de Figueiredo

1. Audiovisual. 2. Núcleo criativo. 3.Desenvolvimento de


projetos audiovisuais. 4. Economia criativa. 5. Classe criativa. 6.
Ecossistema das indústrias criativas. I. Figueiredo, João Luiz de. II.
Escola Superior de Propaganda e Marketing. III. Núcleos Criativos:
O desafio de desenvolver e viabilizar projetos audiovisuais.


RAQUEL LEIKO MACHADO MARUYAMA

NÚCLEOS CRIATIVOS: O DESAFIO DE DESENVOLVER E VIABILIZAR


PROJETOS AUDIOVISUAIS

Dissertação apresentada como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre em Gestão
da Economia Criativa pela Escola Superior de
Propaganda e Marketing – ESPM.

Rio de Janeiro, 14 de março de 2019.

__________________________________________
Prof. Dr. João Luiz de Figueiredo - Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)
Orientador

__________________________________________
Prof. Dr. Diego Santos Vieira - Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)
Avaliador (a) 1

__________________________________________
Prof.ª Dra. Katia Augusta Maciel – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Avaliador (a) 2

À memória de meu Pai, Akito Maruyama,


e à minha Mãe, Marcelina Lúcia de
Oliveira Granato, que plantaram em mim a
curiosidade e o respeito pelo conhecimento.

À minha filha, Leiko, por quem nutro os


sentimentos mais puros de amor, admiração
e profundo respeito.

AGRADECIMENTOS

À Hadija Chalupe e Pedro Curi, agradeço o incentivo sem o qual eu não teria iniciado essa
jornada.
À ESPM, seu corpo administrativo e docente que tornaram possível essa travessia.
Ao meu orientador, professor João Luiz de Figueiredo, pelo estímulo, confiança, paciência,
escuta e generosidade neste processo de aprendizado.
À Katia Augusta Maciel e Diego Santos Vieira, professores que aceitaram compor a banca de
avaliação e muito contribuíram neste desafio que é encontrar o melhor caminho para uma
pesquisa.
A todos os profissionais que aceitaram participar deste estudo na condição de entrevistados e
compartilharam informações, dados e percepções nesta árdua tarefa de estudar e melhor
compreender o setor audiovisual brasileiro.
Aos colegas de mestrado, que trouxeram suas vivências e experiências profissionais para a
sala de aula e a tornaram um ambiente de troca, colaboração e crescimento.
Um obrigada especial à Marina Band, parceira na vida profissional, neste mestrado, no pós-
aula, corridas inusitadas de táxi e momentos de subjetividades peculiares com reflexões
desafiadoras.
À Eloisa Madeira, pela acolhida que tornou mais suave essa caminhada.
Às minhas irmãs, pelo apoio e tolerância com minhas ausências em período tão delicado de
nossas vidas.
Ao meu companheiro, Alexandre Madeira, presença encorajadora, pelo amor e pela arte que
sempre me emocionam.
E agradeço muito profundamente a todos e todas que são fonte de amizade, carinho, amor,
compreensão, alegrias e acolhimento: Fábio Maia, Flávia Junqueira, Gustavo Carvalho,
Juliana Azevedo, Lucila Robirosa, Marília Gomes, Patrícia Assis e Tatiana Martinelli.

RESUMO

O presente trabalho analisa o desenvolvimento de projetos audiovisuais na modalidade de


núcleo criativo, financiada através do edital Prodav 03 do Fundo Setorial do Audiovisual. O
objetivo é verificar se há diferenças substanciais no modo como os núcleos que conseguiram
renovar o investimento junto ao FSA se estruturaram internamente e na forma como se
relacionaram com o mercado em comparação com os núcleos que não obtiveram a renovação
do investimento. Este pressuposto foi investigado através de uma pesquisa exploratória de
abordagem qualitativa por meio de entrevista em profundidade. Foram ouvidos líderes de
núcleos que conseguiram viabilizar no mínimo dois quintos das obras de suas cartelas e,
portanto, obtiveram novo investimento para desenvolver novos projetos, e líderes de núcleos
que não alcançaram o mesmo êxito. Os resultados encontrados, analisados com base em
conceitos como os de Estado interventor e Estado regulador, de Ana Carla Reis, economia
criativa, de Françoise Benhamou, classe criativa, de Richard Florida, e ecossistema das
indústrias criativas, de Paul Jeffcutt, apontam para o fato de haver mais similitudes do que
diferenças entre ambos os grupos, mas traz à tona a importância do capital relacional dos líderes
e das empresas produtoras. O estudo ora proposto pretende contribuir para a produção
acadêmica brasileira sobre a etapa de desenvolvimento de projetos sob uma ótica sistêmica, que
considere não apenas a dimensão de política pública ou escritura de roteiros isoladamente. Os
dados e informações obtidos permitem uma visão mais sistematizada da etapa de
desenvolvimento de filmes e séries e tem aplicabilidade para que profissionais da área de
produção, criação e roteiro, interessados em montar um núcleo criativo, possam aprimorar suas
estratégias de planejamento e execução para otimizar as chances de viabilização de seus
projetos. Na esfera pública, o conteúdo desta pesquisa contribui ainda com o processo de
avaliação e qualificação das políticas de fomento para o audiovisual.

Palavras-chave: Audiovisual. Desenvolvimento de projetos audiovisuais. Economia criativa.


Classe criativa. Ecossistema da indústria criativa. Ambiente criativo.

ABSTRACT

The present work analyzes the development of audiovisual projects in the creative core
modality, financed through a public notice of the Audiovisual Sectorial Fund. The objective is
to verify if there are substantial differences in the way the creative cores that managed to renew
the investiment with the FSA structured themselves internally and in the way they relate to the
market compared to cores that did not obtain the investiment renewal. This assumption was
investigated through a qualitative research through in-depth interviews. It was heard cores’
leaders that aimed the viability of at least two fifths of their projects and cores’leaders that did
not reach the same success. The results found were analyzed based on concepts such as
Intervenor State and Regulatory State by Ana Carla Reis, culture economy by Françoise
Benhamou, creative class by Richard Florida, and creative industries ecosystem by Paul
Jeffcutt. They point to the fact that there are more similarities than differences between both
groups, but it reveals the importance of leader’s and production companies relational capital.
The data and information obtained allow a more systematized view of the development phase of
films and series and has applicability for professionals who works as producers, creators and
scriptwriters, interested in setting up a creative core, to improve their planning and execution
strategies to optimize the chances of making their projects viable. In the public sphere, the
content of this research also contributes to the process of evaluation and qualification of policies
for the audiovisual sector.

Keywords: Audiovisual. Development of feature films and TV series projects. Creative


Economy. Creative class. Creative industries ecosystem. Creative environment.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Valores captados por projetos de desenvolvimento de longas para cinema


através dos artigos 3º e 3 A entre 2002 e 2017 e quantitativo de projetos
por UF de acordo com a sede da proponente ................................................. 36

Tabela 2 - Valores de CONDECINE arrecadados entre 2006 e 2017 ............................ 46

Tabela 3 - Variação na quantidade de horas de programação brasileira 2012/2014 ... 48

Tabela 4 - Projetos dos Núcleos Criativos selecionados nas edições 2013, 2014, 2015,
2016 e 2017 de acordo com o segmento de mercado, formato e tipologia ... 50

Tabela 5 - Quantitativo de núcleos criativos contemplados pelo Prodav 03 nas


edições de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 e distribuição regional ............... 52

Tabela 6 - Relação de Núcleos Criativos que foram renovados através do Prodav


13/2016 ........................................................................................................... 53

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Valores investidos em projetos de desenvolvimento de longas para


cinema através dos artigos 3º e 3ºA da Lei do Audiovisual entre 2002 e
36
2017 ..............................................................................................................

Gráfico 2 - Quantidade de filmes brasileiros de longa-metragem lançados


38
entre 1995 e 1999 .........................................................................................

Gráfico 3 - Valores captados através de mecanismos de incentivos fiscais da Lei


Rouanet e da Lei do Audiovisual pelos filmes brasileiros lançados entre
39
1995 e 1999 ..................................................................................................

Gráfico 4 - Recursos federais investidos em projetos audiovisuais entre 2009 e 2017. 45



LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Programas especiais da Embrafilme na gestão de Roberto Farias .................... 30

Quadro 2 - Mecanismos de Fomento Indireto da Lei Rouanet - Artigos 18, 25 e 26 ......... 34

Quadro 3 - Mecanismos de Fomento Indireto da Lei do Audiovisual – Artigos 1º e 1ºA .. 34

Quadro 4 - Mecanismos de Fomento Indireto da Lei do Audiovisual – Artigo 3º e 3ºA ... 35

Quadro 5 - Modalidades de CONDECINE ............................................................................ 41

Quadro 6 - Artigo 39 X da MP 2.228-1................................................................................... 41

Quadro 7 - FUNCINE – Artigo 41 a 46 da MP 2.228-1 ....................................................... 42

Quadro 8 - Prêmio Adicional de Renda (PAR) ..................................................................... 43

Quadro 9 - Tipologia de projetos aceitos de acordo com o segmento de mercado ao qual


se destinam ............................................................................................................ 50

Quadro 10 - Critérios de Avaliação para Seleção de Núcleos Criativos pelo Prodav


03/2013 .................................................................................................................. 51

Quadro 11 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao


desenvolvimento do projeto de Obra Seriada de Documentário ....................... 55

Quadro 12 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao


desenvolvimento do projeto de Obra Seriada de Ficção .................................... 56

Quadro 13 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao


desenvolvimento do projeto de Obra Seriada de Animação .............................. 57

Quadro 14 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao


desenvolvimento do projeto de Formato de Obra Audiovisual ......................... 57

Quadro 15 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao


desenvolvimento do projeto de Obra Não Seriada de Ficção ............................ 57

Quadro 16 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao


desenvolvimento do projeto de Obra Não Seriada de Animação ...................... 58

Quadro 17 - Cartelas de projetos dos Núcleos Criativos ......................................................... 61

Quadro 18 - Qualificação técnica dos líderes ........................................................................... 68

Quadro 19 - Equipe e metodologia ........................................................................................... 71

Quadro 20 - Atribuições do líder e formas de interação com a equipe e com o conteúdo .... 75

Quadro 21 - Competências profissionais mais utilizadas pelos líderes .................................. 78

Quadro 22 - Fontes de financiamento, canais e distribuidoras ................................................ 85



SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA .................................................................................... 15

1.2 PROBLEMA DE PESQUISA .................................................................................. 16

1.3 ARGUMENTO CENTRAL ...................................................................................... 16

1.4 JUSTIFICATIVAS .................................................................................................... 17

1.5 OBJETIVOS .............................................................................................................. 18

2 REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................. 19

2.1 DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS AUDIOVISUAIS ................................ 19

2.2 O ESTADO E A ECONOMIA DA CULTURA ..................................................... 20

2.3 CLASSE CRIATIVA NO DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS


AUDIOVISUAIS ...................................................................................................... 21

2.4 ECOSSISTEMA DA INDÚSTRIA CRIATIVA ..................................................... 23

3 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS .......................................................... 26

4 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O FORTALECIMENTO DO


AUDIOVISUAL NO BRASIL ............................................................................... 28

4.1 O ESTADO REGULADOR: FOMENTO INDIRETO PARA O SETOR


AUDIOVISUAL .................................................................................................... 33

4.2 FUNDO SETORIAL DO AUDIOVISUAL, UMA POLÍTICA PÚBLICA DE


FOMENTO DIRETO PARA O AUDIOVISUAL BRASILEIRO......................... 44

4.3 NÚCLEOS CRIATIVOS: UMA RESPOSTA À UMA DEMANDA DO


MERCADO............................................................................................................ 47

4.3.1 Tipologia de projetos aceitos e processo seletivo .................................................. 50

4.3.2 Equipe e liderança no Núcleo Criativo ................................................................. 54

4.3.3 A viabilização de projetos como meta ................................................................... 58

5 AS DINÂMICAS INTERNAS DOS NÚCLEOS .............................................. 60

5.1 A COMPOSIÇÃO ESTRATÉGICA DE UMA CARTELA DE PROJETOS........... 60

5.2 QUALIFICAÇÃO TÉCNICA DOS LÍDERES ...................................................... 67

5.3 METODOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO.................................................... 70



5.4 REFLEXÃO DOS LÍDERES ................................................................................ 81

6 PROSPECÇÃO DOS PROJETOS NO AMBIENTE EXTERNO AO


NÚCLEO ............................................................................................................... 84

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 91

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 96

APÊNDICE A – ROTEIRO DE PERGUNTAS ............................................... 101


13

1 INTRODUÇÃO

A realização de um filme ou de uma série audiovisual é um ato coletivo fruto do


esforço e trabalho de artistas e técnicos que atuam em funções diversas como roteiristas,
produtores, diretores, fotógrafos, montadores, técnicos de som, diretores de arte, figurinistas,
maquiadores, ilustradores, atores e atrizes, agentes de venda, distribuidores. Todos estes
profissionais e suas competências integram um sistema produtivo que pode ser decupado em
etapas cujo número e nomenclaturas podem variar segundo diferentes autores.
Silva (2010) identifica três vértices: produção, distribuição e exibição. Para Dias e
Souza (2010), além destes três estágios, há mais um, o desenvolvimento, que seria o primeiro
entre eles, enquanto outras abordagens dividem a cadeia nas seguintes etapas: desenvolvimento,
produção e comercialização (PARDO, 2002).
Da concepção ao lançamento e exploração comercial, o propósito que perpassa todas
as fases é realizar um filme ou série que atinja a audiência desejada, tenha seus atributos
artísticos reconhecidos e proporcione rentabilidade suficiente para gerar lucros a todos os
investidores. Embora seja famosa a imagem (e o áudio) de um diretor sentado em sua cadeira
dizendo ação! para que a filmagem comece, no setor audiovisual a ação começa bem antes.
Quando chega o momento de abrir câmera, isto significa que foi concluído todo um processo
de desenvolvimento, processo este que pode ter sido realizado em condições ideais, ou não, de
tempo e recursos financeiros, com a participação dos profissionais mais adequados, ou não, mas
fato é que, sem um período de desenvolvimento dificilmente será possível chegar ao ponto de
produzir uma obra audiovisual.
Em Hollywood, a cada 15 ou 20 projetos de filmes desenvolvidos, apenas um é realizado
(PARDO, 2002). No Brasil, ainda que possamos identificar que houve esforços da esfera pública
federal desde os tempos da Embrafilme para financiar desenvolvimento de projetos (AMÂNCIO,
2000), houve muitas oscilações na forma de conceber e colocar em prática estas ações que não
conseguiam se consolidar no panorama nacional. Por muitas décadas, o elo que foi o grande foco
das políticas públicas de fomento foi a produção e desenvolver um projeto de forma adequada era
um grande desafio para os produtores. O diretor Fernando Meireles, em entrevista concedida em
2012 à Revista de Cinema, aborda a questão e explica que:
É mais barato encontrar problemas em um projeto no papel do que vir a descobrir que
o filme não funcionou ou não interessou ao contribuinte depois de pronto. Parece que
há uma pressa para ir para a produção e não raro a ideia por trás do projeto não chega à
tela. Temos um pouco essa cultura de apressarmos a fase do planejamento e lá na
frente, depois de gastos milhões, perceber que poderia ter sido feito de outra maneira.
(CARNEIRO, 2012, s/p).
14

Um ano após esta entrevista, o Estado fez uma intervenção substancial neste cenário.
A Agência Nacional do Cinema (Ancine), através do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA),
lançou três editais para financiamento – com recursos públicos federais - de projetos de
desenvolvimento de obras seriadas, não seriadas de longa-metragem e de formatos de obra
audiovisual destinados aos segmentos de televisão aberta e por assinatura, salas de exibição e
vídeo por demanda. Foram eles: Prodav 03 para seleção de propostas de Núcleos Criativos
com cartelas de, no mínimo, cinco projetos cada; Prodav 04 para seleção de projetos
individuais na modalidade laboratório de desenvolvimento, que incluía a tutoria de
especialistas indicados pela Ancine; Prodav 05 para investimento em projetos individuais a
serem executados de forma autônoma pelos selecionados. Reunidos, estes editais destinavam
R$ 33 milhões ao desenvolvimento de projetos.
O lançamento destes três editais está circunscrito em uma tradição intervencionista
do Estado brasileiro no setor audiovisual que remonta à década de 30, na era Vargas, com a
criação do “Instituto Nacional de Cinema Educativo, primeiro órgão voltado para a atividade,
o qual apoiava a produção de documentários de curta-metragem” (MATTA, 2007, p. 1).
Desde então, foram implementadas, revogadas e reestruturadas diversas políticas públicas
federais regulatórias e de fomento para o setor como a fundação da Empresa Brasileira de
Filmes Sociedade Anônima (Embrafilme) – liquidada em março de 1990 pelo governo Collor
(IKEDA, 2015), elaboração de mecanismos de incentivos fiscais e a criação da Ancine e do
FSA (SILVA, H., 2010; SILVA, I., 2001; IKEDA, 2015; SIMIS, 2008).
Até o momento de publicação dos editais Prodav 03, 04 e 05, todas as chamadas
públicas do FSA tinham como objetivo o investimento em produção ou comercialização de
filmes e séries. Não havia financiamento específico por parte do FSA para os custos inerentes
à etapa de desenvolvimento de uma obra audiovisual, que incluem, entre outras atividades, a
criação de argumentos, escaletas, roteiros, sinopses, perfil dos personagens, bíblia, definição
de formato, aquisição de direitos autorais e produção de episódios-piloto. A única alternativa
para os produtores era incluir estas despesas no orçamento de produção de suas obras.
Ao ter uma cartela de projetos selecionada no edital Prodav 03 de Núcleos Criativos, o
produtor recebe até R$ 1 milhão, recursos que devem ser empregados para remunerar artistas
e técnicos envolvidos nesta etapa, bem como a aquisição de direitos. Em contrapartida, tem a
responsabilidade de entregar, ao final de 24 meses, não apenas um roteiro, mas também
orçamento, plano de financiamento e folheto de comercialização.
A proponente do Núcleo assume ainda o compromisso de resultado, ou seja, o de
viabilizar a produção de parte de seus projetos desenvolvidos. Caso a meta não seja
15

alcançada, a produtora não poderá habilitar-se em novas chamadas públicas de


desenvolvimento. Viabilizar um projeto audiovisual, de acordo com o FSA, significa reunir,
no mínimo, 20% dos recursos necessários para produzir a obra.
O trajeto desta pesquisa começa com uma revisão histórica que discorre sobre as
políticas públicas federais destinadas ao setor audiovisual brasileiro até a criação do edital
Prodav 03, com destaque para ações voltadas às atividades de desenvolvimento de projetos.
Na sequência, estuda-se os Núcleos Criativos e seu ambiente interno e por fim de que forma
ocorre a interação com o ambiente externo na tentativa de viabilizar os projetos.
A estrutura e as estratégias adotadas pelos Núcleos Criativos para atenderem aos
compromissos pactuados com o FSA será estudada a partir do ponto de vista de seus líderes,
função obrigatória na equipe segundo as condições da chamada pública. Através de uma
análise comparativa entre duas tipologias de Núcleos - aqueles que alcançaram o objetivo de
viabilizar a quantidade mínima de dois quintos dos projetos e os que não obtiveram êxito
neste quesito – será avaliada a qualificação técnica de seus líderes, as metodologias adotadas,
de que forma conciliaram dinâmicas criativas, demandas de mercado e exigências do edital
Prodav 03.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA

O presente estudo irá analisar questões pertinentes ao desenvolvimento de projetos na


modalidade de Núcleo Criativo, conforme definido pelo Fundo Setorial do Audiovisual na
Chamada Pública Prodav 03/2013.
Núcleo Criativo: núcleo de profissionais organizado por empresa produtora brasileira
independente para estruturação de dinâmica de Desenvolvimento de Carteira de
Projetos de obras audiovisuais, contendo entre seus integrantes profissional com larga
experiência em desenvolvimento de projetos. (BRDE, 2014a, p. 21).

A equipe inclui, no mínimo, um líder e um grupo de roteiristas podendo ter ainda


produtores, diretores, assistentes de direção, pesquisadores e outros profissionais de acordo com
as necessidades de cada projeto. Uma vez recebido o recurso do FSA, há um prazo de 24 meses
para que todos os projetos da cartela sejam concluídos.
O compromisso de resultado estabelecido nos editais da linha Prodav 03 determina que
os proponentes devem comprovar a viabilização de ao menos dois quintos dos projetos
desenvolvidos para estarem aptos a celebrar novo contrato para desenvolvimento com o FSA1.
Em agosto de 2016, o FSA publicou o edital Prodav 13 que tem como objetivo renovar

1
Definição no item 8.4.1 da CHAMADA PÚBLICA BRDE/FSA – PRODAV 03/2013
16

o investimento em Núcleos Criativos. Para ser elegível neste edital, a proponente tem que
preencher quatro requisitos: já ter sido contemplada em chamada pública do edital Prodav 03;
ter concluído o desenvolvimento de todos os projetos de sua cartela; comprovar a viabilização
de, ao menos, dois quintos destes mesmos projetos; e apresentar nova proposta contendo no
mínimo cinco novos títulos.
De acordo com balanço publicado pela Ancine, ao todo, os editais do Prodav 03
lançados nos anos de 2013, 2014, 2015, 20162 e 2017 (BRDE, 2018) selecionaram 107 Núcleos
Criativos. Isto representa um investimento federal de R$ 105,5 milhões. Até o momento de
conclusão desta pesquisa, 12 obtiveram a renovação do contrato de investimento, através do
Prodav 13/2016, para o desenvolvimento de nova cartela de projetos.
Uma análise qualitativa dos dados que serão levantados permitirá identificar as
metodologias empregadas no processo criativo, competências artísticas e profissionais
mobilizadas na viabilização dos projetos e de que forma os núcleos se articularam com agentes
do mercado.

1.2 PROBLEMA DE PESQUISA

Como os Núcleos Criativos selecionados pelo edital Prodav 03/2013 mobilizam suas
competências internas e articulações externas junto aos demais agentes da cadeia produtiva para
aumentar as chances de viabilização de projetos e consequente renovação do investimento junto
ao FSA?

1.3 ARGUMENTO CENTRAL

Os Núcleos Criativos precisam combinar competências criativas e mercadológicas


para viabilizar seus projetos e obter a renovação do investimento, uma vez que é obrigatório
comprovar que há recursos financeiros mínimos comprometidos com a etapa de produção,
sendo tais recursos provenientes de fontes externas aos Núcleos.
Este estudo parte do pressuposto de que há diferenças na forma como os núcleos que
foram exitosos no propósito de viabilizar o número mínimo de projetos exigido para obter a
renovação do investimento e aqueles que não alcançaram o mesmo resultado se estruturaram
internamente e se articularam com o mercado no qual estão inseridos.

2
Planilha divulgada pela Ancine no dia 18/05/2018. Disponível em: < https://www.ancine.gov.br/pt-br/sala-
imprensa/noticias/ancine-divulga-dados-das-chamadas-p-blicas-de-n-cleos-criativos>
17

1.4 JUSTIFICATIVAS

Enquanto em países da Europa e nos Estados Unidos o desenvolvimento é alvo de


pesquisa e produção editorial específica, no Brasil estudos sobre esta etapa ainda são incipientes.
A literatura nacional dedica-se, fundamentalmente, ao estudo das políticas públicas para o
fomento da produção, distribuição e comercialização de obras audiovisuais. Propor uma
abordagem acadêmica, através de pesquisa estruturada, contribuirá para ampliar o debate crítico
em torno das questões que envolvem a primeira etapa de toda obra audiovisual – o
desenvolvimento -, que também é o momento no qual são delineadas todas as possibilidades e
desdobramentos da carreira do projeto.
Na cadeia do audiovisual, podemos fazer um paralelo entre a etapa do desenvolvimento e
a criação de protótipos, uma vez que “muito antes do processo de produção surge o trabalho do
criador, ou de uma equipe de criadores, que transforma o produto num bem singular de origem
artesanal” (BENHAMOU, 2007, p. 113).
Os editais dedicados a financiar Núcleos Criativos, a partir de 2013, trouxeram para os
produtores e roteiristas a necessidade de aprimorar o planejamento do desenvolvimento e otimizar
todos os recursos nele envolvidos: potencial artístico, metodologias para conduzir escritura de
roteiros, gestão de orçamentos de desenvolvimento, conhecimentos específicos do mercado
audiovisual e articulação com representantes dos elos de exibição, distribuição e comercialização.
Existe ainda uma motivação de cunho pessoal que está na origem da delimitação deste
tema. A autora integrou a equipe de uma das produtoras que foi contemplada na segunda edição
do edital de Núcleos Criativos, Prodav 03/2014. Participou ativamente da construção da cartela,
da elaboração de uma metodologia e de toda a execução ao longo de dois anos. Foi uma
experiência desafiadora que colocou em evidência o quão importante é o planejamento de um
processo de desenvolvimento pois ele confronta todos os envolvidos com um volume
significativo de tomadas de decisões que são impactadas por variáveis tangíveis - como
oportunidades de mercado, custo de produção, fontes de financiamento -, e intangíveis como
aspectos relacionais, perfil da equipe, capital cultural e político.
O estudo dos Núcleos Criativos pode fornecer aos produtores e demais profissionais
envolvidos, como roteiristas, distribuidores e canais de TV, uma visão um pouco mais
sistematizada do processo de desenvolvimento, além de trazer contribuições que podem ser
incorporadas em dois momentos: na preparação de propostas que serão inscritas em novas edições
do Prodav 03 com o objetivo de torná-las mais competitivas; e durante a execução do
desenvolvimento, caso sejam contemplados, utilizando seus recursos de modo mais eficaz.
18

1.5 OBJETIVOS

O objetivo geral do presente trabalho é analisar o processo de desenvolvimento de


projetos de longas e séries dentro de Núcleos Criativos selecionados pelo edital Prodav 03/2013
para identificar as possíveis diferenças entre o modus operandi daqueles que cumpriram o
compromisso de resultado e foram contemplados com novo investimento de R$ 1 milhão para
desenvolver novos projetos e aqueles que não viabilizaram o mínimo de dois quintos de seus
projetos.
Para atingir o objetivo geral, serão trabalhados os seguintes objetivos específicos:
- Mapear as cartelas de projetos dos núcleos abordados e as motivações que
determinaram a escolha dos projetos considerando tipologia e segmento de mercado
inicial.
- Levantar a qualificação técnica dos líderes dos núcleos, sua formação, experiências
acumuladas e a forma como exerceram a função.
- Investigar as metodologias adotadas no interior dos núcleos.
- Analisar a forma como cada núcleo se articulou com o ambiente externo, com o
mercado, para viabilizar seus projetos.
19

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A economista francesa Françoise Benhamou (2007), especializada em economia da


cultura, inclui o cinema no conceito de indústrias culturais, ao lado do livro e do disco e ressalta
que a característica em comum entre os três é o fato de suas obras serem consideradas múltiplas
e reproduzíveis. “No entanto, a criação continua presente na origem do processo de produção,
e a originalidade, que é a base da formação do valor das obras únicas, não desaparece com as
obras múltiplas” (BENHAMOU, 2007, p. 109). Este aspecto, aliado ao fato de que o consumo
cultural não é regido somente por decisões racionais, potencializa a imprevisibilidade de
sucesso de projetos audiovisuais e dificulta uma análise econômica tradicional.
Ao propor um estudo com olhar sobre o desenvolvimento de projetos audiovisuais
atrelado ao edital Prodav 03/2013, esta pesquisa passa pela necessidade de compreender quais
foram os fatores que levaram à criação desta chamada pública. Para tanto, é realizada uma
breve revisão histórica sobre a relação entre o Estado e o setor audiovisual brasileiro.
Uma vez implementada e colocada em ação a política pública de fomento ao
desenvolvimento via Prodav 03, os Núcleos Criativos se tornam uma realidade, ambientes de
produção e tomadas de decisão que, neste caso, serão observados a partir de conceitos como
classe criativa (FLORIDA, 2012), cultura criativa sustentável (CATMULL, 2014) e
ecossistema das indústrias criativas (JEFFCUTT, 2009).

