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Prólogo

A teoria da função de variável complexa teve um desenvolvimento extraor-


dinário no século XIX com Cauchy (1789–1857) e, posteriormente, com Dirichlet
(1805–1859), Weierstrass (1815–1897) e Riemann (1826–1866). Wessel (1745–
–1818), Argand (1768–1822), que sugeriu o uso dos pontos do plano para repre-
sentar os complexos, Gauss (1777–1855), Hamilton (1805–1865), entre outros,
ajudaram a clarificar o significado destes entes, que tiveram uma das mais longas
gestações da história da Matemática. No inı́cio do Capı́tulo 1, lembramos alguns
dos acontecimentos relevantes que estiveram na génese do conceito.

Os números complexos estão entre as mais belas, perenes e fecundas ideias


de todo o pensamento matemático. Pura criação do espı́rito, os imaginários im-
pregnam a estrutura profunda da realidade. São indispensáveis para a descrição
matemática do universo, tanto a nı́vel cósmico como a nı́vel subatómico. A função
de onda que descreve a realidade subatómica, função das coordenadas das partı́culas
constitutivas do corpo e do tempo, é uma função complexa. Recentemente, fo-
ram utilizadas em óptica quântica funções complexas. A Análise Complexa tem
inúmeras aplicações, nomeadamente em Dinâmica dos Fluidos, na Teoria da Con-
dução do Calor, na Fı́sica Quântica e em diferentes áreas da Matemática, como
Topologia Algébrica ou Teoria dos Números. A sua importância nos curricula de
Matemática, Fı́sica e Engenharia é indiscutı́vel, podendo considerar-se como uma
porta principal de entrada do edifı́cio matemático.

Na sequência dos cursos propedêuticos de Cálculo Infinitesimal (real), a


Análise Complexa proporciona uma oportunidade ideal para aprofundamento de
princı́pios básicos do estudo das funções (continuidade, diferenciabilidade, integra-
bilidade, representação em série), e introdução de novas modalidades de raciocı́nio
geométrico, algébrico e topológico.

i
ii PRÓLOGO

Enquanto que a álgebra dos complexos teve um longo e acidentado trajecto


marcado por disputas filosóficas em redor do conceito de número complexo, o
cálculo nasceu e afirmou-se em escassas décadas. A teoria dos limites, a diferen-
ciação, as sucessões e séries complexas estendem-se com extrema simplicidade a
partir da Análise Real. Já o cálculo integral apresenta notáveis especificidades. No
campo complexo, tanto a diferenciação como a integração adquirem nova profundi-
dade e significado, tornando-se, todavia, o domı́nio de aplicabilidade mais restrito
que nos reais, já que apenas as funções analı́ticas ou holomorfas são ”verdadeiras
funções”, entenda-se funções integráveis e diferenciáveis.

Este livro reúne conteúdos tradicionalmente cobertos num curso introdutório


da teoria das funções de uma variável complexa. Apenas pressupõe que o leitor
possua conhecimentos de Análise Real, dispensando qualquer familiaridade com a
variável complexa.

É possı́vel desenvolver a teoria das funções holomorfas usando diferentes


perspectivas, nomeadamente, segundo a matriz de Cauchy, Weierstrass ou
Riemann. Construir a teoria a partir das séries de potências à Weierstrass, definindo
uma função holomorfa num subconjunto aberto do plano, como sendo aquela que
em cada ponto desse aberto tem um desenvolvimento em série de potências, é uma
via de grande homogeneidade metódica, usada na definição de analiticidade de uma
função com várias variáveis complexas. Contudo, essa homogeneidade metódica
obriga a tecnicismos e abstracção que dispersam do objectivo de atingir de modo
expedito o âmago das potencialidades da doutrina. Adoptamos a abordagem à
Cauchy, definindo uma função holomorfa num subconjunto aberto como sendo
aquela que tem derivada em cada um dos seus pontos.

A maturidade matemática conquista-se com a prática da arte da demonstração.


O famoso Teorema de Cauchy e a sua demonstração, tecnicamente árdua, situam-
-se no cerne da teoria. Na formação matemática, a análise das provas tem um valor
essencial, revelando o alcance e a limitação dos métodos e propiciando o ensaio de
diferentes técnicas. Tendo como objectivo prioritário atingir prontamente o núcleo
da teoria, apresentamos versões locais do Teorema, informando desde logo o leitor
sobre as generalizações, que culminam no Capı́tulo 9. Assim se acautela o risco
de os aspectos essenciais serem dominados por complicações de natureza técnica
inerentes à busca de generalidade.

A demonstração original do Teorema de Cauchy (versão fraca) impõe a con-


dição adicional de continuidade da derivada da função integranda sobre e no interior
de uma curva simples fechada. Depois da demonstração desta versão usando o Teo-
PRÓLOGO iii

rema de Green, apresentamos a versão do Teorema de Cauchy para triângulos, com


demonstração pelo método da bissecção de Goursat, seguida da versão para regiões
convexas. Estas versões (locais) são suficientes para o desenvolvimento dos vários
tópicos da Teoria das Funções Holomorfas subsequentemente focados. Só poste-
riormente expomos a versão (homológica) do Teorema de Cauchy para sistemas de
curvas (cuja soma dos ı́ndices em relação a pontos fora da região de analiticidade
é zero). Apresentamos a famosa demonstração de Dixon (1971), que motivou uma
renovação nos manuais tradicionais de Análise Complexa, utiliza o conceito de
ı́ndice e baseia-se numa ideia de Artin remontante aos anos quarenta do século XX.
Outras demonstrações deste importante Teorema frequentes na literatura recorrem
ao conceito de homotopia. Julgamos que estas têm o seu lugar próprio em trata-
mentos da Análise Complexa mais próximos da Topologia Algébrica, com desen-
volvimento dos conceitos de prolongamento analı́tico, de superfı́cie de Riemann,
etc. É claro que cursos mais motivados pelos aspectos topológicos tratarão este
ponto de modo substancialmente diferente.

Na escrita deste texto, tivemos como objectivo primordial fornecer ao leitor


os princı́pios fundamentais da Análise Complexa, mostrando a sua beleza e alcance
com ilustrações, exemplos, aplicações e exercı́cios. Introduzimos os diferentes te-
mas num estilo simples e informal, sem jamais descurar o rigor. Todos os capı́tulos
terminam com um Laboratório de Mathematica que tira partido da visualização dos
aspectos geométricos dos complexos, facultando ao leitor momentos de interacti-
vidade cruciais para o seu domı́nio. Os Laboratórios e sugestões de resolução dos
exercı́cios encontram-se na página:
http://www.mat.uc.pt/~bebiano/:
Observamos que os termos ”função” e ”transformação” são utilizados indiferen-
temente ao longo do texto, não se estabelecendo entre eles uma nı́tida distinção.
Contudo, realçamos que geralmente usamos ”transformação” quando há implı́cita
uma ideia de movimento.

A Matemática é uma das mais notáveis criações da inteligência humana. É


uma busca interminável que se estende desde os alvores do tempo até aos nos-
sos dias. O célebre matemático Wiles - que resolveu um mistério matemático de
séculos, o último Teorema de Fermat - diz que atacar um problema é ”como en-
trar numa mansão às escuras. Entramos numa sala e tropeçamos durante meses
na mobı́lia. Lentamente, ficamos a saber onde estão todas as peças do mobiliário
e procuramos o interruptor da luz. Acendemos a luz e a sala fica toda iluminada.
Então passamos à sala seguinte e repetimos o processo”. Esperamos que este li-
vro constitua um guia válido no caminho da aprendizagem, certos de que, mesmo
iv PRÓLOGO

tropeçando muitas vezes ”na mobı́lia”, com perseverança encontrará o ”interruptor


da luz”.

Coimbra, Outubro de 2006


Índice

Prólogo i

1 Números Complexos 1
1.1 As origens dos números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 As origens da Análise Complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.3 O corpo dos números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.4 Representação algébrica dos complexos . . . . . . . . . . . . . . 11
1.5 Desigualdades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.6 Raı́zes quadradas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.7 Representação geométrica dos complexos . . . . . . . . . . . . . 19
1.8 Operações vectoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.9 O espaço métrico dos complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.10 O infinito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
1.11 Exercı́cios propostos (1.1–1.32) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
1.12 Laboratório 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

2 Funções Complexas 59
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
2.2 Limites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
2.3 Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
2.4 Continuidade uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
2.5 Caminhos em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
2.6 Conjuntos conexos por arcos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
2.7 Exercı́cios propostos (2.1–2.11) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
2.8 Laboratório 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

v
vi ÍNDICE

3 Diferenciação no Campo Complexo 97


3.1 A derivada complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
3.2 Condições de Cauchy-Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
3.3 Funções analı́ticas ou holomorfas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
3.4 Derivadas de Wirtinger . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
3.5 Funções harmónicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
3.6 Exercı́cios propostos (3.1–3.16) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
3.7 Laboratório 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

4 Sucessões e Séries Complexas 123


4.1 Sucessões de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
4.2 Séries de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
4.3 Convergência uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
4.4 Séries de potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136
4.5 A função exponencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
4.6 O conjunto de Julia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
4.7 O conjunto de Mandelbrot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
4.8 Exercı́cios propostos (4.1–4.18) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
4.9 Laboratório 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155

5 Funções Elementares 165


5.1 Novos desenvolvimentos sobre a função exponencial . . . . . . . 165
5.2 As funções trigonométricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
5.3 As funções hiperbólicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170
5.4 A função logaritmo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
5.5 Funções trigonométricas inversas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
5.6 Potências de expoente complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178
5.7 A função n-ésima raiz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
5.8 Geometria das funções elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
5.9 Exercı́cios propostos (5.1–5.19) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
5.10 Laboratório 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187

6 Transformações Conformes 197


6.1 Transformações de Möbius . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
6.2 A propriedade de grupo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200
6.3 Razão cruzada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202
6.4 Relação com a teoria da relatividade de Einstein . . . . . . . . . . 204
6.5 Inversão geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
6.6 Teorema de Ptolemeu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212
6.7 Conformidade e holomorfia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214
ÍNDICE vii

6.8 Teoria do potencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227


6.9 Exercı́cios propostos (6.1–6.21) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 234
6.10 Laboratório 6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241

7 Integração no Campo Complexo 247


7.1 Integral de uma função complexa de variável real . . . . . . . . . 247
7.2 Integral de caminho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250
7.3 Primitiva de uma função complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . 260
7.4 O Teorema de Cauchy para triângulos . . . . . . . . . . . . . . . 265
7.5 Versão do Teorema de Cauchy para convexos . . . . . . . . . . . 271
7.6 Fórmula Integral de Cauchy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273
7.7 Exercı́cios propostos (7.1–7.19) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277
7.8 Laboratório 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 281

8 Séries de Taylor 287


8.1 Permutabilidade entre operações . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287
8.2 Teorema de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293
8.3 Fórmula Integral de Cauchy para derivadas . . . . . . . . . . . . 296
8.4 Teorema de Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 298
8.5 Teorema da Identidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 301
8.6 Os zeros das funções analı́ticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303
8.7 Princı́pio do Módulo Máximo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 306
8.8 Exercı́cios propostos (8.1–8.11) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 308
8.9 Laboratório 8 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 312

9 Teorema de Cauchy: Versão Homológica 317


9.1 Prolongamento analı́tico: um preliminar . . . . . . . . . . . . . . 317
9.2 Teorema de Cauchy: demonstração de Dixon . . . . . . . . . . . 318
9.3 Teorema de Cauchy para simplesmente conexos . . . . . . . . . . 325
9.4 A superfı́cie de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327
9.5 Laboratório 9 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329

10 Séries de Laurent 333


10.1 Singularidades isoladas: definição e exemplos . . . . . . . . . . . 333
10.2 Teorema de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 335
10.3 Caracterização das singularidades isoladas . . . . . . . . . . . . . 340
10.4 Exercı́cios propostos (10.1–10.7) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 344
10.5 Laboratório 10 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 346
viii ÍNDICE

11 Resı́duos 351
11.1 Teorema dos Resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351
11.2 Aplicações ao cálculo do integral real . . . . . . . . . . . . . . . 353
11.3 O Princı́pio do Argumento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 360
11.4 Teorema de Rouché . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362
11.5 Exercı́cios propostos (11.1–11.17) . . . . . . . . . . . . . . . . . 364
11.6 Laboratório 11 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 368

12 Aplicações 375
12.1 A transformada-´ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 375
12.2 O problema de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 379
12.3 A transformada de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381
12.4 Exercı́cios propostos (12.1–12.11) . . . . . . . . . . . . . . . . . 390
12.5 Laboratório 12 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 393

Bibliografia 403

Índice de Resultados 407

Índice Alfabético 411


Deus criou os inteiros. O resto é obra do Homem.
Leopold Kronecker

Capítulo
Números Complexos
1
1.1 As origens dos números complexos
Se, como afirmou Leopold Kronecker (1823–1891), Deus fez os inteiros e o
resto é obra do Homem, então, como Ian Stewart defende [29], os complexos são
um dos mais intrigantes artefactos matemáticos criados pela mente humana. Como
se explica que, depois de terem vindo à luz em 1545 na Ars Magna de Cardano, per-
manecessem em letargia durante gerações, deles tendo passado em boa medida ao
lado génios como Fermat (1601–1665), Leibniz (1646–1716) ou Newton (1642–
–1727)? Olhados com suspeição, confusão e até hostilidade, houve que esperar
pelo século dezanove para que estes entes matemáticos tivessem fundamentação
rigorosa e alcançassem reconhecido impacto em toda a Matemática.

Dois mil anos antes de Cristo já era conhecida dos babilónios a resolução de
equações quadráticas
x 2 D ax C b :

Em notação moderna, a fórmula resolvente destas equações é


p
a˙ a2 C 4b
x D :
2

A resolução da equação quadrática pode ser efectuada geometricamente, procu-


rando a intersecção da parábola y D x 2 com a recta y D ax C b: Na figura 1, no
caso da recta L1 , existem duas soluções: as abcissas dos pontos de intersecção da
recta com a parábola. No caso da recta L2 , não há solução e esse facto é correcta-
mente manifesto pela ocorrência de números ”impossı́veis” na fórmula resolvente.

1
2 CAPÍTULO 1: Números Complexos

L1

L2

Figura 1: A recta L1 intersecta a parábola y D x 2 em dois pontos. Contudo, a recta


L2 não a intersecta em ponto algum.

Gerolamo Cardano (1501–1576), na sua célebre obra Ars Magna publicada


em 1545, considerou equações quadráticas como, por exemplo,

x 2 C 2x C 2 D 0 ;

que não são satisfeitas por qualquer número real x: Mas é plausı́vel que não tenham
sido as quadráticas, mas sim as cúbicas, que forçaram o algebrista italiano a encarar
seriamente os complexos. Com efeito, se pensasse numa solução destas equações
por via geométrica, ao bom estilo da tradição dos gregos e prática ainda vigente no
século dezasseis, parecer-lhe-ia ”natural” negligenciar equações quadráticas ”im-
possı́veis”.

Cardano resolveu o sistema de equações

x C y D 10 I

xy D 40 ;
tendo obtido a solução que, em notação moderna, se escreve
p p
x D 5C 15 ^ y D 5 15 :

O matemático italiano não apresentou qualquer interpretação para o que seria a raiz
quadrada de um número negativo, mas observou pragmaticamente que, obedecendo
aquelas quantidades às regras usuais do cálculo, então satisfariam as equações do
1.1 As origens dos números complexos 3

sistema. Na mesma obra, notou que a fórmula que Tartaglia (c. 1500–1557) lhe
confiara, mediante juramento de sigilo, para resolução de equações cúbicas do tipo

x 3 D 15x C 4 ;

conduz à expressão
q q
3 p 3 p
x D 2C 121 C 2 121 :

Assinalavelmente, a fórmula de Tartaglia era escrita em verso. Ora, a equação tem


a solução óbvia x D 4:

Raphaël Bombelli (cerca de 1526–1573) na sua L’Algebra de 1572 sugeriu


que uma forma de conciliar estes factos seria lidar com as ”raı́zes impossı́veis”
(entenda-se: as raı́zes quadradas dos números
p negativos), como se fossem números
ordinários. Com efeito, supondo que . 1/2 D 1, tem-se
p p p
.2 ˙ 1/3 D 2 ˙ 11 1 D 2˙ 121

e a expressão de Cardano vem


r r
 p 3  p 3
3 3
x D 2C 1 C 2 1 D 4:

Cardano, apoiando-se nos contributos de Tartaglia, Lodovico Ferrari (1522–1565)


e Scipione del Ferro (c. 1465–1526), apresentou na Ars Magna a notável fórmula
resolvente para a cúbica
x 3 D 3px C 2q
e também para a quártica.

Estes problemas tiveram origem na Antiguidade em questões relacionadas


com astronomia ou então com motivação religiosa. Por exemplo, na Grécia An-
tiga e na Índia era tradição construir altares de rituais obedecendo a determinadas
regras algébricas e geométricas. Recorde-se o famoso problema Deliano relativo
à duplicação do altar cúbico do Oráculo de Delos, a fim de aplacar a fúria dos
deuses e, assim, debelar a peste que grassava em Atenas1. Na Idade Média, as
cúbicas surgiram em problemas sobre pagamentos monetários, por exemplo, na
obra Aliabraa Argibra de Dardi de Pisa publicada cerca de 1344 e no Trattato
1 Grande parte da população de Atenas pereceu aquando desta epidemia. Péricles foi uma das
vı́timas. O filósofo Platão refere que o sentido da pronúncia do Oráculo era chamar a atenção para a
intolerável ignorância dos gregos em Geometria.
4 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Figura 2: Recta da forma y D 3px C 2q, que intersecta a parábola cúbica y D x 3


num ponto.

d’Abaco do pintor Piero della Francesca. No século dezasseis, estas equações fo-
ram objecto de competições entre matemáticos, envolvendo a atribuição de prémios
pecuniários e até de postos académicos aos vencedores.

Geometricamente, o problema da resolução da cúbica reduz-se à determina-


ção da intersecção da curva y D x 3 (parábola cúbica) com a recta y D 3px C 2q
(cfr. figura 2). A referida fórmula resolvente é
r q r q
3 3
x D qC q2 p3 C q q2 p3 :

Curiosamente, Cardano introduziu os complexos e logo se lhes referiu como


sendo ”tão subtis como inúteis”, depois de sofrer ”torturas mentais” ao tentar com-
prendê-los. Bombelli, que com eles operou os primeiros cálculos significativos,
de seguida considerou-os como ”matéria que repousa em sofisma mais do que em
verdade”. O matemático e engenheiro holandês Simon Stevin (1548–1620), que
tornou popular na Europa do século dezasseis a notação decimal e vários sı́mbolos
algébricos, não usou números complexos por considerar que estes não ajudavam a
determinar soluções reais.

René Descartes (1596–1650), no famoso apêndice A Geometria ao Discurso


do Método publicado em 1637, distinguiu entre números ”reais” e ”imaginários”,
interpretando o surgimento de imaginários como sinal de não existência de solução
1.1 As origens dos números complexos 5

para o problema em questão. Newton, mais tarde, partilhou da mesma opinião.

Em 1702, Leibniz entregou-se a especulações filosóficas bizarras sobre a na-


tureza dos números complexos, descrevendo i; a raiz quadrada de 1; como ”um
anfı́bio entre a existência e a não-existência, no que se assemelhava ao Espı́rito
Santo”!

Se aflorados, os complexos eram mencionados como ”impossı́veis” ou ”ima-


ginários”, prevalecendo o segundo termo ainda em uso na actualidade. Mesmo
em 1770, a situação destes seres era ainda tão obscura que
p op notável matemático
p
Leonhard Euler (1707–1783) cometeu o erro de escrever 2 3 D 6.

Neste mesmo ano, Jean Bernoulli (1667–1748), ao calcular integrais da forma


Z
1
2
dx ;
ax C bx C c
usando fracções parciais, e adoptando a filosofia de que os números complexos
podiam ser manipulados tal como os reais, escreveu (em notação moderna) o inte-
grando na forma
1 A B
D C ;
ax 2 C bx C c x ˛ x ˇ
designando ˛ e ˇ as raı́zes do denominador quadrático. Encontrou para valor do
integral
A log.x ˛/ C B log.x ˇ/
e utilizou o mesmo método no caso da equação quadrática ter raı́zes complexas.

Mas o que eram, afinal, os logaritmos de números complexos?

Bernoulli e Leibniz utilizaram o mesmo método para atacar o problema.


Porém, cerca de 1712, entraram em controvérsia. Leibniz defendia que o loga-
ritmo de um número negativo era um número complexo, enquanto que Bernoulli
insistia que era um número real.

O argumento de Bernoulli era o seguinte: uma vez que


d. x/ dx
D ;
x x
por integração obtinha-se log. x/ D log.x/: Leibniz entendia que a integração só
era válida para x positivo.
6 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Em 1749, Euler decidiu a controvérsia a favor de Leibniz, observando que a


integração requeria uma constante arbitrária

log. x/ D log.x/ C c :

Euler deduziu importantes relações envolvendo complexos, com realce para a fórmu-
la descoberta em 1748 e que tem o seu nome (apesar de Roger Cotes, em 1714, ter
encontrado uma fórmula equivalente):

ei D cos  C i sin  :

A Fórmula de Euler é uma das mais famosas identidades da Matemática. Foi esta-
belecida na sua obra Introductio, publicada em Lousana. Esta fórmula veio revelar
a existência de uma relação profunda entre os números complexos e as funções
trigonométricas. Em particular, fazendo  D , obtemos a admirável fórmula que
congrega os mais importantes números da análise (0, 1, e, , i ):

ei C 1 D 0 :

Estendendo a teoria dos logaritmos para o campo complexo e definindo

log ´ D w , ew D ´ ;

chegamos a resultados interessantes. Meras manipulações formais conduzem a

elog ´Cmi D elog ´ .ei /m D ´. 1/m :

Para um inteiro par m D 2n; vem

elog ´C2ni D ´

e, assim, log ´ C 2n i é também log ´; pelo que o logaritmo complexo é uma
função multı́voca.

Para um inteiro ı́mpar m D 2n C 1; vem

elog ´C.2nC1/i D ´

e
log . ´/ D log ´ C .2n C 1/ i :
Aqui está a resolução da controvérsia de Leibniz-Bernoulli: sendo x real positivo,
log . x/ é complexo!
1.1 As origens dos números complexos 7

A teoria dos números complexos foi-se, assim, desenvolvendo e revelando


facetas fascinantes, surgindo em diversas aplicações de modo informal. Porém,
continuava a faltar uma explicação precisa sobre o que eram de facto aqueles ”en-
tes” misteriosos, que intrigavam matemáticos e filósofos.

Em 1797, o dinamarquês Gaspar Wessel (1745–1818) publicou um artigo


na sua lı́ngua em que representava um número complexo por um ponto do plano.
O facto permaneceu quase totalmente desconhecido, até que foi publicada uma
tradução em francês do artigo cem anos passados. Entretanto, a ideia da representa-
ção geométrica dos complexos foi tributada a Jean Robert Argand (1768–1822)
que, independentemente, a divulgou em 1806, tornando-se comum a designação de
plano de Argand para o plano complexo.

Karl Friedrich Gauss (1777–1855) é um dos pioneiros da teoria dos números


complexos. Em 1811, numa carta a Bessel (1784–1846), visualizou os complexos
como pontos do plano, tendo publicado em 1831 sobre esta matéria. Ocupou-se
também de um problema candente desde começos do século dezoito e que divi-
dia os matemáticos. Muitos acreditavam que, do mesmo modo que a solução de
equações quadráticas com coeficientes reais conduzia a novos números – os com-
plexos, também as soluções de equações com coeficientes complexos levariam a
novos tipos de números. Jean D’Alembert (1717–1783) conjecturava que a res-
posta era negativa e que os complexos eram suficientes. Esta conjectura foi con-
firmada por Gauss com a sua descoberta do ”Teorema Fundamental da Álgebra”,
que estabelece a existência de uma raiz complexa para toda a equação polinomial
de coeficientes complexos.

Em 1837, Hamilton (1805–1865) publicou a definição de números comple-


xos como pares ordenados de números reais sujeitos a certas regras operatórias, co-
locando estes números numa base algébrica rigorosa. Expressões como ”números
complexos”, ”vectores”, ”pontos do plano real” são designações diferentes para os
mesmos objectos: pares ordenados de números reais. Fora finalmente passada cer-
tidão de verdadeira cidadania matemática aos complexos. As batalhas filosóficas
na génese destes números pertenciam à História. Hamilton tentou afincadamente
a descoberta de um sistema de números mais alargado, contendo os complexos.
Para tal, despendeu grande parte do seu tempo e energia em busca de um análogo
para os números complexos, mas construı́do com ternos de números reais, em vez
de pares. Ao cabo de várias tentativas mal sucedidas, Hamilton concluiu que não
deveria usar apenas três coordenadas, mas quatro. Assim, divisou um novo sistema
de números a que chamou quaterniões (cfr. exercı́cio 1.6).
8 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Os quaterniões de Hamilton têm aplicações no cálculo de rotações no espaço


e no controlo de naves espaciais. Este movimento, do campo das aplicações (nas
origens dos complexos) para a matemática abstracta, e desta para novas aplicações
é, afinal, caracterı́stico do desenvolvimento da Matemática.

Contudo, o processo de generalização não acaba aqui. Os quaterniões gene-


ralizam-se nos octoniões e a marcha interminável prossegue...

1.2 As origens da Análise Complexa


Contrariamente à longa gestação do conceito de número complexo, a Análise
Complexa teve um desenvolvimento extraordinário num curto lapso temporal.

Gauss, na já mencionada carta a Bessel, revelou conhecer um teorema fun-


damental da integração complexa na base de todo o edifı́cio da análise, e que veio
a ser consagrado como Teorema de Cauchy. Gauss escreveu:
R
”Afirmo agora que o integral f .x/ dx tem um único valor mesmo que to-
mados diferentes caminhos se f ... não se tornar infinita no espaço compreendido
entre os dois caminhos. Isto é um teorema maravilhoso cuja prova ... darei numa
ocasião conveniente.”

A ocasião não surgiu e a demonstração veio pela mão do matemático francês


Augustin Louis Cauchy (1789–1857) em 1825. É a este matemático que se devem
as ideias basilares no gérmen da Análise Complexa.

Na Análise Complexa estudam-se os temas usuais da Análise: limites, con-


tinuidade, diferenciabilidade, integração, ... A diferenciabilidade de uma função
complexa requer que as suas partes real e imaginária satisfaçam certas equações:
as chamadas Condições de Cauchy-Riemann.

Os integrais de caminho de funções diferenciáveis gozam da importante pro-


priedade que Gauss observou e a que já aludimos. Cauchy mostrou como calcular
o integral de caminho em torno de pontos onde a função integranda se torna infi-
nita, criando a ”teoria dos resı́duos”. Concretamente, o integral depende apenas de
uma constante, ”o resı́duo” da função naqueles pontos excepcionais, e do número
de voltas que o caminho dá em torno do ponto. Curiosamente, o caminho em si é
totalmente irrelevante!
1.3 O corpo dos números complexos 9

As séries de potências vieram a revelar-se cruciais para o desenvolvimento


da teoria dos resı́duos. Laurent (1813–1854) introduziu as séries com seu nome
em 1843, envolvendo potências de expoente não só positivo como negativo. Pro-
vou que, na vizinhança de um ”ponto excepcional” ´0 (singularidade), uma função
diferenciável se expressa como soma de duas séries

f .´/ D Œa0 C a1 .´ ´0 / C a2 .´ ´0 /2 C a3 .´ ´ 0 /3 C     C
1 2 3
C Œb1 .´ ´0 / C b2 .´ ´0 / C b3 .´ ´0 / C :

Ora, o resı́duo da função em ´0 é igual ao coeficiente b1 :

Karl Weierstrass (1815–1897) desenvolveu a teoria das funções complexas


em bases rigorosas, assentando toda a sua construção nas séries de potências. Ber-
nhard Riemann (1826–1866) deu importantes contributos, acrescentando a pers-
pectiva geométrica ausente na abordagem de Weierstrass, sendo-lhe devido o im-
portante conceito de superfı́cie de Riemann.

Desde o seu nascimento no século dezanove, a Análise Complexa conheceu


assinalável desenvolvimento, sendo inimaginável a ciência actual sem esta área da
Matemática.

1.3 O corpo dos números complexos


Uma operação binária num conjunto não vazio X é uma função de X  X
em X . A imagem de .a; b/ 2 X  X por uma operação é representada por a  b
(notação multiplicativa), a C b (notação aditiva), a ? b, a ˘ b, ou por qualquer ou-
tro sı́mbolo.

Um par .G; ˘/, constituı́do por um conjunto G e por uma operação binária ˘
em G, diz-se um grupo se verifica as seguintes propriedades:

(1) Associatividade: para cada a; b; c 2 G,

.a ˘ b/ ˘ c D a ˘ .b ˘ c/ :

(2) Existência de elemento neutro: existe em G um elemento e tal que,


para todo o a 2 G,

a ˘ e D e ˘a D a:
10 CAPÍTULO 1: Números Complexos

(3) Existência de elemento oposto: para cada a 2 G, existe um a0 2 G


tal que
a0 ˘ a D a ˘ a0 D e :

Um grupo .G; ˘/ diz-se abeliano ou comutativo se verifica também a pro-


priedade de Comutatividade: para cada a; b 2 G,

a ˘b D b ˘a:

Como é bem conhecido, um corpo é um conjunto K munido de duas opera-


ções binárias, C e  (que se designam, respectivamente, por adição e multiplicação),
satisfazendo:

(i) .K; C/ é um grupo abeliano;

(ii) .Knf0g; / é um grupo abeliano, denotando 0 o elemento neutro da


adição;

(iii) a multiplicação é distributiva em relação à adição:

a  .b C c/ D a  b C a  c ; 2

para cada a; b; c 2 K.

É também do conhecimento geral que o conjunto dos números reais, R, mu-


nido da adição e multiplicação usuais, é um corpo. Mais do que isso, R é um corpo
ordenado se considerarmos a relação de ordem usual entre números reais.

O nosso objectivo centra-se agora na construção de um novo corpo, o qual


será designado por corpo dos números complexos. Consideremos:

R2 D f.a; b/ W a; b 2 Rg;

munido da adição

8a;b;c;d 2R; .a; b/ C .c; d / D .a C c; b C d /:

É simples verificar que .R2 ; C/ é um grupo abeliano e até mesmo um espaço vec-
torial real com a multiplicação escalar definida por

8a;b;c2R; a.b; c/ D .ab; ac/:


2 Por simplificação e como é usual, escreveremos doravante ab, em vez de a  b.
1.4 Representação algébrica dos complexos 11

É possı́vel dotar R2 da estrutura de corpo, definindo a seguinte operação de multi-


plicação:
8a;b;c;d 2R; .a; b/.c; d / D .ac bd; ad C bc/:
O corpo .R2 ; C; / acabado de construir chama-se corpo dos números complexos e
denota-se por C.

O subconjunto de C,

C1 D f.a; 0/ W a 2 Rg;

é um corpo. A função

f W R ! C1 (1.1)
a 7! .a; 0/

é um isomorfismo entre corpos, como facilmente se comprova. De facto, f é cla-


ramente bijectiva e, para a; b 2 R, tem-se

f .a C b/ D f .a/ C f .b/ e f .ab/ D f .a/f .b/:

Podemos, assim, identificar .a; 0/ com a e considerar R como subconjunto de C.

1.4 Representação algébrica dos complexos


Num corpo qualquer e, em particular, em C, as equações

aCx D b e ax D b; a 6D 0 ;

são sempre solúveis.

Denotemos o par .0; 1/ pelo sı́mbolo i . Obtemos, deste modo, a seguinte


representação para os números complexos:

.a; b/ D .a; 0/ C .0; b/ D .a; 0/ C .b; 0/.0; 1/ D a C bi;

tendo em conta a identificação definida pela função f em (1.1). Assim,

.a; b/ D a C bi; a; b 2 R ;

determina uma nova forma de representar os números complexos, a qual é habi-


tualmente designada por representação algébrica dos complexos. O sı́mbolo i é a
12 CAPÍTULO 1: Números Complexos

unidade imaginária.

Note-se que sendo C um corpo, a multiplicação é comutativa. Por isso,


também podemos escrever

.a; b/ D a C i b; a; b 2 R :

Da definição dada para a multiplicação, resulta que

i 2 D .0; 1/2 D . 1; 0/ D 1

e o número complexo i aparece, assim, como solução da equação x 2 D 1. Deve


acentuar-se que tal equação não tem soluções no contexto dos números reais. A
solubilidade desta equação só se conseguiu ampliando o conceito de número, pois
agora o sı́mbolo 1 do segundo membro está a designar o elemento . 1; 0/ do
conjunto C, onde a equação passou a ter solução.

Calculando as sucessivas potências de expoente natural de i , i m , com m 2 N,


obtêm-se os valores i; 1; i; 1, consoante os restos da divisão de m por 4 forem,
respectivamente, 1; 2; 3 ou 0. Usando este facto, pode verificar-se com facilidade
que é possı́vel operar com os complexos a C bi como se fossem polinómios em i .

Chamamos a atenção do leitor para o facto da ordenação usual em R não


poder ser estendida para o sistema dos números complexos, carecendo de sentido
desigualdades entre números complexos do tipo ´1 > ´2 . Ora, os números reais
podem ser ordenados com uma relação, usualmente denotada por >, que goza,
entre outras, das seguintes propriedades:

(P1 ) Se x ¤ 0, então ou x > 0 ou x > 0 (mas não ambas!);

(P2 ) Se x; y > 0, então xy > 0 e x C y > 0.

Não é possı́vel definir nos números complexos uma tal ordenação. Suponhamos,
por contradição, que tal é possı́vel. Uma vez que i ¤ 0; então por (P1 ), ou

i > 0 ou i > 0:

Então (P2 ) implica que


1 D ii > 0
ou que
1 D . i/ . i/ > 0:
1.4 Representação algébrica dos complexos 13

Mas, também temos 1 D . 1/2 > 0. Logo, 1 > 0 e 1 > 0; o que contraria (P1 ).

Assim, não é possı́vel nos complexos estabelecer desigualdades conforme é


usual no campo real. Qualquer desigualdade que eventualmente ocorra, dirá res-
peito unicamente a números reais, mesmo que tal não seja explicitado. Por exem-
plo,
" > 0
implica automaticamente que " seja um número real (positivo).

Dado o número complexo ´ D a C bi , com a; b 2 R, a e b dizem-se, respec-


tivamente, parte real e parte imaginária de ´, sendo denotados, respectivamente,
por Re ´ e Im ´. Os números complexos cuja parte real é nula dizem-se ima-
ginários puros.

Chama-se complexo conjugado, ou simplesmente conjugado, de ´ ao pnúmero


complexo a bi , que se representa por ´. Ao número real não negativo ´´, que
se representa por j´j, chama-se módulo de ´.
Teorema 1.1 (Propriedades do módulo e do conjugado) Para ´; w 2 C, tem-se:
(a) ´ C ´ D 2 Re ´I
(b) ´ ´ D 2i Im ´I
(c) ´ ˙ w D ´ ˙ wI
(d) ´w D ´ wI
´ ´
(e) D , com w 6D 0I
w w
(f) ´ D ´I
(g) ´´ D j´j2 D .Re ´/2 C .Im ´/2 I

1 1 ´
(h) ´ D D 2 , com ´ 6D 0I
´ j´j
(i) j´j D j´j.

A demonstração do Teorema fica a cargo do leitor.

Na secção que se segue, provaremos importantes desigualdades que são de


uso corrente, nomeadamente as conhecidas desigualdade triangular e desigualdade
de Cauchy.
14 CAPÍTULO 1: Números Complexos

1.5 Desigualdades
Da definição de módulo de um número complexo resulta

j´j  Re ´  j´j I
(1.2)
j´j  Im ´  j´j :

A igualdade Re ´ D j´j ocorre se e só se ´ é real e não-negativo.

A desigualdade triangular

j´ C wj  j´j C jwj (1.3)

obtém-se com facilidade a partir de (1.2). Com efeito, tem-se

j´ C wj2 D .´ C w/.´ C w/ D ´´ C .´w C w´/ C ww ;

ou seja,
j´ C wj2 D j´j2 C jwj2 C 2 Re.´w/ :

Atendendo a (1.2), vem

j´ C wj2  .j´j C jwj/2 ;

de onde se obtém a desigualdade triangular.

Em (1.3), a igualdade ocorre se e só se ´w  0: Se w ¤ 0; esta condição pode


escrever-se na forma
´
jwj2  0 ;
w
o que é equivalente a
1
´w  0:

Por indução, a desigualdade (1.3) pode ser generalizada para somas com um
número arbitrário de parcelas

j´1 C ´2 C    C ´n j  j´1 j C j´2 j C    C j´n j :

Deixamos ao leitor o estudo do caso de igualdade nesta desigualdade. Prova-se,


sem dificuldade, que ocorre igualdade se e só se a razão entre dois quaisquer
números não nulos for positiva.
1.5 Desigualdades 15

De (1.3), resulta

j´j D j.´ w/ C wj  j´ wj C jwj

ou
j´j jwj  j´ wj :
Analogamente,
jwj j´j  j´ wj ;
podendo estas duas desigualdades ser combinadas na desigualdade

j´ wj  jj´j jwjj :

Obviamente que a mesma estimativa pode ser aplicada a j´ C wj, obtendo-se

j´ C wj  jj´j jwjj : (1.4)

Um caso especial da desigualdade triangular é o seguinte

ja C i bj  jaj C jbj ;

ou seja,

j´j  jRe ´j C jIm ´j : (1.5)

Desta desigualdade concluı́mos que o valor absoluto de um complexo é quando


muito igual à soma dos valores absolutos da parte real e imaginária.

Provaremos, de seguida, a famosa desigualdade de Cauchy

j´1 w1 C    C ´nwn j2  .j´1 j2 C    C j´nj2 / .jw1 j2 C    C jwn j2 / ;

ou abreviadamente,
ˇ ˇ2
ˇ n ˇ n n
ˇ X ˇ X X
ˇ ´ w ˇ  j´ j 2
jwj j2 : (1.6)
ˇ j j ˇ j
ˇj D1 ˇ j D1 j D1

Para a demonstração, tomemos um número complexo arbitrário : Obtemos


n
X n
X n
X n
X
2 2 2 2
j´j wj j D j´j j C jj jwj j 2 Re  ´j wj : (1.7)
j D1 j D1 j D1 j D1
16 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Esta expressão é não-negativa. Podemos tomar


n
, n
X X
 D ´j wj jwj j2 ;
j D1 j D1

porque sendo o denominador zero nada há a provar. Substituindo em (1.7), após
algumas simplificações vem a desigualdade
ˇ ˇ2 ,
n ˇ n ˇ n
X ˇ X ˇ X
j´j j 2 ˇ ´ w ˇ jwj j2  0 ;
ˇ j j ˇ
j D1 ˇj D1 ˇ j D1

que é equivalente à desigualdade de Cauchy.

De (1.7), concluı́mos que o sinal de igualdade ocorre na desigualdade de


Cauchy se e só se ´j for proporcional a wj .

1.6 Raı́zes quadradas


Importa, agora, tecer algumas considerações sobre o conceito de raiz qua-
drada de um número complexo.

Como já foi mencionado anteriormente, uma das razões subjacentes à utiliza-
ção dos números complexos consiste em permitir o uso de raı́zes quadradas de
números reais negativos. Vejamos que tal é possı́vel para qualquer número com-
plexo.

Dado um número complexo a C i b, determinemos a sua raiz quadrada


x C iy, que verifica
.x C iy/2 D a C i b ;
ou equivalentemente,
x2 y2 D a ^ 2xy D b : (1.8)
Existem vários processos de resolução deste sistema. Geometricamente, a
questão reduz-se simplesmente a encontrar a intersecção das duas hipérboles em
(1.8), conforme se ilustra na figura 3.

De seguida, ocupar-nos-emos do tratamento algébrico da questão. A partir


das equações em (1.8), obtemos com facilidade
.x 2 C y 2 /2 D .x 2 y 2 /2 C 4x 2 y 2 D a2 C b 2 :
1.6 Raı́zes quadradas 17

x2 - y2 =a

2xy=b

Figura 3: Representação geométrica das hipérboles definidas em (1.8).

Então, p
x2 C y 2 D a2 C b 2  0 :

Tendo em conta a primeira equação de (1.8), vem

1 p 1 p
x2 D .a C a2 C b 2 / ^ y2 D . a C a2 C b 2 / : (1.9)
2 2

Observe-se que, independentemente do valor de a; estas quantidades são não-


-negativas. Ao calcularmos agora x e y devemos ter em conta que o seu produto
deve ter o sinal de b. Para tal, define-se

b
sgn.b/ D ; b 6D 0 ;
jbj

tendo-se sgn.b/ D C1, se b > 0, e sgn.b/ D 1, se b < 0.

Assim, se b ¤ 0; tem-se
0s p s p 1
p aC a2 C b 2 aC a2 C b 2 A
a C ib D ˙@ C i sgn.b/ : (1.10)
2 2

p p
Se b D 0; os valores da raiz quadrada são ˙ a, se a  0, e ˙i a, se a < 0:
18 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Os dois valores para a raiz quadrada de um número complexo coincidem se


e só se esse número é 0. A raiz quadrada de 0 é 0, e além de 0 só os números
positivos têm por raı́zes quadradas números reais. Por seu turno, só os números
negativos têm raı́zes quadradas imaginárias puras.

A raiz quadrada de um complexo ´ D a C i b 6D 0 tem dois valores, em geral


complexos, digamos x C iy e x iy. Se ´ 6D 0 é real negativo, temos x D 0.
Suponhamos, agora, que ´ 6D 0 não é real negativo. Sendo assim, as suas raı́zes
não são imaginárias puras, pelo que uma das raı́zes tem parte real positiva e outra
negativa.
p
Ora, do mesmo modo que convencionamos interpretar o sı́mbolo r como a
raiz quadrada positiva de um número real positivo r, chamaremos ramo principal
da raiz quadrada complexa àquele que atribui à raiz quadrada de um número com-
plexo o valor x C iy, com x > 0 ou então x D 0 ^ y  0.

Vejamos um exemplo de aplicação da fórmula (1.10).


pp p
Exemplo 1.1 Calculemos i . Comecemos por determinar i. Efectuando
a substituição a D 0 e b D 1 em (1.10), vem

p p !
p 2 2
i D ˙ i :
2 2

A cada um dos dois p valores determinados, voltamos a aplicar (1.10) e obtemos


p
quatro soluções para i. São elas
p p p p !
2C 2 2 2
˙ i
2 2

e
p p p p !
2 2 2C 2
˙ Ci :
2 2

No Teorema 1.2, analisar-se-á novamente o conceito de raiz quadrada (como


caso particular da raiz de ordem n de um número complexo). No capı́tulo 5, estu-
daremos com mais pormenor a função raiz quadrada.
1.7 Representação geométrica dos complexos 19

z=Hx, yL=x+iy
y

0 x

Figura 4: Representação de um número complexo no plano de Argand.

1.7 Representação geométrica dos complexos


Sendo o conjunto C nada mais do que R2 , podemos identificar o número
complexo x C iy com o ponto .x; y/ do plano cartesiano, a que é vulgar chamar
afixo de ´. Quando a cada número complexo ´ se associa o seu afixo, é usual
designar-se o plano cartesiano OX Y por plano complexo ou plano de Argand.

Podemos, ainda, entender ´ como o vector que vai da origem das coorde-
nadas para o afixo (veja-se a figura 4). A adição de dois complexos ´ e w é pre-
cisamente a adição dos correspondentes vectores, ou seja, recorre-se como habi-
tualmente à regra do paralelogramo, conforme é ilustrado na figura 5. Veremos,
oportunamente, a significação geométrica da multiplicação de números complexos.

Todas as noções apresentadas no final da secção 1.4 possuem interpretações


geométricas sugestivas:
1) a parte real de um número complexo ´ é a sua projecção no eixo dos
xx (daı́ que o eixo das abcissas seja designado por eixo real);
2) a parte imaginária de ´ é a sua projecção no eixo dos yy (daı́ que o
eixo das ordenadas seja designado por eixo imaginário);
3) o módulo de ´ é a distância de ´ a 0. Por outras palavras, j´j traduz
o comprimento do vector que representa ´;
4) o conjugado de ´ obtém-se de ´ a partir da reflexão relativamente ao
eixo dos xx.
A noção de argumento de ´ é basilar. Geometricamente, arg ´ é a medida de
20 CAPÍTULO 1: Números Complexos

z1 +z2

z2

z1

Figura 5: Adição de dois números complexos pela regra do paralelogramo.

amplitude, em radianos, do ângulo do vector ´, contado a partir da parte positiva


do eixo das abcissas. Este ângulo considera-se positivo se se mede no sentido anti-
horário e negativo, caso contrário. Se ´ D 0, o argumento de ´ é indefinido. Daı́
que, doravante, consideremos ´ 6D 0 sempre que aludirmos ao valor de arg ´.

Cada número complexo tem uma infinidade de argumentos, diferindo cada


par de valores do argumento por um múltiplo de 2. Para obviar a esta indefinição,
representamos por Arg ´ o único valor de argumento no intervalo  ; , ao qual
se chama argumento principal. Ao único valor do argumento de ´ no intervalo
;  C 2 chama-se argumento lambda de ´ e representa-se por arg ´. Se  D 0,
o argumento em 0; 2 designa-se por argumento positivo mı́nimo.
Exemplo 1.2 Para o número complexo i D .0; 1/, tem-se
  3
arg i D C 2k ; k 2 Z ; Arg i D e arg 2 i D :
2 2 2
Sendo  um argumento de ´ e tomando j´j D r, em termos geométricos é
fácil comprovar que (cfr. figura 6)
8 Re ´
ˆ
< cos  D 
r Re ´ D r cos 
, :
:̂ sin  D Im ´ Im ´ D r sin 
r
O argumento é determinado por aquelas duas equações ou, se preferı́vel, por uma
delas e pela fórmula
Im ´
tg  D :
Re ´
1.7 Representação geométrica dos complexos 21

r
r sin Θ

r cos Θ

Figura 6: Forma trigonométrica de um número complexo.

Tem-se, portanto,
´ D j´j.cos  C i sin  / :
Esta é a forma trigonométrica ou polar de ´. É frequente usar-se a forma abreviada

´ D r cis  ;

onde r D j´j > 0 e cis  D cos  C i sin  .

Observação 1.1 Também é usual utilizar-se o sı́mbolo ei , o qual é definido através
da Fórmula de Euler:

ei D cos  C i sin  : (1.11)

Assim, podemos representar o número complexo ´ na seguinte forma:

´ D r ei :

A escolha do sı́mbolo ei será justificada aquando do estudo da função exponencial


na secção 4.5.

Calculemos, de seguida, cis 1 cis 2 . Usando fórmulas trigonométricas bem


conhecidas, vem

cis 1 cis 2 D .cos 1 C i sin 1 /.cos 2 C i sin 2 /


D cos.1 C 2 / C i sin.1 C 2 / (1.12)
D cis.1 C 2 / :
22 CAPÍTULO 1: Números Complexos

z2

z1

0 1

Figura 7: Interpretação geométrica da multiplicação de números complexos.

Assim, é fácil concluir que se multiplicam complexos, multiplicando os respectivos


módulos e somando os argumentos. De facto, se

´1 D r1 cis 1 e ´2 D r2 cis 2 ;

então

´1 ´2 D r1 r2 cis.1 C 2 / : (1.13)

Torna-se agora sugestivo como efectuar, geometricamente, o produto de com-


plexos. Para calcular ´1 ´2 (com ´1 ; ´2 não nulos, caso contrário a situação seria
trivial), iremos, por uma questão de simplificação, identificar ´1 e ´2 com os cor-
respondentes afixos e, de acordo com (1.1), os pontos .0; 0/ e .1; 0/ com, respecti-
vamente, 0 e 1. Em primeiro lugar, consideramos o triângulo de vértices 0; 1 e ´1 .
De seguida, construı́mos um triângulo semelhante ao primeiro, cujo lado corres-
pondente ao segmento de recta que une os pontos 0 e 1 é o segmento entre 0 e ´2 .
Marcando a partir desse lado, com vértice em 0, um ângulo de medida de amplitude
de arg ´1 , no sentido anti-horário, e, com vértice em ´2 , um ângulo com a mesma
medida de amplitude ao do triângulo inicial com vértice em 1, obtemos o triângulo
desejado de vértices 0; ´2 e ´ (cfr. figura 7). Note-se que os dois triângulos obti-
dos são semelhantes, uma vez que têm os três ângulos internos geometricamente
iguais. O vértice ´ é, justamente, o afixo do produto ´1 ´2 , como é trivial verificar,
tendo em conta que em triângulos semelhantes, a ângulos geometricamente iguais
se opõem lados de comprimentos proporcionais.
1.7 Representação geométrica dos complexos 23

De acordo com (1.13), concluı́mos facilmente que

1 1 1
´ D .r cis  / D cis.  / :
r
De (1.12) e por indução, prova-se sem dificuldade que

.cis  /n D cis.n / ; n 2 N: (1.14)

Convencionando que ´0 D 1, (1.14) é válida quando n D 0. Se n é um inteiro


negativo, definindo ´n pela equação
 n
´n D ´ 1
;

vem   n
n 1
´ D cis.  / D r n cis.n / :
r
Sendo assim, (1.14) é válida para qualquer expoente inteiro. Esta é a chamada
Fórmula de De Moivre. A partir dela pode provar-se a seguinte generalização.

Teorema 1.2 (Fórmula de De Moivre Generalizada) Seja n 2 N. Todo o número


complexo ´ D r cis  , r 6D 0, tem precisamente n raı́zes ı́ndice n distintas:
1
C2k
wk D r n cis n
; k D 0; 1; : : : ; n 1:

D EMONSTRAÇ ÃO : Seja w uma raiz ı́ndice n de ´, ou seja, wn D ´. Então, sendo


w D s cis , s > 0, vem
s n cis.n/ D r cis  ;

o que equivale a
1
C2k
s D rn I  D n ; k 2 Z:

Tomando k D 0; 1; : : : ; n 1, obtêm-se n valores distintos para . Para qualquer


outro valor de k, vem um valor de  equivalente módulo 2 a um destes n valores.
Assim, se conclui a demonstração. 

As n raı́zes wk têm o mesmo módulo e os seus argumentos diferem entre si


de um múltiplo de 2n . Geometricamente, os afixos das raı́zes w k correspondem
aos vértices de um polı́gono regular com n lados, inscrito numa circunferência de
centro 0 e de raio jwk j.
24 CAPÍTULO 1: Números Complexos

1.8 Operações vectoriais


Recordaremos duas operações vectoriais de grande interesse: o produto es-
calar e o produto vectorial. Apesar de terem significado no espaço tridimensional,
confinar-nos-emos ao seu estudo no plano complexo. Estas operações foram des-
cobertas por fı́sicos e a sua relação com o produto de complexos ilustra a aplicação
da Análise Complexa ao mundo fı́sico, e ainda o uso da Fı́sica na compreensão da
Análise Complexa.

Podemos identificar um número complexo ´ D x C iy com o vector coluna


 
x
y

ou, de forma equivalente, com


Œx yT :

Representaremos o vector coluna correspondente ao complexo ´ pela mesma letra,


mas a negrito, z, e, para simplificar, falaremos apenas em vector, ficando subenten-
dido que se trata de um vector coluna.

Dados dois vectores z e w, o seu produto escalar é definido por

z  w D j´jjwj cos  ; (1.15)

representando  o ângulo entre os vectores.

