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PERNAMBUCO, MAIO 2009
GALERIA
BE TO F IGU EI ROA
O nome do ensaio é Encarnado, negro e branco. “Essa foto tem o ponto de partida
nas cores e por essa porta se entra no imaginário do futebol, fora das quatro
linhas. Na hora do clique, o santinha apareceu e completou a cena”, explica o
fotógrafo, que mantém o portfólio em www.flickr.com/photos/betofigueiroa
Quando aqui na Redação nos deparamos Cláudia. O nosso dossiê Nabuco se encerra SUPERINTENDENTE DE CRIAÇÃO
com o centenário de morte de Joaquim com um ensaio da jornalista e doutora em
GOVERNO DO ESTADO Luiz Arrais
Nabuco, veio a questão: Tratar o tema a partir sociologia pela UFPE Carolina Leão, que DE PERNAMBUCO
EDIÇÃO
de onde? Pergunta mais que oportuna, devido lista as ideias do autor que sobreviveram ao Governador Raimundo Carrero e Schneider Carpeggiani
à vastidão da obra do abolicionista e do tempo. Vale ressaltar também o trabalho do Eduardo Campos
sem-fim de interpretações que ela suscitou nosso designer e ilustrador Flávio Pessoa, REDAÇÃO
Mariza Pontes e Marco Polo
ao longo dos anos. A solução começou que interpretou visualmente os textos com
Secretário da Casa Civil
a surgir a partir da própria função do um Nabuco (quem diria?!) psicodélico. ARTE, FOTOGRAFIA E REVISÃO
Ricardo Leitão
Pernambuco – um suplemento literário, Um dos temas mais em discussão hoje no Anna Karina, Flávio Pessoa, Flora Pimentel, Gilson
voltado a investigar (sobretudo) o universo mundo das letras é o do papel que o autor/ Oliveira, Militão Marques, Nélio Câmara e Vivian Pires
da ficção. Então, nada melhor que colocar narrador exerce no texto. Aquilo que você COMPANHIA EDITORA
PRODUÇÃO GRÁFICA
a tarefa nas mãos da escritora Cláudia Lage, está lendo é verdade ou ficção? Ou mesmo: DE PERNAMBUCO – CEPE Eliseu Souza, Joselma Firmino, Júlio Gonçalves, Roberto
autora do romance Mundos de Eufrásia, que é possível separar uma coisa da outra? Para Presidente Bandeira e Sóstenes Fernandes
ficcionaliza Nabuco. discutir esse assunto, contamos com um Leda Alves
Pedimos a Cláudia que voltasse no ensaio inédito de um dos maiores nomes da MARKETING E PUBLICIDADE
Diretor de Produção e Edição Alexandre Monteiro, Armando Lemos e Rosana Galvão
tempo e se desdobrasse para reencontrar teoria literária brasileira, Silviano Santiago,
como ergueu seu personagem a partir que em forma de depoimento autobiográfico Ricardo Melo
COMERCIAL E CIRCULAÇÃO
das sombras do homem histórico. “Para (algo raro em sua carreira) nos revela quando Diretor Administrativo e Financeiro Gilberto Silva
uma romancista, o material recolhido, as começou a “mentir”. Bráulio Menezes
informações levantadas, os dados e os fatos Sucesso no mundo virtual, Fabrício
registrados, os documentos lidos, todo esse Carpinejar explica o porquê da sua fixação CONSELHO EDITORIAL:
material é o início e não o fim do caminho. pelo universo do Twitter, e a partir deste mês
Mário Hélio (Presidente)
A pesquisa havia me trazido a personalidade o Pernambuco começa a publicar uma série PERNAMBUCO é uma publicação da
histórica, mas se ao escritor cabe conhecer de entrevistas com editores. Para começar,
Antônio Portela Companhia Editora de Pernambuco – CEPE
José Luiz da Mota Menezes Rua Coelho Leite, 530 – Santo Amaro – Recife
as personalidades, não lhe cabe conviver Plínio Martins, da Ateliê Editorial e da Edusp. CEP: 50100-140
muito tempo com elas. Para conviver, o É isso, boa leitura e bom 2010. Luís Augusto Reis Contatos com a Redação
escritor precisa de personagens”, explicou Os Editores. Luzilá Gonçalves Ferreira 3183.2787 | redacao@suplementope.com.br
BASTIDORES
um trem sem
1949, todas insatisfatórias. Jornada com Rupert é e não entre o pai de Rupert, Herr Hans, nascido no Vale, e
é o mesmo livro. Günther, nascido na Alemanha, que chega à região
Meu trato com a palavra é um exercício diário logo após a Guerra 1914-1918; enquanto o primeiro
ou quase, que vem desde a infância, quando eu já não hesita em aderir ao nazismo, orgulhando-se de
tentava adequar e dar uma certa unidade à nar- possuir um exemplar autografado do Mein kampf, o
destino certo
rativa interior ou expressa, procurando recriar os ex-combatente, que optara pelo Brasil influenciado
acontecimentos do dia. Tal atitude prenunciava o pela brasileira mãe de Thomas Mann, se dedica a
futuro jornalista e ficcionista. Guardava os rabiscos denunciar o perigo que Hitler representava. O entre-
por algum tempo, relia-os e os rasgava. Essa prá- choque repercute não só na comunidade mas também
tica me acompanha até hoje, tanto que, na minha nas relações entre Rupert e Ilse, a filha de Günther.
Escritor comenta o romance longa trajetória de mais de 70 anos no exercício da
escrita, mais rasguei do que publiquei.
Estabelecido em Blumenau, principal núcleo de
colonização do Vale do Itajaí, Günther abre uma
Jornada com Rupert, que Jornada com Rupert é uma das raras exceções, re-
sistiu, me acompanhou em Florianópolis, pelo Rio
relojoaria e um estúdio fotográfico. Gosto de de-
safiar o leitor, mas parece que dessa vez exagerei,
ARTIGO
Eu comecei
KARINA FREITAS
a mentir por
precaução
Em texto confessional,
teórico investiga os
caminhos da autoficção
Silviano Santiago
Em dois dos últimos livros de ficção que publi- Como tenho me valido do discurso autobiográ-
quei - O falso mentiroso (2004) e Histórias mal contadas fico nos meus escritos ficcionais? Para responder
(2005) -, tentei dar corpo textual a quatro questões à pergunta, passemos ao terceiro processo, o da
constitutivas do que tem sido para mim o exercí- contaminação.
cio da literatura do eu, ou para usar a nova termi- Ao reconhecer e adotar o discurso autobiográfico
nologia, o exercício da autoficção – as questões como força motora da criação literária, coube-me
da experiência, da memória, da sinceridade e da levá-lo a se deixar contaminar pelo conhecimento
verdade poética. direto – atento, concentrado e imaginativo – do dis-
Se pedisse ajuda a João Cabral de Melo Neto, estas curso ficcional da tradição ocidental. Com a exclusão
palavras trariam como título e intenção “Meditação da matéria que constitui o meramente confessional,
sobre o ofício de criar”. Ao poeta pernambucano o texto híbrido, constituído pela contaminação do
peço de novo ajuda para acrescentar que a medi- discurso autobiográfico pelo discurso ficcional – e
tação “nada tem de pregação e sequer da sugestão do ficcional pelo autobiográfico -, marca a inserção
de receitas possíveis”. do tosco e requintado material subjetivo meu na
No meu caso, cheguei à autoficção através de um tradição literária ocidental e indicia a relativização
longo processo de diferenciação, preferência e contamina- por esta de seu anárquico potencial criativo.
