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Nivaldo A. Lemos
Departamento de Fı́sica
Universidade Federal Fluminense
VERSÃO PRELIMINAR
i
Poets say science takes away from the beauty of the stars −
mere globs of gas atoms. I too can see the stars on a desert night,
and feel them. But do I see less or more? The vastness of the
heavens stretches my imagination. A vast pattern − of which I am
a part. It does not do harm to the mystery to know a little about
it. Far more marvellous is the truth than any artists of the past
imagined it. What men are poets who can speak of Jupiter if he
were a man, but if he is an immense spinning sphere of methane
and ammonia must be silent?
PREFÁCIO
A mecânica analı́tica é muito mais do que uma mera reformulação da mecânica new-
toniana, e os seus métodos não foram concebidos primordialmente para facilitar a resolu-
ção de problemas mecânicos especı́ficos. Tentamos deixar isso claro pondo em relevo as
propriedades de simetria e invariância e os aspectos estruturais da mecânica. Os livros
de Goldstein (1980) e Landau & Lifchitz (1966), nos quais o autor aprendeu mecânica
analı́tica, exerceram grande influência na elaboração do texto.
variável canônica e as teorias com tempo parametrizado, o que se justifica pela amplas
aplicações na teoria quântica da gravitação em geral, e na cosmologia quântica em parti-
cular.
1 DINÂMICA LAGRANGIANA 7
1.2 Vı́nculos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
1
2 Índice
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
3 CINEMÁTICA DA ROTAÇÃO 96
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
Índice 3
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 275
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 326
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373
Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 407
APÊNDICES 411
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 439
Capı́tulo 1
DINÂMICA LAGRANGIANA
Lagrange has perhaps done more than any other analyst . . . by showing that the
most varied consequences respecting the motion of systems of bodies may be derived
from one radical formula; the beauty of the method so suiting the dignity of the
results, as to make of his great work a kind of scientific poem.
William Rowan Hamilton
7
8 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
definição de força (Marion & Thornton 1995), adotaremos o ponto de vista que julgamos
mais correto, segundo o qual elas são leis genuı́nas e não meras definições (Anderson 1990).
Uma análise detalhada dos aspectos fı́sicos e da estrutura lógica das leis de Newton tran-
scende o escopo desta seção, cujo propósito primordial é servir de referência para o restante
da exposição. Os postulados enunciados a seguir equivalem às três leis do movimento de
Newton, mas procuram evitar certas dificuldades lógicas da proposição original.
onde a é a aceleração da partı́cula, m sua massa e F a força total a que ela está sujeita.
Este postulado pressupõe, implicitamente, que a cada partı́cula está associada uma
constante positiva m, denominada massa, que é a mesma em todos os referenciais inerciais.
TERCEIRA LEI. A cada ação corresponde uma reação igual e oposta, isto é, se Fij
é a força sobre a partı́cula i exercida pela partı́cula j, então
Esta é a lei da ação e reação em sua forma fraca. Em sua versão forte, esta lei
declara que, além de iguais e opostas, as forças são dirigidas ao longo da linha que une as
partı́culas; em outras palavras, duas partı́culas só podem se atrair ou repelir. A terceira
lei não tem validade geral, pois as forças entre cargas elétricas em movimento geralmente
a violam. Isto deve-se à velocidade finita de propagação das interações eletromagnéticas, o
que exige introduzir a noção de campo eletromagnético como mediador de tais interações.
1.1. PRINCı́PIOS DA MECÂNICA NEWTONIANA 9
No caso de um sistema contendo várias partı́culas, supõe-se que a força sobre cada uma
delas pode ser decomposta em forças externas, produzidas por fontes exteriores ao sistema,
e forças internas, que devem-se às demais partı́culas do sistema.1 Assim, a equação de
movimento da i-ésima partı́cula de um sistema de N partı́culas é, conforme a segunda lei,
N
dpi X (e)
= Fij + Fi , (1.1.3)
dt j=1
j6=i
onde
dri
pi = mi vi = mi (1.1.4)
dt
é o momento linear da i-ésima partı́cula, mi sua massa, ri seu vetor posição, vi sua
(e)
velocidade e Fi denota a força externa sobre ela.
X d2 ri X X (e) X (e)
mi 2 = Fij + Fi = Fi (1.1.5)
i dt i,j i i
i6=j
X 1X
Fij = (Fij + Fji ) = 0 (1.1.6)
i,j 2 i,j
i6=j i6=j
P P
mi ri i i mi ri
R= P ≡ , (1.1.7)
i mi M
d2 R X (e)
M 2 = Fi ≡ F(e) , (1.1.8a)
dt i
1
Descarta-se a possibilidade de uma partı́cula agir sobre si mesma.
2
PN P
De agora em diante abreviaremos i=1 por i , estando implı́cito que a soma estende-se a todas as
partı́culas do sistema, salvo indicação em contrário.
10 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
ou
dP
= F(e) (1.1.8b)
dt
X X dri dR
P= mi vi = mi =M . (1.1.9)
i i dt dt
(Q) (Q)
onde ri = ri − rQ e vi = ṙi − ṙQ são, respectivamente, o vetor posição e o vetor
velocidade da i-ésima partı́cula em relação ao ponto Q. Portanto,
tendo sido usadas as Eqs.(1.1.3), (1.1.4) e (1.1.7). Mas, explorando a Eq.(A.9), podemos
escrever
X 1X
(ri − rQ ) × Fij = [(ri − rQ ) × Fij + (rj − rQ ) × Fji ]
i,j 2 i,j
i6=j i6=j
1X 1X
= [(ri − rQ ) − (rj − rQ )] × Fij = (ri − rj ) × Fij (1.1.12)
2 i,j 2 i,j
i6=j i6=j
1.1. PRINCı́PIOS DA MECÂNICA NEWTONIANA 11
com a ajuda da Eq.(1.1.2). Se as forças internas obedecem à forma forte da terceira lei de
Newton, então Fij tem a mesma direção que o vetor rij ≡ ri − rj que aponta da j-ésima
para a i-ésima partı́cula, de modo que rij × Fij = 0. Assim sendo, a Eq.(1.1.11) pode ser
reescrita na forma
dLQ (e)
= NQ − M (R − rQ ) × r̈Q , (1.1.13)
dt
onde
(e) X (e)
NQ = (ri − rQ ) × Fi (1.1.14)
i
dLQ (e)
= NQ . (1.1.15)
dt
Esta última equação implica uma importante lei de conservação, na qual o momento
angular e o torque são tomados relativamente a um ponto fixo ou ao centro de massa.
