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PLANEJAMENTO (SEQUÊNCIA DIDÁTICA)

INICIAÇÃO À LEITURA INDÍGENA

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Público-alvo: Uma turma de 29 alunos do 8° ano de uma escola municipal urbana, com idade de 12 à 14
anos.
Professor(a): Rochelle da Fonseca Oliveira Contato: rochelle.oliveira@acad.ufsm.br

1. Tópico: Leitura

2. Objetivos: (Atitudinais, factuais / conceituais, procedimentais)


A ORGANIZAÇÃO DESTA PROPOSTA DIDÁTICA TEM COMO COMPROMISSO CRIAR ESPAÇO
PARA QUE O ESTUDANTE APRENDA A:
2.1 Atitudinais:
- respeitar a opinião dos pares;
- contribuir com reflexões coletivas;
- trabalhar em grupo colaborativamente;
- contribuir para um ambiente que favoreça a concentração e a interlocução.

2.2 Factuais / conceituais:


- reconhecer a relevância e influência da cultura indígena na construção da identidade nacional brasileira;
- refletir acerca do aspecto coletivo das identidades e dos pertencimentos aos lugares e povos;
- refletir sobre suas próprias histórias, culturas e línguas enquanto sujeitos pertencentes a uma
coletividade;
- inferir a presença de valores sociais, culturais e humanos e de diferentes visões de mundo, em textos
literários;
- considerar, em textos literários, a autoria e o contexto social e histórico de sua produção;
- valorizar a literatura e outras manifestações artístico-culturais como formas de acesso às dimensões
lúdicas;
- reconhecer o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura.

2.3 Procedimentais:
- conhecer, brevemente, características linguísticas e culturais dos povos indígenas;
- iniciar o contato com a leitura de literatura indígena por meio de um mito de criação Guarani;
- interpretar coletivamente o conto, levando em consideração os aspectos que norteiam a cosmovisão
Guarani;
- sistematizar o conhecimento adquirido por meio da produção de uma árvore genealógica do conto lido e
interpretado;
- envolver-se com as discussões expostas pela turma e professor(a) no feedback coletivo.

3. Conteúdos: Leitura - literatura indígena

4. Justificativa:

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Mesmo após a Lei 11.465/08 de 2008, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura indígena e
afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, o estudo da cultura e da literatura de
autoria indígena ainda é muito desconhecido e pouco trabalhado nas escolas. Do mesmo modo, quando
desenvolvido nas instituições básicas de ensino, o conteúdo sobre os povos originários estudado sempre
foi insuficiente e reduzido ao período de colonização do Brasil ou à representação apenas como folclórica.
Portanto, faz-se essencial inserir a leitura de Literatura Indígena no componente curricular de Português
e/ou Literatura, pois acredita-se que a cultura destes povos é benéfica para a aprendizagem, visto que
permite que os discentes desenvolvam uma maior consciência sobre a identidade nacional, assim como o
interesse por outros tipos de literatura para além do cânone.

5. Tempo estimado: 5 períodos de 50’


6. Recursos: Projetor, xerox, cartolina, MUC (materiais de uso comum).

7.Avaliação:
7.1. Critérios: Concentração;
Envolvimento;
Autoria;
Respeito pela opinião do outro;
Adequação à proposta.

7.2. Instrumentos: Observação direta;


Reflexão oral coletiva;

8. Desenvolvimento* Tempo

1ª Etapa - Provocação - Sensibilização sobre aspectos da cultura indígena 25’

Provocação: (oralmente)
1) Vocês conhecem algumas dessas palavras? O que elas significam?
2) Qual a língua de origem dessas palavras?
*Ouvir diferentes respostas.
3) Você sabia que o Tupi é uma dentre as cerca de 350 faladas no Brasil que sobreviveram ao processo
de colonização iniciado em 1500, e que formam o português falado no país?

Palavras que vêm das línguas indígenas (xerox)

O tupi foi a língua mais falada no Brasil até o século XVIII. Em 1758, foi legalmente proibido de ser utilizado
em estabelecimentos de ensino e em órgãos públicos.
Mais de dois séculos foram suficientes para o português incorporar várias palavras do tupi, principalmente
as designativas de elementos do universo indígena, tais como lugares, rios, plantas e animais.