2.1 DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS AUDIOVISUAIS

Ao colocar o desenvolvimento no cerne desta investigação, é importante


compreender em qual posição da cadeia produtiva ele se encontra e quais são suas
características. Alguns autores, ao identificarem a produção como a primeira fase da cadeia
audiovisual, incluem entre as ações realizadas pela empresa produtora a escritura de roteiros e
a captação de recursos, além de definição e contratação de equipe e elenco, pré-produção,
filmagens e todo o trabalho de pós-produção e finalização (SILVA, H., 2010). Para outros, o
desenvolvimento configura uma etapa em si e antecede a produção, distribuição e exibição
sendo imprescindível ao produtor conhecer bem estes estágios já que é figura presente em
todos eles (DIAS; SOUZA, 2010).
Pardo (2002) também confere ao desenvolvimento status de etapa e elenca sete
atividades com as quais o produtor é confrontado: concepção da ideia, aquisição de direitos,
escritura e reescritura de roteiro, pesquisa de mercado, financiamento, busca de talentos,
20

marketing e distribuição. Ao longo deste processo, a viabilidade de um projeto é


constantemente avaliada e colocada à prova. Se em algum momento houver a conclusão de que
a produção não será viável, pode-se optar por interromper o trabalho, temporária ou
definitivamente.
Pode-se identificar que em todas estas definições encontra-se o produtor, ou empresa
produtora, como figura sempre presente no processo. Verifica-se que o produtor também é
imprescindível para o Prodav 03 pois uma proposta só pode ser inscrita se apresentada por uma
personalidade jurídica que seja agente financeiro do mercado audiovisual devidamente
registrado na Agência Nacional de Cinema, ou seja, uma produtora. É ela que será responsável
por toda execução, cumprimento do objeto e prestação de contas.
O Prodav 03 não define explicitamente o termo desenvolvimento. Mas determina o que
é um projeto desenvolvido e o conjunto de itens que devem ser entregues ao FSA ao final do
processo3:
b) conceito (tema de fundo, premissa, gênero dramático, enredo-base, descrição dos
aspectos estéticos relevantes à narrativa (decupagem, tom de atuação, fotografia, som,
direção de arte, efeitos especiais etc) e público alvo); c) universo (apresentação das leis que
controlam e orientam as ações dos personagens, sejam elas físicas, psicológicas ou sociais);
d) personagens (descrição detalhada dos personagens, protagonistas e antagonistas,
principais e secundários, bem como a relação entre eles); e) roteiro; f) orçamento e plano de
financiamento; g) folheto de comercialização (apresentação para aquisidores diagramado
em formato A4 frente e verso, colorido). (BRDE, 2013, p. 17-18)

A partir desta enumeração, da exigência de uma empresa produtora como proponente


do núcleo criativo e do compromisso de viabilizar ao menos dois quintos dos projetos, pode-se
inferir que, de acordo com o edital, o desenvolvimento é um processo que reúne profissionais
com qualificações diversas – entre eles roteiristas, produtores, designers, ilustradores – cujo
trabalho articula estrategicamente dimensões criativas e mercadológicas, sob a tutela de uma
empresa produtora, com o propósito de otimizar as chances de realização e exploração
econômica das obras.

2.2 O ESTADO E A ECONOMIA DA CULTURA

A linha evolutiva da dinâmica existente entre Estado e setor audiovisual no Brasil


recorre aos estudos de Amâncio (2000), Lia Bahia (2012) e Marcelo Ikeda (2015), que
passam pela chamada época de ouro do cinema brasileiro - de 1977 a 1981, quando a


3
Há uma variação de itens a serem entregues, de acordo com a tipologia de cada projeto, como será abordado no
capítulo 4
21

Embrafilme foi o principal braço do Estado na produção -, situam a extinção da empresa, a


retomada do cinema brasileiro a partir dos anos 90, até a criação da Ancine e do Fundo
Setorial do Audiovisual.
Faz-se necessário ainda recorrer à economia da cultura cuja base foi paulatinamente
constituída sobre conceitos como “efeitos externos, investimentos de longo prazo, especificidade
da remuneração envolvendo um forte elemento de incerteza, a utilidade marginal crescente,
importância da ajuda pública ou privada” (BENHAMOU, 2007, p. 17).
As formas de intervenção estatal na cultura e os fatores que as legitimam serão
consideradas a partir do trabalho de Benhamou (2007) e de Ana Carla Reis (2007). Benhamou
destaca o fato de que em alguns segmentos há um alto nível de incerteza em relação aos ganhos
que serão obtidos por um produto cultural. “Nas indústrias do livro e do cinema, o ritmo fraco e
lento de difusão das obras mais inovadoras torna difícil sua produção em casos de falta de
subvenção, de empréstimo ou de facilitação do acesso a créditos” (BENHAMOU, 2007, p. 153).
Mas não apenas os aspectos monetários são levados em consideração. Ana Carla Reis salienta
que, “além das motivações econômicas, há ainda as culturais, políticas e sociais para interferir na
produção, na distribuição e no acesso aos bens e produtos culturais” (REIS, 2007, p. 171) e na
realidade brasileira, segundo a autora, é possível identificar um período em o Estado atuou como
interventor e outro no qual passou a ser regulador da economia da cultura.

2.3 CLASSE CRIATIVA NO DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS AUDIOVISUAIS

A emergência de uma economia criativa situa a criatividade como uma força


econômica em torno da qual atua uma classe que Florida (2012) denomina classe criativa e
que, segundo o autor, pode ser subdividida em dois grupos: o núcleo super criativo e os
profissionais criativos. O primeiro inclui:
[...] cientistas e engenheiros, professores universitários, poetas e escritores, artistas,
apresentadores, atores, designers, e arquitetos, assim como lideranças da sociedade
moderna: autores de não-ficção, editores, figuras culturais, pesquisadores, analistas,
e outros influenciadores de opinião (FLORIDA, 2012, p. 38, tradução nossa)

Já os profissionais criativos são especialistas em áreas como gestão, negócios,


finanças, vendas, aspectos legais e setores de saúde.
Em um Núcleo Criativo, é inegável que a criatividade é elemento indispensável. Os
profissionais reunidos neste ambiente podem ser considerados indivíduos pertencentes à
classe criativa e, de acordo com suas especialidades, podem estar mais próximos do que
Florida (2012) considera o núcleo super criativo ou da categoria de profissional criativo.
22

Uma análise inicial da relação de itens que devem ser entregues ao FSA ao final do
desenvolvimento evidencia a necessidade de atuação de ao menos duas categorias
profissionais durante o processo: roteiristas e produtores - uma vez que o conceito de
projeto desenvolvido inclui roteiros, orçamento de produção e plano de financiamento.
Ambos estão envolvidos em uma dinâmica de criação, mas isto não significa que esta
relação seja fluida, sem tensões e desprovida de hierarquias no contexto de um Núcleo
Criativo. O presidente da Pixar Animation e Disney Animation, Ed Catmull, em seu livro
Criatividade S.A. aborda um conflito que identificou durante a produção do filme Toy
Story. Os artistas e técnicos
[...] “acreditavam” que os gerentes de produção eram pessoas de segunda classe
que impediam – em vez de facilitar – a boa produção de filmes, controlando
excessivamente o processo. [...] disseram que os gerentes de produção eram
apenas areia nas engrenagens. (CATMULL, 2014, p. 76)

Este exemplo reflete uma diferenciação entre profissionais envolvidos na criação e


na produção de obras audiovisuais. Não há dúvidas quanto ao caráter criativo da atividade
de roteirista. Já com relação ao produtor, não existe uma unanimidade.
O pressuposto de Florida (2012) segundo o qual o conceito de profissionais criativos
é amplo, pois abarca também aqueles que atuam em áreas afins como negócios e finanças,
irá balizar a análise aqui proposta. “O trabalho dessas pessoas envolve a solução de
problemas complexos, que requer uma boa capacidade de julgamento, bem como alto nível
de instrução e muita experiência” (FLORIDA, 2012, p. 8).
O papel do produtor “é provavelmente o menos reconhecido e mais difícil de
definir” (PARDO, 2002, p. 49). A função pode ser subdividida em diversas outras que
recebem nomenclaturas e atribuições diferentes de acordo com o país, tais como produtor
executivo, line producer, produtor associado, gerente de produção.
O trabalho ora proposto recorre ao estudo de Aletéia Selonk (2007) que reconhece o
produtor como a figura que está no cerne de tudo, pois é ele quem define qual projeto
entrará em desenvolvimento, articula os talentos e competências necessárias e faz a
“interface entre o mundo da criação artística e o das lógicas econômicas” (SELONK, 2007,
p. 34). Pardo (2002) especifica ainda mais esta noção ao identificar a existência do produtor
criativo, um profissional cuja função não está limitada ao gerenciamento e controle
financeiro, mas que abrange também decisões sobre aspectos criativos que impactam o
resultado final, tais como a ideia em si, definição de diretor, elenco e trilha sonora.
23

2.4 ECOSSISTEMA DA INDÚSTRIA CRIATIVA

Na década de 90, o Department for Digital, Cultural, Media & Sports do Reino Unido
publicou um relatório sobre Indústrias Criativas segundo o qual as atividades deste setor
seriam aquelas que têm “a sua origem na criatividade, competência e talento individual, com
potencial para a criação de trabalho e riqueza por meio da geração e exploração de
propriedade intelectual” (UK GOVERNMENT, 2001, p. 5, tradução nossa). Este conceito
muitas vezes é o ponto de partida de estudos sobre cultura, economia e desenvolvimento –
aqui no sentido de desenvolvimento econômico e social - sejam eles para questionar suas
limitações, ampliar sua abrangência ou rejeitá-lo.
Ao realizar uma revisão bibliográfica sobre o tema, Bendassolli et al (2009) identifica
quatro componentes principais que permeiam todas as definições de indústria criativa: o
primeiro é a criatividade como elemento essencial e capaz de gerar propriedade intelectual; o
segundo é o tratamento de cultura sob a forma de objetos culturais cuja percepção de utilidade
por parte do consumidor é o que lhes atribui valor; o terceiro apóia-se na premissa de que
predominam a produção e o consumo de bens imaterias, símbolos e significados, sobre bens
materiais; e o quarto é a convergência entre artes, negócios e tecnologias.
Criada em 2011 e extinta em 2014, a Secretaria da Economia Criativa do Brasil
(SEC), vinculada ao Ministério da Cultura, deixou um importante legado sobre o tema ao
publicar o Plano da Secretaria da Economia Criativa (BRASIL, 2011). O documento
evidencia uma opção pelo termo “economia criativa” sob a justificativa de que este privilegia
“a análise dos processos de criação e de produção, ao invés dos insumos e/ou da propriedade
intelectual do bem ou do serviço criativo” (BRASIL, 2011, p. 22). A partir deste princípio, a
SEC adota a definição de “setores criativos”, cujas premissas haviam sido anteriormente
discutidas pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD).
[...] os setores criativos são aqueles cujas atividades produtivas têm como
processo principal um ato criativo gerador de um produto, bem ou serviço,
cuja dimensão simbólica é determinante do seu valor, resultando em
produção de riqueza cultural, econômica e social. (BRASIL, 2011, p. 22)

Desenvolvido com a finalidade de formular, implementar e monitorar políticas


públicas para desenvolvimento ancorado no estímulo à criatividade e na inovação, o Plano
traz uma série de textos sobre estes temas, entre eles o “Economia criativa: políticas públicas
em construção”, do sociólogo Frederico Barbosa (BRASIL, 2012).
24

Apesar do Plano da SEC privilegiar o conceito de economia criativa - que desloca o


foco dos insumos e da propriedade intelectual para os processos de criação e de produção de
bens e serviços criativos -, observa-se que esta regra aproxima-se do conceito anglo-saxão de
indústria criativa segundo o qual deve haver geração e exploração de propriedade intelectual.
É possível verificar nesta exigência a presença dos quatro componentes principais
identificados por Bendassolli et al (2009) nos conceitos de indústria criativa. Sendo o
desenvolvimento de projetos audiovisuais uma atividade criativa, ele é passível de gerar
propriedade intelectual. A obra - que neste caso refere-se às obras audiovisuais produzidas a
partir dos roteiros de longas e séries desenvolvidos no Núcleo - substancia a ideia de cultura sob
a forma de objeto cultural. O predomínio da produção e consumo de bens imateriais está
abarcado quando o texto elenca marca, formato e a obra em si como resultantes do trabalho
realizado no núcleo. E de maneira transversal, está presente a convergência entre a arte da
dramaturgia para cinema e TV, o negócio de geração e exploração de propriedade intelectual
dos conteúdos e de todos os elementos derivados, bem como todas as tecnologias envolvidas na
produção e difusão de conteúdos audiovisuais.
Na visão de Paul Jeffcutt (2009), todas as empresas vinculadas à Indústria Criativa
coabitam em um ecossistema cujas principais características seriam: as interfaces de
conhecimento por meio das quais são articuladas relações sociais e culturais; o mix de expertise
que se refere a todas as experiências e competências necessárias a um projeto; a tecnologia
como meio para alcançar os objetivos; e por último a organização que engloba características
estruturais e operacionais de uma empresa que devem ser adequadas ao escopo das atividades
que se pretende executar bem como aos objetivos delineados. A sustentabilidade deste
ecossistema depende, segundo Jeffcutt (2009), de uma articulação ecológica de suas
características.
Como parte integrante de um ecossistema amplo, um núcleo criativo pode ser
considerado um organismo, uma estrutura, um ambiente que também necessita estar saudável
para interagir de modo equilibrado com tudo à sua volta. Para Ed Catmull (2014), a chave está
nas pessoas e na química entre elas.
Porque muitas pessoas pensam que ideias são singulares, como se flutuassem no éter
completamente formadas e independentemente das pessoas que lutam com elas. Mas
as ideias não são singulares. São forjadas através de dezenas de milhares de decisões,
muitas vezes tomadas por dezenas de pessoas. [...] A função do departamento de
desenvolvimento não deveria ser de desenvolver roteiros, mas sim contratar boas
pessoas, descobrir de que elas necessitavam, colocá-las em projetos adequados às suas
habilidades e certificar-se de que elas trabalhavam bem em conjunto. (CATMULL
2014, p. 89)
25

Executivo da Pixar, Catmull assumiu como missão a busca permanente por uma “cultura
criativa sustentável” (CATMULL, 2014, p. 79) porque desta forma a empresa continuaria
realizando filmes considerados originais, que geravam lucro e também proporcionariam algum
tipo de contribuição positiva para a sociedade.
26

3 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Para estudar o tema proposto, foi realizada uma pesquisa exploratória, de abordagem
qualitativa, que articulou levantamento bibliográfico, levantamento de campo (GIL, 2002) e dados
secundários para buscar informações que permitissem corroborar, ou refutar, o argumento central
de que há diferenças substanciais na forma como os núcleos se estruturam internamente e se
relacionam com o mercado à sua volta que possam ser determinantes na viabilização de seus
projetos.
Foram considerados apenas núcleos que receberam investimento da primeira edição da
chamada pública Prodav 03, lançada em 2013. Isto porque todos os contemplados receberam o
investimento e o prazo de dois anos para conclusão do desenvolvimento venceu para todos.
Os núcleos foram divididos em duas tipologias: aqueles que comprovaram a viabilização
mínima de projetos e obtiveram renovação do investimento do FSA para desenvolver nova cartela
e aqueles que não comprovaram a viabilização. Ao longo do trabalho, para simplificar a leitura de
quadros e tabelas, utiliza-se as nomenclaturas Núcleos Renovados e Núcleos Não Renovados para
identificar cada grupo, respectivamente.
As principais fontes de dados secundários foram a Ancine e o Banco Regional do
Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), agente financeiro do Fundo Setorial do Audiovisual.
Não raramente, as informações estavam dispersas em relatórios, tabelas e planilhas diferentes, o
que exigiu um esforço de compilação e organização para visualizar as informações pesquisadas
como distribuição geográfica dos núcleos, tipos de projetos desenvolvidos e quantitativo de obras
já viabilizadas.
Para a abordagem qualitativa, optou-se pela técnica de entrevista individual em
profundidade, semiestruturada, guiada por um roteiro-base de questões (DUARTE, 2006). De
caráter não probabilístico, a amostra inclui sete líderes: três de núcleos não renovados e quatro de
núcleos renovados. Os líderes, no presente estudo, enquadram-se no conceito de informante-chave
por serem fontes que estão “profundamente e diretamente envolvidas com os aspectos centrais da
questão, o que faz com que não serem entrevistados possa significar grande perda” (DUARTE,
2006, p. 70). Em apenas um dos casos, duas pessoas foram entrevistadas ao mesmo tempo. O
profissional que ocupou o cargo de líder defendeu a necessidade da presença de um segundo
integrante da equipe, produtor e sócio fundador da produtora, uma vez que, na prática, eles
atuaram juntos na liderança.
O edital Prodav 03, para efeito de cumprimento obrigatório de cotas, agrupa os estados
brasileiros em três grandes regiões: Rio de Janeiro e São Paulo; Norte, Nordeste e Centro-Oeste;
27

Minas Gerais, Espírito Santo e Região Sul. Inicialmente, tentou-se compor uma amostra que
contemplasse, em cada tipologia de núcleo, todas as regiões. Contudo, o fator disponibilidade dos
líderes foi determinante, e a lista final de participantes foi constituída por conveniência.
Todas as entrevistas foram transcritas e as informações foram agrupadas em categorias:
- Composição estratégica das cartelas de projeto: que abarca as motivações que
conduziram a escolha dos projetos inscritos no Prodav 03
- Qualificação técnica dos líderes: investiga a formação e experiências profissionais da
liderança
- Metodologia (de desenvolvimento): aborda as dinâmicas e fluxos de trabalho durante
o desenvolvimento
- Atribuições do líder e forma de interação com a equipe e com o conteúdo
- Competências profissionais mais utilizadas pelos líderes
- Reflexões dos líderes: o que eles acreditam que poderiam ter feito diferente
- Prospecção dos projetos no ambiente externo ao núcleo

Considerando que a pesquisa em profundidade não permite estabelecer relações de causa e


efeito nem obter representação estatística (DUARTE, 2006) deve-se considerar que os resultados
possuem abrangência limitada. Sua maior contribuição é possibilitar a exploração de “um assunto
a partir da busca de informações para analisá-las e apresentá-las de forma estruturada” (DUARTE,
2006, p. 62)
28

4 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O FORTALECIMENTO DO AUDIOVISUAL NO


BRASIL

A abordagem da economia da cultura proposta por Benhamou (2007) expõe as


dificuldades de viabilização econômica e obtenção de lucros de produtos culturais de
determinados setores, entre eles o cinema, o que fundamenta a atuação governamental no sentido
de oportunizar o acesso a modalidades de financiamento, sejam elas por meio de subvenções,
empréstimos ou créditos. É relevante mencionar que a intervenção do Estado não é exclusividade
do setor cultural.
A regulamentação e a regulação do mercado é necessária a qualquer atividade (agrícola,
automobilística, computacional, petrolífera etc.) a ser desenvolvida em território nacional.
Seja qual for o caráter da empresa “beneficiada” (estatal, economia mista, multinacional),
ela dependerá necessariamente de uma infraestrutura e de um planejamento político
econômico que será construído e amparado pelo Estado” (SILVA, H., 2010, p. 33)

No Brasil, durante a Era Vargas, encontra-se a criação de uma das primeiras instituições
estatais voltadas para o audiovisual: o Instituto Nacional de Cinema Educativo, fundado em 1937.
Ainda na década de 20, como observa Simis (2008), predominava a expectativa de “construção da
nação”, que se daria por meio do Estado, portanto, a intelligentsia da época defendia que a
educação deveria ser pela instrução pública e a reforma do ensino primário, secundário, superior e
profissional tornou-se pauta política de destaque. A inclusão do cinema nas mudanças que
estavam sendo propostas é compreensível, uma vez que, “depois da imprensa, era o meio de
comunicação mais importante” (SIMIS, 2008, p. 25). Considerando que em 1900 85% da
população brasileira era analfabeta (SIMIS, 2008), as possibilidades do uso do cinema
despertavam grande interesse, e não apenas pedagógicos. Ele poderia ser veículo de transmissão
do nacionalismo, sobretudo no período compreendido entre os anos de 1930 e 1945.
Vale destacar ainda a criação, em 1939, do Departamento de Imprensa e Propaganda
(DIP)4, “órgão de primeiro escalão, diretamente subordinado à Getúlio Vargas” (SIMIS, 2008, p.
55). De acordo com Simis (2008), o DIP possuía cinco divisões, entre elas uma de cinema e
teatro. Em relação ao cinema, a autora destaca quatro grupos de competências atribuídas ao DIP
pelo decreto-lei 1.915:
a) fazer a censura do cinema, quando a esta forem combinadas as penalidades previstas
por lei; a Comissão de Censura Cinematográfica5 era extinta;
b) estimular e classificar a produção de filmes nacionais, diferenciando os educativos dos
outros para concessão de prêmios e favores;
c) “sugerir ao Governo a isenção ou redução de impostos e taxas federais para os filmes

4
Decreto-lei 1.915, de 27 de dezembro de 1939
5
A Comissão de Censura havia sido criada pelo artigo 6º do Decreto nº 21.240 de 1932 e era ligada ao então
Ministério da Educação e da Saúde Pública
29

educativos e de propaganda, bem como a concessão de idênticos favores para transporte


dos mesmos filmes”. e
d) “conceder, para os referidos filmes, outras vantagens que estiverem em sua alçada”.
(SIMIS, 2018, p. 61)

Observa-se que o órgão reunia atribuições de censura, fiscalização, aplicação de penalidades


e também de fomento à produção. Ao longo das décadas que se seguiram, as políticas públicas para
o audiovisual sofreram inúmeras alterações, influenciadas por fatores políticos, mercadológicos,
tecnológicos e pelas mudanças na forma como o Estado interpreta e se posiciona em relação a temas
como cultura, economia e desenvolvimento sócio-econômico.
Segundo Ana Carla Reis (2007), a intervenção do Estado pode ser dividida em duas
categorias principais: o Estado interventor ou produtor, como foi no caso da Embrafilme, empresa
estatal que coproduzia filmes brasileiros; e o Estado regulador ou controlador responsável pelo
planejamento, pela regulação, condução e financiamento de ações do setor privado ao mesmo
tempo em que monitora todas as atividades.
Criada em 1969, a Embrafilme nasceu como Sociedade de Economia Mista, cujo
acionista majoritário era o Estado. A empresa é um dos frutos do programa de desenvolvimento
de uma “política da cultura” do governo militar que gerou também instituições como o Conselho
Federal da Cultura, Funarte e Pró-Memória (SILVA, H. 2010).
Inicialmente o horizonte de suas ações estava no mercado externo. Seu objetivo era a
distribuição e a promoção dos filmes brasileiros no exterior visando a difusão de aspectos
culturais artísticos e científicos. Na sequência, seu regulamento agregou novas atribuições: o
financiamento da produção, a coprodução e a comercialização também no mercado nacional
(SILVA, H., 2010), além da criação de legislação protecionista e da responsabilidade pela
fiscalização do mercado, em conjunto com o Conselho Nacional de Cinema (CONCINE)
(BAHIA, 2012).
A definição de linhas de ação da Embrafilme foi diretamente influenciada pelo discurso
desenvolvimentista e nacionalista da época que inseriu na pauta política a “ideia de industrialização
do cinema nacional, seja pelo viés comercial, seja pelo autoral” (BAHIA, 2012, p. 46). Dados da
Secretaria do Audiovisual do Minc mostram que entre 1978 e 1984, foram lançados 620 títulos
nacionais - o que corresponde a uma média de 88,57 filmes por ano - e neste período a participação
do cinema brasileiro no market share aumentou, atingindo a média anual de aproximadamente 30%
(BAHIA, 2012).
O slogan adotado pela empresa, “Cinema é risco”, reflete o grau de imprevisibilidade
sobre o desempenho comercial do produto cultural mencionado por Benhamou (2007) e a lógica
de financiamento da Embrafilme. O fomento à produção podia ser realizado em duas
30

modalidades: “à moda de empréstimo bancário (juros de 10% ao ano)” (AMÂNCIO, 2000, p. 25),
ou enquanto coprodutora do filme que aportava o equivalente a 30% do valor do orçamento e
passava a deter o mesmo percentual de direitos patrimoniais, com participação nas receitas
auferidas na exploração comercial (SILVA, H. 2010). Ou seja, se a rentabilidade não fosse, no
mínimo, igual ao valor investido na produção, economicamente seria um negócio deficitário.
Neste modelo, a Embrafilme analisava o projeto em seus aspectos artísticos e econômicos:
avaliava roteiro, a produtora e os riscos envolvidos (BAHIA, 2012).
De acordo com levantamento realizado por Amâncio (2000), durante seu período de
existência, de 1969 a 1990, a Embrafilme financiou 140 filmes, coproduziu outros 130, atuou
como distribuidora de 222 lançamentos e como codistribuidora de 129 títulos. Estes dados são
indicativos de que os principais focos das ações de fomento da empresa eram a produção e a
distribuição. Contudo, na gestão de Roberto Farias (1974-1979), foram realizados dois programas
especiais intitulados, respectivamente, Programa Especial de Pesquisas de Temas para Filmes
Históricos e Programa Especial de Pilotos para Séries de Televisão (AMÂNCIO, 2000).

Quadro 1 - Programas especiais da Embrafilme na gestão de Roberto Farias


MATERIAL A SER
VALOR DO
PROGRAMA OBJETIVO PRODUZIDO E ENTREGUE
PRÊMIO*
PELO PRODUTOR
Roteiro completo com diálogos;
Pesquisa histórica;
Fotos Coloridas dos figurinos;
Elementos de pesquisa musical;
Orçamento detalhado;
Pesquisas de Temas Seleção de roteiros
R$ 111.445,28* Cronograma de desembolso;
para Filmes Históricos para filmes históricos
Equipe técnica;
Diretor;
Elenco;
Documentação contábil;
Prestação de contas;
Seleção de projetos de
realização de piloto de
Pilotos para Séries de
série de TV a ser R$ 11.144.528,00** Piloto
Televisão
desenvolvida
posteriormente
Fonte: AMÂNCIO, 2000. Elaborado pela autora.
* Valores em Reais atualizados de acordo com o IPC-SP (FIPE) considerando a data inicial o mês de janeiro de
1977 e a data final o mês de janeiro de 2019.
** O valor concedido em 1977 era de Cr$ 300.000,00
*** Valor total do programa. Os projetos selecionados receberam valores de acordo com o orçamento de
produção apresentado na inscrição. À época, o valor total era de Cr$ 30 milhões.

De acordo com os objetivos e entregas a serem realizadas pelos produtores, observa-se


que esta linha de financiamento era voltada para a etapa de desenvolvimento de projetos de
cinema e TV. Ao todo foram selecionados 20 projetos de roteiros para filmes históricos dos quais
31

“apenas dois tiveram prosseguimento além da etapa de pesquisa – Castro Alves e General Osório,
embora não tenham sido realizados” (AMÂNCIO, 2000, p. 87), e 22 de produção de pilotos
(AMÂNCIO, 2000). Em entrevista concedida a Tunico Amâncio, o então diretor da Embrafilme,
Roberto Farias, explica um dos aspectos que influenciaram o desenho do programa e os resultados
deste segundo programa:
A EMBRAFILME resolveu fazer isto sem consulta prévia, era um risco que ela correria,
e a partir de cada piloto, então, se iria à televisão propor – quer entrar na minissérie? O
piloto está aqui! Era mais ou menos como alguém que quisesse correr este risco nos
Estados Unidos fazia para propor alguma coisa. A televisão só entraria num roteiro
enquanto projeto e papel, se fosse com gente dela, que ela tivesse confiança. Gente de
fora, tinha que ver o produto, se não visse, ela não entraria, pelo menos era o que nós
acreditávamos. E assim a coisa foi feita. Não resultou muito. Inclusive muita gente
pegou estes projetos, uns fizeram filme de longa-metragem mesmo, complementaram
um pouquinho e em vez de fazer um piloto 16mm pra mostrar à televisão, fez um filme,
fizeram isto e os outros fizeram qualquer coisa, só porque ganharam aquele
financiamento. (AMÂNCIO, 2000, p. 92)

O depoimento de Farias coloca em evidência que uma importante referência na


formulação deste programa foi o mercado norte-americano de televisão onde um canal, para
tomar a decisão de investir no projeto de série de um produtor com o qual não havia trabalhado,
baseava-se sobretudo na qualidade de um programa piloto. A iniciativa da Embrafilme não
alcançou os objetivos previstos. Nenhum projeto tornou-se uma série ou minissérie televisiva. Em
sua avaliação, Farias aponta alguns fatores que, para ele, foram determinantes:
Aí foi um pouco de ingenuidade nossa, uma certa inexperiência, ou uma certa
onipotência. Nós, os produtores, os realizadores, Nelson Pereira sobretudo, que era um
grande inspirador também disto, e o ministro, que queria que a EMBRAFILME fizesse
alguma coisa para a televisão, na sua santa intuição, porque é isto mesmo que tem que
acontecer no futuro, a EMBRAFILME tem que produzir para a televisão – televisão e
vídeo são hoje os dois maiores mercados do mundo, muito maiores que o cinema, mas
havia também um desejo dos realizadores de independentemente escolherem seus
próprios temas e proporem as suas ideias com os pilotos prontos. Achavam que isto daria
melhor possibilidade [...]. Enfim, talvez tivesse sido uma coisa avançada no tempo. Hoje
isto daria certo porque o mercado é outro, o entendimento é outro, e acho também que a
televisão entendeu na época, que era um governo militar, que o governo poderia estar
pretendendo, através disto, dominar a programação de televisão, coisa que não tinha
nada a ver, este era um movimento de cineastas que não tinha nada a ver com uma
orientação governamental. (AMÂNCIO, 2000, p. 93)

Em sua abordagem sobre o tema, Amâncio faz um importante paralelo com o que ele
chama de “descaso da TV Globo quanto a este programa de produção” (AMÂNCIO, 2000, p. 93).
O autor recupera uma entrevista concedida pelo superintendente-geral da Rede Globo, José
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, à revista Veja:
Veja: Existe algum plano da Rede Globo para comprar os pilotos de seriados
financiados pela EMBRAFILME?