d X
mi r0i × vi0 + ( mi r0i ) × V + R × ( mi r0i ) + M R × V , (1.1.17)
X X X
L= mi ri × vi =
i i i dt i
mi r0i =
X X X
mi ri − mi R = M R − M R = 0 . (1.1.18)
i i i
r0i × p0i .
X
L = R × MV + (1.1.19)
i
1X
T = mi vi2 . (1.1.20)
2 i
Com o uso de (1.1.16) resulta
1X 1X d X
T = mi vi0 2 + mi V 2 + V · ( mi r0i ) , (1.1.21)
2 i 2 i dt i
A energia cinética total é a soma da energia cinética do sistema como se estivesse con-
centrado no centro de massa com a energia cinética do movimento em torno do centro de
massa. Este resultado é particularmente útil na dinâmica do corpo rı́gido.
O trabalho realizado por todas as forças para levar o sistema de uma configuração
inicial A a uma configuração final B é definido por
XZ B XZ B XZ B
(e) X (e)
WAB = (Fi + Fij ) · dri = Fi · dri + Fij · dri . (1.1.23)
i A j i A i,j A
j6=i i6=j
1.1. PRINCı́PIOS DA MECÂNICA NEWTONIANA 13
XZ B XZ B 1
WAB = mi v̇i · vi dt = d( mi vi2 ) , (1.1.24)
i A i A 2
donde
WAB = TB − TA , (1.1.25)
XZ B Z B Z B
(e) (e) (e) (e)
dV (e) = VA − VB .
X
Fi · dri = − ∇i V · dri = − (1.1.27)
i A A i A
Se Fij depende apenas das posições relativas rij = ri − rj e, além disso, é dedutı́vel de
uma função energia potencial Vij (rij ) com Vij = Vji , então podemos escrever
Esta forma assegura a validade da versão fraca da lei da ação e reação. Com efeito,
Se, além disso, Vij depender somente da distância sij = |rij | entre as partı́culas (forças
centrais) temos
rij 0
Fij = −∇i Vij (sij ) = − V (sij ) (1.1.30)
sij ij
onde Vij0 é a derivada de Vij em relação a seu argumento, de modo que Fij aponta ao longo
da linha que une as partı́culas e a lei da ação e reação vale em sua forma forte.
14 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
B
1 XZ B 1 XZ B 1 X
=− ∇i Vij · drij = − ∇ij Vij · drij = − Vij , (1.1.31)
2 i,j A 2 i,j A 2 i,j A
i6=j i6=j i6=j
onde ∇ij denota o gradiente em relação ao vetor rij , tendo sido utilizada a propriedade
evidente ∇i Vij = ∇ij Vij . Finalmente, combinando as Eqs.(1.1.23), (1.1.25), (1.1.27) e
(1.1.31) deduz-se
(T + V )A = (T + V )B , (1.1.32)
com
1X
V = V (e) + Vij . (1.1.33)
2 i,j
i6=j
1.2 Vı́nculos
Exemplo 1.2.1 (Partı́cula restrita a uma superfı́cie fixa). Seja r = (x, y, z) o vetor posição
da partı́cula relativamente a um sistema cartesiano de eixos em relação ao qual a superfı́cie
permanece fixa. Então x, y, z não são variáveis independentes mas devem satisfazer
4
É evidente que os teoremas de conservação desta seção valem somente em referenciais inerciais, embora
isto não conste explicitamente nos referidos enunciados.
1.2. Vı́NCULOS 15
onde f (r) = 0 é a equação da superfı́cie. Se, por exemplo, a superfı́cie for uma esfera centrada
na origem,
f (x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 − R2 , (1.2.2)
Exemplo 1.2.2 (Partı́cula restrita a uma superfı́cie móvel ou deformável). Neste caso
x, y, z obedecem à equação
Exemplo 1.2.3 (Duas partı́culas unidas por uma haste rı́gida). O vı́nculo tem a forma
(r2 − r1 )2 − l2 = 0 (1.2.4)
ou, equivalentemente,
f (ξ1 , . . . , ξM , t) = 0 . (1.2.7)
Vı́nculos que não podem ser assim representados são ditos não-holônomos. Por exemplo,
a imposição de que as moléculas de um gás permaneçam no interior de um recipiente
é descrita por desigualdades: se o recipiente é uma caixa de arestas a, b, c temos 0 <
xi < a, 0 < yi < b, 0 < zi < c, onde ri = (xi , yi , zi ) é o vetor posição da i-ésima
molécula (tratada como partı́cula puntiforme). Ocorrem com freqüência, especialmente
na dinâmica do corpo rı́gido, vı́nculos representáveis por equações envolvendo velocidades,
isto é, equações diferenciais da forma6
Exemplo 1.2.5 (Cilindro rolando sem deslizar ao longo de uma linha reta). Sendo x a
posição do centro de massa do cilindro e φ o ângulo de rotação em torno do centro de massa, a
condição de rolar sem deslizar representa-se por
5
Do grego hólos (inteiro, completo) e nómos (regra, lei).
6
O ponto sobre uma variável denota derivada em relação ao tempo.