Ou seja, o produto escalar de dois vectores é o produto do comprimento de


um dos vectores pela projecção do outro vector sobre si (cfr. figura 8). É óbvio que

z  w D w  z:

O produto vectorial dos vectores z e w é o vector z  w perpendicular ao


plano complexo, cujo módulo é a área A do paralelogramo gerado por z e w e sen-
tido apontando para cima, se sin  > 0, e para baixo, se sin  < 0 (cfr. figura 9).

Para averiguarmos o sentido do produto vectorial, podemos em alternativa


dizer que é o de um observador posicionado perpendicularmente ao plano complexo
na origem dos vectores e que vê z à sua direita e w à sua esquerda.
1.8 Operações vectoriais 25

Θ
z
ÈwÈcos Θ
ÈzÈ

Figura 8: Interpretação geométrica do produto escalar.

z´ w

ÈzÈ ÈwÈsin Θ
w
ÈwÈsin Θ
Θ
z
ÈzÈ

Figura 9: Interpretação geométrica do produto vectorial (caso em que sin  > 0).

z
z w
ÈwÈ Θ
Β ÈzÈ ÈwÈ z´ w
Α Θ
0 -Α z× w

ÈzÈ

Figura 10: O afixo de ´w tem como abcissa z  w e como ordenada z  w.


26 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Repare-se que
j´jjwj sin 
tem o sinal do seno, tomando valores positivos e negativos. É claro que

zw D w  z:

Esta definição de produto vectorial de dois complexos é intrinsecamente tridimen-


sional e apresenta um problema: z  w não pertence ao plano complexo. Para
os nossos propósitos, e para obviar a este inconveniente, redefinimos z  w como
sendo a área com sinal do paralelogramo gerado por z e por w, ou seja,

z  w D j´jjwj sin  : (1.16)

Consideremos os complexos ´ D j´j cis ˛ e w D jwj cis ˇ, sendo  D ˇ ˛


o ângulo de ´ para w: Cálculos simples mostram que

´w D j´j cis. ˛/ jwj cis ˇ

D j´jjwj cis.ˇ ˛/

D j´jjwj cis 

D j´jjwj.cos  C i sin  / :

De (1.15) e (1.16), tem-se

´w D z  w C i.z  w/ ;

conforme se ilustra na figura 10.

Desta expressão resulta que: se ´ e w são dois números complexos diferentes


de 0, então

1) uma condição necessária e suficiente para que os vectores z e w sejam


perpendiculares é que z  w D 0, isto é, Re.´w/ D 0;

2) uma condição necessária e suficiente para que os vectores z e w sejam


paralelos é que z  w D 0, isto é, Im.´w/ D 0.

Quando mencionamos as operações vectoriais – produto escalar e produto


vectorial, queremos enfatizar a sua definição geométrica, independente de qual-
quer escolha particular de sistema de eixos coordenados. Estes, uma vez fixados,
1.8 Operações vectoriais 27

z1

z2
0

z4
z3

Figura 11: A origem encontra-se dentro do quadrilátero.

permitem expressar facilmente estas operações em coordenadas cartesianas. As-


sim, escrevendo ´ D x C iy e w D x 0 C iy 0 vem

´w D .x iy/.x 0 C iy 0 / D .xx 0 C yy 0 / C i.xy 0 C x 0 y/ :

Portanto,

Œx yT  Œx 0 y 0 T D xx 0 C yy 0 e Œx yT  Œx 0 y 0 T D xy 0 C x 0 y : (1.17)

Podemos ilustrar facilmente a importância do produto vectorial no cálculo de


áreas no plano. Consideremos a área A do quadrilátero de vértices ´1 ; ´2 ; ´3 ; ´4
(tomados no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio). Analisemos o caso
da origem estar, respectivamente, dentro e fora do quadrilátero. No primeiro caso
(figura 11), como a área de cada triângulo é metade da área do correspondente
paralelogramo, vem

1
A D Œ.z1  z2 / C .z2  z3 / C .z3  z4 / C .z4  z1 / ; (1.18)
2
ou seja,
1
A D Im.´1 ´2 C ´2 ´3 C ´3 ´4 C ´4 ´1 / :
2
No segundo caso (figura 12), A é claramente a soma das áreas dos triângulos
4Œ0´1´2 , 4Œ0´2´3  e 4Œ0´3´4  menos a área do triângulo 4Œ0´1´4 . Como o
ângulo de z1 para z4 é positivo, metade de z1  z4 é automaticamente a área preten-
dida, sendo A dada exactamente pela expressão anterior .
28 CAPÍTULO 1: Números Complexos

z1

z2

z4
z3

Figura 12: A origem está fora do quadrilátero.

É simples provar que (1.18) é invariante mediante uma translação por k; isto
é, o seu valor não muda se ´1 for transformado em ´1 C k, ´2 em ´2 C k, ´3 em
´3 C k, ´4 em ´4 C k. Pode assim deduzir-se a validade de (1.18) para o cálculo
da área de qualquer quadrilátero (veja-se o exercı́cio 1.30).

1.9 O espaço métrico dos complexos


A função

d WCC ! R
.´1 ; ´2 / 7! d.´1 ; ´2 / D j´1 ´2 j

define uma métrica em C, uma vez que se verificam as seguintes propriedades, para
´1 ; ´2 ; ´3 2 C,

(M1) positividade: d.´1 ; ´2 /  0 e d .´1 ; ´2 / D 0 , ´1 D ´2 ;

(M2) simetria: d.´1; ´2 / D d.´2 ; ´1 /;

(M3) desigualdade triangular: d.´1 ; ´3 /  d.´1 ; ´2 / C d.´2 ; ´3 /.

Diz-se que .C; d / é um espaço métrico e que o número real d.´1 ; ´2 / é a distância
entre ´1 e ´2 .

O conjunto
D.´0 ; r/ D f´ 2 C W j´ ´0 j < rg
1.9 O espaço métrico dos complexos 29

é o disco aberto de centro ´0 2 C e de raio r > 0.

Chama-se vizinhança de ´0 a todo o subconjunto V de C que contenha um


disco aberto de centro ´0 .

Diz-se que A  C é aberto se é vizinhança de todos os seus pontos, isto é, se


para cada ´ 2 A, existe ı´ > 0 tal que
D.´; ı´ /  A :
Exemplo 1.3 Os discos abertos são, eles próprios, conjuntos abertos. Considere-
mos um disco aberto D.´0 ; r/ de centro ´0 2 C e de raio r > 0. Seja ´ 2 D.´0 ; r/.
Logo,
j´ ´0 j < r ;
pelo que r j´ ´0 j > 0. Tomando ı´ D r j´ ´0 j, obtemos
D.´; ı´ /  D.´0 ; r/ ;
como se constata recorrendo a (M3):
w 2 D.´; ı´ / ) jw ´j < ı´
) jw ´0 j  jw ´j C j´ ´0 j < ı´ C j´ ´0 j D r
) w 2 D.´0 ; r/ :

Analisemos algumas propriedades que decorrem da definição de conjunto


aberto:
(T1) O conjunto vazio é aberto (a condição que define conjunto aberto é
trivialmente verificada).
(T2) O plano complexo C é aberto, uma vez que D.´0 ; r/  C, para cada
´0 2 C e para cada r > 0.
(T3) Se A1 ; A2 ; : : : ; An são abertos, então A D A1 \ A2 \    \ An tam-
bém é aberto. Para cada ´ 2 A, basta escolher ık > 0 tal que
D.´; ık /  Ak ;
para k D 1; 2; : : : ; n. Então, tomando ı´ D minfı1 ; : : : ; ın g > 0 3 ,
tem-se
D.´; ı´ /  A :
3 Se tivéssemos considerado um número infinito de subconjuntos abertos, o ı́nfimo dos deltas
positivos poderia ser eventualmente 0. Daı́ que a propriedade seja válida apenas para um número
finito de subconjuntos.
30 CAPÍTULO 1: Números Complexos

(T4) Se .Aj /j 2J é uma famı́lia de subconjuntos abertos, então A D [Aj


também é aberto. De facto, para cada ´ 2 A, existe j 2 J tal que
´ 2 Aj , pelo que existe ı´ > 0 tal que

D.´; ı´ /  Aj  A :

Estas propriedades são exactamente as requeridas para que uma famı́lia de


subconjuntos abertos de C defina uma topologia em C.

Caso nada seja dito em contrário, consideraremos sempre a métrica que de-
finimos em C e a correspondente topologia induzida, designada muitas vezes por
topologia usual de C.

A distância que definimos entre dois números complexos, ´1 e ´2 , coincide


com a distância usual em R2 entre os afixos de ´1 e ´2 . Desta forma, o espaço
métrico .C; d / goza das propriedades métricas e topológicas conhecidas quando
lidamos com R2 munido da métrica usual.

Seja S um subconjunto de C. Podemos munir S da métrica de subespaço,


ou seja, da métrica d restrita a S . Por exemplo, se S D R, a métrica d restrita a
R coincide com a métrica euclidiana de R, isto é, com o módulo da diferença de
números reais.

Um subconjunto U  C diz-se relativamente aberto em S ou, simplesmente,


aberto em S se
U D S \ A;

para algum aberto A de C. Assim, os abertos relativos de um subconjunto de C


resultam das intersecções desse subconjunto com abertos de C. Podemos caracte-
rizar os abertos relativos recorrendo ao conceito de disco aberto. O subconjunto
U  C é aberto em S se e só se para cada ´ 2 U , existe ı´ > 0 tal que

S \ D.´; ı´ /  U :

Exemplo 1.4 Um aberto relativo pode não ser um aberto de C. Por exemplo, o
intervalo real  1; 1Œ obtém-se da intersecção de R com o disco aberto D.0; 1/.
Desta forma,  1; 1Œ é aberto em R. Contudo,  1; 1Œ não é um aberto de C.
Aliás, nenhum subconjunto de R é aberto em C, uma vez que nenhum subconjunto
de R pode conter discos abertos, pelo que não pode ser vizinhança de ponto algum
em C.
1.9 O espaço métrico dos complexos 31

Recordamos, agora, alguns conceitos métricos e topológicos conhecidos do


leitor no contexto do espaço métrico R2 .

Dado um subconjunto A  C, um ponto ´0 diz-se ponto interior de A se


A é uma vizinhança de ´0 . Por sua vez, ´0 diz-se ponto exterior de A se existir
um disco aberto de centro ´0 que não intersecte A. Por seu turno, ´0 diz-se ponto
fronteiro de A se não é ponto interior nem ponto exterior de A, isto é, se qualquer
vizinhança de ´0 contiver pontos de A e pontos do complementar de A. O conjunto
de todos os pontos interiores (respectivamente, exteriores ou fronteiros) de um sub-
conjunto A  C designa-se por interior (respectivamente, exterior ou fronteira) de
A e representa-se por int A (respectivamente, ext A ou @A). Note-se que

ext A D int.CnA/ :

Exemplo 1.5 Consideremos o disco aberto D.0; 1/. O seu interior coincide com
o próprio disco, uma vez que, sendo um conjunto aberto, o disco é vizinhança de
todos os seus pontos. A fronteira consiste na circunferência C de centro 0 e raio 1.
De facto, qualquer disco aberto centrado num ponto de C contém pontos de D.0; 1/
e do seu complementar. O exterior é, então, constituı́do pelos restantes pontos do
plano.

Um ponto ´0 é ponto aderente de A  C se

A \ D.´0 ; r/ 6D ; ;

para cada r > 0. O conjunto dos pontos aderentes de A designa-se por aderência
ou fecho de A e representa-se por A. Tem-se então

A D int A [ @A :

Um ponto ´0 é ponto de acumulação de A  C se

A \ .D.´0 ; r/nf´0 g/ 6D ; ;

para cada r > 0. O conjunto dos pontos de acumulação de A designa-se por deri-
vado de A e representa-se por A0 .

Dizemos que um subconjunto F  C é fechado se o seu complementar CnF


é aberto. Tendo em conta as propriedades dos subconjuntos abertos, conclui-se
de imediato que o conjunto vazio e C são conjuntos fechados, a união finita de
fechados é um fechado e a intersecção de uma famı́lia qualquer de fechados é ainda
um fechado.
32 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Exemplo 1.6 As rectas e circunferências são exemplos de conjuntos fechados, uma


vez que os seus complementares em C consistem na união de dois abertos.

Seja S um subconjunto de C. O conjunto S é limitado se existir r > 0 tal que

S  D.0; r/ :

Exemplo 1.7 Todo o disco aberto é limitado, como facilmente se constata.

Uma famı́lia .U˛ /˛2I de subconjuntos de C diz-se uma cobertura de A  C


se
[
A  U˛ .
˛2I

Se .U˛ /˛2I é uma cobertura de A e J é um subconjunto de I tal que


[
A  Uˇ ;
ˇ 2J

então .Uˇ /ˇ 2J diz-se uma subcobertura da cobertura .U˛ /˛2I . A subcobertura


.Uˇ /ˇ 2J diz-se finita se J for um conjunto finito. Uma cobertura .U˛ /˛2I de
A  C diz-se aberta se todo o conjunto U˛ for um aberto de C.

Um subconjunto K  C diz-se compacto se toda a cobertura aberta de K


tiver uma subcobertura finita.

No espaço C munido da métrica usual, os compactos identificam-se com os


subconjuntos fechados e limitados. O Teorema de Heine-Borel estabelece que um
subconjunto K de Rn é compacto se e só se K é fechado e limitado (veja-se, por
exemplo, [8, p.23]). Contudo, chamamos a atenção do leitor para o facto de, num
espaço métrico geral, nem todo o subconjunto fechado e limitado ser compacto.

Exemplos 1.8 Como já foi observado, o disco aberto D.´0 ; r/, com ´0 2 C e
r > 0, é um conjunto aberto e limitado de C. Por outro lado, a sua aderência,

D.´0 ; r/ D f´ 2 C W j´ ´0 j  rg ;

é um conjunto fechado e limitado, ou seja, é compacto. Este conjunto designa-se


por disco fechado e representa-se de forma simplificada por D.´0 ; r/.
1.9 O espaço métrico dos complexos 33

O subconjunto S  C diz-se conexo quando não é possı́vel escrever S na


forma
S D .S \ A/ [ .S \ B/ ;

em que A e B são subconjuntos de C, ambos abertos ou ambos fechados, e tais que

S \ A 6D ;; S \ B 6D ; e S \ A \ B D ;:

Caso contrário, S diz-se desconexo.

Como vimos anteriormente, os abertos de um subconjunto obtêm-se me-


diante a intersecção desse subconjunto com abertos do espaço C. Ora, os fechados
de um subconjunto são também obtidos mediante a intersecção desse subconjunto
com fechados de C. Sendo assim, afirmar que S  C é conexo é equivalente a
afirmar que S não se pode escrever como a união de dois subconjuntos não vazios,
disjuntos e ambos fechados, ou ambos abertos, em S .

Este facto permite deduzir uma nova caracterização para os subconjuntos


conexos de C: um subconjunto S é conexo se e só se os únicos subconjuntos si-
multaneamente abertos e fechados em S são o conjunto vazio e o próprio S . De
facto, ao considerarmos um subconjunto U  S , aberto e fechado em S , obtemos
dois subconjuntos, U e S nU , ambos abertos em S , que verificam

U \ .S nU / D ; e U [ .S nU / D S :

Existem várias caracterizações para os espaços topológicos conexos. Para


maior desenvolvimento, recomendamos a leitura do capı́tulo 6 de [30].

Intuitivamente, os subconjuntos conexos de C são os subconjuntos que se


representam geometricamente no plano de Argand por uma figura com uma ”só
peça”.

Exemplos 1.9 O espaço C é conexo. Os discos abertos e fechados são também


exemplos de conjuntos conexos.

Em C, um domı́nio ou região é um subconjunto não-vazio, aberto e conexo.

Ao longo dos próximos capı́tulos, lidaremos com funções definidas num


domı́nio ou região de C.
34 CAPÍTULO 1: Números Complexos

1.10 O infinito
Desde sempre o infinito exerceu forte atracção sobre a mente humana. Mas,
afinal, o que é o infinito? O infinito é o que não é finito, o que não tem fim, o que se
recria a si próprio, o que é eterno e imortal. O infinito é um conceito fundamental
em matemática, um conceito omnipresente nas bibliotecas matemáticas em disci-
plinas tão diversas como o cálculo infinitesimal, a teoria dos conjuntos, a geometria
projectiva, etc. A Matemática é, para alguns, a ciência do infinito. Há quem creia
que, pelo simples facto de se acrescentar o infinito ao discurso matemático, daı́ re-
sulta matemática relevante.

Segundo Philip Davies e Reuben Hersch, o infinito é o cântaro maravilhoso


da matemática. Maravilhoso, porque o seu conteúdo é inesgotável.

Para o pensamento cristão, o problema do infinito esteve ligado, durante


muito tempo, ao problema da eternidade, da criação a partir do nada, capacidade
única de Deus, verdadeiramente eterno e infinito. A tı́tulo de curiosidade, recorda-
mos aqui que René Descartes concebeu uma prova da existência de Deus, mediante
o seguinte argumento:

Um ser finito jamais poderia conceber a ideia de infinito, eterno,


imutável, omnipresente, independente, omnipotente, a menos que o ser
infinito houvesse depositado tal ideia no ser finito. Logo, Deus existe!

Em muitas situações impõe-se a ampliação do sistema C dos números com-


plexos mediante a introdução de um sı́mbolo representando o infinito: 1.

No estudo das funções reais de variável real, o sistema dos números reais é
completado com dois elementos: 1 e C1. Supõe-se que para todo o a finito se
tem 1 < a < C1 e que são preservadas as propriedades fundamentais das desi-
gualdades neste campo alargado (vulgarmente designado por recta acabada). Ora,
na teoria das funções de variável complexa é necessário acrescentar ao sistema dos
números complexos apenas um infinito sem sinal, 1, obtendo-se o plano complexo
ampliado. Nos complexos não são consideradas desigualdades que envolvam 1 e
a questão de saber se 1 é maior ou menor do que um número finito não se coloca.

Os pontos do plano complexo, juntamente com o ponto ideal a que chama-


mos ponto do infinito, constituem o plano complexo ampliado, usualmente repre-
sentado pelo sı́mbolo b
C.
1.10 O infinito 35

z`
z
0
z
z`

Figura 13: Modelo do plano complexo ampliado baseado na projecção este-


reográfica.

Introduziremos, de seguida, um modelo geométrico no qual todos os pontos


do plano ampliado têm uma representação concreta. Consideremos, então, uma
esfera unitária S , cuja equação num sistema de eixos ortogonais no espaço tridi-
mensional é
x12 C x22 C x32 D 1 :

A cada ponto de S (representado na figura 13 pela letra Ó), à excepção do pólo


norte N de coordenadas .0; 0; 1/, podemos associar um número complexo

x1 C ix2
´ D
1 x3

e esta correspondência é biunı́voca, como facilmente se prova (cfr. exercı́cio 1.31).

Note-se que podemos exprimir x1 ; x2 ; x3 em termos do número complexo ´


(cfr. exercı́cio 1.31):

´C´ ´ ´ j´j2 1
x1 D ; x2 D ; x3 D :
1 C j´j2 i.1 C j´j2 / j´j2 C 1

Chama-se a esta correspondência projecção estereográfica.

A correspondência pode completar-se, fazendo corresponder ao pólo norte da


esfera o ponto do infinito. Deste modo, consideramos a esfera como representação
36 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Figura 14: Circunferências na esfera de Riemann e sua projecção.

do plano ampliado b
C, também designado por sistema ampliado dos números com-
plexos. Observemos que a semi-esfera x3 < 0 corresponde ao disco

j´j < 1 ;

e a semi-esfera x3 > 0 a
j´j > 1 ;

como a figura 13 ilustra. É costume designar-se a esfera S por esfera de Riemann.

A figura 14 apresenta uma imagem da esfera de Riemann a três dimensões,


ilustrando que uma circunferência na esfera que passe por N é transformada pela
projecção estereográfica numa recta do plano complexo.

O sı́mbolo 1; que representa o ponto ideal no infinito, satisfaz

´ C 1 D 1 C ´ D 1;

para todo o ´, finito ou infinito, e

w  1 D 1  w D 1;

para todo o complexo w ¤ 0 e para w D 1:


1.10 O infinito 37

Contudo, não é possı́vel definir

1
1 1; e 01
1

sem violar as leis da aritmética. São, tal como nos reais, as chamadas formas
indeterminadas. Por convenção, escreveremos

´
D 1;
0

para ´ ¤ 0, e
w
D 0;
1

para w ¤ 1.

Convencionamos, ainda, que toda a recta passa pelo ponto no infinito (veja-
-se a figura 14), mas em contraste nenhum semi-plano contém o ponto ideal.

Já relembrámos a noção de vizinhança de um ponto ´0 2 C. E como se


comportará uma vizinhança do infinito? Ora, para r > 0, define-se o disco aberto
de centro no infinito e de raio r do seguinte modo

 
1
D.1; r/ D ´ 2 C W j´j > :
r

Geometricamente, este conjunto identifica-se com o exterior da circunferência de


centro 0 e de raio 1=r, pelo que é um subconjunto aberto de C. Uma vizinhança de
1 é então qualquer conjunto que contenha D.1; r/, para algum r > 0.

Ao considerarmos pontos das vizinhanças D.1; r/ e à medida que escolhe-


mos valores de r cada vez mais próximos de 0, obtemos pontos cada vez mais
”próximos” de 1. Mais uma vez reforçamos a ideia de que não podemos consi-
derar pontos maiores ou menores do que 1, mas sim pontos mais ”próximos” ou
mais ”afastados” de 1.
38 CAPÍTULO 1: Números Complexos

1.11 Exercı́cios propostos


Exercı́cio 1.1 Deduza a fórmula resolvente para a equação quadrática de coefi-
cientes complexos, usando o método do completamento do quadrado.

Exercı́cio 1.2 Determine as soluções da equação

x2 .3 C i /x C .2 C 2i / D 0 :

Exercı́cio 1.3 As raı́zes de uma cúbica geral podem ser vistas no plano OX Y como
a intersecção do eixo dos xx com o gráfico da cúbica

y D x 3 C ax 2 C bx C c ;

com a; b; c 2 R.
(a) Mostre que o ponto de inflexão do gráfico da cúbica ocorre para
x D a=3.
(b) Deduza geometricamente que a substituição x D X a=3 reduz a
equação à forma y D X 3 C BX C C .
(c) Verifique algebricamente o resultado da alı́nea anterior.

Exercı́cio 1.4 Para resolver a cúbica x 3 D 3px C 2q, onde p; q 2 R, proceda do


modo que se segue.
(a) Efectue a substituição x D s C t e observe que x é solução da cúbica
se st D p e s 3 C t 3 D 2q.
(b) Elimine t nestas duas equações, obtendo assim uma equação quadrá-
tica em s 3 :
(c) Resolva esta equação quadrática, determinando as duas soluções de
s3 .
(d) E quais são as possı́veis soluções para t 3 ?
(e) Tendo em conta que s 3 C t 3 D 2q; deduza a fórmula resolvente.

Exercı́cio 1.5 Em 1591, François Viète (1540–1603) publicou outro processo de


resolução da cúbica. O método baseia-se na identidade

cos 3 D 4c 3 3c ;

onde c D cos  .
1.11 Exercı́cios propostos (1.1–1.32) 39

p
(a) Substitua x D 2 pc na cúbica geral reduzida x 3 D 3px C 2q e ob-
q
tenha 4c 3 3c D pp p
.

(b) Sendo q 2  p 3 , prove que as soluções da equação original são


 
p 1
x D 2 p cos . C 2k/ ;
3
 
q
onde k é um inteiro e  D arc cos pp p
.

(c) Aplique a fórmula à equação x 3 D 3x.

Exercı́cio 1.6 Considere o conjunto dos quaterniões H constituı́do pelos quatro-


-úplos de números reais .x; y; ´; t /, com a adição definida por coordenadas

.x; y; ´; t / C .x1 ; y1 ; ´1 ; t1 / D .x C x1 ; y C y1 ; ´ C ´1 ; t C t1 /

e a multiplicação, distributiva à esquerda relativamente à adição, definida por

i 2 D j 2 D k 2 D ij k D 1;

sendo

1 D .1; 0; 0; 0/; i D .0; 1; 0; 0/; j D .0; 0; 1; 0/; k D .0; 0; 0; 1/ :

Prove que os quaterniões formam um corpo, cuja multiplicação não é comutativa.

Exercı́cio 1.7 Prove que se dois inteiros podem ser expressos como a soma de dois
quadrados (de inteiros), então o mesmo vale para o seu produto4.
Sugestão: Considere
j.a C bi /.c C d i /j2 ;
onde cada sı́mbolo diferente de i denota um inteiro.

Exercı́cio 1.8 Prove, pelo método de indução, a fórmula binomial


! ! !
n n n 2 n k
.1 C ´/ D 1 C ´C ´ C  C ´ C    C ´n ;
1 2 k
!
n nŠ
onde D e n é um inteiro positivo.
p pŠ.n p/Š
4 Este facto básico tem várias aplicações em Teoria dos Números.
40 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Exercı́cio 1.9 Deduza a identidade

1 ´nC1
1 C ´ C ´2 C    C ´ n D ; ´ 6D 1:
1 ´

Sugestão: Tome S D 1 C ´ C ´2 C    C ´n e considere a diferença S ´S .

Exercı́cio 1.10 Exprima sob a forma de um número real:


10i
(a) ;
.1 i /.2 i /.3 i/
1 C 2i 2 6i
(b) C ;
3 4i 5i
(c) .1 C i /4 .

Exercı́cio 1.11 Prove o Teorema 1.1.

Exercı́cio 1.12 Escreva as expressões em função de Re ´ e Im ´:

(a) Re ´2 ;

(b) Re.i´/;

(c) Im.i´/;

(d) Re..1 i /´/.

Exercı́cio 1.13

(a) Para ´; w 2 C, deduza a Regra do Paralelogramo

j´ wj2 C j´ C wj2 D 2.j´j2 C jwj2 / :

(b) Interprete geometricamente a referida propriedade.

Exercı́cio 1.14 Ilustre geometricamente a divisão de números complexos.

Exercı́cio 1.15 Determine as raı́zes ı́ndice quatro de i e interprete geometrica-


mente a posição dos correspondentes afixos no plano de Argand.

Exercı́cio 1.16 Repita o exercı́cio anterior, agora para as raı́zes ı́ndice 8 de 1.


1.11 Exercı́cios propostos (1.1–1.32) 41

Exercı́cio 1.17 Para ´ ¤ 0 e mediante argumentação geométrica, mostre que se


tem ˇ ˇ
ˇ´ ˇ
ˇ ˇ
ˇ j´j 1ˇ  j arg ´j ;

com o argumento de ´ expresso em radianos.

Exercı́cio 1.18 Determine o argumento principal de ´, Arg ´, quando:

i
(a) ´ D ;
2 2i
p
(b) ´ D . 3 i /6 .
p
Exercı́cio 1.19 Determine as raı́zes cúbicas de 3 C i.

Exercı́cio 1.20 Mostre que:

(a) jcis  j D 1;

(b) cis  D cis.  /.

Exercı́cio 1.21 Deduza, a partir da fórmula de De Moivre, as seguintes identida-


des:

(a) cos 3 D cos3  3 cos  sin2  ;

(b) sin 3 D 3 cos2  sin  sin3  .

Exercı́cio 1.22 Obtenha identidades análogas para cos 4 e sin 4 .

Exercı́cio 1.23 Deduza a Identidade Trigonométrica de Lagrange:

1 sinŒ.n C 12 / 
1 C cos  C cos 2 C    C cos n D C ; 0 <  < 2 :
2 2 sin.=2/

Exercı́cio 1.24 Mostre que, sendo ´ qualquer raiz ı́ndice n da unidade diferente de
1, se tem
1 C ´ C    C ´n 1 D 0 :

Sugestão: Utilize o resultado do Exercı́cio 1.9.


42 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Exercı́cio 1.25 Este exercı́cio fornece uma construção dos números complexos a
partir de uma classe especial de matrizes reais, construção essa alternativa da usual
a partir do plano real. Denotemos por M2 .R/ o conjunto das matrizes reais 2  2
munido das operações usuais de adição e multiplicação. Consideremos o conjunto
C das matrizes da forma  
a b
;
b a
e tomemos a função M W C ! C que a cada complexo .a; b/ faz corresponder a
matriz M.a; b/ definida por
 
a b
M.a; b/ D :
b a

Prove que a função M satisfaz as seguintes propriedades:

(a) M é injectiva;
(b) M é sobrejectiva;
(c) M é um homomorfismo de grupos aditivos;
(d) M é um homomorfismo de monóides multiplicativos (isto é, preserva
a multiplicação);
(e) M é um isomorfismo de corpos;
(f) Todas as propriedades anteriores também são válidas para a restrição
de M ao conjunto dos números reais

f.x; 0/ W x 2 Rg  C

sobre o conjunto das matrizes diagonais em C:

Conclui-se, assim, que C satisfaz as propriedades algébricas de C:

Exercı́cio 1.26 Mostre que as raı́zes complexas de um polinómio com coeficientes


reais ocorrem em pares conjugados.

Exercı́cio 1.27 Se j´j D 1, prove que


ˇ ˇ
ˇ a´ C b ˇ
ˇ ˇ D 1;
ˇ ˇ
b´ C a
para quaisquer complexos a e b.
1.11 Exercı́cios propostos (1.1–1.32) 43

Exercı́cio 1.28 Escreva, em notação complexa, a equação de uma recta, de uma


circunferência e de uma elipse.

Exercı́cio 1.29 Represente geometricamente o conjunto dos pontos ´ tais que

(a) Re.´ C 1/ D j´ C 1j;

(b) f´ 2 C W j´j D j´ 1jg, com  2 RC ;

Exercı́cio 1.30

(a) Deduza a validade de (1.18),

1
A D Œ.z1  z2 / C .z2  z3 / C .z3  z4 / C .z4  z1 / ;
2
para o cálculo da área de qualquer quadrilátero de vértices ´1 ; ´2 ; ´3
e ´4 (tomados no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio). Para
tal, mostre que (1.18) é invariante mediante uma translação por k.
Sugestão: Tenha em conta que ´ C ´ é um número real.

(b) Será (1.18) válida para polı́gonos com qualquer número de lados?

Exercı́cio 1.31 No espaço euclidiano R3 , considere a esfera de centro 0 e de raio


1,
S D f.x1 ; x2 ; x3 / 2 R3 W x12 C x22 C x32 D 1g ;
e o ponto N de coordenadas .0; 0; 1/, usualmente designado por pólo norte de S .

(a) Mostre que a ”estrela” de rectas, que passam por N e que intersectam
S , faz corresponder a cada ponto .x; y; 0/ do plano OX Y , um ponto
da esfera S , distinto de N , de coordenadas dadas por

2x 2y x2 C y 2 1
x1 D ; x2 D ; x3 D :
x2 C y 2 C 1 x2 C y 2 C 1 x2 C y 2 C 1

(b) Designando por ´ o complexo x C iy (e por ´ o seu conjugado),


mostre que as fórmulas anteriores se podem escrever na forma

´C´ ´ ´ j´j2 1
x1 D ; x2 D ; x3 D :
1 C j´j2 i.1 C j´j2 / j´j2 C 1
44 CAPÍTULO 1: Números Complexos

(c) Verifique que a recta que passa por N e .x1 ; x2 ; x3 / 2 S intersecta o


plano OX Y no ponto ´ D x C iy, dado por
x1 C ix2
´ D :
1 x3

b Tome para d.´1 ; ´2 / a distância usual entre os


Exercı́cio 1.32 Sejam ´1 ; ´2 2 C.
pontos da esfera de Riemann, correspondentes a ´1 e ´2 , de acordo com a projecção
estereográfica.
(a) Qual o valor de d.0; 1/? E de d.1; 1/?
(b) Verifique que, em geral, para ´1 ; ´2 ; ´ 6D 1,
2j´2 ´1 j 2
d.´1 ; ´2 / D p p e d.´; 1/ D p :
1 C j´1 j2 1 C j´2 j2 1 C j´j2
A métrica assim definida diz-se métrica esférica.

1.12 Laborat ório 1


Este primeiro Laboratório tem como principal objectivo a familiarização do
leitor com a sintaxe básica do Mathematica no campo da Análise Complexa.

Comandos básicos
Um problema frequente que surge aos novos utilizadores do Mathematica
decorre do uso dos mesmos sı́mbolos para representar variáveis em diferentes
notebooks. Por exemplo, se tivermos dois notebooks abertos onde surja a variável
x, o valor de x corresponde ao valor da mais recente execução. Esta situação
pode criar anomalias inesperadas. Por isso, é aconselhável a utilização do comando
Clear[] como forma de contornar o problema. No exemplo mencionado, acon-
selha-se a colocação de Clear[x] no inı́cio dos dois notebooks. Se desejarmos
limpar todas as variáveis globais de uma só vez, sem as listar, podemos escrever
Clear["Global‘*"].

Os sı́mbolos e comandos inerentes ao programa começam por p uma maı́uscula,


em particular, o sı́mbolo I representa a unidade imaginária i D 1.

Ao utilizar o Mathematica na manipulação de números complexos, surgirá


inevitavelmente a necessidade de recorrer às funções Re[], Im[], Abs[], Arg[] e
1.12 Laboratório 1 45

Conjugate[]. O seu funcionamento é óbvio. Apresenta-se um exemplo ilustra-


tivo.

Clear@"Global` *"D; z = 1 + I;
8Re@zD, Im@zD, Abs@zD, Arg@zD, Conjugate @zD<
In[1]:=

!!!! Π
Out[2]= 91, 1, 2 , €€€€€ , 1 - ä=
4

Uma aparente anomalia no Mathematica...


Chamamos a atenção para aquilo que parece ser uma anomalia do programa
Mathematica.

Determinemos as partes real e imaginária do número complexo

.x C iy/3 ;

com x; y 2 R. Para obtermos uma expressão para .x C iy/3 , procedemos do se-


guinte modo:

In[3]:= expression = Expand @Hx + I * yL ^ 3D

Out[3]= x3 + 3 ä x2 y - 3 x y2 - ä y3

Em seguida, determinamos as partes real e imaginária dessa expressão:

In[4]:= Re@expression D

Out[4]= -3 Im@x2 yD + Im@y3 D + Re@x3 - 3 x y2 D

In[5]:= Im@expression D

Out[5]= Im@x3 - 3 x y2 D + 3 Re@x2 yD - Re@y3 D

Não obtivemos propriamente o desejado. A razão é simples. Se nenhuma instrução


for dada em contrário, o Mathematica assume que todos os sı́mbolos literais são
complexos, o que conduz aos resultados acima. Em contraponto, o comando
ComplexExpand[] assume que todos são reais, excepto os que forem explicita-
mente definidos como complexos. Desta forma, as funções re[] e im[] operam
do modo esperado:
46 CAPÍTULO 1: Números Complexos

re@w_D := ComplexExpand @Re@wDD;


im@w_D := ComplexExpand @Im@wDD;
In[6]:=

8re@expression D, im@expression D<

Out[8]= 8x3 - 3 x y2 , 3 x2 y - y3 <

Uma aplicação da Fórmula de De Moivre


Pretendemos efectuar a conversão de co-senos de múltiplos de um ângulo em
potências do co-seno desse ângulo, usando o Mathematica. Vamos exemplificar
com cos 5 . Começamos por aplicar a fórmula de De Moivre
cos 5 C i sin 5 D .cos  C i sin  /5 :
Em seguida, extraı́mos a parte real de .cos  C i sin  /5:
In[9]:= ComplexExpand @HCos@ΘD + I * Sin@ΘDL ^ 5D

ä H5 Cos@ΘD4 Sin@ΘD - 10 Cos@ΘD2 Sin@ΘD3 + Sin@ΘD5 L


Out[9]= Cos@ΘD5 - 10 Cos@ΘD3 Sin@ΘD2 + 5 Cos@ΘD Sin@ΘD4 +

Igualando as partes reais das duas expressões, obtemos


cos 5 D cos5  10 cos3  sin2  C 5 cos  sin4  :
Usando o comando de substituição /., damos a instrução de utilização da Fórmula
Fundamental da Trigonometria:

In[10]:= Expand AHCos@ΘD5 - 10 Cos@ΘD3 Sin@ΘD2 + 5 Cos@ΘD Sin@ΘD4 L .


9Sin@ΘD2 ® H1 - Cos@ΘD2 L, Sin@ΘD4 ® H1 - Cos@ΘD2 L =E
2

Out[10]= 5 Cos@ΘD - 20 Cos@ΘD3 + 16 Cos@ΘD5

Concluı́mos, portanto, que


cos 5 D 5 cos  20 cos3  C 16 cos5  :
Obviamente, um procedimento análogo aplica-se a sin 5 . O leitor pode experi-
mentar outros casos.

No programa Mathematica, existem funções que permitem obter de modo


directo o resultado anterior sem recorrer à Fórmula de De Moivre. Trata-se do
comando TrigExpand[] ou do comando Expand[] com a opção Trig->True.
Passamos a ilustrar. Escrevemos
1.12 Laboratório 1 47

In[11]:= TrigExpand @Cos@5 ΘDD

Out[11]= Cos@ΘD5 - 10 Cos@ΘD3 Sin@ΘD2 + 5 Cos@ΘD Sin@ΘD4

ou
In[12]:= Expand @Cos@5 ΘD, Trig ® TrueD

Out[12]= Cos@ΘD5 - 10 Cos@ΘD3 Sin@ΘD2 + 5 Cos@ΘD Sin@ΘD4

Seguidamente, efectuamos a substituição das potências de sin  :

In[13]:= Expand @% . Sin@ΘD ^ k_ ® H1 - Cos@ΘD2 L ^ Hk  2LD

Out[13]= 5 Cos@ΘD - 20 Cos@ΘD3 + 16 Cos@ΘD5

Para a operação inversa, usa-se TrigReduce[]. Consideremos o exemplo anterior.

In[14]:= TrigReduce @5 Cos@ΘD - 20 Cos@ΘD3 + 16 Cos@ΘD5 D

Out[14]= Cos@5 ΘD

Outra função que também pode ser útil, nomeadamente na factorização, é


TrigFactor[]. Vejamos:

In[15]:= TrigFactor @Cos@5 ΘDD

Out[15]= Cos@ΘD H1 - 2 Cos@2 ΘD + 2 Cos@4 ΘDL

Visualização de raı́zes complexas no Mathematica


O comando Solve[] permite obter as soluções de uma equação. Notamos
que, no Mathematica, usa-se o sinal == para separar os dois membros de uma
equação. O comando Solve[] tem dois argumentos, sendo o primeiro a equação,
ou uma lista com um conjunto de equações, e o segundo a variável, ou uma lista de
variáveis, em relação à qual se pretende resolver a equação. Exemplificamos com
o cálculo das raı́zes da equação w5 1 D 0.

In[16]:= Solve@w5 - 1 Š 0, wD

88w ® 1<, 8w ® -H-1L15 <,


8w ® H-1L25 <, 8w ® -H-1L35 <, 8w ® H-1L45 <<
Out[16]=
48 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Apresentamos uma lista com as raı́zes quı́nticas da unidade, que no plano


complexo correspondem aos vértices de um pentágono regular inscrito na circun-
ferência de raio unitário.

In[17]:= Table@Cos@2 * k * Π  5D + I * Sin@2 * k * Π  5D, 8k, 0, 4, 1<D

!!!! !!!! !!!! !!!!


91, €€€€€ I-1 + 5 M + €€€€€ ä $%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
€€€€€ I5 + 5 M , €€€€€ I-1 - 5 M + €€€€€ ä $%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
€€€€€ I5 - 5 M ,
1 1 1 1 1 1
Out[17]=
4 2 2 4 2 2

!!!! !!!! !!!! !!!!


€€€€€ I-1 - 5 M - €€€€€ ä $%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
€€€€€ I5 - 5 M , €€€€€ I-1 + 5 M - €€€€€ ä $%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
€€€€€ I5 + 5 M =
1 1 1 1 1 1
4 2 2 4 2 2

Vejamos como representar as raı́zes no plano complexo.

In[18]:= complexPlot @z_List D := Module @8points <,


points = Map@8Re@#D, Im@#D< &, zD;
ParametricPlot @8Cos@ΘD, Sin@ΘD<, 8Θ, -Π, Π<, AspectRatio -> 1,
PlotRange ® 88-1.05, 1.05<, 8-1.05, 1.05<<,
PlotRegion ® 880.03, 0.97<, 80.03, 0.97<<,
Epilog ® 8PointSize @0.04D, Map@Point, points D<DD;

!!!! !!!!
w = €€€€€ I-1 + 5 M + €€€€€ ä $%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%
€€€€€ I5 + 5 M ;
1 1 1

complexPlot @81, w, w2 , w3 , w4 <D


4 2 2

0.5

-1 -0.5 0.5 1

-0.5

-1

Out[19]= … Graphics …
1.12 Laboratório 1 49

Como complemento, apresentamos a função showNthRoots[] que representa gra-


ficamente as raı́zes ı́ndice n da unidade. Exemplifiquemos com o caso n D 31.

showNthRoots @n_D := Module @8w = Cos@2 * Π  nD + I * Sin@2 * Π  nD<,


complexPlot @Table@w m , 8m, 1, n<DDD;
In[20]:=

showNthRoots @31D

0.5

-1 -0.5 0.5 1

-0.5

-1

Out[21]= … Graphics …

Resolução da cúbica
Partindo do polinómio x 3 C ax 2 C bx C c, efectuemos a mudança de variável
associada à translação:

In[22]:= Collect @Expand @x3 + a x2 + b x + c . x ® X + AD, XD

Out[22]= a A 2 + A 3 + A b + c + H2 a A + 3 A 2 + bL X + Ha + 3 AL X2 + X3

O comando Collect[] agrupa os termos de acordo com as potências de X . Se to-


marmos A D a=3, eliminamos o termo quadrático. Desta forma, se pretendermos
estudar as raı́zes de um polinómio de grau 3, podemos considerá-lo, sem perda de
generalidade, na forma x 3 C ex C f (cfr. exercı́cio 1.3).
50 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Em seguida, ilustramos uma resolução da cúbica (cfr. exercı́cios 1.4 e 1.5),


tirando partido das raı́zes cúbicas da unidade w, w2 e w3 , com w D e2i=3 . Obser-
vamos que a sua soma é igual a zero, pelo que não são linearmente independentes.
w = Exp@ä * 2 * Π  3D;
Map@8Re@#D + I * Im@#D< &, 8w, w + w ^ 2 + w ^ 3<D
In[23]:=

!!!!
99- €€€€€ + €€€€€€€€€€€€€€ =, 80<=
1 ä 3
Out[24]=
2 2

Admitamos, como hipótese, que as raı́zes de um polinómio de grau 3 podem ser


expressas do seguinte modo: ˛ C ˇw2 , ˛w C ˇw e ˛w2 C ˇ e consideremos o
polinómio cúbico obtido a partir do produto ´1 ´2 ´3 , com:
In[25]:= z1 = x - Α - Β * w2 ;
z2 = x - Α * w - Β * w;
z3 = x - Α * w2 - Β;
Simplify @Collect @Expand @z1 * z2 * z3D, xDD

!!!!
x3 - Α3 + €€€€€ I1 + ä 3 M x Α Β - Β3
3
Out[28]=
2

Observemos que o polinómio não tem termo quadrático. Assim, consideremos o


polinómio cúbico x 3 3ax C b e suponhamos que pode ser factorizado na forma
´1 ´2 ´3 , o que implica que
3 p 
b D ˛3 ˇ3 e 3a D 1 C i 3 ˛ˇ :
2
Para resolvermos este sistema de duas equações a duas incógnitas, eliminemos ˇ
com base na regra da substituição:

expression1 = Expand ASimplify A-Α3 - Β3 - b . Β ® -2 a ‘


!!!!
In[29]:=

II1 + ä 3 M ΑMEE

a3
Out[29]= -b - €€€€€€
€ - Α3
Α3

Seguidamente, substituamos ˛ por 1=3 .


In[30]:= expression2 = expression1 . 8Α3 ® Λ, 1  Α3 ® 1  Λ<

a3
Out[30]= -b - €€€€€€€ - Λ
Λ
1.12 Laboratório 1 51

Igualando esta expressão a zero, temos uma equação do segundo grau em  facil-
mente resolúvel. Usemos a função Solve[] para obtermos as suas raı́zes .

In[31]:= Solve@expression2 Š 0, ΛD

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
99Λ ® €€€€€ I-b - -4 a3 + b2 M=, 9Λ ® €€€€€ I-b + -4 a3 + b2 M==
1 1
Out[31]=
2 2

As soluções ˛ são as raı́zes cúbicas de  que apresentamos, de seguida, usando a


função Solve[].

In[32]:= solΑ = Α . Solve@expression1 Š 0, ΑD

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 13
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 13 I-b - -4 a3 + b2 M
9-J- €€€€€ N I-b - -4 a3 + b2 M , €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
1 13
Out[32]= €€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€ ,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 13
2 213
H-1L23 I-b - -4 a3 + b2 M 1 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 13
€€€€€€€€€€ , J- €€€€€ + €€€€€ -4 a3 + b2 N ,
b
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€

1 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! ! 1 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 13


2 13 2 2

J- €€€€€ + €€€€€ -4 a3 + b2 N , H-1L23 J- €€€€€ + €€€€€ -4 a3 + b2 N =


13
b b
-H-1L 13
2 2 2 2

Obtemos 6 soluções, mas como as equações do sistema são simétricas em relação


a ˛ e ˇ, temos efectivamente três raı́zes do polinómio x 3 3ax C b: ˛ C ˇw2 ,
˛w C ˇw e ˛w2 C ˇ. A lista de valores de ˇ correspondente à lista de valores para
˛ é

!!!!
In[33]:= solΒ = MapA-2 a ‘ II1 + ä 3 M #M &, solΑE

2 H-1L23 213 a
9- €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 13
I1 + ä 3 M I-b - -4 a3 + b2 M
Out[33]= €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€ ,

2 H-2L13 a
!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 13
2 213 a
I1 + ä 3 M I-b - -4 a3 + b2 M I1 + ä 3 M I-b - -4 a3 + b2 M
- €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€
13
€€ , €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€ ,

!!!! 1 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! ! 13


I1 + ä 3 M I- €€€ € -4 a3 + b2 M
2a
- €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€ ,
b
€ + €€€

2 H-1L23 a
2 2

!!!! 1 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! ! 13


I1 + ä 3 M I- €€€ € -4 a3 + b2 M
- €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€ ,
b
€ + €€€

2 H-1L13 a
2 2

€€€€€€€€€€€ =
!!!! 1 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! ! 13
I1 + ä 3 M I- €€€ € -4 a3 + b2 M
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€
b
2
€ + €€€ 2
52 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Resolução da quártica pelo Método de Ferrari


Aplicamos o Método de Ferrari para determinação das raı́zes de um po-
linómio de grau 4. Consideremos um polinómio de grau 4 sem o termo cúbico, pois
podemos eliminá-lo por uma mudança de coordenadas associada a uma translação.
Utilizamos o comando Clear[] com o objectivo de limpar todos os valores atri-
buidos anteriormente às variáveis.
In[34]:= Clear@"Global` *"D;
quartic = x4 + p * x2 + q * x + r;
lhs = x4 + p * x2 ; rhs = -q * x - r;

A equação quártica original pode ser expressa como se segue:

In[37]:= lhs Š rhs

Out[37]= p x2 + x4 Š -r - q x

Adicionemos a ambos os membros px 2 C p 2 com o objectivo de os transformar


em quadrados perfeitos.

In[38]:= lhs1 = lhs + p * x2 + p2 ;


rhs1 = rhs + p * x2 + p2 ;
Factor @lhs1D

Hp + x2 L
2
Out[40]=

Conforme podemos verificar, o primeiro membro, lhs1, é um quadrado perfeito.


Porém, o segundo membro, rhs1, ainda não está na forma pretendida.
In[41]:= rhs1

Out[41]= p2 - r - q x + p x2

Seguidamente, somemos a cada um dos membros uma expressão tal que o segundo
membro seja um quadrado perfeito e de modo que o primeiro membro continue a
ser um quadrado perfeito.

lhs2 = lhs1 + 2 * z Hp + x2 L + z2 ;
rhs2 = rhs1 + 2 * z Hp + x2 L + z2 ;
In[42]:=

Factor @lhs2D

Hp + x2 + zL
2
Out[44]=
1.12 Laboratório 1 53

Ajustemos o parâmetro ´ de modo conveniente, recordando a Fórmula Resolvente


da equação quadrática ax 2 C bx C c D 0 que fornece as soluções
p
b ˙ b 2 4ac
:
2a
Para que ax 2 C bx C c seja um quadrado perfeito é necessário que b 2 4ac D 0.
Apliquemos estas considerações à expressão rhs2 associada ao segundo membro.
In[45]:= a = Coefficient @rhs2, x2 D

Out[45]= p+2z

In[46]:= b = Coefficient @rhs2, xD

Out[46]= -q

In[47]:= c = Expand @rhs2 - a * x2 - b * xD

Out[47]= p2 - r + 2 p z + z2

Organizemos, agora, a equação resultante em ´:


In[48]:= Collect @b2 - 4 * a * c, zD

Out[48]= -4 p3 + q2 + 4 p r + H-16 p2 + 8 rL z - 20 p z2 - 8 z3

Chegámos, assim, a uma equação cúbica em ´ que podemos resolver, por exemplo,
pelo Método de Tartaglia exposto anteriormente. Uma vez determinado ´, os dois
membros da equação são expressos como quadrados perfeitos. O passo seguinte
consiste em tomar a raiz quadrada de cada um dos membros e resolver as duas
equações quadráticas daı́ resultantes. Ilustremos com o seguinte exemplo:
In[49]:= lhs = x4 - 10 x2 ; rhs = -8 * x - 5;
lhs1 = lhs - 10 * x2 + 10 2 ; rhs1 = rhs - 10 * x2 + 10 2 ;
Factor @lhs1D

H-10 + x2 L
2
Out[51]=

lhs2 = lhs1 + 2 * z H-10 + x2 L + z2 ;


rhs2 = rhs1 + 2 * z H-10 + x2 L + z2 ;
In[52]:=

Factor @lhs2D

H-10 + x2 + zL
2
Out[54]=
54 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Segue-se

In[55]:= a = Coefficient @rhs2, x2 D

Out[55]= -10 + 2 z

In[56]:= b = Coefficient @rhs2, xD

Out[56]= -8

In[57]:= c = Expand @rhs2 - a * x2 - b * xD

Out[57]= 95 - 20 z + z2

O valor de ´ é escolhido de modo que seja zero o discriminante b 2 4ac.

In[58]:= cubic = Collect @b2 - 4 * a * c, zD

Out[58]= 3864 - 1560 z + 200 z2 - 8 z3

Eliminemos, agora, o termo quadrático:

In[59]:= reducedcubic = Collect @cubic . z ® Z + 200  24, ZD

3328 320 Z
Out[59]= €€€€€€€€€€€€€ + €€€€€€€€€€€€€€€ - 8 Z3
27 3

Podemos obter as raı́zes deste polinómio do terceiro grau recorrendo a diferen-


tes métodos, nomeadamente ao exposto neste Laboratório. Contudo, passamos de
imediato ao cálculo das raı́zes usando a instrução Solve[].

In[60]:= solutionZ = Z . Solve@reducedcubic Š 0, ZD

!!!! !!!!
9- €€€€€ , €€€€€ I1 - 3 3 M, €€€€€ I1 + 3 3 M=
4 2 2
Out[60]=
3 3 3

Aparentemente os cálculos poderão ser mais fáceis se escolhermos a raiz 4=3.