Boni: Não há nenhuma perspectiva de a Globo comprar esses seriados. Se


podemos produzir eletronicamente cada episódio, a um custo médio bem próximo
32

de 500.000 cruzeiros, não tem sentido comprar um filme que não custou menos de
2 milhões de cruzeiros. Além disso, a linguagem do cinema não é a da TV. Se a
EMBRAFILME quisesse mesmo fazer seriados para televisão, deveria ter
montado um centro de produção eletrônica, fazer os homens de cinema e televisão,
fazer pesquisas de mercado para saber o que interessa ou não fazer. Em vez disso,
preferiu jogar para (sic, por fora) 20 milhões de cruzeiros. (REVISTA Cinema em
Close-up, n. 18, p. 16 apud AMÂNCIO, 2000. p. 93)

A fala de Boni e de Farias permite identificar ao menos três polos importantes no processo:
produtores e realizadores, a Embrafilme - como órgão estatal responsável por ações de fomento à
produção - e os exibidores, neste caso os canais de televisão. Percebe-se que os dois primeiros
estiveram alinhados quando da elaboração do programa de produção de pilotos. Mas vem à tona o
fato de a televisão em si não ter sido envolvida no processo. Boni destaca três aspectos que, em sua
avaliação, impossibilitariam uma negociação por parte da Globo: o custo de produção dos pilotos,
muito acima do custo então praticado dentro da emissora, o que inviabilizaria a aquisição do
produto do ponto de vista econômico; a necessidade de realizar pesquisas de mercado para
identificar os temas que mais interessam e a diferença entre a linguagem de cinema e a televisiva.
Verifica-se aqui a relevância de uma dinâmica, desde a fase de desenvolvimento de projetos, que
inclua todos os agentes do setor audiovisual e que agregue dados, competências, informações e
análises que possam contribuir para gerar projetos com maiores chances de serem produzidos e
comercializados. Esta consideração remete ao argumento central da pesquisa aqui proposta, uma
vez que sua premissa é a necessidade de conciliação de competências criativas e mercadológicas,
ainda no desenvolvimento, para viabilizar a produção de obras audiovisuais. Ambos os programas
especiais de financiamento, para projetos de Pesquisas de Temas para Filmes Históricos e para a
Produção de Pilotos para Séries de Televisão, lançados em 1977, não foram reeditados pela
empresa.
Ainda nos anos 80 a Embrafilme entra em declínio. Problemas financeiros, administrativos
e acusações de dirigismo, fatores estes aliados a crises econômicas mundial e nacional, à elevação
do padrão tecnológico das produções de Hollywood, a concorrência da televisão e o advento do
home video culminaram na extinção da empresa (BAHIA, 2012).
Em 1990, o então presidente Fernando Collor de Mello, através da Medida Provisória
151/90, colocou fim a todos os incentivos governamentais em vigor até aquele momento para
projetos culturais e o segmento cinematográfico foi especialmente impactado. De uma só vez, foram
extintas a Embrafilme, o Concine e a Fundação do Cinema Brasileiro.
Como ressalta Ikeda (2015), o resultado foi catastrófico. Em 1992, somente três filmes
nacionais foram lançados no circuito brasileiro de salas de exibição e os títulos estrangeiros
ocuparam quase a totalidade do mercado. O market share do filme brasileiro caiu para 3,7% em
33

1995 (BAHIA, 2012). Sem a intervenção do Estado, dificilmente o quadro sofreria mudanças
favoráveis à produção, distribuição e exibição da cinematografia brasileira. Neste contexto,
organiza-se a volta da participação estatal. Mas, naquele momento, em um modelo diferente do
intervencionista vigente até a era Embrafilme, uma vez que as mudanças constitucionais político-
econômicas advindas com a redemocratização não mais permitem que o Estado seja “agente direto
de interferência na economia” (SILVA, H., 2010, p. 52).

4.1 O ESTADO REGULADOR: FOMENTO INDIRETO PARA O SETOR AUDIOVISUAL

A partir da década de 90, pode-se observar a presença dos instrumentos reguladores


utilizados pelo Estado brasileiro na economia da cultura, de acordo com Reis (2007): o fomento a
projetos culturais por meio de bancos de desenvolvimento, como o BNDES, que desde 1995 investe
em produção cultural, e de empresas públicas6; e os incentivos fiscais no âmbito federal, estadual e
municipal.
Na esfera federal, destacam-se duas leis: a Lei nº 8.313/91, conhecida como Lei Rouanet,
que instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e é considerada um marco pois
restabelece o apoio estatal à atividade cultural (IKEDA, 2015), e a de nº 8.685/93, chamada de Lei
do Audiovisual, que criou mecanismos de fomento específicos para a atividade audiovisual. Ambas
propõem um modelo no qual o Estado continua com o papel de indutor, mas agora de forma
indireta, pois agrega agentes do mercado no processo (IKEDA, 2015). Este arranjo estabelece o que
passa a ser considerado fomento indireto.
Os recursos investidos na produção cultural continuam sendo de natureza estatal. São
oriundos de mecanismos de renúncia fiscal sobre o imposto de renda, mas a escolha dos projetos
que serão beneficiados fica a cargo do mercado. São as próprias empresas que geram o imposto que,
na qualidade de patrocinadoras ou doadoras, definem em quais ações investir. Em contrapartida,
ganham espaço de exposição de marca nas peças publicitárias do projeto, nos créditos, retorno em
mídia espontânea e, de acordo com a natureza do produto, unidades do mesmo para ações junto a
seu público estratégico, tais como unidades de CDs de música, publicações impressas, cotas de
convites para estreias e sessões especiais de filmes, peças teatrais e espetáculos circenses. O recurso
aplicado é não reembolsável.
Os incentivos federais para o setor audiovisual, previstos nas leis Rouanet e do
Audiovisual, são concedidos como descrito nos Quadros 2 e 3. É importante pontuar que a definição

6
Estatais como Petrobras, Correios, Banco do Brasil e Caixa são exemplos de empresas públicas que financiam
projetos culturais
34

de projetos que podem captar recursos através da Lei Rouanet sofreu alterações ao longo tempo. O
texto originalmente aprovado permitia que, através do artigo 18, fossem produzidas também obras
de longa-metragem. Desta forma, uma empresa, ao investir na produção de um filme brasileiro,
poderia abater integralmente de seu imposto devido o montante alocado no projeto e utilizar este
investimento como estratégia de marketing e posicionamento de marca. Em 1999, a redação foi
alterada pela lei nº 9.874 e as obras de longa-metragem passaram a ser enquadradas somente no
artigo 25, cujo benefício fiscal é bem menor e, consequentemente, menos atrativo do ponto de vista
econômico.

Quadro 2 – Mecanismos de Fomento Indireto da Lei Rouanet - Artigos 18, 25 e 26


Artigo 18 Artigos 25 e 267
Produção de obras cinematográficas
e videofonográficas de curta e
Produção cinematográfica e videográfica;
média metragem;
Preservação e difusão de acervo
Tipo de projeto audiovisual; Produções educativas e culturais de caráter não
comercial do segmento de televisão;
Construção e manutenção de salas
de cinema em municípios com
menos de 100 mil habitantes;
Forma de investimentoDoações ou patrocínios Doações ou patrocínios
Benefício fiscal paraAbatimento do IR de 100% do Abatimento do IR de 40% do valor aportado a
pessoa jurídica valor investido, até o limite de 4% título de doação e de 30% do montante investido
tributada no lucro real
do IR devido como patrocínio até o limite de 4% do IR devido
Abatimento do IR de 100% do Abatimento do IR de 80% do valor aportado a
Benefício fiscal para
valor investido, até o limite de 6% título de doação e de 60% do montante investido
pessoa física
do IR devido como patrocínio até o limite de 6% do IR devido
Fonte: BRASIL (1991). Elaborado pela autora

Quadro 3 - Mecanismos de Fomento Indireto da Lei do Audiovisual – Artigos 1º e 1ºA


Artigo 1º Artigo 1º A8
Produção de curta, média, longa-metragem, telefilme e obras seriadas,
de ficção, animação ou documentais, bem como reality shows,
Tipo de projeto programas de variedades e de caráter educativo e cultural9
Exibição, distribuição de obras audiovisuais e infraestrutura técnica
Festivais internacionais
Aquisição de cotas representativas do
direito de comercialização das obras
Forma de através de investimento realizado no Através de patrocínio realizado por
investimento mercado de capitais, em ativos previstos pessoas físicas ou jurídicas
em lei e autorizados pela Comissão de
Valores Mobiliários (CVM)
Benefício fiscal Abatimento do IR de 100% do valor investido, até o limite de 4% do imposto devido
para pessoa jurídica Lançamento do total aportado como
tributada no lucro real despesa operacional
Benefício fiscal para
Abatimento do IR de 100% do valor investido, até o limite de 6% do imposto devido
pessoa física
Fonte: BRASIL (1993). Elaborado pela autora


7
O artigo 25 define a tipologia de projetos e o artigo 26 versa sobre os benefícios fiscais sobre o IR
8
Este artigo foi incluído na Lei do Audiovisual em 2006 através da Lei nº 11.437
9
Instrução Normativa da Ancine nº 125 de 22 de dezembro de 2015
35

Quadro 4 - Mecanismos de Fomento Indireto da Lei do Audiovisual – Artigo 3º e 3ºA


Artigo 3º Artigo 3º A10
Produção de curta, média, longa-metragem, telefilme e obras seriadas,
de ficção, animação ou documentais, bem como reality shows,
programas de variedades e de caráter educativo e cultural11
Tipo de projeto
Exibição, distribuição de obras audiovisuais e infraestrutura técnica
Desenvolvimento de obra audiovisual
de longa-metragem
Coprodução e investimento em projetos de Coprodução e investimento em projetos
Forma de investimento desenvolvimento por parte de empresas de desenvolvimento por parte de
distribuidoras empresas de TV Aberta e de TV Paga
Imposto de Renda devido sobre Imposto de Renda devido sobre
importâncias pagas, creditadas, crédito, emprego, remessa, entrega ou
empregadas, remetidas ou entregues, por pagamento pela aquisição ou
empresas distribuidoras, aos produtores, remuneração, a qualquer título, de
Fato gerador do distribuidores ou intermediários no direitos, relativos à transmissão, por
benefício fiscal exterior, como rendimentos decorrentes meio de TV aberta ou TV paga, de
da exploração de obras audiovisuais quaisquer obras audiovisuais ou
estrangeiras em todo o território nacional, eventos, mesmo os de competições
ou por sua aquisição ou importação a desportivas das quais faça parte
preço fixo12 representação brasileira
70% do IR devido sobre o fato gerador 70% do IR devido sobre o fato gerador
Benefício fiscal podem ser investidos na coprodução de podem ser investidos na coprodução de
para pessoa jurídica obras audiovisuais brasileiras e no obras audiovisuais brasileiras e no
desenvolvimento de longas para cinema desenvolvimento de longas para cinema
Fonte: BRASIL (1993). Elaborado pela autora

O Quadro 4 demonstra que é possível financiar projetos de desenvolvimento de


longas para cinema através dos artigos 3º e 3ºA da Lei do Audiovisual. De acordo com
levantamentos disponíveis na base de dados da Ancine, o Observatório Brasileiro do
Cinema e do Audiovisual (OCA), entre os anos de 2002 e 2017, um total de R$ 11,4
milhões foram investidos em desenvolvimento por meio destes dois artigos. Em 2013, ano
em que foram lançados os primeiros editais do FSA voltados para desenvolvimento, não
houve investimento nesta tipologia de projeto pela Lei do Audiovisual. Mas a partir de 2014
isto volta a acontecer, desta vez com a predominância da utilização do artigo 3ºA que
totaliza R$ 4,8 milhões contra R$ 1,7 milhões do artigo 3º, como é possível verificar no
Gráfico 1.
A Tabela 1 coloca em evidência que absolutamente todos os 69 projetos de
desenvolvimento financiados pelos artigos 3º e 3ºA da Lei do Audiovisual no período de
2002 a 2017 são de produtoras com sede no eixo Rio/São Paulo. Esta concentração coincide
com um fator importante: Rio de Janeiro e São Paulo também sediam distribuidoras

10
Este artigo foi incluído na Lei do Audiovisual em 2006 através da Lei nº 11.437
11
Instrução Normativa nº 125 de 22 de dezembro de 2015
12
A definição detalhada das transações financeiras sobre as quais é gerado o benefício fiscal é matéria do artigo
13 do Decreto-Lei nº 1.089 de 1970
36

brasileiras como Imagem, Downtown, Paris Filmes e norte-americanas - conhecidas como


majors - que investem via artigo 3º, bem como as maiores emissoras de TV aberta e
programadoras de TV por assinatura nacionais e estrangeiras entre elas Rede Globo,
Record, SBT, Bandeirantes, HBO, Fox, Discovery e Sony, que podem investir através do
artigo 3ºA. O investimento em um projeto de desenvolvimento depende da dinâmica entre
produtores, distribuidores e canais. Ao produtor cabe a tarefa de apresentar seu projeto a
uma distribuidora ou canal de TV que irá analisá-lo e decidir se financiam ou não o custo de
desenvolvimento. Embora não seja o objetivo desta pesquisa, vale reconhecer que a
proximidade geográfica entre os agentes desempenha importante papel facilitador no
contato entre as partes, como bem demonstra Scott (2010) ao analisar como as empresas
criativas e seus trabalhadores tendem a se aglomerar espacialmente.

Gráfico 1 - Valores investidos em projetos de desenvolvimento de longas para cinema através dos
artigos 3º e 3ºA da Lei do Audiovisual entre 2002 e 2017

3,0M

2,5M

2,0M

1,5M 1,6M
835,7K
1,0M
1,4M 1,5M
500,0K 955,1K 916,3K 810,0K
778,3K 744,0K
562,3K 400,0K 575,5K
0,0K

Art. 3º Art. 3ºA

Fonte: ANCINE. Elaborado pela autora

Tabela 1 – Valores captados por projetos de desenvolvimento de longas para cinema através dos
artigos 3º e 3 A entre 2002 e 2017 e quantitativo de projetos por UF de acordo com a sede da proponente
UF sede da
Qtd de Valor total captado Valor total captado via
Produtora Total(R$)
Projetos via Art 3º (R$) Art 3ºA (R$)
Proponente
RJ 40 3.716.870,00 2.879.725,83 6.596.595,83
SP 29 2.614.927,40 2.168.665,90 4.783.593,30
Total 69 6.331.797,40 5.048.391,73 11.380.189,13
Fonte: ANCINE. Elaborado pela autora
37

Ao comparar os dados da Tabela 1 com o Gráfico 1, é possível calcular que


aproximadamente 4,6 projetos receberam investimento a cada ano e se forem excluídos os dados de
2010 e 2013, quando não houve nenhum aporte em desenvolvimento pela Lei do Audiovisual, esta
média sobe para 5,3 projetos ao ano. Cada um dos 69 projetos recebeu, em média R$ 164,9 mil.
Para acessar recursos através de um ou mais mecanismos de incentivos fiscais
relacionados nos Quadros 3 e 4, os projetos precisam ser propostos por produtores brasileiros
independentes e passar por um processo de análise e aprovação prévia pelos órgãos públicos
competentes, no caso o Ministério da Cultura para a Lei Rouanet e a Ancine para a Lei do
Audiovisual. Para o Minc, o caráter de independência significa que o proponente “não exerce as
funções de distribuição ou exibição de obra audiovisual, ou que não seja concessionário de
serviços de radiodifusão de sons ou sons e imagens ou a ele coligado, controlado ou controlador”
(BRASIL, 2017, p. 25). A definição da Ancine, que será utilizada ao longo deste trabalho sempre
que for mencionada produção brasileira independente ou apenas produção independente,
especifica a composição societária, a nacionalidade dos dirigentes e responsáveis editoriais e a
possibilidade de negociar livremente com quaisquer terceiros.

LI - Produtora Brasileira: empresa que produza conteúdo audiovisual que atenda às


seguintes condições, cumulativamente:
a) ser constituída sob as leis brasileiras;
b) ter sede e administração no País;
c) 70% (setenta por cento) do capital total e votante devem ser de titularidade, direta ou
indireta, de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos;
d) a gestão das atividades da empresa e a responsabilidade editorial sobre os conteúdos
produzidos devem ser privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10
(dez) anos;
LII - Produtora Brasileira Independente: produtora brasileira que atenda aos seguintes
requisitos, cumulativamente:
a) não ser controladora, controlada ou coligada a programadoras, empacotadoras,
distribuidoras ou concessionárias de serviço de radiodifusão de sons e imagens;
b) não estar vinculada a instrumento que, direta ou indiretamente, confira ou objetive
conferir a sócios minoritários, quando estes forem programadoras, empacotadoras,
distribuidoras ou concessionárias de serviços de radiodifusão de sons e imagens, direito
de veto comercial ou qualquer tipo de interferência comercial sobre os conteúdos
produzidos;
c) não manter vínculo de exclusividade que a impeça de produzir ou comercializar para
terceiros os conteúdos audiovisuais por ela produzidos; (ANCINE, 2012, s/p.)

O advento dos mecanismos de incentivos fiscais tornou possível o retorno da produção


cinematográfica brasileira a partir de 1995 configurando o período que ficou conhecido como
Retomada do Cinema Brasileiro (BAHIA, 2012, p. 29). De acordo com o Gráfico 2, entre 1995 e
1999, foram lançados 104 longas brasileiros e o Gráfico 3 permite observar que o aumento da
produção coincide com o aumento da captação de recursos através das leis Rouanet e do
Audiovisual.
38

Gráfico 2 – Quantidade de filmes brasileiros de longa-metragem lançados


entre 1995 e 1999
30
28
25
23
21
20
18
15
14

10

0
1995 1996 1997 1998 1999

Fonte: Ancine. Listagem dos filmes lançados em salas de exibição com valores captados
através de mecanismos de incentivo 1995 a 2017. Elaborado pela autora

Apesar dos artigos 25 e 26 da Lei Rouanet serem uma opção para a viabilização de
recursos, nenhum valor foi captado por meio deles pelos filmes lançados naquele período.
Considerando que o benefício fiscal não permite a dedução, por parte do patrocinador, de
100% do valor aportado, o artigo 18 torna-se mais atrativo para as empresas que optam
por investir no cinema brasileiro.
Os dados do Gráfico 3 demonstram que os 14 filmes lançados em 1995, reunidos,
captaram um total de R$ 1,6 milhão através de mecanismos de incentivos fiscais. Este
valor subiu para R$ 50,1 milhões em 1999, quando então 28 títulos nacionais chegaram às
salas de cinema. Entre 1995 e 1999, o maior volume de recursos foi gerado pelo artigo 1º
da Lei do Audiovisual (R$ 79,3 milhões), seguido pelo artigo 18 da Lei Rouanet (R$ 28,6
milhões) e pelo artigo 3º (R$ 15,9 milhões). Ao todo, os três mecanismos viabilizaram R$
123,8 milhões para a produção de longas. A extinção da Embrafilme havia provocado um
hiato na produção. As políticas públicas para o audiovisual implementadas a partir de
1991 privilegiaram projetos de realização que permitiram reocupar uma fatia do mercado.
Se os números demonstram que houve significativo aumento da produção
cinematográfica, por outro lado, o final dos anos 90 registrou um movimento para
reocupar a lacuna institucional deixada no setor com a extinção da Embrafilme.
[...] embora a retomada tenha alcançado públicos e prêmios pelo mundo e
reafirmado a sua vitalidade, continuou a existir a necessidade de proteger o
mercado, ou seja, de construir um locus estatal que dessa conta do
desenvolvimento, da regulação e da proteção do mercado para o cinema
brasileiro. (BAHIA, 2012, p. 15)
39

Gráfico 3 – Valores captados através de mecanismos de incentivos fiscais da Lei Rouanet e da Lei do
Audiovisual13 pelos filmes brasileiros lançados entre 1995 e 1999
40,0M

35,0M 33,9M

30,0M
Em Milhões de R$

25,0M 23,6M

20,0M
16,0M
15,0M
12,1M
9,6M
10,0M

4,8M 5,3M
4,5M 4,1M
5,0M 3,6M 3,1M
1,4M 1,8M
212,0K 0,0K
0,0K
1995 1996 1997 1998 1999

Lei Rouanet Art 18 Lei do Audiovisual Art 1º Lei do Audiovisual Art 3º

Fonte: Ancine (2018). Listagem dos filmes lançados em salas de exibição com valores captados através de
mecanismos de incentivo 1995 a 2017. Elaborado pela autora

Neste ambiente, aconteceu em Porto Alegre, no ano 2000, o III Congresso Brasileiro
de Cinema. O evento “uniu representantes da atividade cinematográfica, que declararam o
desgaste da política vigente e apontaram a necessidade de repolitização do cinema brasileiro”
(BAHIA, 2012, p. 71). Um dos resultados do Congresso foi a criação, no mesmo ano, do
Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica (Gedic), através de decreto presidencial, com
representação dos ministérios da Cultura, Fazenda, Comunicações, Desenvolvimento
Indústria e Comércio Exterior, das secretarias da Casa Civil, Secretaria Geral da Presidência,
e das Comunicações além de cinco representantes dos mercados de cinema e televisão. O
relatório apresentado pelo Gedic propôs o anteprojeto da Ancine, “órgão responsável pela
gestão política estatal para o mercado de cinema nacional” (BAHIA, 2012, p. 71). Em 2001,
através da Medida Provisória 2.228-1, foi criada a Ancine:
[...] autarquia especial, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior [...] órgão de fomento, regulação e fiscalização da indústria
cinematográfica e videofonográfica, dotada de autonomia administrativa e
financeira” (BRASIL, 2001, s/p.)

13
O Gráfico 3 não apresenta dados relativos aos artigos 1ºA e 3ºA da Lei do Audiovisual porque foram inseridos
na lei apenas em 2006
40

A criação de uma autarquia especial voltada para o setor audiovisual não é um fato
isolado. Ao contrário, está inserido no contexto político e econômico dos anos 90 que,
conforme destaca Ilse Gomes Silva (2001) foi marcado pela globalização, fenômeno cujos
impactos também afetaram a esfera política e colocaram em questão o papel do Estado-
nação, sua capacidade de “implementar políticas estatais e de garantir e/ou ampliar os
direitos sociais conquistados durante o período de consolidação do Estado-providência”
(SILVA, I. 2001, p. 1).
No Brasil, em 1995, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso,
foi elaborado e encaminhado ao Congresso Nacional o Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado, um conjunto de propostas administrativas e gerenciais para
“enfrentar os principais obstáculos à implementação de um aparelho de Estado moderno e
eficiente” (PECI, 2007, p. 13). Entre as proposições, o documento cita a transformação de
autarquias em agências autônomas e a continuidade do processo de privatização. “Nesse
contexto de desestatização e tentativas de reformas gerenciais, é redefinido o papel do
Estado, qualificando-o mais como regulador do que como indutor do processo de
desenvolvimento do país” (PECI, 2007, p. 14). De 1995 até 2002, além da Ancine, foram
criadas a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), Agência Nacional de Petróleo (ANP), Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Agência
Nacional da Água (ANA), Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) e
Agência Nacional dos Transportes Aquaviários (Antaq).
De acordo com seu regimento interno, passaram a ser de competência da Ancine,
entre outras atividades, o registro de agentes econômicos do setor, das obras audiovisuais,
a emissão do Certificado de Produto Brasileiro, o processamento e o recolhimento da
Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (CONDECINE), a
fiscalização do cumprimento da legislação audiovisual, análise, aprovação e fiscalização
da execução e prestação de contas de projetos realizados com recursos públicos federais.
O produto da arrecadação da CONDECINE é destinado ao Fundo Setorial do
Audiovisual e investido em programas de fomento das atividades audiovisuais no Brasil.
Ela será essencial para a implementação e execução de políticas públicas como o Núcleo
Criativo, objeto de estudo deste trabalho. A Ancine classifica a CONDECINE em três
modalidades de acordo com seu fato gerador: CONDECINE-Título, CONDECINE-
Remessa e CONDECINE-TELES.
41

QUADRO 5 – Modalidades de CONDECINE

Modalidade Marco Regulatório Fato Gerador


A exploração comercial de obras audiovisuais
publicitárias e não publicitárias em cada um dos
segmentos de mercado: salas de exibição, vídeo
doméstico, TV por assinatura, TV aberta e outros
CONDECINE-Título
mercados

MP 2.228-1 É devida a cada cinco anos para as obras não publicitárias


e a cada 12 meses no caso de obras publicitárias
Alíquota de 11% que incide sobre a remessa ao exterior de
importâncias relativas a rendimentos decorrentes da
CONDECINE-Remessa
exploração de obras cinematográficas e videofonográficas,
ou por sua aquisição ou importação
Devida pelas concessionárias, permissionárias e
autorizadas de serviços de telecomunicações que prestam
serviços que se utilizem de meios que possam distribuir
conteúdos audiovisuais
CONDECINE-Teles Lei 12.485/2011
A contribuição deverá ser recolhida anualmente, até o dia
31 de março, para os serviços licenciados até o dia 31 de
dezembro do ano anterior
Fonte: Ancine. Elaborado pela autora

A partir de sua implementação, a Agência passou a ser o órgão competente por


analisar e enquadrar projetos audiovisuais em mecanismos de fomento indireto das leis
Rouanet e do Audiovisual, à exceção de projetos de curta e média-metragem que solicitem
enquadramento somente no artigo 18 da Lei Rouanet e que devem ser apresentados
diretamente ao Ministério da Cultura. Soma-se a estes o artigo 39 X da MP 2.228-1, que está
diretamente atrelado à CONDECINE-Remessa, e o Funcine14.

QUADRO 6 - Artigo 39 X da MP 2.228-1

Produção de curta, média, longa-metragem, coprodução de telefilme, obras seriadas, de


Tipo de projeto ficção, animação ou documentais, bem como reality shows, programas de variedades e
de caráter educativo e cultural15
Investimento em produção de obras para cinema ou em coprodução de obras para
Forma de investimento
TV por parte de programadoras internacionais de TV por assinatura
Fato Gerador Incidência de CONDECINE REMESSA

Isenção de CONDECINE REMESSA desde que seja investido o equivalente a 3%


Benefício fiscal do total remetido na produção de obras cinematográficas ou coprodução de obras
videofonográficas brasileiras e independentes.
Fonte: BRASIL (2001). Elaborado pela autora


14
Os Funcines foram criados pela MP 2.228-1
15
Instrução Normativa da Ancine nº 125
42

QUADRO 7 - FUNCINE – Artigo 41 a 46 da MP 2.228-1

Produção de curta, média, longa-metragem, coprodução de telefilme, obras


seriadas, de ficção, animação ou documentais, bem como reality shows,
programas de variedades e de caráter educativo e cultural16;

Construção, reforma e recuperação das salas de exibição de propriedade de empresas


brasileiras;

Tipo de projeto Aquisição de ações de empresas brasileiras para produção, comercialização,


distribuição e exibição de obras audiovisuais brasileiras de produção independente,
bem como para prestação de serviços de infraestrutura cinematográficos e
audiovisuais;

Projetos de comercialização e distribuição de obras audiovisuais cinematográficas


brasileiras de produção independente realizados por empresas brasileiras
Projetos de infraestrutura realizados por empresas brasileiras

Pessoas físicas ou jurídicas tributadas com base no lucro real podem investir em Fundo
de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional constituídos sob a forma de
Forma de investimento condomínio fechado, sem personalidade jurídica, e administrados por instituição
financeira autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil ou por agências e
bancos de desenvolvimento.17
Benefício fiscal para
Abatimento do Imposto de Renda de 100% do valor investido, até o teto de 4% do
pessoa jurídica tributada
imposto devido
com base no lucro real
Benefício fiscal para Abatimento do Imposto de Renda de 100% do valor investido, até o teto de 6% do
pessoa física imposto devido
Fonte: BRASIL (2001). Elaborado pela autora

Como destaca Silva (2010), em paralelo ao fomento indireto, a Ancine opera também no
fomento direto à atividade audiovisual, com recursos provenientes de seu orçamento através de
editais públicos seletivos e automáticos, sendo os dois principais o Prêmio Adicional de Renda
(PAR)18 e o Programa Ancine de Incentivo à Qualidade do Cinema Brasileiro (PAQ).
O PAR era direcionado para produtoras independentes, distribuidoras e exibidores
brasileiros e teve seu primeiro edital divulgado em 2005. A partir do desempenho de longas-
metragens brasileiros nas bilheterias de salas de cinema, era concedido um prêmio em dinheiro
que deveria ser destinado a projetos específicos, de acordo com a natureza do titular da
premiação, como se observa no Quadro 8.