1.2. Vı́NCULOS 17
ẋ = Rφ̇ , (1.2.9)
Exemplo 1.2.6 (Disco vertical rolando sem deslizar num plano horizontal). Sejam (x, y)
a posição do centro do disco, θ o ângulo do seu eixo de simetria com o eixo x, e φ o ângulo de
rotação do disco em torno do referido eixo de simetria (ver Figura 1.2.2). Sendo v a velocidade
do centro de massa, o disco rola sem deslizar desde que v = Rφ̇. Notando que ẋ ≡ vx = v sen θ
e ẏ ≡ vy = −v cos θ, somos conduzidos às equações
As equações (1.2.9) e (1.2.10) são exatamente da forma (1.2.8). Em geral vı́nculos deste
tipo não podem ser reduzidos por uma integração à forma (1.2.7) e, conseqüentemente, não
são holônomos. Se um vı́nculo originalmente expresso na forma (1.2.8) puder ser reduzido
por uma integração à forma (1.2.7), ele será dito holônomo. Por exemplo, o vı́nculo (1.2.9)
é holônomo porque equivale a x − Rφ = 0, que tem a forma (1.2.7).7 No entanto, vı́nculos
diferenciais do tipo (1.2.8) raramente são integráveis. Isto é o que acontece no caso do
Exemplo 1.2.6.
7
A constante de integração pode ser feita igual a zero por uma escolha adequada da posição ou do
ângulo no instante inicial.
18 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
d
hẋ − hRφ̇ sen θ ≡ G(x, y, θ, φ, t) (1.2.11)
dt
para alguma função G, pois neste caso, em virtude de (1.2.10), a Eq.(1.2.11) será equivalente a
(C é uma constante arbitrária)
G(x, y, θ, φ, t) − C = 0 , (1.2.12)
que tem a forma (1.2.7). Mas, admitindo que o lado esquerdo de (1.2.11) seja uma derivada total,
é necessário levar em conta que a ordem de diferenciação é irrelevante nas derivadas segundas
cruzadas da função supostamente existente G. De acordo com a hipótese (1.2.11) terı́amos
∂G/∂x = h e ∂G/∂φ = −hR sen θ, as demais derivadas parciais sendo nulas. Logo,
∂2G ∂2G ∂h
= =⇒ = 0 =⇒ h = h(x, θ, φ, t) ;
∂y∂x ∂x∂y ∂y
∂2G ∂2G ∂h
= =⇒ = 0 =⇒ h = h(x, φ, t) ;
∂θ∂x ∂x∂θ ∂θ
∂2G ∂2G ∂
= =⇒ (−hR sen θ) = 0 =⇒ hR cos θ = 0 =⇒ h = 0 .
∂θ∂φ ∂φ∂θ ∂θ
A inexistência de fator integrante não-nulo prova que a primeira das Eqs.(1.2.10) não constitui
um vı́nculo holônomo, argumento análogo aplicando-se à segunda das Eqs.(1.2.10).
Para um sistema mecânico sujeito a vı́nculos, num dado instante t há uma infinidade
de configurações possı́veis, isto é, consistentes com os vı́nculos. Os deslocamentos infinite-
1.3. DESLOCAMENTOS VIRTUAIS 19
simais de cada partı́cula que levam de uma configuração possı́vel a outra infinitesimalmente
próxima são chamados de deslocamentos virtuais. Mais precisamente, dado um sistema
de N partı́culas os deslocamentos virtuais δri , i = 1, . . . , N , são deslocamentos infinitesi-
mais das posições r1 , . . . , rN realizados instantaneamente8 e com a propriedade de serem
compatı́veis com os vı́nculos. Em suma, as caracterı́sticas definidoras dos deslocamentos
virtuais são: (i) eles são infinitesimais; (ii) ocorrem num instante t fixo; (iii) não violam
os vı́nculos.
Exemplo 1.3.1 (Partı́cula restrita a uma superfı́cie móvel). Seja (1.2.3) a equação da
superfı́cie. Um deslocamento virtual deve ser consistente com o vı́nculo, isto é, o ponto r e o
ponto deslocado r + δr devem pertencer à superfı́cie no instante t:
Note, contudo, que um deslocamento real dr se dá num intervalo de tempo dt. Por-
tanto, para que a partı́cula permaneça na superfı́cie é preciso que
∂f
f (r + dr, t + dt) = 0 =⇒ ∇f · dr + dt = 0 . (1.3.2)
∂t
Exemplo 1.3.2 (Duas partı́culas unidas por uma haste rı́gida). Sejam f1 e f2 as forças
de vı́nculo sobre as partı́culas, com f1 = −f2 pela terceira lei de Newton e tanto f1 quanto f2
dirigidas ao longo da reta definida pelas partı́culas. Então o trabalho virtual das forças de vı́nculo
é
Definindo r = r2 −r1 , a equaçãode vı́nculo assume a forma (1.2.4), a saber, r2 −l2 = 0. Em termos
da variável r a situação equivale àquela discutida no Exemplo 1.3.1. Tomando f (r, t) = r2 − l2
a Eq.(1.3.1) reduz-se a r · δr = 0. Mas, como f2 e r são colineares, existe um escalar λ tal que
f2 = λr, donde δWv = λr · δr = 0. Uma vez que um corpo rı́gido consiste num vasto número de
partı́culas cujas distâncias mútuas são invariáveis, conclui-se que é zero o trabalho virtual das
forças responsáveis pela rigidez do corpo.
Exemplo 1.3.3 (Corpo rı́gido rolando sem deslizar sobre uma superfı́cie). De modo geral,
para que não haja deslizamento é preciso que exista uma força de atrito entre o corpo e a
superfı́cie, isto é, as superfı́cies em contato devem ser ásperas. Mas, ao rolar sem deslizar, em
cada instante as partı́culas do corpo giram em torno de um eixo que passa pelo ponto de contato
do corpo com a superfı́cie. Assim, a força de atrito atua sobre um ponto do corpo que em
cada instante possui velocidade nula, pois encontra-se sobre o eixo instantâneo de rotação. Uma
vez que qualquer deslocamento virtual do corpo não pode mover o seu ponto de contato com a
superfı́cie, senão haveria deslizamento com a conseqüente violação do vı́nculo, o trabalho virtual
da força de vı́nculo é δWv = f · δr = 0 porque δr = 0, muito embora f 6= 0.
