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Escola da Ponte

Vila das Aves – Portugal

Um espaço de múltiplas interações,


cooperação e partilha.
Escola da Ponte
Vila das Aves – Portugal

Um espaço de múltiplas interações,


cooperação e partilha.

Andréa Villela Mafra da Silva


e
José Pacheco

Rio de Janeiro
2011
© 2011 by Editora Rovelle
Responsabilidade Editorial:
Gerência Editorial:
Projeto gráfico de capa e miolo: C&C Criações e Textos
Editoração eletrônica e revisão: C&C Criações e Textos
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Elizeu Clementino – UNEB
Joanir Azevedo – UFF
Mairce Araújo – UERJ/FFP
Maria Teresa Esteban – UFF
Valter Filé – UFRRJ
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2011
1ª edição

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Prefácio
Do Brasil, por Ana Waleska Mendonça
Este livro é mais um produto de um feliz intercâmbio entre edu-
cadores brasileiros e portugueses que se intensiicou nas três úlimas
décadas. Aproximados pela experiência vivida de forma diferenciada
e em tempos igualmente um pouco variados da redemocraização das
respecivas sociedades, brasileiros e portugueses se redescobriram e
começaram a construir laços que deixavam para trás os ranços do co-
lonialismo que outrora marcaram essas relações. Pontes foram edii-
cadas, necessariamente de mão dupla, supondo o ir e o vir constante
numa e noutra direção.
Essa é a razão por que me dispus a escrever este prefácio. Aliás, um
dos prefácios, pois é signiicaivo que o livro possua dois: um escrito em
Portugal, e o outro, no Brasil. Creio que nos dois países o livro terá uma
calorosa acolhida e uma trajetória bem-sucedida.
Trata-se de socializar uma experiência educaiva inovadora, cujos
ecos já chegaram há mais tempo entre nós, em especial na pessoa do
seu próprio mentor, José Pacheco. O projeto da Escola da Ponte já re-
percute há muito também no além-mar.
Não vou me deter na experiência em si, cujos aspectos principais já
estão assinalados no prefácio de Ana Maria Serrano e que a leitura do
livro permiirá “degustar”.
Quero chamar atenção para dois pontos apenas, que me parece
importante assinalar. Em primeiro lugar, o caráter extremamente su-
gesivo do nome da escola, que se propõe efeivamente a construir
pontes entre as crianças e o conhecimento, entre as próprias crianças,
propondo-se a esimular a autonomia e a acolher e valorizar a diferen-
ça, entre os professores/orientadores de ensino, ariculados em torno
de um projeto que se constrói de forma coleiva entre estes e as crian-
ças, entre a escola e as famílias, com as quais se parilha a tarefa educa-
iva, cada vez mais complexa nas nossas sociedades contemporâneas.
O outro tem a ver com a própria estrutura do livro. Parece-me uma
ideia paricularmente feliz a inclusão do que a autora chamou de “evi-
dências orais”, na segunda parte do livro, sob o ítulo igualmente feliz
de “acervo de episódios”. Esses episódios enriquecem a análise desen-
volvida e aproximam o leitor do coidiano da vida da escola.
Gostaria de concluir com um pequeno trecho do hino da escola que, a
meu ver, é especialmente expressivo dos seus propósitos educaivos:
Estar na Escola da Ponte é estudar,
Estar contente consigo é estudar.
Aprender com os outros, aprender consigo
E ter um amigo é também estudar.
Que assim se realize e que essas poucas páginas sirvam ao que
se desinam: despertar o interesse pela leitura do livro. Aceitemos o
convite.
Prefácio
Em Portugal, por Ana Maria Serrano
Este livro é mais um importante testemunho da vivência pedagó-
gica da Escola da Ponte, um projecto de educação de rotura1 com as
formas de organização de ensino e de aprendizagem tradicionais da
escola pública portuguesa. Começou por ser um projecto inovador de
pequena dimensão para, rapidamente, extravasar as fronteiras locais
para uma visibilidade nacional e internacional, que relecte o seu carác-
ter criaivo, único e inovador.
O projecto da Escola da Ponte, com mais de 25 anos de histó-
ria, surgiu em 1976, por iniciativa do seu mentor, José Pacheco, e
de um grupo de educadores e de pais, que visaram à construção de
um projecto educativo único e autónomo. Este estabelecimento foi
a primeira escola pública no país a ter um contrato de autonomia.
É uma escola diferente porque acabou com as classes, com os anos
e com as turmas; neste espaço os alunos se organizam em núcleos
distintos: iniciação, consolidação e aprofundamento, havendo, em
cada núcleo, um professor a coordenar a atividade desenvolvida. As
crianças trabalham sozinhas ou em grupo, dependendo do grau de
autonomia de cada uma, e em torno de temáticas por elas escolhidas,
sendo orientadas quer pelos colegas quer pelos professores. A par-
ticipação activa de todos os intervenientes do processo educativo –
crianças, educadores, auxiliares de educação, pais e outros elementos
da comunidade – é outro eixo fundamental a caracterizar o Projecto

1 - Ruptura.
da Escola da Ponte. Os alunos participam em todos os momentos do
quotidiano escolar, possuindo voz activa e desenvolvendo uma acção
crítica e construtiva num conjunto alargado de decisões da vida da
escola, como na assembleia semanal. A escola pauta-se por três va-
lores estruturantes que, continuadamente, são transmitidos aos seus
educandos: a autonomia, a solidariedade e a responsabilidade. Outro
eixo da coluna vertebral da escola que caracteriza esta experiência
pedagógica é o facto de possuir uma forte base de sustentação filo-
sófica, teórica e científica. Apresenta uma perspectiva que remete,
sobretudo, para os pressupostos pedagógicos e filosóficos de Jonh
Dewey e de Paulo Freire.
Na escola contemporânea, as novas tecnologias, assim como a
permeabilidade das fronteiras entre a casa, a escola e o mundo, no
geral, vêm revitalizar e adaptar os conceitos de educação de Dewey
(Elkind, 2007). As tecnologias forçam o desenvolvimento de uma
nova realidade educacional, não permitindo aos professores ter o
monopólio do conhecimento e apelando a uma metodologia que
combine a criatividade, a automotivação e a aprendizagem prática.
Pela vivência pedagógica da Escola da Ponte, podemos dizer que
será fácil apropriar-se dos novos desafios da educação contemporâ-
nea, i.e., de novas formas de relacionamento com o conhecimento,
a potenciar uma comunicação global com os diferentes intervenien-
tes na comunidade educativa.
A Escola da Ponte demonstrou, ao longo do seu tempo de existên-
cia, dedicação e atenção ao conjunto de alunos e a cada criança em par-
icular, reveladoras de um peril de desenvolvimento socioproissional
de ensino muito competente, sustentado também nos resultados das
provas de aferição nacional. A pedagogia da Ponte eleva o desenvolvi-
mento do senimento de iniciaiva e de energia de moivação própria
da aprendizagem da criança – a aprendizagem autodirigida, que ajuda,
deste modo, as crianças a construírem o seu conhecimento a parir de
uma aitude relexiva, manipulando e experimentando tudo aquilo que
as rodeia. Este comportamento contribui para o desenvolvimento de
novas capacidades mentais e de conhecimento, próprias de uma postu-
ra do aprender a aprender, de uma pedagogia para a autonomia. A Es-
cola da Ponte transmite, nas suas relações com os alunos, um testemu-
nho que valoriza o senido de jusiça, de igualdade de oportunidades e
de respeito intrínseco pelas crianças e pelos seus direitos.
Estas úlimas qualidades são, na minha perspeciva, de sobrevalo-
rizar numa sociedade actual, cada vez mais compeiiva e egocêntrica.
É graiicante encontrar ambientes pedagógicos que combinem, de for-
ma integrada, as vertentes de competência e humanista, estruturantes,
ao meu ver, da proissão de docente.
Gostaria ainda de revelar a sensibilidade desta escola para com as
questões de diversidade e de inclusão, tema central advogado pelas re-
comendações da Declaração de Salamanca, em 1994, e da Declaração
do Milénio das Nações Unidas, aprovada na cimeira2 do milénio, realiza-
da entre 06 e 08 de setembro de 2000, em Nova Iorque. Na forma como
lida com os jovens com NEE e com as suas peculiaridades de aprendi-
zagem, o projecto da Escola da Ponte demonstrou a sua capacidade
em lidar com a diferença, procurando saber mais sobre necessidades
especíicas e compreendê-las, tratando as crianças como iguais (i. e.,
elevando a fasquia e mantendo sempre expectaivas posiivas), sem se
esquecer das suas diiculdades; moivando-as e valorizando cada pas-
so, assegurando sempre essa valorização no grupo, sem a comparar ou
a minimizar. É essa forma de lidar que deve ser apanágio da escola in-
clusiva, porque ela ajuda crianças e adolescentes a crescerem nos anos
escolares e a acreditarem em si mesmo, valorizando a diferença.
Finalmente, algumas palavras sobre o seu mentor, José Pacheco, porque
este projecto pariu de alguém com caracterísicas muito pariculares, que, em
ilosoia africana, se denomina de Unbuntu, a essência do que é ser humano.
Refere-se a alguém que usa a sua força em prol dos outros e que parilha o seu
valor com os demais. Ao fazer isso, a sua humanidade é reconhecida e, como
tal, permanece indestrinçavelmente ligada aos outros (Tutu, 2007).
Esperemos que experiências como a da Escola da Ponte possam ter
coninuidade e replicar-se, porque numa escola como essa as crianças
podem, verdadeiramente, tornar-se empreendedoras dos seus sonhos.

2 - Lusit. Reunião de cúpula: acordo assinado durante a Cimeira de Lisboa.


Este livro será, certamente, uma ponte para esse im e, por isso,
felicito os autores pela iniciaiva.
Ana Maria Serrano
Professora Associada
Departamento de Psicologia da Educação e Educação Especial
Insituto de Educação
Universidade do Minho – Portugal
Primeiras palavras
Agradecemos à Editora Rovelle por publicar esta obra e também a todos
os amigos pesquisadores que, de certa forma, nos auxiliaram a cons-
truir as primeiras ideias sobre a historiograia da educação no Brasil e
em Portugal, merecendo destaque ao Núcleo de Estudos e Pesquisas
em História da Educação Brasileira (NEPHEB) da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).
O que nos move nesta obra é releir sobre a escola, como um campo
vasto de ações educaivas e como uma estrutura organizacional sensí-
vel e formaiva de alunos e de professores. Apresentaremos algumas
ideias novas e outras nem tanto, mas atenderemos ao propósito de
apresentar cenários de situações e de conceituações pedagógicas.

A ariculação dessas ideias está subordinada ao princípio de objetos


de análise que se movimentam em torno de quem aprende e de quem
ensina. Trata-se de apresentar a Escola da Ponte, em Vila das Aves, Por-
tugal, e seus produtos de aprendizagem e de ensino, percepcionando a
forma pela qual lá se instaura o processo educaivo.

A pedagogia da Escola da Ponte se fundamenta em aitudes de constru-


ções de domínio de competências pessoais, da parte do aluno e do profes-
sor, que resultem em novas possibilidades de ações na escola e fora dela.
Face à atual situação da escola, em que certas práicas pedagógicas se
mostram insuicientes para dar conta das aprendizagens afeivas, cog-
niivas e sociais dos alunos, o que nos importa é descobrir uma escola
que seja capaz de oferecer uma situação de ensino acolhedora que re-
conheça a expectaiva da mudança do que agora está posto.

Andréa Villela Mafra da Silva


Pedra ilosofal1
Poema de António Gedeão.
Imortalizado em forma de canção pelo fadista Carlos do Carmo.

Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida tão concreta e deinida
como outra coisa qualquer.
Como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso.
Como este ribeiro manso em serenos sobressaltos, como estes pinheiros
altos, que em verde e oiro se agitam.
Como estas árvores que gritam em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que sonho é vinho, é espuma, é fermento.
Bichinho álacre e sedento de focinho poniagudo que ossa2 através de tudo no
perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel, base, fuste ou capitel, arco
em ogiva, vitral, pináculo de catedral, contraponto, sinfonia, máscara grega,
magia, que é retorta de alquimista.
Mapa do mundo distante, rosa dos ventos infante, caravela quinhenista, que
é cabo da Boa-Esperança.
Ouro, canela, marim, lorete de espadachim, basidor, passo de dança,
columbina e arlequim.
Passarola voadora, para-raios, locomoiva, barco de proa fesiva.
Alto forno, geradora, cisão do átomo, radar, ultrassom, televisão.
Desembarque em foguetão na superície lunar.
Eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida.
E que sempre que o homem sonha o mundo pula e avança.
Como bola colorida entre as mãos duma criança

1 - No encerramento da palestra proferida na Universidade Federal do Estado do Rio


de Janeiro (UniRio), no dia 30 de março de 2006, José Pacheco, dirigente da Escola
da Ponte, presenteou os paricipantes recitando este poema de António Gedeão.
2 - Lusit.: v. Revolver (terra) com focinho ou tromba [td.: Os animais fossavam a lama].
Hino da Escola da Ponte
(Adaptação de uma melodia de Fernando Tordo
para um poema de Ary dos Santos)

Estudar não é só ler os livros que há nas escolas;


É também aprender a ser livre, sem ideias tolas
Ler um livro é muito importante às vezes é urgente
Mas os livros não são o bastante para a gente ser gente
É preciso aprender a escrever, mas também a crescer, mas também a sonhar
É preciso aprender a viver, aprender a estudar.
Estar na Escola da Ponte é estudar,
Estar contente consigo é estudar,
Aprender com os outros, aprender consigo,
E ter um amigo é também estudar.
Estudar também é reparir, também é saber dar.
O que a gente souber dividir, para muliplicar.
Estudar é escrever um ditado, sem ninguém nos ditar,
E se um erro nos for apontado, é sabê-lo emendar.
É preciso, em vez de um inteiro, ter uma cabeça que saiba pensar
Pois, na escola da vida, primeiro está saber estudar.
Estar na Escola da Ponte é estudar,
Estar contente consigo é estudar.
Aprender com os outros, aprender consigo
E ter um amigo é também estudar.
Aprender com os outros, aprender consigo
E ter um amigo é também estudar.
Conhecer a Escola da Ponte foi uma experiência grandiosa. Sinôni-
mo de muito trabalho, leitura, prazer, saisfação, admiração, perseve-
rança. No entanto, melhor do que todo esse senimento experimentado
por mim ao longo do tempo, foi alegria da conquista de novas amiza-
des. Amigos que foram surgindo nesse caminho de aprendizagem. Ami-
gos que aprendi a amar – José Pacheco, Fáima Pacheco e Rosa Cleide.
Sumário
Introdução

PARTE I – A pesquisa sobre a Escola da Ponte

As portas que abril abriu: a Escola da Ponte 23

O trabalho educaivo na Ponte: a conquista da autonomia 31


A Escola da Ponte: de fato uma Escola Inclusiva 37
Atravessando a Ponte 45
A relação: família e escola 51
O currículo de competências 53
A metodologia da Escola da Ponte 57
Avaliação e acolhimento 63

PARTE II – Comentários de José Pacheco: as evidências orais e um acervo de


episódios

A complexidade da escola: “quem não, vê não peca” 69


O calvário académico do Miro 73
A escola de úlima oportunidade 77
Cuidado com o Teixeira! 81
Projetos de professor 85
Zé António, o ás do texto livre 87
O jovem professor e os pais dos alunos 91
A educação é incompaível com a organização autoritária da vida 95
Acervo de episódios 97
Referências 101
Anexos 105
Notas sobre Andréa Villela e José Pacheco 111
Nota da editora

O leitor brasileiro irá perceber a recorrência de termos próprios do


português falado de Portugal na Parte II desta obra. Palavras e expres-
sões ípicos daquele país, com sua acentuação e graia caracterísicas,
aparecem com regularidade nos arigos escritos pelo diretor José Pache-
co. Tais formas, embora contrariem as novas determinações da Reforma
Ortográica, em vigor no Brasil desde 2009, foram manidas conforme
constavam dos arigos originais porque são comuns em Portugal. Os au-
tores locais solicitaram sua permanência por se tratar de um traço cultu-
ral indisinto daquele país. A Editora Rovelle entende, respeita e manteve
inalterados os arigos escritos pelo diretor.
Introdução
Na noite de 27 de março de 2000, no aeroporto Santos Dumont,
na cidade do Rio de Janeiro, desembarcou José Pacheco, especialista em
leitura, escrita e música, mestre em Ciências da Educação pela Faculdade
de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e di-
rigente da Escola da Ponte. À primeira vista, um homem como qualquer
outro. Porém, para os mais atentos, um exemplo a ser seguido e a ser
respeitado. Ousado, capaz, inteligente são alguns dos seus adjeivos.
Durante alguns anos, manivemos contato sem nunca termos nos
encontrado. Foi um tempo de muitos encontros virtuais de aprendiza-
gem e sabedoria. A vida é a arte do encontro, já dizia Vinícius de Moraes.
A noite do dia 27 de março de 2000 será para sempre inesquecível.
A Escola da Ponte arriscou uma transformação e hoje é referência
na área da Educação. Há quem a qualiique como uma escola libertária,
há quem a chame de anarquista. Embora a Ponte tenha algumas carac-
terísicas de viés anarquista, ela não se apresenta como tal. A Escola da
Ponte é inovadora e diferente das demais, é única.
A originalidade das soluções da Ponte combina com o sucesso es-
colar e educaivo das crianças e com o envolvimento das famílias. Nes-
ta escola, os alunos são tratados como crianças autônomas, para gerir
tempos e espaços, para planejar aividades e para exercer os direitos de
cidadania. A comunhão entre todos não é somente das tarefas ou das
decisões relaivas ao funcionamento da escola. Também os momentos
de festa são vividos em conjunto. Por isso, na Escola da Ponte, todos
os meses há alguém que é responsável pelos aniversários. Essa pessoa
pergunta ao aniversariante se trouxe bolo. Uma resposta negaiva não
Escola da Ponte - Portugal

ica sem festa. O responsável pede às funcionárias da escola que faça o


bolo do aniversariante para uma comemoração coleiva.
A Escola da Ponte é uma insituição de ensino básico e faz parte da
rede pública portuguesa. Busca novos paradigmas de mudança e novos
modelos de formação de professores. Apresenta uma proposta educa-
cional diferenciada da maioria das insituições, tanto no Brasil quanto
em outros países do mundo.
Assim como a obra barroca As Meninas3, do espanhol Diego Ve-
lázquez, que contém várias mensagens na pintura, também a insitui-
ção educacional pode assumir a função de reproduzir, se adaptar ou de
transformar a sociedade. A história das insituições de ensino situa-se
no âmbito das práicas escolares, colocando o foco na formação e na
proissão docente e na organização curricular.
Acreditamos que o sistema educaivo tem de ser pensado como
um processo em que a inluência da ação educaiva sobre os indivíduos
inicia-se no momento em que estes ingressam nas escolas. Nessa pers-
peciva, está implícito que, nas relações de ensino e de aprendizagem,
os métodos do trabalho escolar evocam um conjunto de ações docen-
tes ariculadas com a cultura escolar, que devem ser privilegiadas, ao se
reconstruir a história da educação.
No que se refere ao funcionamento da Escola da Ponte, objeiva-
mos entender o processo educaivo escolar desta insituição recorren-
do às metodologias de invesigação bibliográica e documental. A ai-
tude de pesquisa é alicerçada na capacidade de compreender que o
trabalho nas organizações educaivas pressupõe ligação estreita entre
as aividades curriculares, o processo de ensino e aprendizagem e a
formação dos docentes que nela trabalham.