ção. Falo primeiro e ao mesmo tempo dos processos Inserir alguma coisa (o discurso autobiográfico)
de diferenciação e de preferência. Parti da distinção noutra diferente (o discurso ficcional no Ocidente)
entre discurso confessional e discurso autobiográ- significa relativizar o poder e os limites de ambas,
fico. O discurso propriamente confessional está e significa também admitir outras perspectivas
ausente de meus escritos. Nestes não está em jogo a de trabalho para o escritor e oferecer-lhe outras
expressão despudorada e profunda de sentimentos facetas de percepção do objeto literário, que se
e emoções secretos, pessoais e íntimos, julgados tornou diferenciado e híbrido.
como os únicos verdadeiros por tantos escritores A distinção entre discurso confessional e discurso
de índole romântica ou neorromântica. autobiográfico ganhou corpo textual em momento
Já os dados autobiográficos percorrem todos antigo no tempo, quando comecei a conjugar minha
meus escritos e, sem dúvida, alavanca-os, deitando própria experiência infantil de vida com o auxílio dos
por terra a expressão meramente confessional. Os verbos de minha memória. Ou seja, a distinção entre
dados autobiográficos servem, pois, de alicerce na confissão e autobiografia foi feita desde a mais tenra
hora de idealizar e compor meus escritos e, even- infância e existiu em mim, e desde sempre existe,
tualmente, podem servir ao leitor para explicá-los. como força a alavancar a imaginação criadora.
Traduz o contato reflexivo da subjetividade criadora A preferência pelo discurso autobiográfico e a
com os fatos da realidade que me condicionam e consequente contaminação dele pelo discurso fic-
os da existência que me conformam. cional se tornou prática textual, no momento em
Não nos iludamos, a distinção entre os dois dis- que o menino/sujeito teve a imperiosa necessidade
cursos tem, portanto, o efeito de marcar minha de jogar o confessional para o inconsciente e aliar a
familiaridade criativa com o autobiográfico e o fala de sua experiência de vida à invenção ficcional.
consequente rebaixamento do confessional ao grau A contaminação do biográfico com o confessional
zero da escrita. se tornou prática propriamente literária num segun-
ENTREVISTA
Plínio Martins
“ Sem dúvida
alguma, o catálogo
de uma editora é
de alguma forma o
“ Apesar das pesquisas
serem vagas, há
sinais de que estamos
lendo mais, sim. Não
retrato de seu editor. há um dia em São
Tudo que sou Paulo que não sejam
devo ao livro. lançados livros.
aluno que havia estudado cinco O Estado hoje é o principal editoras públicas e de pequeno Uma das coleções que mais Pena que existam tão poucas e
anos de medicina e resolveu comprador de livros no Brasil. e médio porte sofrem com dois me chama atenção na Ateliê seja tão difícil mantê-las.
largar tudo e fazer o curso de Como negócio isto é muito bom, problemas: distribuição e pouco é formada por livros sobre
editoração. Ele topou. principalmente para as grandes espaço na mídia. Como contornar editoração. Como o senhor Discute-se muito o tema da
A sede da editora ficava na editoras. As pequenas dificilmente estes problemas? vê a formação profissional virtualização do livro. Como
garagem de sua casa. O livro era O conseguem colocar algum A distribuição é de fato o do editor no Brasil? Publicar o senhor avalia as mudanças
mistério do leão rampante, de Rodrigo título nestas listas. As grandes já principal problema enfrentado livros sobre editoração seria na cadeia produtiva do livro
Lacerda. Com ele veio o primeiro produzem visando estas vendas, pelas editoras. É um problema uma extensão da sua prática relacionadas a este tema? Como
Prêmio Jabuti. O segundo livro, seguindo regras estabelecidas pelo estrutural. O Brasil hoje tem mais como docente da área? a Edusp e a Ateliê Editorial estão
Resumo do dia, de Heitor Ferraz, governo. Isso a longo prazo pode editoras do que livrarias. Como Sem dúvida é uma extensão da lidando com elas?
foi finalista do Prêmio Nestlé de ser ruim, principalmente quando distribuir bem nessas condições? prática não só como docente Vivemos num país no qual ainda
Literatura. No quinto livro, uma se ideologiza, criando regras do Quanto ao problema de espaço na mas também como editor. O não estamos alfabetizados pelos
reedição de Tropicália: Alegoria que e como se deve escrever. mídia nem se fala. As pequenas e catálogo de uma editora é de meios tradicionais. Perdemos
alegria, de Celso Favaretto, meu Corre-se o risco de perder algo médias editoras, em sua maioria, alguma forma o retrato de seu muito tempo e gastamos
sócio, Afonso, comunicou que importante que é a diversidade. não têm sequer um profissional editor. Tudo que sou devo ao livro. muita tinta sobre este tema. O
a editora não era bem o que ele Preferia que o governo em para fazer este trabalho. Por Quando comecei a trabalhar em problema central continua sendo
queria e não tive como convencê- qualquer esfera — municipal, ser um profissional caro, estas editora não havia livros sobre este a leitura. Se não se inventou algo
lo a ficar. Os livros que estavam estadual ou federal — investisse editoras preferem aumentar seu tema. A formação era puramente melhor para se ler do que o nosso
em sua garagem, em São Paulo, mais em educação e campanhas catálogo na esperança de que empírica. Havia inclusive uma bom e velho livro, para mim
foram para a sala de minha casa que incentivassem o hábito da este um dia permita ter esses certa prevenção contra os ficar falando sobre virtualização
em São Caetano do Sul. Em leitura e as pessoas tivessem o profissionais em seus quadros. É egressos de cursos que tentavam do texto, sobre e-books, kindle,
conversa com minha mulher, livre-arbítrio para escolher o que impossível disputar estes espaços formar pessoas para esta área. é uma perda de tempo e, ao
Vera, que havia feito letras e gostariam de ler e não receber com as grandes editoras. Como editor, procuro me valer mesmo tempo, ficar fazendo
belas-artes e tinha experiência um “prato feito” oferecido pelo Creio que uma solução seria do meu catálogo para me fazer propaganda de uma maquininha
em revisão em agência de governo. As editoras universitárias ampliar o número de livrarias e ouvir. Raramente o editor coloca idiotizante. Sou um homem do
publicidade e em editora, ela públicas e as pequenas editoras que estas fossem tratadas como por escrito ou dá a conhecer o que livro, livro impresso, e quero
topou dar continuidade ao projeto. exercem o papel de publicar essa espaços culturais com algum pensa sobre o meio do qual ele faz continuar sendo. A Internet, a
Em conversa com nossos dois diversidade sem se preocupar incentivo para que, de uma hora parte. O objetivo dessa coleção é sede da informação imediata e
filhos, expliquei o que era uma tanto com as leis de mercado. para outra, onde havia livraria procurar resgatar a arte de fazer sem reflexão, não me faz falta.
editora e disse-lhes que quem não se abra mais um boteco. livros bem feitos, coisa que a Há muitos bons livros a serem
ganha dinheiro com editora são os Nos últimos anos, observamos parafernália da informática quase lidos e relidos.
herdeiros e que se eles topassem que muitas editoras de pequeno Na Balada Literária (http:// destruiu. Apesar das facilidades
eu toparia continuar com ela. e médio porte são incorporadas baladaliteraria.zip.net/) deste que a tecnologia nos oferece Que conselhos daria àqueles
Concordaram. por editoras maiores. Às vezes, ano, alguns convidados das hoje, nosso ofício exige reflexão, que iniciam uma carreira de
Tomás, o mais velho, fez existem dezenas, ou centenas, mesas de debate afirmaram, com exige contato permanente com o editoração?