Capivara: veio do tupi kapii’gwara, palavra formada de ka’pii, capim + gwara, comedor.
Carioca: veio do tupi kari’oka, que significava casa (oka) do homem branco (kari).
Catapora: veio do tupi tata’pora, palavra formada de ta’ta, fogo + ‘pora, que brota. Os dicionários registram a

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forma tatapora. O povo, sabe-se lá porquê, preferiu dizer catapora, forma também dicionarizada.
Mingau: veio do tupi minga’u, comida que gruda.
Peteca: veio do tupi pe’teka, bater com a palma da mão.
Tocaia: veio do tupi to’kaya, casinha ou cercado onde o indígena se escondia para surpreender um inimigo
ou uma caça.
Perereca: veio do tupi pere’reka, que significa “indo aos saltos”.
Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/blog/dicas-de-portugues/post/palavras-que-vem-das-linguas-indigenas.html

PROCEDIMENTOS:
a) Escrever no quadro as palavras de origem tupi que fazem parte do nosso vocabulário como capivara,
carioca, catapora, mingau, peteca, tocaia e perereca;
b) Questionar sobre os seus conhecimentos prévios dessas palavras, o que elas significam e de que
língua se originam;
c) Registrar no quadro as diferentes respostas que forem surgindo;
d) Apresentar o significado destas palavras, sua língua originária (o Tupi) e entregá-las de forma
impressa.

2ª Etapa - Provocação - Sensibilização sobre aspectos da cultura indígena 25’

Pré-leitura: (oralmente)
1) Vocês conhecem algumas dessas palavras? O que sabem sobre elas?
*Ouvir diferentes respostas.
2) Você sabia que as palavras e personagens apresentados são considerados narrativas de
origem?

Narrativas de origem (no quadro): São histórias que contam como cada povo concebe o
mundo, os animais, os seres humanos, a natureza, os costumes, religiosidades e espiritualidades
de sua cultura .

Literatura indígena X Folclore brasileiro (xerox)

Por muito tempo as literaturas indígenas têm sido descritas de forma equivocada como folclore,
mitos ou lendas, fazendo com que participem de um lugar menor na cultura brasileira, sem
prestar o devido valor e reconhecimento às narrativas que fazem parte das culturas, das artes e
das espiritualidades dos povos indígenas. Por isso, a representação da Literatura Indígena
apenas como folclórica, alimentada por mitos e lendas, é uma visão redutora e equivocada de
uma expressão que abarca em si a memória, a história, a espiritualidade e a ancestralidade dos
povos originários.

PROCEDIMENTOS:
a) Escrever no quadro títulos de narrativas de origens popularmente conhecidas como Saci
Pererê, Boto, Curupira, Caipora, Guaraná, Mandioca e Vitória-Régia;

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b) Solicitar que digam o que sabem sobre elas;
c) Discutir com os alunos as respostas apresentadas;
d) Explicar e escrever no quadro a definição de “narrativas de origem”;
e) Discutir a diferença entre literatura indígena e folclore brasileiro e entregar panorama de
forma impressa.

3ª Etapa - Leitura descoberta - Leitura de um mito de criação tupi-guarani 50’

Vídeo: (projetor) Mito da criação (com direção de David Vidad, sob a narração e texto de
Kaká Werá - presente no seu livro "O mito tupi-guarani da criação".
Disponível em: https://youtu.be/cwvZ8dXYx5g

Sobre o vídeo: (oralmente)


1) Vocês já conheciam esse mito de criação tupi-guarani ou conhecem algum outro
semelhante?