Vem, então,

In[61]:= z = solutionZ @@1DD + 200  24

Out[61]= 7
1.12 Laboratório 1 55

Convém notar que list[[n]] representa o elemento de ordem n de list, de modo


que solutionZ[[1]] representa a primeira solução que é 4=3. Por outro lado,
assim que atribuimos um valor a uma variável, imediatamente em todas as ex-
pressões onde se encontra a variável esta é substituı́da pelo valor atribuı́do. Neste
caso, igualamos ´ a 7 e podemos constatar que tanto lhs2 como rhs2 são agora
quadrados perfeitos.
In[62]:= lhs3 = Factor @lhs2D

H-3 + x2 L
2
Out[62]=

In[63]:= rhs3 = Factor @rhs2D

Out[63]= 4 H-1 + xL2

Tomando raı́zes quadradas na equação lhs3==rhs3, obtemos duas equações qua-


dráticas, quad1 e quad2, cujas raı́zes deverão ser iguais ou simétricas. É con-
veniente usarmos o comando PowerExpand[] para obrigarmos o Mathematica a
realizar o que pretendemos.
In[64]:= quad1 = PowerExpand @Sqrt@lhs3D Š Sqrt@rhs3DD

Out[64]= -3 + x2 Š 2 H-1 + xL

In[65]:= quad2 = PowerExpand @Sqrt@lhs3D Š -Sqrt@rhs3DD

Out[65]= -3 + x2 Š -2 H-1 + xL

solutionx1 = x . Solve@quad1, xD
!!!! !!!!
In[66]:=

Out[66]= 91 - 2, 1+ 2=

solutionx2 = x . Solve@quad2, xD
!!!! !!!!
In[67]:=

Out[67]= 9-1 - 6 , -1 + 6 =

In[68]:= Simplify @lhs - rhs . 8x ® solutionx1 <D

Out[68]= 80, 0<

In[69]:= Simplify @lhs - rhs . 8x ® solutionx2 <D

Out[69]= 80, 0<


56 CAPÍTULO 1: Números Complexos

Em qualquer dos quatro casos a expressão lhs-rhs é zero. Como forma de confir-
mar o resultado, podemos simplesmente resolver lhs==rhs em ordem a x com o
comando Solve[].

Solve@lhs Š rhs, xD
!!!! !!!! !!!! !!!!
In[70]:=

Out[70]= 99x ® 1 - 2 =, 9x ® 1 + 2 =, 9x ® -1 - 6 =, 9x ® -1 + 6 ==

Representação de subconjuntos no plano


A função do Mathematica ComplexInequalityPlot[] inserida no pacote
InequalityGraphics fornece uma ajuda valiosa na visualização de subconjuntos
de C satisfazendo certas condições.

In[71]:= Clear@"Global` *"D;


Needs@"Graphics`InequalityGraphics` "D;
? ComplexInequalityPlot

ComplexInequalityPlot@ineqs, 8z, zmin, zmax<D plots the the


region defined by ineqs within the box bounded by 8Re@
zminD, Im@zminD< and 8Re@zmaxD, Im@zmaxD<. The functions
that occur within the inequality need to be real valued
functions of a complex argument, e.g. Abs, Re and Im. More…

Podemos combinar diferentes condições utilizando os operadores lógicos ^ e _.

Block@8$DisplayFunction = Identity <,


p1 = ComplexInequalityPlot @Abs@zD £ 0.3 ê
In[74]:=

HRe@zD2 + 4 Im@zD2 £ 1 ì 1.23 Re@zD2 + 6.25 Im@zD2 ³ 1L,


8z<, Fills ® RGBColor @0, 0, 1D, Ticks ® NoneD;
p2 = ComplexInequalityPlot @Abs@z - 0.2D ³ 0.4 ß Abs@zD £ 1,
8z<, Fills ® RGBColor @1, 1, 0D, Ticks ® NoneD;
p3 = ComplexInequalityPlot @Abs@1 - z2 D £ 1, 8z<,
Fills ® RGBColor @1, 0, 0D, Ticks ® NoneD;
p4 = ComplexInequalityPlot @Abs@1 - z3 D £ 1, 8z<,
Fills ® RGBColor @0, 1, 0D, Ticks ® NoneD;
p5 = ComplexInequalityPlot @Abs@1 - z2 D £ Abs@1 - z + z2 D,
8z, -1  2 - 2 I, 2 + 2 I<, Ticks ® NoneD;
p6 = ComplexInequalityPlot @Abs@z - 1D £ Re@zD,
8z, -1  2 - 4 I, 3 + 4 I<,
Fills ® RGBColor @1, 0.5, 0D, Ticks ® NoneD;D
1.12 Laboratório 1 57

In[75]:= Show@GraphicsArray @88p1, p2<, 8p3, p4<, 8p5, p6<<DD

Out[75]= … GraphicsArray …

Podemos visualizar as coordenadas nos eixos se retirarmos a opção Ticks->None.


Vejamos novo exemplo.
In[76]:= ComplexInequalityPlot A
HRe@zD2 + Im@zD2 + Re@zDL £ Re @zD2 + Im@zD2 ,
2

8z, -2 - 2 I, 1  2 + 2 I<,
Fills ® RGBColor @1, 0.5, 0.5D, ImageSize ® 72 2E

0.5

-2 -1.5 -1 -0.5
-0.5

-1

Out[76]= … Graphics …
58 CAPÍTULO 1: Números Complexos

A figura obtida corresponde a um cardióide e ao seu interior (no sentido geomé-


trico). Todo o cardióide possui um cúspide, que na figura se encontra na origem.
Um cardióide pode ser caracterizado pelo conjunto dos ´ D x C iy para os quais

.x 2 C y 2 C ax/2 D a2 .x 2 C y 2 / ; a > 0:

Podemos também considerar a sua equação polar. Para ´ D rei , tem-se

r D a.1 cos  / ; a > 0:

Vejamos o que acontece quando a assume os valores 0:25; 0:5; 0:75 e 1.

ParametricPlot @
Evaluate @Table@8a H1 - Cos@ΘDL Cos@ΘD,
In[77]:=

a H1 - Cos@ΘDL Sin@ΘD<,
8a, 0.25, 1, 0.25<DD, 8Θ, 0, 2 Π<,
AspectRatio ® 1, PlotStyle ® 88Hue@0D<,
8Hue@0.3D<, 8Hue@0.6D<, 8Hue@0.9D<<D

0.5

-2 -1.5 -1 -0.5

-0.5

-1

Out[77]= … Graphics …
Voltemos ao nosso ”puzzle histórico”. Por que foi o desen-
volvimento dos números complexos tão laborioso e hesitante,
enquanto que o da Análise Complexa foi tão explosivo?
Ian Stewart e David Tall

Capítulo
Funções Complexas
2
2.1 Introdução
Chama-se função complexa de variável complexa a toda a correspondência
f definida num subconjunto de C e tomando valores em C, f W D  C ! C. O
conjunto D designa-se por domı́nio de definição da função f . O contradomı́nio de
f é constituı́do por todos os pontos de C que são imagem de algum ponto de D e
representa-se por f .D/.

Salvo indicação explı́cita em contrário, consideraremos sempre funções unı́-


vocas, ou seja, que a cada objecto fazem corresponder uma e uma só imagem.
Contudo, sempre que se justifique e em situações devidamente assinaladas, con-
sideraremos funções multı́vocas, para as quais um objecto pode ter mais de uma
imagem associada.

Por exemplo, a função que a cada número complexo ´ 2 Cnf0g faz corres-
ponder o argumento de ´,
arg W Cnf0g ! R ;
é multı́voca, diferindo cada dois valores de arg ´ de um múltiplo de 2. Já o argu-
mento positivo mı́nimo, arg0 , e o argumento principal, Arg D arg  , são funções
unı́vocas:
arg0 W Cnf0g !0; 2 e Arg W Cnf0g !;  :
Como veremos, o facto da função argumento ser multı́voca implica que outras
funções também o sejam, como é o caso, por exemplo, da função logaritmo e da
função raiz ı́ndice n.

59
60 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

Dada uma função f , distinguiremos entre a correspondência propriamente


dita, f , e a imagem de um ponto ´ por f , f .´/. Contudo, por simplificação de
linguagem, permitiremos que f .´/ denote a função se tal não for ambı́guo.

Consideraremos ao longo do texto funções definidas num domı́nio ou região


de C 5. Porém, nas definições de limite e continuidade assumiremos temporaria-
mente a possibilidade de D ser um mero subconjunto não-vazio de C. O objectivo
é o de considerar estes conceitos válidos tanto para funções complexas de variável
complexa, como também para as de variável real. A mesma excepção far-se-á para
o conceito de continuidade uniforme, muitas vezes aplicado a funções definidas
num subconjunto compacto de C.

Exemplos 2.1

(a) A função conjugação definida por

f .´/ D ´

representa uma reflexão relativamente ao eixo dos xx.

(b) Chama-se função polinomial à função definida por

p.´/ D a0 C a1 ´ C    C an ´n ;

com ai 2 C, i D 0; 1; : : : ; n e n 2 N.

(c) Chama-se função racional a toda a função da forma

p.´/
f .´/ D ;
q.´/

onde p e q são funções polinomiais em ´, já sem zeros em comum.


Podemos considerar que f não está definida nos zeros de q. Con-
tudo, é usual convencionar que f toma o valor 1 nesses pontos.
Na definição de função racional, considera-se assim como conjunto
de chegada b C, permitindo desta forma que a função polinomial do
denominador se anule. Note-se que 10 D 1 2 b C.

5 No caso geral, o ”domı́nio de definição” de uma função pode não ser um ”domı́nio” (subconjunto

não-vazio, aberto e conexo).


2.1 Introdução 61

Dada uma função complexa de variável complexa, f W D  C ! C, para


cada ´ 2 D, obtém-se f .´/ 2 C. Consequentemente, podemos escrever f .´/ na
forma

f .´/ D u.´/ C iv.´/ ; (2.1)


onde u.´/; v.´/ 2 R. Designaremos frequentemente u e v, respectivamente, por
parte real e parte imaginária de f e escreveremos, respectivamente, Re f e Im f .
Tanto u.´/ como v.´/ dependem da variável complexa ´ D x C iy, ou seja, de
.x; y/, identificando o número complexo ´ com o seu afixo. Desta forma, u e
v dependem das variáveis reais x e y, pelo que f .´/ pode ser expressa nessas
variáveis:
f .´/ D u.x; y/ C iv.x; y/ : (2.2)
De igual forma, se representarmos o número complexo ´ na forma trigonométrica,

´ D r cis  D r .cos  C i sin  / ;


podemos escrever f .´/ na forma
f .´/ D u.r;  / C iv.r;  / : (2.3)
Assim, toda a função complexa de variável complexa pode ser encarada como
uma função de R2 em R2 , sendo a topologia usual de C nada mais nada menos do
que a topologia euclidiana de R2 .
Exemplo 2.2 Consideremos a função
f WC ! C .
2
´ 7! f .´/ D ´
Representando a variável ´ na forma algébrica, tem-se

f .x C iy/ D .x C iy/2 D x 2 y 2 C i 2xy ;


pelo que
u.x; y/ D x 2 y2 e v.x; y/ D 2xy :
Por seu turno, representando ´ na forma trigonométrica, vem

f .r cis  / D .r cis  /2 D r 2 cis.2 / D r 2 cos.2 / C i r 2 sin.2 / ;


obtendo-se, portanto,
u.r;  / D r 2 cos.2 / e v.r;  / D r 2 sin.2 /:
62 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

É pertinente tecer algumas considerações sobre a representação gráfica de


uma função complexa de variável complexa. A representação gráfica de uma
função

f W DC ! C
´ D x C iy 7! w D f .´/ D u.´/ C iv.´/

requer sempre dois planos: um para representar o campo de variação de x e y,


designado por plano ´, e outro para o campo de variação da parte real e da parte
imaginária de f (u e v), designado por plano w. Ilustremos com um exemplo.

Exemplo 2.3 Consideremos a função f definida por


q
f .´/ D x 2 C y 2 C i. y/ ; ´ D x C iy 2 C :

O que poderá dizer-se acerca de contradomı́nio de f ? Ora, considerem-se as cir-


cunferências de raio c centradas na origem, de equação

x2 C y 2 D c2 :

Então, tomando
q
u.x; y/ D x 2 C y 2 e v.x; y/ D y; x; y 2 R ;

tem-se que u D c e v 2 Œ c; c (veja-se a figura 15).


À medida que o valor de c diminui obtemos segmentos de recta de compri-
mento inferior e à esquerda do segmento de recta da figura 15. Por outro lado,
aumentando o valor de c, obtemos segmentos de recta à direita desse segmento e
de comprimento superior, como pode observar-se na figura 16.
Torna-se, assim, evidente que o contradomı́nio da função f é dado por

f .C/ D f.u; v/ W u  0 ^ v  u ^ v  ug

e encontra-se representado geometricamente na figura 17.


2.1 Introdução 63

y v

c
f
x ! u
0 c 0 c

Figura 15: A função f transforma circunferências do plano ´ em segmentos de


recta do plano w.

u
0 c

Figura 16: Visualização do comportamento de f no plano w.


64 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

u
0

Figura 17: Representação geométrica do contradomı́nio de f no plano w.

2.2 Limites
Pelo facto de uma função complexa de variável complexa poder ser encarada
como uma função de R2 em R2 , são válidas para as funções complexas muitas das
noções já conhecidas da Análise Real, como, por exemplo, as de limite e continui-
dade.

Seja f W D  C ! C uma função complexa e ´0 2 C um ponto de acumu-


lação do conjunto D. Diz-se que a função f tem limite w0 quando ´ tende para ´0
e escreve-se
lim f .´/ D w0 ;
´!´0

se para todo o " > 0, existe ı > 0 tal que

jf .´/ w0 j < " ; (2.4)

para todo o ´ 2 D que verifique 0 < j´ ´0 j < ı.

Note-se que se ´0 pertencer a um domı́nio D, então ´0 é ponto de acumulação


de D, uma vez que sendo D aberto, existe " > 0 tal que

D.´0 ; "/  D :

Contudo, se ´0 é um ponto de acumulação de D, ´0 pode não pertencer a D. Por


exemplo, fixando um valor ı > 0,

D D D.´0 ; ı/nf´0 g
2.2 Limites 65

é aberto e conexo, ou seja, é um domı́nio, e ´0 é ponto de acumulação de D,


apesar de ´0 62 D. Portanto, se ´0 é ponto de acumulação de D, ´0 não precisa de
pertencer a D e a imagem f .´0 / não precisa de estar definida. Caso ´0 2 D, pode
acontecer ainda que
f .´0 / 6D lim f .´/ :
´!´0
Por exemplo, se

0 ; se ´ 6D 0
f .´/ D ; (2.5)
2 ; se ´ D 0
então
lim f .´/ D 0 6D f .0/ :
´!0
No entanto, é essencial que ´0 seja um ponto de acumulação de D. De outro modo,
existiria ı > 0 sem que
D.´0 ; ı/nf´0 g D f´ 2 C W 0 < j´ ´0 j < ıg
contivesse ponto algum de D, pelo que (2.4) seria trivialmente válida para todo o
w0 complexo.

Adaptemos, agora, a definição de limite aos casos em que ´0 ou w0 são infi-


nitos, tendo em conta o conceito de vizinhança do 1 apresentado na secção 1.10.
Assim,
lim f .´/ D 1
´!´0

significa que para todo o " > 0, existe ı > 0 tal que
1
jf .´/j > ;
"
para todo o ´ 2 D que verifique 0 < j´ ´0 j < ı.

Por sua vez,


lim f .´/ D w0
´!1
é equivalente a afirmar que para todo o " > 0, existe ı > 0 tal que
jf .´/ w0 j < " ;
1
para todo o ´ 2 D que verifique j´j > :
ı
Apresentamos dois resultados que são consequência imediata da definição de
limite.
66 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

Teorema 2.1 (Unicidade do limite de uma função complexa) O limite de uma


função complexa, caso exista, é único.

D EMONSTRAÇ ÃO : Admitamos que existem w0 ; w1 tais que w0 6D w1 e

lim f .´/ D w0 e lim f .´/ D w1 :


´!´0 ´!´0

Então, dado " > 0,

9ı0 >0 W 0 < j´ ´0 j < ı0 ) jf .´/ w0 j < " I


9ı1 >0 W 0 < j´ ´0 j < ı1 ) jf .´/ w1 j < " :

jw0 w1 j
Tomando " D > 0 e ı D minfı0 ; ı1 g tem-se que
2
jw0 w1 j  jf .´/ w0 j C jf .´/ w1 j < 2 " D jw0 w1 j ;

o que é um absurdo. 

Lembramos que a unicidade do limite de uma função é válida em espaços de


Hausdorff e que o conjunto dos números complexos munido da métrica usual é um
espaço de Hausdorff.

Teorema 2.2 (Limite complexo vs limites das componentes reais) Seja

f WDC!C

uma função complexa definida no domı́nio D. Consideremos ´0 D x0 C iy0 ,


w0 D u0 C iv0 e f .´/ D u.x; y/ C iv.x; y/, para cada ´ D x C iy 2 D. Tem-se

lim f .´/ D w0 , lim u.x; y/ D u0 ^ lim v.x; y/ D v0 :


´!´0 .x;y/!.x0;y0 / .x;y/!.x0;y0 /

D EMONSTRAÇ ÃO : Admitamos que lim f .´/ D w0 quando ´ ! ´0 . Então, para


cada " > 0, existe ı > 0 tal que

0 < j.x x0 / C i.y y0 /j < ı ) ju.x; y/ C iv.x; y/ .u0 C iv0 /j < " :

Como ju u0 j  j.u u0 / C i.v v0 /j < ", conclui-se que


q
8">0 ; 9ı>0 W 0 < .x x0 /2 C .y y0 /2 < ı ) ju.x; y/ u0 j < " :
2.2 Limites 67

Logo, lim u.x; y/ D u0 quando .x; y/ ! .x0 ; y0 /. Analogamente se conclui que


lim v.x; y/ D v0 :
.x;y/!.x0;y0 /

Reciprocamente, dado " > 0,


"
9ı0 >0 W 0 < j.x C iy/ .x0 C iy0 /j < ı0 ) ju.x; y/ u0 j < I
2
"
9ı1 >0 W 0 < j.x C iy/ .x0 C iy0 /j < ı1 ) jv.x; y/ v0 j < :
2
Portanto, tomando ı D minfı0 ; ı1 g > 0, conclui-se o pretendido. 

Assim, de acordo com a notação adoptada, afirmar que lim f .´/ D w0 é


´!´0
equivalente a afirmar que
lim Re f .´/ D Re w0 ^ lim Im f .´/ D Im w0 : (2.6)
´!´0 ´!´0

As seguintes propriedades dos limites complexos podem ser provadas por


métodos análogos ao caso real.
Teorema 2.3 (Álgebra dos limites) Consideremos duas funções complexas f e g,
com domı́nio de definição D, e seja ´0 um ponto de acumulação de D. Se
lim f .´/ D l e lim g.´/ D k ;
´!´0 ´!´0

então
(a) lim Œf .´/ C g.´/ D l C kI
´!´0

(b) lim Œf .´/ g.´/ D l kI


´!´0

(c) lim f .´/ g.´/ D l kI


´!´0

f .´/ l
(d) lim D , desde que k 6D 0.
´!´0 g.´/ k

Outra propriedade importante dos limites é a seguinte:


se lim f .´/ D l ; então lim jf .´/j D jlj : (2.7)
´!´0 ´!´0

Esta propriedade prova-se usando a definição de limite e a desigualdade


jjf .´/j jljj  jf .´/ lj :
68 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

2.3 Continuidade
Diz-se que a função f W D  C ! C é contı́nua em ´0 2 D se para todo o
" > 0, existe ı > 0 tal que

jf .´/ f .´0 /j < " ;

sempre que ´ 2 D e j´ ´0 j < ı.

Diz-se que f é contı́nua em D  C se for contı́nua em todos os pontos de D.

Se considerarmos, como habitualmente, D um domı́nio, então ´0 é ponto de


acumulação de D e a definição de continuidade apresentada equivale a afirmar que
existe o limite quando ´ tende para ´0 e que este é igual ao valor da função no
ponto:
lim f .´/ D f .´0 / :
´!´0

Por exemplo, a função definida em (2.5) não é contı́nua na origem, uma vez que o
limite da função quando z tende para 0 é diferente da sua imagem em 0.

Se considerarmos D um mero conjunto, alguns dos seus pontos podem ser


isolados. Ora, nesses pontos a função é trivialmente contı́nua. De facto, se ´0 é um
ponto isolado, então existe um disco D.´0 ; ı/ que não contém outro ponto de D
para além de ´0 e qualquer ´ 2 D tal que j´ ´0 j < ı implica ´ D ´0 , o que por
sua vez permite concluir que

jf .´/ f .´0 /j D 0 :

Vejamos alguns exemplos de continuidade, usando raciocı́nios " ı.

Exemplos 2.4

(a) A função
f .´/ D j´j

é contı́nua em todo o plano complexo. Com efeito, dado " > 0, to-
memos ı D ". Então, para j´ ´0 j < ı;

jf .´/ f .´0 /j D jj´j j´0 jj  j´ ´0 j < " :


2.3 Continuidade 69

(b) A função conjugação


f .´/ D ´
é contı́nua em todo o plano. Este facto resulta imediatamente de

j´ ´0 j D j´ ´0 j :

É também trivial provar que g é contı́nua em ´0 se e só se g é


contı́nua em ´0 , sendo g definida por

g.´/ D g.´/ ;

para cada ´ pertencente ao domı́nio de definição de g.

O resultado que agora se apresenta é utilizado frequentemente em espaços


topológicos arbitrários para caracterizar as funções contı́nuas.

Teorema 2.4 (Caracterização das funções contı́nuas por abertos) Seja D um


domı́nio de C. Uma função f W D  C ! C é contı́nua se e só se, para cada
aberto U , a sua imagem inversa f 1 .U / é ainda um aberto.

D EMONSTRAÇ ÃO : Suponhamos que f W D  C ! C é contı́nua e que U é um


aberto de C. Seja ´0 2 f 1 .U /, com
1
f .U / D f´ 2 D W f .´/ 2 U g :

Então, f .´0 / 2 U , pelo que existe " > 0 tal que D.f .´0 /; "/  U . Da continuidade
de f no ponto ´0 , sabemos que existe ı > 0 tal que

jf .´/ f .´0 /j < " ;

sempre que ´ 2 D e j´ ´0 j < ı. Desta forma,

f .D \ D.´0 ; ı//  D.f .´0 /; "/  U ;

donde
1
D \ D.´0 ; ı/  f .U /
e f 1 .U / é aberto em D, ou seja, é a intersecção de D com um aberto de C.
Como D é um domı́nio, D é um aberto de C. Sendo f 1 .U / a intersecção de dois
abertos de C, f 1 .U / também é um aberto de C.
Reciprocamente, suponhamos que para cada subconjunto aberto U de C,
f 1 .U / é um aberto de C. Mas, f 1 .U /  D, pelo que D \ f 1 .U / D f 1 .U /
70 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

e f 1 .U / é aberto em D. Sejam ´0 2 D e " > 0. Então, D.f .´0 /; "/ é um aberto


de C, pelo que
f 1 .D.f .´0 /; "//
é aberto em D. Desta forma, existe ı > 0 tal que
1
D \ D.´0 ; ı/  f .D.f .´0 /; "// :

Assim,
f .D \ D.´0 ; ı//  D.f .´0 /; "/
e f é contı́nua em ´0 . 

Tal como sucede nos espaços topológicos arbitrários, em C as funções contı́-


nuas gozam de duas importantes propriedades: transformam conexos em conexos
e compactos em compactos.
Teorema 2.5 (Continuidade e conexidade) Se f está definida e é contı́nua num
subconjunto conexo C , então f .C / também é conexo.

D EMONSTRAÇ ÃO : Se U e V forem abertos que tornem f .C / desconexo, então


f 1 .U / e f 1 .V / são também abertos e tornam C desconexo. 

Em particular, toda a função contı́nua definida num domı́nio de C tem o


contradomı́nio conexo.
Teorema 2.6 (Continuidade e compacidade) Se f está definida e é contı́nua num
subconjunto compacto K, então f .K/ também é compacto.

D EMONSTRAÇ ÃO : Se .Uj /j 2J é uma cobertura aberta de f .K/, então os conjun-


tos f 1 .Uj / formam uma cobertura aberta de K. Seleccionando uma subcobertura
finita, vem
K  f 1 .Uj1 / [    [ f 1 .Ujp / ;
pelo que f .K/  Uj1 [    [ Ujp . 

O conhecimento destas propriedades torna-se relevante, nomeadamente no


estudo das propriedades geométricas de uma função. Consideremos, por exem-
plo, uma função f bijectiva e contı́nua em C. Suponhamos que f transforma a
circunferência de centro 0 e raio 1 no eixo real. Nestas condições, como D.0; 1/ é
conexo, a função f só poderá transformar o disco no semi-plano aberto superior ou
no semi-plano inferior aberto. O conhecimento da imagem de um ponto do disco
D.0; 1/ permite identificar qual o semi-plano em questão.

Como consequência do Teorema 2.2, é imediata a conclusão:


2.3 Continuidade 71

Teorema 2.7 (Continuidade complexa vs continuidade real) A função

f .´/ D u.x; y/ C iv.x; y/ ; ´ D x C iy 2 D ;

é contı́nua num ponto ´0 D x0 C iy0 do seu domı́nio de definição se e só se u e v


o forem em .x0 ; y0 /.

Exemplo 2.5 A função

f .´/ D ex y cosh y i sinh y cos x ; ´ D x C iy 2 C ;

é contı́nua em todo o plano complexo, porque as funções parte real e parte ima-
ginária, respectivamente,

u.x; y/ D ex y cosh y e v.x; y/ D sinh y cos x ;

são contı́nuas para todo .x; y/ 2 R2 .

Não supreende que a soma e o produto de funções contı́nuas seja ainda


uma função contı́nua e que o quociente entre funções contı́nuas seja uma função
contı́nua, salvo nos pontos em que o divisor se anular.

Teorema 2.8 (Construção de funções contı́nuas) Se f1 e f2 são funções com-


plexas contı́nuas num ponto ´0 do seu domı́nio de definição, então as seguintes
funções também são contı́nuas em ´0 :

(a) f1 C f2 , onde .f1 C f2 /.´/ D f1 .´/ C f2 .´/;


(b) f1 f2 , onde .f1 f2 /.´/ D f1 .´/ f2 .´/;
(c) f1 f2 , onde .f1 f2 /.´/ D f1 .´/ f2 .´/;
f1 f1 f1 .´/
(d) , onde .´/ D , desde que f2 .´0 / 6D 0.
f2 f2 f2 .´/

Estas propriedades resultam imediatamente do Teorema 2.3 e fornecem um


modo expedito de mostrar que certas funções, construı́das a partir de funções contı́-
nuas, são contı́nuas, sem utilizar raciocı́nios " ı. Por exemplo, da função identi-
dade e da função constante, que são obviamente contı́nuas, temos a garantia que

f .´/ D c ´ ;

é contı́nua, com c 2 C, e por indução sobre n

f n .´/ D an ´n ;
72 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

é contı́nua, para qualquer an complexo. De novo por indução sobre n, concluı́mos


que qualquer função polinomial

p.´/ D a0 C a1 ´ C    C an ´n ;

com ai 2 C, i D 0; 1; : : : ; n e n 2 N, é uma função contı́nua. Por conseguinte,


toda a função racional também é contı́nua, com a excepção dos pontos onde o
denominador se anula.

Exemplo 2.6 A função


2´ C 1
f .´/ D
´3 C 1
é contı́nua em todo o plano, excepto nas raı́zes cúbicas de 1,
  
1; cis e cis :
3 3

Analisemos como se comporta a função arg face ao conceito de continui-


dade. Observemos que o contradomı́nio da função é, por definição de arg de um
número complexo,
;  C 2 :

Exemplo 2.7 Dado  2 R, considere-se a função

arg W Cnf0g ! ;  C 2


´ 7! arg ´

e seja N a semi-recta que emerge da origem e que perfaz um ângulo de amplitude


de  radianos com a parte positiva do eixo das abcissas. A função arg é obvia-
mente contı́nua no complementar de N em C. Mostremos que é descontı́nua em
N . Para tal, tomemos ´ a aproximar-se dos pontos de N por uma sucessão de
pontos cujos argumentos são um pouco inferiores a  e por uma sucessão de pon-
tos cujos argumentos são um pouco superiores a . O limite de arg ´ ao longo da
primeira sucessão é  C 2 e ao longo da segunda é .

Uma função complexa f é limitada em D se jf j for limitada em R, repor-


tando-nos ao já conhecido caso real. No próximo exemplo, observamos que toda a
função contı́nua num compacto K é limitada, assumindo em K um valor de módulo
máximo e outro de módulo mı́nimo.
2.4 Continuidade uniforme 73

Exemplo 2.8 Considere-se uma função

f .´/ D u.x; y/ C iv.x; y/

contı́nua num compacto K de C, ou seja, num subconjunto de C fechado e limitado.


Ora, a função real q
Œu.x; y/2 C Œv.x; y/2
é contı́nua em K, pelo que, por um conhecido resultado da Topologia (consulte,
por exemplo, [30, p.84]), atinge um valor máximo e um valor mı́nimo em K. Desta
forma, f é limitada em K e jf .´/j atinge aı́ um valor máximo e um valor mı́nimo,
isto é, existem M1 ; M2 > 0 tais que

M1  jf .´/j  M2 ; ´2K;

ocorrendo, em cada uma das desigualdades, a igualdade para pelo menos um valor
de ´.

2.4 Continuidade uniforme


Recordemos que definimos a continuidade de uma função num conjunto D a
partir da continuidade em cada ponto do conjunto. A continuidade é, assim, exem-
plo daquilo a que se chama uma propriedade local. Trata-se de uma propriedade
estabelecida em termos do comportamento da função na proximidade de um ponto
ou no próprio ponto, ou seja, localmente. Em contraste, as propriedades globais de-
pendem do comportamento da função em todo o conjunto. A limitação é exemplo
de uma propriedade global. Afirmar que uma função é limitada num certo conjunto
D é uma asserção que depende de todo o conjunto. Se uma função é contı́nua, de-
certo é limitada na proximidade de cada ponto, mas não automaticamente em todo
um conjunto. A função
1
f .´/ D
´
é contı́nua no semi-plano
f´ 2 C W Re ´ > 0g ;
mas não é aqui limitada. Uma função contı́nua num compacto é limitada nesse
compacto e nele o máximo e o mı́nimo são atingidos, como foi observado no exem-
plo 2.8. Portanto, a compacidade de D permite transportar a limitação na proximi-
dade de um ponto por continuidade para todo o conjunto. Assim, a compacidade
permite ”transferir” uma propriedade local para global. Daremos de seguida uma
74 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

versão global da noção de continuidade.

Uma função f W D  C ! C diz-se uniformemente contı́nua num conjunto


D se para qualquer escolha de " > 0, existir um ı > 0 tal que

jf .´/ f .w/j < " ;

sempre que ´ e w estiverem em D e j´ wj < ı:

A diferença entre a continuidade uniforme e a continuidade ordinária é que


na primeira o mesmo ı funciona para todo o conjunto D. Obviamente que a con-
tinuidade uniforme implica a continuidade. Num conjunto compacto, o recı́proco
também é verdadeiro.

Teorema 2.9 (Condição suficiente para a continuidade uniforme) Uma função


contı́nua num conjunto compacto é uniformemente contı́nua.

D EMONSTRAÇ ÃO : Com efeito, seja f contı́nua num compacto D e seja " > 0:
Pela continuidade de f , para cada ponto w em D, existe um número ı.w/ > 0 tal
que
"
jf .´/ f .w/j < ; (2.8)
2
sempre que ´ estiver em D e j´ wj < ı.w/. Os discos abertos
 
ı.w/
D w;
2

formam uma cobertura aberta de D. Pela compacidade de D, existe um número


finito de pontos w1 ; : : : ; wm tais que os discos
 
ı.wk /
Dk D D wk ; ; k D 1; : : : ; m ;
2

cobrem D. Sejam
ı.wk /
ık D ; k D 1; : : : ; m ;
2
e seja ı igual ao mı́nimo de ı1 ; : : : ; ım . Fixemos ´; w 2 D tais que j´ wj < ı.
Sabemos que w 2 Dk , para algum k, e assim jw wk j < ık : Logo, por (2.8),
"
jf .w/ f .wk /j < :
2
2.5 Caminhos em C 75

Temos ainda

j´ wk j D j´ wCw wk j

 j´ wj C jw wk j

< ı C ık

 ı k C ık

D ı.wk / :

Por (2.8), vem


"
jf .´/ f .wk /j < :
2
Então,

jf .´/ f .w/j D jf .´/ f .wk / C f .wk / f .w/j

 jf .´/ f .wk /j C jf .wk / f .w/j


" "
< C
2 2
D "

e como encontrámos um ı que funciona para todo o conjunto D a continuidade é


uniforme. 

2.5 Caminhos em C
O conceito de caminho é muito importante na Análise Complexa. Antes de
introduzirmos este conceito, estabeleceremos uma caracterização para a continui-
dade e outra para a diferenciabilidade de uma função complexa de variável real.
Como sabemos nenhum subconjunto de R é aberto. Sendo assim, estas funções
não estão definidas em domı́nios de C. Contudo, os conceitos de limite e conti-
nuidade, apresentados anteriormente, aplicam-se também a funções complexas de
variável real.

Seja g W Œa; b  R ! C uma função. Tem-se

g.t / D u.t / C iv.t / D .u.t /; v.t // ; t 2 Œa; b ;

pelo que g pode ser encarada como uma função de Œa; b em R2 . O resultado apre-
sentado em (2.6) continua válido no contexto das funções complexas de variável
76 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

real. Então, g é contı́nua se e só se u e v o forem. A derivada de g no ponto


t 2 Œa; b é definida pelo limite

g.t C h/ g.t /
g 0 .t / D lim .t C h 2 Œa; b/ ;
h!0 h
caso este limite exista. Note-se que a derivada em a ou b, caso exista, corresponde
a uma derivada lateral, isto é,
g.a C h/ g.a/
g 0 .a/ D gC
0
.a/ D lim
h!0C h
e
g.b C h/ g.b/
g 0 .b/ D g 0 .b/ D lim :
h!0 h
Nos restantes pontos do intervalo onde a função admite derivada, as derivadas la-
terais (à esquerda e à direita) coincidem evidentemente com o valor da derivada no
ponto. Ora, g 0 .t / existe se e só se u0 .t / e v 0 .t / existem, tendo-se

g 0 .t / D u0.t / C iv 0.t / :

Em seguida, apresentamos a definição de caminho e estudamos algumas das


suas propriedades mais relevantes.

Sejam a; b 2 R com a  b. Chama-se caminho em C a qualquer função


contı́nua
W Œa; b ! C :
O conjunto imagem de , isto é, o contradomı́nio da função,

.Œa; b/ D f .t / W t 2 Œa; bg ;

chama-se curva associada a ou traço de e representa-se por tr. /. Dizemos,


então, que o caminho descreve a curva tr. / ou, simplesmente, que é uma
parametrização da curva. Muitos autores representam um caminho por uma letra
minúscula e a curva associada pela correspondente letra maiúscula. Por exemplo, a
curva associada ao caminho pode ser representada pela letra €, ao invés de tr. /.

Alguns autores preferem utilizar o mesmo sı́mbolo para representar um ca-


minho e a sua curva associada. Por ora e com o objectivo de facilitar a compreensão
do texto, optámos por manter a notação dicotómica apresentada no parágrafo ante-
rior.
2.5 Caminhos em C 77

Observe-se que um caminho é uma função, enquanto que a curva associada é


um conjunto. Por exemplo, uma função constante define um caminho constante. A
curva associada reduz-se a um ponto do plano complexo. Em particular, se a D b,
a curva reduz-se a um ponto.

A continuidade da função e a compacidade do intervalo Œa; b garantem


que
tr. / D .Œa; b/
é um conjunto compacto.

A equação
.t / D x.t / C iy.t / ; t 2 Œa; b ;
é uma equação paramétrica da curva associada a e a variável t o parâmetro do
caminho .

Dada uma função real definida num intervalo real, o leitor lembrará certa-
mente os conceitos de função de classe C r e de função seccionalmente de classe
C r . Vamos estender estes conceitos a funções complexas definidas num intervalo
real, mais concretamente ao nosso objecto de estudo: os caminhos.

Consideremos um caminho tal que

.t / D x.t / C iy.t / ; t 2 Œa; b :

Por ser uma função contı́nua, diz-se de classe C 0 . O caminho diz-se de classe
C r , com r 2 N, se as funções x e y forem contı́nuas em Œa; b, admitindo derivas
até à ordem r, também contı́nuas em Œa; b. Por sua vez, o caminho diz-se de
classe C 1 se x e y admitirem derivadas de todas as ordens contı́nuas em Œa; b.

Por outro lado, o caminho diz-se seccionalmente de classe C r , com r 2 N,


se existir uma partição do intervalo Œa; b,

a D t 0 < t1 <    < t k 1 < tk D b ;

tal que as restrições jŒtn ;tnC1  , n D 0; 1; : : : ; k 1, coincidem com funções de


classe C r em Œtn ; tnC1 . Assim, um caminho seccionalmente de classe C r é ape-
nas um caminho de classe C r , excepto possivelmente num número finito de pontos.
Note-se que, em geral, a palavra ”seccionalmente” indica que uma propriedade é
válida em relação a uma partição do intervalo em estudo.
78 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

A .a/ chama-se origem do caminho e a .b/ termo ou extremidade do


caminho. Se a origem do caminho coincidir com a sua extremidade, isto é, se
.a/ D .b/, este diz-se fechado.

Se .t1 / D .t2 /, apenas quando t1 D t2 , com t1 ; t2 2a; bŒ, o caminho diz-se


simples. Se existirem t1 ; t2 ; : : : ; tn 2a; bŒ, com a < t1 < t2 <    < tn < b e

.t1 / D .t2 / D    D .tn / D P ; (2.9)

e se t1 ; t2 ; : : : ; tn são os únicos pontos de a; bŒ que satisfazem a condição (2.9),


então P diz-se um ponto de multiplicidade n. Um ponto de multiplicidade 1 diz-se
um ponto simples.

Por abuso de linguagem e desde que daı́ não resulte qualquer ambiguidade, é
frequente usar-se o termo ”curva” para referir tanto o caminho (função) como o
subconjunto .Œa; b/  C. Assim, por exemplo, faz sentido falar em curvas fecha-
das e curvas simples, em curvas de classe C r e curvas seccionalmente de classe
C r ou então em origem e extremidade de uma curva.

A expressão designatória de um caminho , ou seja, a equação paramétrica


da curva associada,

.t / D x.t / C iy.t / ; t 2 Œa; b ;

dá-nos informações sobre o modo como a curva é percorrida, segundo uma análise
dos valores crescentes do parâmetro t .

O sentido da curva gerada por W Œa; b ! C é entendido, intuitivamente,


como sendo o de A D .a/ para B D .b/. Quando consideramos curvas fechadas,
dizemos que o seu sentido é directo ou positivo, se é o sentido contrário ao dos
ponteiros de um relógio, e indirecto ou negativo, caso contrário.

Exemplos 2.9

(a) O segmento de recta de extremos ´ e w, orientado de ´ para w, é


gerado pelo caminho:

W Œ0; 1 ! C I
t 7! .1 t /´ C t w D ´ C t .w ´/
2.5 Caminhos em C 79

(b) A circunferência de raio r, centrada em ´0 2 C e orientada positi-


vamente (ou seja, orientada no sentido anti-horário) é gerada pelo
caminho:

W Œ0; 2 ! C :
it
t 7! ´0 C r cis t D ´0 C r e

Introduzimos, de seguida, o conceito de reparametrização de uma curva.


Consideremos o caminho
W Œa; b ! C :
Um caminho
1 W Œc; d  ! C
diz-se uma reparametrização da curva associada a ou, por simplificação de lin-
guagem, uma reparametrização de , se existir uma função

 W Œc; d  ! Œa; b ;

bijectiva, de classe C 1 e com derivada positiva, tal que

1 D ı  :

Como 0 > 0, então  é uma função crescente. Sendo assim, o caminho 1 descreve
no mesmo sentido a curva gerada por .

Tendo em conta resultados conhecidos de Análise Matemática, sabemos que


sendo
 W Œc; d  ! Œa; b ;
bijectiva, de classe C 1 e com derivada positiva, a sua inversa
1
 W Œa; b ! Œc; d 

também é bijectiva, de classe C 1 e com derivada positiva. Desta forma, se

1 D ı 

é uma reparametrização de , então também


1
D 1 ı 

é uma reparametrização de 1 .
80 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

Γ -Γ

Figura 18: Visualização do conceito de caminho oposto.

O caminho inverso ou oposto de W Œa; b ! C representa-se por ou 1

e é definido como sendo o caminho


W Œa; b ! C :
t 7! . /.t / D .a C b t/
Trata-se obviamente de um caminho com o mesmo conjunto imagem de . Con-
tudo, a origem e extremidade de correspondem, respectivamente, à extremidade
e origem de e define agora sobre a mesma curva um sentido inverso ao ante-
rior. Vejamos que, de facto, assim é.

Na definição de reparametrização de um caminho, se tivéssemos conside-


rado a hipótese 0 < 0, terı́amos obtido um caminho 1 D ı  a descrever a
mesma curva, mas no sentido inverso. É o que se sucede com o caminho oposto
de um determinado caminho , . Considere-se  W Œa; b ! Œa; b, definida por
.t / D a C b t . Segue-se que
0 .t / D 1 < 0; t 2 Œa; b ;
permitindo-nos concluir que, de facto, a curva gerada por é agora percorrida
em sentido contrário (vide figura 18).
Exemplo 2.10 Consideremos o caminho da alı́nea (b) dos exemplos 2.9:
W Œ0; 2 ! C :
t 7! ´0 C r cis t
A curva gerada por consiste numa circunferência de centro ´0 , descrita no sentido
directo. Ora,
1 W Œ0;  ! C
t 7! ´0 C r cis.2t /
2.5 Caminhos em C 81

é uma reparametrização de , uma vez que 1 D ı , com

 W Œ0;  ! Œ0; 2 :


t 7! 2t

Sendo  0 .t / D 2 > 0, t 2 Œ0; , concluı́mos que 1 ainda descreve a circunferência


no sentido directo. De facto, 1 apenas a descreve de forma ”mais rápida”. Por
outro lado, o caminho oposto de ,

W Œ0; 2 ! C ;
t 7! ´0 C r cis.2 t/

descreve a dita circunferência no sentido indirecto.

Dados dois caminhos tais que a origem de um coincide com a extremidade


do outro, podemos, de modo intuitivo, obter a partir deles um só caminho. Sejam
a1 ; a2 ; b1 ; b2 2 R tais que b1  a2 e sejam

1 W Œa1 ; b1  ! C

e
2 W Œa2 ; b2  ! C
dois caminhos em C tais que 1 .b1 / D 2 .a2 /. Consideremos, então, o caminho

W Œa1 ; b1 C b2 a2  ! C ;

definido por

1 .t / se t 2 Œa1 ; b1 
.t / D :
2 .t C a2 b1 / se t 2 Œb1 ; b1 C b2 a2 

Escreve-se D 1 C 2 ou D 1 _ 2 . O caminho obtido é designado por soma


ou união dos dois caminhos preliminares (vide figura 19).

Na definição de soma ou união dos caminhos 1 W Œa1 ; b1  ! C e


2 W Œa2 ; b2  ! C supõe-se b1  a2 . Esta condição pode ser sempre garantida
mediante uma reparametrização conveniente dos caminhos em questão.

A soma
1 C    C n
define-se de modo análogo e assume a designação de cadeia. As cadeias desempe-
nharão um papel importante, nomeadamente no capı́tulo 9.
82 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

Γ2
Γ1

Γ1 +Γ2

Figura 19: Visualização da soma de dois caminhos.

Exemplo 2.11 Um exemplo frequente de soma de caminhos consiste em, dados


n C 1 pontos do plano ´0 ; ´1 ; : : : ; ´n , efectuar a união dos caminhos corresponden-
tes aos segmentos de recta Œ´0 ; ´1 ; Œ´1 ; ´2 ; : : : ; Œ´n 1 ; ´n . Em termos geométricos,
obtemos uma linha poligonal.

Uma linha obtida através da soma de um número finito de segmentos de recta


(linha poligonal) é um exemplo de uma curva seccionalmente de classe C 1 , como
resulta imediatamente da definição.

Note-se que um caminho seccionalmente de classe C r pode ser entendido


como uma cadeia formada por caminhos de classe C r . Este facto é utilizado fre-
quentemente para estender propriedades dos caminhos de classe C r àqueles que
são seccionalmente de classe C r .

Se um caminho W Œa; b ! C,

.t / D x.t / C iy.t / ; t 2 Œa; b ;

for de classe C 1 , podemos garantir que é rectificável, ou seja, que o integral


Z b Z bq
0
L D j .t /j dt D .x 0 .t //2 C .y 0 .t //2 dt
a a

existe e é finito. Este integral é designado por comprimento do caminho .

Se for um caminho seccionalmente de classe C 1 , então D 1 C    C n ,


com j de classe C 1 , para j D 1; : : : ; n. O comprimento de é determinado por

L D L 1 C    C L n :
2.5 Caminhos em C 83

Exemplos 2.12

(a) Apesar da palavra ”curva”, por uma questão de simplificação, poder


ser usada quer para referir o caminho , quer o subconjunto .Œa; b/,
é necessário ter sempre presente que estes são dois conceitos distin-
tos. Apresentamos, de seguida, um exemplo ilustrativo. Considere-
mos a circunferência de raio r e de centro ´0 2 C. Como é conhecido,
o seu perı́metro é igual a 2 r. Por outro lado, o caminho

2 W Œ0; 4 ! C
t 7! ´0 C r cis t

descreve a referida circunferência e é de classe C 1 , pelo que é recti-


ficável. Contudo, o seu comprimento é dado por
Z 4 Z 4 p
j 20 .t /j dt D r 2 cos2 t C r 2 sin2 t dt D 4 r 6D 2 r :
0 0

Intuitivamente, o resultado é explicado pelo facto de 2 descrever


”duas vezes” a circunferência apresentada. Assim, há que distinguir
claramente entre comprimento da curva geométrica e comprimento
do caminho que a gera. É o conceito de comprimento de um caminho
que nos interessa e será esse que será sempre considerado.

(b) Se pensarmos agora nos dois caminhos apresentados no exemplo 2.10,


e 1 , apercebemo-nos de que o seu comprimento tem exactamente
o mesmo valor: 2 r. Isto deve-se ao facto dos caminhos consistirem
numa reparametrização um do outro. De facto, facilmente se constata
que se
W Œa; b ! C

é um caminho de classe C 1 e se

1 W Œc; d  ! C

é uma reparametrização de ,

1 D ı  ;

com  W Œc; d  ! Œa; b de classe C 1 , então 1 também é de classe


84 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

C 1 e o seu comprimento coincide com o de :

Z d
L 1 D j 10 .t /j dt
c
Z d
D j 0..t // 0.t /j dt
c
Z b
D j 0 .u/j du
a
D L ;

efectuando no integral a mudança de variável u D .t /. Ainda re-


lembrando o exemplo 2.10, constatamos que o caminho oposto de ,
, também apresenta o mesmo comprimento, 2 r. Tal propriedade
também é válida no caso geral:

Z b
L D j. /0.t /j dt
a
Z b
D j 0.a C b t / . 1/j dt
a
Z b
D j 0.u/j du
a
D L ;

efectuando no integral a mudança de variável u D a C b t.

Reforçamos a ideia de que o nosso objecto de estudo não são as curvas


geométricas, mas sim os caminhos que as descrevem. Um caminho gera uma só
curva geométrica, enquanto que uma curva geométrica é gerada por vários cami-
nhos, não necessariamente reparametrizações uns dos outros. Assim, quando fa-
larmos na palavra ”curva”, estaremos sempre a considerar uma curva geométrica
associada a um determinado caminho que a gera e que lhe confere um determi-
nado comprimento e orientação. Se considerarmos outro caminho que descreva a
mesma curva geométrica, o comprimento e orientação poderão ser alterados. Já se
optarmos por uma reparametrização do caminho inicial temos a certeza de manter
o mesmo comprimento e orientação. Caso optemos pelo caminho oposto ou por
qualquer sua reparametrização, o comprimento é mantido e a orientação invertida.
2.6 Conjuntos conexos por arcos 85

2.6 Conjuntos conexos por arcos


Importa, agora, tecer algumas considerações sobre outro conceito impor-
tante: o conceito de conjunto conexo por arcos.

Um subconjunto S de C diz-se conexo por arcos se dados quaisquer ´; w 2 S ,


existe uma função contı́nua

W Œa; b  R ! C

tal que

.Œa; b/  S ; .a/ D ´ e .b/ D w : (2.10)

Por outras palavras, S é conexo por arcos se dados quaisquer ´; w 2 S , existe um


caminho em S de ´ para w.
Exemplo 2.13 Qualquer disco (aberto ou fechado) é conexo por arcos. Com efeito,
dados dois quaisquer pontos do disco prova-se sem dificuldade que o segmento por
eles definido está contido no disco. Ora, todo o segmento de recta pode ser descrito
por um caminho, conforme foi observado nos exemplos 2.9.

Num espaço topológico arbitrário, prova-se que todo o conexo por arcos
também é conexo. Contudo, o recı́proco nem sempre é válido. Se considerarmos
Rn munido da topologia usual, sabe-se que todo o subconjunto aberto e conexo
é conexo por arcos. Para maior desenvolvimento deste assunto recomendamos a
leitura do capı́tulo 6 de [30].

É importante notar que os caminhos que ligam dois pontos num conjunto co-
nexo por arcos podem assumir particularidades interessantes. Se um subconjunto
conexo por arcos de C é aberto, então dois quaisquer pontos podem ser unidos por
uma linha poligonal, com a particularidade dos segmentos de recta que a formam
serem sempre paralelos ao eixo real ou ao eixo imaginário (consulte, por exemplo,
[29, p.42]).

Na sequência da definição de conjunto conexo por arcos, surgem outros con-


ceitos de interesse. Sejam ´; w elementos de um subconjunto S de C (não necessa-
riamente próprio). Definimos
´  w;
se existe um caminho em S de ´ para w, ou seja, se existe uma função contı́nua

W Œa; b  R ! C
86 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

2
1 1
1

Figura 20: Exemplos de caminhos cujo complementar é conexo, ou tem 2 ou 3


componentes conexas.

que satisfaça (2.10). Não é difı́cil provar que  é uma relação de equivalência.
Como é de conhecimento geral, as classes de equivalência correspondentes são dis-
juntas duas a duas e a sua união coincide com S . Além disso, neste caso particular,
estas classes de equivalência são subconjuntos conexos por arcos, sendo designa-
das componentes conexas de S . De facto, consideremos a classe de equivalência
de ´ 2 S ,
C´ D fw 2 S W w  ´g :
Ora, para w1 ; w2 2 C´ , tem-se w1  ´ e w2  ´. Sendo  uma relação de equi-
valência, vem w1  w2 , ou seja, existe um caminho em C´ de w1 para w2 . Por ser
conexo por arcos, C´ também é conexo.

Exemplo 2.14 As componentes conexas de

S D f´ 2 C W j´j ¤ 1g

são obviamente

S1 D f´ 2 C W j´j < 1g e S2 D f´ 2 C W j´j > 1g :

Introduzimos, agora, um conceito importante no estudo da integração no


campo complexo: o conceito de complementar de um caminho.

Por complementar de um caminho W Œa; b ! C; entendemos o complemen-


tar de tr. / em relação a C, ou seja, o conjunto

Cntr. / D f´ 2 C W ´ ¤ .t / ; para cada t 2 Œa; bg :


2.6 Conjuntos conexos por arcos 87

Γ1

-Γ2

Figura 21: O complementar de tem um número infinito de componentes conexas.