arquitetura na FAU e Gustavo, de selos, na mão de três ou otimismo, que o Brasil está lendo mundo das ideias e com o mundo Pense muito antes de entrar
que até os quinze anos publicara quatro empresas. Qual a sua mais. O senhor concorda? da tinta, do papel, da consciência neste ramo, que como negócio é
sete livros, fez jornalismo na ECA, avaliação disso? Apesar das pesquisas serem vagas social, da economia etc. Insisto o pior do mundo, mas vicia e dá
ambos na USP. O Tomás, ao se Isto é um fenômeno mundial. e pouco confiáveis, há sinais de em publicar livros para que este muito prazer. O editor, pessoa
formar, assumiu a produção e a Num primeiro momento, os que estamos lendo mais, sim. Não ofício dure por muitos séculos, responsável pela seleção do que
administração da editora junto grandes grupos, ao incorporarem há um dia em São Paulo que não apesar das ameaças... se deve editar, é aquele que graças
com a mãe. O Gustavo acha que a as pequenas e médias editoras, sejam lançados livros. A Edusp Do mesmo jeito que ler meia a seu critério, seus conhecimentos
editora é muito devagar para seu prometem manter a linha vem promovendo há onze anos dúzia de livros sobre medicina de literatura, do mundo, das
ritmo. Hoje faz música e se dedica editorial e seus editores. Alguns a Festa do Livro, uma espécie ou um sobre engenharia não nos pessoas, da vida e dos leitores
a sua banda Ecos Falsos. anos depois, os editores são de antibienal onde a condição capacita a operar ou construir sabe o que merece ser editado e
São 15 anos, quase 500 substituídos por economistas e para a editora participar é ter um uma ponte, ter muitas facilidades o que não deve. Nem tudo vale
títulos. São 14 prêmios Jabutis. marqueteiros. É a ditadura do catálogo que interesse ao público para editar não pressupõe a a pena ser editado. Temos que
No catálogo da Ateliê Editorial mercado. Se vende é bom. Se não da Universidade e o desconto existência de melhores escritores hierarquizar nesse mundo no
há de tudo um pouco: poesia, vende não se edita. Mais uma mínimo seja de 50%, que todo ou editores. É preciso ter cultura. qual o tempo é cada vez mais
ficção, ensaios, arte, música, vez ressalvo o papel das editoras editor dá para o distribuidor de escasso. Vale mais a pena se
artes gráficas etc. Meu papel na universitárias que ainda resistem livros. Em três dias editoras como A Ateliê Editorial publica duas dedicar a algo que seja fruto do
editora é escolher, aprovar e à tentação do mercado, apesar a Edusp e a Cosac Naify vendem revistas literárias: a Entretanto e talento. Os mais radicais podem
orientar os projetos. do pouco apoio que recebem das mais de dez mil exemplares de a Sibila. Qual a importância das dizer que ninguém deve ser
instituições que representam. livros. Em três dias! A cada ano as revistas literárias? árbitro do que se deve publicar.
Sabemos que o Estado brasileiro é vendas crescem vinte por cento a O livro por si só tem dificuldade Não se alarmem. Não temam.
um dos maiores compradores de Embora produzir livros hoje mais que do ano anterior. Dá para de sobreviver. As revistas literárias Bons autores e livros fazem seu
livros do mundo. Como o senhor em dia seja razoavelmente dizer, pelo menos neste caso, são o espaço para sua discussão caminho. O editor é um filtro que
vê essa forte presença estatal no barato e exista uma boa mão de que o número de leitores vem e difusão. São fundamentais para permite que se dê a conhecer
mercado editorial do nosso país? obra disponível, percebo que crescendo, sim. a vida dos livros e da literatura. aquilo que tem qualidade.
para montar o
José, cansado da vida, foi ao cinema”. Nunca,
jamais. Isso é herança de um tipo de romantismo
sem qualquer eficácia. Literatura é simplicidade
ainda que cheia de sofisticação. No seu mistério
e no seu segredo. E só. Basta. Quando um autor
consciente escreve assim, desconfie. Tem coisa.
romance, a novela
No entanto, a simplicidade em literatura está
cheia de sentidos. Simples não significa simplório,
tosco, vulgar, ingênuo. Se você consegue escrever
ou o conto
do mesmo jeito que fala, está indo muito bem. A Faça exercícios, sempre e sempre, quando tomar
Raimundo
não ser que seja discursivo, retórico, eloquente. plena consciência do domínio, então procure
Porque também tem gente assim. Aí controle seus outros caminhos. O caminho mais próximo é o da
CARRERO
vícios. Portanto, no primeiro impulso – ou na descoberta da pulsação narrativa do personagem.
primeira redação – escreva com essa simplicidade, Isso é básico. Sem pressa, porém. Conte primeiro
se possível seguindo aquela velha cantilena: a história, linearmente. Depois procure conhecer
sujeito, verbo, predicado. Um passo depois do melhor a intimidade do personagem. Isso lhe
outro. “José foi ao cinema. Chovia.” Observe que oferecerá condições para, com calma, sofisticar
o personagem está em cena e que já existe aí uma a narrativa. Suando. As vezes suando muito.
atmosfera. Está chovendo muito? “Correu, entre o “Na fila da bilheteria encontrou Maria, que lhe
estacionamento e o cinema, para não se molhar”. estendeu a mão”. No primeiro instante, a frase
Então: “José foi ao cinema. Chovia. Correu é assim mesmo. Mas com um pouco de cuidado
entre o estacionamento e a calçada para não se você entra na pulsação de Maria, que é mais lenta
molhar”. É assim? É assim mesmo. Renovando: do que a de José, você percebeu, não foi? Faça
no princípio, no primeiro impulso, na primeira assim: coloque uma vírgula depois de Maria. A
A narrativa é
redação, é sempre assim. “A água escorreu frase apresenta uma leve parada, com a vírgula, e
nos cabelos e nos ombros”. Quer um pouco diminui a tensão da cena. Quer ver?
de leveza na frase? Tudo bem. “Apesar disso, a
água escorreu nos cabelos e nos ombros”. Ah, “José foi ao cinema. Chovia. Correu entre
não gosta. Então escreva: “A água escorreu nos o estacionamento e a calçada para não se
construída de
cabelos e nos ombros, quase pisa numa poça já na molhar. Apesar disso, a água escorreu nos
calçada”. Já tem calçada. E agora? “Apesar disso, cabelos e nos ombros, quase pisa numa
a água escorreu nos cabelos e nos ombros e quase poça. Na fila da bilheteria encontrou Maria,
pisa numa poça”. De propósito foi criada uma que lhe estendeu a mão”.
cena em cena
cena seguinte: “e quase pisa numa poça”. Uma
frase que, no entanto, revela a ansiedade de José. Observe que a sofisticação vem depois.