Sobre o autor: (projetor)


Kaká Werá Jecupé (São Paulo, São Paulo, 1964), escritor,
ambientalista e tradutor. É descendente do povo tapuia e
acolhido pela comunidade guarani, com a qual desenvolve
uma extensa pesquisa histórica, linguística e cultural.
Envolvido em processos educativos, atua na valorização, no
registro e na difusão dos saberes ancestrais de povos
indígenas.
Disponível em:
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa641362/kaka-wera
Livros publicados:
● Tupã Tenondé (2001)
● A Terra dos Mil Povos - História Indígena do Brasil Contada por um Índio (1998)
● O mito tupi-guarani da criação.
● Oré Awé Roiru'a Ma - Todas as Vezes que Dissemos Adeus (2002)
● As Fabulosas Fábulas de Iauaretê (2007)
● O Trovão e o Vento: Um Caminho de Evolução pelo Xamanismo Tupi-Guarani (2016)
● A Águia e o Colibri - Carlos Castañeda e Ancestralidade Tupi-Guarani: Trilhas com
Coração (2019) (em coautoria com Roberto Crema)
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Kak%C3%A1_Wer%C3%A1

Literatura Indígena (projetor): movimento que começou a se fortalecer na década de 1990 e


que reúne escritoras e escritores de diversos povos originários que buscam valorizar a identidade
e suas culturas. Algumas dessas formas de valorização são a escrita de narrativas de origens
antes só contadas oralmente, a adoção do nome do povo indígena ao qual os autores pertencem,

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como é caso de autores de Daniel Munduruku e Eliane Potiguara, e a manifestação da relação
desses povos com a natureza.

PROCEDIMENTOS
a) Projetar o vídeo Mito da criação aos alunos;
b) Questioná-los se já conheciam essa ou alguma outra narrativa de mito de criação;
c) Apresentar, após o vídeo, por meio de uma apresentação de slides, informações sobre o
autor indígena Kaká Werá;
d) Apresentar o que é o movimento de Literatura indígena a qual o autor pertence, assim
como trazer nomes de outras obras pertencentes a ele.

4ª Etapa - Leitura descoberta - Leitura de um mito de criação tupi-guarani 50’

Leitura: A VOZ DO TROVÃO (mito da criação segundo a cultura guarani), de Kaká Werá.

(xerox) A VOZ DO TROVÃO


(mito da criação segundo a cultura guarani)
Naquele tempo, nem antigo e nem passado, porque nem tempo havia, já existia
Nhamandú. Sua presença é como se uma música infinita desde sempre ecoasse em um ritmo
cadenciado, vibrando a luz da vida. Muitos lhe chamam de respiração do sempre-viver.
Nhamandú inspira e quando sopra seu hálito, a existência simplesmente acontece.
Uma vez NHAMANDÚ inspirou e, quando soprou, nasceu KUARAY, de dentro dele
mesmo, pleno de brilhantíssima luminosidade. Por sua vez, KUARAY, de si mesmo, no seu
coração, faz surgir TUPÃ, que se põe a dançar e cantar na imensidão de Nhamandú e criando
mundos através de seus cantos sagrados.
TUPÃ criou a Mãe Terra, e também muitas outras mães estelares, através de um cantar,
na pausa de uma respiração relampejante. Talvez tenha sido um suspiro. Sim, um suspiro divino!
Após isso, o espírito da Mãe Terra flutuou na imensidão como uma fumaça que foi assumindo a
forma de uma quase serpente, algo como uma fumaça luminosa, que foi se esticando, se
esticando, depois foi se contorcendo, se enrodilhando, se encolhendo, se tornando oval, depois
foi aos poucos se arredondando e ali ficou, em um giro dançante, talvez azul, talvez prateada,
não sei, mas brilhava irradiante!
Adormeceu.
Sonhava. Foi assim, sonhando-se, que a Mãe Terra transformou-se em uma imensa
tartaruga estelar. Então Tupã olhou e desenhou em seu corpo as primeiras entidades:
montanhas, rios, lagos, nascentes, florestas, desertos e planícies.
Depois disso, Tupã precisava de alguém para continuar o trabalho da criação. Foi assim
que Ele sonhou em criar o primeiro ser humano, que na antiga língua dos nossos antepassados
foi chamado de NHANDERUVUÇU; mas ele era diferente dos homens de hoje. Quando o
primeiro ser humano veio, ele não conseguia viver na Terra. Ele era como se fosse feito de vento
luminoso, algo assim como um vento que dá pra pegar. Ah, e tinha asas, iguais àquelas dos
pássaros, que ainda não existiam. Como ele era muito leve, vivia mais no ar. Então ele foi dizer à