16
Instrução Normativa da Ancine nº 125
17
Artigo 41 da MP 2.228-1
18
Entre 2013 e 2014 foi lançado o edital Prodav 06 do Fundo Setorial do Audiovisual com o objetivo de gerar crédito
para produtoras, distribuidoras e programadoras de televisão com base no desempenho comercial de obras
audiovisuais brasileiras independentes. A partir de então, o PAR para produtoras e distribuidoras foi descontinuado,
ficando em operação somente o Pêmio para exibidores. Atualmente, a chamada pública do FSA é intitulada
BRDE/FSA Suporte Automático Desempenho Comercial 2018.
43

QUADRO 8 – Prêmio Adicional de Renda (PAR)


Natureza do Titular da
Tipos de Projetos
Premiação
Projetos de desenvolvimento, produção ou finalização de longas para cinema de
Produtora
produção própria ou de terceiros

Projetos de desenvolvimento de filmes para cinema, aquisição de direitos de


Distribuidora comercialização de longas para salas de exibição ou comercialização de obras
cinematográficas de longa-metragem

automação de bilheterias, em salas, abertura de novas salas, aquisição de equipamentos


Exibidora
digitais de exibição e projetos de formação de público para obras nacionais
Fonte: Ancine. Elaborado pela autora

O PAQ19 foi criado em 2006 com o objetivo de premiar longas-metragens brasileiros de


acordo com seu desempenho em festivais nacionais e internacionais. O apoio financeiro, no valor
de R$ 100 mil, era concedido à produtora detentora dos direitos patrimoniais dirigentes sobre a
obra e o recurso, obrigatoriamente, deveria ser aplicado em projeto de desenvolvimento de longa
para cinema de sua titularidade ou de terceiros. O prêmio poderia ser integralmente direcionado a
um único projeto ou dividido entre dois ou mais.
Encontram-se nestes dois programas as primeiras ações de fomento concebidas e
implementas pela Agência com foco em desenvolver projetos de obras audiovisuais. Importante
ressaltar que apenas projetos de longas para cinema poderiam ser contemplados. De acordo com o
primeiro edital do PAR, uma vez recebido o recurso, a proponente responsável teria um prazo de
18 meses para concluir o projeto e entregar, junto com a prestação de contas, o roteiro, o material
de pesquisa ou outra documentação de acordo com o que foi apresentado na proposta para
desenvolvimento.
Já o edital do PAQ era um pouco mais detalhado quanto aos itens que deveriam compor
o projeto desenvolvido:
Entende-se por desenvolvimento de projeto o conjunto de documentos reunindo
roteiro (Ficção), storyboard (Animação) ou proposta, estratégia de abordagem e
estrutura (Documentário), além de orçamento e cronograma de produção da obra
cinematográfica. (ANCINE, 2006, p.1)

Na esteira do PAR e do PAQ, foi criado, também em 2006 o Fundo Setorial do


Audiovisual. Bahia destaca que seu advento “realiza uma vontade política da diretoria da
agência de recuperar a capacidade de investimento e, nesse sentido, compensar a perda de
poder de decisão sobre a produção que a lei de incentivo traz” (BAHIA, 2012, p. 126). Desde

19
Instrução Normativa da Ancine, nº 56. Em 2014 o FSA o FSA lançou o edital Prodav 07 cujos objetivos,
critérios e parâmetros assemelhan-se ao Programa Ancine de Incentivo à Qualidade do Cinema Brasileiro. Desde
então este edital foi descontinuado. Atualmente, a chamada pública do FSA é intitulada BRDE/FSA Suporte
Automático – Desempenho Artístico 2018
44

então, o FSA tornou-se uma das mais importantes fontes de financiamento da atividade
audiovisual independente no Brasil e instituiu um modelo no qual o Estado não se restringe a
subvencionar indiretamente a atividade, como nas leis Rouanet e do Audiovisual, nem a
investir a fundo perdido como nos casos dos editais PAR e Prêmio de Qualidade. Por meio do
Fundo, o Estado torna-se um investidor que objetiva recuperar o valor aportado e participar
dos lucros obtidos com a exploração comercial das obras.

4.2 FUNDO SETORIAL DO AUDIOVISUAL, UMA POLÍTICA PÚBLICA DE FOMENTO


DIRETO PARA O AUDIOVISUAL BRASILEIRO

O Fundo Setorial do Audiovisual é um mecanismo federal de financiamento das


atividades do setor audiovisual. Foi criado pela Lei 11.437, de 28 de dezembro de 2006 e
regulamentado pelo decreto 6.299 de 12 de dezembro de 2007.
A chegada do FSA ao mercado trouxe dois grandes diferenciais em relação aos
mecanismos de incentivos fiscais: o primeiro diz respeito à atuação direta do Estado na escolha
dos projetos que receberão investimento. Através de um processo seletivo minucioso, são
avaliados o mérito artístico e o potencial comercial do projeto. O FSA enquadra-se na categoria
de fomento direto (IKEDA, 2015).
A segunda grande mudança refere-se à modalidade de investimentos. Conforme o
Regulamento Geral do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro
(ANCINE, 2018e.), apenas em casos específicos o FSA aporta recursos não reembolsáveis. Os
projetos de produção e comercialização recebem investimentos retornáveis. O FSA assume o
papel de investidor financeiro. Ele tem um percentual sobre as receitas obtidas com a exploração
comercial das obras, calculado de acordo com a proporção de seu investimento em relação ao
orçamento total do projeto. Junto com o produtor, ele assume um risco. Se o desempenho
comercial for inferior ao previsto, o Fundo não recupera o valor aportado. Mas caso as receitas
sejam satisfatórias ou mesmo superem as expectativas, além de receber o montante investido, ele
também participará dos lucros. Estes parâmetros são estabelecidos no texto do Regulamento Geral
do Prodav e dos editais publicados pelo Fundo.
Uma característica importante do FSA é a alocação de recursos em linhas de ação
específicas. Conforme destaca Ikeda (2015), isto permite um direcionamento mais programático
do financiamento a partir da identificação de gargalos no mercado ou de segmentos onde o
investimento é considerado mais urgente.
45

Dessa forma, em 2008 foram publicados os quatro primeiros editais do Fundo: Prodecine
01 e Prodecine 02 voltados para o financiamento da produção de projetos de longas-metragens
para salas de cinema; Prodecine 03 para projetos de distribuição de filmes no circuito exibidor; e
Prodav 01, cujo foco era o investimento na produção de obras audiovisuais para o segmento de
TV. Os projetos de desenvolvimento, fase essencial de toda a cadeia produtiva, estavam ausentes
das ações de financiamento e foram incluídos somente no ano de 2013.
Os primeiros investimentos do FSA foram realizados em 2009, ano em que foram
divulgados os resultados dos editais lançados em 2008. Através do Gráfico 4, é possível visualizar
o impacto que ele gerou no financiamento da produção independente.

Gráfico 4 – Recursos federais investidos em projetos audiovisuais entre 2009 e 2017

1000,0M

900,0M 622,9M
534,3M
800,0M

700,0M
441,1M
422,3M
600,0M

500,0M

400,0M 238,1M

300,0M
84,7M 92,3M
200,0M 366,7M
29,5M 20,6M 306,0M
249,8M 259,1M
100,0M 181,4M 178,7M 184,1M
124,4M 147,3M

0,0K 12,3M 14,6M 13,5M 10,2M 11,4M 8,4M 12,3M 8,3M 1,5M
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Editais, Programas e Prêmios Recursos Incentivados (captação) FSA (investimento)

Fonte: ANCINE. Elaborado pela autora.


* Recursos Incentivados captados através das leis 8.313/91, 8.685/93 e MP 2.228/01

Entre os anos de 2009 e 2017, o FSA foi a fonte que investiu o maior volume de recursos
federais em projetos audiovisuais em um total de R$ 2,5 bilhões, seguida pelos mecanismos de
incentivos fiscais das leis Rouanet, do Audiovisual e MP 2.228/01 que, reunidas, viabilizaram R$
46

2 bilhões, enquanto editais, programas de incentivo à qualidade do cinema brasileiro e prêmios


adicionais de renda aportaram R$ 92,6 milhões. Observa-se que em 2012 houve uma significativa
redução do montante investido pelo Fundo, que caiu de R$ 92,3 milhões no ano anterior para R$
20,6 milhões. Isto se deve ao fato de que houve um hiato na publicação de editais em 2011.
Somente no ano seguinte o FSA voltou a lançar chamadas públicas.
Outro dado que se destaca é o aumento expressivo do total de recursos aportados pelo
FSA em 2013 que atingiu o patamar de R$ 238,1 milhões. Este crescimento está relacionado ao
aumento do orçamento do Fundo. Desde sua criação, o total arrecado com todas as modalidades
de CONDECINE é integralmente destinado a seu orçamento. Ocorre que a Lei nº 12.485 de 12 de
setembro de 2011, entre outras disposições, criou a chamada CONDECINE-Teles que passou a
ser devida pelas concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços de telecomunicações
que prestam “serviços que se utilizem de meios que possam efetiva ou potencialmente distribuir
conteúdos audiovisuais” (BRASIL, 2011, s/p). O pagamento ocorre anualmente, até o dia 31 de
março20. A Tabela 2 mostra que, em 2012, primeiro ano de vigência da CONDECINE-Teles, o
valor arrecadado foi de R$ 655.667.562,69 que, somado às CONDECINEs Título e Remessa,
totalizou R$ 725.332.169,48.

Tabela 2 – Valores de CONDECINE arrecadados entre 2006 e 2017


CONDECINE-Títulos CONDECINE-Remessa CONDECINE-Teles Total
ANO
em R$ em R$ em R$ em R$
2006 27.138.004,56 422.031,39 - 27.560.035,95

2007 30.770.444,86 237.744,55 - 31.008.189,41

2008 35.254.844,78 529.457,07 - 35.784.301,86

2009 34.559.727,70 750.763,66 - 35.310.491,37

2010 38.192.285,94 1.462.516,82 - 39.654.802,76

2011 42.467.544,89 1.231.283,24 - 43.698.828,13

2012 64.576.514,68 5.088.092,11 655.667.562,69 725.332.169,48

2013 84.156.782,29 10.949.724,98 711.561.365,32 806.667.872,59

2014 74.862.190,50 7.386.676,12 702.263.960,36 784.512.826,98

2015 81.742.376,34 9.658.599,62 759.960.485,64 851.361.461,60

2016 84.950.861,90 9.999.781,61 877.966.713,00 972.917.356,51

2017 65.644.653,92 11.428.035,05 715.949.935,88 793.022.624,85


Fonte: Ancine. Elaborado pela autora


20
Instrução Normativa da Ancine nº 96 de 15 de dezembro de 2011
47

Além do impacto financeiro na produção independente, o FSA também influencia na


forma de articulação entre agentes do mercado. Isto ocorre porque ele define requisitos
obrigatórios para inscrição de projetos como a apresentação de contrato de distribuição no caso
de obras para cinema e de contratos de pré-licenciamento para projetos de obras destinadas ao
segmento de TV Aberta ou Paga.
A obrigatoriedade de um contrato de licenciamento oneroso é a garantia de que a série,
minissérie ou telefilme será exibida e comercializada, o que gera receita sobre a qual o FSA tem
participação. Da mesma forma, o contrato de distribuição de um longa-metragem garante que este,
ao ser finalizado, será efetivamente lançado em salas cinemas do circuito comercial gerando,
portanto, receita de bilheteria.
Se para pleitear recursos para a produzir é preciso já ter a comercialização da obra garantida,
encontra-se aqui uma razão concreta para agregar, ainda na etapa de desenvolvimento e
planejamento, ações concretas que possam tornar o projeto mais atrativo para parceiros comerciais
como a definição do público alvo, a adequação da linguagem a este público e a elaboração de um
plano de negócios com foco em rentabilizar em todos os segmentos possíveis: cinema, TV Paga,
TV Aberta, mercado internacional, VOD e toda forma possível de licenciamento oneroso. Para que
um projeto chegue ao ponto de receber recursos para sua produção, é importante que seu
planejamento e desenvolvimento tenham sido realizados de maneira adequada, com o tempo e os
recursos necessários.

4.3 NÚCLEOS CRIATIVOS: UMA RESPOSTA À UMA DEMANDA DO MERCADO

Em setembro de 2013, foi publicada na Revista de Cinema uma matéria intitulada


Reportagem Especial Sobre a Falada Crise na Criação, que abordou muitos aspectos sobre
exigências de mercado, formação de roteiristas e falta de valorização da profissão. O cineasta e
roteirista Newton Cannito falou especificamente sobre a ausência de recursos para desenvolver
projetos:
Não existe ainda verba para desenvolvimento de projetos. Se há prêmios para 10
filmes serem produzidos, deveria ter prêmios para 70 roteiros. A média deveria ser
de sete para um. O desenvolvimento é onde o Estado deve investir diretamente, pois
as empresas não vão investir nisso. (CARNEIRO, 2013, s/p)

Até o momento em que esta matéria foi publicada, as principais fontes federais de
financiamento que poderiam ser acessadas para a etapa de desenvolvimento eram o PAR, o PAQ e
os Artigos 3º e 3ºA da Lei do Audiovisual. A roteirista Ana Paul, em depoimento à mesma
reportagem, aponta uma distorção no uso dos recursos:
48

Os editais de roteiro também não são solução e precisam urgentemente ser revistos.
De periodicidade incerta, não servem como pagamento inicial para um roteirista
trabalhar num projeto. Não raro, o roteirista já está escrevendo, mesmo sem o
resultado e, para piorar, as produtoras entendem que o prêmio é na verdade de
desenvolvimento da pré-produção e mordem metade do valor. Com isso, esses
editais só têm interessado a diretores que também escrevem seus próprios roteiros ou
então iniciantes em busca de um lugar ao sol”. (CARNEIRO, 2013, s/p)

Dois anos antes da publicação desta matéria pela Revista de Cinema, ocorreu uma
importante mudança no cenário audiovisual do país. Foi aprovada a Lei 12.485 de 12 de setembro
de 2011 que dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado. Ela estabeleceu cotas
mínimas obrigatórias de conteúdo brasileiro e de conteúdo brasileiro de produção independente a
serem veiculadas no horário nobre de todos os canais de espaço qualificado da TV paga, sejam eles
brasileiros ou internacionais. Isto provocou uma demanda por obras audiovisuais brasileiras sem
precedentes, a serem produzidas em larga escala e com qualidade.
O Informe de Monitoramento de Mercado da TV Paga (ANCINE, 2012a.), apresenta dados
relativos ao ano de 2011, antes da entrada em vigor da obrigatoriedade das cotas de conteúdo
brasileiro. Naquele ano, 16 canais monitorados21 pela Agência, reunidos, veicularam
aproximadamente 9.286 horas de obras brasileiras. O Informe de Acompanhamento de Mercado da
TV Paga (ANCINE, 2015), apresenta a evolução do volume de horas de obras brasileiras veiculado
nos canais brasileiros e estrangeiros entre os anos de 2012 e 2014.

TABELA 3 - Variação na quantidade de horas de programação brasileira 2012/2014


Canal 2012 2013 2014 % 2013-2014
MULTISHOW 6557:35:00 6595:10:00 6366:33:00 -3,5%
CANAL BRASIL 8241:52:15 8353:47:16 8195:15:00 -1,9%
GNT 3052:39:00 4214:45:00 4910:13:00 16,5%
DEMAIS CANAIS 2610:24:01 5143:57:12 6748:35:00 31,2%
Total Geral 20462:30:16 24307:39:28 26220:36:00 7,9%
Fonte: ANCINE

Observa-se pela Tabela 3 que em 2012 o total de horas praticamente dobrou em relação ao
ano anterior chegando a 26.220 em 2014. Verifica-se ainda que o aumento mais significativo foi
entre os Demais Canais, que incluem todos os canais estrangeiros em operação no Brasil, o que
demonstra o impacto direto da obrigatoriedade de cumprimento de cotas de conteúdo nacional.


21
AXN, Canal Brasil, Cinemax, HBO, HBO Family, HBO Plus, Max Prime, Sony, Telecine Action, Telecine
Cult, Telecine Fun, Telecine Pipoca, Telecine Premium, Telecine Touch, TNT e Warner Channel. Não
constavam do monitoramento os Multishow e GNT cujos dados só passaram a integrar os relatórios da Ancine a
partir de 2012.
49

Estes números evidenciam o quanto a demanda por obras audiovisuais brasileiras cresceu
rapidamente e exigiu dos agentes de mercado uma adaptação rápida a esta nova realidade. E isto não
era possível se um elo primordial não fosse estabelecido: o desenvolvimento.
Em 2013, durante o Rio Content Market, principal evento de mercado audiovisual no Brasil,
o então diretor-presidente da Agência Nacional do Cinema, Rangel, apresentou o Plano de
Diretrizes e Metas para o Audiovisual. A principal diretriz definia como prioridade:
Estabelecer as bases para o desenvolvimento da atividade audiovisual, baseada na
produção e circulação de conteúdos brasileiros, como economia sustentável,
competitiva, inovadora e acessível à população e como ambiente de liberdade de
criação e diversidade cultural. (ANCINE, 2012b.)

Aqui, o termo desenvolvimento não remete à etapa inicial de um projeto audiovisual. É um


conceito de fundamentação econômica, com foco no estabelecimento da atividade de forma viável e
que permita sua perenidade e crescimento. Apesar da menção aos elos de produção e
comercialização - esta expressa pelas palavras circulação de conteúdos -, podemos identificar
premissas para o desenvolvimento em dois aspectos da diretriz: ao remeter à necessidade de uma
economia inovadora e ao ambiente de liberdade de criação. Tanto a inovação quanto a liberdade
criativa necessitam de tempo e recursos financeiros para serem promovidas e, nos projetos
audiovisuais, estes objetivos têm sua origem e base na etapa de desenvolvimento.
Poucos meses após a divulgação deste plano, o FSA publicou seus três primeiros editais
voltados, exclusivamente, ao desenvolvimento de projetos de filmes, séries e formatos de obras
audiovisuais, sendo um deles o Prodav 03 cujo objetivo era selecionar carteiras de projetos
organizadas sob a forma de Núcleos Criativos. Até o momento de publicação destes editais, todas as
chamadas públicas do FSA tinham como objetivo o investimento em produção ou comercialização
de filmes e séries. O Fundo, desde 2008, havia disponibilizado R$ 407 milhões para a produção e
comercialização de longas e séries (ANCINE, 2013). Não havia financiamento específico por parte
do FSA para os custos inerentes à etapa de desenvolvimento de uma obra audiovisual, que incluem,
entre outras atividades, a criação de argumentos, escaletas, roteiros, sinopses, perfil dos
personagens, bíblia, definição de formato, aquisição de direitos autorais e produção de episódios-
piloto. A única alternativa para os produtores era incluir estas despesas no orçamento de produção
de suas obras.
Na modalidade de Núcleo Criativo, um dos itens obrigatórias era a participação de
profissional experiente em desenvolvimento, o “líder”. A escolha desta pessoa é uma decisão de
relevância considerável pois seu currículo tem um peso significativo no processo seletivo do edital,
que é dividido em duas etapas: a seleção e a decisão de apoio financeiro.
50

4.3.1 Tipologia de projetos aceitos e processo seletivo

Para concorrer no edital Prodav 03/2013, era preciso compor uma cartela com no mínimo
cinco projetos e cada um deles já deveria identificar o segmento de mercado ao qual o projeto da
obra audiovisual se destinava, o formato e a tipologia de acordo com o disposto no edital, conforme
o Quadro 9. Uma cartela poderia conter projetos para apenas um, dois ou para os três segmentos de
mercado, bem como variar, formato e tipologia.

QUADRO 9 - Tipologia de projetos aceitos de acordo com o segmento de mercado ao qual se destinam
Segmento de Mercado Formato Tipologia
Ficção
Sala de Exibição Longa-Metragem
Animação
Ficção
Animação
TV Paga ou Aberta Obra Seriada
Documentário
Formato de Obra Audiovisual
Ficção
Vídeo por Demanda Obra Seriada
Animação
Fonte: BRDE. Elaborado pela autora

TABELA 4 - Projetos dos Núcleos Criativos selecionados nas edições 2013, 2014, 2015, 2016* e 2017
de acordo com o segmento de mercado, formato e tipologia
Qtd de
Segmento de Mercado Formato Tipologia %
Projetos
Longa-Metragem Ficção 199 37,48%
Sala de Exibição Longa-Metragem Animação 15 2,82%
Longa-Metragem Documentário 18 3,39%
Subtotal 232 43,69%
Obra Seriada Ficção 168 31,64%
Obra Seriada Animação 57 10,73%
TV Paga ou Aberta Obra Seriada Documentário 64 12,05%
Obra Seriada Formato de Obra Audiovisual 6 1,13%
22
Telefilme Ficção 3 0,56%
Subtotal 298 56,12%
Obra Seriada Ficção 1 0,19%
Vídeo por Demanda
Obra Seriada Animação - -
Subtotal 1 0,19%
TOTAL 531 100,00%
Fonte: Fonte: Ancine. Elaborado pela autora
* Os dados disponibilizados pela Ancine não informavam formato, tipologia e quantidade de projetos de 10
núcleos selecionados no edital Prodav 03/2016


22
Apesar dos dados publicados pela Ancine mencionarem telefilme, o texto dos editais não prevê a aceitação
desta tipologia
51

A Tabela 4 mostra que nas edições de 2013 a 2017 predominam os projetos destinados
aos segmentos de TV Paga ou Aberta (56,12%) com um total de 298. As salas de exibição
figuram em segundo lugar (43,69%), totalizando 232, enquanto Vídeo por Demanda totaliza
apenas 1 (0,24%). Já em relação à tipologia, o maior quantitativo é de longa-metragem de
ficção (199), seguido pelas séries de ficção (167). Entre os 531 projetos, apenas (1,13%) são
para desenvolvimento de formato de obra audiovisual seriada. Os longas de documentário
passaram a ser aceitos na edição 2015 do edital e somam 18 projetos (3,39%).
Todas as propostas inscritas passam pela primeira etapa do processo, chamada de
seleção, de caráter classificatório e eliminatório. Nesta fase, cada proposta é avaliada por dois
analistas da Ancine que atribuem notas de 1 a 5 para cada um dos quesitos detalhados no
Quadro 10. A média de cada quesito é ponderada por um peso. Todas as propostas são
classificadas de acordo com a nota obtida. As que obtiverem nota inferior a 50%, ou seja, 2,5,
são automaticamente desclassificadas.
Para a segunda etapa, a decisão de apoio financeiro, é constituída uma Comissão de
Seleção mista com cinco integrantes: dois da Ancine e três “profissionais independentes, com
notório saber e experiência no mercado audiovisual” (BRDE, 2014a, p. 8). Esta comissão
recebe as propostas melhores classificadas, com um quantitativo mínimo igual ao dobro da
meta financeira de investimento do edital.

QUADRO 10 – Critérios de Avaliação para Seleção de Núcleos Criativos pelo Prodav 03/2013

QUESITOS PESO

Potencial criativo da Carteira de 1.1 – Relevância do tema, comunicabilidade e


15%
Projetos a partir do conceito de cada adequação da proposta ao público-alvo.
1 Proposta Audiovisual integrante (obra
seriada, formato de obra seriada, obra 1.2 – Estrutura dramática e construção dos
não seriada) 20%
personagens / Pesquisa e conceito (DOC)

Relação entre tipologia(s) de Proposta Audiovisual a ser(em) trabalhada(s) e adoção de


2 metodologia e dinâmica a serem implementadas para o desenvolvimento de projetos, definindo o 20%
perfil do Núcleo Criativo

Qualificação técnica do profissional contratado, ou a ser contratado, na condição de líder do


3 Núcleo Criativo, relacionando o perfil do Núcleo Criativo ao histórico de projetos de obras e 25%
formatos de obra audiovisual desenvolvidos.

Qualificação técnica dos profissionais contratados, ou a serem contratados, na condição de


4 demais integrantes do Núcleo Criativo, relacionando o perfil do Núcleo Criativo ao histórico de 15%
projetos de obras e formatos de obra audiovisual desenvolvidos.

Histórico de projetos desenvolvidos e produzidos pela empresa produtora brasileira independente


5 5%
proponente.

Fonte: BRDE
52

Até o ano de 2017 o FSA lançou cinco23 edições do edital Prodav 03, o que viabilizou um
total de R$ 105,5 milhões que contemplaram 107 Núcleos Criativos (ANCINE, 2017b.). Observa-se
na Tabela 5 que a sede da maioria dos núcleos contemplados está no eixo Rio-São Paulo que
representa 56,07% do total com um quantitativo de 60 propostas selecionadas.

Tabela 5 - Quantitativo de núcleos criativos contemplados pelo Prodav 03 nas


edições de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 e distribuição regional
% em
UF da Sede da Relação ao
Região Qtd de Núcleos
Proponente total de
Núcleos
SP 37 34,58%
Sudeste RJ 23 21,50%
Subtotal 60 56,07%
PA 6 5,61%
AM 1 0,93%
RR - -
AP - -
Norte
TO - -
RO - -
AC - -
Subtotal 7 6,54%
PE 9 8,41%
BA 5 4,67%
CE 2 1,87%
PB 1 0,93%
PI 1 0,93%
Nordeste
AL - -
MA - -
RN - -
SE - -
Subtotal 18 16,82%
DF 6 5,61%
GO 2 1,87%
Centro Oeste MT - -
MS - -
Subtotal 8 7,48%
MG 5 4,67%
PR 4 3,74%
SC 1 0,93%
SUL, MG E ES
RS 4 3,74%
ES - -
Subtotal 14 13,08%
TOTAL 107 100,00%
Fonte: Ancine e BRDE. Elaborado pela autora

23
Prodav 03/2013, 2014, 2015, 2016 e 2017
53

Deve-se considerar que o edital Prodav 03 estabelece o cumprimento de cotas regionais da


seguinte forma: 30% para as regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste e 10% para Sul, Minas Gerais
e Espírito Santo. As regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, reunidas, totalizam 30,84% do total,
enquanto os projetos da região Sul, Minas Gerais e Espírito Santo somam 13,08%, ambos acima do
percentual mínimo definido pela chamada pública.
Entre os 27 estados brasileiros, 15 foram contemplados no conjunto das cinco primeiras
edições do Prodav 03, ou seja, 51,55%. As regiões Norte e Centro-Oeste são as menos
representadas no mapa dos Núcleos Criativos com uma fatia de 6,543% e 7,48% respectivamente.
Entre os sete estados do Norte, apenas dois, Pará com seis núcleos e Amazonas com dois, figuram
como sede de produtoras contempladas por esta linha de investimento do FSA.

TABELA 6 - Relação de Núcleos Criativos que foram renovados através do Prodav 13/2016
Ano do
edital
UF NOME DO NÚCLEO CRIATIVO RAZÃO SOCIAL DA PROPONENTE Prodav 03
em que foi
selecionado
RJ NÚCLEO DE CRIAÇÃO GIROS GIROS PROJETOS AUDIOVISUAIS S.A. 2013
VIDEOFILMES PRODUÇÕES
RJ NÚCLEO VIDEOFILMES 2013
ARTÍSTICAS LTDA.
SP MIRA LAB RM PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA 2013
CALEIDOSCÓPIO NARRATIVAS
3 TABELA FILMES E PRODUÇÕES
RJ MULTIFACETADAS PARA 2013
ARTÍSTICAS LTDA
CRIANÇAS E JOVENS

SP NÚCLEO CRIATIVO GULLANE GULLANE ENTRETENIMENTO SA 2013


FÁBRICA DE IDEIAS CINEMÁTICAS
SP NÚCLEO CRIATIVO 2018 2013
LTDA
SP NÚCLEO CRIATIVO URCA FILMES 2 URCA FILMES LTDA 2014

BA ANIMA BAHIA ORIGEM COMUNICAÇÃO LTDA 2013


O GÊNERO COMO ESPELHO DO VERMELHO PROFUNDO PRODUÇÕES
PB 2013
REAL AUDIOVISUAIS LTDA - ME
PE ATELIÊ CONTEÚDO ATELIÊ PRODUÇÕES LTDA 2013
GRUPO DE PRODUÇÃO DE TEXTO
CASA DE CINEMA DE PORTO
RS DA CASA DE CINEMA DE PORTO 2013
ALEGRE LTDA
ALEGRE
ANIMAKING PRODUCOES,
PROMOCOES ARTISTICAS E
SC NÚCLEO CRIATIVO FLORIPA 2013
CINEMATOGRAFICAS COM.
LTDA.EPP
Fonte: Ancine e BRDE. Elaborado pela autora
54

Até a presente data, 12 dos 107 núcleos tiveram a renovação do investimento aprovada
pelo FSA através do Prodav 13/2016, conforme Tabela 6. É possível verificar que 11 núcleos
haviam sido contemplados na primeira edição do Prodav 03 que financiou ao todo 28
propostas. Ou seja, o índice de renovação daquele ano, até o encerramento de coleta de dados
deste trabalho, está na casa de 39,29% e ainda pode aumentar.
Em relação ao desempenho na meta de viabilização e, consequentemente, na
renovação do núcleo, deve-se considerar alguns marcos temporais importantes: o resultado
final da segunda edição foi divulgado em setembro de 2015. Os vencedores receberam os
recursos e iniciaram as atividades ao longo do ano de 2016. Considerando que eles tiveram
dois anos para concluir o desenvolvimento dos projetos, somente a partir de 2018 estariam
aptos a pleitear uma renovação, claro, com a condição de que tenham conseguido acessar o
financiamento mínimo exigido para a etapa de produção. A relação de produtoras vencedoras
da edição de 2017 só veio a público em dezembro de 2018 e estes ainda estão na fase inicial
de todo o processo.