Sem esquecer: cena é o resultado de personagem É preciso agora trabalhar com mais calma e
mais ação mais sequência. mais paciência. Vamos experimentar a diferença
É claro que há muitas alternativas melhores, entre cenas abertas e cenas internas, que
bem melhores. Estamos apenas tentando mostrar parecem a mesma coisa, na primeira leitura,
uma coisa fundamental: a cena resolve o conflito mas que são profundamente diferentes. Tudo
O movimento interno do narrativo com eficiência sem o uso abusivo
de palavras soltas, adjetivos e advérbios, por
isso depende da montagem da história e da
pulsação narrativa do personagem. Examinando,
personagem através do exemplo. O que não significa que deve ser sempre
assim. Mas aqui vale o exercício. Pouco a pouco
mais detidamente, o caso de “O machete”,
conto de Machado de Assis, verificamos que
VOLTA
Marco Editora Estação Liberdade coloca o Nobel francês
REPRODUÇÃO
comentários, diálogos, tudo de acordo com o são momentos significativos para o estudo do conto.
ponto de vista do personagem. E, creio, nos coloca de forma definitiva na pulsação
Percebemos, assim, que o narrador alcançou narrativa da história.
incrível simplicidade no texto, mas avançou na
sofisticação. Quando Machado de Assis escreveu o ANDAMENTO LENTO DE INÁCIO RAMOS
conto optou por dois pontos de vista em oposição: Quem é Inácio? Como ele se comporta? Como age?
de Inácio Ramos e de Carlota. Dessa forma é O narrador do conto deixa que ele se apresente no
possível perceber que a redação é simples, mas desenvolvimento da história, na técnica. Não diz,
a técnica é sofisticada. A técnica não confunde o narra. Isso é essencial para a análise da montagem
leitor comum e o conto é lido como uma história. do conto e do personagem, ambas absolutamente
Na verdade é uma história qualquer, mas a integradas. Sabemos, pelo andamento da primeira
pulsação narrativa mostra-se plena de invenção. parte – noturna –, que se trata de uma pessoa
Inácio Ramos é mais interior, introspectivo, metódica, estudiosa, conservadora, simples. Mas
conforme a pulsação, a primeira parte do quem diz isso? Dizer ninguém diz. No andamento,
conto é assim; Carlota é mais rápida, mais ágil, o narrador mostra. É uma questão de leitura lenta.
superficial, segundo a pulsação dela própria. Esses Aliás, só um lembrete: a primeira leitura já foi feita,
andamentos dividem o texto em dois momentos ela é emocional, rápida; e a segunda, também,
essenciais: um noturno, interno, para Inácio, e contemplativa, de olhos fechados, de exame
outro solar, externo, para Carlota. Quando lido, interior. Agora a terceira: técnica.
esses dois movimentos se escondem e dão a Devemos observar, com lentidão e astúcia, a
impressão de um só. Tudo porque a primeira primeira cena interna, sem nenhuma exuberância
leitura é emocional. Na maioria dos casos interessa exterior:
o enredo, a sucessão de fatos, o lúdico. Básico.
Dessa forma, podemos observar que a primeira “Inácio Ramos contava apenas dez anos
parte é intimista, corresponde ao andamento quando manifestou decidida vocação
de Inácio, que é lento, para terminar bem mais musical”;
rápida, porque corresponde ao começo do
andamento de Carlota, representada na cena da Pronto: o personagem e a história se apresentam.
execução da elegia da mãe do personagem. Esses (CONTINUA NO PRÓXIMO NÚMERO)
COLEÇÃO POESIA
CAPA
FLÁVIO PESSOA
Diante da imagem
filosofia e da história, dos salões, da boemia e do
Velho Mundo. Próximo da política liberal, sob a
influência do pai, Nabuco de Araújo, mas hesitante
entre a monarquia e a república. Já havia trabalha-
do como advogado, jornalista, cronista, crítico de
do Joaquim Nabuco
teatro e literatura, assumia agora o seu primeiro
cargo público, como diplomata. Mas a foto dizia
que, apesar do emprego estável, a busca conti-
nuava. Nabuco voltava-se para todas as direções,
como se quisesse abraçar o mundo de uma só vez.
“A criação literária começa com as consequências
que me restou
dos atos, não com os atos em si mesmo”, disse uma
vez a escritora americana Katherine Anne Porter,
“são nas reverberações que se inicia o trabalho do
escritor”. E era desse modo que eu enxergava aquela
imagem de Nabuco. Uma reverberação do jovem
interessado pela vida em todos os seus aspectos, tão
histórica, mas
senvolvendo sua originalidade com os recursos pró- a sua página para a campanha republicana.
prios, só querendo, só aspirando à glória que possa A pesquisa me aproximava cada vez mais de um
vir do seu gênio”. O curso era sobre a identidade Joaquim Nabuco apaixonado pelos grandes ideais,
se ao escritor
nacional na literatura, tema recorrente ainda hoje a filosofia e a literatura. Visionário em relação ao
na Academia. Mas, no século 19, era o tema que se processo histórico de seu país, extremamente lú-
respirava e vivia nas ruas. A Europa era o espelho cido sobre o futuro brasileiro, o Nabuco atuante na
cabe conhecer as
no qual o brasileiro se mirava, e a língua portuguesa, esfera pública era um homem de características
a recordação opressora da nossa recente condição resolutas e indiscutíveis. No entanto, na ficção, o
de colônia. Uma língua que falava mais do outro, o terreno é sempre mais fértil quando se pode escavá-
lusitano, do que de nós, brasileiros. Escritores como
José de Alencar e Machado de Assis, poetas como
Castro Alves, tentavam, cada um a seu modo, fundar
lo profundamente, e quando a escavação é feita à
base de pedra e fogo, sem poupar esforços para
trazer à tona a raiz. Raiz criativa, raiz imaginária,
personalidades,
e formar uma literatura, uma linguagem, que fosse o
nosso reflexo, que expressasse a alma brasileira. Ao
discursar na inauguração da ABL, Joaquim Nabuco
mas fundada por toda investigação que a alimentou.
Por isso, raiz verossímil. Para uma romancista, o
material recolhido, as informações levantadas,
não lhe cabe
exaltava justamente a busca por uma identidade
nacional, que ele já vislumbrava como peculiar. Não
seria possível escapar da influência que o estrangeiro
os dados e os fatos registrados, os documentos
lidos, todo esse material é o início e não o fim do
caminho. A pesquisa havia me trazido a persona-
conviver muito
emanava, nem da que a história do Brasil até então
impunha, mas era possível e urgente encontrar uma
originalidade, uma faísca própria dentro do caldeirão
lidade histórica, mas se ao escritor cabe conhecer
as personalidades, não lhe cabe conviver muito
tempo com elas. Para conviver, o escritor precisa
tempo com elas.
de diversidades que era, e é mais ainda hoje, o Brasil. de personagens. acontecimentos?”, perguntou uma vez a escritora
Mais tarde, ao iniciar a escrita do romance Mundos Clarice Lispector, ela mesma respondendo que
de Eufrásia, publicado recentemente pela editora ENTRE O VIVO E O FICTÍCIO não se interessava pelos fatos em si, mas pela re-
Record, baseado na vida de Eufrásia Teixeira Leite, Lembrei da imagem de Nabuco nos livros da es- percussão dos mesmos nos indivíduos. E era essa
mulher emancipada na esfera pública e privada, cola, e procurei outras imagens dele em outros repercussão, esse eco de pensamentos e emoções,
para os padrões do século 19, e, certamente, ainda livros. A respeito da construção de personagens, que eu procurava no menino Nabuco que viu pela
para os atuais, reencontrei Joaquim Nabuco. Ele e Antonio Candido dizia que “o romance se baseia primeira vez um jovem escravo fugido e ferido, que
Eufrásia viveram um romance por 15 anos, entre num certo tipo de relação entre o ser vivo e o ser presenciou aos oito anos a morte de sua madrinha,
idas e vindas. Um romance que os acompanhou na fictício, manifestada através da personagem, que é por quem foi criado até essa idade; no rapazinho
juventude até o despertar da maturidade. Nabuco a concretização deste”. Assim, depois de percorrer que adorava a agitação da corte na mesma in-
viu Eufrásia se tornar a primeira mulher a atuar toda biografia e bibliografia de Nabuco e a respeito tensidade que adorava a exaltação da poesia; no
na bolsa de valores da Europa, tornando-se uma dele, o encontro mais forte que tivemos foi através jovem recém-formado que defendeu no tribunal
grande financista e empreendedora. Eufrásia viu de seu retrato. um escravo que havia assassinado o seu senhor,
Nabuco se tornar o político eloquente, o homem A foto, de 1876, encontrada em uma iconogra- convencendo a todos que ele havia agido em defesa
idealista que abraçou a causa abolicionista e fez fia, revela um jovem de ar imponente, cabelos própria; no jovem que se apaixonou pela bela Eu-
dela a sua vida. ondulados, bigodes fartos e um olhar direto, que, frásia e com ela viveu uma longa, mas impossível
no entanto, não olhavam o fotógrafo, mas outro história de amor; no homem que dedicou a sua
CONSCIÊNCIA ABOLICIONISTA horizonte. O que mais chamava a atenção, porém, vida à causa abolicionista, e tantos outros Nabucos.