3 - As Meninas é o nome como icou conhecido o quadro pintado, em 1656, pelo re-
nomeado pintor andaluz Diego Velázquez, que culmina todo um percurso de vida
feito de um labor único, pessoal, coincidindo com o período barroco da escola es-
panhola de pintura. Atualmente, esta obra-prima símbolo de toda a arte universal
é pertença do acervo de Pintura do Museu Nacional do Prado, em Madrid, desde
a data da sua inauguração em 1819. Disponível em: <htp://ler.letras.up.pt/uploa-
ds/icheiros/6635.pdf>. Acesso em 12 jul. 2010.

20
Introdução

Este livro tem como razão e propósito ampliar debates sobre ques-
tões educacionais emergentes, cujas referências ainda estão se cons-
truindo no campo da Educação e que suscitam interesse dos proissio-
nais que nele atuam, como: (a) História da proissão docente no Brasil
e em Portugal; (b) História das Insituições Educacionais; (c) Currícu-
lo e Espaço escolar; (d) História das Ideias; (e) Estrutura e Cultura or-
ganizacional; entre outras. As insituições escolares, em senido lato,
signiicando todos os organismos de intervenção educaiva, apresen-
tam como pano de fundo, a necessidade de resgatar o contributo que
a Educação e suas Ciências podem oferecer para a melhoria da vida
dos indivíduos. A análise dos contextos educaivos deve se realizar de
forma rigorosa, por meio de aitudes de pesquisa, que sinteizem, com
profundidade, os dados que a análise permite organizar.
As evidências orais, por vezes esquecidas no trabalho de pesquisa,
serão aqui consideradas por representarem uma contribuição funda-
mental na reconstrução dos fatos.

21
Parte 1
A Pesquisa sobre a
Escola da Ponte
As portas que abril abriu4
a Escola da Ponte
“Se as coisas são inaingíveis... ora! Não é moivo para
não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presen-
ça das estrelas!”
(Mário Quintana)
Portugal foi uma monarquia até 1910 e, após vários anos de ins-
tabilidade políica, em 1926, o exército assumiu o poder, nomeando,
como Ministro das Finanças, António de Oliveira Salazar. Sob a ditadura
salazarista, o país se tornou uma República de tendência fascista. Em
1968, Salazar sofreu um derrame e foi subsituído por Marcelo Caeta-
no, ex-Ministro das Colônias, que dirigiu o país até ser deposto no dia
25 de abril de 1974.
A decadência econômica de Portugal e o descontentamento do
povo português contra o fascismo desencadearam, nessa data, a Re-
volução dos Cravos, em que oficiais de média patente se rebelaram
e derrubaram o governo de Marcelo Caetano. O governo passou,
então, a ser controlado pelo Movimento das Forças Armadas, e a
população festejou o fim da ditadura distribuindo cravos vermelhos
aos soldados rebeldes. Após 48 anos de ditadura, Portugal passou a

4 - As portas que abril abriu é o ítulo de um poema de José Carlos Ary dos Santos que
fala sobre a Revolução dos Cravos em Portugal.
Escola da Ponte - Portugal

ter um regime democrático, possibilitando o surgimento das liber-


dades de opinião, de expressão e de imprensa, mudando os rumos
políticos e sociais do país.
Com o passar do tempo, Portugal abriu as portas para a educação
e, em 1986, é aprovada a Lei de Bases do Sistema Educaivo, em que
a escolaridade básica se faz obrigatória dos 6 aos 15 anos de idade. A
Lei de Bases do Sistema Educaivo, formulada no período posterior à
revolução, registrou em seu arigo 2° que a educação deve se organizar
tendo em vista “o desenvolvimento pleno e harmonioso da personali-
dade dos indivíduos” e “a formação de cidadãos livres, responsáveis,
autônomos e solidários”. Em seu arigo 3°, explicita os princípios de
organização do sistema educacional, que deve ter em vista “contribuir
para a realização do educando através do pleno desenvolvimento da
personalidade, da formação do caráter e da cidadania”, assim como
“assegurar o respeito à diferença, mercê do respeito pelas personalida-
des e pelos projetos individuais de existência”.
Uma das funções da educação nas escolas é a construção da noção
de cidadania para o aluno. A escola tem que ser igual, unitária e com
relações sociais estruturadas, pois o ato de educar pressupõe a existên-
cia e a parilha de projetos coleivos. A valorização da educação escolar
pressupõe o abandono de ideias radicais, como a teoria da desescola-
rização proposta por Ivan Illich que, durante algum tempo, povoou o
imaginário dos que paricipam do coidiano escolar.
Para Illich, o currículo escolar evidencia que a escola pública, de
certa forma, tira proveito da desescolarização da sociedade. A esco-
laridade não promove a aprendizagem porque os professores insis-
tem em limitar a instrução aos diplomas. A escola fornece instrução,
mas não fornece aprendizagem. A maioria das pessoas adquire a
maior parte dos seus conhecimentos fora da escola. Ainda segundo
o autor, a escola se tornou um ensino desacreditado. As ideias de
Ivan Illich, neste texto, foram propositais para iniciar a apresentação
da Escola da Ponte, que significa, na contemporaneidade, um avan-
ço na área da educação, a partir de suas inovações, e um contrapon-
to às ideias de Illich.

26
As portas que abril abriu

A transformação no currículo da Escola da Ponte, por meio da


construção de um novo projeto pedagógico, teve início em 1976, dois
anos após a Revolução dos Cravos, que, conforme dito anteriormente,
derrubou o regime salazarista em Portugal. A Escola da Ponte atende,
por meio de seu currículo inovador, os anseios e as necessidades de
uma educação de qualidade, fortalecendo o conceito de escola e, con-
sequentemente, de escolarização. Na Ponte, encontramos a liberdade
para aprender, ensinar e pesquisar, que favorece o pluralismo de ideias
e de concepções pedagógicas.
A escola localiza-se em Vila das Aves, uma cidade com aproxima-
damente 10 mil habitantes, distante 30 km da Cidade do Porto, em Por-
tugal. Na Escola da Ponte não há salas de aula, turmas ou séries, não
existe diferença hierárquica entre professores e alunos e não há espaço
para provas inais. Baseia sua proposta educacional na autonomia dos
alunos, que deinem áreas de interesse e desenvolvem cada qual seus
percursos de aprendizado.
A insituição escolar, considerada como lócus de ação pedagógi-
ca, deve ser interpretada, do ponto de vista histórico e historiográi-
co, pondo realce nas práicas escolares. Com efeito, a noção de práica
incide sobre as formas de organização, na análise das práicas desen-
volvidas e nos documentos que as insitucionalizaram. Dito de outra
forma, a noção de práica perpassa pela noção de cultura escolar, esta-
belecendo o conjunto de relações sociais, culturais e cognoscentes que
surgem no interior das insituições. Airma Falcon (2002) que a cultura,
enquanto um ipo de abordagem, coloca a história cultural “no lugar de
objetos previamente deinidos como culturais contemplando, de fato, o
conhecimento de uma dimensão do real”. Cabe destacar que a aitude
de pesquisa centrada na perspeciva da história cultural, para Nóvoa
(1992), está ariculada com os discursos, com os sistemas educaivos,
com as práicas e com os atores.
Há quatro elementos que fundamentam as relexões sobre educa-
ção – o sujeito, os conteúdos, a sociedade e as interações pedagógicas
entre estes três elementos (BERTRAND, 2001, p. 11-20). Está implícito
que nas relações de ensino e aprendizagem, conforme palavras de Anísio

27
Escola da Ponte - Portugal

Teixeira (1997), “importará sempre em uma modiicação da conduta hu-


mana, na aquisição de alguma coisa que reaja sobre a vida e, de algum
modo, lhe enriqueça e aperfeiçoe o senido”.
Os métodos do trabalho escolar evocam um conjunto de ações do-
centes, ariculadas com a cultura escolar, que devem ser privilegiadas
ao se reconstruir a história da educação. Desse modo, a reconstrução
histórica das insituições escolares não pode desconsiderar a atuação
docente. Conforme Nóvoa (1987, p. 367), a aividade docente surgiu
em sintonia com a transformação da estrutura social apresentando
como caracterísicas “origens sociais modestas, vocação, funcionalismo
público e sacerdócio”. Ainda em Nóvoa, “os professores são funcioná-
rios, mas de um ipo paricular, pois a sua ação está impregnada de uma
forte intencionalidade políica, devido aos projetos e às inalidades so-
ciais de que são portadores”.
Para Jusino Magalhães (2004, p. 133-169), a pesquisa sobre as
insituições escolares envolve três aspectos: a materialidade, a repre-
sentação e a apropriação, que correspondem às práicas escolares pro-
priamente ditas. Tomando como base as ideias de Jusino Magalhães, a
análise das práicas docentes deve ser fundamentada teoricamente, a
parir das condições sociais, históricas, culturais e econômicas vigentes
no contexto em que se situam. Na análise das insituições escolares e das
práicas docentes, as múliplas situações educaivas e pedagógicas são
propostas à análise e sustentadas pela aitude de pesquisa, que resulta
em reorientação de percepções e em reformulação de conceitos. A linha
de invesigação que buscamos desenvolver se sustenta em eixos, a saber,
a escola enquanto instrumento da ação educaiva, a organização da esco-
la, as estratégias de intervenção dos professores e demais funcionários.
A Escola da Ponte é uma insituição da rede pública estatal de
Portugal e foi construída em 1932. Em seus primórdios, apresentava
vários problemas: o isolamento perante a comunidade, e dos profes-
sores dentro da escola, as manifestações de exclusão escolar e social e
a indisciplina e a ausência de um verdadeiro projeto de relexão críica
sobre as práicas educaivas. Além disso, a hegemonia de metodologias
centradas no professor se fazia presente na Ponte. Diante disso, sur-

28
As portas que abril abriu

giu a necessidade de inovar, de transformar o que ali estava posto. Em


1976, houve uma ruptura quase total com a tradicional organização do
trabalho escolar.
Desde 1976, o Projeto Fazer a Ponte vem sendo desenvolvido numa
lógica de progressiva autonomia. Isto se dá por inovações curriculares e
pedagógicas e de um modelo de organização de escola que, em muitos
aspectos, diverge do modelo que prevalece nas escolas públicas esta-
tais de Portugal.
O projeto políico-pedagógico da Escola da Ponte é ecléico. Ado-
ta atributos de diferentes origens, modelos, autores e correntes peda-
gógicas. Rejeita teorias, propostas metodológicas e modelos que não
estejam de acordo com a sua proposta. Um dos objeivos primordiais
é validar o seu modelo organizacional alternaivo de escola pública es-
tatal, garanindo de forma coerente uma progressiva qualiicação das
aprendizagens e do percurso educaivo de seus alunos.
A Escola da Ponte mantém um relacionamento insitucional direto
com o Ministério da Educação e com as enidades representaivas do
meio social através de visitas guiadas à escola e do diálogo, de maneira a
reforçar os mecanismos de integração na comunidade e a proporcionar
aos interessados a máxima informação possível sobre a escola.
A Ponte é uma escola que não segue um sistema baseado em seria-
ção e seus professores não são responsáveis por uma disciplina ou por
uma turma especíica. Cabe à escola a seleção e o recrutamento de todos
os seus proissionais, incluindo os orientadores educaivos e o gestor.
Ao referirmos ao recrutamento dos orientadores educaivos na Es-
cola da Ponte, remetemo-nos às considerações de António Nóvoa so-
bre o estatuto da docência, que é relevante citar para compreender
como o magistério se consituiu como proissão.
De acordo com Nóvoa (1991), historicamente, o estatuto da do-
cência como profissão se constituiu a partir da formação das congre-
gações docentes nas escolas religiosas, nos séculos XVI e XVII, até a
fundação das associações docentes no século XIX. Ainda em Nóvoa,
esse processo foi mediado pela Igreja e, depois, pelo Estado. Vale res-

29
Escola da Ponte - Portugal

saltar que, a partir da constituição do ensino público e de massa, os


professores passaram a ser selecionados por concurso ou exames, le-
gitimando novo estatuto profissional ao docente. Vale ressaltar que
na Escola da Ponte, embora seja estatal, não há concursos para con-
tratação de professores.
A avaliação do desempenho dos professores – na Escola da Ponte
chamados de orientadores educaivos – tem uma periodicidade anual.
Os orientadores educaivos que aceitam exercer funções na escola as-
sumem, contratualmente, o compromisso de cumprir e de fazer cum-
prir o projeto educaivo e o regulamento interno da Escola. Todos os
anos, durante o mês de maio, o conselho de gestão da escola submete
à apreciação do dirigente uma proposta fundamentada da consituição
da equipe docente para o ano leivo subsequente.
A Escola da Ponte e o Ministério da Educação de Portugal têm uma
estrutura permanente de ligação, chamada de Comissão de Acompa-
nhamento e Promoção da Autonomia da Escola da Ponte. Esta comis-
são tem dois representantes da escola, um representante da Direção
Regional de Educação do Norte e dois invesigadores nomeados pelo
Ministério da Educação. Ela tem as seguintes competências:
a) acompanhar o desenvolvimento do processo de autonomia da escola;
b) monitorar o processo de autoavaliação da escola;
c) propor a realização de quaisquer estudos especializados no âmbito da
avaliação externa;
d) apreciar e aprovar os relatórios anuais de avaliação interna do
desenvolvimento do processo de autonomia da Escola.
Uma equipe docente solidária e uma intencionalidade educaiva
objeiva são os principais ingredientes para uma ação eicaz. Na Esco-
la da Ponte, a equipe docente tem uma preocupação com a formação
de cidadãos autônomos, responsáveis, solidários e democraicamen-
te compromeidos com a construção de um desino coleivo. A Ponte
apresenta como valores que orientam o seu processo educaivo a auto-
nomia, a solidariedade, a responsabilidade e a democraicidade. Reco-
nhece aos pais dos alunos o direito de escolha do projeto educaivo que
considerem mais apropriados à formação dos seus ilhos.

30
As portas que abril abriu

A escola se organiza em função dos termos do seu regulamento inter-


no e de acordo com alguns pressupostos. As famílias e os encarregados de
educação se comprometem a defender e a promover a Escola da Ponte,
pois são as fontes principais de legiimação do próprio projeto.
O regulamento interno deve reconhecer aos seus representantes
uma paricipação determinante nos processos de tomada de decisões.
Os órgãos da escola são consituídos em uma lógica pedagógica de air-
mação e de consolidação do projeto e não de representação corporai-
va de quaisquer setores ou interesses. Na organização, na administra-
ção e na gestão da escola, os critérios cieníicos e pedagógicos devem
prevalecer sobre qualquer critério de natureza administraiva ou outra
que claramente não se compaibilize com o projeto. No que se refe-
rem aos alunos, estes são responsavelmente implicados na gestão das
instalações e dos recursos materiais disponíveis. Nos termos do regu-
lamento interno, devem tomar decisões com impacto na organização e
no desenvolvimento das aividades escolares.