A análise anterior torna patente que numa ampla gama de situações fisicamente rele-
1.4. PRINCı́PIO DE D’ALEMBERT 21
vantes o trabalho virtual total das forças de vı́nculo é nulo. A situação em que há forças de
atrito de deslizamento constitui uma exceção. Neste caso a força de vı́nculo possui compo-
nente na mesma direção do deslocamento virtual e o trabalho virtual por ela realizado não
é zero. Por serem de escasso interesse para o desenvolvimento das formulações gerais da
mecânica, especialmente sob a óptica da fı́sica contemporânea, tais casos serão excluı́dos
de nossas considerações. De agora em diante vamos nos limitar, sem perda significativa
de generalidade, à consideração de problemas nos quais o trabalho virtual total das forças
de vı́nculo é nulo.
mi r̈i = Fi , i = 1, . . . , N , (1.4.1)
onde Fi é a força total ou resultante sobre a i-ésima partı́cula, supostamente uma função
conhecida das posições, velocidades e tempo. Este sistema de equações diferenciais deter-
mina uma única solução para os ri (t) uma vez especificadas todas as posições e velocidades
num dado instante inicial.
Quando há vı́nculos em ação, saltam aos olhos os inconvenientes da formulação new-
toniana. Em primeiro lugar, ela geralmente requer o uso de mais coordenadas do que o
necessário para especificar a configuração do sistema em cada instante. Quando há vı́nculos
holônomos, por exemplo, as posições r1 , . . . , rN não são independentes entre si, tornando a
formulação newtoniana antieconômica ao exigir o emprego de variáveis redundantes. Além
disso, a força total sobre a i-ésima partı́cula admite a decomposição
(a)
Fi = Fi + fi , (1.4.2)
(a)
onde Fi é a força aplicada e fi é a força de vı́nculo. No caso do pêndulo duplo do Exemplo
(a) (a)
1.2.4 , F1 e F2 são os pesos das partı́culas, ao passo que f1 e f2 são determinadas pelas
tensões nos fios. A dificuldade, aqui, reside em desconhecer-se a priori as expressões
das forças de vı́nculo como funções das posições e velocidades, pois o que se conhece, na
verdade, são os efeitos produzidos pelas forças de vı́nculo. Pode-se argumentar, ainda,
que as forças aplicadas é que são as verdadeiras causas do movimento, as forças de vı́nculo
22 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
Por todos esses motivos, seria desejável obter uma formulação da mecânica clássica
que fosse a mais parcimoniosa possı́vel, a saber, envolvesse somente forças aplicadas e
empregasse apenas coordenadas mutuamente independentes. Veremos que tal objetivo é
alcançado pelo formalismo lagrangiano quando todos os vı́nculos são holônomos. Como
passo intermediário para chegar à formulação de Lagrange, iremos discutir o chamado
princı́pio de d’Alembert, que constitui um método de escrever as equações de movimento
exclusivamente em termos das forças aplicadas, e para cuja dedução será explorado o fato
de que o trabalho virtual das forças de vı́nculo é nulo.
X
Fi · δri = 0 . (1.4.3)
i
X (a) X
Fi · δri + fi · δri = 0 . (1.4.4)
i i
X (a)
Fi · δri = 0 . (1.4.5)
i
Estamos interessados na dinâmica, que pode ser formalmente reduzida à estática es-
crevendo a segunda lei de Newton na forma Fi − ṗi = 0, com pi = mi ṙi . Segundo a
interpretação de d’Alembert, cada partı́cula do sistema encontra-se em “equilı́brio” sob
9
Ilustrações do seu emprego em casos interessantes encontram-se em Sommerfeld (1952) e Synge &
Griffith (1959).
1.4. PRINCı́PIO DE D’ALEMBERT 23
uma força resultante que é a soma da força real com uma “força efetiva invertida” igual
a −ṗi . Esta força adicional fictı́cia é uma força de inércia existente no referencial que
acompanha o movimento da partı́cula, isto é, no qual ela permanece em repouso (Lanczos
1970; Sommerfeld 1952). Interpretações à parte, o fato é que agora, em lugar de (1.4.3),
a equação
X
(ṗi − Fi ) · δri = 0 (1.4.6)
i
é obviamente verdadeira quaisquer que sejam os deslocamentos virtuais δri . Usando no-
vamente a decomposição (1.4.2) e admitindo a nulidade do trabalho virtual das forças de
vı́nculo, resulta o chamado princı́pio de d’Alembert:
X (a)
(ṗi − Fi ) · δri = 0 . (1.4.7)
i
Este princı́pio representa uma extensão do princı́pio dos trabalhos virtuais a sistemas
mecânicos em movimento. No caso de sistemas vinculados, o princı́pio de d’Alembert cons-
titui um avanço relativamente à formulação newtoniana porque exclui qualquer referência
às forças de vı́nculo. Em suas aplicações concretas, no entanto, é preciso levar em conta
que os deslocamentos virtuais δri não são independentes, pois têm que estar em harmonia
com os vı́nculos.
Exemplo 1.4.1 (Máquina de Atwood). A roldana da Figura 1.4.1 é suposta sem massa e
sem atrito com o eixo. Com o sistema cartesiano indicado na figura, temos r1 = x1 î, r2 = x2 î e
o vı́nculo holônomo escreve-se
24 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
x1 + x2 = l ,
Em outras palavras, se uma das massas sobe a outra desce a mesma distância, e vice-versa. Em
virtude destas últimas equações, temos δr1 = δx1 î e δr2 = δx2 î = −δx1 î = −δr1 . Notando,
ainda, que ẍ2 = −ẍ1 e levando todos estes resultados no princı́pio de d’Alembert, encontra-se
(a) (a)
m1 r̈1 · δr1 + m2 r̈2 · δr2 = F1 · δr1 + F2 · δr2 = m1 g î · δr1 + m2 g î · δr2 ,
ou
m1 − m2
ẍ1 = g ,
m1 + m2
que coincide com o resultado obtido pelo tratamento newtoniano elementar. A aceleração de m2
é simplesmente ẍ2 = −ẍ1 .
