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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

ANA CAROLINA DE OLIVEIRA ROCHA

A CONTRIBUIÇÃO DE MONTAIGNE PARA A HISTÓRIA DA FILOSOFIA SOB A


PERSPECTIVA DO CAPÍTULO “AO LEITOR” EM “ENSAIOS”

BRASÍLIA
2022
ANA CAROLINA DE OLIVEIRA ROCHA

A CONTRIBUIÇÃO DE MONTAIGNE PARA A HISTÓRIA DA FILOSOFIA SOB A


PERSPECTIVA DO CAPÍTULO “AO LEITOR” EM “ENSAIOS”

Trabalho final apresentado à disciplina “Introdução à História da


Filosofia”, oferecida pelo Departamento de Filosofia da
Universidade de Brasília.
Professora: Raquel Imanishi Rodrigues

BRASÍLIA
2022
“Aqui está um livro de boa-fé, Leitor. Ele te adverte, desde o início, que não
me propus outro fim além do doméstico e privado. Nele não tive nenhuma
consideração por servir-te nem por minha glória: minhas forças não são
capazes de tal desígnio. Dediquei-o ao uso particular de meus parentes e
amigos, a fim de que, tendo-me perdido (o que breve terão de fazer), possam
aqui encontrar alguns traços de minhas atitudes e humores, e que por esse
meio nutram, mais completo e mais vivo, o conhecimento que tem de mim.
Se fosse para buscar os favores do mundo, teria me enfeitado de belezas
emprestadas. Quero que me vejam aqui em meu modo simples, natural e
corrente, sem pose nem artifício: pois é a mim que retrato. Meus defeitos,
minhas imperfeições e minha forma natural de ser hão de se ler ao vivo, tanto
quanto a decência pública me permitiu. Pois se eu estivesse entre essas
nações que se diz ainda viverem sob a doce liberdade das leis primitivas da
natureza, asseguro-te que teria com muito gosto me pintado por inteiro e
totalmente nu. Assim, Leitor, sou eu mesmo a matéria de meu livro: não é
razão para que empregues teu vagar em assunto tão frívolo e vão. Portanto,
adeus. De Montaigne, neste primeiro de março de mil quinhentos e oitenta.
(MONTAIGNE, 2010).

Os ensaios de Montaigne são, em grande parte, repletos – ou são, em si – de relatos


pessoais. Estes, por sua vez, têm uma importância enorme para a história e, em especial, para
a história da filosofia.

É inegável que a filosofia antiga e seus autores utilizaram, de forma recorrente, de


depoimentos e relatos pessoais para a transmissões de pensamentos e ideais: Platão, através
do relato de situações experienciadas por ele próprio – ou por seu mestre Sócrates –
transmitiu, através de uma obra extensa, o talvez mais importante e conhecido repertório da
filosofia. A importância dos relatos, entretanto, não se limita à filosofia: a literatura do gênero
não-ficção tem ganhado cada vez mais espaço entre os best-sellers contemporâneos.

Numa perspectiva literária não-filosófica, o sucesso dos livros de não-ficção pode ser
justificado pela facilidade de identificação e conexão entre autor e leitor. Tal perspectiva pode
ser facilmente estendida para o universo da literatura filosófica.

Platão utilizava, por exemplo, de situações cotidianas e rotineiras para iniciar os seus
diálogos, explicitando ainda mais a sua intenção de conectar-se a possibilitar uma
identificação por parte de seus leitores. Em A República, o autor utiliza de várias
situações/pensamentos comuns e de vários personagens com personalidades distintas para a
construção de sua argumentação sobre diversos temas.

Quanto aos ensaios de Montaigne, foi de suma importância a utilização de relatos


pessoais para a apresentação e discussão dos temas presentes em Ensaios. Além de
importante, pode-se dizer que foram também, estratégicas: a inserção dos temas a serem
discutidos em situações comuns, simples e rotineiras torna, como supracitado, muito mais
possível a identificação dos leitores com os temas e, consequentemente, aumenta a chance de
um acatamento das opiniões transmitidas pelo autor.

Quanto ao capítulo “Ao Leitor” presente em Ensaios, é digno de nota a intenção ali
transmitida por Montaigne. Apesar da insistência da intenção “doméstica e privada” do livro,
deixa, em seus ensaios, a clara intenção de transmissão de um pensamento próprio a outros
indivíduos. Além disso, caso a intenção fosse realmente a de uso doméstico e privado, a
publicação de seus ensaios não teria sido efetivada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MONTAIGNE, Michel de. “Ao leitor” e “Os canibais” in Ensaios – Uma seleção. M. A.
Screech (org.) Trad. Rosa Freire Aguiar. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras,
2010, pp. 37-38, 139-157.

AUERBACH, Erich. “O escritor Montaigne”. IN: MONTAIGNE, Michel de. Ensaios – uma
seleção. Tradução Rosa Freire D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, pp. 9-30.

NOVAIS, Fernando A. “Entrevista”. In: Aproximações – Estudos de história e historiografia.


São Paulo: Cosac Naify, 2005.

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