Exemplos 2.15 O complementar de pode ser conexo, por exemplo, se

.t / D 0 ; t 2 Œ0; 1 ;

ou pode ter duas ou mais componentes conexas (veja-se a figura 20). Por outro
lado, o complementar de

D 1 C . 2 / D 1 2 ;

onde

1 .0/ D 0 I 1 .t / D t i t sin
; t 20; 1 I
t

2 .0/ D 0 ; 2 .t / D t C i t sin ; t 20; 1 ;
t
tem um número infinito de componentes, como ilustra a figura 21.

Note-se que o complementar de um caminho é sempre aberto, uma vez


que, sendo compacto, tr. / é fechado. Caso o complementar de não seja co-
nexo, as suas componentes conexas são também subconjuntos abertos. Em termos
geométricos, esta propriedade é muito intuitiva. O leitor pode, por exemplo, re-
flectir sobre as figuras respeitantes aos exemplos anteriores. A demonstração da
propriedade também é simples. Com efeito, consideremos um ponto ´ pertencente
a uma componente conexa de Cntr. /. Como qualquer elemento de uma classe de
equivalência a pode representar, designemos essa componente conexa por C´ . Ora,

´ 2 C´  Cntr. /
88 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

e Cntr. / é aberto, pelo que existe " > 0 tal que

D.´; "/  Cntr. / :

Mas, D.´; "/ é conexo por arcos, logo, para cada w 2 D.´; "/, existe um caminho
que liga w a ´, ou seja, w  ´. Isto significa que w 2 C´ e, portanto,

D.´; "/  C´ :

Vejamos, ainda, que o complementar de um caminho tem apenas uma com-


ponente conexa ilimitada. Ora, sendo um subconjunto limitado, tr. / está contido
num disco fechado da forma

A D f´ 2 C W j´j  Kg ;

para algum K > 0. Mas,

B D f´ 2 C W j´j > Kg ;

é claramente conexo, pelo que a única componente ilimitada de Cntr. / terá que
ser a que contém B. Todas as restantes componentes estão contidas em A e, por-
tanto, são limitadas.

Recorde-se que, em C, um domı́nio ou região é um subconjunto não-vazio,


aberto e conexo. Em particular, todo o domı́nio em C, por ser aberto e conexo, é
conexo por arcos.

O leitor compreenderá facilmente a importância de restringirmos as funções


em estudo àquelas que são definidas em domı́nios.

O facto de D ser aberto permite lidar adequadamente com limites, conti-


nuidade e diferenciabilidade, porque o facto de ´0 pertencer ao aberto D implica a
existência de uma vizinhança de ´0 , digamos D.´0 ; "/, com " > 0, que está contida
em D,
D.´0 ; "/  D ;
e deste modo f encontra-se definida para todo o ´ próximo de ´0 .

Mas, por que motivo lidaremos com conjuntos conexos?

Ora, sendo D um subconjunto aberto e conexo, D é conexo por arcos. As-


sim, garantimos a existência de um caminho entre dois quaisquer pontos arbitrários
2.6 Conjuntos conexos por arcos 89

de D, o que permitirá definir o integral de um ponto para o outro ao longo desse


caminho.

A restrição a funções definidas em domı́nios, para além de nos proporcio-


nar a plataforma adequada para desenvolver toda a teoria, tem outras implicações
assinaláveis. Por exemplo, se duas funções diferenciáveis complexas definidas no
mesmo domı́nio D são iguais num pequeno disco, então coincidem em D. Trata-
-se de um resultado espantoso, sem paralelo para as funções reais. Este resultado,
conhecido por Teorema da Identidade, e que será provado no Capı́tulo 8 (veja-se
o Teorema 8.16), foi mencionado neste ponto para chamar a atenção para a be-
leza e alcance da teoria que vamos desenvolver e para a importância de construir o
edifı́cio da Análise Complexa em fundamentos topológicos apropriados.

Vejamos, agora, um conceito necessário ao desenvolvimento do Capı́tulo 9:


o de domı́nio simplesmente conexo.

Informalmente, um domı́nio simplesmente conexo é aquele que não tem ”bu-


racos”. Um domı́nio deste tipo tem o complementar em b C constituı́do por uma
”única peça”. Tornemos rigoroso este conceito.

Um domı́nio diz-se simplesmente conexo se o seu complementar com res-


peito a b
C for conexo. Caso contrário, dizemos que o domı́nio é multiplamente
conexo.

Exemplo 2.16 Um disco (aberto ou fechado) ou um semi-plano (aberto ou fe-


chado) são exemplos de domı́nios simplesmente conexos. Uma coroa circular ou
anel, da forma

f´ 2 C W r1 < j´ ´ 0 j < r2 g ; r 1 ; r2 2 R ; 0 < r 1 < r2 ;

não é uma região simplesmente conexa.

Na secção 9.3, veremos uma caracterização sugestiva para uma região sim-
plesmente conexa: afirma que para um caminho fechado, ou seja, para uma função
contı́nua
W Œa; b  R ! C ;
com .a/ D .b/, se a curva .Œa; b/ está contida numa região simplesmente
conexa, então não pode circundar ponto algum que não pertença à região (Teo-
rema 9.8). Parece óbvio que esta condição se não cumpre no caso de uma região
com um ou mais ”buracos”.
90 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

2.7 Exercı́cios propostos


Exercı́cio 2.1 Seja f W X ! Y uma função definida entre dois conjuntos. Para
A  X , a imagem de A pela função f é o conjunto

f .A/ D ff .a/ W a 2 Ag D fy 2 Y W y D f .a/; para algum a 2 Ag  Y :

Sendo C  Y , chama-se imagem inversa de C pela função f ao conjunto


1
f .C / D fx 2 X W f .x/ 2 C g  X :

Se A; B  X e C; D  Y , mostre que:

(a) f .A [ B/ D f .A/ [ f .B/;


(b) f .A \ B/  f .A/ \ f .B/, verificando-se a igualdade se f for in-
jectiva;
(c) A  B ) f .A/  f .B/;
(d) f .;/ D ;;
(e) f 1 .A [ B/ Df 1 .A/ [ f 1 .B/;

1 1 1
(f) f .A \ B/ D f .A/ \ f .B/;
1 1
(g) A  B ) f .A/  f .B/;
(h) f 1 .;/ D ;;
1 1
(i) f .Y nC / D X nf .C /;
(j) A  f 1 .f .A//, verificando-se a igualdade se f for injectiva;
1
(k) f .f .C //  C , verificando-se a igualdade se f for sobrejectiva.

Exercı́cio 2.2 Em algumas situações, torna-se conveniente estender o domı́nio de


definição e o conjunto de chegada de uma função a todo o plano complexo am-
pliado. As funções racionais constituem um bom exemplo. Considere a função
racional
p.´/
r.´/ D ;
q.´/
com p e q funções polinomiais sem zeros comuns. Se ˛ for um zero de q, atribui-se
a r.˛/ o valor 1 e diz-se que ˛ é um pólo de r. Se tomarmos

r.1/ D lim r.´/ ;


´!1
2.7 Exercı́cios propostos (2.1–2.11) 91

a função racional r ficará a ser uma função com domı́nio b


C e com valores em b
C.
b b
Pode observar-se ainda que, definindo uma nova função r1 W C ! C através de
 
1
r1 .´/ D r ; ´2b C;
´

se tem r.1/ D r1 .0/. Posto isto, tome

a 0 C a 1 ´ C    C a n ´n
r.´/ D ; com an ; bm 6D 0 :
b0 C b 1 ´ C    C b m ´m
Recorrendo a
 
1 a0 ´n C a 1 ´n 1 C    C an
r1 .´/ D r D ´m n
´ b0 ´m C b 1 ´m 1 C    C bm

e considerando as várias hipóteses m > n, m D n, m < n,

(a) mostre que o número total de zeros de r no plano complexo ampliado


é o mesmo que o número total de pólos e igual ao maior dos números
m e n. A tal número chama-se ordem da função racional r.
(b) atendendo a que r b, com b constante, tem o mesmo número de
pólos que r, conclua que se r é uma função racional de ordem t ,
então toda a equação da forma

r.´/ D b ; b 2 C;

tem exactamente t raı́zes em b


C.
(c) verifique as propriedades anteriores para
´
(i) r.´/ D ;
´2 C 2´ C 1
´2 C 2´ C 1
(ii) r.´/ D :
´
(d) em relação às duas funções racionais da alı́nea anterior, indique quais
são as t raı́zes das equações r.´/ D 0 em b C.

Exercı́cio 2.3 Considere a função

f .´/ D j´j i Im ´ :

(a) Indique o seu domı́nio de definição.


92 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

(b) Mediante uma argumentação geométrica, determine o seu contra-


domı́nio.

Exercı́cio 2.4 Seja f .´/ D ´2 =j´j2 , com ´ 6D 0. Determine:

(a) lim f .´/, quando ´ ! 0 ao longo da recta y D x;

(b) lim f .´/, quando ´ ! 0 ao longo da recta y D 2x;

(c) lim f .´/, quando ´ ! 0 ao longo da parábola y D x 2 .

Que pode dizer acerca do limite lim f .´/? Justifique.


´!0

Exercı́cio 2.5 Seja f .´/ D j´j1=2 ei.Arg ´/=2 , com ´ 6D 0. Mostre que f é des-
contı́nua em todos os pontos do semi-eixo negativo dos xx.

Exercı́cio 2.6 Mostre que, se uma função f é contı́nua no ponto ´0 de um certo


domı́nio D e f .´0 / ¤ 0; então existe uma vizinhança de ´0 na qual f não se anula.
Sugestão: Considere na definição de continuidade jf .´/ f .´0 /j < jf .´0 /j=2,
onde " D jf .´0 /j=2. Note que a condição ”f .´/ D 0 nalgum ponto de uma certa
vizinhança de ´0 ” conduz a uma contradição.

Exercı́cio 2.7 Determine a região de continuidade das funções definidas por:


´
(a) f .´/ D ;
j´j 1
´
(b) f .´/ D , quando ´ 6D 0, e f .0/ D 0 .
´

Exercı́cio 2.8 Determine uma equação paramétrica da linha poligonal que une, no
sentido directo, os pontos

(a) 3; 3 C 3i; 3 C 3i e 3;

(b) i; 1; 1 i e i.

Exercı́cio 2.9 Determine uma equação paramétrica para cada uma das linhas poli-
gonais do exercı́cio anterior, mas agora orientadas no sentido inverso.

Exercı́cio 2.10 Para cada conjunto e para cada par de pontos, defina (se possı́vel)
a equação paramétrica de uma curva contida no conjunto unindo os dois pontos.
Indique em que casos essa curva pode ser uma linha poligonal.
2.8 Laboratório 2 93

(a) j´j D 2; 2i; 2i .

(b) jIm ´j > 1=2; 1 C i; 1 i.


p p
(c) 1 < j´j  3; 2; 2.

Exercı́cio 2.11 Esboce as curvas descritas por:

(a) .t / D t 2 2 C i.t 4/, t 2 Œ0; 2;

(b) .t / D cos t C i.sin 2t /, t 2 Œ =2; =2.

2.8 Laborat ório 2


A visualização geométrica de algumas funções multı́vocas constitui o objec-
tivo central deste Laboratório.

Pretendemos representar a função raiz ı́ndice n de ´ quando ´ toma valores


no plano complexo. Para tal, limitamo-nos a representar a sua parte real. Conside-
remos a função definida em coordenadas polares por


u.r;  / D r 1=n cos
n

e tomemos ´ D r.cos  C i sin  / a descrever uma circunferência centrada na ori-


gem. Procuraremos as imagens de uma famı́lia de circunferências desta natureza. O
comando viewRootSurface[] permite visualizar a geração da função raiz ı́ndice
n. Exemplifiquemos com a função raiz quadrada (n D 2), mostrando a sua natureza
multı́vova (bi-valorada). Quando se descreve uma volta de 2 em torno da origem,
passa-se de um ramo da raiz para o seguinte.

Clear@"Global` *"D;
viewRootSurface @
In[1]:=

n_Integer , resolution_Integer D :=
ParametricPlot3D @8r * Cos@ΘD, r * Sin@ΘD,
r1n * Cos@Θ  nD<, 8r, 0, 2<, 8Θ, 0, 2 * n * Π<,
PlotPoints ® 8resolution , resolution * n<,
Boxed ® False, Axes ® False,
AspectRatio ® 1, ViewPoint ® 8-4, -2, 0.5<D;
94 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

In[3]:= viewRootSurface @2, 20D

Out[3]= … Graphics3D …

viewRootSurface4 @n_Integer ,
resolution_Integer , Θmin_ , Θmax_ D :=
In[4]:=

ParametricPlot3D @8r * Cos@ΘD, r * Sin@ΘD, r1n * Cos@Θ  nD<,


8r, 0, 2<, 8Θ, Θmin, Θmax<,
PlotPoints ® 8resolution , resolution * n<,
H*Boxed ®False,Axes®False,*LAspectRatio ® 1,
ViewPoint -> 8-0.196, -2.967, 1.615<D;

In[5]:= viewRootSurface4 @2, 20, -9 Pi  8, 9 Pi  8D

2
1

-1

-2

0.5

0
0 1 2
-2 -1

Out[5]= … Graphics3D …
2.8 Laboratório 2 95

In[6]:= viewRootSurface4 @2, 20, -15 Pi  8, 15 Pi  8D

2
1
0
-1

-2

-1
0 1 2
-2 -1

Out[6]= … Graphics3D …

In[7]:= viewRootSurface4 @2, 20, -16 Pi  8, 16 Pi  8D

2
1
0
-1

-2

-1

0 1 2
-2 -1

Out[7]= … Graphics3D …

p
Quando se calcula 2i, há duas possı́veis respostas: 1 C i e 1 i . Qual
p
das duas escolher? Não existe modo de escolher ´ de modo que a função seja
contı́nua para todos os valores de ´ complexos. Há que fazer um corte – ”branch
p
cut” – a semi-recta do plano ao longo da qual a função ´ é descontı́nua. O
Mathematica adopta a convenção usual de fazer o corte ao longo do eixo real ne-
96 CAPÍTULO 2: Funções Complexas

gativo. O gráfico oferece uma visualização muito sugestiva do comportamento da


função no semi-eixo negativo.
In[8]:= Plot3D @Im@Sqrt@x + I yDD, 8x, -4, 4<, 8y, -4, 4<D

2
1 4
0
-1 2
-2
-4 0
-2
0 -2
2
4-4
Out[8]= … SurfaceGraphics …

Investiguemos o comportamento da função raiz cúbica, usando o mesmo co-


mando viewRootSurface[]. Esta função multı́voca apresenta três ramos (função
tri-valorada). A visualização de funções multı́vocas será retomada no Capı́tulo 5.
In[9]:= viewRootSurface @3, 30D

Out[9]= … Graphics3D …
O espı́rito divino encontrou uma expressão sublime nessa mara-
vilha da análise, nesse portento do mundo ideal, nesse anfı́bio
entre o ser e o não-ser, a que chamamos a raiz imaginária da
unidade negativa.
Gottfried Leibniz

Diferenciação no Campo Complexo


Capítulo 3
Existem diferentes designações para as funções diferenciáveis no sentido
complexo, por exemplo, holomorfas, analı́ticas, regulares, entre outras. O termo
analı́tico é usado no cálculo real para descrever as funções cujas séries de
Taylor são convergentes para a função. Como provaremos, uma função diferenciá-
vel no sentido complexo admite denvolvimento em série de Taylor, justificando este
importante resultado a nomenclatura utilizada.

3.1 A derivada complexa


Seja f W D  C ! C. A função f diz-se derivável em ´0 2 D 6 se existe e
é finito o limite da razão incremental
f .´/ f .´0 /
lim : (3.1)
´!´0 ´ ´0
A este limite chama-se derivada de f no ponto ´0 e representa-se por
df
f 0.´0 / ou .´0 / :

Em vez de ”f é derivável em ´0 ”, diz-se com frequência ”f é diferenciável
em ´0 ”. Este aparente abuso de linguagem é também utilizado no caso das funções
reais de variável real. Na realidade, em ambos os casos, os conceitos de função
derivável num ponto e de função diferenciável num ponto coincidem. Para mais
pormenores, veja-se [7, p.69].

6 Na definição de função derivável, é usual exigir-se que D seja aberto, mas não necessariamente

conexo. Contudo, consideraremos, como habitualmente, subconjuntos de C abertos e conexos.

97
98 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

Apesar da definição de derivada complexa ser análoga à da derivada de uma


função real de variável real e de muitas das suas propriedades serem semelhan-
tes, o caso complexo é mais rico. Como provaremos, a existência de f 0 implica a
existência de derivadas de todas as ordens, isto é, a derivada complexa de f 0 , f 00 ,
existe, f 000 existe, etc. Este comportamento contrasta de modo flagrante com o caso
real, onde a função derivada f 0 pode existir sem que f 00 exista.

No caso das funções reais de variável real, há uma infinidade de classes dis-
tintas de funções: as funções contı́nuas (de classe C 0 ), as funções diferenciáveis
(ou seja, as que admitem derivada finita), as funções com derivada contı́nua (de
classe C 1 ), as funções com segunda derivada finita, as funções com segunda deri-
vada contı́nua (de classe C 2 ), ... e finalmente as funções com derivadas contı́nuas
de todas as ordens (de classe C 1 ). Existem ainda as funções analı́ticas que se
podem desenvolver em série de Taylor. Como provaremos, na Análise Complexa,
apenas se distinguem duas classes de funções, a das funções contı́nuas e a das
funções diferenciáveis, uma vez que as últimas admitem derivadas contı́nuas de to-
das as ordens e admitem igualmente desenvolvimento em série de Taylor.

Tomando ´ D ´ ´0 em (3.1), vem

f .´/ f .´0 / f .´0 C ´/ f .´0 /


lim D lim : (3.2)
´!´0 ´ ´0 ´!0 ´

Assim, se existe a derivada de f no ponto ´0 , f 0 .´0 /, então para cada número


positivo " > 0, existe um ı > 0 tal que

ˇ ˇ
ˇ f .´0 C ´/ f .´0 / ˇ
ˇ f .´0 /ˇˇ < ";
0
(3.3)
ˇ ´

sempre que j´j < ı. O ponto ´0 C ´ é livre de se aproximar de ´0 segundo uma


direcção arbitrária. Para que f seja diferenciável no ponto ´0 , a razão incremental
deverá tender para um único valor, independentemente da direcção segundo a qual
´ se aproxima de 0. Assim, f não pode ter derivada em ´0 se a razão incremental
apresentar diferentes valores de limite quando ´ se aproxima de 0 segundo dife-
rentes direcções. Em contraponto, nas funções de variável real, h D ´ é real e
aproxima-se de 0 segundo uma única direcção, apenas havendo que verificar se as
derivadas laterais (à esquerda e à direita) coincidem.
3.1 A derivada complexa 99

Exemplo 3.1 Seja


f .´/ D Im ´ ; ´ 2 C:
Mostremos que f não é diferenciável em ponto algum de C. Tem-se
f .´ C ´/ f .´/ Im.´ C ´/ Im ´
D
´ ´
Im ´
D
´

0 ; se ´ ! 0 com ´ real
D :
1 ; se ´ ! 0 com ´ imaginário puro

Quando consideramos funções complexas definidas em domı́nios de C, a


restrição de ´ ao caso em que este é real ou imaginário puro é explorada fre-
quentemente e desempenhará um papel determinante na dedução das Condições de
Cauchy-Riemann.

Vejamos mais alguns exemplos de aplicação do conceito de derivada num


ponto.
Exemplos 3.2
(a) Seja f uma função constante, f .´/ D c; ´ 2 C. Tendo em conta
(3.1), facilmente se conclui que f 0 .´/ D 0; ´ 2 C.
(b) Consideremos agora a função f .´/ D ´2 . Ora, para cada ´ 2 C,
.´ C ´/2 ´2
lim D lim .2´ C ´/ D 2´:
´!0 ´ ´!0

Assim, f 0 .´/ D 2´; ´ 2 C.


(c) Vejamos o que acontece com a função definida por

f .´/ D j´j2 ; ´ 2 C:

Queremos determinar os pontos em que a derivada existe e, nesse


caso, que valor toma. Seja ´0 um ponto de C. Ora,
j´0 C ´j2 j´0 j2 ´
D ´0 C ´ 0 C ´ :
´ ´
Se ´0 D 0, então
j´0 C ´j2 j´0 j2
lim D lim ´ D 0 :
´!0 ´ ´!0
100 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

Se ´0 6D 0, então tomando as direcções particulares x e i y, tem-


-se que
j´0 C ´j2 j´0 j2
lim D lim .´0 C ´0 C x/
´!0 ´ x!0

D ´0 C ´ 0 I

j´0 C ´j2 j´0 j2


lim D lim .´0 ´0 i y/
´!0 ´ y!0

D ´0 ´0 :
Como os limites são diferentes, não existe derivada quando ´0 6D 0.
Concluı́mos, desta forma, que a função f só tem derivada no ponto
´0 D 0. Esta conclusão não deixa de ser surpreendente. Observe-se
que a função real de variável real cuja expressão designatória é dada
por jxj2 tem derivada 2x, para todo o x real.

As fórmulas básicas de derivação a seguir apresentadas podem ser deduzidas


da definição de derivada complexa e dos Teoremas sobre limites, como no caso das
funções reais de variável real.
Teorema 3.1 (Fórmulas de derivação) Suponhamos que f; g W D  C ! C ad-
mitem derivada em ´0 2 D. Então:
(a) .f ˙ g/0 .´0 / D f 0 .´0 / ˙ g 0 .´0 /I
(b) .fg/0 .´0 / D f 0 .´0 /g.´0 / C f .´0 /g 0 .´0 /I
 0
f f 0 .´0 /g.´0 / f .´0 /g 0 .´0 /
(c) .´0 / D :
g Œg.´0 /2

Como consequência imediata da alı́nea (b) do Teorema anterior, prova-se por


indução que
.´n /0 D n ´n 1
; ´ 2 C; n 2 N: (3.4)
Como a derivada formal de uma função
f WDC!C
é idêntica à definição de derivada de uma função real de variável real, não é de
estranhar que os Teoremas usuais sobre a derivada da função composta e sobre a
derivada da função inversa sejam válidos no contexto das funções complexas, com
as correspondentes hipóteses.
3.1 A derivada complexa 101

Teorema 3.2 (Derivada da função composta) Se U e V são subconjuntos aber-


tos de C, se f W U ! V admite derivada em ´0 e se g W V ! C admite derivada
em w0 D f .´0 /, então g ı f é derivável em ´0 e

.g ı f /0 .´0 / D g 0 .w0 /f 0 .´0 / :

Teorema 3.3 (Derivada da função inversa) Sejam U e V subconjuntos abertos


de C e f W U ! V uma função com inversa g W V ! U . Se f admite derivada em
´0 2 U , se f 0 .´0 / 6D 0 e se g é contı́nua em w0 D f .´0 / 2 V , então g é derivável
em w0 , tendo-se
1
g 0 .w0 / D :
f 0 .´0 /

Teorema 3.4 (Diferenciabilidade e continuidade) Considere-se f W D  C ! C


e ´0 2 C. Se f é derivável em ´0 , então f é contı́nua em ´0 .

D EMONSTRAÇ ÃO : Se f 0 .´0 / existe, temos

Œf .´0 C ´/ f .´0 /´


lim Œf .´0 C ´/ f .´0 / D lim
´!0 ´!0 ´
D f 0 .´0 / lim ´
´!0

D 0;

isto é,
lim f .´/ D f .´0 / ;
´!´0

o que significa que f é contı́nua em ´0 . 

A continuidade de uma função, em geral, não implica a sua derivabilidade,


como mostra a função
f .´/ D j´j2 ; ´ 2 C;

que é contı́nua em todo o plano complexo e só admite derivada na origem.


102 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

3.2 Condições de Cauchy-Riemann


Suponhamos que f W D  C ! C tem derivada num ponto ´0 do domı́nio
D. Fixemos a seguinte notação:

f .´/ D u.x; y/ C iv.x; y/ I

´0 D x0 C iy0 I

f 0 .´0 / D a C i b I

f D f .´0 C ´/ f .´0 / I

´ D x C i y I

u D u.x0 C x; y0 C y/ u.x0 ; y0 / I

v D v.x0 C x; y0 C y/ v.x0 ; y0 / :

Então,
f u C i v
lim D lim D a C ib
´!0 ´ ´!0 x C i y

e assim
u C i v
lim Re D aI
.x;y/!0 x C i y
u C i v
lim Im D b:
.x;y/!0 x C i y

Em particular, tomando ´ D x (ou seja, fazendo y D 0), estes limites redu-


zem-se a
u.x0 C x; y0 / u.x0; y0 /
lim D aI
x!0 x
v.x0 C x; y0 / v.x0 ; y0 /
lim D b;
x!0 x

@u @v
pelo que as derivadas parciais e existem no ponto .x0 ; y0 / e
@x @x
@u
.x0 ; y0 / D a I
@x
(3.5)
@v
.x0 ; y0 / D b :
@x
3.2 Condições de Cauchy-Riemann 103

Do mesmo modo, quando ´ D i y (ou seja, quando x D 0), os limites redu-


zem-se a
v.x0 ; y0 C y/ v.x0 ; y0 /
lim D aI
y!0 y
u.x0 ; y0 C y/ u.x0 ; y0 /
lim D b;
y!0 y

e, assim, as derivadas parciais de u e v em ordem a y existem em .x0 ; y0 /, tendo-se

@v
.x0 ; y0 / D a I
@y
(3.6)
@u
.x0 ; y0 / D b:
@y

De (3.5) e (3.6), vem

@u @v @u @v
.x0 ; y0 / D .x0 ; y0 / e .x0 ; y0 / D .x0 ; y0 / ;
@x @y @y @x

ou, numa notação mais abreviada,

ux .x0 ; y0 / D vy .x0 ; y0 / e uy .x0 ; y0 / D vx .x0 ; y0 /: (3.7)

Estas equações são conhecidas por Condições de Cauchy-Riemann. São assim de-
signadas em homenagem ao matemático francês A.-L. Cauchy (1789–1857) e ao
matemático alemão G. F. B. Riemann (1826–1866) a quem é devida a sua desco-
berta. A sua importância é fundamental na teoria das funções analı́ticas. Observa-
mos, desde já, que elas fornecem diferentes expressões para a derivada de f em
´0 , entre elas:

f 0 .´0 / D ux .x0 ; y0 / C ivx .x0 ; y0 /


(3.8)
D vy .x0 ; y0 / i uy .x0 ; y0 / :

Provámos, assim, o seguinte Teorema:

Teorema 3.5 (Diferenciabilidade e Condições de Cauchy-Riemann I) Se a de-


rivada de uma função f W D  C ! C, f D u C iv, existe num ponto
´0 D x0 C iy0 2 D, então as derivadas parciais de primeira ordem de u e v,
em relação a x e a y, existem nesse ponto e satisfazem as Condições de Cauchy-
-Riemann (3.7). Mais, f 0 .´0 / é dada em termos dessas derivadas parciais de
acordo com (3.8).
104 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

Quanto a jf 0 .´0 /j2 e de acordo com (3.7) e (3.8), temos, por exemplo,
 2
jf 0 .´0 /j2 D Œux .x0 ; y0 /2 C uy .x0 ; y0 /
D Œux .x0 ; y0 /2 C Œvx .x0 ; y0 /2
D ux .x0 ; y0 / vy .x0 ; y0 / uy .x0 ; y0 / vx .x0 ; y0 / :

A última expressão mostra que jf 0 .´0 /j2 é o determinante da matriz jacobiana, ou


jacobiano, de f .x; y/ D u.x; y/ C iv.x; y/ no ponto .x0 ; y0 /, definida por
" #
ux .x0 ; y0 / uy .x0 ; y0 /
Df .x0 ; y0 / D :
vx .x0 ; y0 / vy .x0 ; y0 /
Exemplo 3.3 O Teorema 3.5 fornece condições necessárias para a existência da
derivada de uma função complexa num ponto do domı́nio. Por exemplo, permite
concluir que a função f .´/ D j´j2 (cfr. alı́nea (c) dos exemplos 3.2) não pode ter
derivada para ´ 6D 0. De facto, u D x 2 C y 2 e v D 0 têm como derivadas parciais
de primeira ordem:

ux D 2x; uy D 2y; vx D 0 e vy D 0 :

Ora, as Condições de Cauchy-Riemann não são satisfeitas a menos que x D y D 0.


Note-se que o Teorema 3.5 não assegura a existência da derivada da função em
´ D 0.

Analisemos, agora, condições sobre u e v garantindo a existência da derivada


de f num ponto. Recordamos, antes de mais, que uma função

g W A  R2 ! R ;

com A aberto em R2 , diz-se diferenciável em .a; b/ 2 A se existirem as derivadas


parciais gx .a; b/ e gy .a; b/ e se

g.a C x; b C y/ g.a; b/ D gx .a; b/x C gy .a; b/y C "1 x C "2 y ;

onde "1 e "2 são funções de x e y que têm por limite zero, quando .x; y/
tende para .0; 0/. O Lema que se segue traduz um resultado conhecido da Análise
Real.
Lema 3.6 Seja
g W A  R2 ! R ;
com A aberto em R2 . Se as derivadas parciais de primeira ordem de g existem
numa vizinhança de .a; b/ 2 A e se uma delas é contı́nua em .a; b/, então g é
diferenciável em .a; b/.
3.2 Condições de Cauchy-Riemann 105

D EMONSTRAÇ ÃO : Suponhamos que gx é contı́nua em .a; b/. Se for gy contı́nua


em .a; b/, a demonstração far-se-á de modo análogo. Comecemos por notar que
g.a C x; b C y/ g.a; b/ D Œg.a C x; b C y/ g.a; b C y/

C Œg.a; b C y/ g.a; b/ :


Pelo Teorema do Valor Médio para funções reais de variável real, aplicado a
.t / D g.t; b C y/ ; t 2 Œa; a C x ;
vem
g.a C x; b C y/ g.a; b C y/ D .a C x/ .a/
0
D x . /

D x gx .; b C y/ ;
para algum  2a; a C xŒ. Da continuidade de gx em .a; b/ e porque  tende para
a quando x tende para zero, vem
lim gx .; b C y/ D gx .a; b/ ;
.x;y/!.0;0/

pelo que
gx .; b C y/ gx .a; b/ D "1 .x; y/ ;
em que "1 .x; y/ tem por limite zero, quando .x; y/ tende para .0; 0/. Desta
forma,
g.a C x; b C y/ g.a; b C y/ D x Œgx .a; b/ C "1 .x; y/ : (3.9)
Ora, da definição de derivada parcial de g em ordem a y, vem
g.a; b C y/ g.a; b/
lim D gy .a; b/ :
y!0 y
Assim, considerando
g.a; b C y/ g.a; b/
"2 .x; y/ D gy .a; b/ ;
y
tem-se
 
g.a; b C y/ g.a; b/ D y gy .a; b/ C "2 .x; y/ ; (3.10)
em que "2 .x; y/ tem por limite zero, quando .x; y/ tende para .0; 0/7.
Obtém-se o pretendido, adicionando, membro a membro, (3.9) e (3.10). 
7 Verdadeiramente, "2 depende apenas de y.
106 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

Note-se que o recı́proco do Lema anterior nem sempre é válido, isto é, g pode
ser diferenciável em .a; b/, sem que nenhuma das derivadas parciais seja contı́nua
em .a; b/.
Teorema 3.7 (Diferenciabilidade e Condições de Cauchy-Riemann II) Sejam u
e v funções reais, de domı́nio D, nas variáveis x e y. Suponhamos que as suas de-
rivadas parciais de primeira ordem existem numa vizinhança de .x0 ; y0 /, sendo
contı́nuas em .x0 ; y0 /. Se essas derivadas parciais satisfazem as Condições de
Cauchy-Riemann nesse ponto, então a derivada da função f W D  C ! C,
f D u C iv, existe no ponto ´0 D x0 C iy0 e é dada por (3.8).

D EMONSTRAÇ ÃO : De acordo com a hipótese, as derivadas parciais de u e v exis-


tem numa vizinhança de .x0 ; y0 /, sendo contı́nuas em .x0 ; y0 /. Tomando o ponto
.x0 C x; y0 C y/ nessa vizinhança, pelo Lema anterior podemos escrever

u D u.x0 C x; y0 C y/ u.x0 ; y0 /


@u @u
D .x0 ; y0 /x C .x0 ; y0 /y C "1 x C "2 y ;
@x @y
onde "1 e "2 tendem para zero quando x ! 0 e y ! 0. Uma fórmula análoga
é válida para v:

v D v.x0 C x; y0 C y/ v.x0 ; y0 /


@v @v
D .x0 ; y0 /x C .x0 ; y0 /y C "3 x C "4 y ;
@x @y
onde "3 e "4 tendem para zero quando x ! 0 e y ! 0. Portanto, usando a
hipótese de as Condições de Cauchy-Riemann serem satisfeitas em .x0 ; y0 /, pode-
mos determinar f no ponto .x0 ; y0 /:
f D u C i v
@u @u
D .x0 ; y0 /x C .x0 ; y0 /y C "1 x C "2 y C
@x @y
 
@v @v
C i .x0 ; y0 /x C .x0 ; y0 /y C "3 x C "4 y
@x @y
@v @v
D .x0 ; y0 /.i x y / C .x0 ; y0 /.x C i y / C
@x „ ƒ‚ … @y „ ƒ‚ …
i´ ´
C ."1 C i "3 /x C ."2 C i "4/y
„ ƒ‚ … „ ƒ‚ …
ı1 ı2
 
@v @v
D Ci .x0 ; y0 / ´ C ı1 x C ı2 y ;
@y @x
3.2 Condições de Cauchy-Riemann 107

em que ı1 e ı2 tendem para zero quando ´ D x C i y tende para zero. Logo,

f @v @v ı1 x ı2 y
D .x0 ; y0 / C i .x0 ; y0 / C C
´ @y @x ´ ´
@v @v
D .x0 ; y0 / C i .x0 ; y0 / C  ;
@y @x

em que  ! 0 sempre que ´ ! 0 8 . Desta forma,

f
f 0 .x0 C iy0 / D lim
´!0 ´
 
@v @v
D lim .x0 ; y0 / C i .x0 ; y0 / C 
´!0 @y @x
@v @v
D .x0 ; y0 / C i .x0 ; y0 /
@y @x
@u @v
D .x0 ; y0 / C i .x0 ; y0 / ;
@x @x

conforme pretendido. 

Exemplo 3.4 Ilustremos o Teorema anterior, considerando a função

f .´/ D ex cos y C i ex sin y; ´ D x C iy 2 C:

Tem-se
@u @u
D ex cos yI D ex sin yI
@x @y
@v @v
D ex sin yI D ex cos y :
@x @y

Estas derivadas parciais são contı́nuas e satisfazem as Condições de Cauchy-


-Riemann em todos os pontos do plano. Segue-se que

@u @v
f 0 .´/ D .x; y/ C i .x; y/ D ex cos y C i ex sin y D f .´/ ; ´2C:
@x @x

ˇ ˇ ˇ ˇ
ˇ x ˇ ˇ y ˇ
8 Note-se ˇ ˇ1 e ˇ ˇ
que ˇ
´ ˇ ˇ ´ ˇ  1.
108 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

Caracterizemos a relação existente entre a diferenciabilidade de f , enquanto


função complexa, e a diferenciabilidade de u e v, enquanto funções reais.

Teorema 3.8 (Diferenciabilidade: f vs u e v) Seja f definida num domı́nio D


de C. Tem-se que f D u C iv é derivável em ´0 D x0 C iy0 2 D se e só se u
e v forem diferenciáveis (no sentido real) e satisfizerem as Condições de Cauchy-
-Riemann em .x0 ; y0 /.

D EMONSTRAÇ ÃO : Suponhamos que f é derivável em ´0 . Então

f .´0 C h/ f .´0 /
lim D f 0 .´0 / :
h!0 h
Logo,
f .´0 C h/ f .´0 / D f 0 .´0 /h C O.h/;
O.h/
com h
! 0 quando h ! 0. Seja f 0 .´0 / D a C i b e h D s C i t . Então

Œu.x0 C s; y0 C t / u.x0 ; y0 / C i Œv.x0 C s; y0 C t / v.x0 ; y0 /


D .a C i b/.s C i t / C O.h/ :

Igualando as partes reais e imaginárias, tem-se

u.x0 C s; y0 C t / u.x0 ; y0 / D as bt C O.h/I


v.x0 C s; y0 C t / v.x0 ; y0 / D at C bs C O.h/ :

Isto implica que u e v sejam diferenciáveis em .x0 ; y0 /. De facto, ao dividirmos


ambos os membros das igualdades anteriores por h e ao considerarmos, por um
lado, s D 0 e t a tender para 0 e, por outro lado, t D 0 e s a tender para 0, vem:

ux .x0 ; y0 / D a D vy .x0 ; y0 /I
uy .x0 ; y0 / D b D vx .x0 ; y0 / :

A demonstração do recı́proco segue a mesma linha de raciocı́nio da demonstração


do Teorema 3.7. 

Podemos também analisar a derivabilidade de uma função em termos de


coordenadas polares, isto é, dada uma função como em (2.3), decidir quando é
que esta função é derivável num ponto. Deduzimos, de seguida, as Condições de
Cauchy-Riemann em coordenadas polares.

Suponhamos, de novo, que f W D  C ! C, f D u C iv, é derivável no


ponto ´0 D x0 C iy0 2 D, mas sendo agora ´0 6D 0. De acordo com o Teorema 3.5,
3.2 Condições de Cauchy-Riemann 109

existem neste ponto as derivadas parciais de primeira ordem de u e v, em relação a


x e a y, e satisfazem as Condições de Cauchy-Riemann em coordenadas cartesia-
nas:

ux .x0 ; y0 / D vy .x0 ; y0 / e uy .x0 ; y0 / D vx .x0 ; y0 / : (3.11)

Efectuemos a mudança de coordenadas


x D r cos  I
y D r sin  :
Pela regra da cadeia para funções reais de duas variáveis reais, tem-se

ur D ux cos  C uy sin 
u D rux sin  C ruy cos 
e 
vr D vx cos  C vy sin 
:
v D rvx sin  C rvy cos 
Considerando r ¤ 0 e resolvendo o primeiro sistema pela regra de Cramer, vem
ˇ ˇ
ˇ ur sin  ˇ
ˇ ˇ
ˇ u r cos  ˇ 1
ux D D .rur cos  u sin  / I
r r
ˇ ˇ
ˇ cos  ur ˇˇ
ˇ
ˇ r sin  u ˇ 1
uy D D .u cos  C rur sin  / :
r r
Analogamente, obtém-se do segundo sistema:
1 1
vx D .rvr cos  v sin  / e vy D .v cos  C rvr sin  / :
r r
Desta forma, podemos concluir que as primeiras derivadas parciais de u e v relati-
vamente a x e a y são funções contı́nuas de .x; y/ em ´0 se e só se as primeiras
derivadas parciais de u e v relativamente a r e  forem contı́nuas de .r;  / naquele
ponto.

As equações ux D vy , uy D vx , podem ser escritas na forma


   
1 1
ur v cos  D u C vr sin  I
r r
   
1 1
ur v sin  D u C vr cos  ;
r r
110 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

daqui resultando com facilidade que


1 1
ur D v ; u D vr ; r 6D 0 ; (3.12)
r r
no ponto ´0 . Reciprocamente, estas condições implicam as condições (3.11).

As equações que acabámos de deduzir designam-se por Condições de Cauchy-


-Riemann em coordenadas polares.

Apresentamos um Teorema para coordenadas polares paralelo ao Teorema 3.8.


Teorema 3.9 (Diferenciabilidade: coordenadas polares) Seja f definida num
domı́nio D  C. Tem-se que f D u C iv é derivável em ´0 D r0 ei0 2 D se
e só se u e v forem diferenciáveis (no sentido real) e satisfizerem as Condições de
Cauchy-Riemann em .r0 ; 0 /:

rur D v e rvr D u :

Observação 3.1 Tendo em conta a relação entre as primeiras derivadas parciais de


u e v relativamente a x e a y e relativamente a r e a  , sendo f derivável no ponto
´0 , de (3.8) e de (3.12), concluı́mos que

f 0 .´0 / D .cos 0 i sin 0 /Œur .r0 ; 0 / C ivr .r0 ; 0 /


´0
D Œur .r0 ; 0 / C ivr .r0 ; 0 / :
j´0 j

Obviamente que toda a função constante num certo subconjunto aberto de C


tem derivada nula nesse subconjunto. E o recı́proco será válido? O Teorema que
se segue mostra que o recı́proco é válido quando o subconjunto de C é conexo e
decorre de forma simples das Condições de Cauchy-Riemann.
Teorema 3.10 (Derivada nula vs função constante) Se f W D  C ! C é dife-
renciável no domı́nio D e se a sua derivada é nula em todos os pontos de D, então
f é constante em D.

D EMONSTRAÇ ÃO : Como f é diferenciável em D, de (3.8), tem-se

f 0 .´/ D ux .x; y/ C ivx .x; y/


D vy .x; y/ i uy .x; y/ ;

para cada ´ D x C iy 2 D. Como a derivada de f é nula em D, isto implica que


as derivadas parciais de primeira ordem de u e v sejam também nulas em D. Ora,
3.3 Funções analı́ticas ou holomorfas 111

da Análise Real, sabemos que se uma função tem derivada nula num intervalo
Œa; b, então é constante em Œa; b. Seja, então,

L D ft C iy0 W a  t  bg

um segmento de recta em D e seja

.t / D u.t; y0 / :

Nestas condições, ux D 0 , pelo que u é constante em L. Por um argumento seme-


lhante, prova-se que u e v são ambas constantes em qualquer segmento de recta em
D, horizontal ou vertical. Desta forma, f é constante ao longo de qualquer linha
poligonal em D, formada por segmentos de recta horizontais e verticais. Como D
é um domı́nio, D é aberto e conexo por arcos. Sendo assim, quaisquer dois pontos
de D podem ser ligados por uma linha poligonal em D, satisfazendo a propriedade
anterior. Segue-se que f é constante em todo o domı́nio D. 

3.3 Funções analı́ticas ou holomorfas


A função f W D  C ! C diz-se analı́tica ou holomorfa num ponto ´0 2 D
se a sua derivada f 0 existe não só em ´0 , como ainda em todo o ponto ´ de uma
vizinhança de ´0 .

Os termos ”regular” ou ”monógena” são também sinónimos.

A função f diz-se holomorfa no domı́nio D, se for holomorfa em todo o


ponto desse domı́nio.

Uma função diz-se inteira se for holomorfa em todo o plano complexo.

O domı́nio de analiticidade ou região de analiticidade de uma função com-


plexa corresponde ao maior subconjunto de C (no sentido da inclusão de conjuntos)
aberto, conexo, no qual f seja holomorfa em todos os pontos.

Exemplos 3.5
(a) Toda a função polinomial da forma

p.´/ D a0 C a1 ´ C    C an ´n ;

com ai 2 C, i D 0; 1; : : : ; n e n 2 N, tem derivada em qualquer


ponto do plano, sendo, por isso, uma função inteira.
112 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

(b) De acordo com o exemplo 3.4, a função

f .´/ D ex cos y C i ex sin y; ´ D x C iy 2 C ;

é inteira.
(c) Já a função
f .´/ D j´j2 ; ´ 2 C;
não é holomorfa em ponto algum do plano, visto que só admite deri-
vada na origem.

As derivadas da soma e do produto de funções existem onde as funções ad-


mitem derivada. Logo, se duas funções são analı́ticas num domı́nio D, então a sua
soma e o produto são analı́ticas em D. Analogamente, o seu quociente é analı́tico
em D, desde que a função no denominador se não anule em ponto algum de D.
Exemplo 3.6 A função definida por
1
f .´/ D
´
é analı́tica em Cnf0g.

Também a composta de funções analı́ticas é analı́tica, de acordo com o Teo-


rema 3.2. Seja g analı́tica num domı́nio D1 e seja R o seu contradomı́nio. Se f é
analı́tica num domı́nio D2 , contendo R, segue-se que f ı g é analı́tica em D1 .
Exemplo 3.7 A função g, definida por

g.´/ D 1 C ´2 ; ´ 2 C;

é inteira. Consideremos também um ramo da função raiz quadrada


 
1 p  
f .´/ D ´ 2 D r cos C i sin ; r > 0;  < <;
2 2

a qual é analı́tica no seu domı́nio de definição9 (vide exercı́cio 2.5 e secção 5.7). Em
particular, f é analı́tica no semi-plano superior Im ´ > 0. Tomando ´ D x C iy,
Im g.´/ D 2xy. Como o contradomı́nio de g tem que estar restrito ao semi-plano
superior, torna-se necessário considerar

xy > 0 :

9 Note-se que se retirou do domı́nio de f o semi-eixo negativo dos xx, garantindo assim a conti-

nuidade da função argumento.


3.4 Derivadas de Wirtinger 113

Assim, concluı́mos que a função composta f ı g, dada por

1
f .g.´// D .1 C ´2 / 2 ;

é analı́tica nos quadrantes x > 0; y > 0 e x < 0; y < 0.

3.4 Derivadas de Wirtinger


Consideremos uma função f complexa de variável complexa. Podemos pen-
sar f como uma função de R2 em R2 , que ao par .x; y/ faz corresponder f .x; y/.
Tendo em mente que

´C´ ´ ´
x D e y D ;
2 2i

consideremos f como função de ´ e ´. Trataremos estas variáveis como variáveis


independentes, esquecendo que são realmente conjugadas uma da outra.

Sendo válidas as regras do cálculo, obterı́amos as seguintes expressões:

@f @f 1 @f 1 @f @f 1 @f 1
D C e D ;
@´ @x 2 @y 2i @´ @x 2 @y 2i

ou seja,
   
@f 1 @f @f @f 1 @f @f
D i e D Ci :
@´ 2 @x @y @´ 2 @x @y

Estas expressões não têm definições convenientes em termos de limites, mas


podemos introduzi-las como derivadas simbólicas com respeito a ´ e a ´. São co-
nhecidas por derivadas de Wirtinger.

Admitamos que f é analı́tica. Então, valem as Condições de Cauchy-


-Riemann e f 0 D ux C ivx D vy i uy . Tem-se

ux C ivx D vy i uy D i.uy C ivy / ;


114 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

ou seja,
@f @f @f @f @f
D i , Ci D 0 , D 0:
@x @y @x @y @´
Concluı́mos, assim, que as funções analı́ticas são caracterizadas pela con-
dição
@f
D 0:

3.5 Funções harmónicas


Consideremos uma função f D u C iv analı́tica num domı́nio do plano
complexo. Então, em todo o ponto desse domı́nio verificam-se as Condições de
Cauchy-Riemann
@u @v @u @v
D ; D ;
@x @y @y @x
e, portanto,
@2 u @2 v @2 u @2 v
D ; D ;
@x 2 @x@y @y 2 @y@x
desde que as segundas derivadas existam. Mostraremos que se f for analı́tica,
então as derivadas parciais de u e v de todas as ordens existem e são funções
contı́nuas de x e y. Admitindo desde já este facto (um dos mais importantes Teo-
remas do Curso - Teorema 8.7), segue-se que as duas derivadas mistas de segunda
ordem são iguais, pelo que

@ 2 u @2 u
C D 0 (3.13)
@x 2 @y 2

em todo o ponto do domı́nio. A equação (3.13) chama-se Equação de Laplace e


uma função u de classe C 2 que satisfaça (3.13) diz-se harmónica.

Analogamente se conclui que se f D u C iv for analı́tica num domı́nio,


também v é uma função harmónica nesse domı́nio. Portanto, as partes real e ima-
ginária de uma função analı́tica são harmónicas.

Se duas funções harmónicas u e v satisfazem as Condições de Cauchy-


-Riemann, então v diz-se conjugada harmónica de u. Assim, as partes real e ima-
ginária u e v de uma função analı́tica não só são harmónicas, como também v é
conjugada harmónica de u.
3.5 Funções harmónicas 115

Reciprocamente, se as funções u e v são harmónicas (logo, de classe C 2 )


num domı́nio D e se satisfazem as Condições de Cauchy-Riemann nesse domı́nio,
então f D u C iv é uma função analı́tica em D.

No Teorema 9.11, provaremos um resultado mais forte: se u é harmónica


num domı́nio simplesmente conexo D, então existe uma função harmónica v em
D, tal que f D u C iv é analı́tica em D.

A conjugada de uma função harmónica pode achar-se por integração, como


o seguinte exemplo ilustra.

Exemplo 3.8 Consideremos em R2 a função u definida por

u.x; y/ D x 2 y2 :

Calculando as derivadas parciais de primeira ordem, obtemos

@u @u
D 2x e D 2y: (3.14)
@x @y
Ora,  
@2 u @2 u @ 2 u @2 u
D 2 ^ D 2 ) C D 0;
@x 2 @y 2 @x 2 @y 2
pelo que u é harmónica. De acordo com (3.14), a função conjugada harmónica
deve satisfazer as condições
@v
D 2y I
@x
@v
D 2x :
@y
Da primeira equação resulta

v.x; y/ D 2xy C .y/ ;

onde é uma função na variável y. Por substituição na segunda equação, vem


0 .y/ D 0. Logo, é uma função constante e a conjugada harmónica de u é dada
na sua expressão mais geral por

v.x; y/ D 2xy C k ;

sendo k uma constante real. Considerando k D 0, obtemos a função f .´/ D ´2 , a


qual é uma função inteira.
116 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

3.6 Exercı́cios propostos


Exercı́cio 3.1 Mostre que a função

´2 =´; se ´ 6D 0
f .´/ D
0 ; se ´ D 0

não é diferenciável em ´ D 0, mas que na origem são satisfeitas as Condições de


Cauchy-Riemann.
Sugestão: Use a definição de derivada, faça ´ ! 0 ao longo de um dos eixos
coordenados e ao longo da recta y D x.

Exercı́cio 3.2 Seja



´5 =j´j4 ; se ´ 6D 0
f .´/ D :
0 ; se ´ D 0

(a) Mostre que f .´/=´ não tem limite quando ´ ! 0.

(b) Mostre que, apesar de f 0 .0/ não existir, se verificam as Condições


de Cauchy-Riemann na origem.

Exercı́cio 3.3 Prove que a composta de funções analı́ticas é uma função analı́tica
e estabeleça a regra da cadeia (versão complexa).

1
Exercı́cio 3.4 Supondo f definida num domı́nio D onde é analı́tica, prove que

df 1 1
.w/ D 0 ;
dw f .´/

com ´ D f 1 .w/:
1
Sugestão: Aplique a regra da cadeia a f .f .´// D ´.

Exercı́cio 3.5 (Regra de L’Hôpital) Suponha que f e g são analı́ticas em ´0 e


que f .´0 / D g.´0 / D 0. Prove que

f .´/ f 0 .´/
lim D lim 0 ;
´!´0 g.´/ ´!´0 g .´/

caso exista o segundo limite.


3.6 Exercı́cios propostos (3.1–3.16) 117

Exercı́cio 3.6 Utilize a regra de L’Hôpital para calcular o limite

´2 2´ C 2
lim :
´! 1Ci ´4 C4

Exercı́cio 3.7 Determine os pontos de diferenciabilidade e de analiticidade da


função
f .´/ D x C i sin x cos y ; ´ D x C iy 2 C :

Exercı́cio 3.8 Mostre que a função


1 p i
f W ´ D rei 7! f .´/ D ´ 2 D re 2 ; r > 0;  < <;

tem derivada em cada ponto do seu domı́nio de definição e que

1
f 0 .´/ D :
2f .´/

Exercı́cio 3.9 Seja


f .´/ D u.r;  / C iv.r;  /
uma função analı́tica num domı́nio D ao qual não pertence o ponto ´ D 0.