“Acabar com a escravidão não nos basta”, disse era a postura. O tronco se direcionava para um lado, Nessas repercussões, formadas de pensamentos,
Nabuco em um dos seus discursos. “É preciso des- a cabeça para outro, um braço repousava no qua- sentimentos, palavras e atos, estão as circuns-
truir a obra da escravidão. Compreende-se que em dril, o outro, esticado ao longo do corpo, segurava tâncias imaginárias que partem da personalidade
países velhos, de população excessiva, a miséria um chapéu. A imagem não revelava unidade, nem histórica, da fotografia cristalizada, e que buscam,
acompanhe a civilização como sua sombra, mas em ponto de equilíbrio. O corpo apontava uma direção, num esforço incessante, atravessar suas fronteiras,
países novos, onde a terra não está senão nominal- o olhar se virava para o lado oposto. Enquanto um alcançar uma realidade além do documento e da
mente ocupada, não é justo que um sistema de leis braço aparentava acompanhar o movimento de imagem, sem a intenção de definir um retrato,
concebidas pelo monopólio da escravidão produza seguir adiante, o outro parecia que estava farto de mas de desenhar um espírito, de construir inter-
a miséria no seio da abundância, a paralisação das tudo e buscava repouso. Na época, Nabuco tinha 27 namente uma trajetória. Como se o modelo saísse
forças diante de um mundo novo”. Nabuco tinha a anos. Era formado em direito, mas desinteressado da fotografia e ganhasse as ruas, como se a voz dos
consciência de que o movimento abolicionista não em seguir o rumo jurídico. Amante da poesia, da palanques alcançasse nossos ouvidos.
CAPA
Joaquim Nabuco
FLÁVIO PESSOA
soube entender o
drama nacional
O político abolicionista foi
também um dos principais
intérpretes do Brasil
Carolina Leão
Convencionalmente, institui-se, na academia, que, pode ser encontrado, como crítica, no entanto, ao con-
em linhas gerais, as três primeiras décadas do século frontar o atraso latino-americano ao caráter parasitário
20 no Brasil são períodos cruciais para a expansão do da metrópole (escravista). Em Gilberto Freyre, obser-
“sentimento” de pertencimento a uma nação. Pode- vamos um quadro pictórico de referências biológicas
mos citar como exemplo as várias interpretações do e psicológicas que mostra o resultado da povoação
Brasil que surgem nessa época (com intelectuais como do nosso território por europeus contemporizadores
Euclides da Cunha, Manuel Bomfim, Silvio Romero, que “minimizariam” as características mais cruéis
Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda — que do sistema escravocrata. Sérgio Buarque representa o
procuram desvendar, cada um à sua maneira, a ideia de grande primeiro corte dessa dominante cultural. Ao
ser brasileiro e o que, afinal, é o Brasil); o modernismo utilizar a metodologia do Tipo Ideal weberiano, Holanda
literário, em seu híbrido de vanguarda e tradição; e a aplica elementos morais do colonizador português à
política cultural do Estado Novo, que legitimou o samba especificidade das investidas de colonização europeia
como símbolo da afetividade nacional estabelecendo (francesa, holandesa, espanhola e portuguesa). Uti-
através dele a identificação social . lizando conceitos como o de “cordialidade”, Sérgio
Um outro “marco zero” da interpretação do Brasil, Buarque de Holanda, ainda, no entanto, se inscreve
no entanto, encontra-se no prolífico pensamento de no panorama de intelectuais que remetem à dicotomia
Joaquim Nabuco, cujo centenário de morte, a ser co- “colônia x metrópole”, ou seja, à própria história do
memorado em janeiro, ressuscita problemáticas de sua processo civilizador no Brasil. Podemos também citar,
produção intelectual. Para historiadores como Evaldo num bloco mais conservador, os estudos de Oliveira
Cabral de Mello, que assina o prefácio dos seus diários, Viana e Nina Rodrigues, corroborando a longa tradição
publicados em 2005 pela editora Bem-te-vi, Nabuco de escritos sobre raça, geografia e cultura no Brasil.
foi o primeiro intelectual a pensar a formação histórica
do Brasil a partir da escravidão. Não na perspectiva cul- INTERESSE ACADÊMICO
turalista, ou contemporizadora, amplamente difundida Principalmente ao contrário de Freyre, que tem passado
na obra de Gilberto Freyre, diga-se. O regime servil é por afãs acadêmicos sazonais, Joaquim Nabuco é um
analisado, sem complacência, como uma verdadeira dos autores mais estudados nas instituições univer-
instituição que moldou o ethos brasileiro ao definir a sitárias, pela ubiquidade de sua produção. Sobretudo
nação economicamente, politicamente e organizacio- pelo tema da escravidão, sobre a qual discorreu em
nalmente. E como bem observa o historiador, grande vários livros e opúsculos, entre eles, O abolicionismo,
parte do pensamento social do Brasil se debruça sobre sua obra mais popular. Nabuco, seus pensamentos e
a herança dessa reflexão. obras, constituem, aliás, um objeto de análise ubíquo na
Vejamos que as características biológicas (raça) e sociologia brasileira, pois reúne paradoxos e, digamos,
geográficas (clima) perpassam as análises de Euclides “fetiches” que os sociólogos adoram debater. Um deles,
da Cunha, considerado como o autor inaugural da o próprio hibridismo de gêneros com os quais criou e
interpretação do Brasil. Nele, há, sobretudo, o determi- disseminou suas ideias. O abolicionismo, inclusive, escrito
nismo biológico como marca da sua análise do homem em Londres num período de ostracismo e exílio polí-
sertanejo — uma influência das teorias positivistas em tico, é uma obra que expõe as bravatas características
destaque naquele momento –, marcado pela fatalidade de todo o panfleto juvenil (embora já conta mais de
da região. Em Bomfim (1905), tal determinismo ainda 30 anos na época de sua publicação). Sua narrativa,
com teor propagandista, é construída emotivamente, buco viveu a escravidão sob o seu olhar de menino. Foi Freyre, em sua releitura da escravidão a partir da sua
pelo enfoque no drama humano da escravidão, como amamentado por ama de leite, negra, e acompanhado perspectiva de classe – que, diga-se, associa-se à
podemos observar em determinado trecho: “Já existe, na meninice pela preta Ana Rosa, da qual tinha medo. decadência da cultura canaviera. Como discurso ofi-
felizmente, em nosso país, uma consciência nacio- Nas terras da família, aliás, esboçam-se as primeiras cial, essa absorção da realidade cultural das classes
nal — em formação, é certo — que vai introduzindo o ideias sobre a reforma que deveria resultar numa so- subalternas se consolida à medida que uma elite
elemento da dignidade humana em nossa legislação, ciedade mais justa e democrática, seguindo a boa e (intelectual ou política) a organiza através da sua pró-
e para a qual a escravidão, apesar de hereditária, é velha cartilha iluminista. A solidariedade altruísta se pria autorreferência como autoridade e detentora de
uma verdadeira mancha de Caim que o Brasil traz na reveste de bandeira ideológica em sua campanha pela um poder – seja a verdade em torno do que é afinal
fronte. Essa consciência, que está temperando a nossa abolição da escravatura, como reforma modernizadora a cultura brasileira ou que fazer politicamente com
alma, e há de por fim humanizá-la, resulta da mistura do Brasil. Joaquim Nabuco anteciparia, dessa forma, o essas manifestações nas quais resiste uma lógica não
de duas correntes diversas: o arrependimento dos enfrentamento de nossa modernidade: um processo contrária mas distante da noção de progresso embu-
descendentes de senhores, e a afinidade de sofrimento que ocorre na economia a ser modernizada e passa, tida no ideal de modernização. O intelectual forma,
dos herdeiros de escravos”. na cultura, pelo antagonismo entre a influência da assim, o núcleo de onde se sobressai o humanismo
Para algumas correntes, o livreto não passa de uma Europa “civilizada” e os elementos tradicionais da racionalizado, e de onde se expõe, para a constatação
prosa que combina jornalismo e literatura; sem subs- nacionalidade. pública, a memória do País.