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Tupã que não conseguia viver sobre a Terra. O Criador pensou e sugeriu que ele percorresse os
quatro cantos do mundo e fosse atrás das entidades, que elas lhes ensinariam.
NHANDERUVUÇÚ flutuou em direção ao Leste que lhe convidava com sua manhã
pacífica e encontrou com uma imensa rocha. Ele olhou, olhou, e disse:
- Pedra, você pode me ensinar a viver na Terra?
- Claro, entre em mim.
Tornou-se pedra. Viu-se pedra. Grande rocha que nesse momento passou a se deliciar
meditando horizontes...
- Ah! Então é assim que é viver na Terra... – pensou Nhanderuvuçú.
Pensava. Pesado e fixo no chão. Saboreava inúmeras nascentes, até que, um dia; o
espírito da pedra lhe disse:
- Pronto.
- Pronto o que? – disse Nhanderuvuçú em êxtase meditativo diante da beleza do
horizonte.
- Acabou.
- O que é acabou?
- Acabou, acabou, acabou. Vamos... Não é só assim que é viver na Terra. Há muito mais
coisas a viver. Vamos, saia, vá viva.
Então ele sai e se dirige ao sul. Lá ele encontra a primeira árvore do mundo. Pindovy. A
palmeira ancestral. E ele diz:
- Ei, você pode me ensinar a viver na Terra?
- Sim. Claro. Entre em mim.
Assim ele entrou, tornou-se frondosa árvore. Foi quando sentiu suas raízes bem fundas,
captando a umidade e o frescor da terra, e gostou.
- Que coisa boa! – Ele sentiu. Era a umidade das raízes em contato com o chão. Era a
verticalidade alta do tronco indo para o alto e se espalhando em uma cabeleira de folhas que
dançavam ao sopro do vento. Era muito bom tudo isso! Era sentir-se fixo e alto. Era sentir a
ponta das raízes bem no fundo, sendo alimentada pela própria terra. Era o tempo passando
nesta postura altiva, às vezes recebendo sol, às vezes chuva, às vezes nuvens. Até que um dia:
- Pronto.
- Pronto o que?
- Pode sair. – disse o espírito da árvore – você já aprendeu comigo. Continue sua
jornada, há muitos seres que podem lhe ajudar nesta sua tarefa.
Então Nhanderuvuçú foi para o norte e encontrou o primeiro animal ancestral, era a
onça. Que olhou para ele fixamente e lhe transmitiu uma mensagem:

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- Entre em mim. Assim entenderá o que eu sou e saberá o que eu posso.
Nhanderuvuçú se tornou onça. Estranhou as quatro patas, eram como raízes, mas ao
mesmo tempo livres na superfície do chão. Gostou muito. Aprendeu a caminhar. Aprendeu a
correr.
De repente, viu que algo mais diferente ainda estava aprendendo, era o cheiro das
coisas. Foi caminhando e cheirando, cheirando, cheirando: cheirando a terra, o ar, o dia. Logo
mais se pôs a correr e sentiu o vento batendo no rosto... Muito bom!
- Tudo isso eu posso e sou – disse o espírito da onça.
- Muito bom! – disse Nhanderuvuçú.
A onça corria tentando alcançar o horizonte quando resolveu ir em direção à uma
montanha ao norte. Foi no pé desta montanha que ela falou:
- Agora siga o seu caminho, pois comigo já aprendeu o que eu sabia. Pode ir.
Nhanderuvuçú foi. Subiu a montanha. No alto viu uma gruta, que irradiava de dentro dela
uma luz prateada que lhe chamou a atenção. Entrou na gruta. Viu lá no fundo a figura de uma
serpente, prateada, de onde a luz saía, mas era uma serpente serena... Não representava
nenhuma ameaça. Então ele pergunta:
- Você pode me ensinar alguma coisa sobre a Terra?
- Eu sou o espírito da Terra. Sou a protetora das entidades da Terra. Das montanhas.
Dos vales. Dos rios. Das florestas. Em todo lugar eu estou.
- Então pode?!
- Sim.
O espírito da Terra esticou sobre o chão e foi recolhendo com seu corpo o barro úmido
da gruta. Com ele foi moldando um corpo. Era o corpo humano. Do próprio húmus teceu,
modelou, inspirou. No final, com dois pequenos cristais da terra fez os olhos. Por fim ela disse:
- Entre aqui, neste molde, e aprenderá muitas coisas sobre a terra. Aqui tem sua própria
essência.
Nhanderuvuçú entrou e sentiu a verticalidade do molde com as raízes dos pés soltas, era
muito diferente. Sentiu cheiro. Sentiu friagem. Sentiu calor. Olhou em volta, foi até a entrada da
gruta e foi a primeira vez que ele viu o mundo com olhos de cristal.
- Que lindo o mundo!
- Junto com este corpo que te dei há também meus dons e minhas marcas. Os traços da
terra, da água, do fogo e dos ventos. – disse o espírito da Terra.
- E o que faço com estes dons?
- São preciosos! Com estes dons você me ajudará na criação. Com eles dentro de você
podes criar o que quiser – disse a serpente espírito.
- De que jeito?