31
O trabalho educativo
na Ponte: a conquista
da autonomia
Ao pensarmos nas especiicidades do processo educaivo escolar,
conceitos como regras, avaliação, punição, controle, autoritarismo ine-
gavelmente fazem parte das práicas escolares presentes na maioria
das escolas. Vemos que, em geral, nos princípios educaivos das insi-
tuições escolares não existe o esímulo ao pensamento livre, à criai-
vidade e à promoção do desenvolvimento integral da criança em um
trabalho pedagógico que tenha como objeivo e inalidade construir
um sujeito autônomo, independente e solidário.
A construção da autonomia é um princípio educaivo que, muitas
vezes, é mal interpretado. Frequentemente ele é confundido com ex-
cesso de liberdade e com ausência de disciplina. O principal desaio
dos professores é possibilitar ao indivíduo transformar a informação
em conhecimento e o conhecimento em ação.
Na medida em que esses indivíduos conseguem interagir com a so-
ciedade de modo autônomo, responsável e críico, mais se aproximam
da construção de uma sociedade livre e democráica. Autonomia só pode
ser entendida em uma concepção que insere o indivíduo na sua relação
com o contexto social e em permanente interação com o meio.
Sem este pano de fundo, icaria parcialmente desituída de signi-
icado uma concepção de educação orientada para o desenvolvimen-
to integral do indivíduo. Correríamos o risco de interpretar autonomia
Escola da Ponte - Portugal

simplesmente em termos comportamentais, como capacidade de reso-


lução de problemas de forma independente. O aluno que exercita sua
liberdade, que rompe com o silêncio, paricipando críica e aivamente
da aula, terá mais responsabilidade nas suas ações.
É essa construção de responsabilidade que o professor precisa
buscar em sua relação com o aluno. Segundo Paulo Freire (2002), o
essencial nas relações entre professor e aluno, entre autoridade e liber-
dade, entre pais e mães e ilhos e ilhas é a reinvenção do ser humano
no aprendizado de sua autonomia. Freire não aceita uma escola que re-
ire de cada um a possibilidade de ser sujeito e que leve à interiorização
e à reprodução das relações de dominação presentes na sociedade. A
escola deve promover, para o aluno e para o professor, uma formação
éica e solidária, com inserção social e com garania de direitos.
No início do século XX, Hannah Arendt (1997) já denunciava que
a crise na educação era de fato uma crise na ideia de autoridade.
A autoridade confunde-se com autoritarismo. Os professores, por
sua vez, vacilam entre a permissividade e o autoritarismo. Parecem
estar receosos de exercer autoridade e poucos a exercem com ma-
turidade (PACHECO, 2008).
Na educação, o autoritarismo está nas práicas anidemocráicas
usualmente uilizadas nas escolas, amparadas pela pedagogia tradicio-
nal. A pedagogia autoritária tradicional impede a liberdade, a respon-
sabilidade e a criaividade do sujeito que aprende, na medida em que
suas relações são hierárquicas e desiguais. Nesse senido, insituciona-
lizam valores e ideias dos grupos dominantes, desconsiderando a cultu-
ra e as contribuições dos grupos sociais “dominados”.
Autoridade e disciplina são elementos necessários à construção
do saber. Os limites são necessários para que todos aprendam; entre-
tanto, pôr limite em sala de aula ou em qualquer ambiente de apren-
dizagem não significa opressão. Os processos de controle são usuais
nas escolas convencionais.
Vigia-se o “aluno” e também vigia o “professor”, situação bem
formulada por Foucault (1996), quando associa o ato de vigiar e punir

34
O trabalho educativo na Ponte

como uma forma de exercício de poder. No que tange à organização do


espaço, a escola acompanhou a organização das insituições saídas dos
processos de industrialização, caracterizadas por mecanismo de racio-
nalização da vida e de processos de controle do tempo, dos corpos e
das aitudes. A escola teria, assim, por meio desses procedimentos, a
incumbência de manter e de reproduzir as relações de classe em face
ao poder (CANDEIAS, 1994, p. 25-26).
A conquista da autonomia do aluno deve ser fruto do trabalho
interaivo de todos os atores envolvidos no processo educaivo esco-
lar. Nenhuma concepção educacional poderá defender o trabalho de
construção da autonomia do educando se parir de ações isoladas no
contexto educaivo. Do ponto de vista insitucional, é fundamental que
estas ações sejam democráicas e fundamentadas em uma pluralidade
de metodologias que deem conta da conquista autônoma do educan-
do. Esse espaço educaivo em que há liberdade de aprender e de agir
deve ser parilhado e compreendido por todos os que fazem parte da
comunidade escolar.
A consituição de alunos autônomos no espaço escolar só se efe-
ivará, de fato, na concepção educacional que atenda ao conceito de
liberdade com um trabalho pedagógico que negue o autoritarismo e
a heteronomia no ambiente educaivo. Desta forma, notamos que a
pedagogia tradicional que uiliza o autoritarismo do professor para fa-
zer valer o trabalho educaivo em sala de aula pouco contribui para o
exercício da autonomia do educando.
Romper com o autoritarismo nas práicas educaivas pressupõe
uma relação de promoção da autonomia do aluno. Paulo Freire5 enten-

5 - O Método de Alfabeização de Paulo Freire foi criado por volta de 1960, quando
seu ilho, com pouco mais de dois anos de idade, associou a imagem e a pronúncia
da palavra Nescau, que assisira na propaganda da televisão, com a mesma palavra
inscrita em um painel na rua. Paulo Freire releiu profundamente sobre esse fato
e concluiu, a parir desse episódio, que o educando adulto também teria capaci-
dade de ler uma palavra anteriormente conhecida pela oralidade. Assim, Freire
testou esta sua hipótese na empregada domésica de sua casa que com facilidade
conseguiu relacionar a palavra com a igura apresentada (FREIRE, 2006, p. 337). A
parir de então, Freire deu prosseguimento a sua invesigação tendo como base

35
Escola da Ponte - Portugal

de a solidariedade como um compromisso entre homens e mulheres, a


qual encontra, na pedagogia da autonomia, a sua possibilidade de con-
creização. Quando falamos de autonomia dos alunos, nos reportamos
à éica, valor moral indispensável à convivência humana. É no domínio
da avaliação, da liberdade e da opção que se instaura a necessidade da
éica e que se impõe a responsabilidade (FREIRE, 2002, p. 20). Quanto
mais exercemos a capacidade de aprender, mais desenvolvemos o que
Freire chamava de “curiosidade epistemológica”.
O aluno autônomo se envolve com a organização da sua aprendi-
zagem, focalizando o seu desempenho na escola. Há uma igualdade de
papéis no processo de ensino e de aprendizagem, o que permite tanto
ao educador quanto ao educando ocupar as mesmas posições. Mas a
questão signiicaiva em relação a isso é que esta mudança no sistema
faz emergir situações inesperadas no contexto educaivo.
O professor da escola convencional, habituado a conviver com um
educando passivo, terá que lidar com uma gestão coleiva. Em outras
palavras, ambos, o aluno e o professor, serão agentes da aprendizagem,
exercendo uma docência comparilhada. No exercício da autonomia,
não existem papéis hierárquicos em sala de aula.
A igura do professor é entendida como um mediador do conhecimen-
to, aprendendo, ensinando e reaprendendo, conirmando ser a aprendiza-
gem um puzzle em que ambos - professor e aluno - são desaiados a ex-
perimentar inúmeras tentaivas de erros e acertos. Os desaios demandam
novas aprendizagens, pois necessitam de novos modos de pensar e de agir
sobre o conhecimento.
O conhecimento só é signiicaivo quando construído pelo próprio
indivíduo a parir de uma experiência. Ir ao encontro destes desaios
é a ação fundamental do exercício autônomo. Na Escola da Ponte, a

essas experiências até que, paulainamente, criou seu método de alfabeização.


Na década de 60 surgiram os movimentos de educação popular e foi um período
importante na vida de Paulo Freire, pois foi quando seu método de alfabeização
passou a ser divulgado em todo o Brasil. A proposta de Freire era de que não se
uilizassem as carilhas na alfabeização do estudante adulto. O ensino deveria
parir de situações concretas da própria realidade do aprendiz.

36
O trabalho educativo na Ponte

aprendizagem é vista dentro de uma perspeciva interdisciplinar do co-


nhecimento, na qual se esimula a percepção e a solução de problemas,
de modo que o aluno trabalhe os conceitos em estruturas cogniivas
cada vez mais complexas. O trabalho educaivo se desenvolve parindo
de um ensino individualizado e diferenciado que respeita uma mesma
plataforma curricular para todos os alunos.
A organização do trabalho na Escola da Ponte é centrada no aluno.
A Ponte contribui para que cada um deles aprenda a conhecer o objeto
do conhecimento e a agir sobre ele. As propostas de trabalho devem
estar de acordo com a metodologia de trabalho da escola. Neste sen-
ido, o currículo é dinâmico e apresenta um trabalho relexivo perma-
nente da equipe de orientadores educaivos.
Na Escola da Ponte, o percurso de aprendizagem de cada aluno é
supervisionado por um orientador educaivo, ao qual lhe é atribuída a
função de tutor. Estes orientadores são organizados por áreas, como
arísica, idenitária, naturalista, linguísica e lógico-matemáica.
O envolvimento dos alunos em diferentes contextos, sejam estes
em situações formais ou informais de aprendizagem, favorece a iden-
iicação de realidades que escapam, na maioria das vezes, às práicas
tradicionais de ensino. O raciocínio lógico-matemáico e as competên-
cias de leitura, de interpretação, de expressão e de comunicação per-
meiam o percurso de aprendizagem do aluno da Ponte.
Atualmente, assistimos a várias formas de se pensar autonomia
na escola. Autonomia toma forma de assembleia de alunos, na qual
são elaborados, pelos discentes, quadros com registros de regras ela-
boradas, gestão de atividades extracurriculares e projetos de estudo.
Neste contexto, a limitada expressão que o self-government (auto-
nomia) assume insere-se na tentativa de modernizar e adaptar, no
contexto educativo tradicional e conservador, métodos que aumen-
tem a eficácia de ação dos alunos a um mundo em rápida mutação. O
modelo convencional de educação está ultrapassado porque há uma
falta de consistência científica nas formas de aprendizagem por eles
promovida (CANDEIAS, 1994, p. 397).

37
No reverso ao que foi dito, na Escola da Ponte, a independência
intelectual do indivíduo, a iniciaiva própria e a responsabilidade pelos
atos são os princípios de uma educação fundamentada na liberdade e
na solidariedade. Na Ponte, os orientadores educaivos e as crianças
são libertos do automaismo. As estratégias do ensino têm como obje-
ivo a criação do indivíduo autônomo.
A Escola da Ponte tem como missão estabelecer uma nova for-
ma de pensar e de agir na contemporaneidade. Seu objeivo é formar
pessoas felizes, socialmente responsáveis e autônomas, para construir
seus projetos de vida.
A Escola da Ponte:
de fato uma Escola Inclusiva
“As costas de Polichinelo arrasas só porque fogem das
comuns medidas? Olha! Quem sabe não serão as asas
de um anjo sob as vestes escondidas...”
(Mário Quintana)
O conceito de deiciência deve ter variado com o tempo e, ao lon-
go dos séculos, foi se modiicando. Os estudos apontam que, na Roma
Aniga, crianças que apresentavam alguma deiciência ou malformação
eram jogadas nas margens do Rio Tigre. No entanto, de acordo com
Corrêa (2006 , p. 11), nem todas as crianças deicientes foram mortas.
Segundo a autora, “muitas crianças que nasceram com malformação
ou consideradas anormais foram abandonadas em cestas com lores as
margens do Rio Tigre. Os escravos e as pessoas pobres que viviam de
esmola recolhiam essas crianças para criá-las e uilizá-las como meio
de exploração dos romanos” (CORRÊA, 2006, p. 11). Vale ressaltar que,
no comando de Roma, esiveram imperadores que apresentavam al-
gum ipo de deiciência, como Galba, que apresentava malformação
nas mãos e nos pés, e Othon, com deformação nas pernas.
Na Grécia Aniga, a criança que nascia com alguma deiciência era
encaminhada a um conselho, que decidia se ela deveria viver ou morrer.
Mas, assim como em Roma, no comando da Grécia esiveram imperado-
res como Homero, que era cego, e Alexandre, o Grande, com epilepsia.
De acordo com Amaral (1995, p. 53), pode-se airmar que há uma
evolução histórica das aitudes em relação aos deicientes, de forma
Escola da Ponte - Portugal

que até o ano de 1800 a deiciência era vista como problema do âmbito
cieníico; daí até 1870 surgiram às primeiras experiências terapêuicas
e educaivas; de 1870 a 1930 houve ênfase no conceito de rejeição; e,
inalmente, a parir da Segunda Guerra Mundial, quando milhares de
soldados voltavam, para as famílias, cegos, surdos, paralíicos ou tetra-
plégicos, ocorre o movimento de reabilitação e de readaptação da vida
em sociedade. Vale lembrar que, na época da Segunda Guerra Mundial,
na Alemanha de Hitler, as pessoas com deiciência também foram eli-
minadas e/ou esterilizadas, em nome da políica da raça ariana pura.
Veriica-se que a concepção de doença e de incapacidade associa-
da ao conceito de deiciência tem variado ao longo dos séculos. Uma
ininidade de termos tem sido uilizada para ideniicar as pessoas com
deiciência. O conceito de deiciência vem sendo formulado a parir de
um referencial de normalidade, que resulta em sua segregação e em
sua inaceitabilidade. Sabemos que a feiúra de Sócrates era conhecida
do povo grego na mesma proporção em que sua inteligência. Como
conceito culturalmente formado, “deiciência” atende a expectaivas
pré-formadas de acordo com os costumes e com a época. Engloba ter-
mos como incapacidade, dependência, redução, limitação, impossibili-
dade, entre outros. Mas, nem mesmo entre os considerados normais,
há uma unanimidade entre norma e patologia.
Chama-se atenção para o fato de que ainda não se conseguiu espe-
ciicar quais são os atributos que deinem a maioria dos conceitos. Por-
tanto, como explicar a formação do conceito de deiciência associado a
uma concepção de doença e de incapacidade aos nos depararmos com
um Beethoven surdo compondo a Nona Sinfonia? Para Nunes (1998), “a
concepção da deiciência como uma condição patológica incapacitan-
te, que esteve presente, aberta ou veladamente, inclusive no discurso
dos agentes educacionais, implica aitudes e ações em relação a estes
indivíduos que reforçam ainda mais as caracterísicas esigmaizantes”.
No inal do século XX, em razão da defesa pelos Direitos Huma-
nos, um novo conceito foi introduzido aos grupos considerados diferen-
tes – pessoas com necessidades educacionais especiais. O conceito de
necessidades educacionais especiais é um conceito chave que agrega

40
A Escola da Ponte

outras noções, como a de diiculdade de aprendizagem e a de medidas


educaivas especiais. Cabe ressaltar que, para Silveira Bueno (1993), “se
por um lado, se avança para menor esigmaização, por outro se perde
na precisão. O conceito portador de necessidades educaivas especiais
abrange uma diversidade de sujeitos, que ao ganhar na amplitude e na
quebra da esigmaização perde na precisão”. Ainda nessa linha de pen-
samento, o conceito de deiciência demanda adaptações de currículo e
criação de serviços complementares na escola.
Glat (1995) esclarece que o conceito de deficiência formulado
a partir de um referencial de normalidade coloca os indivíduos com
deficiências, marginalizados ou excluídos da vida social, no mesmo
nível de outras minorias que não correspondem aos padrões sociais
considerados normais.
A Educação Inclusiva, hoje amparada e fomentada pela legislação
em vigor e determinante das políicas públicas educacionais, coloca
ênfase na falha do meio em proporcionar condições adequadas para
promover a aprendizagem do individuo com necessidade educacional
especial. Conclui-se que, no âmbito pedagógico, o conceito de deiciên-
cia não pode ser deinido a parir das noções de incapacidade, redução,
limitação e impossibilidade.
O conceito de deiciência implica uma nova postura da escola ao
propor, no currículo, na metodologia, na avaliação e nas estratégias de
ensino ações que favoreçam a inclusão social e as práicas educaivas
diferenciadas que atendam a todos os alunos. Por herança histórica e
por cultura social, a concepção de deiciência, que segrega e exclui, re-
lete ações educacionais restritas e com estreita visão do que represen-
ta uma educação para todos. Essa concepção, na perspeciva da evo-
lução sócio-histórica do conceito de deiciência, exerceu impacto na
história da educação especial, apresentando como resultado práicas
educacionais empobrecidas, que enfaizam as diiculdades relaciona-
das à deiciência, em contraponto à dimensão do processo de ensino e
de aprendizagem na escola.
Apesar dos obstáculos, a expansão do movimento da inclusão, em
direção a uma reforma educacional mais ampla, é um sinal visível de

41
Escola da Ponte - Portugal

que a escola e a sociedade vão coninuar caminhando rumo a práicas


cada vez mais inclusivas e distanciadas do conceito de deiciência que
segrega e exclui.
A Educação Inclusiva tornou-se uma referência a ser assumida pe-
las redes de ensino amparadas pelas políicas educacionais. A legisla-
ção e as políicas públicas, no campo da Educação Inclusiva, apontam
para o compromisso de promover uma educação de qualidade para
todos. O direito de ser educado é o direito de usufruir dos conteúdos
culturais disponíveis na sociedade, que devem ser postos ao alcance de
todos. Nesse senido, a Educação Inclusiva deve ser tratada como uma
questão de Direitos Humanos, defendendo princípios de jusiça social e
de equidade educaiva.
Entretanto, constata-se que há uma distância entre as condições
reais de escolarização para todos e o que lhes cabe por direito. Para re-
verter esse quadro, o desaio é desenvolver estratégias e instrumentos
gerenciais que promovam a universalização e a equidade do atendi-
mento proporcionado pelas políicas públicas. O alcance desses desa-
ios requer políicas competentes e construção de um pacto social em
favor da Educação Inclusiva. Nessa linha de pensamento, descorina-se
a ariculação dos setores que desenvolvem as políicas públicas, as le-
gislações, os programas e as iniciaivas no campo da Educação Inclusiva.
A Educação Inclusiva deve ter como meta à remoção de barreiras
para a aprendizagem. Neste sentido, remover barreiras é pensar em
todos os alunos como seres em processo de crescimento e de desen-
volvimento, permitindo que vivenciem o processo ensino-aprendiza-
gem diferentemente.
A Declaração de Salamanca, em 1994, oicializou o termo inclusão,
no campo da educação. Em assembleia realizada em Salamanca, na Es-
panha, entre 07 e 10 de junho de 1994, representantes de 88 governos
e de 25 organizações internacionais reairmaram o compromisso para
com a educação para todos, reconhecendo a urgência em providen-
ciar a educação para crianças, jovens e adultos com necessidades edu-
cacionais especiais no sistema regular de ensino. Nessa declaração, o
conceito de deiciência diz respeito a crianças e jovens cujas carências

42
A Escola da Ponte

ou diiculdades se situam no âmbito escolar. Sejam crianças ou jovens


com deiciências ou superdotados, em situação de rua, trabalhadores,
de populações remotas ou nômades, de minorias linguísicas, culturais
e de grupos desfavorecidos ou marginais.
É importante destacar outros acontecimentos internacionais,
como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e a Con-
venção sobre os Direitos da Criança (1989). A proposta de Educação In-
clusiva é amparada por diretrizes e normas nacionais e internacionais e
requer mudanças na forma de compreender e de estruturar os setores
sociais. A educação especial e inclusiva não signiica apenas permiir
que o aluno especial adentre em uma escola regular, mas, principal-
mente, garanir que lhe sejam dadas condições de aprendizagem, de
desenvolvimento social, cogniivo e afeivo.
Nessa linha de pensamento, Skric (1999) airma que a Educação
Inclusiva pode oferecer as visões estrutural e cultural necessárias para
reconstruir a educação geral, tendo em vista que demanda releir a
heterogeneidade dos alunos e das alunas, possibilitando aos professo-
res uilizarem recursos instrumentais e aitudinais buscando acolher a
todos na escola.
A Escola da Ponte é, de fato, uma escola inclusiva. Cada aluno se-
gue o seu ritmo e faz o trabalho que é capaz de fazer, com o grau de
autonomia que possui. O mesmo se passa com os alunos com necessi-
dades educacionais especiais. Assumir uma posição diante da Educação
Inclusiva envolve não só uma relexão sobre currículos e organização
escolar, mas também uma revisão das bases do trabalho docente, ob-
jeivando a reorientação de seus papéis para atuar em um contexto
inclusivo. Tal contexto exige mudanças não só dos conhecimentos e das
habilidades pedagógicas, mas também das aitudes e dos valores.
A inclusão exige uma transformação da escola, pois defende
a inserção de alunos com quaisquer déficits e necessidades. Exi-
ge rupturas. No sistema educacional da inclusão, cabe à escola se
adaptar às necessidades dos alunos e não aos alunos se adaptarem
ao modelo da escola.