tancialidade científica ou teórica que tenha aprofun- Uma das questões mais intrigantes da fortuna de
dado a relação entre o regime escravocrata e outras ca- MODERNIZAÇÃO NO BRASIL Nabuco é como, apesar de ter sido um dos fundadores
racterísticas sociais da formação histórica brasileira. No A tradição, que nas sociedades pré-modernas conferia da Academia Brasileira de Letras e assinar uma con-
entanto, O abolicionismo goza do status de obra pioneira ao passado o status de estabilização social pelos sím- siderável produção literária, a literatura não ganhou
e, mais que isso, de uma literatura perene, que não se bolos que perpetuavam as experiências das gerações, reconhecimento nas análises sobre a sua obra. Uma
encerra nas doutrinas da moda, como o positivismo, é aqui assumida de forma diferente da reflexividade das chaves para esse esquecimento pode ser encon-
bastante influente e dominante no pensamento social europeia. Para Anthony Giddens, a tradição era uma trado na observação de Evaldo Cabral de Mello: “para
brasileiro. Nabuco foi além da questão da raça para forma de integrar socialmente as comunidades e uma o intelectual, a ação política é esterelizante. Daí, que
enfatizar o aspecto organizacional da escravidão, em forma de lidar com o espaço-tempo, conectando o nada como um bom ostracismo seja tão produtivo para,
sua relação com a propriedade da terra, o comércio e passado ao presente e futuro. Era uma monitoração da como indica o caso de Nabuco, que, marginalizado
o Estado, revendo outros modos de exploração que ação. Na modernidade latino-americana, a tradição pela proclamação da República, pôde dispor do lazer
marcaram a História, como a escravidão na Antigui- desempenha um papel de reconhecimento social: o suficiente para elaborar a obra cimeira da historiografia
dade Clássica. “A fortuna crítica de Nabuco superou a que somos e, a partir do espelho a nós apresentado do Segundo Reinado, Um estadista do Império. O Inte-
de seus contemporâneos, como Rui Barbosa e o barão pelas instituições políticas, o que faremos com nossa lectual que mergulha na vida política costuma ficar
do Rio Branco, o que pode ser atribuído, inclusive, à memória cultural. No contexto da modernização brasi- sem tempo suficiente e até sem gosto para registrar
sua atuação à frente da mais importante reforma sócio- leira, a tradição surge como plataforma de um discurso suas impressões e reações aos acontecimentos que
econômica realizada no Brasil, a Abolição, e também político proferido pelo Estado, que se torna brasileiro e se desenrolam ao seu redor”.
ao encanto de uma personalidade que fascinou os nacional ao defender a história seminal do seu povo. Por outro lado, seus diários, correspondências e
contemporâneos e fascina até hoje”, observa Evaldo. De certo modo, ao estudar, mesmo que no âmbito escritos avulsos, que contemplam, sobretudo, a ques-
Além dos seus antagonismos pessoais (Nabuco era macroeconômico, os desdobramentos da formação tão abolicionista, ganham interpretações à luz de sua
abolicionista e defensor da monarquia), o intelectual nacional, Joaquim Nabuco também não deixa de an- atuação como diplomata e jurista. Vale salientar, ainda,
destaca-se, assim como Freyre, pela biografia pessoal tecipar uma outra problemática recorrente ao longo do que Joaquim Nabuco é um dos últimos bastiões de um
singular. Filho de aristocratas de origem baiana, por- século 20: a interpretação das classes subalternas pela campo cultural, marcado pelo imbricamento entre os
tanto, dono de vastas terras e engenhos, Joaquim Na- elite econômica, o que será evidenciado em Gilberto gêneros literários e jornalísticos e a atividade política.
ARTIGO
Laura, a galinha
primeiras obras do gênero (“noir”) que pertence ao viúva e filho único de Nabokov, e, assim, a obra que
imaginário do século 20 tanto quanto outro nome o mago da literatura não tivera tempo de concluir
próprio feminino: “Lolita”. Este se tornou popular, adequadamente (aos menos para os seus rigores
desde um romance que igualmente virou filme e de perfeccionista) se transforma, dessa forma, em
também signo da pedofilia recuperada pela indústria livro que permite invadir a intimidade criativa de um
enche o papo
(“que recupera tudo”, segundo G. Deleuze citado por autor importante, na sua oficina literária no melhor
Glauber Rocha, sem aspear). sentido que eu posso encontrar para essa hoje gasta
Nomes, romances, filmes, vendas – estamos, tal- palavra “oficina”.
vez, numa sala de espelhos deformados de alguma É verdade que Vladimir também quis queimar
maneira. E a confusão dos tempos só aumenta, agora, o original de Lolita – mas isso é outra história. Nes-
O original de Laura retoma quando os preguiçosos que forem puxar as “Lauras”
literárias, no Google (atenção, estudantes: voltem
sa ocasião, Nabokov estava “vivo- e-bulindo”, e a
novela da ninfeta se encontrava terminada, com
a discussão sobre a quem a LER os próprios livros e não os resumos dos livros
na Internet!), encontrarem pelo menos duas delas,
o ponto final devidamente colocado, pelo autor,
naquela sombria investigação da alma solitária de
— que publicou apenas 90 poemas em vida — contra da americana Elizabeth Bishop – colocava a auto-
editores defendendo a publicação dos manuscritos
e fragmentos (“Representam uma visão importante
exigência nos níveis mais altos possíveis. Dmitri
Nabokov desconsiderou isso e também os conse- Novos olhares?