(a) Usando as Condições de Cauchy-Riemann em coordenadas polares,


mostre que a função u satisfaz a forma polar da Equação de Laplace
em D:
r 2 urr .r;  / C rur .r;  / C u .r;  / D 0 :

(b) Mostre que a função v também satisfaz a forma polar da Equação de


Laplace no mesmo domı́nio.

Exercı́cio 3.10 Considere a função

u.r;  / D log r ;

em que log r representa o logaritmo natural de r.

(a) Mostre que u é harmónica no domı́nio

r > 0 ^ 0 <  < 2 :

(b) Determine, então, uma função conjugada harmónica de u.


118 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

Exercı́cio 3.11 Em cada uma das alı́neas que se seguem, mostre que u é harmónica
num certo domı́nio e determine uma sua conjugada harmónica v:

(a) u.x; y/ D 2x.1 y/;

(b) u.x; y/ D sinh x sin y.

Exercı́cio 3.12

(a) Seja f D u C iv uma função inteira. Para que combinações de sinais

."1 ; "2 / 2 f. ; /; . ; C/; .C; /; .C; C/g

são inteiras as funções "1 v C i "2u?

(b) Existem funções f D u C iv inteiras para as quais

u.x; y/ D x 2 y2 2xy ‹

Se sim, quais?

Exercı́cio 3.13 Mostre que toda a função f , holomorfa numa região D e satisfa-
zendo uma das seguintes condições, é uma função constante:

(a) Re f .´/ ou Im f .´/ é constante em D;

(b) jf .´/j é constante em D.

Exercı́cio 3.14 Mostre que uma função inteira f na variável ´ cujos valores
dependem apenas de j´j é uma função constante.

Exercı́cio 3.15 Seja f uma função analı́tica num conjunto aberto A  C. Seja

A D f´ W ´ 2 Ag :

Mostre que a função g W A ! C, definida por g.´/ D f .´/, é analı́tica em A .


3.7 Laboratório 3 119

Exercı́cio 3.16 O Teorema do Valor Médio de Lagrange é um importante resultado


da Análise Real que não é válido na Análise Complexa. Seja f .t / D t 2 C i t 3 , com
t 2 Œa; b  R. Mostre que

f .b/ f .a/ D f 0 .c/.b a/ ;

para algum ponto c em a; bŒ só se a D b.

3.7 Laborat ório 3


A existência das primeiras derivadas parciais das partes real e imaginária de
uma função complexa não implica a diferenciabilidade da função. Visualizaremos
com o Mathematica tal facto. Usaremos o programa para determinar funções con-
jugadas harmónicas de funções harmónicas.

Visualização de uma funç ão descontı́nua admitindo derivadas parciais


de primeira ordem das componentes
Dada uma função complexa f D u C iv, a diferenciabilidade de primeira
ordem de u e v em todas as direcções não é suficiente para garantir a diferencia-
bilidade de f . Como sabemos, uma função é diferenciável no sentido complexo
se
1) as funções parte real e parte imaginária são diferenciáveis;
2) as Condições de Cauchy-Riemann são satisfeitas.
Considere-se a função u tal que
xy
u.x; y/ D ;
x2 C y 2
se .x; y/ 6D .0; 0/, e u.0; 0/ D 0. Prova-se com facilidade que as derivadas parciais
de primeira ordem, ux .x; y/ e uy .x; y/, existem em todo o plano complexo. Con-
siderando coordenadas polares, verifique que u não é contı́nua na origem. Analise o
que acontece à função quando nos aproximamos da origem em diferentes direcções.
A seguinte visualização faz luz sobre a relação entre existência de derivadas par-
ciais e diferenciabilidade complexa.

Primeiramente, consideremos coordenadas cartesianas e depois coordenadas


polares. Em cada caso é claro que existe uma descontinuidade na origem. Mas, a
função é zero ao longo dos eixos coordenados, existindo as derivadas parciais na
origem.
120 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

Clear@"Global` *"D;
Plot3D @x * y  Hx2 + y2 L, 8x, -1, 1<,
In[1]:=

8y, -1, 1<, PlotPoints ® 40D

0.5
0.25 1
0
-0.25 0.5
-0.5
-1 0
-0.5
0 -0.5
0.5
1-1

Out[2]= … SurfaceGraphics …
In[3]:= ParametricPlot3D A

9r Cos@ΘD, r Sin@ΘD, €€€€€ Sin@2 ΘD=, 8r, 0, 1<,


1

8Θ, 0, 2 Π< , PlotPoints ® 820, 50<E


2

0.5
0.25
0 1
-0.25 0.5
-0.5
-1 0
-0.5
0 -0.5
0.5
1 -1

Out[3]= … Graphics3D …
3.7 Laboratório 3 121

Construção de uma função holomorfa conhecida a parte real


Considere-se a função

u.x; y/ D 4xy.y 2 x2 / :

Verifica-se, sem dificuldade, que esta função é harmónica, pois satisfaz a Equação
de Laplace. Usando o Mathematica, determinemos uma função holomorfa f que
tenha u como parte real. O programa que se segue foi desenvolvido por Shaw e
baseia-se na generalização de um resultado apresentado inicialmente por Ahlfors
em 1953. Para maior desenvolvimento, consulte [27, Cap.10].

RealToHolo @expr_ , anum_ , 8xsym_ , ysym_ , zsym_ <D :=


Module @8abar = Conjugate @anum D, exprf<,
In[4]:=

exprf = ComplexExpand @expr, TargetFunctions ® 8Re, Im<D;


func =
2 * exprf .
8xsym ® Hzsym + abarL  2, ysym ® Hzsym - abarL  H2 * IL<;
basecorr = - exprf . 8xsym ® Re@anum D, ysym ® Im@anum D<;
FullSimplify @func + basecorr + I * ΒDD

O valor que se atribui a anum_ deverá corresponder a um ponto onde a função f


seja analı́tica.
In[5]:= RealToHolo @4 x * y Hy2 - x2 L, 0, 8x, y, z <D

Out[5]= ä Hz4 + ΒL

Em vez de calcularmos directamente a função f , podemos determinar a conjugada


harmónica de u. Vejamos novo exemplo. Consideremos a função
1
u.x; y/ D log.x 2 C y 2 / :
2
Para averiguarmos no Mathematica se u.x; y/ é harmónica, podemos recorrer ao
seguinte programa:

laplacian @expr_ , 8xsym_ , ysym_ <D :=


Module @8laplaciano <, laplaciano = FullSimplify @Together @
In[6]:=

D@expr, 8xsym , 2<D + D@expr, 8ysym , 2<DDD; laplaciano D;

laplacian A €€€€€ Log@x2 + y2 D, 8x, y<E


1
2
Out[7]= 0
122 CAPÍTULO 3: Diferenciação no Campo Complexo

Para calcularmos a função conjugada harmónica de u.x; y/, uma vez verificado
que o laplaciano é zero, consideremos o programa que aplicaremos a u.x; y/.

HarmonicConjugate @expr_ , anum_ , 8xsym_ , ysym_ <D :=


Module @8abar = Conjugate @anum D, zsym , exprf<,
In[8]:=

exprf = ComplexExpand @expr, TargetFunctions ® 8Re, Im<D;


func = 2 * exprf . 8xsym ® Hzsym + abarL  2,
ysym ® Hzsym - abarL  H2 * IL<;
basecorr = -exprf . 8xsym ® Re@anum D, ysym ® Im@anum D<;
ComplexExpand @Im@FullSimplify @
Hfunc + basecorr + I * ΒL . zsym ® xsym + I * ysym DDDD;

HarmonicConjugate A €€€€€ Log@x2 + y2 D, 1, 8x, y<E


1
2
Out[9]= Β + Arg@x + ä yD

Outro exemplo:
HarmonicConjugate @
Hx ^ 2 + y ^ 2L ^ H1  4L Cos@H1  2L ArcTan @x, yDD, 1, 8x, y<D
In[10]:=

Β + Hx2 + y2 L
14 1
Out[10]= SinA €€€€€ Arg@x + ä yDE
2

Cálculo de limites e derivadas


Para o cálculo de limites e derivadas no Mathematica recorre-se às funções
Limit[] e D[].
In[11]:= ? Limit

Limit@expr, x->x0D finds the


limiting value of expr when x approaches x0. More…

In[12]:= ?D

with respect to x. D@f, 8x, n<D gives the nth


D@f, xD gives the partial derivative of f

x1, x2, ... D gives a mixed derivative. More…


partial derivative of f with respect to x. D@f,

Use estas funções para calcular as sucessivas derivadas de


 5
1 ´7 3
f .´/ D e g.´/ D ;
´2 C 3 ´4 7
bem como os limites de f e g quando ´ tende para infinito.
A escada da Sabedoria tem os degraus feitos de números.
Helena Blavatsky

Sucessões e Séries Complexas


Capítulo 4
4.1 Sucessões de números complexos
Uma sucessão de números complexos

´ 1 ; ´2 ; : : : ; ´ n ; : : : (4.1)

pode ser encarada como uma função f , na variável independente n 2 N 10 , to-


mando valores em C,
f W N ! C:

Chama-se termo da sucessão a qualquer elemento do contradomı́nio de f . O termo


f .n/ D ´n , com n 2 N, é o termo geral da sucessão, representando-se esta por
.´n /n2N ou, simplesmente, por .´n /.

Diz-se que a sucessão .´n /n2N tem limite ´ 2 C e escreve-se

lim ´n D ´
n!C1

se para todo o " > 0, existe um n0 2 N tal que

j´n ´j < " ; (4.2)

para n  n0 . Uma sucessão com limite finito diz-se convergente, e qualquer su-
cessão não convergente diz-se divergente.
10 No lugar de N, podemos também considerar N0 ou qualquer subconjunto infinito de N0 .

123
124 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

z1

z2
z3
z5 z4
z6
z ¶

Figura 22: Ilustração da convergência de uma sucessão complexa.

A desigualdade em (4.2) equivale à condição ´n 2 D.´; "/, para n  n0 . As-


sim, dizer que uma sucessão .´n / converge para um certo ´ 2 C é o mesmo que
afirmar que, para cada " > 0, existe uma ordem a partir da qual todos os termos da
sucessão pertencem ao disco D.´; "/, como se ilustra na figura 22.

Escreve-se
lim ´n D 1 ;
n!C1
e diz-se que a sucessão diverge para infinito, se, para todo o " > 0, existe um
n0 2 N tal que
1
j´n j > ;
"
para n  n0 . Este conceito também pode ser interpretado geometricamente, recor-
rendo agora aos discos D.1; "/ definidos na secção 1.10.

Como consequência do Teorema 2.1, o limite de uma sucessão, caso exista,


é único.

O estudo dos limites de sucessões complexas pode ser reduzido ao estudo de


sucessões reais.
Teorema 4.1 (Limite de sucessões complexas vs sucessões reais) Sejam
´n D xn C iyn e ´ D x C iy ;
com xn ; yn ; x; y 2 R e n 2 N. Nestas condições,
lim ´n D ´
n!C1
4.1 Sucessões de números complexos 125

se e só se
lim xn D x ^ lim yn D y :
n!C1 n!C1

D EMONSTRAÇ ÃO : Demonstração ao cuidado do leitor. 

Exemplo 4.1 Consideremos a sucessão de termo geral


p . 1/n
´n D 2Ci ; n 2 N:
n3
Tem-se, p
lim xn D 2 ^ lim yn D 0 ;
n!C1 n!C1

pelo que, pelo Teorema anterior,


p
lim ´n D 2:
n!C1

Nem sempre é possı́vel provar a convergência de uma sucessão exibindo o


seu limite. É, assim, extremamente importante dispor de um método que permita
provar a existência de limite, independentemente da sua determinação, ou não, de
modo explı́cito. O Critério de Cauchy, também conhecido por Princı́pio Geral de
Convergência, serve este fim.

Diz-se que uma sucessão .´n /n2N é fundamental ou de Cauchy se satisfaz a


seguinte condição: dado um " > 0 arbitrário, existe um n0 2 N tal que

j´n ´m j < " ;

sempre que n  n0 e m  n0 .
Teorema 4.2 (Critério de Cauchy para sucessões complexas) Uma sucessão de
números complexos é convergente se e só se é fundamental.

D EMONSTRAÇ ÃO : Seja " > 0. Se ´n ! w, existe n0 2 N tal que


"
j´n wj < ;
2
para n  n0 : Pela desigualdade triangular, tem-se

j´n ´mj  j´n wj C j´m wj < " ;

sempre que m; n  n0 .
126 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

Reciprocamente, suponhamos que qualquer que seja " > 0, existe n0 2 N tal
que

m; n  n0 ) j´n ´m j < " :

Sejam xn D Re ´n e yn D Im ´n . Se m; n  n0 , então

jxn xm j  j´n ´m j < " I

jyn ym j  j´n ´m j < " :

Pelo Princı́pio Geral de Convergência válido para sucessões reais, as sucessões


.xn / e .yn /, sendo de Cauchy, são convergentes para certos números reais, respec-
tivamente, x e y. Portanto, .´n / converge para ´ D x C iy. 

Exemplo 4.2 Usando o Critério de Cauchy, mostremos que a sucessão de termo


geral
 
3 4i n
´n D i  C ; n 2 N;
6

converge. Cálculos simples mostram que

ˇ    ˇ
ˇ 3 4i n 3 4i m ˇˇ
j´n ˇ
´m j D ˇ
6 6 ˇ
ˇ  ˇ ˇ  ˇ
ˇ 3 4i n ˇ ˇ 3 4i m ˇ
ˇ
 ˇ ˇ ˇ ˇ
6 ˇCˇ 6 ˇ
 n  m
5 5
D C
6 6
 r
5
 2 ;
6

onde r D min fm; ng. Como 5=6 < 1, podemos fazer 2 .5=6/r tão pequeno quanto
desejarmos, tomando r suficientemente grande.
4.2 Séries de números complexos 127

4.2 Séries de números complexos


Uma série é uma soma infinita formal

´ 1 C ´2 C    C ´ n C    ;

a qual é representada usualmente na forma

C1
X
´n ; (4.3)
nD1
P
ou ´n , quando a não indicação de ı́ndices for inequı́voca. Os números comple-
xos ´1 ; ´2 ; : : : ; ´n ; : : : chamam-se termos da série, sendo ´n , com n 2 N, o termo
geral da série. Por vezes, utiliza-se ´0 como primeira parcela ou então um deter-
minado ´k , com k > 1, o que equivale a tomar os termos anteriores iguais a 0.

Associada à série está a sucessão das somas parciais

s n D ´1 C ´2 C    C ´ n ; n 2 N: (4.4)

Diz-se que a série é convergente se a sucessão das somas parciais associada for
convergente e, neste caso, o limite da sucessão é a soma da série.

Aplicado a séries, o Critério de Cauchy (Teorema 4.2) conduz-nos à seguinte


condição: a série em (4.3) converge se e só se, para todo o " > 0, existe um n0 2 N
tal que
j´n C ´nC1 C    C ´nCp j < " ;

para todo o n  n0 e p  0. Para p D 0 temos, em particular, que j´n j < ". Por
outras palavras, o termo geral de uma série convergente tende para zero.
P
Teorema 4.3 (Condição necessária de convergência) Se a série ´n é conver-
gente, então lim ´n D 0.

Exemplo 4.3 As séries

C1
X C1
X
ni e . i /n
nD1 nD1

não são convergentes, uma vez que lim.ni / D 1 e que não existe o lim. i /n .
128 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

O limite do termo geral da série ser zero é uma condição necessária de con-
vergência, mas não suficiente. Veja-se o exemplo 4.5.

O Teorema seguinte permite reduzir o estudo das séries de termos complexos


ao de duas séries de termos reais e generalizar para aquelas séries propriedades
destas. Por exemplo, a natureza (convergente ou divergente) de uma série não se
altera suprimindo ou modificando um número finito de termos.
Teorema 4.4 (Convergência de séries complexas vs séries reais) Sejam

´n D xn C iyn e ´ D x C iy ;
com xn ; yn ; x; y 2 R e n 2 N. Então, a série
C1
X
´n
nD1

converge se e só se as séries reais


C1
X C1
X
xn e yn
nD1 nD1
convergem.

D EMONSTRAÇ ÃO : Trata-se de uma consequência imediata do Teorema 4.1. 

Exemplo 4.4 Analisemos a convergência da série de termo geral


1   n
´n D n C i ; n 2 N:
e 9
Tem-se, de acordo com a teoria das séries geométricas reais11 ,
C1
X C1
X
1 
xn D ^ yn D ;
e 1 9 
nD1 nD1

pelo que, pelo Teorema anterior,


C1
X 1 
´n D Ci :
e 1 9 
nD1
C1
X ar p
11 A série geométrica ar n , com a; r 2 R e jrj < 1, é convergente e a sua soma é :
nDp
1 r
4.2 Séries de números complexos 129

Exemplo 4.5 O recı́proco do Teorama 4.3 nem sempre é válido. Por exemplo,

i
lim D 0;
n!C1 n

mas a série
C1
X i
n
nD1

não é convergente, uma vez que a série harmónica

C1
X 1
n
nD1

também não o é.

São válidas as propriedades (demonstração remetida para o leitor, exercı́cio 4.4):


P P P
se
P ´n e wn são séries convergentes e c é um complexo, então .´n ˙ wn / e
.c´n / convergem e as suas somas são dadas, respectivamente, por
X X X
.´n ˙ wn / D ´n ˙ wn

e X X
.c´n / D c ´n :

A série
C1
X
´n
nD1

diz-se absolutamente convergente se

C1
X
j´nj
nD1

for convergente.
P
O Teorema que se segue é especialmente importante, porque, sendo j´n j
uma série real, os critérios de convergência conhecidos para séries reais podem ser
aplicados.
130 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

Teorema 4.5 (Condição suficiente de convergência) Toda a série absolutamente


convergente é convergente.
P
D EMONSTRAÇ ÃO : Seja ´n absolutamente convergente e seja ´n D xn C iyn ,
com xn ; yn 2 R e n 2 N. Então, como jxn j  j´n j e jyn j  j´nj, o critério de
P
comparação
P para séries de números reais permite concluir a convergência de jxn j
e jyn j. Dado que a convergência absoluta de séries reais implica convergência,
P P
também as séries xk e yk convergem e, apelando ao Teorema 4.4, fica pro-
vado o resultado. 

Exemplo 4.6 A série


C1
X . i /n
n3
nD1
converge, porque
C1
X 1
n3
nD1
P 1
é uma série de Dirichlet, ou seja, do tipo np e, como sabemos da Análise Real,
converge se p > 1.

Esta é uma condição suficiente de convergência, mas não necessária. Com


efeito, há séries que convergem, mas não absolutamente. Por exemplo,
C1
X . i /n
n
nD1

é uma série convergente, uma vez que as correspondentes séries reais,


C1
X C1
X
. 1/n . 1/n
e ;
2n 2n 1
nD1 nD1

são séries alternadas convergentes. Para chegarmos a esta conclusão basta aplicar-
mos o conhecido Critério de Leibniz para séries reais, segundo o qual toda a série
P
da forma . 1/nbn é convergente, desde que .bn / seja uma sucessão monótona
não-crescente com lim bn D 0. Contudo, a série harmónica
C1
X 1
n
nD1

não é convergente.
4.3 Convergência uniforme 131

Teorema 4.6 (Critérios da Razão e da Raiz) Consideremos a série complexa


C1
X
´n :
nD1

(a) Seja
j´nC1 j
 D lim :
n!C1 j´n j

Se  > 1, a série diverge; se  < 1, a série converge absolutamente;


se  D 1, nada se pode concluir.
(b) Seja
 D lim j´n j1=n :
n!C1

Se  > 1, a série diverge; se  < 1, a série converge absolutamente;


se  D 1, nada se pode concluir.

D EMONSTRAÇ ÃO : Ao cuidado do leitor. 

4.3 Convergência uniforme


Lidaremos, agora, com sucessões e séries de funções complexas. Considere-
mos uma sucessão de funções definidas num subconjunto A de C,

fn W A ! C ; n 2 N:

Diz-se que a sucessão converge pontualmente em A se, para cada ´ 2 A, a sucessão


das imagens fn .´/ convergir. O limite define uma nova função f em A.

Por sua vez, diz-se que a sucessão de funções fn W A ! C converge uni-


formemente em A para uma função f W A ! C se, para todo o " > 0, existir um
n0 2 N tal que n  n0 implica que jfn .´/ f .´/j < ", para todo o ´ 2 A.

A série de funções
C1
X
fk .´/
kD1
converge pontualmente (ou converge uniformemente) se a correspondente sucessão
das somas parciais,
X n
sn D fk .´/ ; n 2 N;
kD1
132 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

convergir pontualmente (ou convergir uniformemente).

Obviamente que a convergência uniforme implica a convergência pontual.


Na convergência pontual, enquanto que, dado um " > 0, o valor do n0 2 N reque-
rido na definição pode variar de ponto para ponto, na convergência uniforme existe
um n0 2 N que funciona para todo o ponto ´.

É importante observar que o conceito de convergência uniforme depende não


só das funções envolvidas, mas também do conjunto em questão, como mostra o
exemplo seguinte.

Exemplo 4.7 A sucessão

fn .´/ D ´n ; n 2 N;

converge pontualmente para a função nula em D.0; 1/, mas a convergência não é
uniforme. Contudo, essa convergência é uniforme em qualquer sub-disco fechado
D.0; r/, com r < 1. Estes factos constatam-se facilmente recorrendo a raciocı́nios
" ı.

Como a representação gráfica de uma função complexa de variável complexa


é difı́cil pois requer quatro dimensões reais, ilustremos geometricamente o conceito
de convergência uniforme para uma sucessão de funções reais (cfr. figura 23). Se
" > 0, então para n suficientemente grande o gráfico de y D fn .x/ deve permane-
cer dentro do tubo-" em redor do gráfico de f .

O Teorema 4.2 tem a seguinte versão para a convergência uniforme.

Teorema 4.7 (Critério de Cauchy para a convergência uniforme)

(a) A sucessão .fn /n2N converge uniformemente em A se e só se, dado


um " > 0 arbitrário, existe um n0 2 N tal que jfn .´/ fm .´/j < ",
para todo o n  n0 , m  n0 e todo o ´ 2 A.

(b) A série
C1
X
fk .´/
kD1

converge uniformemente em A se e só se, para todo o " > 0, existe


um n0 2 N tal que jfn .´/ C fnC1 .´/ C    C fnCp .´/j < ", para
todo o n  n0 , p  0 e todo o ´ 2 A.
4.3 Convergência uniforme 133

¶ f


fn

x
a b

Figura 23: Visualização da convergência uniforme de uma sucessão de funções


reais de variável real definidas no intervalo Œa; b.

Mostraremos, agora, que se uma sucessão de funções contı́nuas convergir


uniformemente para uma função, esta também é contı́nua, verificando-se uma pro-
priedade análoga para a convergência uniforme de séries de funções contı́nuas.

Teorema 4.8 (Convergência uniforme e continuidade)

(a) Se a sucessão fn W A ! C de funções contı́nuas em A convergir uni-


formemente para uma função f; então f é contı́nua em A.
P
(b) Analogamente, se a série de funções contı́nuas fk .´/ convergir
uniformemente para g em A, então g é contı́nua em A.

D EMONSTRAÇ ÃO : Basta obviamente provar a asserção para sucessões. Pretende-


mos mostrar que para ´0 2 A, dado " > 0; existe um ı > 0 tal que j´ ´0 j < ı
implica que jf .´/ f .´0 /j < ": Dada a convergência uniforme, podemos escolher
n0 2 N tal que
"
jfn0 .´/ f .´/j < ; (4.5)
3
para todo o ´ 2 A. Como fn0 é contı́nua, existe um ı > 0 tal que
"
jfn0 .´/ fn0 .´0 /j < ; (4.6)
3
134 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

se j´ ´0 j < ı. Portanto, de (4.5) e (4.6), tem-se

jf .´/ f .´0 /j  jf .´/ fn0 .´/j C jfn0 .´/ fn0 .´0 /j C jfn0 .´0 / f .´0 /j
" " "
< C C
3 3 3
D ";

conforme pretendido. 

Exemplo 4.8 A sucessão de funções contı́nuas

fn .´/ D ´n ; n 2 N;

definidas em D.0; 1/ [ f1g, converge pontualmente para



0 ; se j´j < 1
f .´/ D ;
1 ; se ´ D 1

mas a convergência não é uniforme, uma vez que a função f não é contı́nua em
D.0; 1/ [ f1g.

O Teste-M de Weierstrass é um instrumento teórico e prático muito impor-


tante para o estudo da convergência uniforme.

Teorema 4.9 (Teste-M de Weierstrass) Seja .fn /n2N uma sucessão de funções
em A. Suponhamos que existe uma sucessão numérica .Mn /n2N tal que:

(i) jfn .´/j  Mn , para todo o ´ 2 A;


P
(ii) A série Mk converge.
P
Então, a série fk .´/ converge absoluta e uniformemente em A.

D EMONSTRAÇ ÃO : Como a série

C1
X
Mk
kD1

converge, para todo o " > 0, existe um n0 2 N tal que

Mn C MnC1 C    C MnCp < " ;


4.3 Convergência uniforme 135

para todo o n  n0 e p  0. Note-se que os módulos são dispensáveis, uma vez


que se trata de uma série de termos não-negativos. Portanto, n  n0 implica
jfn .´/ C fnC1 .´/ C    C fnCp .´/j  jfn .´/j C jfnC1 .´/j C    C jfnCp .´/j
 Mn C MnC1 C    C MnCp
< ";
para cada ´ 2 A. A demonstração do Teorema fica concluı́da usando o Critério de
Cauchy para a convergência uniforme (Teorema 4.7). 

Exemplo 4.9 A série


C1
X ´n
f .´/ D
n
nD1
converge uniformemente nos discos fechados
D.0; r/ D f´ 2 C W j´j  rg ;
para cada 0 < r < 1. Com efeito,
j´jn rn
jfn .´/j D  D Mn :
n n
rn
Como  r n e a série majorante (série geométrica)
n
C1
X
rn
nD1

é convergente para 0 < r < 1, a série


C1
X rn
n
nD1

converge. Pelo teste-M de Weierstrass, a série dada converge uniformemente em


D.0; r/.
Além disso, a série apresentada converge pontualmente no disco unitário,
porque cada ponto deste disco pertence a algum D.0; r/, para r suficientemente
próximo de 1.
Contudo a série não converge uniformemente no disco unitário. Se acaso
convergisse, também
C1
X xn
n
nD1
136 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

convergiria uniformemente em Œ0; 1Œ. Logo, para cada " > 0, existiria um n0 2 N
tal que n  n0 implicaria

xn x nC1 x nCp
C C  C < "; x 2 Œ0; 1Œ ; p D 0; 1; 2; : : :
n nC1 nCp

Mas, a série de tipo harmónico

1 1
C C 
n0 n0 C 1

diverge para infinito, isto é, a sucessão das somas parciais tende para infinito. As-
sim, podemos escolher p tal que

1 1
C  C > 2" :
n0 n0 C p

De seguida, escolhamos x próximo se 1 de modo que x n0 Cp > 1=2. Então,


 
x n0 x n0 Cp 1 1
C  C  x n0 Cp C  C > ";
n0 n0 C p n0 n0 C p

o que é uma contradição.


No entanto, f é contı́nua no disco unitário, porque é contı́nua em cada ´
pertencente a este disco, uma vez que cada ´ pertence a algum D.0; r/ onde existe
garantia de convergência uniforme.

4.4 Séries de potências


À série
C1
X
ak .´ ´ 0 /k ;
kD0

onde ´0 ; ak 2 C são fixos, chama-se série de potências em torno de ´0 .

Podemos, sem perda de generalidade, limitar-nos ao estudo das séries de


potências em torno da origem. Com efeito, efectuando a mudança de variável
w D ´ ´0 ; vem
C1
X
ak wk :
kD0
4.4 Séries de potências 137

A série geométrica
C1
X
´k D 1 C ´ C ´ 2 C   
kD0

é um exemplo de uma série de potências.

O Lema de Abel desempenha papel importante na teoria das séries de potên-


cias.

Lema 4.10 (Lema de Abel) Se


C1
X
ak ´k
kD0

converge para ´ D ´0 , então a série:

(a) converge absolutamente para todo o ´ tal que j´j < j´0 jI
(b) converge uniformemente em qualquer disco fechado

D.0; R/ D f´ 2 C W j´j  Rg ;

onde 0 < R < j´0 j.

Por outro lado, se a série


C1
X
ak ´k
kD0

diverge para ´ D ´1 , então diverge para todo o ´ tal que j´j > j´1 j.
P
D EMONSTRAÇ ÃO : Suponhamos que a série ak ´k0 converge. Segue-se que

lim jan ´n0 j D 0 :


n!C1

Assim, existe K > 0 tal que jan ´n0j  K, para todo o n 2 N. Logo,
ˇ ˇn ˇ ˇn
ˇ ˇ
n ˇ ´ ˇ
ˇ´ˇ
jan ´ j D jan ´0 j ˇ ˇ  K ˇˇ ˇˇ :
n
´0 ´0
P
(a) Se ´ é tal que j´j < j´0 j, então a série real j´=´0jn (série geomé-
trica) converge e, pelo critério de comparação, também a série
P
jan ´n j converge.
138 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

(b) Para todo o ´ no disco D.0; R/, tem-se


ˇ ˇn  
n
ˇ ˇ
n ˇ ´ ˇ R n
jan ´ j D jan ´0 j ˇ ˇ  K ;
´0 j´0 j
 n P
sendo Mn D j´R0 j constantes tais que Mn  0 e Mn converge.
Então, pelo Teste-M de Weierstrass (Teorema 4.9), podemos concluir
que a série converge uniformemente.
Deixa-se como exercı́cio a conclusão da demonstração. 

O resultado anterior conduz ao importante conceito de disco de convergência.


Suponhamos que não existe convergência da série em todo o plano complexo.
Então, existe divergência em pelo menos um ponto ´1 . Suponhamos que existe
convergência num ponto ´2 menos distante da origem que ´1 . Nesse caso, pelo
Lema anterior, há convergência no disco D.0; j´2 j/ e divergência no exterior do
disco D.0; j´1 j/. Ora, no anel

f´ 2 C W j´2 j < j´j < j´1 jg ;

a que chamaremos ”anel duvidoso”, não sabemos o que se passa. Tomemos, então,
um ponto ´3 a meia distância de ´1 e ´2 e analisemos se existe, ou não, con-
vergência em ´3 (cfr. figura 24). De acordo com a resposta, obteremos novo ”anel
duvidoso” mais estreito que o anterior. Continuando este processo, chegaremos ao
maior disco centrado na origem, tal que a série converge em cada ponto do seu
interior e diverge em todos os pontos do seu exterior.

Evidentemente, se lidarmos com uma série de potências em torno de ´0 , os


discos referidos estarão centrados em ´0 e não na origem.

Formalmente, seja
( C1
)
X
k
R D sup r  0 W jak j r é convergente :
kD0

A R chama-se raio de convergência da série de potências


C1
X
ak ´k :
kD0

Ao cı́rculo aberto de raio R centrado na origem chama-se disco de convergência da


série.
4.4 Séries de potências 139

Série Divergente

Anel b ´1
Duvidoso

Série
Convergente b ´2
b

b
´3

Figura 24: Rumo à determinação do disco de convergência de uma série de


potências.

Pelo Lema 4.10, a série


C1
X
ak ´k
kD0

converge absoluta e uniformemente em qualquer sub-disco fechado do disco de


convergência. Sobre a fronteira do disco de convergência nada à priori se pode
concluir a respeito de convergência.

Teorema 4.11 (Critérios para séries de potências) Consideremos a série


C1
X
ak ´k :
kD0

(a) Critério da Razão: Se

jan j
lim
n!C1 janC1 j

existir, então iguala o raio de convergência da série.


140 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

(b) Critério da Raiz: Se


 D lim jan j1=n
n!C1

existir, então R D 1= é o raio de convergência da série. Por convenção,


tome-se R D C1 se  D 0 e R D 0 se  D C1.

D EMONSTRAÇ ÃO : Seja


janC1 j
 D lim :
n!C1 jan j
Então,
janC1 ´nC1 j
lim D j´j :
n!C1 jan ´nj
(a) Segue-se imediatamente do Critério da Razão (Teorema 4.6) que a
série em estudo converge, se j´j < 1; isto é, se j´j < 1= e diverge
se j´j > 1=: Logo, por definição de raio de convergência, temos que
jan j
R D 1= D lim :
n!C1 janC1 j

(b) A demonstração segue passos análogos aos de (a), usando-se agora o


Critério da Raiz (Teorema 4.6). 

Exemplos 4.10
(a) A série
C1
X
´k
kD0
tem raio de convergência 1, uma vez que, sendo ak D 1, k 2 N0 ,
tem-se
jan j
lim D 1:
n!C1 janC1 j

(b) A série
C1
X ´k

kD0
tem raio de convergência R D C1, porque ak D 1=kŠ, k 2 N0 , e,
portanto,
jan j
lim D lim .n C 1/ D C1 :
n!C1 janC1 j n!C1
4.4 Séries de potências 141

(c) A série
C1
X
kŠ ´k
kD0
tem raio de convergência R D 0, porque ak D kŠ, k 2 N0 , pelo que
jan j 1
lim D D 0:
n!C1 janC1 j lim .n C 1/
n!C1

Sendo .cn / uma sucessão limitada de números reais, define-se e denota-se o


limite superior dessa sucessão por

lim sup cn D lim bn ;


n!C1 n!C1

onde bn D sup Xn e Xn D fcn ; cnC1 ;    g; n 2 N. Nestas condições,

X 1      Xn     ;

pelo que .bn / é uma sucessão decrescente de números reais:

b1      bn     :

Como toda a sucessão monótona e limitada é convergente, segue-se que o limite

lim sup cn
n!C1

existe sempre e é finito. Apresentamos uma definição equivalente para o limite


superior da sucessão limitada .cn /. Dizemos que k 2 R é o limite superior de .cn /
se para todo o " > 0,
jcn kj < " ;
para um número infinito de valores de n e se nenhum número maior do que k goza
dessa propriedade.

A definição de limite superior pode ser generalizada para sucessões não-li-


mitadas. Nesse caso, C1 e 1 devem ser considerados como possı́veis ”valores
do limite”. Ora, C1 é um valor do limite se, para todo o número k, vale cn > k
para infinitos valores de n; 1 é um valor do limite se, para todo o número k, vale
cn < k para infinitos valores de n. Define-se, então, o limite superior como sendo o
”maior valor do limite”. Podemos também definir o limite inferior de uma sucessão
real como sendo o ”menor valor do limite”. Nestas condições, toda a sucessão terá
sempre um limite inferior e um superior.
142 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

Exemplos 4.11

(a) Para a sucessão cn D . 1/n, n 2 N, tem-se

lim inf . 1/n D 1 e lim sup . 1/n D 1 I


n!C1 n!C1

(b) Para a sucessão cn D . 1/nn, n 2 N, tem-se

lim inf . 1/n n D 1 e lim sup . 1/nn D C1 :


n!C1 n!C1

O limite inferior é sempre menor ou igual ao limite superior. Caso coincidam,


então a sucessão é convergente e converge para esse valor. Para maior desenvolvi-
mento consultar, por exemplo, [15].

Um refinamento do Critério da Raiz permite mostrar que R D 1=, onde

 D lim sup jan j1=n ;


n!C1

o qual, como vimos anteriormente, está sempre definido (neste caso concreto, como
a sucessão é limitada inferiormente, o limite superior ou assume um valor finito
ou C1). Esta fórmula para o raio de convergência é conhecida por Fórmula de
Hadamard. Não existe refinamento análogo para o critério da razão.

4.5 A função exponencial


Como é sabido, as funções trigonométricas seno e co-seno podem ser defi-
nidas como razões entre os comprimentos dos lados de um triângulo rectângulo.
Ora, a definição de ângulo pode ser estendida para qualquer valor real e, assim,
sin  e cos  podem ser definidas como funções reais cujo domı́nio é a recta real.
Alternativamente, sin x e cos x podem ser definidos pelas suas séries de potências
C1
X . 1/n 2n
cos x D x I
.2n/Š
nD0

C1
X . 1/n
sin x D x 2nC1 :
.2n C 1/Š
nD0

Outra alternativa possı́vel, consiste em definir o seno como sendo a única solução
f da equação diferencial f 00 C f D 0, satisfazendo f .0/ D 0 e f 0 .0/ D 1: Quanto
4.5 A função exponencial 143

ao co-seno, pode definir-se como sendo a única solução f da equação diferencial


f 00 C f D 0, satisfazendo f .0/ D 1 e f 0 .0/ D 0. As demonstrações podem ser
encontradas na maior parte dos livros de Cálculo, nomeadamente no capı́tulo 12 de
[22].

A função exponencial, denotada por ex , pode ser definida como sendo a única
solução f da equação diferencial f 0 D f , sujeita à condição inicial f .0/ D 1,
provando-se sem dificuldade que a solução é única. A exponencial ex pode igual-
mente ser definida pela sua série de potências
C1
X 1 n
ex D x :

nD0

É sabido que ex é uma função estritamente crescente na variável x e positiva, pelo


que, para y > 0, pode definir-se o log y como sendo a função inversa de ex ; ou
seja, elog y D y. É também frequente outra abordagem: definir
Z y
1
log y D dt ;
1 t

para y > 0 e depois definir ex como a função inversa de log y 12 .

Vejamos a que conduz esta última abordagem. A função real


Z y
1
dt
1 t

está bem definida, é contı́nua e crescente para y > 0. Tende para 1 quando
y ! 0 e para C1 quando y ! C1. Assim, a equação
Z y
1
x D dt (4.7)
1 t

determina de modo único um valor positivo de y para cada x real. Denotamos por
ex esta solução. Obviamente e0 D 1 e a base e D e1 está definida por
Z e
1
1 D dt :
1 t
De (4.7) resulta que
dx 1 d x
D e .e / D ex :
dy y dx
12 Note-se que, ao contrário do que é frequente, não usaremos a notação ln y para o logaritmo na

base e, mas sim log y:


144 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

Uma propriedade fundamental da exponencial real é a ”lei dos expoentes”:

eaCb D ea eb ; a; b 2 R : (4.8)

Demonstra-se, observando que


d x xCy x xCy x xCy
.e e / D e e Ce e
dx
x
D e .exCy exCy /
D 0;

pelo que, como função de x, esta expressão é constantemente igual ao seu valor
para x D 0. Desta forma,
e x exCy D ey :
Tomando a D x, b D x C y, obtemos (4.8). Para a função inversa de ex , isto é,
para o logaritmo natural log y, tem-se

log.y1 y2 / D log y1 C log y2 ; y 1 ; y2 > 0 : (4.9)

Pretendemos, agora, prolongar a definição da função exponencial e das fun-


ções seno e co-seno para valores complexos da variável independente. É natural
que se exija a preservação das propriedades familiares, entre elas a ”lei dos ex-
poentes”.

A generalização faz-se de modo natural, sendo preservadas muitas das pro-


priedades usuais destas funções no campo real. Definamos a exponencial, o seno e
o co-seno utilizando séries de potências:
C1
X
´ 1 n
e D ´ I (4.10)

nD0

C1
X . 1/n 2n
cos ´ D ´ I (4.11)
.2n/Š
nD0

C1
X . 1/n
sin ´ D ´2nC1 : (4.12)
.2n C 1/Š
nD0

Estas séries são absolutamente convergentes para todo o ´ complexo. Ora, na alı́nea
(b) dos exemplos 4.10, provou-se que a série em (4.10) tem raio de convergência
R D C1. Recorrendo novamente ao Critério da Razão, facilmente se constata que
4.5 A função exponencial 145

as séries em (4.11) e (4.12) também apresentam a mesma propriedade.

Para a exponencial complexa, muitos autores utilizam, indiferentemente, a


notação alternativa exp .´/.

Por adição das séries (veja-se o exercı́cio 4.4), obtemos


C1
X
cos ´ C i sin ´ D cr ´r ; (4.13)
rD0

onde 8
< . 1/r=2

; se r par
cr D :
: i. 1/.r 1/=2
rŠ ; se r ı́mpar
Cálculos simples mostram que
8
< . 1/r=2 D i r ; se r par
rŠ rŠ
cr D ;
: i. 1/.r 1/=2 ir
rŠ D rŠ ; se r ı́mpar

pelo que
C1
X C1
X r r C1
X
r i ´ .i´/r
cr ´ D D D ei´ : (4.14)
rŠ rŠ
rD0 rD0 rD0

De (4.13) e (4.14), segue-se que

ei´ D cos ´ C i sin ´ ; ´ 2 C: (4.15)

Tomando ´ D  2 R, obtemos a importante Fórmula de Euler

ei D cos  C i sin  ; (4.16)

já anteriormente referida (observação 1.1 e exemplos 2.9), mas não justificada. As-
sim, podemos escrever um complexo em coordenadas polares na forma

´ D r ei :

Utilizemos a fórmula do produto de duas séries (veja-se o exercı́cio 4.6) para mos-
trar que a função exponencial satisfaz, de facto, a ”lei dos expoentes”:

e´ ew D e´Cw ; ´; w 2 C : (4.17)
146 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

Ora,
C1
! C1
!
X ´n X wn
´ w
e e D
nŠ nŠ
nD0 nD0

C1 n
!
X X 1 1
D ´r w n r
rŠ .n r/Š
nD0 rD0

C1 n
!
X 1 X nŠ
D ´r w n r
:
nŠ rŠ.n r/Š
nD0 rD0

De acordo com o conhecido Teorema do Binómio de Newton, vem


C1
X 1
.´ C w/n D e´Cw ;

nD0

o que prova o pretendido.

Apresentaremos na secção 5.1 (Teorema 5.1) uma demonstração alternativa


para a ”lei dos expoentes” da exponencial complexa.

4.6 O conjunto de Julia


Analisemos muito sumariamente como se comporta uma função analı́tica su-
jeita a iterações, questão esta na origem da Teoria dos Fractais. Seja f W C ! C
uma função inteira. Dado um ponto ´ 2 C, chama-se órbita de ´ à sucessão de
pontos
´ ; f .´/ ; f .f .´// ; f .f .f .´/// ; : : : ;
que pode ser escrita na forma

´ ; f .´/ ; f 2 .´/ ; f 3 .´/; : : : ;

em que f n denota a composta de f consigo mesma n vezes. Pensemos no ponto


´ como estando a ”mover-se” sucessivamente por aplicação de f e a ocupar no-
vas posições no plano. O ponto ´ diz-se um ponto fixo se permanecer invariante
por aplicação de f , ou seja, se f .´/ D ´. Um ponto periódico é um ponto ´ tal
que f n .´/ D ´, para algum inteiro n. O menor inteiro positivo que satisfaz esta
condição designa-se por perı́odo. Chamam-se órbitas periódicas às órbitas de pon-
tos periódicos. Um ciclo n para a função f é um conjunto f´0 ; ´1 ; : : : ; ´n 1 g de
4.6 O conjunto de Julia 147

Figura 25: Representação do conjunto de Julia para f .´/ D ´2 1.

números complexos tal que

´k D f .´k 1/ ; 1kn 1; e f .´n 1/ D ´0 :

Um ponto fixo ´ diz-se um ponto fixo atractor se jf 0 .´/j < 1: A nomencla-


tura justifica-se pelo facto de as órbitas de pontos próximos de ´ convergirem para
´: Com efeito, na vizinhança de ´, f comporta-se como uma transformação que
roda cada ponto de um ângulo arg f 0 .´/ e contrai segundo o factor jf 0 .´/j, de tal
modo que cada vez que f é aplicada, os pontos são ”puxados” para ´ segundo o
factor jf 0 .´/j, e à medida que o procedimento se repete o ponto tende para ´.

Analogamente, um ponto fixo diz-se um ponto fixo repulsor se jf 0 .´/j > 1:


Os pontos na proximidade destes repulsores são ”repelidos” por iteração da função
f.

Seja a função fc , definida por fc .´/ D ´2 C c, em que c é uma constante


complexa. Denotemos por Kc o conjunto dos pontos com órbitas limitadas para
fc . O conjunto de Julia de fc é a fronteira de Kc . Este conjunto de grande beleza
e complexidade é usualmente designado fractal. A figura 25 mostra um exemplo
de um conjunto de Julia.
Exemplo 4.12 Seja fc .´/ D ´2 C c e tomemos c D 0. Consideremos um ponto ´0 .
Se j´0 j < 1, a sucessão ´0 ; f .´0 /; : : : ; f k .´0 /; : : : converge para 0 e se j´0 j > 1,
a sucessão é ilimitada. No caso de j´0 j D 1, a sucessão oscila em torno da circun-
ferência unitária ou converge para 1 (vide exercı́cio 4.14). O conjunto K0 é o disco
unitário fechado e o conjunto de Júlia para f0 é a circunferência unitária.

Quando c D 0 ou c D 2, Kc é um conjunto muito simples, caso contrário,


a sua fronteira é um fractal. Julia e Fatou provaram, independentemente, que a
148 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

fronteira de Kc é conexa se e só se 0 2 Kc . Para maior desenvolvimento desta


temática consultar [19].

4.7 O conjunto de Mandelbrot


Antes de definirmos o conjunto de Mandelbrot introduzimos alguns concei-
tos necessários.

Um ciclo n f´0 ; ´1 ; : : : ; ´n 1g diz-se atractor para uma função f se

j.f n /0 .´0 /j < 1 :

Estes ciclos n gozam da propriedade de as órbitas de pontos próximos de ´0 ten-


derem para a órbita de ´0 . Um ciclo-n f´0 ; ´1 ; : : : ; ´n 1 g diz-se repulsor se

j.f n /0 .´0 /j > 1 :

As órbitas dos pontos na proximidade de ´0 afastam-se da órbita de ´0 .

Se f´0 ; ´1 ; : : : ; ´n 1 g é um ciclo n atractor para a função f , então não só


´0 satisfaz j.f n /0 .´0 /j < 1, mas também j.f n /0 .´k /j < 1, para k D 1; : : : ; n 1
(vide exercı́cio 4.15).

O conjunto de Mandelbrot é particularmente interessante e muito popular,


mesmo nos meios exteriores à Matemática, tal se devendo ao seu irrecusável apelo
estético e à sua complexa estrutura. Surpreendentemente, a génese deste conjunto
com uma natureza intrincada surge de uma definição simples.

O conjunto de Mandelbrot M é o conjunto dos parâmetros c para os quais


as órbitas do ponto 0 determinadas por fc são limitadas, isto é, não tendem para
infinito.

Equivalentemente, o conjunto de Mandelbrot é o subconjunto do plano com-


plexo constituı́do pelos parâmetros c para os quais o conjunto de Julia de fc é
conexo.

O conjunto M é o subconjunto do plano complexo obtido a partir da equação


quadrática de recorrência
´nC1 D ´2n C c ;
4.7 O conjunto de Mandelbrot 149

com c constante, constituı́do pelos pontos c do plano complexo para os quais a


órbita de ´n não tende para infinito.

Equivalentemente, podemos considerar a famı́lia de funções polinomiais


quadráticas fc W C ! C,
´ 7! ´2 C c ;
e definir M como sendo o conjunto dos parâmetros c para os quais o ponto 0 não
tende para infinito, isto é,
fcn .0/ 6! 1 :
As funções fc designam-se funções de Mandelbrot.

O conjunto de Mandelbrot é um conjunto compacto, contido no disco fe-


chado de raio 2 centrado na origem. Nos exercı́cios do final do capı́tulo, o leitor é
convidado a provar que se jcj > 2, então c 62 M .

O conjunto M é conexo e a sua fronteira é um fractal. Um fractal é um ob-


jecto matemático com auto-semelhança em diferentes escalas. Embora o conjunto
M revele auto-semelhança em detalhes em grandes escalas, os detalhes em peque-
nas escalas não são réplicas exactas do todo (verdadeiros clones), sendo tal facto
mostra da complexidade do conjunto.

Observando o conjunto M; logo sobressai a forma de um cardióide na sua


região central. Este cardióide principal é a região dos parâmetrosp c para os quais
fc temp pontos fixos atractores, o que acontece se e só se j1 C 1 4cj < 1 ou
j1 1 4cj < 1, onde o sı́mbolo raiz quadrada denota o ramo principal da raiz
quadrada. A demonstração fica ao cuidado do leitor. O cardióide consiste em todos
os parâmetros da forma
1 . 1/2
c D ;
4
para um certo  no disco unitário (cfr. exercı́cio 4.18).

Para a esquerda do cardióide, ligado a este no ponto 3=4, existe um bolbo


circular de raio 1=4. Consiste nos pontos para os quais fc tem um ciclo 2. Os dis-
cos grandes acima e abaixo do cardióide principal correspondem aos pontos para
os quais fc tem um ciclo 3.

Para melhor compreensão das tarefas do Laboratório 3, recordemos alguns


factos importantes.
150 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

Definamos a função quadrática real

fr .x/ D rx.1 x/ ;

chamada função logı́stica (cfr. [31, Cap.6]).

O Teorema seguinte, enunciado em termos de funções reais de variável real,


vale também no caso complexo.

Teorema 4.12 Seja f uma função real de variável real diferenciável, p um ponto
fixo de f e K uma constante inferior a 1 tal que jf 0 .x/j < K num intervalo em
torno de p. Então, a órbita de qualquer valor inicial no intervalo converge para
p por iteração por f: Se jf 0 .x/j > K num intervalo em torno de p com K uma
constante maior que 1; então não existe valor algum no intervalo (excluindo o
próprio p) para o qual a função convirja para p por iteração por f .

Os possı́veis comportamentos das órbitas de um valor inicial são os seguintes:

1) a órbita converge para um ponto fixo ou um ciclo periódico;

2) a órbita diverge para infinito;

3) a órbita permanece limitada sem convergir.

Ao efectuarmos a complexificação, ou seja, a extensão da função para o


campo complexo, começamos por considerar uma função quadrática geral da forma
a´2 C b´ C c e depois, por uma conveniente mudança de variável, restringimo-nos
a funções de Mandelbrot (sem termo linear).

A fronteira do conjunto de Mandelbrot é exactamente o lugar geométrico das


bifurcações da famı́lia quadrática, ou seja, o conjunto dos parâmetros c para os
quais a ”dinâmica” muda abruptamente para pequenas mudanças de c:

Como já referimos, o conjunto de Mandelbrot é o conjunto dos valores de


c para os quais a função iterada nunca tende para infinito. Usaremos o software
Mathematica para obter uma caracterização parcial do conjunto em termos de
órbitas periódicas e de regiões estáveis.

Um tratamento mais completo deste tema cai fora do âmbito deste escrito. O
leitor interessado poderá consultar com proveito [27].
4.8 Exercı́cios propostos (4.1–4.18) 151

4.8 Exercı́cios propostos


Exercı́cio 4.1 Usando o Teorema 4.1 e os Teoremas da Análise Real, mostre os
seguintes resultados em C:
(a) toda a sucessão convergente é limitada;
(b) toda a sucessão limitada tem uma subsucessão convergente (Teorema
de Bolzano-Weierstrass);
(c) se .´n /n2N e .wn /n2N são sucessões convergentes com
lim ´n D ´ e lim wn D w ;
n!C1 n!C1

então
(c1) lim .´n ˙ wn / D ´ ˙ w;
n!C1
(c2) lim .´n wn / D ´ w;
n!C1
´n ´
(c3) lim D , se w 6D 0.
n!C1 wn w
Exercı́cio 4.2 Mostre, por dois métodos diferentes, que a sucessão de termo geral
. 1/n
´n D 3 C i ; n 2 N;
n2
converge para 3.