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- Estes dons fazem você sentir, sonhar, inspirar...
- Ah!!!
- Mas além disso, há os dons de Nhamandú, de Kuaray e de Tupã. Juntando todas estas
qualidades, tudo o que você imaginar poderá se manifestar.
- Como? – perguntou Nhanderuvuçú.
- Através dos pensamentos e das palavras. Preste atenção no que dizes. Cuidado com a
sua fala, pois tudo que disser, assim será.
Após estas recomendações e observações, Nhanderuvuçú desce a montanha e se põe a
andar pelo vale. Seus pés tocam e sentem a suavidade do chão e caminham buscando novas
trilhas. O tempo passa pelos seus passos. Até que então ele olha o céu, suspira, e lhe vem na
mente uma palavra:
- Arara.
Assim surge a primeira arara no mundo. Azul intenso voando sobre o azul suave. Ele viu
e seus pensamentos também voaram e foi falando:
- Araruna. Acauan. Carcará. Parakao. Anum. Guará. Guararema. Guaratinguetá.
Foram muitos nomes e muitos pássaros surgindo no céu dos seus pensamentos e
passando a existir no mundo. Depois ele se pôs a olhar para o chão e começou a falar:
- Jacaré. Jararaca. Jararacuçu. Paca. Tatu. Capivara. Saruê. Caxinguelê.
Assim foram surgindo os animais da terra, e muitos outros nomes foram sendo ditos.
Nhanderuvuçú ia andando e falando. Até chegar à margem de um rio, quando ele disse:
- Aruanã...pirarucu...piranha...tambaqui...pirapiré... E foram surgindo os peixes na Terra.
Nhanderuvuçú ficou impressionado e ressabiado. Falou nomes de plantas, de árvores, e muitas
coisas passaram a existir.
Sua vida era cantar, andar, falar, sonhar, pensar, imaginar. Até que um dia ele resolve
voltar para a gruta. Foi conversar com o espírito da Terra.
- Mãe Terra, vim devolver o corpo e os dons que me deste para viver aqui. – disse
Nhanderuvuçú.
- Não, não precisa devolver. Pode ficar para sempre. – respondeu o espírito da Terra.
- Eu fui pedra, palmeira, onça; e tudo isso deixei de ser e devolvi aos seus donos os
corpos que eles me emprestaram. Eu só queria aprender como era viver nestes moldes. Agora
queria voltar para o alto. Agradeço o seu presente e seus dons, mas queria entregar.
A Mãe terra então lhe disse que ele poderia ficar com aquele corpo pelo tempo que
quisesse e que quando se cansasse poderia fazer uma cova em qualquer lugar, não precisaria
voltar à gruta.
Nhanderuvuçú então desceu. Ele achava que já havia participado o suficiente da criação.
Animais da terra, pássaros, peixes, coisas e coisas já viviam pelo mundo. Caminhou em direção
ao rio, lhe chamou a atenção uma cachoeira no final da curva e foi por ali se banhar. Após um