sobre o processo criativo de Bishop, além de saciar
a sede por um pouco mais da sua magra produção”,
lhos de Brian Boyd, aclamado biógrafo do seu pai
e franco partidário da destruição das fichas, não só
Um tributo visual a Nabokov
disse Quinn). para cumprir com as instruções do escritor como O designer e instrutor da School of Visual
Elizabeth, famosa pelo rigor na composição de para preservá-lo do olhar do leitor sobre o material Arts John Gall convidou 20 designers de
poemas — que ela queria não menos que perfeitos, nabokoviano não-acabado etc. renome para elaborar e disponibilzar, no
recusando-se a publicá-los antes de dá-los por ple- Em vão. O espólio (leia-se: Dmitri, atualmente) foi site Design Observer (www.designobserver.com),
namente acabados — jamais permitiria a publicação em frente e vendeu os direitos do Laura embrionário novas capas para as obras de Nabokov, em
de tais rascunhos, conforme enfatizou Helen Vendler: de um artista que escreveu, na tradução da ópera comemoração (?) ao lançamento de Original
“Se a poeta tivesse sido consultada sobre a publica- Eugene Onegin (conforme citado por Sérgio Rodrigues): de Laura. O mote foi propor capas que se
ção, 25 anos após a sua morte, de poemas rejeitados, “Um artista deve destruir sem dó seus manuscritos assemelhassem a caixas entomológicas,
além de alguns rascunhos e fragmentos, Bishop teria após a publicação, para evitar que eles induzam me- recipientes que servem para colecionar
respondido, eu acredito, com um horrorizado não”. diocridades acadêmicas a pensar erroneamente que normalmente insetos. O autor russo era
Ainda segundo uma advertência de Vendler, é possível destrinchar os mistérios do gênio por meio ávido colecionador de borboletas, e a
“poetas contemporâneos temam uma Alice Quinn do estudo de versões abortadas. Na arte, a intenção e ideia era fazer de cada capa uma dessas
nas suas carreiras póstumas, e queimem todo o seu os planos não são nada; só o resultado conta”. caixas, com objetos efêmeros, papéis e
material ainda sem o acabamento final” – confor- Do outro lado do balcão, as falácias do mercado pinos metálicos, evocando o tema do texto.
me foi a preocupação de Nabokov, ao delegar o ato, editorial ávido por fazer caixa – com qualquer coisa – Abaixo seguem alguns dos resultados.
confiantemente, para a mulher e o filho. Bem, Vera apóiam, é lógico, o rebento recalcitrante (um bom
faleceu em 1991, e Dmitri, tradutor de romances, título para o Nabokov que imaginou títulos como Na outra margem
É verdade que
Vladimir também A verdadeira
vida de Sebastian
original de Lolita.
Nessa ocasião,
Nabokov estava
“vivo-e-bulindo”. Ada ou ardor:
Uma crônica de
deixado por um artista mediante sua arte não pertence família
nem ao próprio artista, nem à família, mas a todos”. Chip Kidd
Kirschbaum (poderia ser um cognome de Humbert
Humbert) não convenceu muita gente — e pelo menos
a revista New Yorker recusou publicar fragmentos dessa
“Laura” quase tão fantasmagórica quanto aquela do
livro/filme de Caspary/Preminger.
Em nossa opinião — e foi o que nos foi pedido aqui
— não há a menor justificativa para se dar à luz edi-
torial qualquer obra a que o autor não tenha dado o
acabamento final e indiscutível. No caso desse Laura
apenas esboçado por Nabokov, não adianta dizer que o O olho vigilante
livro se acha editado “com honestidade, trazendo (na John Gall
edição de luxo americana) os fac-símiles das fichas
cartonadas no topo das páginas acompanhadas das
transcrições abaixo” etc etc. Por mais comoventes que
essas fichas sejam — com inúmeras correções, marcas
de dedos e manchas de comida e outras manchas —,
o grande borrão que todas elas representam deveria
ter virado as cinzas de “tudo que é para se perder”,
fragmentos do fragmento, que são.
Porque Nabokov trabalhava justamente sobre isso —
isto é, sobre alguns nadas — para conferir às confusas
partículas da realidade uma coesão artística que só a
sua aprovação última, pessoal e final poderia garantir
como digna de ir, sombra de uma sombra, duplicar- Fogo pálido
se no espelho da mente, também confusa, de leitores Stephen Doyle
perdidos entre as dobras daquilo que lêm e vivem, em
igual confusão nas margens enfumaçadas do Real — rio
de águas turvas e claras sob manhãs e luares, Lauras e
lauréis literários que, no final, deveriam restar como
silêncio e interrupção de imagens, palavras, metáforas
e borboletas colecionadas (“cores que voavam”)...
Vladimir Nabokov não está nessa “Laura” senão
pela prova da imperfeição — e isso, para um entomó-
logo amador respeitado, é como deixar um espécime
raro identificado com graves erros, numa ficha não
queimada.
PERFIL
DIOGO GUEDES
Fernando Machado
tem em casa uma
relação de todas
as misses que o
Brasil ja teve. “Os
concursos pareciam
partida de futebol”
“Quem me É no meio dos quadros de sua querida Marilyn Mon-
roe que o jornalista Fernando Machado se sente em
casa. Escolhe um sofá ali perto para a entrevista.
“Quer saber se eu me arrependo? Não. Eu aproveitei
e fiquei até 2006 só pesquisando sobre misses”.
Só até 2006, porque foi neste ano que iniciou a sua
Alagoas 1957”
lista no sofisticado mundo dos concursos de misses. site sozinho”, conta, com sua mescla de modéstia
Antes mesmo de começar a discorrer sobre o assunto, e exibicionismo.
ele prefere evidenciar os seus esforços, mostrando as O destaque do site são as diversas seções, que
pilhas de dados reunidos em um quarto de serviços. trazem notas comuns e novidades religiosas, con-
A coleção, bastante organizada, começa em 1900 sulares e militares, campos menos explorados por
Para o missólogo maior, e reúne, por exemplo, a revista Cruzeiro de 1949,
que relata como foi a primeira edição do Miss Bra-
outros profissionais. “A parte sobre misses faz muito
sucesso. Mas quando eu boto as fotos de homens
QUADRINHOS
DIVULGAÇÃO
o céu, os mares
em quadrinhos. Personagens como Fritz, the Cat. Mr. ao texto, o autor teve material suficiente para rechear
Natural, Angelfood e Devil Girl marcaram época e se o livro com situações reprováveis e cenas sexuais con-
tornaram sinônimo de critica à sociedade conservadora testáveis, algumas delas totalmente inconcebíveis para
e consumista. Criados e amplamente cultuados nos um “bom cristão” da atualidade. É o caso do Capítulo
anos 1960 e 1970, auge do movimento flower-power, 19, em que as duas filhas de Ló, que escaparam com
e a Terra
suas “criaturas” exalavam rebeldia, comungavam ex- ele de Sodoma e Gomorra, resolvem embriagar o pai
periências alucinógenas e pregavam a liberação sexual para manterem relações sexuais.
e a revolução dos costumes. Algumas passagens sobre Abraão e sua mulher
Mulheres exuberantes e libidinosas eram, quase Sara também provocam impacto. Por diversas ve-
sempre, personagens centrais das tramas de Crumb, zes, acossado pelos inimigos, o patriarca de todos
O polêmico quadrinista que também contavam com doses maciças de drogas
e rock’n’roll. Com seus traços marcados, grotescos,
os patriarcas, com medo de morrer, disponibiliza a
mulher ao inimigo. Justo, Deus castiga e fulmina os
INÉDITOS
A construção do abismo
Thiago Corrêa
R$ 150,00
lançamentos recentes
EÇA DE QUEIROZ – O GIRASSOL A NOITE SEM SOL
AGITADOR NO BRASIL Garibaldi Otávio Luiz Arraes
Paulo Cavalcanti
(edição em inglês e Garibaldi Otávio estreia Em seu novo livro de
português) na literatura com o livro narrativas, Luiz Arraes fala
O girassol, coletânea de de seres urbanos solitários,
Eça de Queiroz, agitador no textos de toda uma vida. às voltas com a violência e
Brasil, de Paulo Cavalcanti, Mauro Mota observava, o sentimento de perda, e,
é um livro que amplia a já em 1950, que a poesia também, em busca de um
visão da última revolta de Garibaldi Otávio sentido para suas vidas.
em Goiana, província tem “a imagística sem São contos curtos, duros e
de Pernambuco, Brasil, parentesco, o descritivo afiados, que deixam marcas
ao examinar a maneira mas penetrante, tirando na consciência do leitor.
como os pernambucanos sangue do íntimo das
reagiram contra o arbítrio e coisas”.
o domínio português.