Exemplo 1.5.1 (Pêndulo duplo plano). Reconsiderando o Exemplo 1.2.4, uma escolha
possı́vel de coordenadas generalizadas é q1 = θ1 , q2 = θ2 (vide Figura 1.2.1). Temos, então,
Note que os valores de θ1 e θ2 especificam univocamente as posições das partı́culas, isto é, a
configuração do sistema. Em termos de θ1 e θ2 as equações de vı́nculo (1.2.6) reduzem-se às
identidades l12 sen2 θ1 + l12 cos2 θ1 − l12 = 0 e l22 sen2 θ2 + l22 cos2 θ2 − l22 = 0 .
ri = ri (q1 , . . . , qn , t) , i = 1, . . . , N , (1.5.2)
Cada conjunto de valores atribuı́dos às coordenadas generalizadas define uma con-
figuração do sistema, isto é, as posições de todas as partı́culas num dado instante. O espaço
cartesiano que tem as coordenadas generalizadas como eixos coordenados é chamado de
espaço de configuração do sistema. A representação do espaço de configuração como um
espaço cartesiano é apenas simbólica, no entanto. Por exemplo, no caso de uma partı́cula
restrita à superfı́cie de uma esfera e descrita pelas coordenadas esféricas angulares (θ, ϕ) ,
uma única configuração corresponde à infinidade de pontos θ = π/2 com ϕ arbitrário.
A rigor, o espaço de configuração possui a estrutura matemática de uma variedade difer-
enciável, daı́ ser também chamado de variedade de configuração. Diz-se, ainda, que um
sistema mecânico holônomo tem tantos graus de liberdade quantas sejam as coordenadas
generalizadas necessárias e suficientes para especificar a sua configuração em cada instante.
n
X ∂ri
δri = δqk , (1.5.3)
k=1 ∂qk
X XX ∂ri X
Fi · δri = Fi · δqk ≡ Qk δqk , (1.5.5)
i i k ∂qk k
onde
X ∂ri
Qk = Fi · (1.5.6)
i ∂qk
é, por definição, a k-ésima componente da força generalizada. Como os q ’s não têm
necessariamente dimensão de comprimento, os Q ’s não têm necessariamente dimensão de
força. Mas cada termo Qk δqk tem sempre dimensão de trabalho.
X X X ∂ri
ṗi · δri = mi v̇i · δri = mi v̇i · δqk . (1.5.7)
i i i,k ∂qk
( )
X ∂ri X d ∂ri d ∂ri
mi v̇i · = mi vi · − mi vi · . (1.5.8)
i ∂qk i dt ∂qk dt ∂qk
!
d ∂ri X ∂ ∂ri ∂ ∂ri ∂ X ∂ri ∂ri ∂vi
= q̇l + = q̇l + = , (1.5.9)
dt ∂qk l ∂ql ∂qk ∂t ∂qk ∂qk l ∂ql ∂t ∂qk
onde utilizamos (1.5.4) e passamos a tratar os q’s e q̇’s como grandezas independentes,
de modo que as derivadas parciais em relação aos q’s tratam os q̇’s como constantes e
vice-versa. Além disso, de (1.5.4) deduz-de imediatamente
∂vi ∂ri
= , (1.5.10)
∂ q̇k ∂qk
X d h ∂ 1 i ∂ 1 d ∂T ∂T
= ( mi vi2 ) − ( mi vi2 ) = − , (1.5.11)
i dt ∂ q̇k 2 ∂qk 2 dt ∂ q̇k ∂qk
onde
1X
T = mi vi2 (1.5.12)
2 i
Xn d ∂T ∂T o
− − Qk δqk = 0 . (1.5.13)
k dt ∂ q̇k ∂qk
Como os δq’s são mutuamente independentes e arbitrários, esta última igualdade só pode
ser satisfeita se o coeficiente de cada δqk for zero. Inferimos, assim, as n equações
d ∂T ∂T
− = Qk , k = 1, . . . , n , (1.5.14)
dt ∂ q̇k ∂qk
∂r
Q1 ≡ Qx = F · = F · î = Fx , Q2 = Fy , Q3 = Fz .
∂x
A energia cinética é
1.5. COORDENADAS GENERALIZADAS E EQUAÇÕES DE LAGRANGE 29
m 2
T = (ẋ + ẏ 2 + ż 2 ) ,
2
donde:
∂T ∂T ∂T ∂T ∂T ∂T
= mẋ , = mẏ , = mż , = = =0.
∂ ẋ ∂ ẏ ∂ ż ∂x ∂y ∂z
d d d
(mẋ) = Fx , (mẏ) = Fy , (mż) = Fz ,
dt dt dt
∂r
Q1 ≡ Qr = F · = F · (cos θ î + sen θ ĵ) = F · êr = Fr ,
∂r
∂r
Q2 ≡ Qθ = F · = rF · (− sen θ î + cos θ ĵ) = rF · êθ = rFθ ,
∂θ
onde êr = cos θ î+ sen θ ĵ e êθ = − sen θ î+cos θ ĵ são os unitários radial e angular representados
na Figura 1.5.1. Usando
30 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
m 2 m
T = (ẋ + ẏ 2 ) = (ṙ2 + r2 θ̇2 ) .