4.3.2 Equipe e liderança no Núcleo Criativo

Ao ter uma cartela de projetos selecionada no edital Prodav 03 de Núcleos Criativos, a


produtora recebe até R$ 1 milhão, conforme definido na chamada pública (BRDE, 2014a.).
Estes recursos devem ser empregados para remunerar artistas e técnicos envolvidos nesta
etapa. Em contrapartida, tem a responsabilidade de entregar, ao final de 2424 meses, não
apenas um roteiro, mas também orçamento, plano de financiamento e folheto de
comercialização. Para cumprir todas as demandas, faz-se necessário montar uma equipe que,
segundo as regras do edital, deverá ser conduzida por um líder.
O quesito número 3 dos critérios de avaliação (Quadro 10), trata justamente da
qualificação profissional da pessoa indicada como líder e tem peso de 25%. Apesar de ser
responsável por ¼ da nota que a cartela receberá, o texto não define se a liderança deve ser
ocupada por profissional da área de roteiro, produção, direção ou outra categoria do setor
audiovisual. Investigar o perfil desta liderança é uma das propostas do presente trabalho. A
fase de pesquisa qualitativa foi realizada por meio de entrevistas com líderes de Núcleos
contemplados na edição de 2013 e entre os objetivos encontra-se o mapeamento das
características profissionais das pessoas que desempenharam esta função. Além da figura do


24
Inicialmente, o prazo para conclusão era de 18 meses e foi posteriormente alterado para 24 meses
55

líder, os demais profissionais integrantes do Núcleo também são analisados. De acordo com o
quesito número 4, a qualificação técnica destes profissionais será avaliada, com ênfase no
histórico de projetos de obras e de formatos desenvolvidos.
O edital não define objetivamente as categorias profissionais das pessoas que podem
atuar em um Núcleo. Mas a partir de itens de despesas que podem ser financiadas com o valor
do investimento a ser recebido do FSA e dos itens a serem entregues quando o
desenvolvimento for concluído, é possível deduzir que a composição de um núcleo pode
agregar profissionais de diversas áreas como roteiro, produção, direção, assistência de
direção, pesquisa, ilustração, animação, designer gráfico e tradução.
4.4.1. São considerados itens financiáveis todas as despesas relativas à aquisição de
direitos e à contratação de profissionais e/ou serviços, englobando a totalidade das
atividades necessárias e inerentes à realização, cumulativa ou alternativa, de
pesquisa; elaboração do conceito da obra audiovisual; escritura da narrativa;
montagem do universo da trama; concepção e modelagem dos personagens; desenho
de cenários e storyboard; elaboração dos orçamentos; planejamento financeiro,
inclusive estratégia de comercialização de direitos; definição dos direitos artísticos
necessários à produção; planejamento do desenho de produção; elaboração de
materiais gráficos para comercialização dos projetos; produção de conteúdos
audiovisuais promocionais; arranjos originais de criação técnica, artística e
econômica; projeto; tradução; diagramação e confecção de projeto etc.

4.4.2. As propostas poderão contemplar ainda a realização de episódios-pilotos,


‘websódios’, demo jogável e pesquisa qualitativa. (BRDE, 2014, p. 5)

O item 4.4.2 faz referência à possibilidade de investimento na produção de material


audiovisual - que pode ser utilizado como uma peça de venda do projeto -, à realização de
pesquisa qualitativa para avaliação de recepção de episódio-piloto de série ou primeiro corte
de longa-metragem por parte da audiência, e à produção de um protótipo de jogo eletrônico
que seja derivado de um dos projetos da cartela. A realização destes itens é opcional.

QUADRO 11 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao


desenvolvimento do projeto de Obra Seriada de Documentário
Informação
a) Capa (contendo título, nome dos criadores e nome da empresa proponente);
b) Conceito da série (premissa e abordagem geral a tema, tom, pesquisa e público alvo);
c) Objeto (indicação e descrição de cada objeto abordado);
d) Estratégia de abordagem (indicação e justificativa para cada estratégia de abordagem ao objeto);
e) Sugestão de estrutura para os três primeiros episódios;
f) Sinopses da totalidade de episódios;
g) Orçamento e plano de financiamento;
Folheto de comercialização (apresentação da série para aquisidores diagramado em formato A4 frente e
h)
verso, colorido);
Folheto de comercialização (apresentação do demo jogável para aquisidores diagramado em formato A4
i)
frente e verso, colorido, versões em português e inglês) (OPCIONAL).
Fonte: BRDE
56

QUADRO 12 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao


desenvolvimento do projeto de Obra Seriada de Ficção
Informação
a) Capa (contendo título, nome dos criadores e nome da empresa proponente);
Conceito da série (tema de fundo, premissa, gênero dramático, enredo-base, descrição dos aspectos
b) estéticos relevantes à narrativa (decupagem, tom de atuação, fotografia, som, direção de arte, efeitos
especiais etc.) e público alvo);
c) Universo (apresentação das leis que controlam e orientam as ações dos personagens, sejam elas físicas,
psicológicas ou sociais);
Personagens (descrição detalhada dos personagens, protagonistas e antagonistas, principais e
d)
secundários, bem como a relação entre eles);
Roteiro do primeiro episódio e arco completo da série (descrição da estrutura narrativa de toda a
e) temporada, incluindo o conjunto de arcos episódicos e dos personagens, e suas relações com o arco geral
da série – entre 3 e 5 páginas);
f) Sinopses da totalidade de episódios;
g) Orçamento e plano de financiamento;
Folheto de comercialização (apresentação da série para aquisidores diagramado em formato A4 frente e
h)
verso, colorido);
Folheto de comercialização (apresentação do demo jogável para aquisidores diagramado em formato A4
i)
frente e verso, colorido, versões em português e inglês) (OPCIONAL).
Fonte: BRDE

Os Quadros 11 a 16 descrevem as entregas obrigatórias, ao final do desenvolvimento. De


acordo com a tipologia de projetos, alguns itens sofrem variação como objeto e estratégia de
abordagem, demandas específicas para séries documentais (Quadro 11), cenários no caso de
projetos de animação (Quadros 13 e 16), dinâmicas e arranjos originais de criação técnica,
artística e econômica quando se tratar de formato de obra seriada (Quadro 14). Em todas as
modalidades de projeto é obrigatório apresentar conceito, roteiro25, orçamento, plano de
financiamento e folheto de comercialização.

QUADRO 13 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao


desenvolvimento do projeto de Obra Seriada de Animação
(continua)
Informação
a) Capa (contendo título, nome dos criadores e nome da empresa proponente);
Conceito da série (tema de fundo, premissa, gênero dramático, enredo-base, descrição dos aspectos
b) estéticos relevantes à narrativa (estilo visual, técnica a ser utilizada, tom de atuação, direção de arte,
efeitos especiais etc.) e público alvo);
c) Universo (apresentação das leis que controlam e orientam as ações dos personagens, sejam elas físicas,
psicológicas ou sociais, revelando o que é possível e impossível a eles);
Personagens (descrição detalhada dos personagens, protagonistas e antagonistas, principais e
d)
secundários, bem como a relação entre eles);
Cenário (mínimo de 5 cenários desenhados) e model sheet de cada personagem principal (mínimo de 5
e)
expressões faciais e 5 posições de corpo inteiro);
Roteiro do primeiro episódio e arco completo da série (descrição da estrutura narrativa de toda a
f) temporada, incluindo o conjunto de arcos episódicos e dos personagens, e suas relações com o arco
geral da série – entre 3 e 5 páginas);


25
Nos projetos documentais não se entrega roteiro, mas objeto e estrutura
57


QUADRO 13 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao
desenvolvimento do projeto de Obra Seriada de Animação
(conclusão)
Informação
g) Sinopses da totalidade de episódios;
h) Orçamento e plano de financiamento;
Folheto de comercialização (apresentação da série para aquisidores diagramado em formato A4 frente e
i)
verso, colorido);
Folheto de comercialização (apresentação do demo jogável para aquisidores diagramado em formato
j)
A4 frente e verso, colorido, versões em português e inglês) (OPCIONAL).
Fonte: BRDE

QUADRO 14 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao


desenvolvimento do projeto de Formato de Obra Audiovisual
Informação
a) Capa (contendo título, nome dos criadores e nome da empresa proponente);
Conceito do formato (premissa e abordagem geral a tema, tom, dinâmicas de interação dos personagens
b)
reais participantes, direção de arte e público alvo);
c) Personagens (descrição detalhada dos perfis dos personagens reais participantes e do apresentador, se
for o caso);
Dinâmicas (descrição detalhada das dinâmicas pré-determinadas de interação entre os personagens reais
d)
participantes);
Arranjos originais de criação técnica, artística e econômica (modelo de negócio desenvolvido para
e)
colocação de marca, produto ou serviço e contratos de parceria);
f) Sinopses detalhadas da totalidade de episódios;
g) Escaleta de cada episódio;
h) Orçamento e plano de financiamento;
Folheto de comercialização (apresentação da série para aquisidores diagramado em formato A4 frente e
i)
verso, colorido);
Folheto de comercialização (apresentação do demo jogável para aquisidores diagramado em formato
j)
A4 frente e verso, colorido, versões em português e inglês) (OPCIONAL).
Fonte: BRDE

QUADRO 15 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao


desenvolvimento do projeto de Obra Não Seriada de Ficção
Informação
a) Capa (contendo título, nome dos criadores e nome da empresa proponente);
Conceito da série (tema de fundo, premissa, gênero dramático, enredo-base, descrição dos aspectos
b) estéticos relevantes à narrativa (decupagem, tom de atuação, fotografia, som, direção de arte, efeitos
especiais etc.) e público alvo);
c) Universo (apresentação das leis que controlam e orientam as ações dos personagens, sejam elas físicas,
psicológicas ou sociais);
Personagens (descrição detalhada dos personagens, protagonistas e antagonistas, principais e
d)
secundários, bem como a relação entre eles);
e) Roteiro;
f) Orçamento e plano de financiamento;
Folheto de comercialização (apresentação para aquisidores diagramado em formato A4 frente e verso,
g)
colorido);
Folheto de comercialização (apresentação do demo jogável para aquisidores diagramado em formato
h)
A4 frente e verso, colorido, versões em português e inglês) (OPCIONAL).
Fonte: BRDE
58

QUADRO 16 - Conjunto de informações a serem apresentadas posteriormente ao


desenvolvimento do projeto de Obra Não Seriada de Animação
Informação
a) Capa (contendo título, nome dos criadores e nome da empresa proponente);
Conceito (tema de fundo, premissa, gênero dramático, enredo-base, descrição dos aspectos estéticos
b) relevantes à narrativa (estilo visual, técnica a ser utilizada, tom de atuação, direção de arte, efeitos
especiais etc.) e público alvo);
c) Universo (apresentação das leis que controlam e orientam as ações dos personagens, sejam elas físicas,
psicológicas ou sociais, revelando o que é possível e impossível a eles);
Personagens (descrição detalhada dos personagens, protagonistas e antagonistas, principais e
d)
secundários, bem como a relação entre eles);
Cenário (mínimo de 5 cenários desenhados) e model sheet de cada personagem principal (mínimo de 5
e)
expressões faciais e 5 posições de corpo inteiro);
f) Roteiro
g) Orçamento e plano de financiamento;
Folheto de comercialização (apresentação para aquisidores diagramado em formato A4 frente e verso,
h)
colorido);
Folheto de comercialização (apresentação do demo jogável para aquisidores diagramado em formato
i)
A4 frente e verso, colorido, versões em português e inglês) (OPCIONAL).
Fonte: BRDE

4.3.3 A viabilização de projetos como meta

Uma vez contemplada, a proponente de um Núcleo assume também o compromisso


de resultado, ou seja, o de viabilizar a produção de, no mínimo, dois de seus projetos
desenvolvidos. Caso a meta não seja alcançada, a produtora não poderá habilitar-se em
novas chamadas públicas de desenvolvimento (BRDE, 2014a.). Viabilizar um projeto
audiovisual significa reunir todas as condições necessárias para produzir a obra, o que
inclui garantias de financiamento do custo de produção.
Em 2016, o FSA lançou o edital Prodav 13 para seleção de propostas de renovação
de Núcleos Criativos (BRDE, 2016). Podem se inscrever somente produtoras que já
tenham sido contempladas por um edital Prodav 03 e que comprovem a viabilização da
produção do mínimo de dois projetos. Esta chamada Pública elenca os documentos que
serão necessários para comprovar a viabilização para que a candidatura à renovação seja
deferida:
a) Aprovação da análise complementar26 dos projetos de produção derivados do
desenvolvimento do Núcleo Criativo; ou
b) Aprovação dos projetos de produção derivados do desenvolvimento do
Núcleo Criativo em chamadas públicas do FSA destinadas à produção
audiovisual, realizadas pelo BRDE por meio de processo seletivo; ou


26
Conforme Instrução Normativa da Ancine nº 125, a análise complementar só pode ser solicitada quando
comprovada a garantia de financiamento de no mínimo 20% do valor total do orçamento de produção
59

c) Na ausência de projeto de produção com recursos incentivados aprovado pela


ANCINE, garantia de financiamento de no mínimo 20% (vinte por cento) do
valor do orçamento de produção apresentado. (BRDE, 2016, p. 7)

A definição destas três opções nos permite concluir que o conceito de viabilidade para
o FSA está diretamente relacionado ao caráter econômico, ao plano de financiamento da
produção das obras audiovisuais e à capacidade do proponente de alavancar os recursos
necessários para levar a história do papel às telas. Quando um Núcleo viabiliza seus projetos,
isto significa que ele alcançou êxito no mercado, pois conseguiu articular de forma adequada
todos os profissionais envolvidos no processo criativo e os recursos financeiros de modo
efetivo, ao mesmo tempo em que tornou-se apto a solicitar novo investimento, de R$ 1 milhão,
para desenvolver nova cartela de projetos e manter ativo o fluxo de criação e produção.
Se considerarmos que os recursos para produzir um filme ou uma série encontram-se,
majoritariamente, em fontes externas à produtora, na esfera pública na qual estão o FSA, editais
do Minc, de secretarias estaduais e municipais de cultura, bem como na esfera privada onde
encontram-se patrocinadores, investidores, canais de TV e distribuidoras que podem, ou não,
utilizar mecanismos de fomento indireto, bem como plataformas de streaming e coprodutores
internacionais que investem recursos próprios, é possível concluir que a obtenção de recursos
para produzir uma obra audiovisual depende de uma interseção entre o ambiente interno da
produtora e o externo. De que forma as produtoras mobilizam as competências técnicas,
artísticas e de produção, ainda na etapa do desenvolvimento, para criar o elo com demais
agentes do mercado e formalizar parcerias que irão garantir a produção, exibição e
comercialização de seus projetos? Encontra-se aqui uma das questões centrais desta pesquisa,
que será abordada a partir do resultado das entrevistas realizadas com líderes de núcleos do
Prodav 03/2013.
60

5 AS DINÂMICAS INTERNAS DOS NÚCLEOS

A modalidade de desenvolvimento de Núcleo Criativo, definida pela chamada pública


Prodav 03, demanda a estruturação de uma equipe cujo trabalho deve estar ancorado em uma
metodologia a ser conduzida por um líder para que sejam cumpridos todos os compromissos
assumidos pela produtora ao ser contemplada pelo investimento do FSA. Ao final do processo,
respeitada a tipologia de cada projeto, deverão ser entregues todos os itens exigidos - conforme
detalhado nos quadros de 11 a 16 - entre eles: conceito, universo, personagens, cenários, roteiro,
orçamento de produção, plano de financiamento e folheto de comercialização.
Apesar do cumprimento do objeto ser a entrega destes itens ao FSA dentro do prazo
de 24 meses após o recebimento do investimento, o principal norte de todo o trabalho a ser
executado é a viabilização da produção das obras desenvolvidas e, consequentemente, seu
lançamento comercial e consumo por parte de uma audiência. Desta forma, o núcleo torna-se
um ambiente de interações onde as características dos participantes, a forma como atuam e
interagem entre si e com os conteúdos textuais influenciam o resultado final.
O ponto de partida deste capítulo é a composição das cartelas dos núcleos e as razões
que podem ter determinado a escolha dos tipos de projetos, bem como os segmentos iniciais
de mercado. Será abordada também a qualificação técnica dos profissionais entrevistados,
formação acadêmica, funções já desempenhadas no setor audiovisual e outras experiências.
Serão consideradas ainda a dinâmica de interação entre os líderes e as equipes que eles
conduziram, aspectos da metodologia que empregaram no exercício da liderança e as
reflexões que podem ter ao fazer uma retrospectiva do trabalho que realizaram.

5.1 A COMPOSIÇÃO ESTRATÉGICA DE UMA CARTELA DE PROJETOS

Uma carteira de projetos só pode ser inscrita por uma produtora brasileira
independente, devidamente constituída e registrada na Ancine. Desta forma, antes mesmo de
ter seu núcleo selecionado pelo FSA para receber investimento, a produtora é confrontada
com a necessidade de tomar decisões estratégicas relacionadas ao desenvolvimento pois ele “é
o momento inicial e crucial quando o produtor tem que decidir sobre duas questões
fundamentais: qual filme fazer e como fazê-lo” (PARDO, 2002, p. 52, tradução nossa). Em
relação ao núcleo, era preciso decidir para quais segmentos de mercados seriam os projetos
(sala de exibição, televisão ou VOD), o formato (obra seriada ou longa-metragem) e a
tipologia (ficção, documentário ou animação).
61

QUADRO 17 – Cartelas de projetos dos Núcleos Criativos


(continua)
Destinação
Produtora UF Título Status Formato Tipologia
Inicial
Sala de
A Herança Viabilizado Longa Ficção
Exibição
Sala de
Povo da Mata Não Viabilizado Longa Ficção
Exibição
Fronteiras de Sala de
Não Viabilizado Longa Ficção
TV Norte Sangue Exibição
PA
Independente Obra
A Agência Não Viabilizado Televisão Ficção
Seriada
Amazônia Obra
Não Viabilizado Televisão Documentário
Criativa Seriada
Amazônia Obra
Não Viabilizado Televisão Documentário
Revelada Seriada
Obra
Papaya Bull Viabilizado Televisão Animação
Seriada
Produzido e
Obra
3% lançado Televisão Ficção
Seriada
comercialmente*
Produzido e
Obra
Núcleos NÃO Renovados

Zoo da Zu lançado Televisão Ficção


Boutique Seriada
SP comercialmente*
Filmes
Obra
Bia Explica Não Viabilizado Televisão Ficção
Seriada
Obra
História Secreta Não Viabilizado Televisão Ficção
Seriada
Obra
P2 Não Viabilizado Televisão Ficção
Seriada
Obra
Roda de Choro Viabilizado Televisão Documentário
Seriada
A Viagem das Obra
Não Viabilizado Televisão Animação
Salamandras Seriada
Além das Obra
Não Viabilizado Televisão Documentário
Palavras Seriada
Niketche a Rainha Obra
Não Viabilizado Televisão Ficção
Polo MS das Rivais Seriada
Cinema e SP
Glimp & Obra
Vídeo Não Viabilizado Televisão Animação
Badunski Seriada
Obra
No Banco de Trás Não Viabilizado Televisão Ficção
Seriada
Estranhos do Obra
Não Viabilizado Televisão Animação
Paraíso Seriada
Confluências Não Viabilizado
Obra
Musicais - a (projeto Televisão Documentário
Seriada
Melodia do Plata substituído) **



62

QUADRO 17 – Cartelas de projetos dos Núcleos Criativos


(continua)
Destinação
Produtora UF Título Status Inicial Formato Tipologia
Frequência Obra
Viabilizado Televisão Ficção
Positiva Seriada
Derrapada Viabilizado Sala de Longa Ficção
Exibição
Obra
Mochila Não Viabilizado Televisão Documentário
Seriada
Ernesto, o
Exterminador de
Obra
seres Monstruosos Não Viabilizado Televisão Ficção
(e outras Seriada
3 Tabela RJ
porcarias)
Filmes Odisseia (ex
Ulisses e a Não Viabilizado Televisão Obra Ficção
Odisseia do Seriada
Terceirão)
Não Viabilizado Obra
Diário Público (projeto Televisão Ficção
Seriada
substituído) **
Não Viabilizado
Infância Brasileira (projeto Televisão Obra Documentário
Seriada
substituído) **
Obra
Homo Brasilis Viabilizado Televisão Seriada Documentário
Obra
Queimamufa! Viabilizado Televisão Ficção
Seriada
Marcadas para Viabilizado Televisão Obra Documentário
Morrer Seriada
Obra
Corumbá Não Viabilizado Televisão Ficção
Núcleos Renovados

Seriada
Obra
Giros RJ Dias de Vitória Não Viabilizado Televisão Ficção
Seriada
Obra
Jota o Bichoglota Não Viabilizado Televisão Ficção
Seriada
Não Viabilizado
Obra
Vida Real (projeto Televisão Ficção
Seriada
substituído) **
Não Viabilizado
Desde que o Obra
(projeto Televisão Ficção
Samba é Samba Seriada
substituído) **
Sala de
Cora (ex Antônio) Viabilizado Longa Ficção
Exibição
Sala dos Viabilizado Televisão Obra Ficção
Roteiristas Seriada
Antes Tarde do Sala de
que Nunca Viabilizado Exibição Longa Ficção
Desde que o Sala de
Não Viabilizado Longa Ficção
Samba é Samba Exibição
Sala de
Rancho Paraíso Não Viabilizado Longa Ficção
Exibição
Mira Filmes SP Eu Quero Ter 1
Milhão de Obra
Não Viabilizado Televisão Ficção
Amigos (2ª Seriada
temporada)
Sala de
Amanhã eu Conto Não Viabilizado Longa Ficção
Exibição
Não Viabilizado
Obra
Sexo Casual (projeto Televisão Ficção
Seriada
substituído) **
Não Viabilizado Obra
O Confessionário (projeto Televisão Ficção
Seriada
substituído) **
63

QUADRO 17 – Cartelas de projetos dos Núcleos Criativos

(conclusão)
Destinação
Produtora UF Título Status Inicial Formato Tipologia
Cidades Obra
Viabilizado Televisão Documentário
Fantasmas Seriada
Quem é a Sala de
Primavera das Viabilizado Longa Documentário
Exibição
Neves
Nada a Perder Não Viabilizado Televisão Obra Ficção
Núcleos Renovados

Seriada
Obra
Casa de A Todo Volume Não Viabilizado Televisão Ficção
Seriada
Cinema de RS Fuinha e Obra
Não Viabilizado Televisão Ficção
Porto Alegre Caçapava Seriada
Sala de Longa-
Baby 7 Não Viabilizado Ficção
Exibição Metragem
Não Viabilizado
Decoração Obra
(projeto Televisão Documentário
Popular Seriada
substituído) *
Não Viabilizado
Obra
O Harem (projeto Televisão Ficção
Seriada
substituído) *
Fonte: Ancine. Elaborado pela autora
* Projetos que foram produzidos e lançados comercialmente, mas através de modelo de financiamento e de
direitos patrimoniais incompatíveis com a definição de obra brasileira de produção independente, razão pela qual
não puderam ser contabilizados como viabilizados
** O edital permitia a substituição de projetos. Para tanto, era preciso submeter a solicitação ao FSA e apresentar
o novo projeto que seria incluído na cartela. Uma vez aprovada a troca, o projeto substituído deixava de
constituir a cartela e não seria mais contabilizado para aferição de viabilização.

O Quadro 17 nos mostra que entre os núcleos que não viabilizaram o mínimo de
dois quintos dos projetos27 para se inscrever no edital de renovação – Prodav 13/2016 -, houve
uma predominância de séries para TV, sendo 17 no total, contra apenas três longas para
cinema. A prevalência de propostas para televisão também é verificada entre os núcleos que
obtiveram a renovação do investimento. Entre os 32 títulos, 24 possuem como destinação
inicial o mercado televisivo e nove são para salas de exibição.
É interessante considerar que as inscrições para o primeiro edital de Núcleos
Criativos foram encerradas em 10 de março de 2014. Naquele momento, o mercado estava
sendo impactado pela Lei 12.485 - que entrou em vigor em 2011 e foi regulamentada pela
Instrução Normativa nº 100 da Ancine em maio de 2012 - e estabeleceu cota obrigatória de
conteúdo brasileiro e também independente a ser cumprida por canais de TV paga. Entre os
anos de 2012 e 2014, conforme dados da Ancine (ver Tabela 1) o volume de horas de
programação brasileira no GNT teve um aumento de 16,5% e entre os demais canais


27
Até o momento de conclusão desta pesquisa, os Núcleos Criativos das produtoras TV Norte Independente e
Polo MS de Cinema não haviam reunido as condições exigidas para comprovar a viabilização de no mínimo dois
quintos de seus projetos. Os projetos não viabilizados continuam em prospecção e, se conseguirem o
financiamento mínimo exigido para a etapa de produção, suas respectivas produtoras poderão se inscrever no
edital de renovação Prodav 13/2016.
64

monitorados este aumento foi de 31,2%. Portanto, é compreensível que muitas apostas
tenham sido feitas em projetos para televisão, um espaço que, claramente, estava se
ampliando para o conteúdo brasileiro e também independente.
A análise da composição das cartelas e dos status dos projetos evidencia outro fato
pertinente: entre os núcleos que não obtiveram a renovação do investimento, todos
conseguiram viabilizar ao menos uma de suas propostas. TV Norte Independente (PA) obteve
êxito na captação de recursos para produzir o longa de ficção A Herança, Polo MS de Cinema
(SP) viabilizou a série documental Roda de Choro, e a Boutique Filmes (SP) produziu e
lançou a série de animação Papaya Bull. Além desta obra, a Boutique Filmes realizou
também as séries ficcionais 3% e Zoo da Zu para o público infanto-juvenil. Contudo, o
financiamento da produção destas duas últimas, bem como a titularidade de seus direitos
patrimoniais, não permite que elas sejam classificadas como obras brasileiras independentes,
condição obrigatória para que a obra seja considerada viabilizada perante o FSA, como
explica o líder Tiago Mello:
A gente foi muito exitoso, talvez seja o Núcleo que teve mais resultado [...], mas por
outro lado a gente não fez as negociações com recurso público. A gente não
produziu as coisas com recurso público, então a gente não enquadrou na regra,
exatamente, do FSA28. (MELLO, 2018)

Jorane Castro, líder do núcleo da TV Norte Independente (PA), expõe a razão que
motivou a formação de uma cartela com três projetos para cinema e três para televisão:
(A TV Norte) é uma dessas produtoras que tá começando no conteúdo, [...] que
sempre fez campanha, que sempre fez publicidade pra atender o mercado local. Tava
se posicionando como uma produtora de conteúdo. [...] a gente apostou em dar uma
diversificada, [...] ter uma possibilidade no cinema, três projetos no cinema, e
também três projetos pra televisão, sendo que um de ficção e duas (séries) de
documentário. [...]. Na verdade era assim, tipo fazer (uma) aposta em vários
formatos e ver qual seriam os mais bem desenvolvidos e o que poderia,
eventualmente, ter o lançamento mais certo29. (CASTRO, 2018)

A fala de Castro demonstra que a diversidade de tipos de projetos já considerava a


possibilidade de produção e lançamento das obras. Neste sentido, foi feita uma aposta na em
tipologias diferentes com o intuito de ter chances tanto no segmento de TV quanto no de salas
de exibição.
Já o líder da Polo MS de Cinema, Joel Pizzini, descreve uma estratégia bem
diferente, que conduziu à elaboração de uma carteira composta, exclusivamente, de propostas


28
MELLO, Thiago Gomes de. Entrevista concedida a Raquel Leiko Machado Maruyama. São Paulo/Rio de
Janeiro, 10 dez. 2018.
29
CASTRO, Jorane Ramos de. Entrevista concedida a Raquel Leiko Machado Maruyama. Belém/Rio de
Janeiro, 12 nov. 2018
65

de séries para TV. Segundo ele, esta opção foi influenciada pela Lei 12.485 - que entrou em
vigor em 2011 e foi regulamentada pela Instrução Normativa nº 100 da Ancine em maio de
2012 - e estabeleceu cota obrigatória de conteúdo brasileiro e também independente a ser
cumprida por canais de TV paga.
[...] eu, particularmente, achava que [...] haveria uma ênfase na televisão, por isso a
opção por séries. [...] apostando que... é, duma legislação mais favorável. [...] eu
achava que isso [...] seria quase restritivo, sabe, para o cinema, que isso ia induzir,
de alguma maneira, o mercado a optar só por este tipo de conteúdo, mais voltado pra
televisão. Mas eu percebi depois que não era bem assim também30. (FILHO, 2019)

Para a Boutique Filmes, cujos projetos eram todos de séries ficcionais para TV, a
composição da cartela teve uma relação significativa com a experiência profissional de seu
líder e sócio fundador, Tiago Mello:
[...] naquela época a empresa tava começando [...] era o que a gente trabalhava [...].
Infantil a gente sempre foi muito forte e a gente tava começando a trabalhar com
essa coisa de fazer ficção científica, a gente queria fazer, então são dois projetos. E
animação também que é uma coisa que historicamente eu trabalhei bastante [...], eu
fiz o Sítio do Pica-Pau Amarelo, fiz a primeira coprodução Brasil-Canadá que
chama Escola pra Cachorro, pra televisão [...] são coisas que já tava no DNA da
Boutique. (MELLO, 2018)

Mello faz ainda um paralelo entre os projetos que seriam desenvolvidos e a audiência
que gostariam de alcançar:
[...] a gente queria fazer coisas que alcançassem grandes audiências, que viajassem
pra outros países.
[...] histórias que sejam surpreendentes pras pessoas, pra quem tá vendo, [...] sempre
teve essa vontade de contar uma boa história também. (MELLO, 2018)

A pertinência do público alvo é algo encontrado também na definição da cartela da 3


Tabela Filmes, como esclarece Flávia Lins e Silva (2018)31: “[...] foram cinco projetos de
cinco pessoas diferentes, agregados para virar um núcleo infantil. ”
Em relação à destinação inicial das obras desenvolvidas, outra produtora que apostou
somente no segmento de televisão foi a Giros, com sede no Rio de Janeiro, e a viabilidade dos
projetos também foi um quesito determinante, como informa o líder Flávio Tambellini:
[...] Foram projetos especificamente para TV fechada [...] e o critério (era) dos projetos
em que se acreditava mais na viabilidade deles, [...] os projetos que tavam (sic) mais
prontos, cujos roteiros, cujas ideias estavam mais desenvolvidas e que se achava que
tinha uma possibilidade de replicar para outras temporadas, o critério foi esse.
(TAMBELLINI, 2018)32


30
FILHO, Joel Pizzini. Entrevista concedida a Raquel Leiko Machado Maruyama. Rio de Janeiro, 25 jan. 2019
31
SILVA, Flávia Lins e. Entrevista concedida a Raquel Leiko Machado Maruyama. Porto/Rio de Janeiro, 21
nov. 2018
32
TAMBELLINI, Flávio Ramos. Entrevista concedida a Raquel Leiko Machado Maruyama. Rio de Janeiro, 21
nov. 2018
66

O foco na viabilização foi diretamente citado por quatro dos sete entrevistados, sendo
dois líderes entre os núcleos não renovados e dois no grupo que obteve êxito na renovação do
investimento. Esta abordagem situa, já na etapa do desenvolvimento, a preocupação não
apenas com a história que se quer contar, mas também com as possibilidades de viabilização
financeira do projeto como foi o caso, também, para a produtora paulista Mira Filmes. Ela foi
a primeira a concluir o desenvolvimento de seus projetos e a formalizar o segundo contrato de
investimento com o FSA para desenvolver uma nova carteira. Fundada por Gustavo Rosa, e
tendo como líder Leonardo Levis, também sócio, a empresa inscreveu uma cartela com sete
projetos de ficção. Ambos externaram a importância de considerar as possibilidades de
financiamento da produção de um projeto antes mesmo de inseri-lo na cartela:
[...] pra gente achar que vale a pena colocar o projeto lá, a gente tem que achar que é
viável e pra achar que é viável, a gente tem que fazer um planejamento de
viabilização dele no final das contas. (LEVIS, 2018)33.