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mergulho, ficou de pé diante de um poço cristalino e foi quando viu através do espelho das águas
a sua própria imagem e disse:
- CUNHATAÍ-PORÃ!
Ele não sabia que era a sua futura companheira, mas quando ele falou estas palavras
surgiu a primeira mulher.
Ela se ergueu prontamente das águas e lhe fez companhia.
A mulher ergueu-se das águas em um dia pleno de céu azul, de modo que seu corpo foi
se modelando de uma luz que a tornou morena, de tons avermelhados.
- O que posso fazer por aqui? – disse ela.
- Ajudar a criar a vida na terra. – disse ele.
- Como?
- Através da inspiração de Tupã, uma inspiração que vem límpida como o céu. E através
dos dons da Mãe Terra.
Nhanderuvuçú e Cunhatay puseram-se então a caminhar juntos. Ela olha para o rio e diz:
- Você criou somente peixes cinzentos, é preciso por mais cor neste mundo das águas.
Cunhatay passa a recitar muitos nomes de peixes coloridos, enfeitando várias nascentes
e pequenos rios com sua criação.
Cunhatay olhou a floresta e criou alguns insetos coloridinhos e pintadinhos, como: a
Joaninha, o Louva-a-deus, a Borboleta, a Esperança.
Até que chegou um dia que se tornou inesquecível na memória da alma de muitas tribos
futuras, através de muitos cantos e danças, quando Cunhatay falou para Nhanderuvuçú:
- Seria bom se tivesse mais gente neste mundo! Vamos fazer isso?
- Como? – disse Nhanderuvuçú.
Então ela vai à floresta, pega uma semente de cada árvore, põe em uma cabaça e fecha
com um pedaço de pau e faz a primeira maraca. Cunhatay chacoalha e canta vários sons e as
sementes viram crianças. Essas sementes eram de quatro cores: vermelhas, amarelas, negras e
brancas. Algumas eram de frutos da terra, outras foram trazidas pelos ventos; algumas ainda
tinham o poder do fogo dentro de si e outras o poder das águas.
Quatro povos se formaram. Todos nascidos das sementes da natureza, como parte da
mesma tribo, a nação humana. Nhanderuvuçú e Cunhatay ensinaram a eles a sabedoria da Terra
e do Céu, enquanto iam crescendo e povoando o mundo.
Houve um tempo em que Nhanderuvuçú se cansou de andar pela Terra Mãe, mas não
queria ficar muito longe de suas sementes gente. Assim, transformou-se em Kuaracy, o sol.
Cunhatay, tempos depois, transformou-se em Jacy, a lua, e acompanha o povo e todos
os seus descendentes deste então, olhando-os nas noites claras e escuras.
Quatro filhos, Nhanderykei, Juruá, Yubá e Kambé continuaram o caminho dos pais, que