Exercı́cio 4.3 Sejam .rn / e .n / as sucessões, respectivamente, dos módulos e dos
argumentos principais dos números complexos ´n do exercı́cio anterior. Mostre
que a primeira sucessão converge, mas que a segunda não.
P P
Exercı́cio 4.4PProve que se P ´n e wn são séries convergentes e c é um com-
plexo, então .´n ˙ wn / e .c´n / convergem e as suas somas são dadas, respec-
tivamente, por X X X
.´n ˙ wn / D ´n ˙ wn
e X X
.c´n / D c ´n :

Exercı́cio 4.5 Com base no resultado do exercı́cio anterior, estude a convergência


da série
X  . 1/n
C1
2n

i n :
nC3 3 C 4n
nD1
152 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

Exercı́cio 4.6

(a) Prove que se


C1
X C1
X
´n e wn
nD0 nD0

são séries convergentes com somas, respectivamente, ´ e w, e se pelo


menos uma delas é absolutamente convergente, então a série
C1
X
vn ;
nD0

com termo geral dado pela Regra de Cauchy,

v n D ´ 0 wn C ´ 1 wn 1 C    C ´ n w0 ;

é convergente e a sua soma é ´w. Este resultado é conhecido por


Teorema de Mertens.
(b) Verifique que se nenhuma das séries for absolutamente convergente,
a série formada pela Regra de Cauchy pode ser divergente.
Sugestão: Considere

C1
!2
X . 1/n
:
nC1
nD0

Exercı́cio 4.7 Estude a convergência das séries:

X
C1
3 4i
n
(a) ;
6
nD0

C1
X in
(b) ;
n2
nD1

X
C1
1 

(c) C i sin ;
nŠ n
nD1

C1
X
(d) .2 . 1/n /n i .
nD0
4.8 Exercı́cios propostos (4.1–4.18) 153

Exercı́cio 4.8 Estude a convergência uniforme da sucessão de funções .fn /n2N no


conjunto F , quando:

(a) fn .´/ D ´3n e F D D.0; r/, com 0 < r < 1;


.´ n/2
(b) fn .´/ D e e F D D.0; 1/.

Exercı́cio 4.9 Recorrendo ao Teste-M de Weierstrass, mostre que a série


C1
X arc tg.n2 ´/ cos. n´/
nD1
n3=2

converge uniformemente em R.

Exercı́cio 4.10 Determine o raio de convergência das séries:


C1
X .´ C i /2nC1
(a) ;
.2n C 1/Š
nD0

C1
X .´ i /n
(b) ;
2n
nD0

C1
X
(c) ´nŠ.
nD0

Exercı́cio 4.11 Indique o valor lógico das seguintes proposições e justifique:


P
(a) existe uma série de potências cn ´n que converge em ´0 D 4 i e
diverge em ´1 D 2 C 3i ;
P P
(b) se a série cn ´n tem raio de convergência R, então a série cn2 ´n
tem raio de convergência R2 .

Exercı́cio 4.12 Prove que o raio de convergência da série

X
C1
n 3
n 2
´n
n
nD1

é igual a e3 .
154 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

Exercı́cio 4.13 Verifique que as seguintes séries são uniformemente convergentes


no disco unitário fechado:
C1
X ´n
(a) ;
2n
nD1

C1
X ´n
(b) :
n3n
nD1

Exercı́cio 4.14 Considere a função f0 .´/ D ´2 e o ponto inicial ´0 . Seja .´n / a


sucessão das iterações de ´0 geradas por f0 , isto é,

´1 D f0 .´0 / I ´2 D f0 .´1 / I :::

Mostre que:

(a) se j´0 j < 1, então a sucessão .´n/ converge para 0;


(b) se j´0 j > 1, então a sucessão .´n/ é ilimitada;
(c) se j´0 j D 1, então a sucessão .´n / ou converge para 1, ou oscila em
torno da circunferência unitária (imponha condições a ´0 que carac-
terizem cada uma das possibilidades).

Exercı́cio 4.15 Seja f´0 ; ´1 g um ciclo 2 atractor para a função f .

(a) Mostre que não só ´0 satisfaz j.f 2 /0 .´0 /j < 1, mas também

j.f 2 /0 .´1 /j < 1 :

(b) Generalize a alı́nea anterior para ciclos n.

Exercı́cio 4.16 Mostre que se ´ D c é um ponto do conjunto de Mandelbrot, então


também o é o seu conjugado c. Desta forma, o conjunto de Mandelbrot é simétrico
em relação ao eixo real.
Sugestão: Use indução matemática.

Exercı́cio 4.17 Representemos por M o conjunto de Mandelbrot.

(a) Mostre que f´ 2 C W j´j  1=4g  M .


(b) Prove que se ´ é qualquer número real superior a 1=4, então ´ não
pertence a M .
4.9 Laboratório 4 155

(c) Use as duas alı́neas anteriores para concluir que o cúspide do car-
dióide principal de M ocorre precisamente no ponto ´ D 1=4.
p
Exercı́cio
p 4.18 Mostre que os pontos c para os quais j1 C 1 4cj < 1 ou
j1 1 4cj < 1 descrevem um cardióide.
Sugestão: Escreva as desigualdades anteriores na forma
ˇ ˇ ˇ ˇ
ˇ1 r1 ˇ 1 ˇ1 r1 ˇ 1
ˇ ˇ ˇ ˇ
ˇ C cˇ < ou ˇ cˇ < :
ˇ2 4 ˇ 2 ˇ2 4 ˇ 2

4.9 Laborat ório 4


Neste Laboratório, usaremos o Mathematica para gerar o conjunto de
Mandelbrot e visualizar órbitas e pontos fixos atractores e repulsores.

A famı́lia de funções de Mandelbrot


Consideremos a famı́lia de funções quadráticas,

fc .´/ D ´2 C c ;

chamada famı́lia de funções de Mandelbrot.

Clear@"Global` *"D;
Quad @z_, c_D := z ^ 2 + c;
In[1]:=

Determinemos os pontos fixos da função Quad[].

In[3]:= fixeda = z . Solve@Quad @z, cD == z, zD

!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!
9 €€€€€ I1 - 1 - 4 c M, €€€€€ I1 + 1 - 4 c M=
1 1
Out[3]=
2 2

Concluı́mos que Quad[] tem dois pontos fixos, ambos reais se c < 1=4. Analise-
mos, agora, a estabilidade. A derivada de Quad[] em ordem a ´ é 2´.

Map@2 # &, fixeda D


!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!
In[4]:=

Out[4]= 91 - 1-4c, 1+ 1-4c=


156 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

Ignoramos o segundo elemento pois tem módulo maior que um, restando o pri-
meiro elemento que é de considerar se c > 3=4. A função Quad[Quad[z,c],c]
(primeira iteração da função Quad[]) pode ser expressa no Mathematica do se-
guinte modo: Nest[Quad[#, c]&, z, 2]. Em geral, a composição da função n
vezes é obtida no Mathematica da seguinte forma Nest[Quad[#, c]&, z, n].
Assim, os pontos fixos da função Quad[] (iteração de ordem zero) são obtidos com
o comando:
In[5]:= fixeda = z . Solve@Nest@Quad @#, cD &, z, 1D == z, zD

!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!
9 €€€€€ I1 - 1 - 4 c M, €€€€€ I1 + 1 - 4 c M=
1 1
Out[5]=
2 2

e os pontos fixos da primeira iteração da função são:


In[6]:= fixedb = z . Solve@Nest@Quad @#, cD &, z, 2D == z, zD

!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!
9 €€€€€ I-1 - -3 - 4 c M, €€€€€ I-1 + -3 - 4 c M,
1 1

!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!
Out[6]=

€€€€€ I1 - 1 - 4 c M, €€€€€ I1 + 1 - 4 c M=
2 2
1 1
2 2

Para analisarmos a estabilidade dos pontos fixos, consideramos as derivadas calcu-


ladas nos pontos fixos. A derivada da iteração de ordem zero da função Quad[] no
Mathematica pode ser expressa assim:
In[7]:= dmap@z_, c_D = D@Nest@Quad@#, cD &, z, 1D, zD

Out[7]= 2z

e o valor da derivada calculada nos pontos fixos da função Quad[] é

derivs = Expand @Map@dmap@#, cD &, fixeda DD


!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!
In[8]:=

Out[8]= 91 - 1-4c, 1+ 1-4c=

Especifiquemos as regiões em que a derivada é menor que 1. Portanto, determi-


nemos para que valor de c a derivada é igual a  (recordamos que só interessa a
primeira solução):
In[9]:= c . Solve@derivs @@1DD == Μ, cD@@1DD

€€€€€ H2 Μ - Μ2 L
1
Out[9]=
4

A região de valores de c de estabilidade é dada por


4.9 Laboratório 4 157

cstable @Μ_D := €€€€€ H2 Μ - Μ2 L;


1
In[10]:=
4

em que jj < 1. Efectuemos um gráfico de curvas de nı́vel desta região:

stableregion = ParametricPlot @
Evaluate @
In[11]:=

Table@8Re@cstable @r Exp@I ΘDDD, Im@cstable @r Exp@I ΘDDD<,


8r, 0, 1, 1  12.<DD, 8Θ, 0, 2 Pi<, AspectRatio -> 1,
PlotStyle -> Hue@9  10D, PlotRange ® AllD

0.6

0.4

0.2

-0.6 -0.4 -0.2 0.2 0.4

-0.2

-0.4

-0.6

Out[11]= … Graphics …

Regiões estáveis para a primeira iteração


Consideremos a primeira iteração da função Quad[]. Neste caso, os pontos
fixos são:

In[12]:= fixedb = z . Solve@Nest@Quad@#, cD &, z, 2D == z, zD

!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!
9 €€€€€ I-1 - -3 - 4 c M, €€€€€ I-1 + -3 - 4 c M,
1 1

!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!
Out[12]=

€€€€€ I1 - 1 - 4 c M, €€€€€ I1 + 1 - 4 c M=
2 2
1 1
2 2
158 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

Obtemos quatro pontos fixos, os quais incluem os dois pontos fixos da iteração de
ordem zero. Os novos pontos fixos são:

In[13]:= fixedbonly = Complement @fixedb , fixeda D

!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!
9 €€€€€ I-1 - -3 - 4 c M, €€€€€ I-1 + -3 - 4 c M=
1 1
Out[13]=
2 2

A derivada da primeira iteração da função Quad[] é:

In[14]:= dmap 2 @z_, c_D = D@Nest@Quad@#, cD &, z, 2D, zD

Out[14]= 4 z Hc + z2 L

e a derivada da primeira iteração calculada nos novos pontos fixos é

In[15]:= derivsb = Expand @Map@dmap 2 @#, cD &, fixedbonly DD

Out[15]= 84 + 4 c, 4 + 4 c<

Podemos também parametrizar a derivada neste caso:

In[16]:= c . Solve@derivsb @@1DD == Μ, cD@@1DD

€€€€€ H-4 + ΜL
1
Out[16]=
4

de modo que a região de estabilidade é determinada por

In[17]:= cstableb @Μ_D := HΜ - 4L  4;

sendo jj < 1. Trata-se obviamente de um cı́rculo centrado no ponto 1.


4.9 Laboratório 4 159

stableregionb = ParametricPlot @
Evaluate @Table@8Re@cstableb @r Exp@I ΘDDD,
In[18]:=

Im@cstableb @r Exp@I ΘDDD<, 8r, 0, 1, 1  7.<DD,


8Θ, 0, 2 Pi<, AspectRatio -> 1, PlotStyle -> Hue@7  10DD

0.2

0.1

-1.2 -1.1 -0.9 -0.8

-0.1

-0.2

Out[18]= … Graphics …

Estudo das órbitas


Passamos a procurar os valores de c que conduzem a órbitas periódicas e,
em particular, procuramos órbitas que contêm a origem. Chamamos a atenção do
leitor para o comando N[] que dá o valor numérico de uma determinada expressão.
Consideramos, então, a função
fixed @n_D := c . Solve@Nest@Quad@#, cD &, 0, nD == 0, cD;
one = fixed @1D;
In[19]:=

none = N@oneD

Out[21]= 80.<

e a primeira iteração da função

In[22]:= two = fixed @2D

Out[22]= 8-1, 0<


160 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

Um dos pontos fixos agora obtidos também é ponto fixo da função (n D 1). Por-
tanto, o valor que apenas é ponto fixo da iteração (n D 2) é

twoonly = Complement @two, oneD;


ntwo = N@twoonly D
In[23]:=

Out[24]= 8-1.<

Repetimos o procedimento para as iterações n D 3; 4; 5; 6; 7 e 8.

three = fixed @3D;


threeonly = Complement @three, oneD;
In[25]:=

nthree = N@threeonly D;
four = fixed @4D;
fouronly = Complement @four, one, twoD;
nfour = N@fouronly D;
five = fixed @5D;
fiveonly = Complement @five, oneD;
nfive = N@fiveonly D;
six = fixed @6D;
sixonly = Complement @six, one, two, threeD;
nsix = N@sixonly D;
seven = fixed @7D;
sevenonly = Complement @seven, oneD;
nseven = N@sevenonly D;
eight = N@fixed @8DD;
eightonly = Complement @eight, N@fourD, N@twoD, N@oneDD;
neight = N@eightonly D;

Notamos que, para valores elevados de n, o computador tem mais dificuldade a


realizar os cálculos. Assim, a partir de n D 8 a função Complement[] é aplicada
apenas aos resultados numéricos e não aos resultados exactos como fizemos até
n D 7. Por outro lado, os cálculos para n D 9 são já demorados e para n D 10
ainda mais demorados. Para n D 8, representemos num gráfico os vários ciclos
periódicos, coloridos de acordo com o perı́odo respectivo.

data =
8none, ntwo, nthree , nfour, nfive, nsix, nseven , neight <;
In[43]:=

Map@Length , dataD

Out[44]= 81, 1, 3, 6, 15, 27, 63, 120<


4.9 Laboratório 4 161

In[45]:= aux = Range@1, 8D

Out[45]= 81, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8<

plotinfo = Transpose @8aux, data<D;


realplotdata = Map@8Hue@1 - #@@1DD  10D, PointSize @0.02D,
In[46]:=

Map@ Point@8Re@#D, Im@#D<D &, #@@2DDD< &, plotinfo D;

In[48]:= plota = Show@Graphics @realplotdata DD

Out[48]= … Graphics …

Se fizéssemos os cálculos para n D 9, em vez de n D 8, obterı́amos a seguinte


figura:

O leitor é convidado a refazer os últimos passos do programa de forma a obter a


figura apresentada.
162 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

Determinemos, agora, os valores de c para os quais a origem dá lugar a uma


órbita periódica ao fim de um número reduzido de iterações. Para tal, introduzamos
a função de duas variáveis:

fixed @n_, k_D := c . Solve@


Nest@Quad @#, cD &, 0, nD ==
In[49]:=

Nest@Quad @#, cD &, 0, n - kD, cD;

Consideremos alguns valores de c assim obtidos, tendo o cuidado de eliminar os


pontos fixos já determinados:

threeone = fixed @3, 1D;


threeoneonly = Complement @threeone , oneD;
In[50]:=

nthreeoneonly = N@threeoneonly D;
fourone = fixed @4, 1D;
fouroneonly = Complement @fourone , one, threeoneonly D;
nfouroneonly = N@fouroneonly D;
fourtwo = fixed @4, 2D;
fourtwoonly =
Complement @fourtwo , one, two, threeoneonly D;
nfourtwoonly = N@fourtwoonly D;
fiveone = fixed @5, 1D;
fiveoneonly =
Complement @fiveone , one, threeoneonly , fouroneonly D;
nfiveoneonly = N@fiveoneonly D;
fivetwo = fixed @5, 2D;
fivetwoonly = Complement @fivetwo ,
two, threeoneonly , fouroneonly , fourtwoonly D;
nfivetwoonly = N@fivetwoonly D;
fivethree = fixed @5, 3D;
fivethreeonly =
Complement @fivethree , three, threeoneonly , fourtwoonly D;
nfivethreeonly = N@fivethreeonly D;
sixone = fixed @6, 1D;
sixoneonly = Complement @sixone ,
one, threeoneonly , fouroneonly , fiveoneonly D;
nsixoneonly = N@sixoneonly D;
4.9 Laboratório 4 163

sixtwo = fixed @6, 2D;


sixtwoonly = Complement @sixtwo , two, threeoneonly ,
In[71]:=

fouroneonly , fourtwoonly , fiveoneonly , fivetwoonly D;


nsixtwoonly = N@sixtwoonly D;
sixthree = fixed @6, 3D;
sixthreeonly = Complement @sixthree , three,
threeoneonly , fouroneonly , fivethreeonly D;
nsixthreeonly = N@sixthreeonly D;
sixfour = fixed @6, 4D;
sixfouronly = Complement @sixfour , one,
fourH*,five,six*L, threeoneonly , fourtwoonly D;
nsixfouronly = N@sixfouronly D;

Colorimos a preto os pontos assim obtidos.

In[80]:= datab = Flatten @8nthreeoneonly , nfouroneonly , nfourtwoonly ,

nsixtwoonly , nsixthreeonly , nsixfouronly <D;


nfiveoneonly , nfivetwoonly , nfivethreeonly , nsixoneonly ,

plotdatab = 8PointSize @0.02D, Map@

plotb = Show@Graphics @plotdatab D,


Point@8Re@#D, Im@#D<D &, databD<;

PlotRegion -> 880.05, 0.95<, 80.05, 0.95<<D

Out[82]= … Graphics …

Em seguida, sobrepomos esse gráfico com o gráfico das órbitas periódicas contendo
a origem e ainda com os dois gráficos das regiões estáveis.
164 CAPÍTULO 4: Sucessões e Séries Complexas

PlotRegion -> 880.05, 0.95<, 80.05, 0.95<<,


In[83]:= Show@plota, plotb, stableregion , stableregionb ,

AspectRatio -> 1, PlotRange -> 88-2, 1  2<, 8-5  4, 5  4<<D

Out[83]= … Graphics …

Conseguimos uma caracterização parcial do conjunto de Mandelbrot em termos


de regiões de estabilidade e órbitas estáveis usando cálculos simbólicos com o
Mathematica. Usando uma aproximação numérica, pode caracterizar-se com mais
precisão este conjunto incluindo a região externa.
Os numerosos criadores desta área da Matemática caminham
ao longo de muitas ruas torturosas e deparam com muitos becos
sem saı́da antes de encontrarem as avenidas superiores.
Jerrold Marsden e Michael Hoffman

Capítulo
Funções Elementares
5
Neste capı́tulo, definimos funções complexas elementares e estudamos algu-
mas das suas propriedades básicas. A exponencial, o seno e o co-seno complexos
são reintroduzidos sem recorrer às séries de potências. Estas definições são equi-
valentes às apresentadas na secção 4.5.

5.1 Novos desenvolvimentos sobre a função expo-


nencial
Recordemos a definição da exponencial complexa:
C1
X
´ 1 n
e D ´ ; ´ 2 C: (5.1)

nD0

Na secção 4.5, deduzimos a chamada ”lei dos expoentes”

e´ ew D e´Cw ; ´; w 2 C ; (5.2)

e provámos a fórmula de Euler

ei D cos  C i sin  ;  2 R: (5.3)

De (5.2) e (5.3), segue-se que

e´ D exCiy D ex eiy D ex .cos y C i sin y/ ; (5.4)

para cada ´ D x C iy 2 C. Obtemos, assim, uma nova forma de representar a ex-


ponencial complexa.

165
166 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

Note-se que se ´ for real (isto é, se y D 0), a definição concorda com a de
função exponencial real:
e´ D ex ; ´ D x 2 R:
Antes de sumariarmos algumas propriedades importantes de e´ , recordemos
que uma função f W C ! C diz-se periódica se existir w 2 Cnf0g, que se designa
perı́odo da função, tal que
f .´ C w/ D f .´/; ´ 2 C:
Teorema 5.1 (Propriedades da exponencial complexa) Para ´; w 2 C, vale o se-
guinte:
(a) e´Cw D e´ ew I
(b) je´ j D eRe ´ I
(c) e´ nunca se anula I
(d) a função exponencial é periódica, sendo qualquer perı́odo da forma
2k i , com k 2 Znf0gI
(e) e´ D 1 , ´ D 2k i; k 2 ZI
d ´
(f) a função exponencial é uma função inteira e e D e´ .

D EMONSTRAÇ ÃO :
(a) Recorrendo a (5.4), apresentamos uma demonstração alternativa da
”lei dos expoentes”, provada inicialmente na secção 4.5. Sejam
´ D x C iy, w D s C i t 2 C. Vem
e´Cw D exCs ei.yCt/
D exCs .cos.y C t / C i sin.y C t //
D Œex .cos y C i sin y/ Œes .cos t C i sin t /
D e ´ ew ;
tendo em conta as conhecidas fórmulas trigonométricas da soma do
seno e do co-seno nos reais.
(b) Para ´ D x C iy 2 C, tem-se
je´ j D jex eiy j D jex j jeiy j D ex D eRe ´ ;
uma vez que ex > 0 e jeiy j D 1.
5.2 As funções trigonométricas 167

(c) Por (b), sabemos que o módulo de e´ é igual a ex e como ex nunca


se anula, o módulo de e´ nunca pode ser zero, o mesmo sucedendo a
e´ .

(d) Suponhamos que


e´Cw D e´ ; ´ 2 C;
para algum w 6D 0. Tomando ´ D 0, vem ew D 1 e por (b), sendo
w D s C i t , segue-se que es D 1 e assim s D 0. Qualquer perı́odo
terá, pois, a forma
w D i t;
com t real. Além disso, de eit D cos t C i sin t D 1, vem cos t D 1 e
sin t D 0, pelo que
t D 2k;
para algum inteiro k não nulo.
0 0
(e) Se e´ D 1, tem-se e´C´ D e´ , para todo o valor de ´0 e, por (d),
concluı́mos que ´ D 2k i , para algum inteiro k não nulo. Se k D 0,
obviamente e´ D 1. O recı́proco prova-se facilmente.
(f) Basta recordar a alı́nea (b) dos exemplos 3.5. 

Note-se que a função exponencial não pode ser definida no plano complexo
ampliado, uma vez que, por ser periódica, não existe o limite quando ´ tende para
1.

5.2 As funções trigonométricas


Na secção 4.5, apresentámos as definições do seno e do co-seno no plano
complexo:
C1
X . 1/n
sin ´ D ´2nC1 I (5.5)
.2n C 1/Š
nD0

C1
X . 1/n 2n
cos ´ D ´ : (5.6)
.2n/Š
nD0

Recorrendo à fórmula de Euler (5.3), para cada  2 R, temos

ei D cos  C i sin  e e i


D cos  i sin  ;
168 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

iΘ iΘ
e e
Θ Θ
2 cos Θ 2i sin Θ
0 -Θ 0 -Θ

-iΘ -iΘ
e e

Figura 26: Ilustração geométrica da fórmula de Euler.

pelo que
e ei i ei C e i
sin  D e cos  D ;
2i 2
conforme ilustra a figura 26.

Torna-se, então, natural considerar, para cada ´ 2 C, as seguintes expressões

ei´ e i´
ei´ C e i´
sin ´ D e cos ´ D ; (5.7)
2i 2
cuja validade se comprova mediante cálculos simples e recorrendo à propriedade
(4.15) da secção 4.5,

ei´ D cos ´ C i sin ´ ; ´ 2 C:

As propriedades seguintes são consequência imediata de (5.7) e do Teo-


rema 5.1.

Teorema 5.2 (Propriedades do seno e co-seno) Para ´; w 2 C, tem-se:

(a) sin2 ´ C cos2 ´ D 1I


(b) sin.´ C w/ D sin ´ cos w C cos ´ sin wI
(c) cos.´ C w/ D cos ´ cos w sin ´ sin wI
(d) a função seno é ı́mpar e a função co-seno é par, ou seja,

sin. ´/ D sin ´ e cos. ´/ D cos ´ I


5.2 As funções trigonométricas 169

(e) as funções seno e co-seno são periódicas de perı́odo

2k ; k 2 Znf0g ;

e estão relacionadas por intermédio da expressão


 
cos ´ D sin ´ I
2

(f) as funções seno e co-seno são inteiras, com derivadas


d d
cos ´ D sin ´ e sin ´ D cos ´ :
d´ d´

Considerando ´ imaginário puro, ´ D iy, y 2 R, vem


e y ey
sin iy D D i sinh y I
2i
e y C ey
cos iy D D cosh y ;
2
sendo agora imediato obter as partes real e imaginária de sin ´ e cos ´, para
´ D x C iy:

sin.x C iy/ D sin x cos iy C cos x sin iy D sin x cosh y C i cos x sinh y I

cos.x C iy/ D cos x cos iy sin x sin iy D cos x cosh y i sin x sinh y :

A partir destas expressões e recorrendo à caracterização das funções trigonométricas


e hiperbólicas reais a partir da exponencial, obtemos com facilidade

j sin ´j2 D sin2 x C sinh2 y e j cos ´j2 D cos2 x C sinh2 y : (5.8)

De acordo com (5.8), e ao contrário do seno e co-seno reais, o seno e co-seno


complexos não são funções limitadas, uma vez que o seno hiperbólico real não é
uma função limitada.

A tangente e co-tangente definem-se, respectivamente, como quociente do


seno e co-seno e do co-seno e seno. De modo explı́cito, temos

1 ei´ e i´
ei´ C e i´
tg ´ D e cotg ´ D i ; (5.9)
i ei´ C e i´ ei´ e i´

com a convenção de que tg ´ D 1, quando cos ´ D 0, e que cotg ´ D 1, sempre


que sin ´ D 0.
170 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

A secante e co-secante complexas definem-se de modo análogo ao caso real:


1 1
sec ´ D e cosec ´ D ; (5.10)
cos ´ sin ´
com a convenção de que sec ´ D 1, quando cos ´ D 0, e que cosec ´ D 1, sem-
pre que sin ´ D 0. Todas estas funções se exprimem em termos da exponencial
complexa.

Estas funções são analı́ticas nos pontos onde o denominador se não anula.
Por exemplo, tg ´ é analı́tica no domı́nio S D f´ 2 C W ´ 6D 1=2.2n C 1/; n 2 Zg.

5.3 As funções hiperb ólicas


Introduzimos, agora, outras importantes funções - as funções hiperbólicas -
que, tal como as funções trigonométricas, também se exprimem como combinações
lineares de exponenciais. Com clara inspiração no co-seno hiperbólico e seno hi-
perbólico reais, o co-seno hiperbólico e seno hiperbólico complexos definem-se do
seguinte modo. Para ´ 2 C,

e´ C e ´
e´ e ´
cosh ´ D e sinh ´ D : (5.11)
2 2
Algumas das propriedades elementares do seno e co-seno hiperbólicos en-
contram-se estabelecidas no Teorema que se segue.

Teorema 5.3 (Propriedades do seno e co-seno hiperbólicos) Para ´; w 2 C, tem-


-se:

(a) cosh2 ´ si nh2 ´ D 1I


(b) sinh.´ C w/ D sinh ´ cosh w C cosh ´ sinh wI
(c) cosh.´ C w/ D cosh ´ cosh w C sinh ´ sinh wI

(d) a função seno hiperbólico é ı́mpar e a função co-seno hiperbólico é


par, ou seja,

sinh. ´/ D sinh ´ e cosh. ´/ D cosh ´ I

(e) as funções seno hiperbólico e co-seno hiperbólico são periódicas de


perı́odo
2k i ; k 2 Znf0g I
5.4 A função logaritmo 171

(f) as funções seno hiperbólico e co-seno hiperbólico são inteiras, com


derivadas, respectivamente,
d d
cosh ´ D sinh ´ e sinh ´ D cosh ´ :
d´ d´
A demonstração fica a cargo do leitor e é consequência do Teorema 5.1.

A função tangente hiperbólica em C é definida por


sinh ´
tgh ´ D ; ´ 2 C: (5.12)
cosh ´
Como seria de esperar, as funções co-tangente hiperbólica, secante hiperbólica e
co-secante hiperbólica definem-se como as inversas multiplicativas (não funções
inversas) de, respectivamente, tgh ´, cosh ´ e sinh ´. Deixamos ao leitor a investi-
gação das suas propriedades elementares, incluindo a determinação dos zeros e
perı́odos. Como o seno hiperbólico e o co-seno hiperbólico são funções inteiras,
também as funções acabadas de definir o são nos pontos onde o denominador se
não anula.

5.4 A função logaritmo


De acordo com o procedimento usual aquando de uma generalização, de-
finiremos o logaritmo complexo de modo que, restringindo aos reais positivos, a
definição concorde com a do logaritmo natural, log x, quando x é um número real
positivo.

Podemos adoptar o procedimento de definir o logaritmo de ´ pelo seu de-


senvolvimento em série de potências em torno de certo ponto. Mas, tal só dará a
expressão de log ´ num disco centrado nesse ponto. A definição de logaritmo por
via de um integral não é tão satisfatória no caso complexo como no caso real e será
relegada para mais tarde (cfr. exercı́cio 8.2 e exemplo 7.10).

No caso real, podemos definir o logaritmo como função inversa da exponen-


cial (isto é, x D log y é a solução de ex D y). Quando ´ é complexo, há que ter
mais cuidado pois, como vimos, a exponencial é periódica em C, com perı́odos
múltiplos de 2 i , pelo que não admite função inversa em C. Por outro lado, nunca
se anula. Sendo assim, não definiremos o logaritmo na origem. A periodicidade
da exponencial complexa significa que, se dividirmos o plano em infinitas faixas
horizontais, pelas rectas
Im ´ D .2k 1/ ; k 2 Z;
172 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

a exponencial comporta-se analogamente em cada uma dessas faixas de amplitude


2, designadas por faixas da exponencial. Vejamos o que acontece se nos restrin-
girmos a cada uma dessas faixas.
Teorema 5.4 (Restrição da exponencial complexa a uma faixa) Para  2 R, de-
fina-se o conjunto

A D f´ D x C iy 2 C W x 2 R ^  < y   C 2g :

Então, a exponencial complexa aplica A um-a-um sobre Cnf0g.

D EMONSTRAÇ ÃO : Comecemos por provar a injectividade da exponencial com-


plexa em A . Sejam ´1 ; ´2 2 A tais que e´1 D e´2 . Logo, e´1 ´2 D 1 e, de
acordo com o Teorema 5.1, ´1 ´2 D 2k i , para algum inteiro k. Como ´1 e ´2
estão em A , onde a diferença entre as partes imaginárias de quaisquer dois pontos
é inferior a 2, devemos ter k D 0 e, portanto, ´1 D ´2 .
Analisemos, agora, a sobrejectividade. Seja w 2 Cnf0g. Pretendemos en-
contrar ´ 2 A tal que e´ D w. Ora, a equação exCiy D w é equivalente às duas
equações
w
ex D jwj e eiy D :
jwj
Como w 6D 0, a solução da primeira equação é dada por

x D log jwj ;

onde ”log” representa o logaritmo natural definido em RC . A segunda equação


tem uma infinidade de soluções y, diferindo umas das outras por múltiplos de 2.
De facto, de
w
eiy D ;
jwj
vem eiy D ei arg w , pelo que y D arg w C 2k, com k 2 Z. Ora, tem-se exactamente
uma solução para y no intervalo ;  C 2. Esta solução é justamente arg w,
estando a função arg definida em ;  C 2. 

Na demonstração anterior, deduzimos explicitamente uma expressão para a


inversa da exponencial complexa restrita à faixa  < Im ´   C 2. Introduzimos
formalmente essa expressão na definição que se segue.

Por definição, ´ D log w, w 2 Cnf0g, é uma raiz da equação e´ D w. A


função log W Cnf0g ! C é então definida por

log w D log jwj C i arg w C 2k i ; k 2 Z; (5.13)


5.4 A função logaritmo 173

onde log jwj é o logaritmo usual real e arg w toma valores em ;  C 2.

Exemplo 5.1 Tem-se


p

log.1 C i / D log 2Ci
(módulo 2 i ) ;
4
escolhendo o valor do argumento em 0; 2, ou seja, tomando  D 0. Por outro
lado,
p 9
log.1 C i / D log 2 C i (módulo 2 i ) ;
4
se tomarmos o valor do argumento em ; 3, isto é, se considerarmos  D .

Vejamos algumas propriedades do logaritmo complexo.


Teorema 5.5 (Propriedades do logaritmo) Para ´1 ; ´2 ; ´ 2 Cnf0g, tem-se
(a) log.´1 ´2 / D log ´1 C log ´2 .módulo 2 i /I
1
(b) log ´ D log ´ .módulo 2 i /I
(c) log.´1 =´2 / D log ´1 log ´2 .módulo 2 i /.

D EMONSTRAÇ ÃO :
(a) Tem-se
log.´1 ´2 / D log j´1 ´2 j C i arg .´1 ´2 / (módulo 2 i ) ;
onde se escolheu ;  C 2 como intervalo de definição do argu-
mento. De
log j´1 ´2 j D log.j´1 jj´2 j/ D log j´1 j C log j´2 j
e arg .´1 ´2 / D arg ´1 C arg ´2 .módulo 2/, vem
log.´1 ´2 / D .log j´1 j C i arg ´1 / C
C.log j´2 j C i arg ´2 / .módulo 2 i /
D log ´1 C log ´2 .módulo 2 i / :

(b) Para cada ´ 2 Cnf0g, tem-se


1
log ´ D log.1=j´j/ C i arg ´
D log j´j i arg ´ .módulo 2 i / ;
uma vez que ´ 1 D ´=j´j2 e que j´j D j´j, de acordo com o Teo-
rema 1.1.
174 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

(c) É consequência imediata das anteriores. 

Ilustremos o Teorema anterior, mostrando que as igualdades só valem se en-


tendidas módulo 2 i .
Exemplo 5.2 Escolhamos o argumento definido em  ; . Então
p 3
log. 1 ˙ i / D log 2˙ i (módulo 2 i )
4
e p 
log.1 ˙ i / D log 2˙ i (módulo 2 i ) :
4
Efectuando-se alguns cálculos, tem-se

log. 1 i /.1 i / D log. 2/


D log 2 C  i (módulo 2 i )
p p
D log 2 C log 2 C  i (módulo 2 i )
p p
D log 2 C log 2  i C 2 i (módulo 2 i )
D log. 1 i / C log.1 i / C 2 i (módulo 2 i ) I
D log. 1 i / C log.1 i / (módulo 2 i ) I

1
log.1 i/ D logŒ.1 C i /=2
p 
D log . 2=2/ C i (módulo 2 i )
4
p 
D log 2 C i (módulo 2 i )
4
D log.1 i / (módulo 2 i ) I

log. 1 i /=.1 C i / D log. 1/


D log 1 C  i (módulo 2 i )
D  i (módulo 2 i )
p p
D log 2 log 2  i C 2 i (módulo 2 i )
D log. 1 i/ log.1 C i / C 2 i (módulo 2 i )
D log. 1 i/ log.1 C i / (módulo 2 i ) :

Recorrendo ao Teorema 5.5 e escrevendo ´ na forma trigonométrica,


´ D r ei , vem

log ´ D log.r ei / D log r C log ei D log r C i .módulo 2 i / : (5.14)


5.4 A função logaritmo 175

O logaritmo complexo é uma função multı́voca. Para termos uma função


genuı́na, isto é, uma função unı́voca, definimos o valor principal do logaritmo por

Log ´ D log j´j C i Arg ´ ;

onde Arg ´ representa o argumento principal de ´, ou seja, o valor do argumento no


intervalo  ; . A função assim definida tem domı́nio Cnf0g e contradomı́nio

A  D f´ D x C iy 2 C W x 2 R ^  < y  g ;

constituindo um ramo da função logaritmo, o chamado ramo principal.

Quando definimos a função logaritmo como inversa da exponencial, não


cuidámos da diferenciabilidade. Contudo, para termos diferenciabilidade, devemos
restringir mais o seu domı́nio de definição. A razão é simples: o valor principal do
logaritmo,
Log ´ D log j´j C i Arg ´ ;
com  < Arg ´   é uma função descontı́nua no semi-eixo negativo dos xx,
pelo que não é diferenciável nesse semi-eixo, de acordo com o Teorema 3.4. Por
isso, torna-se necessário removê-lo. É claro que, se tomássemos o argumento
mı́nimo positivo, terı́amos de remover o eixo positivo dos xx e deixarı́amos de po-
der enquadrar, em termos de diferenciabilidade, o logaritmo real como um caso par-
ticular do logaritmo complexo. Por isso, é conveniente usar o intervalo de variação
do argumento principal de um número complexo,  < Arg ´ < , excluindo,
portanto, a possibilidade de Arg ´ D . Consideremos, então, a função

Log W D D Cnf´ D x C iy 2 C W x  0 ^ y D 0g ! C ;

definida por Log ´ D log j´j C i Arg ´, com  < Arg ´ < . A representação
geométrica do domı́nio D encontra-se na figura 27.

Teorema 5.6 (Derivada do logaritmo) A função Log W D ! C é analı́tica em D,


sendo
d 1
Log ´ D :
d´ ´

D EMONSTRAÇ ÃO : De acordo com (5.14), tem-se

Log ´ D log r C i ;  < <;

pelo que
u.r;  / D log r e v.r;  / D  :
176 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

Figura 27: Representação geométrica do domı́nio de analiticidade do logaritmo


principal.

As funções u e v são funções de classe C 1 em r;  e as condições de Cauchy-


-Riemann na forma polar são satisfeitas em todos os pontos de D,
1 1
ur D D v
r r
e
1
u D 0 D v r :
r
Mais ainda:  
d ´ 1 ´ 1
Log ´ D C i0 D 2
D ;
d´ j´j r j´j ´
de acordo com o Teorema 1.1 e a observação 3.1. 

Pode ser conveniente utilizar o conceito de diferenciabilidade noutros ramos


da função logaritmo. Considera-se, então,  2 R e o raio
N D f´ D r ei 2 C W r  0g :
Seja C D CnN . Escolhe-se, para cada ´ 2 C ,
 D arg ´
pela regra
´ D r ei ; r > 0;  <  <  C 2 :
No exemplo 2.7 provou-se que a função argumento é contı́nua em C . O resul-
tado do Teorema 5.6 continua válido em qualquer ramo do logaritmo definido num
domı́nio C , para algum  2 R. Note-se que, fazendo  D , obtemos C D D.
5.5 Funções trigonométricas inversas 177

5.5 Funções trigonométricas inversas

Definamos, agora, as funções trigonométricas inversas. A inversa do co-seno


obtém-se como solução da equação

1 i´ i´
cos ´ D .e C e / D w:
2

Esta equação é equivalente à equação do segundo grau em ei´

e2i´ 2w ei´ C 1 D 0 ;

cujas raı́zes são


p
ei´ D w ˙ w2 1:

Portanto,
p
´ D arc cos w D i log.w ˙ w2 1/ ;
p p
ou ainda, uma vez que .w C w2 1/.w w2 1/ D 1,
p
arc cos w D ˙i log.w C w2 1/ ; (5.15)

de acordo com o Teorema 5.5. Trata-se, portanto, de uma função multı́voca com
infinitos valores. Contudo, recorrendo a ramos particulares da raiz quadrada e do
logaritmo, a função em (5.15) é unı́voca e, além disso, analı́tica por ser a composta
de funções analı́ticas.

A inversa do seno determina-se a partir de


arc sin w D arc cos w :
2

Deixa-se ao cuidado do leitor a determinação das inversas das restantes fun-


ções trigonométricas e hiperbólicas.

Observa-se que, na teoria das funções complexas, as funções transcendentes


elementares podem expressar-se mediante e´ e a sua função inversa, log ´.
178 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

5.6 Potências de expoente complexo


Sejam ´ e w complexos e ´ 6D 0. A noção de logaritmo complexo permite
definir expressões do tipo ´w . Trata-se de uma operação multı́voca que a cada par
de complexos .´; w/ faz corresponder, em geral, uma infinidade de complexos:
´w D ew log ´ : (5.16)

Se restringirmos ´ a valores reais positivos, log ´ corresponde ao logaritmo real, a


menos de um múltiplo de 2 i . Independentemente de ´ ser ou não real positivo,
´w tem, em geral, infinitos valores, desde que não se fixe um ramo do logaritmo.
Existe um único valor se w for um inteiro n, caso em que ´n pode ser calculado
como potência (produto iterado) de ´ ou de ´ 1 . Se w for um número racional
escrito na forma de fracção irredutı́vel
p p=q, então ´p=q tem exactamente q valores
q
e pode representar-se na forma ´p .
Exemplo 5.3 Consideremos o seguinte exemplo:

.
i i D ei log i D eiŒlog 1Ci. 2 C2k/ D e 2 C2k/ ; k 2 Z:

Se considerarmos o ramo principal do logaritmo, como Arg i toma o valor 2
,
obtém-se

ii D e 2 :
i
Agora, repitamos o raciocı́nio anterior para i i :
  i .
i 2 C2k/ i. 
i i D e . 2 C2k/ D ei log e D e 2 C2k/ :

Novamente,
ii
 i i. 
i.  2 C2k/ 
ii D e 2 C2k/ D ei log e D e 2 C2k :

De seguida, efectuando os cálculos necessários, tem-se


i ii
ii  ii
.
ii D ei. 2 C2k/ e ii D e 2 C2k/ D ii ;

concluindo-se, assim, que os valores se vão repetindo.

Com base em (5.16) e fixando uma constante c 2 C, podemos definir as


seguintes funções complexas:

´c D ec log ´ (5.17)
e
c ´ D e´ log c : (5.18)
5.7 A função n-ésima raiz 179

É de realçar que, para a segunda função, a constante c terá que ser obrigatoriamente
não nula. As funções assim definidas são multı́vocas, a menos que se fixe um ramo
especı́fico do logaritmo.

Exemplo 5.4 O objectivo deste exemplo consiste em determinar a expressão de-


signatória da função
1ix ; x 2 R :
Ora, para cada k 2 Z, tem-se

1ix D eix log 1 D eix.0C2ki/ D e x2k


:

Considerando o ramo principal do logaritmo, obtemos k D 0, ou seja, obtemos a


função constante igual a 1.

Mostremos que as funções potência complexa definidas em (5.17) e (5.18)


são holomorfas em todo o domı́nio da forma

C D CnN D f´ D r ei W r > 0 ^  <  <  C 2g ;

para algum  2 R. Por exemplo, tomando  D , obtemos C  e passamos a


considerar o ramo principal do logaritmo. Quanto à expressão da derivada, tem-se

d c d c log ´ 1 ec log ´
´ D e D ec log ´ c D c log ´ D c e.c 1/ log ´
D c ´c 1
:
d´ d´ ´ e
Analogamente,

d ´ d ´ log c
c D e D e´ log c log c D c ´ log c :
d´ d´

5.7 A função n-ésima raiz


Sabemos que a raiz ı́ndice n de um número complexo ´ tem exactamente n
valores distintos para ´ 6D 0.

A função n-ésima raiz ou função raiz ı́ndice n é definida por


p 1
n
´ D ´ n D e.log ´/=n ; (5.19)

escolhendo um ramo especı́fico do logaritmo de ´. Para cada escolha, obtém-se um


ramo da função n-ésima raiz.
180 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

Para o ramo do logaritmo que se fixou, tem-se

log ´ D log.r ei / D log r C i :

Ora, de acordo com (5.19), vem

p p
n
´ D e.log ´/=n D e.log r/=n ei =n D n
r ei =n : (5.20)

É simples verificar que a função raiz ı́ndice n é analı́tica no domı́nio de ana-


liticidade do logaritmo e que a sua derivada é dada por

p 1
. n ´/0 D .´1=n /0 D ´1=n 1
: (5.21)
n

Em particular, tomando n D 2 e escolhendo o ramo principal do logaritmo,


obtemos o ramo principal da função raiz quadrada:

p p
´ D r ei =2 ; (5.22)

com  <   . Se excluirmos o semi-eixo negativo dos xx, ou seja, se consi-


derarmos o domı́nio D D Cnf´ D x C iy 2 C W x  0 ^ y D 0g, a raiz quadrada é
uma função analı́tica em D, tendo-se

p 1 1
. ´/0 D ´1=2 1
D p ; ´2D: (5.23)
2 2 ´

Para o ramo principal da raiz quadrada, tem-se  <   . Desta forma, se


 6D , cos.=2/ é estritamente positivo, uma vez que =2 < =2 < =2. Caso
se tenha  D , vem cos.=2/ D 0 e sin.=2/ D 1 > 0. Isto significa que neste
ramo e de acordo com (5.22), escolhemos sempre o valor x C iy da raiz quadrada
com x > 0 ou x D 0 e y  0, o que vai de encontro ao observado na secção 1.6.
5.8 Geometria das funções elementares 181

y v

z # z2

x u

Figura 28: A função ´2 transforma o primeiro quadrante no semi-plano superior.

y v

z # z2
x u
!!!
z"z

Figura 29: A função ´2 transforma o semi-plano superior em todo o plano com-


plexo.

5.8 Geometria das funções elementares


Analisemos algumas propriedades geométricas das funções elementares.

Conclui-se facilmente que a função


´ 7! ´2
transforma o primeiro quadrante no semi-plano superior (figura 28). Por outro lado,
o semi-plano superior é transformado em todo o plano complexo (figura 29).

Consideremos a função raiz quadrada, escolhendo o ramo


p p
´ D r ei=2 ;
em que ´ D rei , com 0 <   2. Esta função transforma todo o plano complexo
no semi-plano superior (figura 29).
182 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

y y

z # z2
x x

Πi

w # Log w
x

-Πi

Figura 30: Composição de Log ´ com ´2 .

A figura 30 ilustra a composição de log ´ com ´2 , escolhendo-se o ramo


principal para a função logaritmo.

Consideremos, agora, a função seno. Para ´ D x C iy 2 C, tem-se

sin ´ D sin x cosh y C i cos x sinh y :

Suponhamos que y D c (c constante). Então, se escrevermos sin ´ D u C iv, ob-


temos
u2 v2
C D 1:
cosh2 c sinh2 c
Suponhamos, agora, que x D k (k constante). Ao escrevermos sin ´ D u C iv,
obtemos
u2 v2
D 1:
sin2 k cos2 k
Desta forma, a função seno transforma rectas horizontais em elipses e rectas verti-
cais em hipérboles.
5.9 Exercı́cios propostos (5.1–5.19) 183

No próximo capı́tulo veremos que as funções elementares apresentam uma


importante propriedade geométrica: são conformes.

5.9 Exercı́cios propostos


Exercı́cio 5.1 Calcule as raı́zes das seguintes equações:

(a) e´ D e ´
;
(b) e2´ 2e´ C 1 D 0 ;

(c) e´ D ei´ ;
(d) e´Ci D e´ ;

(e) e2´C1 D 2.

Exercı́cio 5.2 Mostre que je 2´ j < 1 se e só se o ponto ´ pertence ao semi-plano


Re ´ > 0.

Exercı́cio 5.3 Verifique que:

(a) ei´ 6D ei´ , a menos que ´ D k; k 2 Z ;



(b) e´ é um imaginário puro se e só se Im ´ D 2 C k; k 2 Z .

Exercı́cio 5.4 Estude, quanto à analiticidade, as seguintes funções:

(a) f .´/ D e Ń ;
2
(b) g.´/ D e´ ;
p
(c) h.´/ D e´ C 1 .

Exercı́cio 5.5 Recorra a (5.8) para mostrar que, para cada ´ 2 C, se tem

(a) j sin ´j  j sin.Re ´/j ;


(b) j cos ´j  j cos.Re ´/j ;

(c) j sinh.Im ´/j  j sin ´j  cosh.Im ´/ ;


(d) j sinh.Im ´/j  j cos ´j  cosh.Im ´/ .
184 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

Exercı́cio 5.6 Mostre que:

(a) cos.i ´/ D cos.i´/, para cada ´ 2 C ;

(b) sin.i ´/ D sin.i´/ se e só se ´ D k i; k 2 Z .

Exercı́cio 5.7

(a) Indique as partes real e imaginária de tg ´.

(b) Prove que


tg ´1 C tg ´2
tg.´1 C ´2 / D ;
1 tg ´1 tg ´2
supondo que ´1 ; ´2 e ´1 C ´2 são pontos de

S D f´ 2 C W ´ 6D 1=2.2n C 1/; n 2 Zg :

Exercı́cio 5.8 Suponha que lhe é fornecida uma listagem com o valor da função
co-seno em 100 pontos do disco aberto D D D.0; 1/.

´1 cos ´1
´2 cos ´2
:: ::
: :
´100 cos ´100

A tabela permite ter uma ideia do comportamento da função em D. Que método


expedito sugere que se utilize para perceber como se comporta a função co-seno
hiperbólico no mesmo disco?

Exercı́cio 5.9 Resolva as equações:

(a) sin ´ D cosh 4 ;

(b) sin ´ D 2 ;
p
(c) cos ´ D 2 ;
5i
(d) tg ´ D ;
3
2i C 1
(e) cosh ´ D :
2i C 2
5.9 Exercı́cios propostos (5.1–5.19) 185

Exercı́cio 5.10 Determine os pontos onde a tangente, o seno e o co-seno hiperbólicos


assumem

(a) valores reais;

(b) valores imaginários puros.

Exercı́cio 5.11 Estude, quanto à analiticidade, as seguintes funções:

(a) f .´/ D sin ´ ;

(b) g.´/ D cos ´ ;

(c) h.´/ D sin e´ .

Exercı́cio 5.12 Determine:

(a) log 1 ;

(b) log. 1/ ;

(c) Log. 3i / ;

(d) Log.1 i/ .

Exercı́cio 5.13 Mostre que a função definida por

f .´/ D Log.´ i/

é analı́tica em todos os pontos do plano complexo à excepção da semi-recta

x  0 ^ y D 1:

Exercı́cio 5.14 Estude, quanto à analiticidade, as seguintes funções:

(a) g.´/ D Log.´2 / ;


Log.´ C 4/
(b) h.´/ D :
´2 C i
186 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

Exercı́cio 5.15 Calcule as raı́zes da equação

i
log ´ D :
2

Exercı́cio 5.16 Determine:

(a) arc tg.2i / ;

(b) arc tg.1 C i / ;

(c) arg cosh. 1/ ;

(d) arg tgh 0 .

Exercı́cio 5.17 Deduza as seguintes fórmulas:


 
i i C´
(a) arc tg ´ D log ;
2 i ´
p
(b) arg sinh ´ D log.´ C 1 C ´2 / ;
 
1 1C´
(c) arg tgh ´ D log ;
2 1 ´
d 1
(d) .arc tg ´/ D ;
d´ 1 C ´2
d 1
(e) .arc sin ´/ D p :
d´ 1 ´2

Exercı́cio 5.18 Mostre que, para todo o k 2 Z, se tem:


 i
(a) .1 C i /i D e 4 C2k
e 2 log 2 ;
1
(b) . 1/  D e.2kC1/i .

Exercı́cio 5.19 Determine o valor principal de:

(a) i i ;
p
(b) Œ e=2.1 C 3i /3i ;

(c) .1 i /4i .
5.10 Laboratório 5 187

5.10 Laborat ório 5


Neste Laboratório utilizaremos as funções CartesianMap[] e PolarMap[]
com vista à determinação das imagens e pré-imagens de certas regiões do plano
mediante transformações complexas.

A funç ão exponencial


Como sabemos, a visualização de funções complexas requer que lidemos
com duas funções reais de duas variáveis reais, sendo assim essencialmente um
problema a quatro dimensões. A nossa estratégia de visualização das funções com-
plexas consiste em considerar o sistema de coordenadas cartesianas, ou polares, no
plano e representar:

1) as imagens de certas curvas pela função;

2) ou as pré-imagens de determinadas curvas pela função.

Para tal, utilizamos o pacote ComplexMap do Mathematica.

In[1]:= Clear@"Global` *"D;


Needs@"Graphics`ComplexMap` "D;

O comando ?Graphics‘ComplexMap‘* permite conhecer todas as funcionalida-


des do novo pacote. Por agora, investiguemos apenas a função CartesianMap[].