2 2
d ∂T ∂T
− = Qr =⇒ mr̈ − mrθ̇2 = Fr ,
dt ∂ ṙ ∂r
d ∂T ∂T d
− = Qθ =⇒ (mr2 θ̇) = rFθ .
dt ∂ θ̇ ∂θ dt
∂V ∂V ∂V
Fi = −∇i V = − î + ĵ + k̂ (1.5.16)
∂xi ∂yi ∂zi
onde usamos a regra da cadeia da diferenciação. Com o emprego das Eqs.(1.5.2) o potencial
V exprime-se como função exclusivamente dos q’s, sendo independente das velocidades
generalizadas. Inserindo (1.5.17) em (1.5.14) resulta
1.5. COORDENADAS GENERALIZADAS E EQUAÇÕES DE LAGRANGE 31
d ∂T ∂
− (T − V ) = 0 . (1.5.18)
dt ∂ q̇k ∂qk
" #
d ∂ ∂
(T − V ) − (T − V ) = 0 . (1.5.19)
dt ∂ q̇k ∂qk
L=T −V , (1.5.20)
d ∂L ∂L
− =0 , k = 1, . . . , n . (1.5.21)
dt ∂ q̇k ∂qk
Daqui por diante sempre nos referiremos às Eqs.(1.5.21) como equações de Lagrange.11
Embora a invariância das equações de Lagrange sob uma transformação geral de co-
ordenadas seja evidente da dedução feita acima, uma demonstração direta é instrutiva.
11
Nascido na Itália de uma famı́lia de origem francesa pelo lado paterno, Joseph Louis Lagrange foi um
dos maiores matemáticos de sua época. As equações de Lagrange vieram a lume em 1788 no seu grande
livro Mécanique Analytique, no qual o tratamento adotado era puramente analı́tico. No prefácio Lagrange
dizia, com orgulho, que sua obra não continha nenhum diagrama.
32 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
Se Q1 , . . . , Qn são novas cordenadas generalizadas que são funções arbitrárias das coor-
denadas generalizadas originais q1 , . . . , qn , temos12
Qk = Gk (q1 , . . . , qn , t) , k = 1, . . . , n (1.5.22)
e, inversamente,
qk = gk (Q1 , . . . , Qn , t) , k = 1, . . . , n . (1.5.23)
n
X ∂qk ∂qk
q̇k = Q̇l + , (1.5.24)
l=1 ∂Ql ∂t
donde
∂ q̇k ∂qk
= . (1.5.25)
∂ Q̇l ∂Ql
!
∂ L̄ X ∂L ∂qk ∂L ∂ q̇k X ∂L ∂qk
= + = , (1.5.27)
∂ Q̇i k ∂qk ∂ Q̇i ∂ q̇k ∂ Q̇i k ∂ q̇k ∂Qi
donde
12
Apesar da notação coincidente, estes Q’s não devem ser confundidos com as componentes da força
generalizada.
1.6. APLICAÇÕES DAS EQUAÇÕES DE LAGRANGE 33
! " # " #
d ∂ L̄ X d ∂L ∂qk ∂L d ∂qk X d ∂L ∂qk ∂L ∂ q̇k
= + = + , (1.5.28)
dt ∂ Q̇i k dt ∂ q̇k ∂Qi ∂ q̇k dt ∂Qi k dt ∂ q̇k ∂Qi ∂ q̇k ∂Qi
!
∂ L̄ X ∂L ∂qk ∂L ∂ q̇k
= + (1.5.29)
∂Qi k ∂qk ∂Qi ∂ q̇k ∂Qi
resulta
! " #
d ∂ L̄ ∂ L̄ X d ∂L ∂L ∂qk
− = − =0 , (1.5.30)
dt ∂ Q̇i ∂Qi k dt ∂ q̇k ∂qk ∂Qi
Vale ressaltar que, embora possa ser expressa em termos de coordenadas generalizadas
arbitrárias, a lagrangiana L = T − V tem que ser escrita inicialmente em termos de
coordenadas e velocidades relativas a um referencial inercial.
O procedimento que deve ser seguido para se escrever as equações de Lagrange associ-
adas a um dado sistema mecânico é simples. Em primeiro lugar precisam ser escolhidas co-
ordenadas generalizadas q1 , . . . , qn . Em seguida, as energias cinética e potencial devem ser
expressas em termos dos q’s e q̇’s apenas, de tal modo que a lagrangiana L = T −V também
fique expressa somente em função das coordenadas e velocidades generalizadas. Basta, fi-
nalmente, calcular as derivadas parciais pertinentes de L, introduzi-las nas Eqs.(1.5.20), e
está concluı́do o processo de construção das equações de movimento do sistema. Conside-
remos algumas ilustrações desse procedimento.
m1 2 m2 2 m1 + m2 2
T = ẋ + ẋ = ẋ1 ,
2 1 2 2 2
pois pontos situados abaixo do nı́vel zero têm potencial gravitacional negativo. A lagrangiana é
dada por
m1 + m2 2
L= ẋ1 + (m1 − m2 )gx1 + m2 gl
2
d ∂L ∂L
− = 0 =⇒ (m1 + m2 )ẍ1 = (m1 − m2 )g .
dt ∂ ẋ1 ∂x1
Exemplo 1.6.2 (Conta deslizando ao longo de uma haste retilı́nea lisa que gira com veloci-
dade angular constante num plano horizontal). Seja xy o plano horizontal que contém a haste e
usemos coordenadas polares para localizar a conta de massa m (ver Figura 1.6.1). As variáveis
r, θ não podem ser tomadas como coordenadas generalizadas porque θ é forçado a obedecer à
restrição θ − ωt = 0, que é um vı́nculo holônomo da forma (1.2.7), onde ω é a velocidade an-
gular constante da haste, suposta conhecida. O sistema possui somente um grau de liberdade
1.7. FORÇAS DE Vı́NCULO NO CASO HOLÔNOMO 35
m 2 m
T = (ṙ + r2 θ̇2 ) = (ṙ2 + ω 2 r2 ) ,
2 2
m 2
L=T −V = (ṙ + ω 2 r2 ) .
2
d ∂L ∂L d
− = 0 =⇒ (mṙ) − mω 2 r = 0 =⇒ r̈ = ω 2 r .
dt ∂ ṙ ∂r dt
Conclui-se que a conta tende a afastar-se do eixo de rotação em conseqüência da “força centrı́fuga”,
que é o resultado bem conhecido.