43
Escola da Ponte - Portugal

O conceito de portador de necessidade educacional especial


abrange todas as crianças e jovens cujas necessidades envolvam deici-
ências ou diiculdades de aprendizagem. Inclui tanto crianças em des-
vantagem quanto as crianças portadoras de altas habilidades. Crianças
pertencentes a minorias étnicas ou culturais e crianças desfavorecidas
ou marginais, bem como as que apresentam problemas de conduta ou
de ordem emocional, também se incluem no conceito de portadora de
necessidade educacional especial.
O princípio fundamental da Escola da Ponte é o de que todos os
alunos devem aprender juntos, sempre que possível, independente-
mente de quaisquer diiculdades ou diferenças que possam ter. Provi-
denciar uma educação apropriada aos indivíduos deve ser o conceito
base sobre o qual todos os programas e serviços da Educação Inclusiva
se desenvolvem.
Para os indivíduos com diiculdades de aprendizagem, o principal
foco educacional deve privilegiar aividades diretamente relacionadas
à melhora do funcionamento nas áreas de diiculdade manifestadas. Na
escola, enquanto a primeira iniciaiva de intervenção pedagógica deve
direcionar-se para a área acadêmica, linguísica e cogniiva das diicul-
dades, uma intervenção em áreas correlacionadas, como as desordens
de atenção e os problemas de caracterísicas sociais também devem
ser considerados.
No âmbito da intervenção pedagógica, cabe ao professor aprofun-
dar conhecimentos nas adaptações curriculares e na área da avaliação.
A monitoração do processo de intervenção, ideniicando ganhos e
perdas, sob a forma de linhas de orientação, possibilita competência
saisfatória no atendimento ao aluno com necessidade educacional es-
pecial. Levando em conta essas bases, enfaiza-se a ideia de que, no
atendimento às crianças com necessidades educacionais especiais, é
importante que todas as aividades sejam adaptadas ao nível de desen-
volvimento de cada um e que o foco esteja voltado para seus pontos
fortes e não para suas limitações (BRICKMAN, TAYLOR, 1991).
A Escola da Ponte considera que todos os alunos são especiais.
Assim, cada um recebe da escola o ipo de apoio de que necessita. Os

44
A Escola da Ponte

alunos estão organizados em grupos heterogêneos. Não estão distri-


buídos por turmas nem por anos de escolaridade. Todos eles realizam,
reunidos em grupos de trabalho, o mesmo ipo de aividade. Os profes-
sores (orientadores educaivos) dão o apoio adequado aos alunos sem
fazer discriminação. Todos os professores são, portanto, professores de
todos os alunos; não há lugares ixos nem salas de aula.
Para que a inalidade educacional da Escola da Ponte seja bem
equacionada, a intervenção pedagógica não se limita a mera parilha
de saberes. Pelo contrário, abrange a contribuição que a educação pode
oferecer para a melhoria de vida do aluno com necessidade educacio-
nal especial. Os alunos da Escola da Ponte se confrontam diariamente
com múliplas situações de aprendizagem, sustentadas pela relação
educaiva, que dá suporte ao processo de desenvolvimento humano.

45
Atravessando a Ponte
O projeto educaivo da Escola da Ponte propõe uma relação de
parceria e de compromeimento entre os grupos que consituem a
equipe educaiva, ou seja, os pais, os professores, os alunos e o pessoal
auxiliar criam coidianamente um novo modo de relexão e de práica.
O orientador educaivo na Ponte não pode trabalhar em uma perspeci-
va de monodocência, centrado em práicas tradicionais de ensino, que
conduzem o aluno a um conhecimento predeterminado. O orientador
educaivo é um promotor de educação, na medida em que é chamado
a orientar o percurso educaivo de cada aluno e a apoiar os seus pro-
cessos de aprendizagem.
Os alunos, junto com os orientadores educaivos, desenvolvem as
estratégias necessárias ao desenvolvimento do trabalho diário na es-
cola em planos de periodicidade conveniente. Os alunos são também
responsáveis pela avaliação do trabalho que pretendem realizar. Assim,
a evolução de cada aluno ica evidenciada nas dimensões do seu per-
curso escolar.
O planejamento diário é feito pelos alunos; os orientadores educa-
ivos ajudam nas diiculdades na medida em que estas vão surgindo. Os
alunos da Escola da Ponte trabalham a parir de planos individuais, em-
bora sempre em grupos, para que se ajudem entre si. Quando já são
capazes de dominar um determinado número de objeivos nas diferentes
áreas do currículo, passam a gerir com autonomia os seus tempos e espa-
ços de aprendizagem. O currículo, somado a metodologias próximas do
paradigma construivista, leva ao desenvolvimento de outras competên-
cias, aitudes e objeivos que qualiicam o percurso educaivo dos alunos.
Escola da Ponte - Portugal

Os orientadores educaivos na Escola da Ponte estabelecem com


os colegas de proissão uma relação fraterna, procurando ter sempre
o projeto como referência inspiradora. Ariculam a sua ação apoiando
aivamente os companheiros na resolução de conlitos. Ajudam os alu-
nos a conhecer e a cumprir as regras da escola, sendo irmes com eles,
porém, sem cair no autoritarismo.
A formação inicial dos professores da Escola da Ponte é, em tudo,
semelhante à dos outros professores em Portugal. A formação coninu-
ada dos orientadores da Ponte parte das reuniões internas e das rele-
xões que vão sendo produzidas pela própria equipe. Isto não invalida
que se procure formação fora da Escola da Ponte quando o orientador
educaivo sente alguma diiculdade especíica.
A Escola da Ponte, com base no contrato de autonomia assinado
com o Ministério da Educação de Portugal, tem a possibilidade de se-
lecionar os professores que nela trabalham. A Ponte é a única escola
no país que pode escolher o corpo docente. Ser orientador educaivo
signiica valorizar a relexão e a capacidade de análise críica do aluno
em um processo permanente de autoformação responsável.
A Escola da Ponte funciona com três ciclos, a saber, primeiro ao
nono ano, parecido com o Ensino Fundamental no Brasil. Não há Edu-
cação Infanil na Escola da Ponte. Os ciclos se organizam em três nú-
cleos: iniciação, consolidação e aprofundamento. A iniciação contém
dois grupos de alunos, os que entram na escola pela primeira vez e os
restantes. As crianças que estão na escola pela primeira vez aprendem
os rudimentos de leitura e de escrita, em uma abordagem pelo méto-
do natural, e os da aritméica. Os alunos deixam o núcleo de iniciação
quando adquirem as aitudes e as competências básicas que lhes per-
mitem se integrar de uma forma equilibrada na comunidade escolar e
trabalhar com autonomia, no quadro de uma gestão responsável de
tempos, espaços e objeivos. Quando aingem os critérios estabeleci-
dos para um núcleo, mudam para o outro.
No núcleo de iniciação, o trabalho é organizado a parir do plano
diário e do plano quinzenal (no anexo), que são individuais: cada crian-
ça tem o seu. Esses planos são compostos dos objeivos, com base no

48
Atravessando a Ponte

currículo oicial, a serem trabalhados no dia e na quinzena. No núcleo


de consolidação, o trabalho é similar ao do anterior, porém, ressaltan-
do que é notável a ênfase nos objeivos das demais áreas e não espe-
cialmente em Língua Portuguesa e em Matemáica.

O núcleo de aprofundamento funciona em outra unidade, distan-


te cerca de 15 km de Vila das Aves. A aividade é semelhante ao que
acontece no núcleo de consolidação. Trabalham com projetos comple-
mentares de extensão, de enriquecimento curricular e de pré-proissio-
nalização. Neste núcleo, os alunos gerem com total autonomia o seu
tempo na escola e, ao sair dele, devem apresentar como peril as carac-
terísicas, por exemplo, a seguir:

ƒ responsabilidade, autonomia e criaividade;

ƒ persistência e concentração nas tarefas;

ƒ paricipação e perinência nas intervenções;

ƒ resolução de conlitos, senso críico e decisão fundamentada.

Somente em circunstâncias excepcionais, devidamente reconheci-


das e avalizadas pelo conselho do projeto, é que o aluno pode transitar
do núcleo de iniciação para o núcleo de consolidação sem manifestar
um domínio saisfatório dos principais disposiivos de suporte do traba-
lho em autonomia: autoavaliação, pesquisa, trabalho em grupo e meto-
dologia de trabalho de projeto.

A criança que entra na Escola da Ponte tem um período de socia-


lização, em que reconhece o outro, reconhece toda a organização da
escola e, como qualquer ser humano, vai, aos poucos, se adaptando.
Na Ponte, os alunos aprendem a ser solidários, mas também compei-
ivos quando é preciso. Aprendem a trabalhar em grupo como também
a trabalhar sozinhos. Aprendem a seguir os seus próprios planos ou a
seguir os planos do orientador educaivo. Aprendem a fazer protocolos
de pesquisa ou a não fazer pesquisa nenhuma. A Escola da Ponte traba-
lha no senido de não criar indivíduos incompaíveis com o sistema que
existe na sociedade no qual todos estão inseridos.

49
Escola da Ponte - Portugal

A Escola da Ponte recebe crianças e jovens vindos de outras escolas e de


insituições de reinserção social – em outras palavras, insituições do Estado.
Recebem também crianças encaminhadas por psicólogos, psiquiatras, juízes,
tribunais e assistentes sociais. A Escola da Ponte, nesse senido, é uma escola
de úlima oportunidade, pois acolhe aqueles alunos que as outras rejeitam.
A maioria dos alunos é de classe baixa e média baixa. A classe média está
relaivamente pouco representada na escola.
Na Escola da Ponte, há muitos problemas de indisciplina e também di-
iculdades de muitos orientadores educaivos, sobretudo, os mais novos na
escola, inexperientes para lidar com essas situações. Nos casos de indiscipli-
na, a criança é convidada a icar um tempo releindo sobre a aitude que
teve, e há uma estratégia chamada de “Comissão de Ajuda”, que é composta
por alunos. Essa comissão trabalha junto aos casos de indisciplina.
Quando esta comissão não consegue resultados concretos, leva para a
discussão e deliberação em assembleia. Aquele que desrespeita as regras de
convivência tem que comparecer à assembleia. Sua primeira pena é pensar
durante três dias sobre os seus atos. Depois, ele retorna à assembleia para
dizer o que pensou sobre o fato. Ao romper com uma estrutura tradicional
de ensino, a Escola da Ponte teve que buscar alguns disposiivos que marcas-
sem o coidiano escolar dos alunos. São eles:
ƒ Direitos e deveres: reunidos em assembleia, todos os alunos deci-
dem democraicamente o que consideram ser fundamental ao conví-
vio escolar, elaborando uma lista de direitos e deveres.
ƒ Assembleia da Escola: na Ponte, cada criança age como paricipante
solidário de um projeto de preparação para a cidadania. Há cerca de
20 anos, consituíram a assembleia, que decide e legiima a paricipa-
ção dos alunos na organização interna da sua escola.
ƒ Comissão de Ajuda: resolve os problemas mais graves que são colo-
cados na assembleia e é consituída por quatro alunos.
ƒ Debate: o debate acontece diariamente e é quando se discute o que
se fez durante o dia de trabalho. Este espaço é menos formal do que
a assembleia e serve muitas vezes como preparação para ela.

50
Atravessando a Ponte

ƒ Biblioteca: possui coleções temáicas, manuais, gramáicas, dicioná-


rios, jornais, revistas, roteiros, e álbuns.
ƒ Caixinha de segredos: na caixa de papelão, os alunos deixam recados,
cartas e pedidos de ajuda.
ƒ Caixinha dos textos inventados: é a caixa com os textos que os alunos
redigem quando e como desejam.
ƒ Eu já sei: os alunos trabalham cada ponto do programa. Quando
consideram que dominam o assunto, escrevem o seu nome, o
assunto trabalhado e a data num papel que se encontra nos di-
ferentes espaços da escola. Depois, um dos professores procura
este aluno e faz uma avaliação que pode ser oral, escrita ou de
ambos os tipos. A partir daí, sempre que possível, esse ponto é
novamente avaliado de forma a garantir que ele realmente se
encontra consolidado.
ƒ Eu preciso de ajuda: quando um aluno, depois de consultar a biblio-
teca, o material informáico e os colegas, percebe que ainda não con-
seguiu compreender de forma saisfatória um determinado assunto
ele recorre ao “Eu preciso de ajuda”.
ƒ Professor-tutor: o professor-tutor é responsável por acompanhar um
grupo de alunos. Cada tutor se reúne com os seus tutorados duas
vezes por semana.
ƒ Grupos de responsabilidade: todos os alunos e quase todos os orien-
tadores educaivos são responsáveis por um determinado aspecto
do funcionamento da escola, por exemplo, o jardim, o refeitório, a
biblioteca, o jornal, os jogos, os murais, os mapas de presença e as
datas de aniversário, o correio da Ponte, os computadores, a música,
a organização do material comum, entre outros.
ƒ Leis ou regras da Escola da Ponte: em um cartaz aixado na parede
da escola encontram-se as leis que foram anteriormente decididas
em assembleia pelas crianças. Esse documento representa a vontade
coleiva das crianças, dos professores e dos funcionários. É um pacto
social de convivência na escola. Exemplos de alguns itens:

51
Escola da Ponte - Portugal

a) todas as pessoas têm o direito de dizer o que pensam sem medo;


b) ninguém pode ser interrompido quando está falando;
c) não se devem arrastar as cadeiras fazendo barulho;
d) temos o direito de ouvir música quando trabalhamos para pensar
em silêncio.
ƒ Acho bom e Acho Mau: no computador da escola encontram-se estes
dois arquivos. Qualquer pessoa pode usar o computador para comu-
nicar aos outros o que acha bom e o que acha mau. Exemplo de uma
reclamação feita por um aluno: “Acho mau que o Fernando ique a
dar estalos na cara da Marcela.”
ƒ Jornal Dia a dia: com uma iragem mensal, publica todas as noícias
relacionadas aos temas de interesse sugeridos e desenvolvidos pelos
alunos. O jornal Dia a dia é uma forma de moivar os alunos para a
escrita, sendo também um bom meio de comunicação entre a escola
e a comunidade.

52
A relação:
família e escola
Na dinâmica familiar, o pai e a mãe ocupam um papel fundamental
na formação da criança. O desenvolvimento absoluto, nos planos afe-
ivo, cogniivo, emocional, educaivo e socializador requerem a parici-
pação efeiva dos pais, visto que o apoio da família consitui a base para
a socialização e para a compreensão do mundo ao redor.
A família é o início do longo processo de aprendizagem de convivên-
cia social até a criança entrar na escola. É onde se estabelecem relações
com outros contextos mais vastos e é entendida como um núcleo crucial
que pode e deve representar a possibilidade de sucesso no processo de
formação da criança. Considera-se que fatores como a qualidade da in-
teração familiar e as experiências vividas no ambiente ísico e social que
rodeiam a criança inluenciam no momento de escolarização.
À luz dos pressupostos de Bronfenbrenner (1979), compreende-
-se que a família regula o desenvolvimento da criança e fornece um
senimento de pertencimento a um grupo. Os conceitos de Bronfen-
brenner, na análise do desenvolvimento, entendem as experiências do
sujeito “como um conjunto de estruturas de encaixe, cada uma dentro
da seguinte, como um conjunto de bonecas russas”. Nessa abordagem
entende-se que o desenvolvimento humano tem relação direta ou indi-
reta com todo o contexto no qual esse ocorre. A família, ao fazer parte
desse contexto dinâmico e modiicável, é fundamental para o desenvol-
vimento emocional, social e linguísico da criança.
É fundamental a presença da família junto às organizações edu-
caivas. Na Escola da Ponte, em 1976, as famílias se organizaram em
Escola da Ponte - Portugal

associação. Atualmente, em Portugal, a Associação de Pais da Escola da


Ponte é uma referência nacional. Os pais assumem o compromisso de
paricipar de reuniões periódicas para discuir os projetos da escola, os
planos e a forma como se vive a escola no dia a dia.
A associação de pais é um parceiro indispensável ao funcionamen-
to da Escola da Ponte. A colaboração dos pais não se restringe somente
às aividades promovidas pela associação, mas a todas as aividades
da escola. São responsáveis pelo funcionamento da canina, pela reali-
zação de aividades de férias para os alunos e pela compra de equipa-
mentos essenciais ao desenvolvimento do Projeto Fazer a Ponte. Dessa
forma, a associação de pais ocupa um lugar de destaque nas decisões
da escola.