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haviam se tornado sol e lua, cuidando da aldeia ancestral.
Em um antigo entardecer, depois de Juruá mirar docemente o poente, surgiu a
curiosidade e o desejo de ir em direção até aquele mistério de cores, que começou a ser
chamado de “o outro lado do mundo”. Para isso tinha que atravessar um rio. Juruá não queria ir
sozinho. Chamou todos da aldeia. Foram alguns. Então os seguidores de Juruá atravessaram o
rio e sumiram na luz do poente.
Tempos depois, estava Yubá em sua canoa, quando teve o desejo de conhecer o mundo
além das nascentes que seus olhos viam. Acabou reunindo um pequeno grupo e rumaram para o
sul.
Kambé gostava de abrir caminhos e fazer trilhas. Tinha criado com seus amigos todas as
trilhas necessárias para a aldeia. Havia uma que levava ao rio. Havia outra que levava à
montanha. Havia ainda outra que levava ao interior da mata. E havia muitos caminhos que
circulavam a aldeia. Um dia Kambé teve um sonho de abrir caminhos muito distantes. Juntou seu
grupo, e assim foi.
Nhanderykei, o mais velho, ficou e com seu grupo, preservou os ensinamentos primeiros.
Continuaram vivendo em casas comunitárias, circulares, que ganharam o nome de ocas.
Viviam modelando barro e criando formas; usando às vezes sementes, cipós, folhas e
transformando-os em utensílios, artesanatos, coisas. Construindo ocas, malocas, tabas.
Um dia, a Tijary, que era a companheira de Nhanderykei, lhe procurou para revelar um
sonho. Ela estava muito ansiosa, pois tinha no sonho muito sofrimento, mas também tinha
libertação, e indicava uma linda primavera do povo da Terra.
Ela sonhou que muito tempo havia se passado, até que Juruá voltou com seu grupo e as
suas criações: espelhos, espingarda, trabuco, revólver, canhão, bomba, machado, faca. Foi tanto
tempo que se passara que Juruá havia se esquecido de que aquela aldeia era a sua origem e
que aquelas pessoas que ali habitavam também eram irmãos. Kambé também voltou, com muito
mais gente do que tinha saído, mas também não se lembrava de que ali tinha sido o seu lugar de
origem. Yubá chegou do céu, em máquinas voadoras, com muita gente voadora, mas também
sem se lembrar de que um dia tinha nascido ali. Até que o irmão mais novo feriu o irmão mais
velho com uma flecha, e a guerra se instalou entre todos. Foi quando o Sol e a Lua se
encontraram no céu, Kuaracy e Jacy, se abraçaram e choraram muito. Choveu lágrimas na Terra.
Foi então que Tupã trovoou e falou:
- Vocês todos são sementes da mesma floresta, que possui raiz no mesmo chão, que é
alimentada pelo mesmo sopro e a mesma luz do céu. Vocês não se encontraram novamente para
brigar, mas para amar, para partilhar suas experiências, suas vidas, suas sabedorias. E uma vez
partilhada a sabedoria da semente vermelha, a da semente amarela, a da semente negra e a da
semente branca; um novo povo nascerá. O povo dourado. O povo que vai nascer da união das
quatro sementes.
Quando Tupã disse isso, a chuva parou. A Terra molhada tinha um aroma de novo
tempo.
Foi então que o irmão mais velho disse para a sua companheira:
- Vamos plantar esse sonho nesta terra. Até que ele floresça.

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Foi assim que aconteceu. O sol nasceu na aldeia, vindo de um oriente dourado. A
primavera brevemente iria chegar.
WERÁ. Kaká. A VOZ DO TROVÃO (mito da criação
segundo a cultura guarani). Editora Peirópolis, 2011.

(xerox) Em grupo, leiam o texto e sublinhem as palavras desconhecidas e as passagens que


mais chamaram atenção e buscando responder às perguntas do roteiro norteador. Em seguida,
compartilhem as palavras e trechos destacados do textos nos momentos de leitura com colegas.

Roteiro para a leitura e interpretação coletiva do conto “A VOZ DO TROVÃO (mito da


criação segundo a cultura guarani)”, do autor Kaká Werá.
1. Em que lugar a história se passa? A história se passa inicialmente na escuridão, ou seja,
no espaço cósmico, e posteriormente na Terra (Mãe Terra).
2. Que personagens surgem na narrativa? Nhamandú, Kuaray, Tupã, Nhaderuvuçu,
Pindovy, Cunhataí-Porã, Kuaracy, Jacy, Juruá, Nhanderykei, Yubá, Kambé, Tijary, pedra,
onça e serpente.
3. Categorize as personagens em: humanos, animais, vegetais/rochas, divinos e híbridos.
Humanos: Nhanderuvuçu, Cunhataí-Porã, Juruá, Nhanderykei, Yubá, Kambé, Tijary.
Vegetais/rochas: Pindovy (árvore), pedra.
Divinos: Nhamandú, Kuaray, Tupã, Jacy, Kuaracy, Mãe Terra (serpente).
Animais: Onça, serpente.
Híbridos: Serpente (Mãe Terra) - animal/divindade.
4. Em qual tempo se passa a história? Espera-se que percebam que o tempo da narrativa é
antigo, aquele em que os seres foram criados ou em que os seres divinos conviviam com
seres humanos.

PROCEDIMENTOS:
a) Solicitar para que os alunos formem grupos de 4 ou 5 componentes;
b) Distribuir aos grupos, de maneira impressa, o conto A VOZ DO TROVÃO (mito da criação
segundo a cultura guarani) e explicar que o texto diz respeito à mesma narrativa do vídeo
apresentado anteriormente;
c) Distribuir e solicitar aos grupos que leiam o texto, sublinhando as palavras desconhecidas e
as passagens que mais chamaram atenção e buscando responder às perguntas da folha
de atividades.
d) Conversar com a turma sobre as palavras e trechos destacados do texto nos momentos de
leitura em grupo e iniciar a resolução coletiva da folha de atividade.