[...] a gente tem que começar achando que vai (viabilizar).


Na verdade o plano de financiamento vem antes até. Plano de financiamento e a
ordem de grandeza, vamos chamar assim, são coisas que a gente discute na origem.
Então a gente fala assim: Estamos fazendo o quê aqui? Estamos falando de um filme
de quanto mais ou menos? Esse quanto, como ele existe? Da onde que você
consegue juntar esse quanto? (ROSA, 2018)34.

Rosa aborda a estratégia de pensar o financiamento ao citar o exemplo dos filmes Cora e
Antes Tarde do que Nunca - ambos já filmados e com lançamento previsto para o ano de 2019.
[…] o Cora era um projeto claramente mais experimental, mais de arte. Então a gente
falou: - Bom, não pode ser um projeto caro, a força dele é ser um filme barato, um filme
que você consiga viabilizar com o que a gente chamava de um dinheiro. Então a gente
sabia que ele era um filme que não podia passar, de jeito nenhum, de um milhão de reais,
era um filme abaixo de um milhão. Mais que um BO. […] e aí a gente, já tendo isso em
mente, sabe, quando tá escrevendo um roteiro, que também é um roteiro pra mais ou
menos nesse tamanho e o plano de financiamento dele, obviamente, passa por editais que
valorizam filmes mais de arte, mais experimentais. E não são muitos. Aí você olha lá e
fala: - Ah, pode ser o fomento do estado, pode ser o Prodecine 5, pode ser a Spcine. […]
E aí esse é o plano pra ele. Não tem muitas possibilidades. Aí você tem um projeto maior
tipo o Antes Tarde, que precisa um elenco, é uma história que envolve muito mais
produção e tudo, beleza, é um filme maior, já é um filme […] de alguns milhões, quatro
milhões e pouco e tal, aí então você pega e fala assim: - Bom, esse filme […] cabe num
artigo 3º, que é o caso do que a gente acabou fazendo, então isso tava desde o início. A
gente sabia que o Antes Tarde era um filme pra ser feito com outro tamanho. (ROSA,
2018)

Nos dois casos citados por Rosa, a estratégia de financiamento inclui recursos
públicos. Percebe-se que o produtor que, como veremos mais à frente, atuou junto com o líder
na condução do desenvolvimento, conhece os mecanismos de financiamento de obras

33
LEVIS, Leonardo. Entrevista concedida a Raquel Leiko Machado Maruyama. São Paulo/Rio de Janeiro, 5
dez. 2018
34
MOURA, Gustavo Rosa de. Entrevista concedida a Raquel Leiko Machado Maruyama. São Paulo/Rio de
Janeiro, 5 dez. 2018
67

audiovisuais existentes no Brasil como o artigo 3º da Lei do Audiovisual, os editais para


produção do FSA e as fontes estaduais.
O financiamento da produção audiovisual via fontes públicas federais, estaduais e
mesmo municipais é uma realidade do setor. Dias e Souza (2010, p. 28) afirmam que “no
Brasil, ainda não há muitas formas de financiamento de um filme – a Lei do Audiovisual
permite a dedução fiscal das empresas. Você ainda não conhece os benefícios da Lei 8.685, de
20 de julho de 1993? Hora de estudá-la. Os artigos 1º e 3º são os principais”. O recurso a
fontes de fomento direto e indireto – este último via leis de incentivos fiscais -, pelo setor
cultural não é uma exclusividade brasileira. Estados Unidos, onde “desde 1936, as empresas
beneficiam-se de deduções fiscais de verbas destinadas a organizações sem fins lucrativos”
(REIS, 2007, p. 175), França e Grã-Bretanha são exemplos de países ocidentais que possuem
políticas públicas para o setor cultural (BENHAMOU, 2007).
A realidade do mercado audiovisual brasileiro, as possibilidades de captação de
recursos para a viabilização das obras e o desejo de produzir conteúdos que se conectem com
uma audiência foram itens que permearam a fala dos líderes entrevistados. Desde o
desenvolvimento é necessário compreender o cenário do mercado no qual se está inserido,
qual público se pretende atingir, através de quais histórias e como, do ponto de vista
econômico, será possível completar todo este percurso.

5.2 QUALIFICAÇÃO TÉCNICA DOS LÍDERES

Quando se fala de desenvolvimento de uma obra audiovisual, é importante


considerar que uma das ações centrais é a escritura de roteiro.
Para escrever um roteiro, é preciso uma ideia. Algo tão simples e complexo. [...] A
ideia é um processo mental, fruto da imaginação, do encadeamento das ideias surge
a criatividade. Ideia e criatividade estão na base da confecção da obra artística.
(COMPARATO, 1996, p. 72)

A criatividade é um elemento inerente ao processo de escritura e nessa perspectiva os


indivíduos envolvidos nesta etapa, mesmo aqueles cuja função não seja produzir os textos em
si mas que o influenciam de alguma forma, de acordo com a abordagem de Florida (2012)
pertencem à classe criativa cujo núcleo inclui “pessoas da ciência e engenharia, arquitetura e
design, educação, artes, música e entretenimento, cuja função econômica é criar novas ideias,
novas tecnologias e novos conteúdos criativos” (FLORIDA, 2012, p. 8, tradução nossa).
O texto do edital Prodav 03/2013 não apresenta uma definição precisa do que seria
um líder e não delimita uma categoria profissional à qual ele deva pertencer. A minuta de
68

contrato anexa ao texto da chamada pública define que a pessoa que irá ocupar esta função
deve ter “larga experiência em desenvolvimento de projetos”. (BRDE, 2014, p. 21). Desta
forma, mapeamos a qualificação técnica dos líderes que participaram deste estudo
subdividindo-a em formação acadêmica, funções exercidas em projetos audiovisuais e outras
experiências.
Através do Quadro 18 observa-se que todos possuem ensino superior completo na
área de ciências humanas. Entre eles, apenas dois possuem formação acadêmica em Cinema:
Jorane Castro, líder do núcleo da produtora paraense TV Norte Independente, e Leonardo
Levis, líder do núcleo da Mira Filmes, empresa com sede na cidade de São Paulo.

Quadro 18 – Qualificação técnica dos líderes


Funções exercidas em
Entrevistado (a) Formação Acadêmica Outras experiências
projetos audiovisuais
• Roteirista • Professora do Curso de
• Graduação e
Jorane Castro • Diretora Cinema da Universidade
Mestrado em Cinema
• Produtora Federal do Pará
• Membro da International
Líderes de Núcleos Não Renovados

• Graduação em • Roteirista
Thiago Gomes de Academy of Television
Comunicação Social • Diretor de Conteúdo
Mello Arts & Sciences
– Jornalismo • Produtor
(International Emmy)
• Diretor da Fundação de
Cultura de Campo Grande
• Graduação em
• Curador de mostras de
Engenharia Civil –
cinema
não concluída • Roteirista
• Professor no curso de
• Graduação em • Assistente de direção
Joel Pizzini Filho cinema da PUC
Comunicação Social • Diretor
• Professor do curso Cinema
– Jornalismo • Produtor
de Arte, no Parque Lage
• Graduação em
• Criação de performances e
Ciências Sociais
instalações de artes
plásticas
• Graduação em • Roteirista
Flávia Lins e Silva Comunicação Social • Diretora • Autora de livros infantis
– Jornalismo • Produtora
Líderes de Núcleos Renovados

• Roteirista
• Graduação em • Crítico de cinema
Flávio Ramos • Assistente de Direção
Economia e • Professor da Escola de
Tambellini • Diretor
Sociologia Cinema Darcy Ribeiro
• Produtor
• Roteirista
• Graduação em • Professor no curso de
Gilberto José Pires • Assistente de Direção
Comunicação Social Realização Audiovisual da
de Assis Brasil • Diretor
– Jornalismo Unisinos
• Montador
• Roteirista
• Graduação em
Leonardo Levis • Diretor • Crítico de cinema
Cinema
• Produtor
Fonte: Elaborado pela autora
69

Nota-se que quatro profissionais são provenientes do jornalismo. Um dos aspectos


abordados pelos próprios líderes para explicar este caminho é o fato de cursos universitários
de cinema serem relativamente recentes. Gilberto Assis Brasil, que faz parte do Núcleo da
Casa de Cinema de Porto Alegre (RS), destaca que “faz quinze anos que existe curso de
audiovisual aqui no Rio Grande do Sul, que é o curso que eu dou aula, lá na Unisinos”
(BRASIL, 2018). Joel Pizzini, afirma que começou “estudando jornalismo. Cinema ainda era
uma coisa muito (distante). [...] eu fui criado, em Mato Grosso do Sul, Dourados, onde eu
fiquei até os quinze anos [...] não conhecia os caminhos da formação” (FILHO, 2019).
Em 1982, o roteirista Doc Comparato lançou o livro Da Criação ao Roteiro no qual
ele constata que “a maioria dos roteiristas profissionais não provém das faculdades de Letras
ou dos jornais. Conheço médicos, advogados, comerciantes de vinhos e até matemáticos que,
com muito êxito se dedicam a escrever roteiros” (COMPARATO, 1996, p. 352). Apesar deste
cenário, o próprio Comparato (1996), que é formado em medicina, já apontava uma possível
mudança de cenário com o aparecimento de cursos e pós-graduações voltados para roteiros e
dramaturgia em uma resposta à demanda do mercado e a uma certa redescoberta da profissão.
Se compararmos o perfil dos líderes com o cenário apontado por Comparato no momento de
publicação da primeira edição de seu livro, podemos ver uma diferença: na amostra com a
qual trabalhamos, nenhum profissional é originário da área de saúde ou exatas. Prevalece a
formação em ciências humanas e o jornalismo é a base de boa parte destes profissionais.
Em relação às funções já desempenhadas em projetos audiovisuais, destaca-se o fato
de que todos os líderes atuaram em roteiro, direção e produção. Destaca-se o perfil de
Gilberto Assis Brasil, cuja atividade principal é a de montador:
[…] desde 1984 que eu comecei a montar. Trabalhei com roteiro algum tempo
depois disso, mas desde que eu comecei a montar, nunca mais dirigi nada. Então, é
isso, eu sou montador, montei muito curtas […] depois da virada do século pra cá,
montei mais de vinte longas, cento e tantos episódios de produção. (BRASIL,
2018)35

Percebe-se ainda que quatro líderes também atuam em educação como professores de
cursos na área de cinema. A análise destes aspectos da qualificação técnica demonstra que,
entre os núcleos abordados nesta pesquisa, todos os líderes possuem uma experiência
profissional múltipla que vai além da habilidade em escritura de roteiros. “A produção de um
filme se refere a tudo que envolve fazer um filme, incluindo seu planejamento e captação dos
recursos” (RODRIGUES, 2005, p. 67). O produtor é um tomador de decisão, um


35
BRASIL, Gilberto José Pires de Assis. Entrevista concedida a Raquel Leiko Machado Maruyama. Porto
Alegre/Rio de Janeiro, 30 nov. 2018
70

empreendedor criativo e gerente de projetos “que deve manter o equilíbrio entre tempo, custo
e qualidade” (PARDO, 2002, p. 49, tradução nossa)
O exercício prévio da atividade de direção em projetos de curtas, longas ou séries por
parte dos líderes aporta competências substanciais que contribuem para o desenvolvimento de
projetos uma vez que a direção é:
[...] responsável pelo final das imagens no sentido artístico. A sua principal função é
apresentar da melhor maneira possível cada cena, em cada caso posicionando a
câmera com o objetivo de registrar de maneira eficaz cada ação e cada detalhe
dramaticamente importantes [...] a parte mais importante da direção envolve a
orquestração da ação filmada, assegurando que a ação e o diálogo, através dos
planos correspondam a uma certa visão do roteiro, criativamente transformando o
cenário em ação, luz e som. (RODRIGUES, 2005, p. 70)

O perfil dos líderes aqui mencionados é a convergência de uma formação


universitária na área de humanas, com experiências práticas em roteirização, produção,
direção e atividades profissionais também relacionadas ao audiovisual como professores em
cursos de cinema e críticos de cinema. O exercício de todas estas atividades faz com que, ao
longo de suas trajetórias, tenham participado em diferentes etapas da cadeia produtiva, do
desenvolvimento à comercialização, passando pela pré-produção, produção e finalização.
Na sequência, procuramos verificar de que forma a bagagem adquirida por estes
líderes influenciou suas atuações nos Núcleos Criativos, suas interações com a equipe e com o
material desenvolvido em si.

5.3 METODOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO

Em um núcleo criativo, entre outras ações, são desenvolvidas histórias que vão se
materializar em roteiros que servirão de base para a realização de séries e longas dos mais
variados tipos - documentais, ficcionais, de animação – e gêneros – comédias, dramas,
policias. A condução de um processo de desenvolvimento, e neste caso falamos da condução
do desenvolvimento de, no mínimo, cinco projetos em um período de dois anos, implica um
nível considerável de dinâmicas interpessoais e “a interação humana é muito mais complexa
do que a teoria da relatividade ou a das cordas, é claro, mas isso apenas tornou-a mais
interessante e importante.” (CATMULL, 2014, p. 79).
O próprio edital demandava, no ato da inscrição, que cada produtora apresentasse a
metodologia que iria balizar o trabalho a ser realizado. Durante as entrevistas, procurou-se
identificar quais eram as categorias profissionais envolvidas no processo e compreender de
que forma cada um dos núcleos se organizou internamente.
71

Quadro 19 – Equipe e metodologia


(continua)
Núcleo Equipe Metodologia
• Líder
• Sala de roteiristas que reunia todas as
• Roteiristas
equipes, de todos os projetos
• Roteiristas assistentes
• Trabalho remoto de escritura
TV Norte • Três pessoas da produtora na
Independente • Três etapas de consultoria nas quais o
formatação e produção executiva
consultor permanecia em Belém durante
• Duas pessoas da produtora na
uma semana para discutir todos os projetos,
administração
roteiros, personagens
• Consultor em desenvolvimento
• Líder/Produtor • Sala de roteiristas por projeto
Núcleos NÃO renovados

• Roteiristas • Um grupo para cada projeto, com quatro ou


Boutique Filmes • Diretores criativos cinco pessoas
• Pesquisadores • Cada projeto teve sua dinâmica
• Equipe técnica de desenho • Reuniões semanais
• Líder
• Jovens Roteiristas
• Diretores
• Sala de roteiristas para os projetos de
• Produtor
animação
• Diretor musical
Polo MS Cinema e • Reuniões presenciais regulares na produtora
• Ilustradores
Vídeo • Reuniões via Internet
• Pesquisadores
• Trabalho remoto escritura remoto
• Consultoras de roteiro
• Consultor em antropologia
• Equipe de produção para
realização de teaser
• Reuniões presenciais, quinzenais, no início
do desenvolvimento, entre a líder e a equipe
de cada projeto, durante um ou dois meses.
• Líder
• Script doctoring dos roteiros por parte da
Núcleos Renovados

• Roteiristas
3 Tabela Filmes líder
• Produtora
• Cada um era dono do seu projeto e tinha
• Colaboradores para os roteiros
liberdade para acatar, ou não, as sugestões
da líder
• Trabalho remoto de escritura
• Sala de roteiristas com expediente diário na
• Líder
produtora
Giros • Roteiristas
• Reuniões presenciais entre o líder e
• Produtor
roteiristas
• Grupos de três ou quatro roteiristas por
projeto
• Uma sala de roteiristas para cada projeto, na
sede da produtora
• Normalmente, os roteiristas de cada projeto
se reuniam na sala diariamente, na parte da
Núcleos Renovados

manhã ou da tarde
• Líder • Reunião geral, entre o líder, os roteiristas de
Casa de Cinema de • Roteiristas todos os projetos e os demais sócios da
Porto Alegre • Diretores produtora uma vez por semana, à noite,
• Produtora durante os quatro ou cinco primeiros meses.
Após este período, ela passou a ser uma
reunião mensal.
• O trabalho de escritura de cada grupo de
roteiristas, além do acompanhamento do
líder, tinha também o acompanhamento de
um dos outros dois sócios da produtora que
periodicamente se reunia com a equipe
72

Quadro 19 – Equipe e metodologia


(conclusão)
Núcleo Equipe Metodologia
• Sala de roteiro com presença diária da
equipe fixa da Mira formada pelo líder,
roteiristas, produtor e diretores
• Líder • Lógica de troca e colaboração: roteiros
Núcleos Renovados

• Produtores passaram por muitas mãos para serem lidos


• Roteiristas fixos da produtora e comentados. Receberam um escrutínio
Mira Filmes • Roteiristas atrelados a projetos grande.
específicos • Pirâmide de base larga: houve um trabalho
• Diretores intenso na escritura e reescritura de
• Designer argumentos e escaletas. Dessa forma, o
roteiro só começava a ser desenvolvido
quando o projeto estivesse sólido e com uma
expectativa mais concreta de realização
Fonte: Elaborado pela autora

A composição de equipe de cada núcleo variou de acordo com os projetos que foram
desenvolvidos, como foi o caso da Polo MS de Cinema e Vídeo que contou com um consultor em
antropologia para a obra documental Além das Palavras - cujo tema era a comunicação não verbal
-, e um diretor musical para a série Roda de Choro. A Boutique Filmes, que contava com duas
propostas de animação, agregou equipe técnica de desenho ao processo. Constata-se ainda que,
além de roteiristas, há designers, pesquisadores, diretores criativos e a figura do produtor, que está
presente em todas as equipes.
Deve-se considerar que as categorias profissionais elencadas no Quadro 19 se ativeram
ao que foi citado pelos líderes. Além das funções mencionadas, é possível que outros tipos de
especialistas, prestadores de serviços e técnicos tenham sido envolvidos em cada um dos núcleos.
No que diz respeito à metodologia, todos os entrevistados mencionaram ter utilizado o
método de sala de roteiristas que, de acordo com Kallas (2016), existe nos Estados Unidos desde
os anos 50 e foi sofrendo alterações com o tempo,
[...] passou de três ou quatro roteiristas para quinze. Hoje, em razão de limitações
orçamentárias, elas voltaram a ficar menores. Quer seja um grande grupo de
comediantes tentando levar a melhor uns sobre os outros com piadas numa sitcom ou
roteiristas sendo encarregados de episódios específicos depois que um pequeno grupo de
escritores planeja ou cria os beats do enredo juntos, o importante é a presença física dos
roteiristas num único espaço – daí a “sala”. (KALLAS, 2016, p. 219)

Embora o trabalho dos roteiristas dos Núcleos tenha passado pela sala, nas sedes das
produtoras, em praticamente todos os casos ela não foi o ambiente exclusivo do processo de
escritura e os roteiristas também atuaram de forma remota, em maior ou menor grau.
Em três Núcleos, TV Norte Independente, Mira Lab, e Casa de Cinema de Porto Alegre,
verificou-se que além da comunicação entre os líderes e os roteiristas, houve também uma
conexão transversal constante em uma dinâmica intensa de troca e colaboração entre os
73

profissionais envolvidos nos diferentes projetos. Paralelo ao trabalho de cada grupo, havia
reuniões presenciais periódicas com a presença de todos os integrantes.
[…] o nosso Núcleo nunca foi um Núcleo que cada um leva o seu roteiro pra casa, faz e
entrega. A gente faz ele coletivamente. Todos os roteiros passam por muitas mãos. Não
necessariamente para serem escritos, mas pra serem lidos, comentados. Todos recebem
um escrutínio muito grande. E pra isso funcionar bem, a dinâmica tem que estar muito
azeitada, tem que estar todo mundo, de fato, podendo falar, se sentindo à vontade pra
criticar e ao mesmo tempo com uma cabeça voltada para o bem do projeto. (MOURA,
2018)

A equipe liderada por Jorane Castro se reunia duas vezes por semana e ela aponta o
caráter formador que estes encontros tiveram porque os roteiristas, em sua maioria, eram
jornalistas e, antes de serem contratados para o Núcleo, nunca tinham trabalhado em um projeto
de longa-metragem de ficção. “Foi um processo muito intenso, muito interessante como formação
[...]. Eu acho que a gente teve um bom resultado, eu acho que são roteiros que tem potencial”
(CASTRO, 2018)
No Pará, o primeiro curso universitário foi aberto apenas em 2011. Portanto, em 2013
ainda não havia profissionais com formação específica em cinema ou roteiro que tivessem se
graduado na região. Castro destaca que, apesar de não possuírem uma capacitação formal na área,
os indivíduos possuíam sólido capital cultural:
[...] eram pessoas capacitadas, pessoas com formação sólida cultural, de grandes
referências, [...] pessoas que leem muito, que veem muito filme, que veem muita
série, então [...] tinha pessoas capacitadas, mas ao mesmo tempo [...] nenhum deles
tinha formação, uma formação digamos assim acadêmica e formal na área do
cinema. (CASTRO, 2018)

No outro extremo do país, no Rio Grande do Sul, o Núcleo da Casa de Cinema


de Porto Alegre também utilizou a sala de roteirista como um ambiente para troca e capacitação.
[...] ao todo, tinham 11 roteiristas no núcleo [...], a gente tinha reunião geral do núcleo
[...] todas as quintas-feiras de noite [...] que eu conduzia [...] a gente discutia um tema,
por exemplo, discutia a construção de cena, discutia diálogos [...], trazia alguma coisa pra
gente assistir e discutir. Era uma dinâmica um pouco de aula. (BRASIL, 2018)

Já os Núcleos da Polo MS de Cinema, 3 Tabela Filmes e Boutique Filmes se


organizaram internamente de forma um pouco mais atomizada.
[...] tínhamos reuniões quinzenais porque a gente fez cada projeto ser, mais ou
menos, por um mês ou dois, enfim, com a assessoria minha e depois cada um
desenvolvia, havia uma liberdade. Cada um era dono do seu projeto. (SILVA, 2018)

A gente montou núcleos diferentes por projeto [...] cada projeto tem a sua dinâmica,
fazendo reuniões semanais. (MELLO, 2018)

Gustavo Rosa, da Mira Filmes, destaca um desafio importante a ser vencido no interior
de um Núcleo:
74

[…] é muito importante […] você criar um ambiente que seja um ambiente criativo
saudável. […] montar um ambiente criativo coletivo é um desafio humano. Você
tem um monte de egos, você tem ideias em pauta que as pessoas se apegam e então é
fácil, muito mais fácil, do ponto de vista humano, você pegar o seu roteiro e ir
trabalhar na sua casa […] A gente sempre teve uma ideia de criar um ambiente em
que a gente pudesse chegar e falar, a gente já cansou de jogar roteiro fora […] por
exemplo, o Antes Tarde, o Rancho Paraíso, O Penguim, o Amanhã eu conto, são
casos em que se você pegar a primeira versão do roteiro e a versão que tá agora,
você fala: caramba, a premissa tá aí, mas o roteiro mudou completamente. […] E é
orgânico isso […] porque às vezes você escreve o roteiro, lê, não sei o quê, e fala: -
Não, pera, não é pra cá, tá errado, vai. E é duro, e é um processo. Então a gente tá o
tempo todo tentando melhorar essa dinâmica, às vezes ela tá melhor, às vezes não tá,
[…] a gente fez muitas coisas que a gente não gostou no sentido de dinâmica, só que
sempre que a gente detecta, a gente tenta mudar. (MOURA, 2018)

A experiência vivenciada por Gustavo Rosa dialoga com a de Catmull para quem:
[...] descobrir como construir uma cultura criativa sustentável – que levasse de fato, a
sério, coisas como honestidade, excelência, comunicação, originalidade e autoavaliação,
por mais que isso incomodasse – não era uma tarefa única. Era um trabalho de todos os
dias, em tempo integral, que eu queria realizar. (CATMULL, 2014, p. 79)

Neste ambiente criativo que é o Núcleo, é pertinente olhar para a forma como a liderança
foi exercida. Qual foi o papel dos líderes no processo de desenvolvimento e quais competências
eles acreditam ter empregado mais no exercício da função. A observação do Quadro 20 coloca em
evidência que o líder, em todos os núcleos desta pesquisa, foi uma figura cuja atuação esteve, de
fato, diretamente ligada à produção do conteúdo dos projetos através de ações como a leitura dos
textos produzidos, a realização de script doctoring36, discussões sobre personagens, cenas e
diálogos.
Mas se por um lado todos os líderes acompanharam o desenvolvimento dos roteiros
propriamente ditos, observa-se que em alguns casos as atribuições foram além desta seara. Dois
deles, Jorane Castro e Flávio Tambellini, fizeram menção à participação em pitchings, que é uma
ação diretamente relacionada à prospecção dos projetos e consiste na apresentação dos mesmos
para agentes do mercado como representantes de canais de TV e distribuidores. Ou seja, o líder é
uma figura que também pode participar diretamente no contato com o ambiente externo ao
Núcleo onde estão os possíveis parceiros para viabilizar os projetos.
O Quadro 20 também sugere que a liderança não é necessariamente uma função a ser
desempenhada por uma única pessoa, como mostra os casos das produtoras Mira Filmes e Casa
de Cinema de Porto Alegre, respectivamente lideradas, formalmente, por Leonardo Levis e
Gilberto Assis Brasil.

36
Script doctoring é o termo utilizado para definir o trabalho de análise de roteiro que tem o objetivo de
aprimorar o trabalho realizado durante o desenvolvimento podendo incluir, por exemplo, a verificação de
possíveis problemas de estruturas, proposição de mudanças relativas a perfil de personagens, arco dramático e
sequências. Normamente é realizado por profissional da área de roteiro.
75

QUADRO 20 – Atribuições do líder e formas de interação com a equipe e com o conteúdo


(continua)
Entrevistado Formas de interação com a equipe e
Atribuições como líder
(a) com o conteúdo desenvolvido
Jorane Castro “[...] eu discuti todos os projetos, foram “[...] eu, como líder, participei de todas
muito discutidos [...] acompanhei todos os as reuniões.
processos de formatação de projetos de
comercialização dos filmes, [...] a gente já “[...] o que eu tentava fazer era estar
fez pitchings em alguns lugares [...] eu vou próxima dos projetos, apesar de não
nos pitchings [...] escrever nenhum deles. ”

“[...] o que eu tentava fazer, como líder,


era justamente escutar o que o outro
tinha como vontade, o que o roteirista,
ou o que a equipe de roteirista queria
fazer, e eu tentava trazer um olhar
externo e um pouco mais técnico, [...]
Núcleos NÃO renovados

um pouco mais afastado porque você


precisa muito, quando você tá
escrevendo, de uma impressão exterior,
externa.”
Joel Pizzini “[...] eu tenho um parceiro que cuida da área “O líder, ele tem que ter sensibilidade,
mais, financeira, comercial, administrativa. ” [...] perceber [...] certa característica do
projeto e investir naquilo [...] criar
“Eu, como líder, eu tava preocupado com as condições pra que aquilo se expresse
questões conceituais, de linguagem, a com mais potência.”
estrutura narrativa, a qualidade estética, da
concepção, tentar sair desses modelos mais “O meu trabalho é problematizar, é
clichês tanto de animação quanto causar crise mesmo, instabilidade.”
documentário.”
“[...] eu não vou dizer o que elas vão
fazer, mas eu posso orientar, ou
apresentar outras experiências pra serem
comparadas, refletidas, [...] fazer um
grande ato de reflexão sobre o que tá se
fazendo, porque se tá se fazendo
aquilo.”
Flávia Lins e “Eu sou apenas uma roteirista convidada. Eu “Eu fazia um script doctoring e enviava pra
Silva não sou parte da produtora” eles.”