54
O currículo de
competências
Uma educação de qualidade deve atender, no planejamento curri-
cular, a variedade dos grupos idenitários presentes na escola. Priorizar
a cultura, no planejamento curricular, atendendo às especiicidades de
classe, gênero, raça e sexualidade presentes na escola possibilita com-
bater o processo educaivo que segrega e exclui.
O educador, como facilitador do processo educaivo, será o agente
que organizará as ações educaivas que objeivem o atendimento à di-
versidade de culturas e aos sujeitos sociais presentes no espaço escolar.
Viñao Frago (1998) utiliza o termo “culturas escolares” por en-
tender que cada instituição escolar produz certo tipo de cultura. Há
tantas culturas quanto instituições escolares. No reverso a afirmação
de Viñao Frago, para Forquin (1993), a escola jamais produz cultura.
Para este autor (1993), a rotina acadêmica impede que a escola seja
produtora de cultura.
As práticas curriculares que priorizam a diversidade de matrizes
de cultura atendem às subjetividades, como sentimentos e emoções,
reconhecendo que o ambiente escolar é multifacetado e que deve
atender aos interesses e anseios de todos os atores envolvidos no
processo educativo.
O currículo que se desenvolve na Escola da Ponte é o currículo
nacional de Portugal; portanto, todas as crianças aprendem tudo o
que as outras escolas ensinam. O currículo da Ponte é enriquecido
Escola da Ponte - Portugal

com a educação para a cultura e cidadania, a educação dos afetos e


as novas tecnologias.
O currículo por competências tem como objetivo principal ofe-
recer ao aluno não só o conhecimento científico, mas também habi-
lidades capazes de contribuir para o desenvolvimento de seu autoco-
nhecimento e de sua autonomia, o que, consequentemente, o ajuda
a resolver problemas e a enfrentar os imprevistos em situações do
trabalho e da vida.
A abordagem por competências propicia situações desafiadoras,
em que o aluno aprende a fazer fazendo, participando de projetos
e de situações que rompem com o isolamento disciplinar, criando,
assim, redes de conhecimento. Para José Pacheco, “o currículo deve
ser entendido como um conjunto de situações e atividades que vão
surgindo e que alunos e professores reelaboram conjuntamente” (PA-
CHECO, 2004, p. 89).
Na Escola da Ponte, os alunos têm autonomia para construírem os
seus planos de trabalho quinzenais e diários, sendo que tudo é media-
do pelos orientadores, à luz do projeto e de acordo com o programa
curricular oicial, que é válido para todas as escolas de Portugal. Os
orientadores educaivos vão avaliando e monitorando o desempenho
de cada aluno em relação ao cumprimento de objeivos das diferentes
áreas de conhecimentos e também dos objeivos aitudinais, pois estes
têm o mesmo peso. É a equipe quem decide sobre a mudança de um
aluno de um núcleo para outro, sempre seguindo os critérios.
Os alunos só são reidos no inal de cada ciclo, embora este pro-
cedimento seja contrário à forma de trabalho na Escola da Ponte. No
entanto, o Ministério da Educação e a estruturação do sistema de en-
sino português exigem que a retenção aconteça em caso de desvio no
percurso da aprendizagem do aluno.
Na Escola da Ponte, as notas são registradas no inal do ano. Não
há bimestres. Também as notas só são apresentadas aos pais e aos alu-
nos, se for solicitado, pois para a escola isto é apenas uma formalida-
de. Há um invesimento pedagógico para que os alunos ultrapassem os

56
O currículo de competências

objeivos propostos e, portanto, não há uma lógica de recuperação de


notas. Ulimamente, a escola tem realizado provas para que os alunos
convivam com o formato dos exames nacionais do Ministério da Educa-
ção de Portugal.
O currículo na Escola da Ponte não é entendido como um conjunto
de conteúdos e de métodos a serem aprendidos pelos alunos. É com-
preendido como uma introdução a um modo de vida que venha a con-
tribuir para a formação de sujeitos autônomos, críicos e compromei-
dos com a democracia e com a jusiça social.
Assim, a Escola da Ponte deve ser percebida como um espaço de
diálogo, no qual existe o respeito à diversidade e se pode implementar
um currículo mulicultural.
O currículo mulicultural exige um contexto democráico de decisões
sobre os conteúdos de ensino, no qual os interesses de todos sejam
representados. Mas para torná-lo possível é necessária uma estrutu-
ra curricular diferente da dominante, e uma mentalidade diferente por
parte dos professores, pais, alunos, administradores e agentes que con-
feccionam os materiais escolares (SACRISTÁN, 1995, p. 83).

O currículo surge de todo ipo de aprendizagem e de ausências


que os alunos obtêm enquanto estão sendo escolarizados. Não basta
somente trabalhar os conteúdos dos documentos curriculares, pois o
conhecimento não é um objeto que se manipula e se transmite para o
outro passivamente. No ato de conhecer se cruzam crenças, apidões,
valores, aitudes e comportamentos, porque são sujeitos reais que lhe
dão signiicados a parir de suas vivências. Um currículo mulicultural
permite ao aluno compreender melhor o mundo e a sociedade que o
rodeia, possibilitando que o conhecimento escolar tenha aplicabilidade
na vida coidiana fora da escola.
Segundo Sacristán (1995), qualquer estratégia na área da Educa-
ção deve apresentar quatro pontos fundamentais: a formação dos pro-
fessores, o planejamento do currículo, o desenvolvimento de materiais
apropriados e a análise críica das práicas vigentes. O professor, na
Escola da Ponte, não tem o monopólio do conhecimento. Não é diícil
imaginar a riqueza de um currículo que reconhece o aluno como um

57
Escola da Ponte - Portugal

produtor de conhecimento capaz de se apropriar de outros que a esco-


la venha a oferecer. O orientador educaivo exerce o papel de mediador
sem, contudo, deixar de ser uma fonte de informação para os alunos
que lá estudam. Na Ponte, as crianças aprendem a ler naturalmente,
como aprendem a falar e a escrever, e cada qual no seu próprio mo-
mento. Algumas demoram dois ou três meses e, assim, adquirem auto-
nomia na leitura e na escrita.
A proposta dos ciclos na Escola da Ponte é uma concepção de
aprendizagem que respeita os desenvolvimentos afeivos, sociais e
cogniivos do aluno, que o considera como um agente construtor do
seu conhecimento na interação com o outro e com o objeto do conhe-
cimento. É uma proposta escolar com ênfase no trabalho coleivo. A
organização da escola em ciclos rompe com a rigidez de notas e médias,
comum em escolas tradicionais e com um sistema de avaliação classii-
catório. Supera a comparimentalização do conhecimento, integrando
os professores e alunos em torno de aividades comuns a parir de dife-
rentes níveis de conhecimento.

58
A metodologia
da Escola da Ponte
A perspeciva funcional da alfabeização se preocupa com os usos
e as funções sociais da leitura e da escrita, em suas variedades diale-
tais e em relação às implicações nas práicas escolares; é o que Soares
(2008, p. 82) denomina de letramento. O conceito de letramento e as
pesquisas que vêm sendo desenvolvidas, fundamentadas neste concei-
to, segundo Soares (2008, p. 19), surgiram a parir da úlima década
do século XX. A área do conhecimento pioneira nesses estudos foi a
Linguísica Aplicada.
À medida que a sociedade foi se tornando cada vez mais “grafocên-
trica”, a diferença entre o indivíduo alfabeizado e o indivíduo letrado
foi sendo evidenciada. Estar alfabeizado é uma condição individual de
possuir habilidades e conhecimentos de leitura e escrita. O indivíduo
letrado supera esta condição na medida em que uiliza com competên-
cia a leitura e a escrita nas práicas sociais.
Nessa perspectiva, ainda para Soares (2003, p. 37), há diferen-
tes tipos e níveis de letramento, dependendo das necessidades, das
demandas, do indivíduo, do seu meio, do contexto social e do con-
texto cultural. Segundo a autora, o letramento possui a dimensão
individual, do ponto de vista pessoal, e a dimensão social, enquanto
fenômeno. Para ela, alfabetizar é possibilitar ao indivíduo ser capaz
de ler e de escrever, e letramento é a condição que um indivíduo
adquire ao se apropriar da leitura e da escrita na dimensão das prá-
ticas sociais.
Escola da Ponte - Portugal

O homem se consitui pela interação com outros homens e nessa


relação ele produz cultura. Da mesma forma, a linguagem, que é uma
manifestação cultural, é produzida a cada momento e de acordo com as
necessidades de cada falante. Nessas interações, surgem as crenças, as
leis e as verdades entre os homens, que são incorporadas no contexto
escolar e social e que, portanto, não devem ser desconsideradas, se-
gundo Street (1993, p. 7) das práicas de letramento.
A escrita apresentada em suas várias formas de uso, na interlocu-
ção da sala de aula, e vivenciada em suas várias possibilidades, facilita
as práicas de letramento como um processo discursivo e de relexão
sobre a língua. Letramento é um processo no qual o sujeito que apren-
de, seja criança, jovem ou adulto, deve ler e escrever compreendendo,
interpretando, analisando e, sobretudo, produzindo senido.
De acordo com Charier (2001, p. 26), a comunidade escolar lamen-
ta um retrocesso das práicas de leitura e tenta organizar campanhas de
alfabeização, não exclusivamente com analfabetos, mas também com
alfabeizados, para assim reforçar as práicas de leitura de pessoas que
saibam ler, mas que não leem produzindo senido. Assim como Charier
(2001), que deine a leitura como um processo de produção de seni-
do, também Hébrard (2001) airma que as crianças ou qualquer outro
leitor, independentemente de sua faixa etária e de sua condição social,
reaivam, durante suas leituras, aquisições culturais anteriores.
Desta forma, para favorecer a produção de um discurso autônomo
do indivíduo nas práicas de letramento, é necessário discuir os aspectos
teóricos e metodológicos relaivos ao ensino da Língua Portuguesa, que
possibilitem a revisão críica das concepções atuais vigentes na escola.
Nas práicas de letramento escolar, o indivíduo deve ter contato com
diferentes possibilidades de leitura para desenvolver a capacidade de inter-
pretar e estabelecer signiicados nos diferentes textos, criando e promoven-
do variadas experiências que levem à uilização diversiicada do ato de ler
e de escrever. Charier (1998) concorda com essa perspeciva de diferentes
possibilidades de leitura e ainda sugere que o ato de ler deve ser uma práica
encarnada por gestos, espaços e hábitos, em que se faz necessário a relexão
sobre a disinção entre as tradições de leitura e as maneiras de ler.

60
A metodologia da Escola da Ponte

Na Escola da Ponte, o trabalho com outras linguagens, como a mú-


sica, as artes plásicas, as visitas a museus e ao teatro promovem o
desenvolvimento de aividades de oralidade, com outras linguagens,
ampliando a possibilidade de aprender, tendo como meio básico o
domínio da leitura e da escrita e a aquisição de conhecimentos, ha-
bilidades, aitudes e valores. Estas aividades com outras linguagens
contribuem para o desenvolvimento da consciência fonológica, tão ne-
cessária quanto uma habilidade metalinguísica que favorecerá a des-
coberta e a ampliação do universo linguísico do estudante.
De acordo com Smolka (2000, p. 63), no movimento das intera-
ções sociais e nos momentos das interlocuções, a linguagem se cria, se
transforma e se constrói como conhecimento humano. Ainda do ponto
de vista de Smolka (2000, p. 29), a teoria de enunciação de Bakhin é o
ponto de apoio para considerar o fenômeno social da interação verbal,
nas suas formas orais e escritas, em relação às condições concretas de
vida, já que a alfabeização é um momento discursivo que implica a
leitura e a escrita. Inúmeras situações de ensino e aprendizagem, nas
diversas modalidades da Educação Básica, sustentam a relevância dos
movimentos de interação e de interlocução nos espaços de elabora-
ção do conhecimento. Entretanto, Smolka (2000, p. 50) nos alerta para
o fato de que a leitura e a escrita produzidas na escola pouco têm a
ver com a experiência de vida e de linguagem da criança, do jovem e
do adulto que aprende. É um processo estáico, porque é repeiivo e
mantenedor do status quo, atuando como um bloqueio à exploração
do conhecimento críico.
Sabendo-se da existência da variedade de concepções que per-
meiam as práicas escolares, ressalta-se o arcabouço teórico de Street
(1984, p. 8) para representar as práicas de letramento da escola atu-
al. Este autor apresenta o modelo autônomo, em que a escrita possui
uma lógica que não depende do seu contexto de produção, e o modelo
ideológico, que são as práicas de letramento culturalmente compari-
lhadas. Ainda, segundo Street (1984), as práicas de letramento, como
um produto social, não devem ser compreendidas fora do contexto em
que são produzidas e, para isso, o que, como, quando e por que ler e
escrever devem ser questões norteadoras de todo o processo.

61
Escola da Ponte - Portugal

Para Soares (2008, p. 94), a práica de letramento escolar nas di-


versas modalidades de Educação Básica pode ser analisada por duas
abordagens: uma, que representa a concepção tradicional de alfabei-
zação, e outra, que é a psicogênese da língua escrita. A concepção tra-
dicional de alfabeização trata o processo de ensino e de aprendizagem
da leitura e da escrita como um decifrar do sistema alfabéico.
Nesta concepção, a práica escolar se limita a uma metodologia de
transcrição de sinais sonoros em sinais gráicos. Neste caso, nos alerta
Barbosa (1994, p. 73), a alfabeização se transforma em um processo
passível de vários riscos de transtornos de aprendizagem, como troca
de letras, inversões e agrupamentos irregulares de palavras.
Em contraposição à concepção tradicional de alfabeização, a psico-
gênese percebe o sujeito que aprende como um ser aivo e construtor do
saber. Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985), em Psicogênese da língua
escrita, airmam que o indivíduo precisa compreender como ocorre o
mecanismo de construção da escrita, para construir signiicados no pro-
cesso de aprendizagem da leitura e da escrita. Desta forma, o indivíduo,
autonomamente, amplia seus conhecimentos acerca da linguagem.
Na concepção psicogenéica, os desvios ou erros de escrita se
transformam em referências consituivas do processo, e a sala de aula
se transforma em um ambiente alfabeizador de interação constante
entre o sujeito que aprende e o objeto a ser conhecido. Neste contex-
to, o educador deixa de ser um transmissor de conteúdo para ocupar o
lugar de facilitador do processo de aprendizagem.
Na prática de letramento escolar na Educação Básica, Soares
(2008, p. 98) alerta para o fato de que o educador precisa ter fun-
damentação em suas proposições metodológicas para não contribuir
com o fracasso escolar.
O aluno traz para a escola conhecimentos espontâneos sobre a lín-
gua decorrente das informações recebidas do mundo letrado ao qual
está inserido. O trabalho de alfabeização na Educação Básica deve se
iniciar com um diagnósico destes conhecimentos, que serão referen-
ciais para as aividades propostas em sala de aula.

62
A metodologia da Escola da Ponte

A práica de alfabeização pressupõe que o educador conheça as


diferentes teorias, suas possibilidades de adaptação e resultados, a im
de enriquecer a dinâmica do processo de ensino e aprendizagem. Com-
preender o desenvolvimento e as mudanças desse processo pressupõe
releir sobre os determinantes históricos que produziram formas dife-
renciadas de organização do trabalho pedagógico.
Também cabe examinar o processo social de comunicação, cujos
avanços tecnológicos criaram necessidades próprias de produção de
um leitor e de um escritor capaz de se apropriar das informações que
circulam na intensa rede de relações que se estabelece na sociedade
e interpretá-las.
Os orientadores educativos na Escola da Ponte compreendem a
importância e a necessidade de fundamentar sua prática pedagógica
em uma clara concepção desses fenômenos sociais e de suas diferen-
ças e relações.
Nas discussões atuais sobre as práicas educaivas, cabe ressaltar a
contribuição dos estudos culturais na elaboração de um currículo que
aponta para a criação de ambientes educaivos, no qual todos os gru-
pos sociais estejam representados.
Na Escola da Ponte, o processo de leitura e escrita ocorre a parir
das noícias do inal de semana, contadas pelos alunos. Os meninos
desenham, depois colocam a legenda e, em seguida, fazem frases a
parir de palavras da legenda. Para escrever a legenda, eles recorrem às
folhas das semanas anteriores. Quando não encontram a palavra, um
professor a escreve e a criança transcreve. Também trabalham a parir
de textos coleivos.
Na iniciação à leitura e à escrita, existem diferentes métodos. Uns
defendem que o início da alfabeização deve começar pela letra, pela
sílaba e, inalmente, pela palavra. O método global, ao contrário, de-
fende a primazia da frase ou da palavra. A letra é algo que não tem
signiicado para a criança. O método global começa dando o texto para
a criança. Assim, na Escola da Ponte, inceniva-se a criança a deduzir o
senido das palavras que ela não conhece a parir das que ela conhece.

63
Escola da Ponte - Portugal

Esse modelo ecléico sofre inluências de variadas correntes e pe-


dagogias. Assim é deinida a metodologia uilizada na Escola da Ponte.
No domínio da educação na cidadania, criam-se espaços de exercício
de liberdade responsável. O campo das ciências passa por protocolos
de pesquisa conínuos, em que os saberes se constroem sobre uma
práica relexiva.
Na Matemáica, usa-se bastante o material Eurocolor, composto
de barras coloridas, que exploram unidades, dezenas e centenas. Em
situações especíicas, exploram conteúdos ligados a conhecimentos ge-
rais ou a temas circulantes do momento. Há uma ênfase especial no
trabalho com as regras de convivência, os hábitos e as aitudes.
Há um invesimento, sobretudo, nos objeivos de Língua Portugue-
sa e de Matemáica, com um ou outro trabalho envolvendo as áreas
ligadas ao Estudo do Meio. As crianças realizam várias aividades, con-
forme os seus planos de estudos. Há momentos semanais para o traba-
lho de Educação Física e de Expressões Arísicas.
Na Escola da Ponte, as tecnologias de informação e de comunica-
ção consituem um importante disposiivo pedagógico. Nos computa-
dores, os alunos produzem textos, elaboram gráicos, desenham proje-
tos. Na internet, procuram e selecionam informações que, depois, são
tratadas, reelaboradas e comunicadas aos outros alunos.

64
Avaliação e
acolhimento
A maioria das escolas ainda trabalha sob um enfoque tradicional,
uilizando a “prova” como um único instrumento para avaliar os alunos.
Muitas vezes, o aluno sabe o conteúdo, mas, por inluência de aspectos
emocionais ou orgânicos, não consegue obter um bom resultado nas
provas. O professor que não uiliza uma metodologia conínua e diá-
ria de avaliação, a qual compreende vários ipos de instrumentos para
avaliar o processo de ensino e aprendizagem, acaba deixando passar
despercebidas as dúvidas e o não aprendizado de alguns alunos. Há si-
tuações em que o educando apresenta diiculdade em um determinado
conteúdo, o que, futuramente, poderá prejudicar o seu desempenho.
É importante salientar que, frequentemente, o aluno decora o
conteúdo, ao invés de aprendê-lo, visando somente uma boa nota nas
provas. Tal fato não acontece se a práica avaliaiva esiver fundamenta-
da em uma avaliação de acolhimento, segundo a concepção avaliaiva
de Cipriano Luckesi (1997). Acolhimento, para ele, signiica conhecer o
alunado e, assim, veriicar as limitações e os avanços de cada um deles.
O sistema educacional deverá dar condições e autonomia a im de
que o professor possa realizar uma práica processual de avaliação. Se-
gundo Cipriano Luckesi (1997), a avaliação é uma apreciação qualitaiva
sobre dados do processo de ensino e de aprendizagem, que auxiliará
o professor a tomar decisões sobre o seu trabalho. Esses dados dizem
respeito às manifestações em que tanto o professor quanto os alunos
se mostram empenhados em aingir os objeivos do ensino. A aprecia-
ção dos dados resultará em uma tomada de decisão para deinir o que
fazer em seguida. Cipriano Luckesi (1997) deine a avaliação da apren-
Escola da Ponte - Portugal

dizagem como um ato amoroso, no senido de que a avaliação é um ato


acolhedor, integraivo e inclusivo. Para ele, o “acolhimento” é o ponto
de parida para qualquer práica de avaliação e implica conhecer os
avanços e limitações de cada aprendiz. O acolhimento parte do princí-
pio de que todas as pessoas são capazes de aprender.
A práica avaliaiva tem sido uma questão muito discuida entre os
professores e os demais agentes ligados à área educacional. Por muito
tempo, a avaliação na escola igurou apenas como uma consequência
do ato de ensinar e de aprender. Esse hábito deinia o fracasso ou o
êxito escolar. A avaliação, enquanto processo, deve abranger a orga-
nização escolar como um todo: o trabalho docente, a organização do
ensino e o processo de aprendizagem do aluno.
Uma das questões mais controveridas nas práicas de avaliação
é a atribuição de notas na aferição do rendimento dos alunos. O ter-
mo avaliar tem sido associado a expressões como “fazer prova”, “fazer
testes”, “atribuir notas”e “repeir ou passar de ano”. Com isso, a educa-
ção é vista como mera transmissão de informações ao aluno, que deve
decorá-las. Nesse caso, o aprendiz é visto como um ser passivo e recep-
ivo. O modelo classiicatório de avaliação, no qual os alunos são consi-
derados aprovados ou não, oicializa a concepção excludente da escola.
Para Philippe Perrenoud (1999), a avaliação se encontra entre duas
lógicas: o campo da seleção ou o campo da aprendizagem. Segundo
este autor, a avaliação está no “âmago das contradições do sistema edu-
caivo”. A práica avaliaiva que se fundamenta em relações de poder
privilegia a cultura dominante e discrimina a cultura dos menos favore-
cidos economicamente. Nesse senido, ela serve como instrumento de
controle políico e ideológico, garanindo e mantendo a exclusão social.
Na Escola da Ponte, que apresenta uma concepção pedagógica que visa à
aprendizagem do aluno, o espaço escolar é concebido como um local de expe-
riências múliplas e variadas. O aluno é considerado um ser aivo e dinâmico
que paricipa da construção do seu próprio conhecimento. Rever a concep-
ção de avaliação é reconstruir as concepções de conhecimento, de ensino, de
educação e de escola. Impõe-se pensar em um novo projeto pedagógico e em
uma nova forma de construir o conhecimento no espaço escolar.

