Os padrões de Beleza do Renascimento aos tempos atuais
Natale F. Gontijo de Amorim
Os padrões de beleza refletem os aspectos culturais de cada
época e logicamente mudam com o passar do tempo. Como as culturas, principalmente a partir do Império Romano, eram de domínio masculino, a beleza era ditada e representada pelos ideais masculinos, inclusive os escultures e pintores, na sua grande maioria, eram homens. O “belo” existe desde a pré-história, mas foi na cultura grega com seus filósofos que o conceito de belo começou a ser discutido. O termo grego mais próximo para beleza ou belo é Kalón: significa aquilo que agrada, que traz admiração e atrai o olhar. Os gregos antigos, contudo, não tinham uma definição clara sobre o que é beleza e associavam o belo ao conceito de bem e de verdade. Esta é considerada a Tríade Plantônica, definida elaborada por Platão grande filosofo grego: O que é Belo tem de ser Bom e Verdadeiro e vice-versa. Com o desenvolvimento das artes, as imagens de pintura e de escultura representavam a Beleza Ideal, com o corpo humano belo que mostrava harmonia e proporção entre as partes. Beleza passou a ser identificada com proporções matemáticas em esculturas e pinturas de corpos masculinos, pois a mulher na Grécia antiga vivia confinada em casa e não era permitida a nudez feminina. Lembrando que era um ideal de beleza tão perfeito, que dificilmente se encontrava uma pessoa que se encaixasse exatamente nestas medidas exatas. Assim, como a beleza grega exaltava o corpo masculino que era exposto nu nos ginásios, os homens exercitavam- se para modelar o corpo, preparavam-se atletas para os jogos olímpicos e treinavam-se soldados. Nas artes, o corpo feminino belo era representado próximo ao padrão masculino, com poucas curvas, braços e pernas fortes. Estes conceitos gregos foram absorvidos pela cultura romana, quando o Império Romano dominou a Grécia e, assim, os conceitos de beleza greco-romanos foram difundidos em praticamente todo o mundo ocidental e parte do oriental, uma vez que o Império Romano era extremamente extenso. Após a queda do Império Romano, veio a Idade Media ou Idade das Trevas, onde a Igreja Católica condenava qualquer manifestação de beleza feminina, no sentido que a mulher deveria ser discreta, submissa e casta. A mulher deveria representar o exemplo da Virgem Maria. Buscar artifícios de embelezamento, como maquiagem, era considerado pecaminoso e perverso. Uma mulher bonita não era bem vista, no sentido que poderia levar homens a cometer loucuras e ter problemas, como aconteceu com Adão, segundo os relatos da Bíblia. Além disso, devemos lembrar que Adão foi criado à imagem e semelhança de Deus, segundo as escritas bíblicas, e a mulher foi feita a partir da costela de Adão, sendo portanto, inferior, pois não surgiu diretamente de Deus. A cultura na Idade Media era Teocêntrica, ou seja, Deus estava no centro e na razão de tudo. Depois da Idade Media, surge o Renascimento que redescobriu a Antiguidade clássica greco-romana, considerada uma época de ouro. Esse movimento cultural ocorreu entre os séculos XIV e XVI, principalmente em algumas cidades italianas, e se contrapunha aos valores católicos cultivados durante a Idade Média, pois era uma cultura de valorização do Ser humano, ou seja, era Antropocêntrica. As principais características foram o humanismo, o antropocentrismo, o individualismo, o universalismo, o racionalismo, o cientificismo e a valorização da Antiguidade Clássica. A estética renascentista exaltou a criação de Deus em todas as suas formas, especialmente, o corpo humano que se tornou uma grande fonte de inspiração para os pintores e escultores. Retomam-se as proporções e simetrias matemáticas. Vitrúvio no séc. I a.C. determinou proporções matemáticas para cada seguimento do corpo, que depois foram representadas por Leonardo da Vinci durante o Renascimento no seu famoso desenho do “Homem Vitruviano” com proporções corporais perfeitas que se encaixam dentro das duas formas geométricas perfeitas, o circulo e o quadrado. O Belo corresponde a essas medidas e, diferente delas, é considerado feio.
Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci
Entretanto, diferentemente da Antiguidade Clássica greco-
romana, a representação renascentista do corpo feminino renascentista descola-se da temática bíblica e religiosa e inspira-se nas deusas e ninfas da Antiguidade concebendo uma nudez feminina idealizada. A idealização da beleza feminina ignora o padrão anatômico. A Vênus do quadro “O Nascimento de Vênus”, de Sandro Botticelli (c.1484-1486) é o arquétipo renascentista da beleza feminina inspirada na arte antiga clássica. Assemelha-se mais a uma escultura de mármore branco do que a uma mulher de carne e osso e suas proporções corporais são “desiquilibradas” no sentido que a Vênus tem pescoço muito longo, braços de tamanho diferentes etc.
Nascimento de Venus de Sandro Botticelli
Somente na metade do século XVI, os pintores de Veneza e
Flandres abandonam a idealização da beleza feminina e buscam representar um corpo feminino mais real dando-lhe plasticidade e volume. Pintam o corpo feminino para ser desejado. Há uma enorme diferença entre a Vênus de Botticelli e as mulheres carnais e cheias de curvas de Veronese, Ticiano e Rubens. A Igreja, isto é, o Papa, cardeais e bispos, já não é a única consumidora de arte: príncipes, nobres, banqueiros e comerciantes encomendam telas para decorar seus palácios. Assim, as pinturas se tornaram mais sedutoras, com os corpos à mostra, sendo que as mulheres exibiam os cabelos longos e formas avantajadas, enquanto os homens apresentavam um corpo sem pelos e com músculos. As imagens femininas repetem um padrão presumivelmente apreciado pelos homens (pelo menos para os compradores de obras de arte): pele clara, rosto oval, corpo com curvas, cabelo loiro avermelhado e longo. A maquiagem já não é mais proibida e as mulheres pintam olhos, cílios e os lábios. A obesidade representava status, riqueza e ostentação — o que só estava disponível para um seleto grupo da nobreza.
As Três Graças de Rubens
A beleza nos tempos atuais é bem diferente do padrão
renascentista, pelo menos, se considerarmos os padrões de beleza feminina. Busca-se um “corpo perfeito”, “sarado”, baseado em informações divulgadas nas mídias sociais que tem um grande poder de divulgação com repercussão mundial. Há uma preocupação exagerada com corpos magros e musculosos. Não podemos esquecer que com os recursos de filtros nas fotos, este padrão de beleza é falso em muitos casos. Assim, estamos impondo regimes de beleza editados por filtros de edição que, a depender da forma como são absorvidos, podem afetar negativamente as pessoas, principalmente os adolescentes. As redes sociais exageram nos padrões de beleza, criando padrões que podem ser impossíveis de serem atingidos e gerando uma ilusão em torno do que é perfeito. A beleza, na prática, também pode ser traduzida como uma sensação de prazer em relação à pessoa que se observa, sendo a beleza individual, ou seja, cada um tem sua própria beleza, que deve ser reconhecida. A beleza pode ser melhorada com recursos da cirurgia plástica, caso tenha indicação, entretanto, sempre é importante respeitar a anatomia de cada pessoa e não buscar desenfreadamente um padrão “perfeito”, muitas vezes criado por fotos e narrativa fake.