“Então, o meu script doctoring era uma


coisa pra pessoa usar como quisesse porque
eram pessoas independentes fazendo os seus
projetos.”
Núcleos Renovados

Flávio “[...] na época que eu me associei com a Giros “[...] recebendo o que tava sendo escrito, e
Tambellini [...] eu tinha uma grande experiência em cinema trabalhando, devolvendo, dizendo não, esse
e pouquíssima em televisão e a Giros era o aqui tem que ir pra esse lado ou pra esse
contrário, ela tinha basicamente em televisão, lado. Era muito uma visão de produtor, [...]
documentário, ela não tinha ficção. Então eles claro que aceitando ideias, com liberdade e
me (chamaram) justamente pra ajudar a tudo, mas [...] pra atingir o que a gente
gerenciar essa parte de ficção.” queria.”

“Eu fiquei muito de mentor ali”

“A gente fez um trabalho de pitching, de venda


de projetos”



76

QUADRO 20 – Atribuições do líder e formas de interação com a equipe e com o conteúdo


(conclusão)
Entrevistado Formas de interação com a equipe e
Atribuições como líder
(a) com o conteúdo desenvolvido
Giba Assis “[...] na prática a gente tinha quatro líderes no “[...] ao todo, tinham 11 roteiristas no
Brasil núcleo que são os quatro sócios da Casa de Núcleo [...], a gente tinha reunião geral do
Cinema. [...] eu assino como líder [...] mas na núcleo [...] todas as quintas-feiras de noite
verdade quem fazia mais o acompanhamento [...] que eu conduzia [...] a gente discutia um
dos roteiros em si era mais o Jorge Furtado e a tema, por exemplo, discutia a construção de
Ana Luiza Azevedo. E a Nora Goulart fazia o cena, discutia diálogos [...], trazia alguma
acompanhamento da parte de produção, o coisa pra gente assistir e discutir. Era uma
tempo inteiro sondando pra ver o que era viável dinâmica um pouco de aula. [...] eu que
e o que não era viável.” organizava todas essas reuniões.”
Leonardo Levis GR: “[...] como o Léo é um cara muito ligado ao GR: “[…] a gente quis, desde o começo,
e Gustavo Rosa roteiro [...] um roteirista mais puro sangue, desenvolver uma dinâmica de Núcleo
naturalmente a gente achou que ele era melhor Criativo, ou seja, a gente tinha uma sala de
pra ser o líder formal e a pessoa que no fundo roteiro, a gente tinha discussões constantes,
vai certamente ler e cuidar pra que todos os e aí a gente, o tempo todo, poderia trocar de
roteiros tenham um [...] nível mínimo, digamos projeto sem que isso fosse um problema
assim. Mas eu também, como produtor, diretor,
roteirista e fundador da produtora, também
Núcleos Renovados

participo de tudo, acabo lendo tudo [...], o meu


papel é um pouco mais generalista, ele sai um
pouco do que seria só o roteiro como um todo.
[...] além dos roteiros terem que ficar bons,
sempre tem que ter alguém coordenando pra
não perder prazo, pra garantir que o negócio não
tá degringolando [...], esse trabalho de
coordenação a gente acabou dividindo
bastante.”

LL: “[...] as funções não são tão distantes, [...]


não são estanques. [...] Gustavo, de certa forma,
ele é responsável, digamos, pelo lado produtor
da produtora, não que ele não se envolva, e se
envolve muito com o lado de discussão e
melhoria dos projetos e até escreva, dependendo
dos projetos que ele vai dirigir, e eu, nesse
sentido, sou responsável, especificamente, pelo,
digamos, desenvolvimento dos projetos da
melhor forma possível. [...] Eu, como líder, não
excluo a participação do Gustavo como
produtor.”
Fonte: Elaborado pela autora

Na Mira Filmes, a liderança foi articulada entre Leonardo Levis e Gustavo Rosa de
Moura, que atuaram de forma complementar. Na avaliação de Moura, enquanto ele exercia um
papel mais generalista, Levis estava com o olhar mais voltado para a qualidade dos roteiros, mas
ambos acompanharam todo o processo e enfatizam que a divisão entre eles não foi estanque. O
Núcleo da Casa de Cinema de Porto Alegre contou com a atuação de seus quatro sócios-
fundadores sendo que Nora Goulart foi a produtora responsável pela prospecção dos projetos,
fazendo a ponte com o ambiente externo, Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo acompanhavam a
produção textual de cada equipe enquanto Giba Assis Brasil atuou como uma espécie de
77

coordenador geral das dinâmicas internas, promovendo a interação entre todos os profissionais,
organizando e conduzindo todas as discussões relacionadas ao conteúdo.
Através do depoimento dos líderes, é possível reparar que, no que tange à forma de
interação com a equipe, houve uma variação do grau de liberdade concedido aos roteiristas. Joel
Pizzini expõe que seu foco está na linguagem e acredita que sua função não é dizer para sua
equipe o que ela deve fazer, mas sim problematizar, propor reflexões e, dessa forma, contribuir
para que as melhores características de cada projeto sejam potencializadas. Flávia Lins e Silva
declara que em seu Núcleo, uma vez que cada um era dono de seu projeto, a proposta consistia em
dar total liberdade para acatar, ou não, suas proposições enquanto líder. Já a abordagem de Flávio
Tambellini, que liderou o núcleo da Giros, menciona que havia liberdade, mas que houve uma
atuação também de produtor no sentido de conduzir a equipe a chegar onde se queria.
Alguns tiveram presença direta também nas ações negociais com agentes do setor,
participando de reuniões e mercados com o propósito de formalizar parcerias para o
financiamento e produção dos filmes e séries. Outros não tiveram esse papel, mas nestes casos
sempre mencionaram que havia outro integrante da produtora responsável por este trabalho. O
que sugere o resultado destas entrevistas é que uma participação mais ativa ou passiva do líder na
dimensão negocial não necessariamente determina o êxito da viabilização do mínimo de dois
quintos da cartela como mostra o caso da Casa de Cinema de Porto Alegre no qual o papel de
levar os projetos para o mercado coube à Nora Goulart e não a Giba Assis Brasil, líder oficial.
Mesmo assim, conseguiram viabilizar dois longas documentais da cartela.
Considerando que todos os líderes entrevistados, em seus percursos profissionais,
atuaram em roteiro, direção, produção e alguns deles acumulam experiência como professores,
procurou-se verificar se alguma competência específica foi mais utilizada durante o trabalho
exercido no núcleo. A fala de Gustavo Rosa, conforme reproduzida no Quadro 21 chama a
atenção para o fato de que ele considera a liderança uma função complexa, que possui uma
dimensão de roteiro e produção. Jorane Castro também confere destaque às competências
adquiridas no exercício destas duas funções e cita ainda a direção, embora acredite que, entre as
três, foi a que ela menos utilizou como líder.
Para Flávia Lins e Silva, seus 25 anos de carreira e a experiência em cinema e TV
fizeram com que ela conheça muito bem a linguagem audiovisual. Em sua liderança, ela afirma
ter utilizado, essencialmente, sua faceta de roteirista. É interessante notar que Gilberto Assis
Brasil destaca sua experiência como professor uma vez que as reuniões gerais que organizava e
conduzia ao longo do processo, em suas palavras, tinham uma “dinâmica um pouco de aula”.
78

QUADRO 21 – Competências profissionais mais utilizadas pelos líderes


Competências profissionais mais utilizadas no exercício da
Entrevistado (a)
liderança
Jorane Castro “[...] não tem escola pra núcleo, pra líder. [...] não tem como você
aprender o que é ser líder.”

“[...] eu acho que todas as experiências me serviram. [...] tudo o que


eu li sobre roteiro me serviu, tudo o que eu li e produzi me serviu.

“[...] se fosse pontuar mais, seria roteiro e produção. [...] poderia dar
um destaque um pouquinho maior pro roteiro, pelo fato da gente estar
numa sala de roteiristas e pensar a narrativa e [...] para a produção na
época em que a gente tava no momento final [...] fazendo a
Núcleos NÃO Renovados

formatação dos projetos pra tentar fazer a viabilização comercial. E a


direção servia também porque tinha algumas cenas que eram difíceis
de ser realizadas e que o roteirista escrevia aí tinha que rebater com
isso, era: - Como é que vai filmar isso? [...] como é que tu estás
pensando? Como é que pode fazer isso dessa forma? Essa cena não é
filmável. Essas coisas também às vezes ajudavam, mas, talvez um
pouquinho menos a direção. Mais o roteiro e a produção.
Thiago Mello “Eu acho que é tentar criar coisas que fossem realizáveis, possíveis
de serem feitas, que estivessem conectados com algum público pra
que elas acontecessem [...] buscar sempre histórias que sejam
surpreendentes pras pessoas [...]”
Joel Pizzini “Eu acho que a minha experiência com esse chamado “cinema
documental. [...] essa é a minha praia que eu inclusive dou aula e me
especializei, que é chamado filme-ensaio [...] que é essa modalidade
que tem que você dá um grande espaço à subjetividade trabalhando
com o que já é preexistente, você trabalha a partir de situações
documentais, personagens, fatos que você recria através de recursos
da chamada ficção.”
Flávia Lins e Silva “Nesse trabalho, especificamente, de roteirista. Roteirista e script
doctor.”

“Olha, eu acho que eu conheço muito a linguagem audiovisual, não é


só a de TV. E acho que a minha experiência ajudou sim [...] 25 anos
trabalhando com audiovisual, já fiz cinema, já fiz curta, já fiz longa.”
Flávio Tambellini “[...] eu sempre tive uma atuação de produtor, mas sempre de
produtor criativo [...] me ajuda muito o fato de eu ter dirigido, eu já
dirigi quatro longas, e entender que às vezes as cenas que você mais
batalha e quer fazer, e são cenas caras, elas muitas vezes podem sair
na montagem, então, entender um filme de uma maneira geral. [...] eu
Núcleos Renovados

posso dizer que experiência de assistência de direção me ajudou


muito porque eu era equipe, então eu via o filme do lado da equipe
[...] outra questão que me ajudou muito a enxergar o cinema foi
edição, trabalhar junto, em filmes, sentado na ilha de edição e
entendendo o processo.
Giba Assis Brasil “Eu, especificamente, diria que foi a minha experiência como
professor. Porque era mais essa coisa de desafiar as pessoas como se
fossem alunos [...] ver o que eles tavam fazendo, avaliar o que eles
tavam fazendo e tentar convencê-los a: - Isso é bom, isso não é bom,
vamos tentar desenvolver melhor isso. Acho que é mais essa
competência do professor do que de roteirista propriamente.”
Leonardo Levis e GR: “[...] na lista do primeiro núcleo das produtoras que ganharam (o
Gustavo Rosa edital Prodav 03/2013), era bem dividido. [...] tinha uma série de
líderes que eram produtores e uma série de líderes que eram
roteiristas. Isso faz sentido, não é à toa porque, de fato, essa função é
meio complexa. Ela tem um quê de produtor e ela tem um quê de
roteirista.’
Fonte: elaborado pela autora
79

Tiago Mello, antes de fundar a Boutique Filmes, trabalhou na produtora Mixer.


Como diretor de conteúdo, atuou nas séries Descolados, Brilhante Futebol Clube e conduziu
as tratativas para a realização de O Negócio, com a HBO. Também na Mixer, abriu uma área
infantil que gerou projetos como Escola pra Cachorro, realizada em parceria com
Nickelodeon e TV Ontário, do Canadá, Sítio do Pica-Pau Amarelo, com Cartoon e Globo,
Julie e os Fantasmas com Bandeirantes e Nickelodeon. “Fazia tanto a parte de
desenvolvimento de conteúdo desses projetos, de chegar ao conteúdo adequado, quanto
viabilizava e fechava todos os parceiros” (MELLO, 2018).
Em sua resposta à pergunta sobre a competência mais utilizada como líder, Mello
apresenta uma visão global que inclui a capacidade de criar histórias que sejam
surpreendentes, realizáveis e que tenham uma conexão com o público. Embora não tenha
mencionado os termos roteirista e produtor, emerge de sua fala suas experiências pregressas
em ambas as funções, uma vez que tinha participação ativa no conteúdo e nas negociações
que possibilitavam a produção das obras.
Flávio Tambellini foi o único entrevistado a citar o termo produtor criativo, figura
esta que atua tanto na dimensão empresarial quanto criativa e que precisa encontrar “a medida
exata para a sua atuação criativa de modo a criar um ambiente de parceria e produtividade,
que favoreça a interação entre todos os elementos que compõem a rede de produção e
potencialize as qualidades do projeto em questão” (SELONK, 2007, p. 39). Tambellini
menciona ainda que se serviu de todo o conhecimento adquirido em direção e no processo de
edição dos filmes uma vez que sempre o acompanhou de perto.
As declarações dos líderes que colaboraram com este estudo, no que tange às suas
qualificações técnicas, competências adquiridas ao longo da trajetória profissional e a forma
como trabalharam no processo de desenvolvimento dos projetos, não permite estabelecer uma
diferença marcante entre aqueles que integram o grupo dos núcleos renovados e os que estão
na tipologia de núcleos não renovados.
Ao contrário, encontramos aspectos em comum como o fato de nenhum deles ter
exercido apenas uma única função em projetos audiovisuais, mas terem passado, no mínimo,
pelas posições de diretor, roteirista e produtor e terem recorrido a tudo que apreenderam, com
ênfase em uma ou outra experiência, sem descartar as demais.
Todos acompanharam de perto o conteúdo produzido pelos roteiristas de seus
Núcleos e ao serem questionados sobre a intervenção nos roteiros, abordaram questões como
estrutura narrativa, público, orçamento e mercado.
80

Jorane Castro cita o exemplo de uma série de ficção sobre jornalismo investigativo
na Amazônia cuja trama giraria em torno de temas como invasão de reservas indígenas,
extração de madeira clandestina, poluição de mercúrio nos rios. A princípio, a história teria
quatro protagonistas.
A gente achou que essa estrutura narrativa poderia ficar muito complexa. [...] E aí a
gente criou um protagonista, que seria um jornalista já meio blasé, meio cansado e
em torno dele tinha pessoas jovens, jornalista empolgado, uma fotógrafa empolgada
e pessoas que podiam contrapor, um pouco como (na série) House, por exemplo. [...]
a gente começou querendo uma coisa muito elaborada e muito sofisticada que, na
verdade, quando você transcreve pra televisão, ela tem que ser um pouco mais
simplificada pra você chegar realmente onde você quer chegar que é comunicar com
o público algumas questões bem sérias como, por exemplo, essas que a gente queria
comunicar. (CASTRO, 2018)

Em relação à viabilidade de produção do ponto de vista orçamentário, o líder núcleo


da produtora Giros, Flávio Tambellini, chama a atenção para o fato de que “papel aceita tudo”
e para a necessidade de adaptação: “a gente, muitas vezes, falava pro roteirista: - Olha, você
tem que se adequar. [...] tá bonito, mas inviável, absolutamente inviável pra fazer.”
Flávia Lins e Silva, que conduziu o Núcleo da 3 Tabela Filmes, embora afirme que o
“papel de roteirista não é já tolher a criação”, pondera que o “papel de roteirista é idealizar o
melhor possível, dentro, claro, duma realidade. Não dá pra pensar em dragão e achar que a
gente tem a verba do Harry Potter.” (SILVA, 2018)
Giba Assis Brasil também expõe a preocupação em dar espaço à imaginação, mas
sem perder de vista as possibilidades reais de financiamento e produção:
[…] tem uma fase da escritura de roteiro que a gente tem que ser imaginativo
mesmo, pensar qualquer coisa, pensar o que vier na cabeça e o que for mais
interessante a gente vai botando no papel. […] mas tem determinado momento em
que a gente tem que viabilizar esses projetos […] e no momento que a gente vai
viabilizar a gente (fala): - Não, peraí, esse projeto aqui […] ele tem determinado
tipo de possibilidade, de público, então ele não pode passar de um determinado
orçamento […] a gente espera conseguir vender para tal canal e vai pagar sabe lá
quanto por episódio e a partir desse quanto por episódio a gente tem que definir, tem
que ter tantos cenários, tantos, tantos personagens. […] esse tipo de raciocínio que
às vezes tu faz só quando o roteiro já tá pronto, a gente tentava fazer já na escaleta, e
com isso, digamos assim, pular algumas etapas, meio que tentar construir projetos
mais viáveis. (BRASIL, 2018)

O desenvolvimento de projetos no interior do núcleo criativo se difere de um modelo de


criatividade pura “onde a única preocupação do artista é a arte, sem quaisquer influências
econômicas externas ou outras influências no processo” (THROSBY, 2001, p. 96, tradução nossa).
Aproxima-se mais de um processo decisório racional no qual se identificam estágios da criatividade
que possuem funções específicas e todos estão conectados com o propósito de atingir uma meta
definida estando o artista sujeito a restrições internas e externas (THROSBY, 2001).
81

Por outro lado, Joel Pizzini explica que em sua interação com os autores sua preocupação
maior era com “as questões conceituais, de linguagem, a estrutura narrativa, a qualidade estética da
concepção, tentar sair desses modelos mais clichês tanto de animação quanto documentário”
(FILHO, 2019). Neste caso, variáveis econômicas, no momento de escritura dos projetos, não foram
determinantes.
Enquanto ambiente de trabalho coletivo para desenvolver filmes e séries que venham a ser
produzidos, exibidos e comercializados, um núcleo é algo muito orgânico onde convergem
múltiplas experiências e personalidades. É um ambiente onde precisam ser articuladas a
criatividade, variáveis econômicas, mercadológicas e aquelas relativas à viabilidade logística de
produção já que “nas indústrias criativas, a polivalência é intrínseca à própria organização”
(BENDASSOLI; CUNHA (Org), 2009, p. 29).

5.4 REFLEXÕES DOS LÍDERES

Entre a abertura das inscrições do Prodav 03, em 2013, até o presente momento,
passaram-se mais de cinco anos. O referido edital já está em sua quinta edição e entre os
participantes deste estudo quatro núcleos já estão desenvolvendo os projetos de uma segunda
cartela. Tendo sido as primeiras empresas beneficiadas por esta política pública de fomento direto
ao desenvolvimento do FSA, foi proposto aos líderes uma reflexão sobre o que poderiam ter feito
de modo diferente no processo.
Uma preocupação com uma maior diversidade de gênero e raça entre os profissionais
que integraram o núcleo surgiu na resposta de Flávio Tambellini que afirma ser importante
“dividir entre mulheres [...], ter roteirista negro [...] (porque) esse caldeirão cultural [...] é muito
importante” (TAMBELLINI, 2018). Para Florida (2012), embora diversidade tenha se tornado
um tema político em evidência, é fato que, mesmo nas classes criativas permanecem as antigas
divisões de raça e gênero, mesmo que novos caminhos tenham sido abertos para mulheres e
minorias étnicas.
No Pará, Jorane Castro reflete sobre a metodologia aplicada no núcleo que conduziu e
explica que houve
[...] uma preocupação de ser democrático, de ter um processo democrático onde [...]
por mais que tivesse roteirista e roteirista assistente, que não houvesse uma
hierarquia, [...] que não houvesse uma maneira de falar que um tivesse um tom de
voz acima do outro. Sempre tava pensando em dividir as ideias com o maior
respeito. Funcionou, tá. Todo mundo foi até o final com essa mesma ideia, só que
precisava talvez de um pulso mais forte na hora de fechar os projetos. (CASTRO,
2018)
82

Castro avalia que, principalmente na reta final, sentiu falta de haver uma figura com
maior poder decisório.
[...] a gente avançava muito em algumas questões de personagem, [...] mas na hora
[...] de trazer pro trabalho final, [...] às vezes ficava um pouco solto, a gente não
conseguia fechar. Então eu acho que isso talvez fosse uma maneira de melhorar, [...]
concentrar mais, talvez, fechar mais, porque eu gosto da ideia de você trocar ideias e
de pensar juntos a narrativa e tudo o mais, mas às vezes não é objetivo isso,
entendeu?

Ao fazer esta análise, Jorane Castro também faz alusão ao fato de que, no Brasil,
ainda não há uma figura que seria equivalente à figura do showrunner, presente nas séries de
TV dos Estados Unidos. Lá, na maioria das vezes, esta pessoa “é o roteirista chefe e o
produtor executivo da série de TV” (LANDAU, 2014, p. xvii) e tem a palavra final não
apenas sobre os roteiros, mas sobre todos os aspectos de produção incluindo elenco, locações,
direção de arte e corte final dos episódios. Se uma produtora monta uma cartela com projetos
de autores diversos e roteiristas que não pertencem ao quadro societário da empresa, é ainda
mais legítima a preocupação em identifiar a pessoa que, diante de qualquer impasse, poderá
tomar as decisões criativas estratégicas mais pertinentes para que o projeto continue
avançando.
O núcleo da Mira Filmes que, antes mesmo do edital já havia se organizado
internamente para desenvolver projetos, tem uma preocupação permanente com a metodologia
porque o desenvolvimento ocorre “dentro de um mercado que está em constante mutação”
(LEVIS, 2018). Como a empresa atualmente trabalha nos projetos de sua segunda cartela, foram
adotadas duas mudanças em relação à primeira: uma redução do número de roteiristas fixos e
um tempo de maturação maior antes de iniciar a escrita de roteiros propriamente dita. Dedicam-
se mais à premissa, escaletas e argumentos. “No primeiro núcleo a gente abriu muito cedo as
coisas (os roteiros)” (MOURA, 2018). Leonardo Levis complementa ao explicar porque
considera melhor não ter pressa para começar um roteiro pois ele:
[…] ocupa o tempo de todo mundo. […] quando você começa a escrever, mesmo
que não fique bom, já é mais difícil de abandonar porque já teve o trabalho da
escritura, aí entra o trabalho da reescritura, entra o trabalho da re-reescritura. Então,
pra começar a escrever mesmo, o projeto tem que estar muito sólido […], a gente
precisa ter uma expectativa muito concreta dele em relação às possibilidades de
realização, isso é um aprendizado que a gente teve aí entre um e outro (núcleo).
(LEVIS, 2018)

Joel Pizzini, ao refletir sobre sua experiência no núcleo, questiona a composição de


uma cartela voltada apenas para o segmento de televisão:
[...] desisti já dessa ideia de fazer série, uma coisa que eu, particularmente, [...] não
tenho muita afinidade com esse modelo, acho um modelo ainda complicado. Eh...
então eu estou voltando mais pra minha relação com o cinema mesmo, sabe, filmes,
ensaios. Eu acho que série, ainda não é o momento, sabe, eu acho que ainda nem os
83

autores estão se dedicando, estão despreparados [...] por essa falta de experiência as
pessoas ficam em discussões, às vezes, metafísicas porque na prática elas não se
efetivam, então não há uma tradição pra você ter parâmetros, tanto de produção
quanto de direção pra fazer um projeto, realmente, que vá resultar e que vai se
garantir na sua cadeia produtiva. (FILHO, 2019)

De maneira geral, os líderes fariam algum ajuste, seja na metodologia, na escolha dos
projetos e segmentos de mercado, ou na composição de suas equipes. E como a maioria
destacou, o cenário em volta do núcleo é mutável, o que demanda uma atenção constante aos
movimentos do entorno para poder promover internamente as adaptações necessárias.
84

6 PROSPECÇÃO DOS PROJETOS NO AMBIENTE EXTERNO AO NÚCLEO

Viabilizar projetos desenvolvidos significa obter os recursos mínimos necessários


para a sua produção e este objetivo só pode ser atingindo por meio de uma conexão com o
ambiente externo. É lá que estão as fontes de financiamento e os parceiros comerciais que
permitirão dar sequência a todo o trabalho iniciado no desenvolvimento para, então,
transformar projetos em obras audiovisuais.
No Brasil, as fontes de financiamento público, anualmente, destinam somas
consideráveis à produção e distribuição de conteúdo audiovisual independente. Em 2017,
segundo dados da Ancine, o investimento por meio do FSA, recursos incentivados, editais,
programas e prêmios atingiu a marca de R$ 902 milhões. Para acessar estas fontes, é preciso
que o produtor se articule com outros agentes como, por exemplo, canais de TV que possam
direcionar recursos para produção através de linhas de crédito automático do Fundo Setorial
do Audiovisual, dos artigos 39 da MP 2.228-1 e 3ºA da Lei do Audiovisual, e distribuidoras
cinematográficas que podem se tornar coprodutoras de longas via artigo 3º da Lei do
Audiovisual. Também existe a possibilidade de conseguir o que, no jargão audiovisual é
chamado de dinheiro bom, que é um investimento de caráter privado, que não é atrelado a
nenhum mecanismo público de fomento direto ou indireto.
O Quadro 22 mostra que, no universo dos sete núcleos estudados, 1537 projetos
conseguiram mobilizar recursos para a produção sendo que houve uma prevalência de
projetos para TV – 10 no total -, contra cinco para o cinema. Entre as séries, quatro eram
documentais, uma de animação e cinco de ficção. Já entre os filmes, houve um documentário
e quatro longas de ficção.
As fontes de financiamento de nove projetos contaram com fomento direto federal
via recursos do FSA, cinco também acessaram recursos de fomento indireto através de
mecanismos da Lei do Audiovisual e a série de animação Papaya Bull também recebeu
investimento por meio do artigo 39 da MP 2.228-1 acessível apenas através de uma
programadora internacional de TV por assinatura.
A relação de canais parceiros dos projetos mostra a presença significativa de canais
brasileiros38 de espaço qualificado39 que, de acordo com a lei 12.485, precisam colocar no ar,

37
Embora as séries 3% e Zoo da Zu, como já abordado anteriormente, não tenham cumprido os critérios do
edital de produção brasileira e independente, optou-se por incluí-las na análise de fontes e parcerias porque
foram realizadas, exibidas e comercializadas
38
A lei 12.485 determina as características dos canais brasileiros de espaço qualificado, também chamados de
CABEQs: são aqueles programados por programadora brasileira, que possuem a obrigação de veicular no
85

diariamente, no mínimo 12 horas de conteúdo brasileiro produzido por produtora brasileira


independente40: O Curta!, Arte 1 e CineBrasilTV.