66
Avaliação e acolhimento

A avaliação contempla os saberes do aluno e não se reduz apenas


a atribuir notas. Dessa forma, assume-se um senido orientador e coo-
peraivo, permiindo que o aluno tome consciência de seus avanços e
diiculdades. O aluno deve entender a avaliação não como um casigo
ou como uma coerção, mas sim como elemento importante e necessá-
rio no processo de aprendizagem.
Na Escola da Ponte, a avaliação é vista como uma função diag-
nóstica e transformadora da realidade. As crianças decidem o que e
com quem estudar. Em vez de classes, há grupos de estudo. Indepen-
dentemente da idade, o que as une é a vontade de estarem juntas e
de juntas aprenderem. Novos grupos surgem a cada projeto ou tema
de estudo. Após a primeira fase – chamada de iniciação –, as crianças
convivem e aprendem nos mesmos espaços, sem considerar a faixa
etária, mas apenas pela vontade de estarem juntas. O critério de for-
mação dos grupos é o afetivo, e o afeto não tem idade na Escola da
Ponte. Em cada grupo, a gestão dos tempos e dos espaços possibilita
momentos de trabalho em pequenos grupos, de participação no cole-
tivo, de ensino mútuo, momentos de trabalho individual que passam
sempre pelas atividades de pesquisa.
Na Escola da Ponte, educar é mais do que preparar alunos para
fazer provas, é ajudá-los a entenderem o mundo e a se realizarem
como pessoas, muito além do tempo de escolarização. Um dos instru-
mentos pedagógicos utilizados na Ponte chama-se Eu já sei. Nele, as
crianças informam quando já sabem sobre um determinado conteúdo
e quando já atingiram os objetivos. Ao fazerem isso, estão dizendo
aos professores que podem ser avaliados sobre aquele tema. Dessa
forma, os professores avaliam o desempenho de cada aluno em re-
lação ao cumprimento dos objetivos das diferentes áreas de conhe-
cimento. Também são avaliados os objetivos atitudinais, que têm o
mesmo peso. É a equipe de professores que decide sobre a mudança
de uma criança ou de um adolescente, de um núcleo para outro, sem-
pre observando os critérios preestabelecidos.
Segundo José Pacheco, em 2005, a ítulo de experiência, a Escola
da Ponte realizou simulados (prova classiicatória para ingresso na uni-

67
Escola da Ponte - Portugal

versidade), para que os adolescentes conhecessem o formato dos exa-


mes nacionais do Ministério da Educação de Portugal. Uma avaliação
feita por esta insituição governamental ideniicou que o desempenho
dos alunos da Escola da Ponte era consideravelmente superior ao dos
egressos das escolas tradicionais.

68
Parte II
Comentários de José Pacheco:
as evidências orais e um acervo de
episódios
A complexidade da escola:
“quem não vê, não peca”
Li num jornal o comentário de uma professora do primeiro ciclo
que, ao cabo de mais de 30 anos de serviço, se vê envolvida na aventura
de criar um agrupamento de escolas: “Veja lá que, há dias, houve uma
reunião e estava lá um representante dos pais. Fiquei espantada! Eu,
com esta idade, nunca inha visto nenhum!”
A exclamação só consituirá surpresa para quem não viva o quoidia-
no de muitas das escolas do (ainda e apesar de tudo...) Ensino Primário.
Uma invesigadora, hoje responsável políica, dizia, em 1990, que “a re-
alidade e complexidade da escola primária são mal conhecidas”. Por via
desse desconhecimento, os legisladores sempre recomendaram que, ao
primeiro ciclo fossem aplicadas, “com as devidas adaptações...”, este ou
aquele arigo de sucessivas leis concebidas para os restantes segmentos
do sistema. Ainda hoje, o primeiro ciclo parece consituir um apêndice
incómodo a montante do sistema, tão deiicado no discurso como esque-
cido pelas medidas concretas de políica educaiva.
O Ensino Primário foi o sector sujeito à maior degradação, de for-
ma assumida e sistemáica, pelo Estado Novo. Desde 1974, o processo
de democraização promoveu alterações signiicaivas no estatuto so-
cial dos professores e na gestão das escolas, excepto nas do primário. O
que esperar do único ciclo do básico, a quem a recusa de autonomia foi
conirmada por decreto?5 Perante o primeiro dos ciclos do ainda hoje
míico Ensino Básico, a aitude do Estado foi de quase total desrespon-
sabilização.
Escola da Ponte - Portugal

O esforço dos actuais responsáveis políicos e as boas intenções


de alguns normaivos não lograram ainda alterar situações discrimina-
tórias. Um exemplo concreto: a gestão dos refeitórios, que coninua
a não ser incluída no orçamento de 1999, a pretexto de ainda não ter
sido feito um acordo com as câmaras municipais. Ainda não será desta
vez que os alunos do primeiro ciclo irão passar a ter estômago como os
dos restantes ciclos do básico.
Nas escolas de outros ciclos e do secundário, desde há muito, os
professores exercem o direito de escolha dos itulares dos órgãos de
direcção e de gestão. No primeiro dos ciclos, a gestão foi sempre as-
segurada por controlo6 remoto, a parir da sede do concelho7, por um
conjunto de pessoas ali colocadas por nomeação. As professoras pri-
márias já não pediam autorização para se casarem, como anigamente,
mas coninuaram a pedir permissões que não precisariam pedir... só
para “se senirem seguras”. E os senhores delegados autorizavam até o
que não inham que autorizar.
Será necessário recordar que, no decurso de mais de 20 anos de
democracia, o primário perdeu todas as oportunidades de airmação
ou foi delas arredado e que muitas das suas escolas são estruturas frá-
geis, sujeitas a indignidades?
Um exemplo, entre muitos possíveis, dos anacronismos da gestão
que ivemos/temos: o oício circular de lançamento de um concurso
saiu da insituição promotora em inais de julho de 1993; as circulares
saíram da DRE para as DLE em 27 de agosto; a circular da DLE que dá
conhecimento do lançamento do projecto chega às escolas em meados
de outubro; o prazo do concurso já inha expirado.
Em outros casos, as escolas inham mais sorte, quando a circular
ainda lhes chegava dois ou três dias antes do im do prazo para concur-
so. Mas outro problema se colocava, pois o oício circular remeia as
escolas para a consulta do regulamento de concurso... que se encon-

6 - Lusitanismo (modo de falar ou de escrever próprio de Portugal). Controle.


7 - Lusitanismo. Circunscrição administraiva de categoria imediatamente inferior ao
distrito, do qual é divisão.

72
A complexidade da escola

trava aixado nas instalações da DLE, ao dispor dos interessados, no


horário normal de expediente. Mas a DLE icava situada a 10 km de dis-
tância, e o expediente da DLE encerrava à mesma hora em que as aulas
acabavam na escola. Logo, a máxima sorte a que as escolas poderiam
aspirar era a de sequer chegarem a ter conhecimento da existência de
tais projectos, o que, aliás, era frequente (e, como diz o ditado, “quem
não vê, não peca”).
No jornal que antes referi, outra professora do primeiro ciclo desa-
bafava: “Passei anos isolada. Tudo o que fazia era preocupar-me com os
meus meninos, receber ordens e cumpri-las. Não podia dar um passo
sem pedir autorização.” Foi este isolamento ísico e psicológico que en-
gendrou insegurança, múliplas situações de dependência e fomentou
o individualismo. E, hoje, a tradição age como factor de inibição de au-
tonomia, volta-se contra a escola.
No decurso do processo de democraização, a imposição de uma
tradição de dependência para além de um prazo razoável produziu efei-
tos desastrosos no primário. Como vemos, há razões para realçar os ris-
cos de uma transição tardia para uma gestão diferente. Será necessário
admiir que muitos dos riscos de assunção de autonomia estão dentro
de nós, nos indeléveis traços que a tradição imprimiu na nossa cultura
pessoal e proissional.
Como airmou o professor J. Barroso, “a autonomia também se
aprende”. Mas o tempo perdido torna ainda mais curto o escasso tem-
po de prazos impostos. Haja esperança e vontade de aprender. Mas que
ninguém espere milagres.

73
O calvário
académico do Miro
O Miro (pode ser este o fictício nome do jovem) percorreu a
via-sacra de várias escolas até chegar àquela, por recomendação de
uma técnica de serviço social e de uma psicóloga. O seu calvário aca-
démico incluía várias passagens pelo ensino especial e por outros
padecimentos.
Um professor aproximou-se do jovem recém-chegado e propôs-lhe
que escrevesse as suas primeiras impressões da nova escola.
– Não sei, não sou capaz, não faço. E você não me pode obrigar!
O professor insisiu com jeiinho. Mas…
– … eu não sou obrigado a fazer. Você num manda em mim. Você
não é meu pai!
O professor era dos teimosos, mas logo ouviu a sugestão:
– Ponha-me lá fora. Na outra escola, quando me portava mal, os
setôres8 punham-me lá fora. Marque-me uma falta e pronto!
O Miro não sabia que só estava carente de irmeza e de carinho. O
pai não poderia dar-lho porque há muito abandonara a família. A mãe “já
não inha mão nele e que nem pensasse tocar-lhe”. Professores – a julgar
pelo condicionamento que nele se inha operado – poucos teria encon-

8 - Lusit. Gíria para professor.


Escola da Ponte - Portugal

trado pelo caminho. O Miro inha passado sete anos sozinho em casa e
outros tantos na escola e deixara de acreditar ser possível aprender:
– Ó, setôr, você num sabe que eu, na outra escola, só inha aulas de
Educação Física, EVT e Moral?
À quarta tentaiva de persuasão, quando lhe pediram que izesse
algo de que ainda se lembrasse, o Miro pediu-lhe que o dispensassem
da tortura da escrita e lhe “ditassem umas contas, mas só de dois nú-
meros”, pois apenas se recordava (e mal) das contas de somar e de
diminuir.
– Eu sou assim, setôr. No hospital, a psicólica até disse à minha
mãe que eu sou atrasado da cabeça p´raí uns cinco anos.
Todas as escolas deveriam ser espaços produtores de culturas singu-
lares, mas também espaços de múliplas interacções, comunicação, co-
operação, parilha. Sabemos, contudo, que não é bem assim. As escolas
são, quase sempre, espaços de solidão. O trabalho dos professores é um
trabalho solitário, e o isolamento dos professores é da mesma natureza
que o dos alunos – professores e alunos estão sozinhos nas escolas.
Decorridos dois meses, o Miro já escrevia algumas frases, já fazia
as suas preparações no laboratório das Ciências, até já lia palavras em…
inglês! E foi a professora de Inglês que protagonizou um episódio que
viria a inluenciar o curso da recuperação do Miro.
Perante uma aitude menos correcta do Miro, a professora repre-
endeu-o. Porém, apercebendo-se das nefastas consequências da re-
primenda num momento ainda tão frágil da reciclagem dos afectos,
emendou a mão como pôde, explicou-lhe o essencial da asneira, e pe-
diu desculpa ao Miro pelo exagero posto na repreensão.
– Aqui, os professores pedem desculpa? – inquiriu o Miro, estupefacto.
– Claro – respondeu a professora de Inglês.
O Miro reagiu com um esgar de espanto, deu uma volta e seguiu via-
gem, para que a professora não visse que, pela sua cara de traquina invete-
rado, passeava a manga da camiseta com que limpava uma lágrima teimosa.

76
O calvário académico do Miro

Em todos os anos lecivos, há alunos que mudam de escola, por


qualquer razão. Se aos pais assiste o direito consitucional de escolher
a escola que consideram mais adequada aos seus ilhos, ainda bem que
tal acontece. Mas disse-me uma amiga que alguém lhe disse que outro
alguém lhe dissera que alguém terá dito que a escola que acolheu o
Miro “não aceita qualquer aluno, que os selecciona”.
Este e outros malfazejos disparates visam denegrir a imagem dessa
escola, pelo que se jusiica divulgar o exemplo do Miro. Por mais invero-
símil que possa parecer, é bem real. E não se pense ser um caso isolado.
Poderia aqui trazer dezenas de casos semelhantes, que têm por centro
os tais “alunos seleccionados”. Poderia contar-vos muitas histórias de
crianças recuperadas nesta escola de úlima oportunidade. A história
da Ana, rotulada de burra, liberta de quatro anos de degredo num fun-
do de sala. A do Francisco, que, chegado à nova escola, desatou aos
pontapés nos novos colegas, a cuspir e a insultar, por ser a gramáica
que secretamente aprendera em três anos de insultos e humilhações. A
do Eduardo, após meses de privação de recreio, só porque o seu braço
doente o impedia de acompanhar a turma na escrita de carreirinhas
de letras. A do Joaquim, que se gabava de, na outra escola, “ter posto
um professor no hospital”. A do Pedro, o choro em forma de criança
nos primeiros dias na nova escola, porque, se já sabia ler quando en-
trou para a aniga, foi forçado a esquecê-lo e a “acompanhar o resto da
classe”, acumulando cansaços e desgostos que, em face ao estado em
que chegou, quase diríamos ser possível a uma criança odiar. Do órfão
ao maltratado, chegam encaminhados por insituições de reinserção
social; chegam de lugares distantes, com marcas de violência e com
experiências de indiferença, que é a pior forma de abandono. Estavam
sozinhos na escola. Deixaram de estar sozinhos na escola dos alunos
“seleccionados”, escolhidos, apartados, rejeitados… noutros lugares.
Dentro dos seus humanos limites, a escola de que vos falo a todos aco-
lhe, a todos ajuda na recuperação da autoesima, do respeito por si
próprio. Dirão alguns leitores que todas as escolas têm estes ipos de
aluno. A diferença está em que a nova escola do Miro tem mais. Tem os
que lhe cabe em sorte e os que outras rejeitam.

77
Escola da Ponte - Portugal

Os habituais “críicos” da escola que acolheu o Miro terão aqui


matéria para relexão. Já algum desses “críicos” se terá lembrado de
denunciar esta “selecção”?

78
A escola
de última oportunidade
Foi considerado “aluno incapaz de se adaptar à escola”. O relatório
avisava: “é um aluno que apresenta diiculdades de controlo dos impul-
sos agressivos e manifesta o maior desinteresse pelas aprendizagens
escolares”, para além de “uma já evidente tendência para a aproxima-
ção ao álcool”.
Pudera! O Bino izera o irocínio com a avó. E aiançava-me, muito
tempo depois, que “aquilo nem era vinho, era uma zurrapa, porque a
avó Zefa já inha uma grande conta de assentar na mercearia, e na tas-
ca9 já nem a podiam ver e muito menos lho vendiam”.
Relutante às “aprendizagens escolares”, o Bino aprendeu a vida na
busca de manimento, que a reforma da avó não chegava sequer para
a pinga. Especializara-se em assaltos a hortas e pomares. Aos quatro
anos, era hábil na isgada certeira e na ferradela pronta no braço do
hortelão que o surpreendesse em lagrante.
O Bino não conheceu nem o pai nem a mãe. Consumada a parição, a
progenitora abalou10 para França, no rasto11 do presumível pai. Nunca mais
deu noícia. Uma avó o acolheu num tugúrio12 de chão de terra baida.

9 - Taberna.
10 - Fugiu.
11 - Variante de rastro.
12 - Abrigo, cabana.
Escola da Ponte - Portugal

O Bino cresceu entre maus-tratos e fomes de dias. Ao im da tarde,


engolia uma malga13 de sopas de cavalo cansado,14 enquanto aguardava
a chegada da avó. Vinha, invariavelmente, embriagada e de terço na
mão. Avistando-a, o Bino descalçava as botas de surrobeco15 herdadas
do falecido avô e airava-se para debaixo das mantas.
Ao cabo do primeiro mistério, a avó já cabeceava, arrastava a voz
na ave-maria e acabava por sucumbir aos alcoólicos elúvios, adorme-
cendo encostada ao seu ombro. O Bino deixava-se anestesiar pela res-
piração da velha e afundava-se num suave torpor até de madrugada.
A pequena leira16 em redor do casebre era pedregosa. Praicamen-
te, nem ervas cresciam, muito menos coisa semeada. De modo que o
sustento e o aquecimento central do Bino, da avó Zefa e do Malhado
eram as ovelhas do pequeno rebanho que com eles coabitava.
Sabemos que o brincar e o jogar são caracterísicos de um tempo
de expansão do conhecimento de si mesmo, do mundo e dos sistemas
de comunicação. E que a infância acaba quando alguém reconhece que
a sua vida deixou de ser um jogo maravilhoso, ou quando alguém proí-
be outro de brincar. O Bino soube-o quando a avó Zefa o fez levantar da
cama, numa frígida madrugada, aos quatro anos malfeitos.
– Hoje, és tu quem leva as mequinhas ao monte, que eu não me
tenho de pé. Deixa-te levar pelo Malhado que lá chegas.
E chegou. Pelo meio da tarde, o cão guiou o pequeno rebanho no
regresso a casa, com Bino a reboque, esfomeado e com os pés des-
calços fusigados pelos cardos.17 Nunca mais icaria no aconchego das

13 - Tigela.
14 - Sopa de vinho into com açúcar, canela e pão torrado, consumida por lavradores
do norte de Portugal.
15 - Lusit. Pano grosseiro e durável, semelhante ao burel, porém um pouco mais largo,
fabricado na Covilhã e no Alentejo.
16 - Pequeno campo culivado.
17 - Planta da família das compostas (Centaurea melitensis), considerada praga da
lavoura, de lores amarelas, folhas com espinho, acinzentadas, e caule ereto, re-
vesido de pelos.