(a)
fi = mi r̈i − Fi , (1.7.1)
onde voltamos a utilizar o superescrito para identificar as forças aplicadas. Estas últimas
são conhecidas por hipótese, bastando obter as acelerações r̈i para determinar fi . No
36 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
caso holônomo as forças de vı́nculo podem ser encontradas através da seguinte receita: (i)
calcule as acelerações r̈i tomando a segunda derivada temporal das Eqs.(1.5.2) e elimine as
acelerações generalizadas q̈k apelando para as equações de Lagrange (1.5.21); (ii) calcule
as forças aplicadas por intermédio da Eq.(1.5.16); (iii) leve os resultados dos dois passos
anteriores em (1.7.1) para obter as forças de vı́nculo.
m1 − m2
r̈1 = ẍ1 î = g î ,
m1 + m2
onde a equação de Lagrange do Exemplo 1.6.1 foi usada para exprimir ẍ1 . Como segundo passo,
(a)
escrevemos F1 = m1 g î (peso da partı́cula de massa m1 ). Finalmente, levando estes resultados
em (1.7.1) vem
2m1 m2
f1 = m1 r̈1 − m1 g î = − g î ,
m1 + m2
o sinal negativo indicando que a tensão no fio aponta verticalmente para cima.
Exercı́cio 1.7.1. Repita o procedimento anterior para a mass m2 e mostre que a força
que o fio exerce sobre ela é a mesma que exerce sobre a massa m1 .
Exemplo 1.7.2 (Força de vı́nculo sobre a conta do Exemplo 1.6.2). (a) Componentes
cartesianas. Temos r̈ = ẍî + ÿ ĵ onde
d2
ẍ = (r cos ωt) = r̈ cos ωt − 2ω ṙ sen ωt − ω 2 r cos ωt ,
dt2
d2
ÿ = (r sen ωt) = r̈ sen ωt + 2ω ṙ cos ωt − ω 2 r sen ωt .
dt2
(b) Componentes polares. Segundo a última equação acima, as componentes polares de f são
o produto da massa pelas componentes correspondentes da aceleração da conta. Mas, pelas
Eqs.(1.5.15),
fr = 0 , fθ = 2mω ṙ .
Exemplo 1.7.3. Uma partı́cula, partindo do repouso, cai do topo de um aro vertical liso
fixo. Em que ponto a partı́cula abandona o aro?
Solução. Com o uso das coordenadas r e θ da Figura 1.7.1, vemos que o vı́nculo r = R
é satisfeito durante a fase do movimento em que a partı́cula permanece em contato com o aro.
38 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
O sistema tem um único grau de liberdade e podemos tomar θ como coordenada generalizada.
Recorrendo ao Exemplo 1.6.2, a energia cinética assume a forma
m 2 mR2 2
T = (ṙ + r2 θ̇2 ) = θ̇ ,
2 2
mR2 2
L= θ̇ − mgR cos θ .
2
onde usamos î · êr = cos θ e ĵ · êθ = − sen θ . Devido ao vı́nculo r = R e à equação de Lagrange
para θ, estas últimas equações reduzem-se a
fr = −mRθ̇2 + mg cos θ , fθ = 0 ,
mostrando que a força de reação é perpendicular ao aro. A partı́cula perde o contato com o aro
no instante em que fr = 0. Para descobrir para que valor de θ isto acontece, precisamos exprimir
θ̇ em termos de θ, o que pode ser conseguido pela conservação da energia:
mR2 2
E =T +V = θ̇ + mgR cos θ = mgR ,
2
de modo que
fr = mg(3 cos θ − 2) .
A metodologia aqui descrita para a determinação das forças de vı́nculo só é aplicável
se todos os vı́nculos forem holônomos e envolve uma mistura deselegante dos formalismos
de Lagrange e Newton. É possı́vel, permanecendo inteiramente no contexto do formalismo
lagrangiano, no caso holônomo e para uma classe importante de vı́nculos não-holônomos,
obter as forças de vı́nculo pelo método dos multiplicadores de Lagrange, a ser discutido
no próximo capı́tulo.
Quando as forças generalizadas resultam de uma função U (q1 , . . . , qn , q̇1 , . . . , q̇n , t) por
meio das expressões
∂U d ∂U
Qk = − + , (1.8.1)
∂qk dt ∂ q̇k
L=T −U . (1.8.2)
A força experimentada por uma carga elétrica e em movimento num campo eletro-
magnético externo é a força de Lorentz (em unidades CGS gaussianas)
40 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
v
F = e(E + × B) . (1.8.3)
c
1 ∂A
E = −∇φ − , B=∇×A . (1.8.4)
c ∂t
1 ∂A 1
F = e −∇φ − + v × (∇ × A) . (1.8.5)
c ∂t c
Pretendemos mostrar que F pode ser representada na forma (1.8.1) para alguma função
U . Mas em (1.8.1) aparece uma derivada total em relação ao tempo, ao passo que em
(1.8.5) a derivada é parcial. Podemos introduzir uma derivada total em (1.8.5) notando
que
dA ∂A ∂A ∂A ∂A ∂A
= ẋ + ẏ + ż + = v.∇ A + . (1.8.6)
dt ∂x ∂y ∂z ∂t ∂t
Usando ainda
1 dA 1
F = e −∇φ − + ∇(v.A) . (1.8.8)
c dt c
Com o uso do operador ∇v = î∂/∂ ẋ+ĵ∂/∂ ẏ+k̂∂/∂ ż e levando em conta que as coordenadas
e velocidades generalizadas são tratadas como quantidades independentes, ficamos com
13
Em geral vale a identidade ∇(a · b) = (a · ∇)b + (b · ∇)a + a × (∇ × b) + b × (∇ × a) .