QUADRO 22 – Fontes de financiamento, canais e distribuidoras


Destinação Form Fonte de Canais e/ou
Produtora UF Título Tipologia
Inicial ato Financiamento Distribuidoras
TV Norte Sala de
PA A Herança Longa Ficção FSA Não informado
Independente Exibição
Núcleos NÃO Renovados

Lei do
Audiovisual e
Papaya Bull Televisão Série Animação Nickelodeon
Boutique art 39 da MP
SP
Filmes 2.228-1
3% Televisão Série Ficção Não Informado Netflix
Zoo da Zu Televisão Série Ficção Não Informado Discovery Kids
Polo MS
Roda de
Cinema e SP Televisão Série Documentário FSA O Curta!
Choro
Vídeo
Frequência TVCom Lauro
Televisão Série Ficção FSA
3 Tabela RJ Positiva de Freitas
Filme Sala de FSA e Lei do
Derrapada Longa Ficção Não Informado
Exibição Audiovisual
Homo
Televisão Série Documentário FSA Arte 1
Brasilis
Queimamuf
Giros RJ a! Televisão Série Ficção FSA Futura
Núcleos Renovados

Marcadas
Televisão Série Documentário FSA CineBrasilTV
para Morrer
Cora (ex Sala de Longa Ficção FSA Não Informado
Antônio) Exibição
Sala dos
Televisão Série Ficção Não Informado OmeleTV
Mira Filmes SP Roteiristas
Antes Tarde
Sala de FSA e Lei do
do que Longa Ficção Não Informado
Exibição Audiovisual
Nunca
Globo Filmes,
Cidades Lei do
Casa de Televisão Série Documentário GloboNews e
Fantasmas Audiovisual
Canal Brasil
Cinema de RS
Quem é
Porto Alegre Sala de Lei do Globo Filmes e
Primavera Longa Documentário
Exibição Audiovisual GloboNews
das Neves
Fonte: elaborado pela autora a partir das entrevistas e dados da Ancine

GloboNews, de acordo com a classificação da Ancine, é um canal jornalístico41,


portanto não possui obrigação de veicular conteúdo brasileiro de produção independente. Mas
um fato interessante é que, mesmo não estando incluído entre os canais obrigados a cumprir

horário nobre, majoritariamente, conteúdo de espaço qualificado, sendo que a metade deve ser produzida por
produtora e cuja programadora não possua nenhum acordo de exclusividade com nenhuma empresa
empacotadora de canais por assinatura.
39
De acordo com o inciso XII do artigo 2º da Lei 12.485, espaço qualificado é o espaço total do canal de
programação, excluindo-se conteúdos religiosos ou políticos, manifestações e eventos esportivos, concursos,
publicidade, televendas, infomerciais, jogos eletrônicos, propaganda política obrigatória, conteúdo audiovisual
veiculado em horário eleitoral gratuito, conteúdos jornalísticos e programas de auditório ancorados por
apresentador;
40
Lei 12.485 de 12 de setembro de 2011, artigo 17, §4º
41
De acordo com a classificação dos Canais de Programação das Programadoras Regularmente Credenciadas na
Ancine de 07/02/2019
86

cota, a GloboNews, pertencente ao grupo Globo Comunicação e Participações SA, pode


beneficiar-se do mecanismo do artigo 3ºA da Lei do Audiovisual cujo fato gerador está
atrelado ao Imposto de Renda devido sempre que houver uma remessa para pagamento pela
aquisição ou remuneração, a qualquer título, de direitos, relativos à transmissão, por meio de
TV aberta ou TV paga, de quaisquer obras audiovisuais ou eventos, mesmo os de competições
desportivas das quais faça parte representação brasileira.
E foi por meio do artigo 3º A, uma triangulação com Globo Filmes e GloboNews,
que a Casa de Cinema de Porto Alegre captou recursos e realizou o documentário Quem é
Primavera das Neves. O projeto Cidades Fantasmas teve duas versões: uma série de oito
episódios realizada em coprodução com o Canal Brasil e um longa, também financiado via
artigo 3ºA no mesmo modelo negócios utilizado em Quem é Primavera das Neves, como
explica Giba Assis Brasil:
Dentro do núcleo a gente desenvolveu as duas coisas. […] originalmente era uma
idéia de série de oito episódios, mas no meio da negociação a produção conseguiu, a
Norah conseguiu um canal pra quem sabe transformar aquilo num longa também. Aí
a gente conseguiu juntar o apoio que a gente tinha do núcleo, o apoio do Canal
Brasil pra série e […] o apoio […] (da) GloboNews pra fazer o longa. (BRASIL,
2018)

Um dado a ser considerado em relação ao núcleo da Casa de Cinema de Porto Alegre


é que os dois projetos viabilizados não estavam presentes na cartela inicial selecionada pelo
FSA. Ao longo do processo, a produtora recorreu a uma prerrogativa do edital que permitia a
substituição de parte dos projetos, desde que formalmente solicitada ao FSA e aprovada pelo
mesmo. Cidades Fantasmas substituiu outra série documental, intitulada Decoração Popular
e Quem é Primavera das Neves entrou no lugar de Harem, série de ficção cujo projeto
despertou o interesse comercial da Globo, mas caso a produção viesse a se concretizar, seria
em um modelo de financiamento e de propriedade de direitos patrimoniais incompatíveis com
a classificação de obra brasileira de produção independente, “então a gente parou de
desenvolver no núcleo” (BRASIL, 2018). Já as razões que provocaram a troca de Decoração
Popular são de outra ordem.
Então, a gente ia vendo assim, esse projeto Decoração Popular, […] a princípio a
gente achou que era um projeto legal, […] a gente foi desenvolvendo o projeto,
escrevemos, enfim, pilhas de páginas […] a gente terminou chegando na conclusão
que o projeto não era o que a gente queria fazer e ao mesmo tempo o pessoal do
Galo de Briga42 […] o Tyrel Spencer, a Carolina Silvestrin e o Guilherme Varella,
que tavam fazendo parte do núcleo, eles estavam com esse outro projeto que eles já


42
Os projetos Decoração Popular e Cidades Fantasmas eram de autoria de sócios da produtora Galo de Briga.
Em ambos os casos, foi formalizada uma parceria entre os autores e a Casa de Cinema de Porto Alegre para que
o desenvolvimento pudesse ser realizado dentro do núcleo criativo.
87

tinham que era o Cidades Fantasmas e a gente de repente pegou (e disse): - Pô, esse
projeto é mais legal, funciona mais. (BRASIL, 2018)

A substituição de projetos foi realizada por mais três núcleos: Giros, Polo MS de
Cinema e Vídeo e Mira Filmes. Prevista nas regras do Prodav 03, é uma alternativa para que os
núcleos possam remodelar parte de suas estratégias e com isso ampliar as possibilidades de
viabilização. O estímulo para adoção desta manobra pode vir do ambiente externo ao núcleo,
em função de um modelo de financiamento ou de coprodução, como foi o caso de Harem, ou a
partir de uma análise interna que coloque em questão o projeto e sua estrutura, como ocorreu
com Decoração Popular que, apesar de ter “um conceito bem interessante, [...] a gente não
conseguiu transformar numa série” (BRASIL, 2018).
Entre os núcleos, a Mira Filmes viabilizou três projetos e foi a primeira a ter sua
demanda de renovação de investimento acatada pelo FSA. Sua cartela inicial era formada por
quatro obras seriadas e três filmes e a produtora também se serviu da possibilidade de substituir
projetos e trocaram as séries O Confessionário e Sexo Casual por dois longas, Rancho Paraíso
e Amanhã eu Conto, respectivamente. Ao justificarem esta estratégia, Leonardo Levis e
Gustavo Rosa fazem referência ao cenário do mercado de televisão na época e ao longo tempo
necessário até que um negócio seja efetivamente fechado com um canal.
[...] vários canais que hoje produzem série de ficção não produziam. [...] a lei de cotas
era meio novidade, então assim, não tinha muito lugar pra levar e a gente levou,
mandou pra essas rodadas de negócio de Rio Content Market, mostrou, fez reunião e
tal e começou a perceber que a coisa não tava virando. (MOURA, 2018)

Então a gente sabia que a gente não só tinha que viabilizar, como a gente tinha que
viabilizar rápido porque se a gente demorasse pra viabilizar a gente não renovava e
ficava também numa espécie de lista negra confusa […] do audiovisual. […] de certa
forma a quantidade de players de cinema era maior do que a quantidade de players de
TV disponíveis no mercado. E diante desses fatores, a gente percebeu que,
estatisticamente, as chances de viabilização rápida de projeto no cinema era maior
(sic) do que as chances de projetos de TV, que não era impossível, mas a gente
demoraria mais. (LEVIS, 2018)

Quando Levis cita uma “lista negra confusa”, ele faz alusão ao fato de que o edital
previa que a produtora só poderia se inscrever em novas chamadas públicas para
desenvolvimento se batesse a meta de viabilização de ao menos dois quintos de seus projetos.
Para evitar essa possibilidade, a Mira não apenas manteve a viabilização como uma meta, mas
como um objetivo a ser alcançado o mais rápido possível e desta forma poder continuar
acessando recursos para desenvolver novos projetos.
Outro quesito que se destaca na Mira Filmes está relacionado ao momento em que os
projetos foram levados ao mercado e de que forma.
88

A gente tenta testar o projeto no mercado com o que a gente chama de mínimo
necessário. Então, claro, não adianta você testar com uma sinopse de cinco linhas e dar
um verde definitivo, mas se mesmo com uma sinopse de cinco linhas ninguém teve o
menor interesse, […] estamos falando de distribuidora […] (e) a gente mesmo não
consegue se envolver com aquela ideia pra valer, a gente abandona. Às vezes a gente
precisa desenvolver um pouco mais. Às vezes a gente chega a desenvolver uma
escaleta, ou um argumento e aí […] manda para umas pessoas lerem ou a gente
mesmo testa num edital de desenvolvimento aqui e outro ali. Soltar uma bomba e
ninguém gosta e tal, pô, então tudo bem, não vamos desenvolver. Mesmo quando as
pessoas gostam, a gente cada vez (mais) […] tem notado que esse trabalho de
maturação da base, antes do roteiro, vale a pena. (MOURA, 2018)

Atuando desta forma, a produtora pôde tomar decisões estratégicas importantes como
abrir mão de projetos que não despertaram interesse concreto por parte do mercado e incluir
longas para cinema cujo financiamento, naquele momento, conseguiam acessar com maior
facilidade e desta forma viabilizar parte de sua cartela em um prazo menor.
Outra produtora que, assim com a Mira Filmes, também tem sede em São Paulo e se
movimentou desde o início do desenvolvimento para colocar os projetos em contato com
agentes do mercado foi a Boutique Filmes. Embora tenha viabilizado apenas uma obra que
poderia ser contabilizada de acordo com os critérios do edital - a série de animação Papaya Bull
-, conseguiu fechar negócio para realizar mais dois projetos: 3%, que foi a primeira produção
brasileira para a Netflix, e Zoo da Zu, em parceria com o canal infantil Discovery Kids.
Liderado por Tiago Mello, o núcleo da Boutique que, ao contrário da Mira, apostou
100% no segmento de televisão, explica que sempre fez o “corpo a corpo” com canais, no
Brasil e no exterior, e que sua produtora é
[...] uma empresa muito ligada ao mercado [...] a gente tava sempre conversando com
canais, falando sobre o Núcleo, falando dos projetos que tavam (sic) no Núcleo, e
vendo o interesse por esses projetos, [...] eu tenho uma política de sempre estar ligado
aos canais [...]. Então a gente tá sempre trabalhando isso. A coisa é quase contínua.
(MELLO, 2018)

Um contraponto às ações da Mira e da Boutique que, antes de partir para um estágio


mais avançado dos projetos, tentaram avaliar as chances reais de produção que eles teriam, é o
exemplo citado por Joel Pizzini ao falar sobre a série Glimp & Badunski que une técnicas de
animação e live action para contar a história de dois extraterrestres que caem no Rio de Janeiro.
O desenvolvimento
[...] avançou bem e quase foi negociado internacionalmente, [...], mas o projeto se
tornou muito caro. Tinha que ter uma contrapartida brasileira que a gente não
conseguiu. Teve reunião com a Disney, com todas as grandes no Rio Content Market,
mas ele avançou, avançou e chegou um momento (em que) ou ele baixava o custo ... aí
não teve como viabilizar. (FILHO, 2019)
[...] Ficou um padrão de uma série internacional [...] muito requintada, muito
preciosista, com efeitos e coisas que saiu caríssimo. [...] as próprias majors não
investiram, preferiram esperar um aporte brasileiro. (FILHO, 2019)
89

Indagado sobre o ele que acredita que tenha comprometido a viabilidade da série
Glimp & Badunski, Pizzini argumenta que foi
não pensar uma solução alternativa que equilibrasse a relação entre produção e
direção. [...] eu, particularmente, acho que a economia narrativa, ela leva à economia
financeira. Então se você pesquisar outras linguagens, você pode encontrar soluções
muito mais factíveis, viáveis. (FILHO, 2019)

Neste caso, o autor do projeto era também o diretor e este acúmulo de funções, na
avaliação de Joel Pizzini Filho, “é uma questão difícil. [...] nem sempre o diretor tem
experiência na escrita, tem a facilidade de expressar por escrito as suas ideias, então é melhor
ter alguém, às vezes, de fora, entre aspas, que possa criar esse diálogo, essa tensão pra poder
resultar” (FILHO, 2019)
Além de utilizar a reação do mercado como uma espécie de termômetro e de levar os
projetos para as arenas tradicionais de negócios, uma outra dimensão das negociações diz
respeito a uma espécie de capital relacional dos produtores. Flávio Tambellini, que fez uma
parceria com a produtora Giros, criada há 21 anos e que possui um histórico de mais de 2.000
horas de conteúdo para televisão e cinema, destaca que os sócios da produtora sabiam “quem é
quem” e as “injunções políticas que existem na televisão” (TAMBELLINI, 2018). A longa
trajetória e o catálogo de produções numerosas também é interpretado por Giba Assis Brasil
como um fator determinante no êxito da viabilização dos projetos da Casa de Cinema de Porto
Alegre, empresa em atividade há 22 anos tendo produzido dezenas de filmes, programas e séries
de TV: “20 anos atrás a gente não conseguiria” (BRASIL, 2018).
O depoimento de Jorane Castro, cujo Núcleo viabilizou apenas um projeto, está
alinhado com esta percepção uma vez que a produtora TV Norte Independente estava iniciando
suas atividades na produção de conteúdo audiovisual e, ao contrário de seus pares de São Paulo,
Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, não contava com um histórico de realizações numerosas
nem uma rede de contatos que facilitasse o acesso direto a tomadores de decisão de canais de
TV. Sem um atalho para chegar à mesa de negociação destes executivos, eles contaram com as
inscrições em editais, participação em pitchings e rodadas de negócios. A realidade regional
também surge na fala da líder: “[...] os nossos interlocutores locais são poucos. [...] a gente
depende sempre ou de mercados, a semana que vem vai ter o mercado do Maranhão, aí tem
Mercado Nordeste Lab em Salvador, então tem vários mercados hoje, encontro de negócios na
área audiovisual” (CASTRO, 2018).
Da ideia ao público, todas as ações realizadas para a produção de uma obra audiovisual
envolvem uma grande variedade de profissionais, com diferentes níveis de autonomia para
90

tomada de decisões, que estão situados em diferentes posições dentro da cadeia produtiva, mas
todos inseridos em um ecossistema.
Jeffcutt (2009), ao abordar um estudo sobre as Indústrias Criativas da Irlanda do Norte,
identificou quatro características genéricas que configuram este ecossistema: as interfaces de
conhecimento, o mix de expertise, a tecnologia e a organização.
A observação da forma como os núcleos se articularam com o mercado nos permite
ver pontos de contato com o que Jeffcutt intitula ecossistema. As interfaces de conhecimento
“constituem no mix de relações sociais, culturais e profissionais e nas redes que a empresa
possui e pode acessar.” (JEFFCUTT, 2009, p. 49). Verificou-se que dois núcleos criativos,
Giros e Casa de Cinema de Porto Alegre, eram de produtoras com mais de 20 anos de atividade,
e que outras, como a Boutique Filmes, embora mais jovens, eram conduzidas por profissionais
que já possuíam um histórico de realizações e parcerias comerciais com players como Globo,
Nickelodeon, Cartoon e Discovery Channel.
O mix de expertise engloba todas as competências que a produtora possui ou pode
acessar, não apenas criativas, mas também empresariais (JEFFCUTT, 2009). Aqui localizamos
a multiplicidade de competências articuladas pelos núcleos com profissionais polivalentes e
também, sempre que necessário, o recurso a perfis complementares como consultores e
prestadores de serviços técnicos e artísticos.
Em relação à tecnologia, “o meio da atividade criativa da empresa” (JEFFCUTT,
2009, p. 50), podemos considerar que, no caso dos núcleos criativos, foi a metodologia utilizada
para o desenvolvimento de seus projetos. E a organização, que “representa as capacidades
estruturais e operacionais da empresa” (JEFFCUTT, 2009, p. 50) relaciona-se com o trabalho de
prospecção realizado pelos núcleos, suas ações para levar seus projetos a parceiros estratégicos,
suas habilidades para fechar negócios em torno dos mesmos e, uma vez formalizada a parceria,
produzir os filmes e séries.
91

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O argumento central deste projeto foi o pressuposto de que, entre os Núcleos


Criativos selecionados no edital Prodav 03/2013, há diferenças substanciais entre as duas
tipologias de núcleos propostas - renovados e não renovados -, quanto à estruturação interna e
à forma como eles se articulam com o ambiente externo, o mercado, e que tais distinções
poderiam ser evidenciadas através do mapeamento das cartelas de projetos, da qualificação
técnica dos líderes, das metodologias utilizadas para desenvolver os projetos e das ações de
prospeção dos projetos.
Para alcançar os objetivos delineados, partiu-se de uma breve revisão histórica com o
propósito de compreender o contexto que levou o Estado brasileiro, por meio do FSA, a criar
uma linha de financiamento específica para a etapa de desenvolvimento de projetos. Na
sequência, líderes de ambas as tipologias, informantes-chave para o presente trabalho, foram
abordados por meio de entrevistas individuais em produndidade o que permitiu uma
abordagem qualitativa e colocou em evidência que a principal suposição, na amostra aqui
observada, é válida apenas parcialmente pois foram encontradas mais semelhanças entre as
categorias avaliadas.
As informações obtidas acerca da qualificação dos líderes mostraram que, apesar de
apenas dois dentre eles terem formação acadêmica em cinema, todos possuem grau superior
completo na área de ciências humanas e, no percurso profissional no setor audiovisual,
desempenharam, no mínimo, três funções: roteiro, direção e produção. O conhecimento
adquirido em todas as suas experiências prévias, de acordo com a percepção dos próprios
entrevistados, foi empregado no núcleo, com um leve destaque conferido às habilidades com
roteiro e produção.
A comparação entre as metodologias adotadas no ambiente interno dos núcleos
também não evidenciou diferenças significativas entre a forma de trabalhar de cada um.
Todos possuíam equipes específicas para cada projeto, implementaram salas de roteiristas e
conciliaram trabalho presencial e remoto. Em alguns casos, percebe-se uma maior interação
entre as equipes dos diferentes projetos no interior de um mesmo núcleo. Nestes casos,
encontros frequentes que reuniam toda a equipe envolvida eram espaços de troca coletiva
onde era possível opinar sobre todos os projetos. Outros núcleos tiveram um método de
produção dos conteúdos mais atomizado, com menor interação horizontal. Mas tanto no grupo
dos núcleos renovados quanto dos que não renovaram, foram encontradas as duas variações.
92

De maneira geral, os líderes foram muito ativos no processo de escritura. Nem


sempre desempenharam também a função de roteiristas, mas declararam ter acompanhado
muito de perto a produção dos conteúdos através de contato direto com os autores, leitura de
todo o material por eles produzidos e realização de script doctoring. E de certa forma, a
quase totalidade se envolveu nas estratégias e ações negociais, seja de maneira mais ativa,
protagonizando a alavancagem de negócios, ou mais passiva, quando este posto era assumido
por outro profissional, normalmente um dos sócios da produtora. Foram identificados casos
em que, na prática, a liderança foi concretamente ocupada por duas ou mais pessoas que
articularam competências complementares para cobrir todas as dimensões do
desenvolvimento: criativas, negociais e relacionais.
Um elemento interessante que vem à tona quando alguns líderes avaliam seus
núcleos é a importância e dificuldade de conseguir construir e manter um ambiente criativo
saudável. Não há uma fórmula precisa, mas envolve reunir as pessoas com os perfis
adequados ao que se pretende realizar, proporcionar remuneração, condições de trabalho
apropriadas, dar espaço à imaginação, às críticas e sugestões, e incentivar a colaboração sem
perder de vista que as propostas artísticas precisam também ser viáveis do ponto de vista de
produção e financiamento.
A preocupação com a viabilização dos projetos surgiu na fala de todos os líderes. Em
sua maioria, afirmaram que antes mesmo da inscrição no Prodav 03/2013, quando ainda
estavam decidindo quais projetos entrariam na cartela a ser inscrita no edital, levaram em
conta aspectos que poderiam aumentar as chances de viabilidade como ordem de grandeza do
orçamento necessário para produzir as obras, uma vez o desenvolvimento concluído, fontes de
financiamento existentes e acessíveis e o cenário mercadológico naquele momento. E aqui
pôde-se verificar que, mesmo partindo de uma visão similar, não necessariamente os
resultados foram os mesmos.
Em 2013, o mercado já lidava com o aumento expressivo de demanda de conteúdo
brasileiro por parte dos canais de TV paga. Algumas produtoras montaram cartelas voltadas,
exclusivamente, para televisão e foram muito exitosas alcançando o mínimo de viabilização
de dois quintos e às vezes até superando-o enquanto outras não conseguiram o mesmo
desempenho.
Se para viabilizar é preciso captar recursos em fontes públicas ou privadas, também
verificou-se que o trabalho de prospecção dos projetos foi realizado ao longo de todo o
processo de desenvolvimento em ambos os grupos. Assim, recorreram às oportunidades de
93

participação em eventos mercadológicos, rodadas de negócios e pitchings na tentativa de


fechar negócios com canais e distribuidoras.
Neste ponto, foi possível observar que, embora as ações voltadas para alavancar
recursos tenham sido executadas em todos os núcleos, o caminho percorrido não é totalmente
similar. Em alguns casos, o acesso dos líderes a agentes do mercado como executivos de
canais de televisão e distribuidores - pessoas que podem comprar uma ideia e disponibilizar
recursos para a produção de uma série ou um filme, mesmo que apenas uma parte, é de certa
forma mais fácil. Notou-se a presença de um certo capital relacional, seja ele favorecido pela
proximidade geográfica com profissionais de todos os elos da cadeia – especialmente no eixo
Rio/São Paulo -, pelo fato de, anteriormente ao núcleo, já terem realizado negócios com
canais brasileiros, internacionais e distribuidoras cinematográficas, pela longevidade de parte
das produtoras que possuem catálogos com numerosas produções, ou por uma combinação
destes três fatores.
Percebeu-se que núcleos com estas características conseguem dialogar com
tomadores de decisão com maior frequência e até mesmo de maneira informal. Já as empresas
iniciantes ou muito distantes do Sudeste fazem um trajeto mais formal para terem a
oportunidade de sentar à frente de um executivo e apresentar seu projeto. Via de regra,
precisam submeter suas propostas a uma avaliação prévia por meio de inscrições em eventos
de mercado para, então, participarem de defesas orais ou reuniões com representantes de
canais e distribuidoras.
Esta articulação mais próxima e mais frequente com agentes do mercado,
proporcionou algo fundamental para a estratégia de viabilização para boa parte dos núcleos
renovados: avaliar a receptividade e o nível de interesse despertado. Principalmente no
mercado de televisão - no qual é imprescindível a parceria de um canal para que um roteiro
seja de fato produzido -, este retorno é determinante. A partir dele, é possível interferir nos
projetos ou mesmo substituí-los por outros que possam ter chances mais reais de tornarem-se
obras audiovisuais após a conclusão do desenvolvimento. Este aspecto dialoga com o segundo
pressuposto da presente pesquisa, segundo o qual a forma de se relacionar com o mercado dos
núcleos renovados difere daquela dos que não foram renovados.
Devido à metodologia de pesquisa adotada, através da entrevista em profundidade, os
resultados aqui obtidos não podem ser considerados definitivos ou conclusivos. Mas,
permitem uma visão mais sistematiza dos elementos e ações que estão envolvidos em um
processo de desenvolvimento de projetos na modalidade de núcleo criativo. Destacam-se
achados como: o perfil de um profissional polivalente na posição de liderança, com
94

conhecimento amplo das etapas e funções do audiovisuais; todo projeto audiovisual nasce
para alcançar determinado público cujas características importam durante o desenvolvimento;
a pertinência de apresentar os projetos ao mercado o quanto antes para tomar decisões sobre
mudanças nos conteúdos ou mesmo substituição da proposta; a observação constante e
analítica do ecossistema no qual se está inserido e todas as mudanças que ele pode sofrer -
políticas, econômicas e sociais - , é fundamental para se adaptar e garantir a sobrevivência do
negócio.
A abordagem qualitativa deste trabalho baseou-se na experiência e percepção de
líderes de núcleos criativos o que permite uma visão endógena do tema. Para avançar na
investigação das condições que determinam, ou não, o êxito na viabilização de projetos
audiovisuais desenvolvidos por produtoras independentes, sugere-se uma investigação que
integre a perspectiva dos agentes de mercado que estão situados em um ambiente externo ao
núcleo como os executivos de canais e distribuidoras que sejam os responsáveis pela análise e
aprovação de projetos.
Se este estudo não encontrou traços distintivos determinantes ao comparar os núcleos
renovados e não renovados, supõe-se que talvez a resposta esteja com aqueles que podem
dizer sim ou não para um projeto. Além de elementos tangíveis como capacidade de
investimento financeiro, perfil editorial e estratégias de posicionamento junto a públicos
específicos, as decisões destes profissionais em relação à aceitação ou recusa de um projeto
também podem ser influenciadas por elementos intangíveis e subjetivos que uma nova
abordagem qualitativa pode evidenciar.
Outro ponto que merece ser aprofundado, diz respeito ao Núcleo Criativo enquanto
política pública. Na fase inicial desta dissertação, através de uma pesquisa bibliográfica e da
análise de dados secundários, foi possível observar que no Brasil, desde a década de 70,
políticas públicas federais de financiamento para o desenvolvimento de projetos audiovisuais
tem sido elaboradas, implementadas e reformuladas. Seja por meio de programas especiais na
época da Embrafilme, de mecanismos de fomento indireto via leis de incentivos fiscais após a
retomada da década de 90, ou via fomento direto, como as linhas Prodav 03, 04 e 05 do FSA,
o Estado, enquanto interventor ou regulador, tenta promover ações voltadas a este elo da
cadeia produtiva.
O lançamento, em 2013, de uma linha do FSA dedicada a financiar Núcleos
Criativos ocorre pouco tempo depois da entrada em vigor da Lei 12.485. Ela dispõe sobre a
comunicação audiovisual de acesso condicionado e cria cotas obrigatórias de conteúdo
brasileiro de produção independente para todos os canais classificados como sendo de espaço
95

qualificado. Isto impacta o mercado e gera uma demanda por conteúdo nacional sem
precedentes. O agente público, neste caso o Fundo Setorial do Audiovisual, cria fontes de
financiamento para projetos desenvolvimento que se somam às já existentes para produção e
comercialização.
Ao comparar os dados dos investimentos em projetos de desenvolvimento realizados
por meio da Lei do Audiovisual com os números do FSA, observa-se diferenças consideráveis.
No primeiro caso, ao longo de 15 anos – entre 2002 e 2017 – foram investidos R$ 11,4 milhões,
em 69 projetos de longa-metragem para cinema, todos propostos por empresas sediadas no eixo
Rio/São Paulo, enquanto o Fundo, somente pelo Prodav 03 para núcleos criativos, aportou R$
105,5 milhões no desenvolvimento de aproximadamente 600 projetos de tipologias diversas –
ficção, documentário e animação -, e destinados a segmentos de mercado variados. Não apenas
propostas de filmes para cinema são contempladas, mas também projetos de séries para canais
de TV e VOD. A política de cotas regionais também é um marco importante e com isso passam
a ser contempladas propostas de todas as regiões do país.
No segundo semestre de 2018, as linhas de desenvolvimento de projetos voltaram a
ser objeto de reformulação por parte do FSA. Durante a 49ª reunião do Comitê Gestor, foi
apresentado um estudo43 sobre os resultados das chamadas Prodav 03, 04 e 05 e, a partir, dele,
foi divulgada a resolução 186/2018 que traz o novo desenho das linhas de desenvolvimento
com algumas condições de participação substancialmente modificadas. Serão alocados R$ 10
milhões para investimento em carteiras de projetos de séries que passam a ter no mínimo dois
e no máximo quatro projetos; no Fundo financiará até 90% do orçamento total de
desenvolvimento e caberá à produtora comprovar a complementação dos 10% restantes; a
inscrição de projetos para TV será habilitada somente se forem apresentados contratos já
firmados com programadoras ou emissoras que tenham a opção de pré-licenciar os direitos da
obra audiovisual que vier a ser produzida a partir do roteiro desenvolvido.
As políticas públicas para o audiovisual brasileiro, e aqui especialmente aquelas que
fomentam a etapa de desenvolvimento, estão em constante mutação e muitas fórmulas já
foram testadas. Propõe-se uma análise dedicada a verificar quais dados e indicadores
sustentam as alterações apresentadas pelo Comitê Gestor do FSA e quais foram os resultados
encontrados pelo estudo da Ancine em relação aos impactos do Prodav 03, 04 e 05.


43
O estudo realizado não foi publicizado
96

REFERÊNCIAS

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APÊNDICE – ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA LÍDERES

P1. Quais são os formatos e gêneros dos projetos de seu Núcleo Criativo e quais foram as
razões que levaram vocês a escolher estes projetos?

P2. Em relação à equipe, quantas pessoas integraram o Núcleo Criativo e qual a função de cada
uma?

P3. Qual foi a metodologia adotada para o desenvolvimento?

P4. Você poderia descrever sua trajetória profissional e explicar como exerceu sua função de
líder no Núcleo?

P5. Para que seja possível receber investimento do FSA para um segundo Núcleo Criativo, é
preciso comprovar a viabilização de realização de, no mínimo, dois quintos dos projetos da
primeira cartela. E os critérios de viabilização para o FSA estão diretamente relacionados com
recursos captados para a etapa de produção. Durante o processo de desenvolvimento, foram
adotadas estratégias específicas com o objetivo de captar recursos para a produção dos projetos?
Caso sim, poderia descrevê-las?

P6. Durante o processo de desenvolvimento, a escritura dos roteiros foi influenciada por algum
profissional externo ao Núcleo como distribuidor ou representante de canal de TV?

P7. Ainda sobre o processo de escritura de roteiros, foram utilizados elementos como custo de
produção, dados de mercado, perfil editorial de canal de TV ou algum outro que possam ter
impactado na escritura ou reescritura dos projetos? Caso sim, poderia explicar como isso
ocorreu?

P8. Do ponto de vista de viabilização, qual o status de cada um dos projetos da cartela?

P9. Qual sua opinião sobre os Núcleos Criativos enquanto política pública?

P10. Hoje, ao analisar o processo de desenvolvimento dos projetos no núcleo criativo, faria algo
diferente? Caso sim, o que seria e por quê?

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