80
A escola de última oportunidade

mantas para além do nascer do sol, e o Malhado viria a ser seu mestre
e única companhia até aos sete anos de idade.
Um dia, “uma senhora bem-vesida, bem-cheirosa e aprumada” (pa-
lavras que o Bino me ditou) espreitou para dentro daquele tugúrio par-
ilhado por animais e gente, e perguntou se a avó se chamava Josefa da
Conceição. Disse vir da parte das autoridades e que estas inham mandado
uma carta à avó do neto que a escola reclamava. A avó retorquiu “que não
senhor, que não inha recebido carta coisa nenhuma e que, ainda que tal
cousa lhe chegasse, nenhuma servenia teria por das letras nada saber”.
De nada valeu a ladainha da avó que das letras nada sabia. O único
proveito que a avó Zefa obteve da “senhora bem-vesida, bem-cheirosa
e aprumada” foi uma magra pensão de sobrevivência, tão magra que
mal dava para encomendar meia dúzia de garrafões. Sem pastor, o que
restava do rebanho foi arrematado pelo Luís Vendeiro. O Malhado foi
servir outros senhores, e o Bino transformou-se num degredado de
fundo de sala. No dizer da mestra, “o moço era coisa ruim e insubmis-
sa, e nem com porrada lá ia”. Entremeava sessões de palmatoada com
fugas para o monte e para junto do Malhado, fugas invariavelmente
interrompidas pelas frequentes visitas da “senhora bem-cheirosa”.
O Bino acabou por ser internado numa insituição da cidade. E, se
a guarda conseguia surpreendê-lo nos montes que ele tão bem conhe-
cia, mais facilmente os agentes da autoridade o capturavam na cidade,
onde se perdia em tantos lugares de se ocultar.
Com 10 anos feitos, foi transferido para uma escola de “úlima
oportunidade”. À semelhança de muitos outros casos de “insucesso”
que a essa escola aportaram, o Bino Bouças vinha recomendado por
psicólogos e acompanhado por um grosso relatório de pedopsiquiatria.
Apesar dos 10 anos feitos, o Bino aparentava não ter mais de seis
ou sete. Marcado pelo raquiismo, baixo, franzino, atarracado, pare-
cendo não ter pescoço (como diziam alguns dos seus companheiros),
juntou-se aos pequenos que vinham à escola pela primeira vez. Cami-
nhava bamboleando-se, olhando de soslaio para tudo e para todos. À

81
Escola da Ponte - Portugal

certa altura, um professor pensou que aquele miúdo18 de aparência frá-


gil estava em apertos e à procura de uma casa de banho. Aproximou-se
e, com extrema delicadeza, inquiriu:
– Precisas de alguma coisa?
A resposta, numa voz grossa e zangada, deixou o professor estupefacto:
– Ó chefe, onde é que se mija?
Nos primeiros dias passados naquele novo e estranho mundo de
aprender, ainda que o não soubesse, o Bino enfaizava o senido lúdico
da escola – o termo schola tem o signiicado eimológico de ócio – em-
bora fosse notado, na hora do recreio, pelo exagero na distribuição de
pontapés e cuspos.19
O seu reportório de insultos era vasto. O impropério aplicado a
preceito, na ponta da língua e da caneta, era uma das suas competên-
cias mais notadas, ainda que não constasse do currículo formal. Mas
essa competência foi abalada numa assembleia em que se provou que
os “palavrões” usados pelo Bino não constavam do dicionário. E, se não
constavam, não exisiam, pelo que a assembleia deliberou que o Bino
teria de repensar o seu discurso e refazer o repertório. O Bino esmerou-
-se. Passou por um processo de profunda reelaboração cultural e ami-
úde recorria à sinonímia, para gáudio20 dos companheiros e saisfação
dos professores.
Para que se perceba o trajeto de reparação dos danos por que o
Bino passou naquela escola, transcrevo, a ítulo de exemplo e entre
muitos que poderia citar, um depoimento deixado pelo Bino Bouças na
folha aixada no mural do “Acho Mau”: “Eu acho mau que os meninos
vão à casa de banho21 defecar, que façam as necessidades e depois dei-
xem a sanita22 toda cagada.”

18 - Lusit. Menino.
19 - Var. de cuspe
20 - Alegria.
21 - Lusit. Banheiro.
22 - Lusit. Vaso sanitário.

82
Cuidado com o Teixeira!
“Com práicas seleivas desajustadas (...) a escola bá-
sica vai, lenta e, coninuamente, gerando caudais de
excluídos que, em maior ou menor grau, interiorizam
essa exclusão”
Joaquim Azevedo
Entregaram uns papéis ao professor, acompanhados de um aviso:
“Cuidado com o Teixeira! Dizem que é auista e, além disso, é mal-edu-
cado e preguiçoso”. Que mania a de pôr rótulos. Que desperdício de
tempo a preencher papéis.
O Teixeira estava, ainda na primeira classe, quase a fazer 13 anos.
Tinha saltado de professor para professor, em turmas que nenhum do-
cente desejava. Era conhecido pelo nome de família, pois o nome pró-
prio ninguém parecia conhecer.
O professor desta história era novo, não possuía a experiência dos
mais velhos, nem a ciência dos especialistas da “educação especial”.
Pouco sabia de auismos. Só conhecia a deinição pelo dicionário. O
Teixeira era auista. Pois. E em que é que o rótulo ajudava? E, se o pro-
fessor estava sozinho na sua sala, com os seus alunos e mais um auista,
sozinhos estavam os colegas das outras salas com os seus alunos. (Que
pior forma de auismo que esta entre professores?).
Tinham-lhe ensinado tudo no curso, excepto o saber educar um
auista. “O colega imponha-se, o colega defenda-se!” O professor de-
fendeu-se. Registrou alguns comportamentos: “O Teixeira vive numa
profunda tristeza, gosta de estar sozinho”. Mas a veriicação pouco
Escola da Ponte - Portugal

ajudava. Procurava aproximar-se, ele fugia-lhe de imediato, como uma


gata que inha lá em casa. Aos 13 anos, o Teixeira não sabia ler nem
escrever. Se sabia, não o mostrava. Mas precisaria ele, mais que tudo,
de saber ler e escrever?
O professor veio a saber, mais tarde, pelos livros e por “incidente
críico”, que o Teixeira não era, nem nunca inha sido, auista na sua
vida. Tinha sido criado entre ovelhas das 5h às 12h de todos os dias.
Tinha vivido entre uma casa vazia e o vazio de uma escola, das 13h às
18h de todos os dias. E deitava-se todos os dias com as galinhas.
Há meses que o professor se acercava, matreiro, do Teixeira, sem
ir pelo atalho das letras e dos números. Tinha sido rejeitado mil vezes,
talvez pagando as rejeições que o Teixeira inha senido anos a io. Mas
também já inha conseguido arrancar algumas palavras ao dito “auista”.
Num sábado de manhã, quando o professor esperava o autocarro23
que o levaria para o aconchego do im de semana em casa, viu o Tei-
xeira a atravessar a estrada varejando o rebanho. Arredou as ovelhas
para um valado24 e sentou-se numa pedra a uma distância prudente da
paragem25 do autocarro. Com o cajado, baia pedras para o outro lado
da estrada, como quem estava distraído.
Estava quase na hora de passar a camioneta.26 O professor não po-
deria dar-se ao luxo de a perder, pois só teria outra lá para o meio da
tarde. Mas a tentação foi mais forte do que a prudência. Lançou alguns
olhares insistentes para a curva da estrada de onde haveria de surgir o
ansiado transporte. Lançou outros tantos olhares para o lado da estra-
da onde estava o Teixeira. E o dilema resolveu-se. Deu alguns passos,
com a mala na mão, na direção do aluno, como quem se acerca de um
pássaro que, a qualquer momento, pode levantar voo. Captou-lhe o
olhar. Sorriu. O “auista” não fez menção de se levantar.

23 Lusit. Ônibus.
24 Vala pouco funda, fosso.
25 Lusit. Lugar onde para um ônibus, bonde etc., para subida e/ou descida de passa-
geiros.
26 Var. de caminhonete.

84
Cuidado com o Teixeira!

O professor percorreu os metros que faltavam, hesitante, deitando


olhares para trás, não viesse aí a camioneta de passageiros. Primeiro,
de pé, a falar sozinho para o Teixeira, e este a olhar os paralelos e a ba-
ter pedras para o outro lado da estrada. Depois, a camioneta que nunca
mais chegava. Uma olhadela ao relógio e sentou-se devagar para não
assustar o pássaro. Pousou a mala. O Teixeira já respondia, ora com a
cabeça (que sim, que não), ora com os ombros (quero lá saber).
Na paragem, ninguém. O condutor ainda reduziu a velocidade,
ainda deitou um olhar para a mala pousada nas pedras à margem da
estrada. Faltou coragem para estender um braço e fazer-lhe paragem,
porque o outro estava pousado sobre o ombro do “auista”.

85
Projetos de professor
Naquele tempo, a generosidade de alguns professores muliplicou-
-se e despontaram projetos, ainda que lhes não dessem esse nome.
Foi então que passei uma tarde naquela escola. De sala em sala,
parilhei o trabalho de cada professora, procurei ajudar a transformar
desejos em possibilidades, auscultei diiculdades.
Da primeira ouvi: “Isso de projetos é muito bonito, mas... e as ou-
tras? Como é?” A segunda professora despediu-se de mim com o seguin-
te recado: “Não te iludas, Zé! Há sempre quem não faça, nem deixe os
outros fazer.” A terceira: “Sabes, Zé, por mim, até nem há problema. Mas
há outras que...” À saída da úlima sala, idênico comentário: “Querer eu
até quero! Mas tu percebes, com certeza, que há quem não queira!”
Esperei pelo im das aulas. Tinha sido convidado para paricipar na
reunião do conselho escolar. Sentei-me com as quatro colegas à volta
da mesa, na exígua sala dos professores. Dado o silêncio e a aitude de
escuta, supus que aguardavam que eu começasse. E eu comecei: “Já
estamos todos? São só quatro as professoras na vossa escola? Não falta
mesmo ninguém? Onde está ‘a outra’?”
Este episódio ajuda a entender a inuilidade de uma formação na
qual não embarca um quinto passageiro, uma formação de que nada re-
sulta, senão a conirmação de estereóipos e o refúgio em preconceitos.
Porém, é sempre possível aprender algo em comunidades de ami-
zade críica. E, quase sempre, nem nos apercebemos disso. Porém, há
por aí práicas anonimamente elaboradas, cujo intercâmbio entre esco-
las urge viabilizar.
Escola da Ponte - Portugal

Não falemos de “projetos de professor” nos quais o insinto de sobre-


vivência proissional se alia ao voluntarismo, numa mistura perigosa que
engendra projetos isolados com professores a reboque de projetos que
são de outros e que se exinguem quando o acaso, o cansaço, ou o sistema
de colocações, desvia o entusiasta acidental para outras paragens.27
Talvez o im deste século abra, para as escolas, caminho no qual
não exista uma única solução correta para cada caso, no qual a coe-
rência praxeológica não seja reduível à aplicação linear de teorias, no
qual os professores não permaneçam “orgulhosamente sós”, nem seja
reforçado o individualismo que não permite que um “outro” professor
paricipe de um mesmo projeto. Essa reelaboração da nossa cultura
proissional atravessará gerações.

27 - Neste caso, signiica o local onde alguém ou algo poderá encontrar-se.

88
Zé António,
o ás do texto livre
O decrépito ediício inha sido reinaugurado no consulado de Si-
dónio Pais, conforme atestava a lápide aixada na parede de estuque
esburacado, de onde despontavam as ervas, todo o ano, e formigas de
asas, pela primavera. O caruncho apostava em acabar com o que res-
tava das velhas carteiras. O soalho, também de madeira, era como um
campo de golfe, mas com mais buracos. No anexo, ainda pairava o odor
ao queijo da caritas. Só não havia quarto de banho digno do nome, mas
não se pode pedir tudo.
Na quarta classe de 1976 que a velha escola albergava, a variedade
das origens sociais correspondia à variedade dos odores. O Simão exalava
a suave fragrância da água de colónia. O Tó, o aroma da alfazema. O Jor-
ge, o perfume barato do ixador que lhe domava as irreverentes melenas.
Nas manhãs frias, o Arnaldo tresandava a aguardente. A maioria, criada na
bouça28 e na rua, trazia entranhado nas pobres vestes um intenso cheiro a
terra e suor que, na força do esio, se confundia com o da decomposição
dos cadáveres das ratazanas e de outros bichos que coabitavam o desvão
do telhado. Mas a aparência rude escondia a doçura das almas.
O Zé António era um miúdo franzino e ímido. Contava 10 anitos
num corpo frágil que aparentava seis ou sete. Só inha a seu favor uma
prodigiosa imaginação. Era o ás do texto livre. O novo professor não
era adepto das enfadonhas redações com tema e número de linhas

28 - Terreno baldio.
Escola da Ponte - Portugal

preixados. E, pela primeira vez na sua curta vida de estudante, o Zé


António soltava amarras e paria à aventura: “Eu fui com o meu irmão a
uma mina perigosa (...) encontrei uns anõezinhos muito alitos, quase a
morrer. Agasalhei-os muito queninhos, dei-lhes roupa nova. Também
vi uma abelha a tentar voar (...) estava a rir e ela pregou-me com o fer-
roto. Vedes para que foi a pândega?”
Ou mesclava desejos com a nostalgia de sonhos perdidos: “Se eu
fosse um passarinho. Não. Esta história acabou porque eu já não sei
mais. O que eu gostava de ter era uma andorinha. Mas, quando chegas-
se o inverno, ela paria e eu inha um desgosto muito grande.”
Num dos seus muitos escritos, deixou escapar um secreto e jamais con-
fessado remorso colecivo: “Eu sinto um segredo em mim... O nosso profes-
sor é muito bom para nós. Nós também podíamos ser bons para ele...”
Infanil remorso, talvez, pois aqueles 30 mafarricos29 infernizavam
a vida das professoras que por lá passavam. O Domingos, que nos seus
15 anos era o decano da turma, só à sua conta inha conhecido 12.
Umas despachavam os malfadados para o úlimo professor “agregado”
que lá caísse no ano seguinte. Outras agarravam-se ao atestado como o
náufrago à boia salvadora e desapareciam para nunca mais.
Nas manhãs de invernia, quando algum puto30 se deixava icar no
aconchego dos lençóis, era “menos um para aturar”. Nas manhãs pri-
maveris, quando outros se perdiam pelo caminho a jogar bola ou a ca-
çar os girinos dos charcos, era “um alívio”.
Quase todos acumulavam várias reprovações. O Zé António vinha
de uma família humilde, mas era dos poucos que nunca inham “gatado”.
À chegada, avisaram o novo professor de que aquela era a “tur-
ma do lixo”, “o refugo da escola”, a que “ninguém queria apanhar” e
que (“mas, ó senhor professor, isto que não saia daqui!”) o apartar das
águas começava logo na primeira classe:

29 Pessoa endiabrada.
30 Lusit. Pop. Garoto, menino, rapazinho.

90
Zé António, o ás do texto livre

– Ó Dona F..., de quem é ilho este miúdo?


– É neto do senhor engenheiro, minha senhora.
– Então, ica nesta lista. E este aqui?
– Este, minha senhora, é ilho da Maria Morcega, a que foi para
iandeira. Nem a terceira acabou...
– Então, vai para a outra turma.
A Maria Balota, vizinha e conselheira, aproveitou o intervalo do
primeiro dia e airou do portelo:31
– Ó senhor, eles são todos uns gandulos.32 Desta massa não se es-
pere milagres.
Depois, num tom mais condescendente, ainda acrescentaria:
– Eles não vão a bem. Mas, coitados, nem todos iveram uns pais
como o senhor professor.
O Bourdieu ainda levaria um bom par de anos até descobrir o sá-
bio e naturalizado equilíbrio da “reprodução”. De um lado, os nascidos
em berço de oiro; do outro, os putos ranhosos, as pestes. E, entre uma
turma e outra, nada de misturas. A família os engendrava, a escola os
conirmava, a sociedade os excluía. Por mais inverosímil que hoje nos
pareça, era assim naquele tempo.
Zé António fez a quarta classe com 10 anos. O professor perdeu-
-lhe o rasto nos atalhos da vida e nas teias do trabalho infanil. Voltou
a encontrá-lo aos 18, esquálido, minado pela miséria. Leu, naqueles
olhos despojados do brilho e da candura da infância, a profunda humi-
lhação de “pedir à junta um atestado de pobreza por não ter maneira
de pagar custas ao tribunal”.
Zé António conheceu a prisão, a solidão e o desprezo. Perdeu o
direito a nome próprio, ganhou fama de ladrão e de drogado. Um dia,

31 Pequena porta.
32 Garoto vadio, gandula.

91
Escola da Ponte - Portugal

enquanto se chutava, quis a sorte que a sida33 lhe penetrasse as veias.


O calvário chegava ao im.
O Zé António foi hoje a sepultar.

33 - Lusit. Sigla de síndrome de imunodeiciência adquirida, Aids.