In[3]:= ? CartesianMap

CartesianMap@f, 8x0, x1, HdxL<, 8y0, y1, HdyL<D plots


the image of the cartesian coordinate lines
under the function f. The default values of dx
and dy are chosen so that the number of lines is
equal to the value of the option Lines. More…

Ilustremos a sua utilização com a função exponencial, w D e´ . A figura que se


segue mostra que o rectângulo 0  x  2, 0  y  2 do plano ´ é transformado
num anel do plano w. Com efeito, sendo w D u C iv, tem-se

u.x; y/ D ex cos y e v.x; y/ D ex sin y ;

pelo que se y é constante no plano ´, obtemos como imagens raios no plano w e


se x é constante, obtemos arcos de circunferência centrados na origem.
188 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

In[4]:= CartesianMap @Exp, 80, 2<, 80, 2 Π<D

-6 -4 -2 2 4 6

-2

-4

-6

Out[4]= … Graphics …

A funç ão co-seno


A imagem do rectângulo   x  2, 0  y  1 pela função w D cos ´
obtém-se do seguinte modo:
CartesianMap @Cos, 8Π, 2 Π<, 80, 1<,
PlotStyle -> AbsoluteThickness @0.1DD
In[5]:=

1.2
1
0.8
0.6
0.4
0.2
-1.5 -1 -0.5 0.5 1 1.5
Out[5]= … Graphics …
5.10 Laboratório 5 189

Conforme a figura ilustra, as imagens de rectas horizontais e verticias do plano ´


são, respectivamente, uma famı́lia de elipses e hipérboles cofocais do plano w.
Para o compreender, basta recordar que

u.x; y/ D cos x cosh y e v.x; y/ D sin x sinh y ;

vindo para y constante a equação

u2 v2
C D 1;
cosh2 y sinh2 y
que representa uma elipse, e para x constante a equação

u2 v2
D 1;
cos2 x sin2 x
que representa uma hipérbole. Assim, w D cos ´ transforma rectas horizontais do
plano ´ em elipses do plano w e rectas verticais em hipérboles.

A funç ão logaritmo


Comecemos por visualizar a parte imaginária da função w D log ´, que cor-
responde à função argumento de ´.

viewLogSurface @n_Integer ,
resolution_Integer D :=
In[6]:=

ParametricPlot3D @
8r * Cos@thetaD,
r * Sin@thetaD, theta<,
8r, 0, 2<, 8theta,
0, 2 * n * Pi<,
PlotPoints -> 8resolution ,
resolution * n<,
Boxed -> False,
Axes -> False,
AspectRatio -> 1,
ViewPoint -> 80, 0.7, 2<,
ColorOutput ® RGBColor D

Para obter uma imagem em tons de cinza, pode substituir-se a opção RGBColor por
GrayLevel.
190 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

In[7]:= viewLogSurface @4, 20D

Out[7]= … Graphics3D …

Ilustremos o ”branch cut” do logaritmo no semi-eixo real negativo.


Plot3D @Im@Log@Hx + I * yLDD,
8x, -2, 2<, 8y, -2, 2<, PlotPoints ® 30D
In[8]:=

2
2
0
-2 1

-2 0
-1
0 -1
1
2-2
Out[8]= … SurfaceGraphics …
5.10 Laboratório 5 191

As coordenadas naturais para lidar com certas transformações complexas são as co-
ordenadas polares. Tal é o caso da função logaritmo. Utilizemos, pois, o comando
PolarMap[].

In[9]:= ? PolarMap

PolarMap@f, 8r0:0, r1, HdrL<, 8phi0, phi1, HdphiL<D plots

f. The default for the phi range is 80, 2Pi<. The default
the image of the polar coordinate lines under the function

values of dr and dphi are chosen so that the number of


lines is equal to the value of the option Lines. More…

Examinemos a imagem do disco unitário, com o semi-eixo real negativo cortado,


pelo ramo principal do logaritmo w D Log ´. Para um valor fixo de r, a imagem
de uma circunferência centrada na origem com este raio é um segmento vertical,
enquanto que a imagem de um raio ( constante) é um segmento horizontal.

In[10]:= PolarMap @Log, 80.01, 1<, 8-Π, Π<, PlotRange ® AllD

-4 -3 -2 -1

-1

-2

-3

Out[10]= … Graphics …

Vejamos um exemplo onde utilizamos o comando CartesianMap[] com a função


logaritmo.
192 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

CartesianMap @Log, 8Pi, 4 Pi<, 80, 10 Pi<,


PlotRange ® All, PlotStyle -> AbsoluteThickness @0.1DD
In[11]:=

1.4
1.2
1
0.8
0.6
0.4
0.2

1.5 2.5 3 3.5


Out[11]= … Graphics …

Outras funções
Os comandos CartesianMap[] e PolarMap[] podem também ser utiliza-
dos para funções que não estão pré-definidas pelo Mathematica. Primeiramente,
temos que definir simbolicamente essas funções. Consideremos, por exemplo, a
função w D ´2 .

f@z_D := z2 ;
CartesianMap @f, 80, 2<, 80, 1<,
In[12]:=

PlotRange ® All, PlotStyle -> AbsoluteThickness @0.1DD

-1 1 2 3 4
Out[13]= … Graphics …
5.10 Laboratório 5 193

A figura mostra a imagem do rectângulo 0  x  2, 0  y  1 pela transformação


w D ´2 . As imagens de segmentos verticiais e horizontais são arcos parabólicos.

Deixamos a cargo do leitor a interpretação do gráfico que a seguir se reproduz


e que diz respeito à transformação de um rectângulo em parte do disco unitário pela
função raiz quadrada.
PolarMap @Sqrt, 80, 1<, 8-Pi, Pi<,
PlotRange ® All, PlotStyle -> AbsoluteThickness @0.1DD
In[14]:=

0.5

0.20.40.60.8 1

-0.5

-1

Out[14]= … Graphics …

As inversas das funções trigonométricas e hiperb ólicas


A função w D arc cos ´ é uma função multı́voca, logo não é garantido de dê
sempre o inverso do co-seno. Por exemplo:
In[15]:= ArcCos @Cos@4.5DD

Out[15]= 1.78319

O que acontece é que os valores de ArcCos[] em lados opostos do ”branch cut”


podem ser muito diferentes. Exemplifiquemos:
In[16]:= 8ArcCos @2 + 0.1 ID, ArcCos @2 - 0.1 ID<

Out[16]= 80.0576392 - 1.31888 ä, 0.0576392 + 1.31888 ä<


194 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

Apresentamos uma representação a três dimensões, mostrando dois ”branch cuts”


da parte imaginária da função w D arc cos ´.

Plot3D @Im@ArcCos @x + I yDD, 8x, -4, 4<,


8y, -4, 4<, PlotPoints ® 30, ViewPoint ® 81, 2, 1<D
In[17]:=

-4
-2
0
2
4
2

-2
-4
-2
0
2
4
Out[17]= … SurfaceGraphics …

O leitor é convidado a utilizar o comando viewReImSurfaces[] com vista a in-


vestigar as propridades geométricas das inversas das restantes funções trigonomé-
tricas e hiperbólicas. A escolha de diferentes valores para x1 e x2 permite rodar
as figuras obtidas. A tı́tulo de curiosidade, apresentamos uma representação das
partes real e imaginária da inversa da secante hiperbólica.

viewReImSurfaces @f_, x1_, x2_D :=


Show@GraphicsArray @
In[18]:=

88Plot3D @Re@f@x + I yDD, 8x, -4, 4<,


8y, -4, 4<, PlotPoints ® 30,
ViewPoint ® 8x1, x2, 1<,
DisplayFunction ® Identity D<,
8Plot3D @Im@f@x + I yDD, 8x, -4, 4<,
8y, -4, 4<, PlotPoints ® 30,
ViewPoint ® 8x1, x2, 1<,
DisplayFunction ® Identity D<<D,
GraphicsSpacing ® 0.1,
ImageSize ® 72 4D;
5.10 Laboratório 5 195

In[19]:= viewReImSurfaces @ArcSech , 1.2, 1.2D

0.8
0.6
0.4
0.2
0
-4 -4
-2 -2
0 0
2 2

44

2
0
-2
-4 -4
-2 -2
0 0

2 2

44

Out[19]= … GraphicsArray …

O comando viewReImSurfaces[] pode ser igualmente utilizado no estudo de ou-


tras funções complexas, desde que essas funções estejam pré-definidas. Por exem-
plo, consideremos a função

g.´/ D arc sin ´3 :


196 CAPÍTULO 5: Funções Elementares

g@z_D := ArcSin @z ^ 3D;


viewReImSurfaces @g, 0.2, -1D
In[20]:=

4
2

-2

1
0
-1 -4
-4
-2
0
2
4

4
2

-2
5
2.5
0
-2.5 -4
-5
-4
-2
0
2
4

Out[21]= … GraphicsArray …
Podemos estabelecer uma correspondência um-a-um entre
raios de luz e números complexos... Mesmo entre fı́sicos pro-
fissionais, este ”milagre” não é tão conhecido como deveria
ser.
Tristan Needham

Transformações Conformes
Capítulo 6
Neste capı́tulo, estudaremos uma importante propriedade partilhada pelas
funções analı́ticas - a conformidade. As funções analı́ticas preservam os ângulos
entre curvas, denominando-se ”conformes” as funções com esta propriedade. Con-
sideraremos uma classe particular de transformações - as transformações de Möbius,
que gozam de notáveis propriedades, como transformarem ”circunferências”13 em
”circunferências”.

6.1 Transformações de Möbius


Teceremos algumas considerações sobre uma classe particular de funções
racionais: as transformações de Möbius14. Uma transformação de Möbius é uma
função da forma

T WC ! C
a´ C b
´ 7! T .´/ D
c´ C d

com a; b; c; d 2 C. Note-se que se ad bc D 0, então T é a função constante


que aplica qualquer ´ no mesmo ponto imagem a=c, designando-se T singular.
Suporemos doravante que T é não-singular, ou seja, ad bc 6D 0.

13 O termo ”circunferência” abrange não só as circunferências propriamente ditas, como também
as rectas, que podem ser entendidas como circunferências de raio infinito.
14 Também conhecidas por transformações lineares, homográficas ou l.f.t., derivando a abreviatura

da expressão inglesa ”linear fractional transformation”.

197
198 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

Podemos estender T a todo o plano complexo ampliado, b


C, tomando

T . d=c/ D 1 e T .1/ D a=c ;

em que T .1/ pode ser interpretado como o limite de T quando ´ ! 1, como já
se observou no exercı́cio 2.2, no âmbito das funções racionais.

Seja
a´ C b
T .´/ D
c´ C d
uma transformação de Möbius. Se k é qualquer complexo não nulo, então

ka´ C kb
T .´/ D ;
kc´ C kd
ou seja, os coeficientes a; b; c; d não são únicos.

Muitas das funções familiares são transformações de Möbius. Por exemplo,

(i) tomando a D d D 1 e b D c D 0, obtemos a função identidade;

(ii) fazendo a D d D 1, c D 0 e b 6D 0, definimos a translação segundo


o vector b;

(iii) para d D 1, a D i e b D c D 0, obtemos a rotação de 90 graus


no sentido directo (sentido contrário ao movimento dos ponteiros do
relógio);

(iv) para d D 1, a 6D 0 e b D c D 0, obtemos uma rotação simples se


jaj = 1 (podendo ser no sentido directo ou não), ou uma rotação se-
guida de uma expansão (que pode ser uma dilatação, se jaj > 1, ou
uma contracção, se jaj < 1). Note-se que (iii) é um caso particular
de (iv);

(v) tomando a D d D 0 e b D c D 1, definimos a chamada inversão


complexa:
1
´ 7! :
´
O próximo Teorema mostra que toda a transformação de Möbius se exprime à custa
das transformações dos exemplos acabados de apresentar e é um análogo da conhe-
cida propriedade da Geometria Euclidiana bidimensional, segundo a qual todo o
movimento rı́gido é uma composição de translações, rotações e reflexões.
6.1 Transformaç ões de Möbius 199

Teorema 6.1 (Caracterização das transformações de Möbius) Uma transfor-


mação de Möbius (não-singular) ou é a identidade, ou é uma translação, ou é
uma rotação, ou é uma rotação seguida de uma dilatação ou contracção, ou é uma
inversão, ou então pode exprimir-se como a composição de transformações desses
tipos.

D EMONSTRAÇ ÃO : Consideremos uma transformação de Möbius da forma

a´ C b
T .´/ D ;
c´ C d

com a; b; c; d 2 C e ad bc 6D 0. Suponhamos que c 6D 0. É imediato constatar


que T resulta da composição das seguintes transformações:
d
(i) ´ 7! ´ C (translação);
c
1
(ii) ´ 7! (inversão);
´
ad bc
(iii) ´ 7! ´ (rotação e expansão - dilatação ou contracção);
c2
a
(iv) ´ 7! ´ C (nova translação).
c
Suponhamos, agora, que c D 0. A condição ad bc 6D 0 garante que ad 6D 0,
ou seja, que a 6D 0 e d 6D 0. Nestas condições, a transformação T resulta da
composição de:
b
(i) ´ 7! ´ C (translação);
a
a
(ii) ´ 7! ´ (rotação e expansão - dilatação ou contracção).
d
A demonstração fica, assim, concluı́da. 

Corolário 6.2 Toda a transformação de Möbius transforma ”circunferências” em


”circunferências”.

D EMONSTRAÇ ÃO : A propriedade do enunciado é claramente válida para cada


uma das transformações de Möbius nucleares: translações, rotações, rotações se-
guidas de uma dilatação ou contracção e inversões. Resta, então, aplicar o Teorema
anterior. 
200 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

O exercı́cio 6.2 fornece uma demonstração alternativa do Corolário anterior.

Averiguemos quais os pontos fixos de uma transformação de Möbius T , ou


seja, quais os pontos ´ que satisfazem T .´/ D ´. Se ´ satisfaz esta equação, então

c´2 C .d a/´ b D 0:

A equação anterior tem uma infinidade de soluções (todo o plano complexo am-
pliado) quando c D 0, d D a e b D 0, isto é, quando T é a identidade. Contudo,
se considerarmos uma transformação de Möbius T diferente da identidade, T tem
apenas um ou dois pontos fixos, consoante a equação anterior tenha uma ou duas
soluções. A única situação em que, aparentemente, a equação não tem soluções é
quando c D 0, d D a e b 6D 0. Mas, nestas condições, temos uma translação da
forma
b
´ 7! ´ C ;
d
que tem um único ponto fixo (1).

6.2 A propriedade de grupo


Quando se lida com uma transformação de Möbius na forma

a´ C b
T .´/ D ;
c´ C d
pode ser vantajoso utilizar a notação matricial:
 
a b
:
c d

A principal vantagem desta notação reside no facto da composição de transforma-


ções de Möbius corresponder ao produto das matrizes que as representam, o que
pode trazer comodidade nos cálculos. De facto, considerando T1 e T2 duas transfor-
mações de Möbius,
a 1 ´ C b1
T1 .´/ D
c1 ´ C d 1
e
a 2 ´ C b2
T2 .´/ D ;
c2 ´ C d 2
vem
.a1 a2 C b1 c2 /´ C a1 b2 C b1 d2
T1 T2 .´/ D :
.c1 a2 C d1 c2 /´ C c1 b2 C d1 d2
6.2 A propriedade de grupo 201

Ora, em termos matriciais, multiplicando as matrizes que representam T1 e T2 ,


obtemos a matriz que representa T1 T2 :
    
a1 b1 a 2 b2 a 1 a2 C b 1 c2 a1 b2 C b 1 d2
D :
c1 d1 c2 d2 c1 a2 C d 1 c2 c1 b2 C d 1 d2

Supondo T1 e T2 não-singulares e tomando

A D a 1 a2 C b 1 c2 I
B D a 1 b2 C b 1 d2 I
C D c 1 a2 C d 1 c2 I
D D c 1 b2 C d 1 d2 ;

pode provar-se facilmente que AD BC 6D 0. Desta forma, se conclui que a


composição de duas transformações de Möbius não-singulares é ainda uma trans-
formação de Möbius não-singular. A função identidade é obviamente representada
pela matriz identidade. Consideremos agora uma transformação de Möbius não-
-singular representada pela matriz
 
a b
M D :
c d

Tal matriz tem inversa, uma vez que o seu determinante ad bc é diferente de
zero. Por conseguinte, a sua inversa é dada por

 T
1 d c
:
det M b a

Assim, toda a matriz não-singular representa uma transformação de Möbius não-


-singular. De acordo com o já anteriormente observado, se uma transformação de
Möbius é representada pela matriz
 
x y
;
w ´

então toda a matriz da forma


   
x y kx ky
k D ; k 6D 0;
w ´ kw k´
202 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

representa a mesma transformação de Möbius. Sendo assim, a inversa da transfor-


mação de Möbius representada pela matriz M , pode ser representada por
 
d b
:
c a

Como ad bc 6D 0, continuamos a ter uma transformação de Möbius não-singular.

O Teorema que se segue é consequência das propriedades anteriores e do


facto da composição de funções ser associativa.

Teorema 6.3 (Grupo das transformações de Möbius) O conjunto de todas as


transformações de Möbius não-singulares munido da composição de funções é um
grupo.

6.3 Razão cruzada


Seja T uma transformação de Möbius e sejam a; b; c três pontos distintos em
b
C, com
˛ D T .a/ ; ˇ D T .b/ e  D T .c/ :

Suponhamos que S é outra transformação de Möbius com a mesma propriedade.


Então, S 1 T tem três pontos fixos, a; b e c, pelo que S 1 T só pode ser a identi-
dade. Logo, uma transformação de Möbius fica unicamente determinada pela sua
acção em três pontos quaisquer de b
C.

Dados três pontos distintos ´2 ; ´3 ; ´4 2 C, consideremos a seguinte transfor-


mação de Möbius:
´ ´ 2 ´3 ´4
T .´/ D ; ´ 2 C: (6.1)
´ ´ 4 ´3 ´2

Podemos supor ´2 ; ´3 ; ´4 2 b
C, tomando:
´ 3 ´4
1) se ´2 D 1, T .´/ D ;
´ ´4
´ ´2
2) se ´3 D 1, T .´/ D ;
´ ´4
´ ´2
3) se ´4 D 1, T .´/ D :
´3 ´ 2
6.3 Razão cruzada 203

Para cada ´ 2 b
C, denota-se T .´/ por

.´; ´2; ´3 ; ´4 / :

A função T é a única transformação de Möbius que aplica os pontos ´2 ; ´3 ; ´4 ,


respectivamente, em 0; 1; 1.

Para cada ´1 2 C,
.´1 ; ´2 ; ´3 ; ´4 /
é a chamada razão cruzada de complexos e é a imagem de ´1 pela única transfor-
mação de Möbius que aplica ´2 ; ´3 ; ´4 , respectivamente, em 0; 1; 1.

A razão cruzada é invariante para transformações de Möbius. Mais precisa-


mente:
Teorema 6.4 (Invariância da razão cruzada) Se ´1 ; ´2 ; ´3 ; ´4 são quatro pontos
distintos em b
C e T é uma transformação de Möbius qualquer, então

.T .´1 /; T .´2 /; T .´3 /; T .´4 // D .´1 ; ´2 ; ´3 ; ´4 / :

D EMONSTRAÇ ÃO : Sejam ´1 ; ´2 ; ´3 ; ´4 pontos distintos e arbitrários em b


C. Con-
sidere-se a transformação de Möbius

S.´/ D .´; ´2 ; ´3 ; ´4 / ;
1
que aplica ´2 ; ´3 ; ´4 , respectivamente, em 0; 1; 1. Ora, S T transforma T .´2 /,
T .´3 /, T .´4 /, respectivamente, em 0, 1, 1. Desta forma,
1
.T .´1 /; T .´2 /; T .´3 /; T .´4 // D S T .T .´1 // D S.´1 / D .´1 ; ´2 ; ´3 ; ´4 / ;

o que prova o pretendido. 

Esta propriedade permite conhecer a (única) transformação de Möbius T que


leva três pontos distintos ´2 ; ´3 ; ´4 para as posições distintas w2 ; w3 ; w4 , designa-
damente

.´; ´2; ´3 ; ´4 / D .T .´/; T .´2 /; T .´3 /; T .´4 // D .w; w2 ; w3 ; w4 / :

Resolvendo a equação

.w; w2 ; w3 ; w4 / D .´; ´2 ; ´3 ; ´4 /

em ordem a w, obtém-se o pretendido.


204 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

Para um estudo mais aprofundado da razão cruzada de complexos veja-se,


por exemplo, [1] ou [24].

Propomos agora ao leitor a seguinte tarefa. Recorde alguns dos exemplos de


funções complexas apresentados até o momento (reflexões, translações, rotações,
. . . ), aplique-as a determinadas figuras geométricas no plano ´ (circunferências,
segmentos de recta, triângulos, . . . ) e caracterize a figura geométrica obtida no
plano w.

6.4 Relação com a teoria da relatividade de Einstein


Vamos analisar, de forma muito sucinta, o modo como as transformações de
Möbius estão relacionadas com a teoria da relatividade de Einstein.

Nesta teoria, as três coordenadas espaciais de um evento

.X; Y; Z/

fundem-se com a coordenada temporal do evento no chamado cronótopo de


Minkowski,
.T; X; Y; Z/ ;
do espaço quadridimensional chamado espaço-tempo.

Obviamente que as componentes espaciais deste vector não têm significado


absoluto: se, por exemplo, rodarmos os eixos coordenados, obtemos diferentes
coordenadas para o mesmo ponto,

.X 0 ; Y 0 ; Z 0 / :

No entanto, a distância do ponto à origem das coordenadas é invariante:

X 2 C Y 2 C Z 2 D X 02 C Y 02 C Z 02 :

Historicamente, atribuı́a-se ao tempo um carácter absoluto. No entanto, a


teoria relativista de Einstein, confirmada por várias experiências, afirma que o
tempo não é absoluto. Se dois observadores, momentaneamente coincidentes, se
encontram em movimento relativo, não concordarão sobre os tempos em que os
eventos ocorrem. Mais ainda: também não concordarão sobre o valor de

X 2 C Y 2 C Z2 :
6.4 Relação com a teoria da relatividade de Einstein 205

Isto tem a ver com a famosa contracção de Lorentz.

E haverá algum aspecto do espaço-tempo com significado absoluto sobre o


qual dois observadores estarão em concordância? A resposta é afirmativa. Esco-
lhendo as unidades de forma conveniente de tal modo que a velocidade da luz seja
igual a 1, dois observadores concordarão sobre o valor de

T 02 .X 02 C Y 02 C Z 02 / D T 2 .X 2 C Y 2 C Z 2 / :

A transformação de Lorentz é uma transformação linear L do espaço-tempo,


representada por uma matriz de ordem 4, que aplica a descrição de um evento por
um observador,
.T; X; Y; Z/ ;
noutra descrição do mesmo evento por outro observador,

.T 0 ; X 0 ; Y 0 ; Z 0 / :

A transformação linear L preserva a quantidade

T2 .X 2 C Y 2 C Z 2 /

sobre a qual ambos os observadores deverão concordar.

Imaginemos que um ponto p do espaço-tempo emite um flash luminoso –


uma esfera centrada na origem cujo raio cresce à velocidade da luz. Ora, os raios
luminosos podem ser representados por números complexos da forma que a seguir
se indica.

Escolhamos um sistema de unidades no espaço-tempo de tal modo que a


velocidade da luz é 1: Após uma unidade de tempo, a esfera de luz emitida por p –
constituı́da por partı́culas chamadas fotões – é uma esfera unitária. Logo, cada fotão
Ó pode ser identificado com um ponto da esfera de Riemann, e através da projecção
estereográfica, com um número complexo. Assim, se o fotão tem coordenadas
polares esféricas .;  /15 , então o correspondente número complexo é
 

´ D cotg cis  ;
2

15 Recorrendo à figura 31, recordemos que o ângulo  refere-se ao ângulo formado pelo eixo dos
xx e pelo vector correspondente ao ponto ´0 , enquanto que o ângulo  diz respeito ao ângulo formado
pelos vectores correspondentes a Ó e a N .
206 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

N
`
z
1 Φ

0 z’ z
ÈzÈ
Φ 2
S

Figura 31: Obtenção de um número complexo ´ a partir das coordenadas esféricas


do fotão Ó , recorrendo à projecção estereográfica.

conforme é ilustrado na figura 31. Note-se que os triângulos 4ŒNS Ӎ e 4ŒN 0´
são semelhantes, uma vez que têm os três ângulos internos geometricamente iguais,
e que o ângulo †. ÓSN / D =2. Consequentemente,
 
j´j jS Ó j 2 cos.=2/ 
D D D cotg :
1 jN Ó j 2 sin.=2/ 2

Cada transformação de Lorentz do espaço-tempo induz uma função no plano


complexo. Que tipo de funções complexas são estas?

A resposta não poderia ser mais surpreendente: as funções complexas que


correspondem a transformações de Lorentz são transformações de Möbius!

Reciprocamente, toda a transformação de Möbius induz uma única transfor-


mação de Lorentz do espaço-tempo.

Esta relação é profunda e significa que cada resultado sobre transformações


de Möbius tem um correspondente resultado na teoria relativista de Einstein. Mais:
as demonstrações envolvendo transformações de Möbius são menos intrincadas do
que as realizadas no espaço-tempo.

Para maior desenvolvimento desta temática recomenda-se a leitura do capı́-


tulo 1 de [25].
6.5 Inversão geométrica 207

C
r

1z
Θ
0 1

1r 1z

Figura 32: Inversão geométrica na circunferência C de centro 0 e raio 1. Neste


exemplo, r D j´j > 1.

6.5 Inversão geométrica


A imagem de um ponto ´ D r ei por uma inversão complexa é
1 1 i
D e ;
´ r
pelo que o módulo é inverso do inicial e o argumento simétrico (veja-se a figura 32).
Observe-se que um ponto no exterior da circunferência é transformado num ponto
no seu interior, e vice-versa.

A figura 32 ilustra a forma de decompor a inversão complexa em duas trans-


formações, num processo com dois passos sucessivos:

1) Transformar ´ D r ei no ponto na mesma direcção de ´ mas com


módulo inverso, designadamente o ponto
1 i 1
e D :
r ´

2) Tomar o complexo conjugado (isto é, aplicar a reflexão no eixo real),


que transforma 1=´ em 1=´.

Observe-se que a ordem destes passos é irrelevante.

A transformação definida no passo (1) é a chamada inversão geométrica, a


qual se representa por IC . A circunferência C desempenha um papel importante:
208 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

q z L
~
z

Figura 33: Determinação do inverso geométrico de um ponto ´ no interior da cir-


cunferência K.

a inversão troca entre si o seu interior e exterior, enquanto que cada ponto sobre a
circunferência permanece invariante.

Nesta secção, vamos adoptar a notação usual para a distância entre os com-
plexos ´ e w:
d.´; w/ D j´ wj :
Naturalmente, esta distância coincide com o comprimento do segmento de recta
cujos extremos são os afixos de ´ e w.

Propomos ao leitor a resolução dos exercı́cios 6.14 e 6.15, com vista ao maior
aprofundamento das propriedades da inversão geométrica. O exercı́cio 6.15 mostra
como definir a inversão geométrica numa circunferência de raio diferente da uni-
dade. No caso geral, a inversão geométrica numa circunferência K de raio R > 0
faz corresponder a cada ponto ´ um ponto Q́ alinhado com ´ e com o centro q da
circunferência e tal que

jq ´j jq Q́ j D R2 : (6.2)

Usando (6.2), podemos obter Q́ a partir de ´ (quando ´ está no interior de K)


como se descreve: seja L a recta definida por q e ´. Constrói-se a perpendicular
a L em ´ e no ponto onde esta intersecta K considera-se a tangente a K. O ponto
de intersecção desta tangente com L é o ponto Q́ , como facilmente se prova por
semelhança de triângulos (cfr. figura 33). Portanto, o infinito é o inverso de q em
relação a K.
6.5 Inversão geométrica 209

Há uma interessante analogia entre a inversão numa circunferência K, IK , e


a reflexão numa recta L, L . Ora,

1) L divide o plano em duas peças, ou componentes, que são permuta-


das entre si por L ;
2) cada ponto de L permanece fixo;
3) a reflexão é involutiva, ou seja, inversa de si mesma: L2 D id .

Quer isto dizer que o ponto ´ e a sua reflexão L .´/ são simétricos em relação a L:

Deixamos a cargo do leitor a verificação de que a inversão numa circun-


ferência goza destas três propriedades da reflexão numa recta. Por isso, costuma
também designar-se reflexão numa circunferência e os pontos

´ e Q́ D IK .´/

simétricos relativamente à circunferência.

Deduz-se, de seguida, uma propriedade elementar da inversão geométrica.

Teorema 6.5 (Propriedade da inversão geométrica) Se a inversão numa circun-


ferência de centro q e raio R transforma ´ e w, respectivamente, em Q́ e w;
Q então
os triângulos 4Œ´qw e 4Œ Q́ q w
Q são semelhantes.

D EMONSTRAÇ ÃO : Nas condições do Teorema e por definição de inversão, vem

jq ´jjq Q́ j D R2 D jq wjjq Q :
wj

Portanto,
jq ´j jq wj
Q
D :
jq wj jq Q́ j
Q Q́ / (cfr. figura 34), fica
Notando que o ângulo †.wq´/ coincide com o ângulo †.wq
estabelecida a propriedade. 

Usando o Teorema anterior e o facto de, em triângulos semelhantes, a ângulos


geometricamente iguais se oporem lados de comprimentos proporcionais (veja-se
a figura 34), obtém-se a relação entre a distância entre dois pontos j´ wj e a
distância entre as suas imagens j Q́ wj:
Q

j Q́ wj
Q jq wj
Q R2
D D
j´ wj jq ´j jq ´jjq wj
210 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

~
z
K

z
R
q

w
~
w

Figura 34: Figura auxiliar do Teorema 6.5.

e assim

R2
j Q́ wj
Q D j´ wj : (6.3)
jq ´jjq wj

As seguintes propriedades da inversão são de fácil verificação, sugerindo-se


a sua visualização utilizando um programa de geometria dinâmica.

1) Seja L uma recta que passa por 0. A inversão de L numa circun-


ferência de centro 0 e raio R > 0 é ela própria;

2) A inversão de uma recta L que não passa por 0 numa circunferência


de centro 0 e raio R > 0 é Dnf0g, onde D é uma circunferência que
passa por 0 e que tem centro na perpendicular a L que passa por 0;

3) Se D for uma circunferência passando por 0, a inversa de Dnf0g


numa circunferência de centro 0 e raio R > 0 é uma recta perpen-
dicular à recta 0A0 , em que Œ0A0 é o diâmetro de D que passa por
0;

4) A inversa de uma circunferência C que não passa por 0 numa circun-


ferência de centro 0 e raio R > 0 é outra circunferência que também
não passa por 0.

Em seguida, propomos ao leitor a confirmação geométrica de que as pro-


priedades anteriores continuam válidas no contexto da inversão geométrica numa
circunferência K de centro e raio arbitrários. As figuras 35 e 36 apresentam dois
exemplos ilustrativos.
6.5 Inversão geométrica 211

w
z
L

K ~
z~
w
D

Figura 35: A inversão na circunferência K de uma recta L que não passa pelo
centro q de K é Dnfqg, onde D é uma circunferência que passa por q.

q
w~
z~
z
K

Figura 36: A inversão na circunferência K de uma circunferência que não passa


pelo centro q de K é uma circunferência que não passa por q.
212 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

z1

z2
z4
z3

Figura 37: Quadrilátero de vértices ´1 ; ´2 ; ´3 ; ´4 inscrito numa circunferência.

Provemos, agora, que as transformações de Möbius preservam a simetria.

Teorema 6.6 (Princı́pio da Simetria) Se uma transformação de Möbius transfor-


ma uma circunferência C1 numa circunferência C2 , então transforma qualquer par
de pontos simétricos em relação a C1 num par de pontos simétricos em relação a
C2 .

D EMONSTRAÇ ÃO : O Teorema resulta do Teorema 6.1 e do facto das transforma-


ções inversa complexa, rotação, expansão e translação preservarem a simetria. 

Na secção 6.7, apresentaremos outra propriedade importante das transforma-


ções de Möbius: o Prı́ncipio da Orientação.

6.6 Teorema de Ptolemeu


Demonstraremos, de seguida, o Teorema de Ptolemeu, usando simplesmente
geometria das inversões.

Consideremos o quadrilátero Œ´1 ´2 ´3 ´4  de vértices ´1 ; ´2 ; ´3 ; ´4 inscrito


numa circunferência, representado na figura 37. Ptolemeu, cerca de 150 d.C. pro-
vou o Teorema que se segue.

Teorema 6.7 (Teorema de Ptolemeu) A soma dos produtos dos comprimentos dos
lados opostos do quadrilátero Œ´1 ´2 ´3 ´4  é igual ao produto dos comprimentos
das diagonais. Simbolicamente,

j´1 ´4 jj´2 ´3 j C j´1 ´2 jj´3 ´4 j D j´1 ´3 jj´2 ´4 j :


6.6 Teorema de Ptolemeu 213

z1

z2 K
z4
~ z3
z2
~
z4
~
z3

Figura 38: Inversão dos vértices ´2 ; ´3 ; ´4 do quadrilátero Œ´1 ´2 ´3 ´4  numa cir-


cunferência K centrada em ´1 .

D EMONSTRAÇ ÃO : Invertendo a figura numa circunferência K centrada num dos


vértices do quadrilátero (cfr. figura 38), obtém-se

j Q́ 2 Q́ 3 j C j Q́ 3 Q́ 4 j D j Q́ 2 Q́ 4 j :

Tendo em conta (6.3), deduzimos que

j´2 ´3 j j´3 ´4 j j´2 ´4 j


C D ;
j´1 ´2 jj´1 ´3 j j´1 ´3 jj´1 ´4 j j´1 ´2 jj´1 ´4 j

conforme pretendido. 

Curiosamente, este resultado teve aplicações na Astronomia. Para analisar


dados astronómicos, Ptolemeu utilizou tabelas trigonométricas rigorosas que cons-
truiu partindo de fórmulas para adição do seno e co-seno. As figuras 39 e 40, onde
os cı́rculos têm raio unitário, ilustram como descobriu estas importantes fórmulas.
Basta seguir o seguinte procedimento.

1) Mostra-se que A D 2 sin  e B D 2 cos  (figura 39);

2) Aplica-se, em seguida, o Teorema de Ptolemeu a um quadrilátero


como o representado na figura 40 e obtém-se

sin. C / D sin  cos  C sin  cos  :


214 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

2Θ 1

B
1

Figura 39: Ptolemeu mostrou que A D 2 sin  e B D 2 cos  .


Figura 40: Ptolemeu aplicou o seu Teorema a um quadrilátero como o acima repre-
sentado.

6.7 Conformidade e holomorfia


Esta secção centra-se na investigação das consequências geométricas da exis-
tência de derivada de uma função complexa.

Considerando duas curvas de classe C 1 , €1 e €2 , que se intersectam num


ponto ´0 , o ângulo formado pelas duas curvas no ponto ´0 é o ângulo formado
pelos vectores tangentes às duas curvas no mesmo ponto. Por sua vez, o ângulo de
inclinação de uma curva € num ponto ´0 2 € é o ângulo formado pelo eixo dos
xx (com a orientação usual) e pelo vector tangente à curva no ponto ´0 .

Examinemos a relação entre o ângulo formado por duas curvas que passam
num ponto ´0 16 e o ângulo entre as suas imagens por uma função w D f .´/,
analı́tica num domı́nio D e satisfazendo f 0 .´0 / 6D 0.
16 Dizer que uma curva € passa num ponto ´0 é afirmar que ´0 2 €.
6.7 Conformidade e holomorfia 215

Consideremos um caminho

W t 2 Œa; b 7! .t / D x.t / C iy.t / 2 D  C :

Suponhamos que € D tr. / é de classe C 1 . Como é bem conhecido, a tangente a


€ no ponto
´0 D .t0 / D x.t0 / C iy.t0 /
tem a direcção de
0 .t0 / D x 0 .t0 / C iy 0 .t0 / :
De igual modo, para a curva transformada de € por meio de f , designemo-la por
Q a derivada
€,

Q 0 .t0 / D f 0 Œ .t0 / 0.t0 / (6.4)

dá a direcção da tangente a €Q no ponto w0 D f .´0 /, em que

Q .t / D f . .t // :

Note-se que aqui se utilizou a regra da cadeia (Teorema 3.2), concluindo-se que €Q
também é de classe C 1 .

Se ˛1 e ˛2 são os ângulos de inclinação em ´0 de duas curvas, €1 e €2 ,


contidas em D e de classe C 1 , e se ˇ1 e ˇ2 são os ângulos correspondentes para as
imagens €Q 1 e €Q 2 , então, de acordo com (6.4), vem

arg Q 0.t0 / D arg f 0 .´0 / C arg 0.t0 / ; (6.5)

tendo-se
ˇ1 D ‰0 C ˛1 e ˇ 2 D ‰ 0 C ˛2 ;
em que ‰0 D arg f 0 .´0 /. Portanto,

˛2 ˛1 D ˇ2 ˇ1 :

Assim, em valor absoluto e sentido, o ângulo ˛2 ˛1 de €1 para €2 e o ângulo


ˇ2 ˇ1 de €Q 1 para €Q 2 coincidem (veja-se a figura 41).

Convém notar que a expressão (6.5) só tem significado se 0.t0 / 6D 0, uma
vez que já supusemos anteriormente f 0 .´0 / 6D 0. Sendo 0 .t0 / 6D 0 e f 0 .´0 / 6D 0,
vem automaticamente Q 0.t0 / 6D 0, tendo em conta (6.4). Por isso, é importante
considerarmos curvas de classe C 1 cuja equação paramétrica satisfaça 0.t / 6D 0,
216 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

y v

G1
~
G2 ~ G1
G2

z0 w0
x u

Figura 41: O ângulo das curvas €1 e €2 e das suas transformadas €Q 1 e €Q 2 pela


função f .

t 2 Œa; b. Essas curvas são designadas por curvas regulares.

Uma função f W D  C ! C diz-se conforme em ´0 2 D se preservar a


medida dos ângulos e o sentido para cada par de curvas regulares, contidas em D
e intersectando-se em ´0 . Se f for conforme em cada ponto do domı́nio diz-se
conforme nesse domı́nio.

Exemplo 6.1 A função identidade,

f .´/ D ´ ; ´ 2 C;

é claramente conforme. Por outro lado, a função conjugação complexa,

f .´/ D ´ ; ´ 2 C;

não é conforme, uma vez que não preserva o sentido dos ângulos.

O conceito de função conforme é um dos mais importantes na Análise Com-


plexa, assumindo papel de relevo na Fı́sica, nomeadamente na resolução de proble-
mas de aerodinâmica e electrostática.

Com base na análise anterior, podemos enunciar o seguinte Teorema.

Teorema 6.8 (Conformidade e holomorfia) Em cada ponto ´ de um domı́nio on-


de f é holomorfa e f 0 .´/ 6D 0, a função f é conforme.
6.7 Conformidade e holomorfia 217

O recı́proco deste Teorema é válido mediante certas condições de regulari-


dade impostas a f (veja-se, por exemplo, [20]). Por isso, é usual convencionar-se
que a expressão ”função conforme” equivale a ”função holomorfa com derivada
não nula”.

Um ponto crı́tico de f é um ponto ´ do seu domı́nio tal que f 0 .´/ D 0. Por


exemplo, ´ D 0 é um ponto crı́tico da função definida por f .´/ D ´2 C 1, ´ 2 C.

De acordo com o Teorema 6.8, toda a função holomorfa num domı́nio D é


conforme em D, excepto nos pontos crı́ticos. Sendo assim, todas as funções apre-
sentadas no capı́tulo 5, por serem holomorfas nos correspondentes domı́nios, são
conformes nos pontos onde a derivada se não anula.

Quando estudamos a conformidade de funções multı́vocas devemos, em pri-


meiro lugar, fixar um ramo e considerar o correspondente domı́nio de analiticidade
da função. Posteriormente, analisamos a existência, ou não, de pontos crı́ticos nesse
domı́nio. Por exemplo, consideremos os ramos principais da função logaritmo e da
função raiz quadrada. De acordo com o Teorema 5.6, Log ´ é analı́tica em
D D Cnf´ D x C iy 2 C W x  0 ^ y D 0g ;
tendo-se
1
.Log ´/0 D 6D 0 ; ´2D:
´
Desta forma, Log ´ é conforme em D. Atendendo a (5.23), a raiz quadrada é uma
função analı́tica em D, tendo-se
p 1
. ´/0 D p 6D 0 ; ´2D:
2 ´
Assim, também o ramo principal da raiz quadrada é conforme em D.

Se considerarmos uma função f , analı́tica num domı́nio D e com derivada


não nula num ponto ´0 de D, sabemos à partida que f é conforme em ´0 . Podemos
concluir igualmente que f é localmente bijectiva. O Lema que se segue traduz este
resultado e a sua demonstração pode encontrar-se, por exemplo, em [20].
Lema 6.9 Seja f W D  C ! C uma função analı́tica e ´0 2 D. Suponhamos
que f 0 .´0 / 6D 0. Nestas condições, f é localmente bijectiva, isto é, existe uma
vizinhança U de ´0 e uma vizinhança V de f .´0 / tal que f W U ! V é bijectiva.
A sua inversa f 1 é analı́tica em V e a sua derivada é dada por
d 1 1
f .w/ D 0 .´/
;
dw f
218 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

onde w D f .´/.

De acordo com o Lema, a inversa local não só analı́tica, como também con-
forme, uma vez que a sua derivada se não anula nos pontos de V . Contudo, chama-
mos a atenção do leitor para o facto da bijectividade local não implicar a bijectivi-
dade global.

Utilizando o Lema anterior, provemos por um método alternativo que os ra-


mos principais da função logaritmo e da função raiz quadrada são conformes em

D D Cnf´ D x C iy 2 C W x  0 ^ y D 0g :

Analisemos os dois exemplos que se seguem.

Exemplo 6.2 Consideremos a função f .´/ D ´2 definida em Cnf0g. Então

f 0 .´/ D 2´ 6D 0

em cada ponto de Cnf0g. O Teorema 6.8 estabelece que f é conforme em Cnf0g17


e o Lema 6.9 garante que f tem localmente uma inversa analı́tica, que consiste,
ao fim e ao cabo, num determinado ramo da função raiz quadrada. Contudo, f
não é bijectiva em Cnf0g, uma vez que, por exemplo, f .1/ D f . 1/. Assim, f é
bijectiva apenas em certas vizinhanças de cada ponto de Cnf0g. Por exemplo, se
restrita ao semi-plano aberto

S D f´ 2 C W Re ´ > 0g ;

facilmente se constata que f é uma função bijectiva de S em D. A sua inversa


local é o ramo principal da função raiz quadrada, conforme em D.

Exemplo 6.3 Consideremos, agora, a função exponencial. Trata-se de uma função


conforme em C, uma vez que é analı́tica em C e a sua derivada nunca se anula.
Sendo periódica, a exponencial não é bijectiva em C. Considerando a faixa

F D f´ D x C iy 2 C W x 2 R ^  < y < g ;

obtemos uma função bijectiva de F em D (veja-se o Teorema 5.4). A sua inversa é


conforme em D e corresponde exactamente ao ramo principal da função logaritmo.
17 A conformidade de f será estudada em pormenor no exemplo 6.5.
6.7 Conformidade e holomorfia 219

As transformações de Möbius introduzidas na secção 6.1 são transformações


conformes bijectivas. Com efeito, seja T uma transformação de Möbius,

a´ C b
T .´/ D ;
c´ C d

com a; b; c; d 2 C e ad bc 6D 0. Se c D 0, então a 6D 0 e d 6D 0, uma vez que


ad bc D 6 0. Nestas condições,
a
T 0 .´/ D 6D 0 :
d
Por seu lado, se c 6D 0, vem

ad bc
T 0 .´/ D 6D 0 :
.c´ C d /2

Sendo assim, uma transformação de Möbius T não tem pontos crı́ticos, pelo que é
conforme no seu domı́nio de analiticidade, ou seja, é conforme para ´ 6D d=c (e
´ 6D 1 quando a definimos em b C).

Como vimos, a inversão geométrica em relação à circunferência C de centro


0 e raio 1 é dada por
1
IC .´/ D :
´
Ora, IC .´/ resulta da composição da função conjugação com uma transformação
de Möbius (a inversão complexa). No caso geral, uma inversão geométrica em
relação a uma circunferência arbitrária K obtém-se como composição da função
conjugação com uma determinada transformação de Möbius (veja-se o exercı́cio
6.15). Desta forma, a inversão geométrica não é conforme, uma vez que preserva a
medida de amplitude dos ângulos, mas não a sua orientação.

Se considerarmos as transformações conformes que são bijectivas em todo o


seu domı́nio, obtemos interessantes propriedades.

Teorema 6.10 (Propriedades das transformações conformes bijectivas)


1
(a) Se f W A ! B é conforme e bijectiva, então f W B ! A também
é conforme e bijectiva.

(b) Se f W A ! B e g W B ! C são conformes e bijectivas, então


g ı f W A ! C é conforme e bijectiva.
220 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

(c) O conjunto das transformações conformes e bijectivas, de um domı́-


nio D nele próprio, munido da composição usual de funções, é um
grupo.

D EMONSTRAÇ ÃO :

(a) Sendo f bijectiva, f 1 existe e é bijectiva. Pelo Lema 6.9, f 1 é


analı́tica, tendo-se

d 1 1
f .w/ D 0 .´/
;
dw f
1
onde w D f .´/. Logo, a derivada de f nunca se anula, pelo que
f 1 é conforme.

(b) Sendo f e g analı́ticas e bijectivas, então g ı f também é analı́tica e


bijectiva. Ora, a derivada de g ı f em ´ 2 A é

g 0 .f .´// f 0 .´/ 6D 0 :

Consequentemente, g ı f é conforme.

(c) Basta ter em conta as duas propriedades anteriores, o facto da função


identidade ser conforme e o facto da composição de funções ser as-
sociativa. 

Reflectiremos, agora, sobre o Princı́pio da Orientação. As transformações


de Möbius, sendo conformes, preservam a medida dos ângulos e a sua orientação.
Intuitivamente, podemos dizer que a direita e esquerda são preservadas.

Precisemos. A orientação de uma circunferência C é determinada por um


terno ordenado de pontos ´1 ; ´2 ; ´3 de C . Diz-se que o ponto ´ não pertencente a
C está à direita de C se
Im .´; ´1 ; ´2 ; ´3 / < 0
e está à esquerda de C se

Im .´; ´1 ; ´2 ; ´3 / > 0 :

Há que mostrar que só existem duas orientações possı́veis, mais concretamente,
verifiquemos que a distinção entre esquerda e direita é a mesma que a distinção
entre o semi-plano superior e inferior. Como a razão cruzada é invariante e como
6.7 Conformidade e holomorfia 221

as transformações de Möbius transformam ”circunferências” em ”circunferências”,


basta considerar o caso de C ser o eixo real. Então, de acordo com (6.1),
a´ C b
.´; ´1; ´2 ; ´3 / D
c´ C d
pode ser escrita com coeficientes reais, tendo-se
ad bc
Im .´; ´1 ; ´2 ; ´3 / D Im ´ ;
jc´ C d j2
cujo sinal só depende do sinal de ad bc 6D 0, mostrando-se assim o pretendido.
Note-se que

Im .´; ´1; ´2 ; ´3 / D 0 , Im ´ D 0 , ´ 2 C :

Uma transformação de Mobius T transforma a circunferência C numa cir-


cunferência que orientamos pelo terno T .´1 /; T .´2 /; T .´3 /. Pela invariância da
razão cruzada, a esquerda e direita de C é transformada na esquerda e direita de
T .C /.
Exemplo 6.4 Consideremos a circunferência C de centro 0 e raio 1, orientada no
sentido directo. Assim, a orientação de C pode ser caracterizada, por exemplo,
pelo terno de pontos 1; i; 1. De acordo com (6.1), tem-se
´ 1 i C1 ´ 1
T .´/ D .´; 1; i; 1/ D D i :
´C1 i 1 ´C1
Em particular,
1
T .0/ D i e T .2/ D i; (6.6)
3
pelo que Im .0; 1; i; 1/ > 0 e Im .2; 1; i; 1/ < 0. Concluı́mos, como seria de
esperar, que 0 está à esquerda e 2 à direita de C . Pensemos numa pequena formiga
a percorrer a circunferência C no sentido anti-horário. No seu movimento, essa
formiga depara com o ponto 0 à sua esquerda e com o ponto 2 à sua direita. E
quanto ao ponto do infinito? A formiga deverá ”observá-lo” à sua direita. De facto,
tem-se
T .1/ D lim T .´/ D i ;
´!1

donde Im T .1/ < 0. Caso a formiga percorra a circunferência C no sentido dos


ponteiros do relógio, esta encontrará à sua esquerda os pontos que anteriormente
encontrara à sua direita e vice-versa. Para termos uma confirmação algébrica, basta
refazermos os cálculos, invertendo o sentido da circunferência, para, por exemplo,
S.´/ D .´; 1; 1; i /. Ter-se-á obrigatoriamente Im S.0/ < 0 e Im S.2/ > 0.
222 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

y v

i i
C
T
x u
-1 0 1 2 -13 i 0 1

-i

Figura 42: Comportamento da transformação de Möbius T .

Centremos novamente a atenção na transformação T . Ora, toda a transfor-


mação de Möbius transforma ”circunferências” em ”circunferências”. Além disso,
T transforma os pontos 1; i; 1 da circunferência C , respectivamente, nos pontos
0; 1; 1. Desta forma, T terá que transformar C no eixo real (orientado no sentido
usual). Além disso, a esquerda e direita de C também são preservadas. De facto,
de (6.6) segue-se que o disco unitário aberto de centro 0 e raio 1, D.0; 1/, é trans-
formado no semi-plano superior aberto, enquanto que CnD.0; 1/ é transformado
no semi-plano inferior aberto (cfr. figura 42).

Se duas circunferências forem tangentes, podemos comparar as suas orien-


tações. Com efeito, considerando a transformação de Mobius que leva este ponto
de tangência para 1, as circunferências transformam-se em rectas paralelas. Ora,
destas sabemos comparar a direcção.

Geometricamente, a orientação de ´1 ; ´2 ; ´3 pode ser representada por uma


seta de ´1 para ´2 e ´3 : A escolha usual da direita e esquerda no sistema de coor-
denadas deve concordar com esta orientação.

Quando consideramos o plano complexo como parte do plano estendido, po-


demos definir uma orientação positiva para todas as circunferências finitas impondo
que o 1 esteja à direita das circunferências orientadas. Os pontos à esquerda
consideram-se o interior da circunferência e os pontos à direita consideram-se o
exterior da circunferência. Passando para a representação na esfera de Riemann,
ficamos habilitados a conhecer o interior e exterior de uma circunferência.
6.7 Conformidade e holomorfia 223

Em (6.5), analisámos como se comportam os argumentos perante uma função


conforme. Vejamos, agora, o que acontece com os módulos. Sendo

w
f 0 .´0 / D lim ;
´!0 ´

com w D f .´0 C ´/ f .´0 / e ´ D ´ ´0 , vem

jwj jwj
jf 0 .´0 /j D lim ' ; (6.7)
´!0 j´j j´j

para ´ suficientemente pequeno. Portanto, a função aumenta (ou diminui) os


comprimentos dos pequenos segmentos por um factor jf 0 .´0 /j.

Desta forma, se f é analı́tica num ponto ´0 tal que f 0 .´0 / 6D 0, então f é


conforme em ´0 , rodando os vectores tangentes às curvas que passam em ´0 se-
gundo um ângulo  D arg f 0 .´0 / e aumentando (ou diminuindo) o comprimento
desses vectores por um factor r D jf 0 .´0 /j > 0.