5ª Etapa - Pós-leitura - Fechamento e sistematização 50’

Sistematização do conhecimento: Produção de árvore genealógica

(xerox) Agora que vocês já leram e interpretaram o conto “A VOZ DO TROVÃO (mito da
criação segundo a cultura guarani)“, do autor indígena Kaká Werá, chegou o momento de
produzirem, nos mesmos grupos das atividades anteriores, uma árvore genealógica da
origem do mundo segundo a cosmovisão Guarani em cartazes.

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Orientações:
- Na árvore deve conter o nome dos seres que a compõem e suas representações
(opcional);
- Prestar atenção à ordem dos seres descendentes (do primeiro ao último);
- Não esqueça de conectar os nomes àqueles que os procedem.

Exemplos de árvores genealógicas: (xerox)

PROCEDIMENTOS:
a) Propor que a turma produza, nos mesmos grupos das atividades anteriores, uma árvore
genealógica da origem do mundo segundo a cosmovisão guarani em cartazes.
b) Orientar para a produção das árvores genealógicas e seus elementos;
c) Trazer exemplos de árvores;
d) Distribuir cartolinas e, se necessário, pincéis, marcadores, lápis, réguas, etc.
e) Ao final das produções, expor os cartazes nas paredes da sala.

6ª Etapa - Pós-leitura - Fechamento e sistematização 30’

Avaliação da atividade: Feedback coletivo (oralmente)

PROCEDIMENTOS
a) Em uma roda de conversa, realizar o Feedback coletivo com os discentes (partilhar sua
percepção quanto ao que a turma compreendeu sobre as características presentes na
narrativa de origem, consolidando esses conhecimentos, e levantando impressões gerais
das(dos) alunas(os) sobre o texto;
b) Promover a socialização sobre a atividade envolvendo a leitura e a sistematização do mito
tupi-guarani da criação (ponto de vista dos alunos).

9. Referências: (MDT)

NOGUEIRA, Sérgio. Palavras que vêm das línguas indígenas. 2014. Disponível em:
http://g1.globo.com/educacao/blog/dicas-de-portugues/post/palavras-que-vem-das-linguas-indigenas.html
Acesso em: 14 de nov. 2022.

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VIDAD. David. Mito da Criação. YouTube, 2014. Disponível em: https://youtu.be/cwvZ8dXYx5g Acesso em:
14 de nov. 2022.

WERÁ. Kaká. A VOZ DO TROVÃO (mito da criação segundo a cultura guarani). In: O mito tupi-guarani da
criação. Disponível em: https://pindorama.art.br/file/MitoGuarani-VerCompl.pdf Acesso em: 15 de nov. 2022.

10. Bibliografia: (MDT)

BRAGA, R. M. Constituindo o leitor competente: atividades de leitura interativa para a sala de aula. São
Paulo: Global, 2019. p. 25-29.

NASPOLINI, Ana Tereza. Didática do Português: leitura e produção escrita. São Paulo: FTD, 1996. P.
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DORRICO, Trudruá. Folclore brasileiro versus Literatura Indígena: entenda a diferença. ECOA UOL: Por
um mundo melhor, 2021. Disponível em:
https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/julie-dorrico/2021/08/25/folclore-brasileiro-versus-literatura-indigena-enten
da-a-diferenca.htm Acesso em: 15 de nov. 2022.

FERSECK, Sony. Apresentando a literatura indígena: Orientações para a leitura do conto “A gênese
Maraguá e a origem do mundo”, de Yguarê Yamã. Escrevendo o futuro, 2022. Disponível em:
https://www.escrevendoofuturo.org.br/blog/literatura-em-movimento/apresentando-a-literatura-indigena-orientac
oes-para-a-leitura-do-conto-a-genese-maragua-e-a-origem-do-mundo-de-yaguare-yama/ Acesso em: 15 de
nov. 2022.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ Acesso em: 16 de nov. 2022.

BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada
pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena”. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 10 março de 2008. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm Acesso em: 16 de nov. 2022.

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