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I II
O certo é incerto.
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III IV
Derrubo palavras no papel:
as que se desequilibraram
no cesto cheio de silêncio. Meu pensamento atônito
não sabe para onde ir
Posto que o olho é o prisma na encruzilhada vertiginosa
a coisa que vê das picadas abertas.
não se distingue da que é vista.
Ponha duas palavras juntas
De repente o dia se apagou e elas imediatamente conversam
e esperou pela noite. como duas senhoras que se conhecem
O pombo virou silhueta. na sala de espera do consultório médico.
RESENHAS
BEL PEDROSA/DIVULGAÇÃO
o potencial de
é mais do que isso. É o pela loucura paterna, o como apagar as marcas sua literatura consegue
guia dos personagens, menino logo nos explica do passado. ter também a força de
o que faz a engrenagem o que sabe de seu novo O pequeno Mwanito, uma obra marcada pelo
uma lembrança
funcionar. No livro do universo: “Meu velho, entretanto, traça rota poético. Entre o onírico
escritor moçambicano Silvestre Vitalício, nos oposta à do pai: quer suas e o real, Mia Couto
Mia Couto, todos são explicara que o mundo memórias frente a frente investiga este fantasma
afetados pelo que já terminara e nós éramos consigo mesmo. Tem chamado passado, com
LANÇAMENTO 1
DE RODAPÉ
resgatar autores do passado, páginas, que serão vendidos
que não têm o merecido em livrarias e sebos a preços
reconhecimento. O editor da acessíveis.
REPRODUÇÃO REPRODUÇÃO
PRATELEIRA
MAQUIAVEL – POLÍTICA E RETÓRICA
O autor analisa as condições para o exercício
e manutenção do poder político, na perspectiva
do historiador, poeta, diplomata e músico italiano
Nicolau Maquiavel. Considerado o pai da política
moderna, Maquiavel pregava que era impossível
dispensar o uso da força para se conseguir
instituir um Estado, e que para se conservar no
poder o homem precisa ser capaz de articular
todo um jogo de aparências e manipulação. O xis
da questão, para o autor, é
constituir o espaço em que o
governante possa exercer a
sua ação política.
O CARA
Ainda no rastro das comemorações do Ano da
França no Brasil, a editora SM abriu espaço para
a literatura infantil e juvenil francesa. A história,
que integra a coleção Comboio de Corda, tem
GRAFOLOGIA EXPRESSIVA
O autor descreve as origens da grafologia,
revela o surgimento de novos estudos e
LANÇAMENTO 2 CONCURSO MANDARIM indica os caminhos para se traçar um perfil
psicológico com base na maneira de escrever.
Lançamento coletivo é a Estudantes reinventam Literatura chinesa Em segunda edição – revista, atualizada e
proposta da nova editora obra de escritor baiano traduzida no Brasil ampliada –, a obra traz novas terminologias
das escolas italiana e francesa, e oferece
Moinhos de Vento estreia com Reinventar Jorge Amado é Comemorando um ano do Instituto um panorama da ciência. O autor analisou
o lançamento de três livros. desafio para jovens da 8ª e 9ª Confúcio na Unesp, a editora quinze mil textos em suas pesquisas e
Dois deles fazem parte da série séries, lançado pelo Ministério da Universidade Estadual de selecionou mais de duzentos exemplos das
Catavento: Poeira de Chipre, com da Cultura, Companhia das São Paulo vai lançar em 2010 a novas considerações
poemas de Felipe Aguiar, e Arete, Letras e Volkswagen do Brasil. Os tradução de clássicos da literatura da grafologia, técnica
um breve conto de Cristhiano alunos podem inscrever vídeo, chinesa, começando com Os que ganha força entre
Aguiar. O terceiro livro é Noite de ilustração, conto ou crônica, sobre anacletos de Confúcio. O Instituto é os adeptos do auto-
véspera, com poemas de Júlia Larré. a vida e obra do autor baiano, de fruto de convênio com o governo conhecimento.
Para Abril está programado o 15 a 31 de março de 2010. Além da República Popular da China e
lançamento da coleção Flores do de dinheiro, os três primeiros a Universidade de Hubei, que vão Autor: Paulo Sérgio de Camargo
Mal, que resgata a obra de Agripino colocados receberão livros do lançar, em mandarim, A Formação do Editora: Ágora
da Silva, poeta simbolista recifense escritor. O regulamento está nos império americano, do cientista político Páginas: 320
do início do século 20. sites dos promotores do concurso. Luiz Alberto Moniz Bandeira. Preço: R$ 73
CRÔNICA
Fabrício Carpinejar
KARINA FREITAS
Porque o Twitter é a lápide do Porque todas as informações Porque o gemido é a alegria da Porque o canto do galo é
trivial. importantes cabem num rótulo dor. apenas seu grito dentro do
de cerveja. pesadelo.
Porque é educado avisar que Porque os gatos são câmeras pela
não estamos no corpo e que já Porque a grande obra passa a casa. Porque os filhos podem fechar
voltamos. sensação de ter sido feita num seu quarto a qualquer hora.
final de semana. Porque um bilhete de suicida tem
Porque devolvemos os peixes que ser escrito todo dia. Porque sempre arrumamos
pequenos ao mar. Porque a boa ação me deixa mais uma despedida para festejar o
envergonhado do que o pecado. Porque quando uma amiga está retorno.
Porque sou conciso desde que interessada em mim sente culpa
assobiei. Porque a paixão não tem e pergunta sobre a namorada. Porque um fio de cabelo
memória, não vai me prevenir de outra cor termina um
Porque deixo reverências ao para a próxima. Porque olhar é julgar as palavras casamento.
crepúsculo, que pode vestir e perdoar as aparências.
árvores. Porque amar é conhecer Porque guardamos o papel-
desconhecendo. Porque a geladeira vazia tem presente para embrulhar a
Porque o palavrão é curto e o mais luz. mudança.
medo é rápido. Porque odiar é desconhecer
conhecendo. Porque não nasci o suficiente Porque há livros que nunca
Porque a preguiça é longa e para emprestar nascimentos. serão lidos e sempre citados.
precisa de poucas palavras. Porque o que é bonito assusta,
como a tempestade. Porque o samba está numa caixa Porque o sonho dos
Porque não sei dizer bom dia de fósforos. pirilampos é dormir de luz
sem perguntar o que minha Porque um vizinho nunca será apagada.
mulher sonhou. seu leitor. Porque não há como chorar sem
fungar. Porque a humildade do
Porque não sei dizer boa tarde Porque jazigos não podem ser narcisista é conversar com o
sem perguntar o que minha alugados. Porque fumar é o telhado do megalomaníaco.
mulher almoçou. suspiro.
Porque meu pai tinha mais Porque escrever não é desistir
Porque não sei dizer boa noite segredos no escritório do que Porque as formigas ruivas são de falar, é empurrar o silêncio
sem rezar por ela. janelas. terra transparente. para fora.
Porque o espelho do feio é o Porque é um modo de curar a Porque quando finalmente Porque o romancista pode
retrovisor do carro. paranoia, realmente estão nos entender o corpo feminino não errar, o poeta deve errar.
seguindo. terei mais corpo.
Porque em toda carteira há um Porque não preciso de mim
vale a ser descontado. Porque nos perdemos para Porque a esquina é o cotovelo da para ser feliz.
despistar o passado. rua.