1.8. POTENCIAIS GENERALIZADOS E FUNÇÃO DE DISSIPAÇÃO 41
n 1 o e dA e dh e i
F = e −∇(φ − v.A) − = −∇(eφ − v.A) + ∇v (eφ − v.A) , (1.8.9)
c c dt c dt c
e
U = eφ − v.A , (1.8.10)
c
de modo que
mv 2 e
L=T −U = − eφ + v.A (1.8.11)
2 c
∂U d ∂U
Qk = − + + Q0k , (1.8.12)
∂qk dt ∂ q̇k
onde Q0k denota a parte das forças generalizadas que não provém de nenhum potencial
generalizado, as equações de movimento (1.5.13) tornam-se
d ∂L ∂L
− = Q0k , (1.8.13)
dt ∂ q̇k ∂qk
0
Fix = −kix vix , Fiy0 = −kiy viy , Fiz0 = −kiz viz , (1.8.14)
onde F0i é a força dissipativa sobre a i-ésima partı́cula e kix , kiy , kiz são constantes pos-
itivas. Para facilitar um tratamento mais geral de tais situações, Rayleigh introduziu a
chamada função de dissipação definida por
1X 2 2 2
F= (kix vix + kiy viy + kiz viz ) , (1.8.15)
2 i
42 CAPı́TULO 1. DINÂMICA LAGRANGIANA
0 ∂F ∂F ∂F
Fix =− , Fiy0 = − , Fiz0 = − . (1.8.16)
∂vix ∂viy ∂viz
dW 0
dW 0 = F0i · dri = F0i · vi dt =⇒ 2 2 2
X X X
= − (kix vix + kiy viy + kiz viz ) = −2F ,
i i dt i
onde usamos (1.5.10) e a regra da cadeia da diferenciação. Com este último resultado, as
equações de movimento (1.8.13) transformam-se em
d ∂L ∂L ∂F
− + =0 . (1.8.17)
dt ∂ q̇k ∂qk ∂ q̇k
m`2 2
L= θ̇ + mg` cos θ .
2
1 1
F = kv 2 = k`2 θ̇2 ,
2 2
1.8. POTENCIAIS GENERALIZADOS E FUNÇÃO DE DISSIPAÇÃO 43
k g
θ̈ + θ̇ + sen θ = 0 .
m `
PROBLEMAS
1.1. Uma conta de massa m desliza sem atrito ao longo de uma haste rı́gida, de massa
desprezı́vel, que gira num plano vertical com velocidade angular constante ω. Mostre que,
com uma escolha adequada da coordenada r, a lagrangiana do sistema é
m 2 mω 2 2
L= ṙ + r − mgr sen ωt .
2 2
1.2. Mostre que a lagrangiana para o pêndulo duplo plano representado na Fig. 1.2.1 é
m1 + m2 2 2 m2 2 2
L= l1 θ̇1 + l θ̇ + m2 l1 l2 θ̇1 θ̇2 cos(θ1 − θ2 ) + (m1 + m2 )gl1 cos θ1 + m2 gl2 cos θ2
2 2 2 2
1.3. Obtenha a lagrangiana e as equações de Lagrange para um pêndulo esférico, isto é,
uma massa m suspensa por um fio leve e inextensı́vel de comprimento ` cujo movimento
não está restrito a um plano.
1.4. O pêndulo cicloidal de Huyghens consiste numa partı́cula oscilando num plano
vertical ao longo de um arco de ciclóide com equações paramétricas
x = R θ + R sen θ , y = −R cos θ .
θ 2
L = 2mR2 cos2 θ̇ + mgR cos θ .
2
m+M 2 m 2 2
L= ṙ + r θ̇ − gr(M − m cos θ)
2 2
1.6. Uma partı́cula cai verticalmente sob a ação da gravidade. Supondo que a força
de resistência do ar seja proporcional à velocidade, obtenha a equação de movimento da
partı́cula com a ajuda da função de dissipação F = λv 2 /2. Determine a velocidade como
função do tempo e prove que a maior velocidade possı́vel para queda a partir do repouso
é v = mg/λ.
1.7. Certos sistemas dissipativos simples admitem uma formulação lagrangiana que dis-
pensa o emprego da função de dissipação de Rayleigh. Mostre que a equação de movimento
do problema anterior pode ser obtida da lagrangiana
!
λt m 2
L=e ẋ − mgx .
2
ee0 ṙ2
( )
rr̈
F = 2 1+ 2 − 2 ,
r c 2c
1.10. Um pêndulo elástico consiste numa massa m capaz de oscilar num plano vertical
suspensa por uma mola de constante elástica k e comprimento natural `. Escolhendo
coordenadas generalizadas convenientes, obtenha a lagrangiana e as equações de Lagrange.
1.12. Considere o sistema representado na Fig. 1.8.4. O bloco de massa m desliza sem
atrito ao longo da cunha de massa M e ângulo α. A cunha, por sua vez, desliza sem
atrito ao longo de uma superfı́cie horizontal.(i) Escolhendo coordenadas generalizadas con-
venientes, obtenha a lagrangiana e as equações de movimento do sistema. (ii) Determine a
aceleração da cunha relativamente ao sistema de referência inercial (x, y). (iii) Determine
a aceleração do bloco em relação à cunha.
1.13. Uma partı́cula num campo gravitacional uniforme g = −g k̂ está restrita a mover-
se na superfı́cie de um parabolóide de revolução definido pela equação z = ρ2 /R, onde R
é uma constante positiva e (ρ, θ, z) são coordenadas cilı́ndricas. Obtenha a lagrangiana e
as equações de Lagrange. Prove que a projeção do raio vetor da partı́cula sobre o plano
xy varre áreas iguais em tempos iguais. Determine a força de vı́nculo que age sobre a
partı́cula.
m 2 mω 2 2
!
L = eλt ẋ − x
2 2
48 CAPÍTULO 1: PROBLEMAS
m 2 eg
L= (ṙ + r2 θ̇2 + r2 ϕ̇2 sen2 θ) − ϕ̇ cos θ
2 c