92
O jovem professor
e os pais dos alunos
O professor era novo na escola, era bonzinho para as crianças e pa-
recia ter jeito para ensinar. Nascera na cidade grande e ali estava, numa
pequena vila de província, numa escola que funcionava num pardieiro
sem casa de banho.
Na sua ingenuidade, o jovem professor acreditava que os pais dos
alunos eram pessoas inteligentes e se preocupavam com o bem-estar
dos ilhos. Pela manhã de um sábado de outubro, perguntou ao Con-
selho Escolar se havia sido feita alguma tentaiva de diálogo com os
encarregados de educação. Teve como resposta alguns sorrisos condes-
cendentes e um único conselho:
– Os pais, colega? Os pais, quanto mais longe, melhor! Fique quiei-
nho no seu canto porque, sabe como é, cada macaco no seu galho. Não
queira arranjar problemas e vá por mim, que já cá trabalho há mais de 40.
O jovem professor encaixou a deixa, mas não se deu por convenci-
do. Findo o curso duplo da manhã de segunda-feira, foi directo à tasca
da Maria Morcega. Enquanto almoçava na mesa do canto, ia deitando
um rabinho de olho à freguesia, decerto que algum dos inacessíveis
pais andaria algures por ali.
O Sérgio entrou na tasca abraçado a uma enfusa e pôs-se em bicos,
de pés rente ao balcão:
Escola da Ponte - Portugal

– Miquinhas, meio quarilho34 de espadal,35 faz favor. É para as-


sentar.
Só à saída se apercebeu da presença do seu novo professor. Corou,
sorriu, abalou a dar a noícia ao pai.
Coisa nunca vista por ali! Enquanto engolia a água de unto e o fei-
jão com linguiça, o pai insisia com ele:
– Tu tens mesmo a certeza de que era o teu professor?
Concluído o breve repasto e movido pela curiosidade, dirigiu-se à
tasca da Maria Morcega. Mandou vir um “negus traçado” para cortar a
gordura da linguiça... e para ter o pretexto de observar o inusitado per-
sonagem (observação parilhada, a espaços, pelos clientes habituais da
tasca, sempre que se geravam breves tréguas no entusiasmo posto na
sueca e na bisca lambida36).
Entretanto, Sérgio veio colar-se às pernas do pai e, discretamente,
apontou o dedo na direção da mesa do canto.
– Não se aponta, que é feio! – corrigiu o pai, enquanto se aproxi-
mava da dita.
– O senhor desculpe, mas aqui o meu ganapo37 disse-me que o se-
nhor é que é o professor dele. Não, não se incomode, não precisa de se
levantar! Só queria cumprimentá-lo e dizer-lhe que tenho muito gosto
em o conhecer. É a primeira vez que encontro um professor, porque lar-
go o turno das duas e, a essa hora, já os professores voltaram para casa.
O professor convidou-o a sentar-se, mas o pai do Sérgio retorquiu:
– Fazia muito gosto que viesse beber um copo a minha casa.

34 - Aniga unidade de medida de capacidade para litros, equivalente à quarta parte


de uma canada, i. e., 0,6655 litro.
35 - Casta de uva de folhas cordiformes.
36 - Nome de diferentes jogos de cartas para duas ou quatro pessoas.
37 - Lusit. Rapaz pequeno, garoto.

94
O jovem professor e os pais dos alunos

O professor já inha almoçado e tomado o cimbalino38. Hesitou.


(Vinho a esta hora, ele que andava a sumo e a água?!) Mas seniu que
seria naquela hora, ou nunca mais. E lá foram, pai e professor, com o
puto mais adiante. De modo que, à chegada, já três mochos39 os espe-
ravam no quintal.
– Faça o favor de se sentar. É como se esivesse em sua casa! Eu já volto.
E voltou com uma garrafa de verde e dois copos, que pousou no
mocho do meio. Falaram do Sérgio, da necessidade de obras na escola.
Com o copo de into a agir como mediador intercultural.
O néctar (de se lhe irar o chapéu!) aqueceu as entranhas e os espí-
ritos naquela fresca tarde outonal. Ao cabo de duas horas de conversa
e de três botelhas vazias, as palavras saíam bem mais luentes, mais
amigas. Já não era um pai e um professor que ali estavam. Eram dois
homens a preparar o projeto de vida de outro homem.
Depois... Bem, o depois icará para depois. Por agora, importa ape-
nas acrescentar que isto aconteceu nos “dinossáuricos” tempos da dé-
cada de 1970, quando o Don Davies ainda não inha invesigado estas
questões, nem Ramiro Marques inha nascido para a escrita. Mas, se
hoje sobra a invesigação e a literatura, o que faltará para que se deixe
de considerar os pais dos alunos como criaturas inacessíveis?
Talvez três mochos.

38 - Lusit. Café feito em máquina de pressão e geralmente servido em uma chávena


pequena.
39 Banco sem encosto, de assento quadrado ou redondo.

95
A educação é incompatível
com a organização
autoritária da vida
Em 1988, os subscritores da Proposta Global de Reforma airma-
vam que “o adestramento não deine a educação” e que “a educação
é incompaível com a organização autoritária da vida”. Não estavam
sozinhos nas suas convicções. Eu ive acesso a outro “relatório” que,
provavelmente por esquecimento, não foi tornado público na devida
altura e que, por isso, correria o risco de se manter inédito. Esse “rela-
tório” é subscrito por dois ou três ex-alunos da Escola da Ponte – a qual
os mentores da Reforma se esforçaram (por enquanto, ainda em vão)
por erradicar – e diz a certo passo: “Os pais iravam os ilhos das escolas
para eles irem trabalhar, alguns pais não se importavam com os ilhos
e o governo também não se importava com o ensino (...). Não havia
possibilidades como há agora (...). Anigamente, ia-se fazer exame a
Santo Tirso porque aqui não havia condições para nada. As escolas não
inham condições como têm agora, eram pobres, era só uma sala e uma
retrete. Os deveres eram mais diíceis. Eram só ditados, cópias, contas
e outras coisas ruins. E os alunos inham que decorar muito. Havia me-
nos livros e eram mais diíceis e sem desenhos. Os de agora têm mais
iguras, para ajudar a aprender melhor. Não havia escolas para ensinar
todos. Ninguém era obrigado a ir à escola e as pessoas não iam à escola
e icavam sem saber ler nem escrever.”
Haverá nesta análise um acentuado exagero? Os “bons e os maus”
da infância encontram correspondência nos contrastes maniqueístas
Escola da Ponte - Portugal

entre uma escola “aniga” e uma outra, dita “moderna”. Mas o “Sé-
culo da Criança” está prestes a terminar tal como começou. Ressalva-
da uma declaração de direitos aprovada pelas Nações Unidas – jamais
cumprida –, pelo caminho icaram projetos por cumprir, as reiicações
da Pedagogia, da Sociologia, ou da Psicologia, um discurso teórico e
inúil. Ficou uma escola ensimesmada, a dura realidade da massiicação
sem diversiicação. Mas coninuemos a leitura deste relato de recorda-
ções indeléveis: “Tínhamos que estar com respeito e atenção, íamos ao
mapa e ínhamos que saber onde se situavam as serras, o nome delas,
qual era a mais alta e a mais baixa, ínhamos que saber os rios todos,
onde nasciam, por onde passavam e onde desaguavam, as linhas fér-
reas, por onde passavam e quais as suas estações, a tabuada ínhamos
que a saber salteada etc. Quando abríamos o livro de história, sabíamo-
-lo de cor, de uma ponta à outra, só alguns que não eram tão inteligen-
tes é que não sabiam.”
Será também oportuno realçar o recurso aos apoios e complemen-
tos educaivos da época: “Uma palmatória com a grossura de dois de-
dos cheia de buracos e, quando a professora já estava cansada, manda-
va bater a um dos alunos que soubessem mais e, se batessem devagar,
ela baia neles, era porrada por todos os lados, malhávamos com a ca-
beça contra o quadro e alguns escondiam-se debaixo das carteiras.”
Os anónimos autores deste “relatório” dão a entender que, por via
dos métodos em voga, andavam “tolhidos de medo, era medo por todos
os lados, inham medo de ir para a escola e medo de ir para casa”. E, sem
precisarem recorrer à emproada prosa de alguns teóricos da nossa praça,
contrariam os adeptos da pedagogia musculada de então, airmando que
“quem não vai por palavras também não vai por porradas”.

98
Acervo de episódios
Um texinho que publiquei em inais de 1999 rezava assim: “Algo
de muito estranho se passava. Na binária roina aula-teste instalara-se
uma espécie de bug que perturbava a pacatez habitual. Os pais dos alu-
nos perguntavam se os exames da quarta classe inham regressado. E já
toda a gente procurava no baú das aniguidades os livros de ichas sem
a eiqueta indiciadora de ‘manual de acordo com os novos programas’”.
Mal a aula começava, os putos mergulhavam no “Livro de ichas
de Português e Matemáica”, num treino apenas interrompido para fa-
zer xixi ou comer o lanche. Mas imaginemos que tudo não passou de
um pesadelo ou de malévola efabulação. Decorridos escassos meses e,
para mal dos nossos inconfessados e irredimíveis pecadilhos, o cenário
iccionado em 1999 foi largamente ultrapassado pelas “novelas da vida
real”. Parilharei convosco uma pequena parcela de um vasto acervo
de episódios. Não me atreverei a mencionar uma parte signiicaiva do
anedotário, tal a incredulidade que me inspiraram os episódios que me
foram narrados e apesar de não duvidar da honesidade dos profes-
sores conidentes. Portanto, deverá o eventual leitor muliplicar por
cem (ou mil!) o pasmo que lhe suscitar a leitura, para uma aproximação
mais iel à realidade.
Passemos aos factos, para que ninguém me acuse de cometer exagero.

A antecâmara das torturas


Na escola X, para que ivessem tempo de “treinar para a aferição”,
os alunos do quarto ano não puderam ir ao passeio escolar nem pude-
ram paricipar de aividades desporivas organizadas pela câmara.
Escola da Ponte - Portugal

Na televisão, um miúdo desabafava: “Esivemos só a dar Português


e Matemáica por causa dos exames. Estou saturado!”
Num jornal diário, um professor confessava que “inha vindo a pre-
parar o terreno com os seus alunos” E acrescentava: “Já há algumas
semanas deixei de dar matéria e estou a fazer revisões com os estudan-
tes.” Num assomo de lucidez, reconhecia que “os alunos estavam assus-
tados”. Porém, não recua na gesta gloriosa nem “explica aos alunos que
estes testes não contam para a avaliação, porque tem a certeza de que
se o izesse três ou quatro iriam faltar.”
Em meados de maio, com as aferições à porta, nem por inter-
cessão dos pastorinhos de Fátima se debelavam reminiscências das
dores de barriga, das lágrimas e das prostrações características dos
primeiros dias de escola. A S. dizia que “desde terça-feira passada
estava a estudar, brincava menos e não via televisão nem ouvia músi-
ca. Já mais para o fim do recolhimento, a mãe fazia um balanço pro-
visório: ‘hoje, ela já não estava tão nervosa. Mas na quarta-feira até
vomitou.’”
Em vésperas de icar concluída esta espécie de preparação para as
olimpíadas aferidoras, o F. perdeu o apeite. No dia da prova, tentou
tomar um chá. Vomitou-o.
A C. não conseguiu dormir, só pensava nos adjecivos. E entupiu-se-lhe
a memória, já “não sabia nada!” A mãe obrigou-a a estudar a gramáica
toda. “Bloqueou”, e as lágrimas caíram-lhe dos olhos cansados de estudo.

A vigilância
O “manual do aplicador” releia, entre outros digniicantes pres-
supostos, que todos os alunos são potencialmente desonestos e que
“a ocasião faz o ladrão”. O seu conteúdo sugeria que valores como a
honesidade não cabem nas escolas ou que as distâncias de 1,40 m –
medida entre alunos com uma visão normal – e de 90 cm – para por-
tadores de miopia – são suicientes para evitar que a solenidade das
provas venha a ser manchada com “copianços”.

100
Acervo de episódios

Ao cabo de um quarto de hora de espera para começar a prova, o


H. já reilava:40 “Ó professora, porque é que temos de estar aqui den-
tro?”
A professora aplicadora disse ter notado que as crianças pediam
para ir muitas vezes à casa de banho, “mas não podia ser... não é?”.
Mas havia quem “levasse a coisa na desporiva”: “Não me preocu-
pa fazer bem, ou mal, ou não fazer nada, porque isto não conta para
nada.” E, quando faltavam poucos minutos para as 9h, uma professora
mais ansiosa perguntava à J. “se estava preparada”. “Preparada para
quê?” – retorquiu a cachopa.41
Na véspera das provas, uma professora perguntava a um aluno que
fora reido no ano anterior se estava tudo a correr bem com ele. Res-
pondeu que nos “testes da Páscoa” (sic) já inha notas para passar e
que as destas provas não serviam para nada.
Imaginemos agora (e com elevadas probabilidades de verosimi-
lhança) um episódio protagonizado pela professora e por quatro alunos
de uma escolinha serrana.
Três dos alunos foram apanhar ar... Postada no umbral da única
porta da única sala de aula, a professora única fazia a chamada da única
aluna do quarto ano.
– Joaninha da Conceição da Silva!
Perplexa, a miúda ainda olhou em redor. Aventou a hipótese de a
senhora se ter “passado”. Porém, à cautela, lá fez a vontade à ensande-
cida mestra:
– Presente!
E lá entrou para a sala de aula onde, como mandava o manual, a
professora veriicou se a Joaninha se encontrava à distância regulamen-
tar dos seus (inexistentes) colegas de suplício.

40 - Lusit. Responder com grosseria, com atrevimento.


41 - Lusit. Moça.

101
Escola da Ponte - Portugal

A surpresa
Uma prova de Matemáica mais ou menos bem elaborada e em
consonância com os programas em vigor surpreendeu muita e boa gen-
te. Meditemos sobre as reações de alguns professores:
– Mas isto não pode ser! Os livros não traziam nada disto. Valha-
-me Deus!
– Eles dizem que correu bem, mas eu já vi muita asneira. O proble-
ma foi a falta de raciocínio.
– A primeira parte inha muitas rasteiras (...). A segunda era me-
lhor, inha áreas, sólidos, décimas...
– A prova estava deslocada. Apelava ao raciocínio lógico. Os manu-
ais e os programas não preveem isso. Além disso, não estava adequada
aos meninos de um TEIP, estava desajustada.
– Nem eu sabia fazer aquilo! A prova de Matemáica era muito
esquisita.

O que não será surpresa


Anunciados os resultados, os “responsáveis” farão a moral da his-
tória. Se forem bons, isso há-de signiicar que o sistema está a funcio-
nar na perfeição e que a equipa ministerial tem feito um excelente tra-
balho. Se forem maus, presumir-se-á que as escolas estarão a incorrer
em “faciliismos” e que será necessário dar mais formação aos profes-
sores... Nada que já não tenhamos visto.

102
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105
Escola da Ponte - Portugal

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SOARES, Magda. Alfabeização e letramento. São Paulo: Contexto, 2008.
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<htp://www.apagina.pt/arquivo/Arigo.asp?ID=1252>. Acesso em: 03
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<htp://www.eb1-ponte-n1.rcts.pt/documen/reginter.pdf>. Acesso
em: 29 abr. 2006.

106
Anexos
– modelo de plano quinzenal na escola
da ponte

O nosso projecto é:

O meu grupo de responsabilidade é:

O que vou fazer nesta quinzena, com toda a escola:


Escola da Ponte - Portugal

As sugestões que quero apresentar na assembleia:

Plano da quinzena nº          de     /     /     a     /     /    

Nome:

O meu grupo:

Tarefa
– Data          Hora         Rubrica         

Tarefas a realizar para o meu projecto


– Data          Hora          Rubrica         

Avaliação: para além do que vou aprender com o projecto também quero
aprender

Data          Professor

108
Anexos

Avaliação: quais as áreas/objecivos que me podem ajudar na realização do


projecto?

Data         Professor

Planiicação e Registros de Avaliações


O que aprendi nesta quinzena?

O que mais gostei de aprender nesta quinzena?

Outros aspectos que ainda gostaria de aprofundar neste projecto:

109
Escola da Ponte - Portugal

Mas ainda não aprendi a... Por quê?

Outros projectos que gostaria de desenvolver:

Autoavaliação
Informações do Professor-tutor:

Observações do pai/mãe/encarregado de educação:

Observações do aluno:

110
Anexos

Professor-tutor:

Data:     /     /    


Pai/mãe/encarregado de educação:

Data:     /     /    

Aluno:

Data:     /     /    

Avaliação geral da quinzena:

111
Notas sobre Andréa Villela
e José Pacheco
Andréa Villela Mafra da Silva é pesquisadora do Núcleo de Estudos
e Pesquisas em História da Educação Brasileira (NEPHEB), na Univer-
sidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), que se aricula
com o Grupo de Estudos e Pesquisas, História, Sociedade e Educação
no Brasil (HISTEDBR) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O NEPHEB pesquisa as insituições escolares, as práicas e ideias pe-
dagógicas brasileiras, focalizando diferentes matrizes epistemológicas.
Tem como meta aprofundar o debate teórico e metodológico, buscando
subsídios para analisar a história da educação e também para invesigar
novas fontes para as pesquisas históricas na educação brasileira.
A parir de agosto de 2009, Andréa coordena o trabalho de cam-
po da equipe de técnicos no Acompanhamento e Monitoramento das
Ações do Plano de Ações Ariculadas (PAR), em 36 municípios prioritá-
rios, no Estado do Rio de Janeiro. Este projeto, parceria entre o Ministé-
rio da Educação, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e
a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (MEC/FNDE/UniRio)
têm como objeivo monitorar e acompanhar a execução das ações do
PAR, por meio de visitas técnicas aos municípios.
Na coordenação de Educação a Distância, na UniRio, trabalha
no curso de pós-graduação lato sensu em Educação Especial, na mo-
dalidade de deficiência visual, coordenando a equipe de tutoria e a
disciplina de práticas pedagógicas dos alunos que estão em fase de
conclusão do curso.
Escola da Ponte - Portugal

José Pacheco nasceu em Portugal, no dia 10 de maio de 1951. Mes-


tre em Ciências da Educação, pela Faculdade de Psicologia e Ciências
da Educação da Universidade do Porto, José Pacheco é autor de livros
e arigos sobre educação. No dia 08 de maio de 2004, foi condecorado
pelo presidente da República de Portugal, Jorge Sampaio, com a Ordem
da Instrução Pública.
Desde o ano de 2000, Andréa Villela auxilia o professor José Pache-
co, que foi dirigente da Escola da Ponte durante aproximadamente 30
anos, na organização de compromissos no Estado do Rio de Janeiro e
nas consultorias pedagógicas nas escolas brasileiras.

114

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