A imagem de cada figura ”pequena” na proximidade do ponto em questão é


”conforme” à figura original no sentido em que as duas figuras têm aproximada-
mente a mesma forma. Figuras ”grandes” podem ser transformadas em figuras sem
qualquer semelhança com as originais.

Recordamos que duas curvas dizem-se ortogonais num ponto se formarem


nesse ponto um ângulo de 90 graus, sendo este ângulo definido como o ângulo
entre os vectores tangentes às curvas no ponto. As funções conformes preservam,
como vimos, ângulos. Logo, transformam curvas ortogonais em curvas ortogonais.
Em particular, se f é analı́tica e f 0 .´0 / 6D 0 no ponto ´0 do domı́nio, a função

f .x C iy/ D u C iv

transforma as curvas do plano–´ definidas por

u.x; y/ D c1 e v.x; y/ D c2 ; (6.8)

que se intersectam nesse ponto, nas rectas u D c1 e v D c2 no plano–w. Como as


rectas obtidas são ortogonais, as curvas em (6.8) terão que ser ortogonais no ponto
´0 .

Analisemos em pormenor um exemplo concreto.


224 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

Exemplo 6.5 Consideremos a função

f .´/ D ´2 D x 2 y 2 C 2xyi ; ´ D x C iy 2 C :

Sabemos que f é conforme em Cnf0g. Contudo, f não é conforme no ponto


crı́tico ´ D 0. Por exemplo, o semi-eixo real positivo e o semi-eixo imaginário
positivo formam entre si um ângulo de amplitude =2 e são transformadas por f ,
respectivamente, nos semi-eixos reais positivo e negativo, que formam entre si um
ângulo de amplitude  (vide figura 28).
Investiguemos a conformidade de f no ponto 1 C i 2 Cnf0g. A recta y D x
é transformada na recta u D 0 e a recta x D 1 na parábola definida por

u D 1 y 2 ^ v D 2y ; (6.9)

ou ainda, definida por v 2 D 4.u 1/.


Se o sentido do crescimento de y é tomado como positivo nas duas rectas no
plano–´, o ângulo da primeira para a segunda é =4. Quando y > 0 e y cresce ao
longo da recta y D x, v cresce ao longo de u D 0, pois v D 2y 2 e assim, o sentido
positivo da primeira imagem é para cima. O mesmo ocorre com a parábola, como
podemos concluir da segunda das equações em (6.9), v D 2y.
O ponto 2i é a imagem de 1 C i . Neste ponto, o ângulo da primeira curva
para a segunda é de =4 (veja-se a figura 43). No ponto ´ D 1 C i , a derivada da
função f é
f 0 .1 C i / D .2´/´D1Ci D 2 C 2i ;
p
cujo módulo é 2 2 e o argumento é =4. Este épo ângulo de que a tangente a cada
curva deve girar por intermédio da função f e 2 2 dá o acréscimo das distâncias.
As curvas de nı́vel u D u0 e v D v0 são hipérboles equiláteras, pois
u D x 2 y 2 e v D 2xy. As respectivas assı́mptotas são as bissectrizes dos qua-
drantes pares e ı́mpares ou então os eixos coordenados (veja-se a figura 44). São,
portanto, ortogonais.
Por outro lado, a imagem de x D x0 por f é dada por

v 2 D 4x02 .x02 u/

e a de y D y0 por
v 2 D 4y02 .y02 C u/ :
Ambas as equações representam parábolas com foco na origem, cujos eixos estão
dirigidos nas direcções negativa e positiva, respectivamente, do eixo dos uu. Estas
curvas são também ortogonais (cfr. figura 45), uma vez que as rectas x D x0 e
y D y0 o são.
6.7 Conformidade e holomorfia 225

y v

А4

2i
А4
f
1+i

x u
1 1

Figura 43: Figura ilustrativa da conformidade de f no ponto 1 C i .

Terminamos a secção com mais alguns exemplos.


Exemplo 6.6 Determinemos uma transformação de Möbius T que leve as circun-
ferências j´ 1j D 1 e j´ 2j D 2 do plano ´, respectivamente, para as rectas
Re w D 2 e Re w D 1 do plano w. As imagens das duas circunferências são rectas,
pelo que ambas passam pelo único ponto em que o denominador da transformação
T se anula (vide exercı́cio 6.2). Como existe apenas um ponto comum às duas
circunferências, a saber ´ D 0, o anulamento verifica-se nesse ponto. Logo, a
transformação tem a forma
a´ C b
T .´/ D ;
´
para a; b 2 C. Sabemos ainda que T .2/ D a C b=2 tem parte real 2, enquanto que
T .4/ D a C b=4 tem parte real 1. Calculando as imagens por T de 1 ˙ i , as quais
estão em Re w D 2, conclui-se mediante alguns cálculos que
4
T .´/ D :
´
Exemplo 6.7 Consideremos a transformação de Möbius T do exemplo anterior e
a famı́lia de circunferências

jw wk j D 1=2 ;

com wk D 3=2 C ki , k 2 Z. Se representarmos geometricamente algumas das


circunferências desta famı́lia, verificamos que cada circunferência é tangente a ou-
tras duas da mesma famı́lia. Pretendemos determinar as figuras do plano ´ que se
transformam por meio de T nas circunferências jw wk j D 1=2. Verificamos que
226 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

Figura 44: Figura ilustrativa do exemplo 6.5 : plano ´.

Figura 45: Figura ilustrativa do exemplo 6.5 : plano w.


6.8 Teoria do potencial 227

as circunferências desta famı́lia são todas tangentes às rectas Re w D 1 e Re w D 2.


Do exemplo anterior, sabemos que estas rectas são imagem, respectivamente, das
circunferências j´ 2j D 2 e j´ 1j D 1. A transformação T é involutiva (ou seja,
T 2 D id ), pelo que T coincide com a sua inversa, que é assim uma transformação
de Möbius. Logo, as figuras do plano ´ que se transformam nas ditas circun-
ferências são rectas ou circunferências (cfr. exercı́cio 6.2). Mas, as rectas só se
podem transformar por T em circunferências, quando as últimas passam pela ori-
gem. Assim, restam as circunferências para solução do problema.

Exemplo 6.8 Seja T uma transformação de Möbius, C uma circunferência e L


uma recta que passa pelo centro de C . Suponhamos que T .C / e T .L/ são, res-
pectivamente, uma circunferência e uma recta. Poder-se-á afirmar que T .L/ é o
diâmetro (prolongado) de T .C /? Como L passa pelo centro de C , intersecta C se-
gundo ângulos rectos e um troço adequado de L é o diâmetro de C . Sendo T uma
transformação de Möbius, T é conforme. Logo, T .L/ intersecta T .C / segundo
ângulos rectos. Como T .L/ é uma recta e T .C / uma circunferência, a resposta ao
problema é afirmativa.

6.8 Teoria do potencial


Consideremos a função

f .´/ D ´ e´ ; ´ 2 C:

Então,

u.x; y/ D x ex cos y y ex sin y I

v.x; y/ D y ex cos y C x ex sin y :

Verifica-se facilmente que estas funções satisfazem a Equação de Laplace, sendo


portanto funções harmónicas. As rectas u D c (c constante) e v D k (k constante)
são ortogonais no plano w e por conformidade as pré-imagens destas rectas,

u.x; y/ D c e v.x; y/ D k ;

são ortogonais no plano ´.

Na teoria do potencial, se u e v são harmónicas, as curvas u.x; y/ D c, com


c constante, dizem-se linhas equipotenciais, enquanto que as curvas ortogonais
v.x; y/ D k, com k constante, chamam-se linhas de corrente. O papel das linhas
228 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

de corrente e das linhas equipotenciais pode ser trocado, ou seja, noutra situação as
linhas de corrente podem passar a linhas equipotenciais e vice-versa.

No caso do exemplo anterior,


u.x; y/ D x ex cos y y ex sin y D c
dá-nos as linhas equipotenciais e
v.x; y/ D y ex cos y C x ex sin y D k
as linhas de corrente, ou vice-versa.

É sabido da mecânica dos fluidos que o escoamento irrotacional (sem re-


moı́nhos) de um fluido incompressı́vel satisfaz a Equação de Laplace. No estudo do
escoamento de um fluido descrito pela Equação de Laplace, as linhas de corrente
representam os caminhos segundo os quais o lı́quido escorre. Se conhecermos a
função u definida num certo domı́nio D e desejarmos conhecer as linhas de cor-
rente caracterizadas pela função v, podemos recorrer à integração complexa (vide
exemplo 3.8).

Analisemos alguns exemplos de aplicação da teoria do potencial, em que é


conveniente utilizar o Mathematica na caracterização das linhas equipotenciais e
de corrente.
Exemplos 6.9
(a) No caso de f .´/ D ´, que representa um campo eléctrico uniforme,
as linhas equipotenciais são rectas paralelas ao eixo imaginário e as
linhas de corrente são rectas paralelas ao eixo real, ou vice-versa.
(b) No caso de f .´/ D i log ´; que representa um campo eléctrico de
uma distribuição linear uniforme de carga ao longo de uma recta per-
pendicular ao plano complexo passando pela origem, as linhas de
corrente são circunferências centradas na origem
1
log.x 2 C y 2 / D k :
2
As linhas equipotenciais são rectas que passam pela origem
 y
arc tg D c:
x
As circunferências podem ser as linhas de corrente de um fluido em
escoamento e as rectas pela origem as respectivas linhas equipoten-
ciais.
6.8 Teoria do potencial 229

(c) Seja a função


´ 1
f .´/ D log ;
´C1
que representa o campo eléctrico criado por duas distribuições linea-
res uniformes de carga eléctrica de igual módulo e sinais contrários
ao longo de rectas perpendiculares ao plano complexo, passando uma
pelo ponto .1; 0/ e outra pelo ponto . 1; 0/. As linhas de corrente são
dadas por

´ 1 y y
Im log D arc tg arc tg D k;
´C1 x 1 x C1
pelo que consistem na famı́lia de circunferências que passam pelos
pontos . 1; 0/ e .1; 0/. As linhas equipotenciais são dadas por

´ 1 1 .x 1/2 C y 2
Re log D log D c;
´C1 2 .x C 1/2 C y 2

ou seja, são a famı́lia de circunferências que cruzam ortogonalmente


em cada ponto as circunferências das linhas de corrente.

(d) Seja a função


1
f .´/ D ;
´
que representa o campo eléctrico de uma distribuição dipolar de carga
ao longo de uma recta perpendicular ao plano complexo passando
pela origem e momento dirigido paralelamente ao eixo real. As li-
nhas equipotenciais são dadas por
x
D c;
x2 C y2

ou seja, são a famı́lia de circunferências que passam pela origem e


são tangentes ao eixo imaginário. As linhas de corrente são
y
D k;
x2 C y2

ou seja, consistem na famı́lia de circunferências que passam pela ori-


gem e são tangentes ao eixo real. As duas famı́lias de circunferências
são ortogonais.
230 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

1
-2 -1

Figura 46: Transformação de Joukowski do perfil de asa aplicada a uma circun-


ferência que passa no ponto 1 e que contém o ponto C1 no seu interior.

As transformações conformes desempenharam um papel importante no de-


senho de aviões nos primórdios da aviação, e numa forma mais sofisticada ainda
desempenham. Em particular, a transformação

1
J.´/ D ´ C (6.10)
´

chamada transformação de Joukowski do perfil de asa, transforma uma circun-


ferência que passa no ponto 1 e contém o ponto C1 no seu interior na forma
de uma lágrima curvada semelhante à secção de uma asa de avião (veja-se a fi-
gura 46). A transformação de Joukowski transforma o referido disco num perfil de
asa de avião e dá-nos o escoamento em torno da asa do avião. A partir daqui pode-
mos calcular as propriedades do escoamento e a força ascencional comunicada ao
avião.

É fácil resolver a Equação de Laplace e encontrar as linhas de corrente para


o escoamento em torno de um disco de um fluido incompressı́vel, não-viscoso,
em regime estacionário (isto é, a velocidade do fluido em cada ponto não varia de
instante para instante). Para tal, consideremos a transformação de Joukowski

1
J.´/ D ´ C D u C iv :
´

Tem-se
   
1 1
u.x; y/ D x 1 C e v.x; y/ D y 1 :
x C y2
2 x C y2
2
6.8 Teoria do potencial 231

A imagem do ponto .1; 0/ é o ponto .2; 0/ e a de . 1; 0/ é o ponto . 2; 0/. Consi-


deremos, no plano w, a recta v D 0. Então, no plano ´, vem

y D0 ou x2 C y 2 D 1 :

Conclui-se facilmente que a circunferência unitária é pré-imagem do segmento


Œ 2; 2, enquanto que o raio Œ1; C1Œ é pré-imagem do raio Œ2; C1Œ e o raio
 1; 1 é pré-imagem de  1; 2. Podemos dizer mais: quer o exterior
quer o interior da circunferência unitária são pré-imagem do complementar em C
do segmento Œ 2; 2. Basta notar que as circunferências

f´ 2 C W j´j D rg ; r 6D 1 ;

são transformadas nas elipses definidas pela equação


u2 v2
C D 1:
.r C 1=r/2 .r 1=r/2
Outra forma de provar o pretendido consiste em considerar a transformação
w D J.´/ na forma implı́cita. Façamos
1 ´2 2´ C 1 .´ 1/2
w 2 D ´ 2C D D I
´ ´ ´
1 ´2 C 2´ C 1 .´ C 1/2
wC2 D ´C2C D D :
´ ´ ´
Tomando o quociente, obtemos a expressão
 
w 2 ´ 1 2
D : (6.11)
wC2 ´C1
A inversa de
w 2
T .w/ D
wC2

2 C 2´
S3 .´/ D :
1 ´
Consequentemente, se usarmos a notação
´ 1
S1 .´/ D e S2 .´/ D ´2 ;
´C1
podemos exprimir J na forma:

J.´/ D .S3 ı S2 ı S1 /.´/ :


232 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

S1 S3

S2

Figura 47: Estudo do comportamento de J a partir das funções S1 , S2 e S3 .


6.8 Teoria do potencial 233

O comportamento da função J é, então, caracterizado pelo comportamento


das funções S1 , S2 e S3 . As funções S1 e S3 são transformações de Möbius e,
como tal, sabemos que transformam ”circunferências” em circunferências” e que
preservam a direita e a esquerda. Por outro lado, o leitor já teve oportunidade de
estudar propriedades geométricas elementares da função S2 .

Fixemos a atenção na transformação de Möbius S1 . Ora, S1 aplica o domı́nio


j´j > 1 no semi-plano aberto Re ´ > 0. Os pontos

i; 1; i; 1

são transformados, respectivamente, nos pontos

i; 0; i; 1 :

Em seguida, a função S2 aplica o semi-plano aberto no plano complexo,


excepto o semi-eixo real negativo. Por sua vez, os pontos

i; 0; i; 1

são transformados, respectivamente, nos pontos

1; 0; 1; 1 :

Por fim, a transformação de Möbius S3 aplica o subconjunto anterior no


plano complexo, excepto o segmento Œ 2; 2, como mostra a figura 47. Os pon-
tos
1; 0; 1; 1
são transformados, respectivamente, nos pontos

0; 2; 0; 2:

Deixa-se ao cuidado do leitor a determinação das linhas de corrente


 
1
v.x; y/ D y 1 D k;
x2 C y 2
com k um número real arbitrário. Para determinar o campo das velocidades recorre-
-se à função u.x; y/ que dá o potencial das velocidades. As derivadas parciais
@u @u
.x; y/ e .x; y/
@x @y
dão as componentes da velocidade. Para maior desenvolvimento veja-se [14].
234 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

6.9 Exercı́cios propostos


Exercı́cio 6.1 Atendendo a que no plano complexo uma recta pode ser caracteri-
zada por
f´ 2 C W j´ ´0 j D j´ ´1 jg
e uma circunferência por

f´ 2 C W j´ ´0 j D rg ;

em que ´0 ; ´1 2 C e r > 0 são constantes, mostre que os dois casos se podem


englobar na representação única

˛ ´´ C c ´ C c ´ C ˇ D 0;

com ˛ e ˇ reais .˛ˇ < jcj2 / e sendo ˛ D 0 ou ˛ 6D 0 conforme se trate, respectiva-


mente, de uma recta ou de uma circunferência.

Exercı́cio 6.2

(a) Verifique que a equação

˛ ´ ´ C c ´ C c ´ C ˇ D 0 .˛ e ˇ reais/

dá lugar a outra do mesmo tipo por meio de uma transformação de


Möbius:
m´ C n
T .´/ D :
p´ C q
(b) Qual a interpretação geométrica desta propriedade?
(c) Que concluir a respeito da figura transformada se a figura definida
pela equação dada contém o ponto q=p ?

Exercı́cio 6.3 Considere os conjuntos

C1 D f´ 2 C W j´ C 1j  1g e C2 D f´ 2 C W j´ i j  1g :

Determine a imagem de
C 1 \ C2
por meio da transformação de Möbius definida por
´C1
T .´/ D :
´ i
6.9 Exercı́cios propostos (6.1–6.21) 235

Exercı́cio 6.4 Seja T uma transformação de Möbius, diferente da identidade. Co-


mo já foi observado, T tem um ou dois pontos fixos. Se T tem um único ponto fixo
(contando com a possibilidade deste ser 1), dizemos que T é parabólica.

(a) Mostre que se T é parabólica e ´0 é o seu ponto fixo, então T pode


escrever-se na forma
1 1
D Ch .´0 6D 1/
T .´/ ´0 ´ ´0

ou na forma
T .´/ D ´ C h ;
caso o ponto fixo seja 1.

(b) Se T tem dois pontos fixos distintos, ´1 e ´2 , mostre que T pode


escrever-se na forma
T .´/ ´1 ´ ´1
D k .´1 ; ´2 6D 1/
T .´/ ´2 ´ ´2
ou
T .´/ ´1 D k.´ ´1 / ;
caso ´2 D 1.

Toda a transformação de Möbius nas condições da alı́nea (b) toma a designação de


hiperbólica, se k > 0, elı́ptica, se k D ei˛ , com ˛ diferente de um múltiplo de 2,
ou loxodrómica, se k D aei˛ , com a 6D 1 real e ˛ diferente de um múltiplo de 2.

Exercı́cio 6.5 De acordo com as definições apresentadas no exercı́cio anterior,


mostre que:

(a) toda a transformação de Möbius não-singular pode ser apresentada


na forma
a´ C b
T .´/ D ;
c´ C d
com ad bc D 1;
(b) uma transformação T nas condições da alı́nea anterior é

(b1) elı́ptica se a C d é real e ja C d j < 2;


(b2) hiperbólica se a C d é real e ja C d j > 2;
(b3) parabólica se a C d é real e ja C d j D 2;
236 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

(b4) loxodrómica se a C d não é real.

Exercı́cio 6.6
(a) Represente no plano de Argand o conjunto
p
f´ 2 C W 4 2 < j´j  32 ^ 0  arg ´ < =4g :

(b) Indique qual a sua imagem por meio da relação ´ D w5 .

Exercı́cio 6.7 Considere a função

w D ´2 :

(a) Indique o transformado do conjunto definido por

j´j < 1 ^  < arg ´  0 :

(b) Qual a forma dos conjuntos definidos por

a < Re w < b ^ c < Im w < d .a; b; c; d constantes/

no plano das imagens (ou plano w) e quais os conjuntos do plano


dos objectos (ou plano ´) que neles se transformam?

Exercı́cio 6.8
(a) Considerando a relação
w2 D ´ ;
determine as figuras do plano ´ que dão lugar às rectas Re w D a e
Im w D b (a e b constantes).
(b) Qual o conjunto do plano ´ que se transforma na faixa plana
1 < Re w < 2?

Exercı́cio 6.9
(a) Estude a função definida por
2
w D p 1;
´
indicando, em particular, qual a figura em que se transforma a pará-
bola de equação y 2 D 4.1 x/ do plano ´.
6.9 Exercı́cios propostos (6.1–6.21) 237

(b) Observe que a função dada resulta da composição de


2 2 ! p
w D 1 D ; com ! D ´;
! !
e se pode estudar, portanto, a partir do exercı́cio 6.8 e da transfor-
mação de Möbius.

Exercı́cio 6.10 Determine a imagem do conjunto

f´ 2 C W j´j < 1 ^ Re ´ > 0g

por meio da função


 2
´ 1
w D ;
´C1
a qual se obtém compondo w D  2 com  D .´ 1/=.´ C 1/.

Exercı́cio 6.11
(a) Mostre que a função
´ C 1=´
w D
2
transforma circunferências j´j D r em elipses homofocais e rectas
arg ´ D ˛ em hipérboles também com os mesmos focos.
(b) Qual a imagem de j´j D 1?
Sugestão: Escrevendo ´ na forma ´ D  ei e w na forma w D u C iv, obtenha
   
1 1
2u D  C cos  e 2v D  sin  ;
 
deduzindo daqui o que se pretende.

Exercı́cio 6.12
(a) Mostre que a função

w D .4 C 2i /´ .3 C 3i /

transforma rectas em rectas e circunferências em circunferências.


(b) Generalize o resultado para

w D a´ C b ;

com a; b 2 C, a 6D 0.
238 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

Exercı́cio 6.13 Verifique que a função


´Ci
w D
i´ C 1
transforma a circunferência .Re ´/2 C .Im ´/2 D 1 na recta Im w D 0:
Exercı́cio 6.14 Considere a inversão geométrica
1
w D :
´
Utilize o resultado obtido no exercı́cio 6.1 para mostrar que:
(a) a inversão apresentada transforma rectas e circunferências em rectas
e circunferências;
(b) a figura transformada é uma recta ou uma circunferência conforme a
figura dada passe ou não pela origem;
(c) a figura transformada passa ou não pela origem conforme a figura
dada seja uma recta ou uma circunferência.

Exercı́cio 6.15 (Inversão geométrica numa circunferência K ) Considerando


uma circunferência K de centro q e raio R, a relação
R2
w q D
´ q
equivale a
arg.w q/ D arg.´ q/ e jw qjj´ qj D R2 ;
pelo que faz corresponder a cada ponto ´ um ponto w D Q́ alinhado com ´ e com o
centro q da circunferência e tal que
jq ´j jq wj D R2 :
Tal transformação recebe o nome de inversão geométrica em K (veja-se a figura 48).
A inversão w D 1=´ considerada no exercı́cio anterior é, pois, a inversão na circun-
ferência de centro 0 e raio 1.
(a) Verifique que
˛ ´ ´ C c ´ C c ´ C ˇ D 0 .˛ e ˇ reais e ˛ 6D 0/
equivale a
´Cc ´Cc cc ˛ˇ
D :
˛ ˛ ˛2
6.9 Exercı́cios propostos (6.1–6.21) 239

~
z1

K R2  Ρ
z1

q Ρ
R

z2 =z~2

Figura 48: Inversão geométrica numa circunferência K de centro q e raio R. Neste


exemplo,  D j´1 qj < R e j´2 qj D R.

(b) Conclua qual o centro e o raio da circunferência representada pela


equação dada.

(c) Usando o resultado anterior, mostre que a inversão geométrica em


relação a esta circunferência se pode traduzir por

˛ w ´ C cw C c ´ C ˇ D 0 ;

ou seja, por
c´ ˇ
w D :
˛´Cc

Exercı́cio 6.16 Para cada uma das imagens da figura 49, mostre que ´ e Q́ são
inversos em relação à circunferência K de centro q e raio R. As construções repre-
sentadas em cada alı́nea sugerem o método de resolução a utilizar.

Exercı́cio 6.17 Em 1864, o francês Peaucellier causou sensação com a descoberta


de um engenho simples, conhecido por inversor de Peaucellier e que transforma
movimento linear (digamos de um pistão) em movimento circular (de uma roda).
A figura 50 ilustra o mecanismo, constituı́do por 6 hastes, 2 de comprimento l e 4
de comprimento
p r; articuladas nos nós pretos. Seja K a circunferência de centro 0
e raio l 2 r 2 : Mostre que Q́ é o inverso de ´ relativamente a K; utilizando como
auxiliar a circunferência a tracejado na figura 50.
240 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

~
z ~
z
HaL HbL

z z

q q

K K

~
z
HcL

Θ
Θ
z

Figura 49: Figura auxiliar do exercı́cio 6.16.

l
0 r
z
~
z

l r

K r

Figura 50: Figura auxiliar dos exercı́cios 6.17 e 6.18.


6.10 Laboratório 6 241

Exercı́cio 6.18 Construa um inversor de Peaucellier (por exemplo, usando carto-


lina rı́gida para as hastes e pins para as articulações) e utilize-o para verificar as
propriedades da inversão. Em particular, tente mover ´ ao longo de uma recta.

Exercı́cio 6.19

(a) Determine a transformação de Möbius T que aplica os pontos 1, 0,


1, respectivamente, em i , 1, i .

(b) Indique o transformado do semi-plano superior Im ´ > 0 por inter-


médio de T .

Exercı́cio 6.20 Mostre que a função co-seno,

´ 7! cos ´ ;

transforma:

(a) rectas paralelas ao eixo real em elipses;

(b) rectas paralelas ao eixo imaginário em hipérboles;


(c) conclua que as elipses são ortogonais em relação às hipérboles obti-
das. Como justifica este facto geométrico?

Exercı́cio 6.21 Determine as equações paramétricas das imagens das rectas y D x


e y D x pela transformação de Joukowski

1
J.´/ D ´ C :
´

6.10 Laborat ório 6


São os seguintes os objectivos deste Laboratório de Mathematica.

1) Determinação de transformações satisfazendo certas condições.


2) Cálculo e representação de temperaturas de equilı́brio bidimensio-
nais.
3) Cálculo e representação gráfica de funções de corrente para fluidos
incompressı́veis a duas dimensões.
242 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

Transformações de Möbius
Determinemos a transformação de Möbius que aplica 0; 1 e 2, respectiva-
mente, em 1; i e 1. Como sabemos, a transformação de Möbius que aplica três
pontos distintos ´1 ; ´2 e ´3 do plano ´ nos pontos 0; 1 e 1 do plano w tem a
forma

In[1]:= Clear@"Global` *"D;

Hz - z1L * Hz2 - z3L  HHz - z3L * Hz2 - z1LL;


LFT3@z_, z1_, z2_, z3_D :=

Usamos esta função e o comando Solve[] para resolver o nosso problema:

In[3]:= Simplify @
Solve@LFT3@w, -1, -I, 1D == LFT3@z, 0, 1, 2D, wDD

ä HH-1 - äL + zL
99w ® €€€€€€€€€€€€€€€€ €€€€€€€€€ ==
H-1 + äL + z
Out[3]= €€€€€€€€€€€€€€€€

Suponhamos, agora, que o ponto 2 é transformado no ponto do infinito do plano w.


A determinação da transformação envolve dois passos. Primeiro, requeremos que
o ponto 2 seja transformado num ponto arbitrário a:

In[4]:= wa = Simplify @
Solve@LFT3@w, -1, -I, aD == LFT3@z, 0, 1, 2D, wDD

a H2 - H2 - äL zL - ä H-2 + zL
99w ® €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€ €€€€€€€€€ ==
-2 ä + a H-2 + zL - H1 - 2 äL z
Out[4]= €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€

O valor da solução w da equação anterior é (retiramos as chavetas):

In[5]:= w = w . wa@@1DD

a H2 - H2 - äL zL - ä H-2 + zL
-2 ä + a H-2 + zL - H1 - 2 äL z
Out[5]= €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€

e o limite de w quando a tende para infinito é:

In[6]:= Limit@w, a ® ComplexInfinity D

2 - H2 - äL z
Out[6]= €€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€
-2 + z
6.10 Laboratório 6 243

Temperaturas de equilı́brio

Consideremos a placa semi-infinita coincidente com o semi-plano superior


aberto. A sua temperatura é zero ao longo de toda a fronteira (eixo real), excepto no
segmento 1  x  1, onde a temperatura é 1. A função que descreve a temperatura
dessa placa satisfaz a Equação de Laplace sujeita às mencionadas condições de
fronteira. A transformação
´ 1
w D Log
´C1
aplica o semi-plano superior aberto do plano ´ na faixa infinita do plano w
0 < v < . O segmento real 1 < x < 1 é transformado na recta v D  do
plano w. As semi-rectas do eixo real  1; 1Œ e 1; C1Œ são transformadas,
respectivamente, nas semi-rectas reais 0; C1Œ e  1; 0Œ. A temperatura T .u; v/
satisfaz a Equação de Laplace sujeita às condições de fronteira T .u; 0/ D 0,
T .u; / D 1. Conclui-se facilmente que T .u; v/ D cv D v=. Substituindo a
parte imaginária de w nesta expressão, obtemos a temperatura no plano ´,
 
1 ´ 1
Im Log :
 ´C1

x : Im@xD = 0; y : Im@yD = 0;
v = Im@Log@Hz - 1L  Hz + 1L . z ® x + I * yDD;
In[7]:=

u = Re@Log@Hz - 1L  Hz + 1L . z ® x + I * yDD;
T = v  Pi; ContourPlot @T, 8x, -3, 3<,
8y, 0.001, 3<, AspectRatio ® Automatic D

2.5

1.5

0.5

0
-3 -2 -1 0 1 2 3
Out[10]= … ContourGraphics …
244 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

Na figura, usa-se o comando ContourPlot[] para representar a temperatura no


conjunto
3  x  3I 0 < y  3:
Os contornos da figura representam as curvas isotérmicas, ou seja, de temperatura
constante. Estas curvas têm por imagem no plano w rectas paralelas ao eixo dos
uu.

Escoamento de um fuido. Fluxo num ”corner”


Consideremos o escoamento de um fluido não viscoso e incompressı́vel na
vizinhança de um ”corner” representado pelo primeiro quadrante (fechado). As
fronteiras do ”corner” são rı́gidas, o que fisicamente significa que a velocidade do
fluido é tangente à fronteira.

Determinemos a função corrente .x; y/, ou seja, aquela que determina as


linhas de corrente
.x; y/ D k :
Pela transformação w D ´2 , o primeiro quadrante do plano ´ é transformado no
semi-plano superior do plano w. Neste conjunto, a solução obtém-se trivialmente:

.u; v/ D v D Im w D Im ´2 D 2xy :

O fluxo no ”corner” segue as curvas de nı́vel dessa função,

.u; v/ D 2xy D k :

Estas curvas podem ser traçadas usando novamente o comando ContourPlot[],


mas podemos ter uma visão alternativa examinando o campo do gradiente da função
potencial, dado em cada ponto pelo vector cujas componentes são as suas derivadas
parciais. Este campo vectorial é tangente às linhas de corrente e ortogonal às linhas
equipotenciais. Usamos o comando

PlotHamiltonianField[];

obtendo-se como resultado a figura que se segue. Além de indicar a direcção do


fluxo, a grandeza de cada seta também sugere a grandeza da velocidade. Note-se
que o fluxo é estacionário no vértice do canto inferior esquerdo da figura, que por
isso se chama ponto de estagnação.
6.10 Laboratório 6 245

Graphics`PlotField`PlotHamiltonianField @
In[11]:= Needs@"Graphics`PlotField` "D;

2 * x * y, 8x, 0, 2<, 8y, 0, 2<D

Out[12]= … Graphics …

Escoamento de um fluido em torno de um cilindro indefinido orientado


perpendicularmente
Pela transformação de Joukowski
1
w D ´C ;
´
o do disco D.0; 1/ é aplicado em todo o plano w, bem como o dico D.1; 1/. Do
ponto de vista fı́sico, estes dois discos correspondem a problemas distintos.

Consideremos o disco D.0; 1/. A transformação é analı́tica numa vizinhança


da origem, excepto a origem, a qual corresponde a uma fonte de manancial de fluido
e, em simultâneo, ao respectivo escoadouro. Uma batedeira com duas hélices, que
rodam em sentidos opostos, produz o efeito representado, sendo o disco a secção do
copo da batedeira. Quanto ao disco D.1; 1/, obtemos o escoamento de um fluido
incompressı́vel, em torno de um cilindro indefinido orientado perpendicularmente.
246 CAPÍTULO 6: Transformaç ões Conformes

AA = ImplicitPlot @8y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š .0,


In[13]:= Needs@"Graphics`ImplicitPlot` "D;

y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š .2,
y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š .4,
y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š .6,
y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š .8,
y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š 1.0,
y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š 1.2,
y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š -.2,
y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š -.4,
y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š -.6,
y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š -.8,
y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š -1.0,
y H1 - 1  Hx ^ 2 + y ^ 2LL Š -1.2<, 8x, -2, 2<,
Axes -> False, DisplayFunction ® Identity D;
fluid = Show@AA, DisplayFunction ®
$DisplayFunction D

Out[15]= … Graphics …
R
Afirmo agora que o integral f .x/ dx tem um único valor
mesmo que tomados diferentes caminhos se f ... não se tornar
infinita no espaço compreendido entre os dois caminhos. Isto
é um Teorema maravilhoso cuja prova ... darei numa ocasião
conveniente.

7
Karl Gauss

Capítulo
Integração no Campo Complexo

O conceito de integral de caminho desempenha um papel de especial relevo


no estudo das funções complexas de variável complexa.

Recorrendo à integração no campo complexo, são várias as propriedades


das funções analı́ticas cuja demonstração se torna simples e expedita. Referimos
duas delas particularmente importantes: a continuidade da derivada de uma função
analı́tica e a existência das suas derivadas de ordem superior.

7.1 Integral de uma função complexa de variável real


O conceito de integral de uma função complexa definida num intervalo real
é uma generalização imediata do integral real.

Seja
g.t / D u.t / C iv.t / ; t 2 Œa; b ;

uma função contı́nua no intervalo Œa; b. Define-se o integral de g ao longo de Œa; b
como sendo o número complexo
Z b Z b Z b
g.t / dt D u.t / dt C i v.t / dt : (7.1)
a a a

Sendo g contı́nua, também u e v o são e, portanto, o integral definido em (7.1)


existe e é finito. Recorde-se que toda a função real de variável real contı́nua num
intervalo fechado e limitado de R é integrável nesse intervalo.

247
248 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

Exemplo 7.1 Ilustremos a definição (7.1) com um exemplo. Tem-se


Z 1 Z 1 Z 1
2 2
.1 i t / dt D .1 t / dt C i . 2t / dt
0 0 0
2
D i:
3
Como sucede no estudo do integral de funções reais de variável real, podemos
também considerar o caso da função g ser seccionalmente contı́nua em

Œa; b  R :

Para tal, supomos que existe uma partição do intervalo Œa; b,

a D t 0 < t1 <    < t k 1 < tk D b ;

e que existem funções gn contı́nuas em Œtn ; tnC1  tais que

g.t / D gn .t / ; t 2tn ; tnC1 Œ ;

com n D 0; 1; : : : ; k 1. Desta forma, g é contı́nua em Œa; b, excepto possivel-


mente num número finito de pontos desse intervalo. Note-se que g pode nem estar
definida nesses pontos. O integral da função g é, então, definido por
Z b X1 Z tnC1
k
g.t / dt D gn .t / dt : (7.2)
a nD0 tn

O integral apresentado nesta secção goza de muitas das propriedades do in-


tegral real. Por exemplo, se c designar uma constante complexa, tem-se
Z b Z b
c g.t / dt D c g.t / dt : (7.3)
a a

Se g1 e g2 forem funções contı́nuas (ou seccionalmente contı́nuas) em Œa; b; então


é fácil verificar que
Z b Z b Z b
.g1 .t / C g2 .t // dt D g1 .t / dt C g2 .t / dt : (7.4)
a a a

É também trivial verificar que


Z b Z b
g.t / dt D g.t / dt : (7.5)
a a
7.1 Integral de uma função complexa de variável real 249

Além disso, de (7.1) resulta que


Z b Z b
Re g.t / dt D Re g.t / dt I
a a
Z Z (7.6)
b b
Im g.t / dt D Im g.t / dt :
a a

Vamos estabelecer outra propriedade básica do integral. Seja


Z b
g.t / dt D r0 ei0 ; r0 > 0 :
a
Então
Z b Z b
i0 i0
r0 D e g.t / dt D e g.t / dt ;
a a
pelo que
Z b Z b
i0 i0
r0 D Re e g.t / dt D Re Œe g.t / dt : (7.7)
a a
Por outro lado, atendendo a que Re ´  j´j, vem
Z b Z b
i0 i0
Re Œe g.t / dt  je g.t /j dt : (7.8)
a a

Como je i0 j D 1; de (7.7) e (7.8) decorre que


ˇZ ˇ Z b
ˇ b ˇ
ˇ ˇ
ˇ g.t / dt ˇ  jg.t /j dt : (7.9)
ˇ a ˇ a

Exemplo 7.2 Tem-se


Z 2 Z 2 Z 2
eit dt D cos t dt C i sin t dt
0 0 0

D Œsin t 2 2
0 C i Œ cos t 0

D 0:
Por outro lado, Z Z
2 2
jeit j dt D 1 dt D 2 :
0 0
Desta forma, ˇZ ˇ Z
ˇ 2 ˇ 2
ˇ ˇ
it
e dt ˇ D 0  2 D jeit j dt :
ˇ
0 0
250 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

7.2 Integral de caminho


Enquanto que os integrais de funções de variável real se definem em interva-
los, os de funções de variável complexa tomam-se sobre caminhos diferenciáveis
ou diferenciáveis por troços.

Introduzimos, de seguida, o conceito de integral curvilı́neo ou integral de


caminho de uma função complexa de variável complexa.

O integral complexo pode ser definido mediante um processo análogo ao


utilizado no caso real (através do limite de uma soma de Riemann). Para tal de-
senvolvimento veja-se [29]. Alternativamente, podemos supor a familiaridade do
leitor com a integração real e evitar a repetição das provas de existência que são
essencialmente as mesmas da Análise Real. É este o procedimento que adoptamos.

Sempre que considerarmos um integral curvilı́neo sobre um caminho su-


poremos tacitamente que é seccionalmente de classe C 1 , isto é, suporemos que
existe uma partição do intervalo Œa; b,

a D t 0 < t1 <    < t k 1 < tk D b ;

tal que jŒtn ;tnC1  , n D 0; 1; : : : ; k 1, coincide com uma função com derivada
contı́nua em Œtn ; tnC1 . Note-se que, nos pontos tn da partição, 0 pode não existir,
pelo que 0 é seccionalmente contı́nua em Œa; b.

Seja, então, um caminho seccionalmente de classe C 1 ,

.t / D x.t / C iy.t / ; t 2 Œa; b :

Consideremos uma função contı́nua f W D  C ! C, tal que tr. /  D. Então a


função
.f ı / 0 W t 7! f . .t // 0.t /
é seccionalmente contı́nua em Œa; b. O integral de f ao longo do caminho é por
definição
Z Z b
f .´/ d´ D f . .t // 0.t / dt : (7.10)
a

Dadas as hipóteses sobre f e , o integral existe e é finito. Observe-se que o inte-


gral no segundo membro de (7.10) é, de facto, o integral de uma função complexa
7.2 Integral de caminho 251

de variável real, já tratado na secção anterior.

Para além do integral definido em (7.10), podemos também considerar os


integrais de caminho com respeito a ´,
Z Z Z b
f .´/ d´ D f .´/ d´ D f . .t // 0.t / dt ; (7.11)
a

e os integrais com respeito ao comprimento de arco,


Z Z b
f .´/ jd´j D f . .t //j 0.t /j dt : (7.12)
a

As seguintes propriedades do integral são consequência imediata da definição.


Se c designar uma constante complexa, tem-se
Z Z
cf .´/ d´ D c f .´/ d´ : (7.13)

Se f1 e f2 forem funções contı́nuas em tr. /, então


Z Z Z
.f1 .´/ C f2 .´// d´ D f1 .´/ d´ C f2 .´/ d´ : (7.14)

Exemplos 7.3
(a) Consideremos o caminho que descreve o segmento de recta orien-
tado de ´0 para ´1 ,
.t / D .1 t /´0 C t ´1 ; t 2 Œ0; 1 :
Tem-se
Z Z 1
d´ D 0.t / dt
0
Z 1
D ´1 ´0 dt
0
D ´1 ´0
e
Z Z 1
´ d´ D .t / 0.t / dt
0
Z 1
D .´1 ´0 / Œ.1 t /´0 C t ´1 dt
0
´21 ´20
D :
2
252 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

(b) Calcule-se Z
1
d´ ;
´ ´0

ao longo do caminho , com .t / D ´0 C reit , t 2 Œ0; 2, o qual


descreve a circunferência de centro ´0 e raio r, no sentido directo.
Note-se que ´0 62 tr. /, pelo que estamos em condições de aplicar
(7.10):
Z Z 2
1 1
d´ D i reit dt D 2 i :
´ ´0 0 reit

(c) Calcule-se, agora, o integral da função definida por

f .´/ D j´j ;

ao longo do caminho que descreve o segmento de recta orientado de


1 a 1:

1 .t / D .1 t /. 1/ C t1 D 2t 1; t 2 Œ0; 1 :

Tem-se
Z Z 1
j´j d´ D j2t 1j2 dt
1 0
Z 1 Z !
2 1
D 2 .1 2t / dt C .2t 1/ dt
1
0 2
  12  1 !
2 2
D 2 t t C t t
1
0 2
1
D 2
2
D 1:

Calculemos, de seguida, o integral da mesma função, mas agora ao


longo do caminho

2 D ei. t/
; t 2 Œ0;  ;

o qual descreve o arco de circunferência do semi-plano superior que


7.2 Integral de caminho 253

une os pontos 1 e 1, orientado de 1 para 1. Tem-se


Z Z 
j´j d´ D jei. t/ j. i ei. t// dt
2 0
Z 
D i ei. t/ dt
0 
i. t/
D e
0
D 1 . 1/
D 2:

Este exemplo mostra que o integral de caminho não depende unica-


mente da origem e extremidade do caminho de integração, mas ainda
da curva gerada por esse caminho. Veremos no Teorema 7.2(b) que
o integral depende igualmente da orientação dessa curva.

Considerando uma função contı́nua f W Œa; b  R ! C e recordando a pro-


priedade (7.9), estabelecida no contexto da integração das funções complexas de
variável real, tem-se
ˇZ ˇ Z b
ˇ b ˇ
ˇ ˇ
ˇ f .t / dt ˇ  jf .t /j dt  M.b a/ ;
ˇ a ˇ a

em que
M D max jf .t /j :
t2Œa;b

O Teorema que se segue é fundamental para o desenvolvimento da teoria e genera-


liza o resultado anterior ao estabelecer um majorante para o módulo de um integral
de caminho.

Teorema 7.1 (Majoração do módulo do integral de caminho) Seja

W Œa; b ! C

um caminho de integração e f contı́nua em tr. /: Então


ˇZ ˇ
ˇ ˇ
ˇ f .´/ d´ˇ  ML ;
ˇ ˇ

em que M D max jf .´/j e L é o comprimento do caminho .


´2tr. /
254 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

D EMONSTRAÇ ÃO : Da definição de integral de caminho vem


ˇZ ˇ ˇZ ˇ
ˇ ˇ ˇ b ˇ
ˇ ˇ
I D ˇˇ f .´/ d´ˇˇ D ˇ 0
f . .t // .t / dt ˇ :
ˇ a ˇ

De (7.9), resulta que


Z b Z b
0
I  jf . .t //j j .t /j dt  M j 0.t /j dt D ML ;
a a

com M D sup jf .´/j. Por fim, sendo f contı́nua e tr. / compacto, segue-se que
´2tr. /
sup jf .´/j D max jf .´/j. 
´2tr. / ´2tr. /

Exemplo 7.4 Consideremos o integral


Z
1
d´ ;
´2 C1

onde descreve no sentido directo o arco de circunferência j´j D 2 no primeiro


quadrante:
.t / D 2eit ; t 2 Œ0; =2 :
Tem-se L D  e
ˇ ˇ
ˇ 1 ˇ 1 1 1
max ˇˇ ˇ  max
ˇ D 2 D :
´2tr. / ´2 C 1 ´2tr. / jj´j2 1j j2 1j 3

De acordo com o Teorema anterior, vem


ˇZ ˇ
ˇ 1 ˇ 
ˇ ˇ
ˇ ´2 C 1 d´ˇ  3 :

A definição de integral curvilı́neo apresentada nesta secção é semelhante à


definição de integral curvilı́neo conhecida da Análise Infinitesimal. Como é sabido,
dadas as funções reais nas variáveis x e y, P .x; y/ e Q.x; y/; contı́nuas em tr. /,
com
.t / D .x.t /; y.t // ; t 2 Œa; b ;
tem-se
Z Z b  
dx dy
P .x; y/ dx C Q.x; y/ dy D P .x.t /; y.t // C Q.x.t /; y.t // dt :
a dt dt
7.2 Integral de caminho 255

Com efeito, tomando f .´/ D u.x; y/ C iv.x; y/, as duas definições estão
relacionadas do seguinte modo:
Z Z Z
f .´/ d´ D .udx vdy/ C i .udy C vdx/ : (7.15)

Para o comprovar, basta observar que

f . .t // 0.t / D Œu.x.t /; y.t // C iv.x.t /; y.t // .x 0 .t / C iy 0 .t //


 
D u.x.t /; y.t //x 0.t / v.x.t /; y.t //y 0 .t / C
 
C i u.x.t /; y.t //y 0.t / C v.x.t /; y.t //x 0 .t / :

Integrando com respeito a t , verifica-se o pretendido.

Em seguida, estabeleceremos importantes propriedades do integral curvi-


lı́neo. Nomeadamente, mostraremos que o integral de uma função não se altera
se substituirmos o caminho de integração por uma reparametrização desse cami-
nho. Também provaremos que, ao tomarmos o integral ao longo do caminho de
integração em sentido oposto, o integral apenas muda de sinal. Mostraremos ainda
que o integral goza de aditividade relativamente ao caminho de integração.

Teorema 7.2 (Propriedades do integral de caminho)


(a) Seja um caminho de integração e 1 uma sua reparametrização.
Então, para toda a função f contı́nua em tr. / D tr. 1 /, tem-se
Z Z
f .´/ d´ D f .´/ d´ :
1

(b) Para toda a função f contı́nua em tr. / D tr. /, vem


Z Z
f .´/ d´ D f .´/ d´ :

(c) Seja W Œa; b ! C um caminho e seja c 2 R tal que a < c < b.


Tomando
1 D jŒa;c e 2 D jŒc;b ;
tem-se D 1 C 2 . Nestas condições, supondo f contı́nua em tr. /,
Z Z Z
f .´/ d´ D f .´/ d´ C f .´/ d´ :
1 C 2 1 2
256 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

D EMONSTRAÇ ÃO :

(a) Seja 1 W Œc; d  ! C uma reparametrização de W Œa; b ! C. Então


existe uma função  W Œc; d  ! Œa; b, de classe C 1 , bijectiva e com
derivada positiva, tal que 1 D ı . Vem
Z Z d
f .´/ d´ D f . 1 .t // 10 .t / dt
1 c
Z d
D f . ..t /// 0..t //0.t / dt
c
Z b
D f . .s// 0 .s/ ds
Za
D f .´/ d´ ;

efectuando a mudança de variável s D .t /.

(b) Nas condições do enunciado, tem-se


Z Z b
f .´/ d´ D f . .t //. /0.t / dt
a
Z b
D f . .a C b t //. .a C b t //0 dt
a
Z b
D f . .a C b t //. 1/ 0.a C b t / dt
a
Z b
D f . .s// 0 .s/ ds
Za
D f .´/ d´ ;

efectuando a mudança de variável s D a C b t .


R R
(c) A existência de 1 f .´/ d´ e 2 f .´/ d´ está garantida, uma vez
que f é contı́nua em tr. 1 / e tr. 2 /. De acordo com o enunciado,

1 .t /; se t 2 Œa; c
.t / D
2 .t /; se t 2 Œc; b
7.2 Integral de caminho 257

representa a curva D 1 C 2 . Assim, pela aditividade do integral


para funções de uma variável, tem-se
Z Z b
f .´/ d´ D f . .t // 0.t / dt
a
Z c Z b
0
D f . .t // .t / dt C f . .t // 0.t / dt
a c
Z c Z b
D f . 1 .t // 10 .t / dt C f . 2 .t // 20 .t / dt
a c
Z Z
D f .´/ d´ C f .´/ d´ ;
1 2

conforme pretendido. 

O resultado da alı́nea (c) do Teorema anterior pode ser generalizado à soma


de qualquer número finito de caminhos, ou seja, a qualquer cadeia. Desta forma,
o integral curvilı́neo ao longo de um caminho seccionalmente de classe C 1 pode
ser encarado como a soma de um número finito de integrais curvilı́neos ao longo
de caminhos de classe C 1 . Assim, ao determinarmos o valor do integral ao longo
dos caminhos de classe C 1 , caracterizamos o integral ao longo de toda a cadeia.
Aliás, esta ideia encontra-se subjacente a (7.2) e à posterior definição de integral
curvilı́neo (7.10) ao longo de um caminho seccionalmente de classe C 1 .

Exemplo 7.5 Calculemos o valor do integral


Z
j´j d´

ao longo de D 1 C 2 , sendo

1 .t / D 2t 1; t 2 Œ0; 1 ;

o caminho que descreve o segmento de recta orientado de 1 a 1 e

2 D eit ; t 2 Œ0;  ;

o caminho que descreve o arco de circunferência do semi-plano superior que une os


pontos 1 e 1, orientado no sentido directo, ou seja, de 1 para 1 (vide figura 51-
-A). De acordo com os exemplos 7.3 e com a alı́nea (b) do Teorema 7.2, tem-se
Z Z
j´j d´ D 1 e j´j d´ D 2 ;
1 2
258 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

y y
A. B.
i 1+ i

x x
-1 1 0

Figura 51: Representação geométrica dos traços de duas cadeias seccionalmente de


classe C 1 . Em B temos uma linha poligonal fechada.

pelo que Z Z Z
j´j d´ D j´j d´ C j´j d´ D 1:
1 2

Exemplo 7.6 Consideremos a função f definida por

f .´/ D y x 3ix 2 ; ´ D x C iy 2 C :

Calculemos o valor do integral


Z
f .´/ d´

ao longo de D 1 C 2 C 3 , sendo

1 .t / D t i ; t 2 Œ0; 1 ;

o caminho que descreve o segmento de recta orientado de 0 a i ,

2 .t / D t C i ; t 2 Œ0; 1 ;

o caminho que descreve o segmento de recta orientado de i a 1 C i e

3 .t / D .1 t / C .1 t /i ; t 2 Œ0; 1 ;

o caminho que descreve o segmento de recta orientado de 1 C i a 0 (vide figura 51-


-B). Tem-se
Z Z Z
i 1
f .´/ d´ D ; f .´/ d´ D i e f .´/ d´ D 1 C i ;
1 2 2 2 3
7.2 Integral de caminho 259

pelo que

Z Z Z Z
1Ci
f .´/ d´ D f .´/ d´ C f .´/ d´ C f .´/ d´ D :
1 2 3 2

Observamos que muitos autores, por uma questão de simplificação de lingua-


gem, ao considerarem o integral de caminho de uma determinada função, referem
apenas a curva geométrica e a sua orientação, não identificando claramente qual o
caminho que gera a curva. Ora, esta simplificação de linguagem apenas tem lugar
nos casos em que é evidente qual o caminho a considerar. Também é frequente
a não explicitação da orientação da curva geométrica, sempre que tal for claro.
Sempre que possı́vel, seguiremos este procedimento. Por exemplo, a omissão da
orientação de uma circunferência ou arco de circunferência subentende a orientação
no sentido usual ou directo. Assim,

Z
f .´/ d´
j´ ´0 jDr

representa o integral de f ao longo da circunferência de centro ´0 e raio r, orien-


tada no sentido directo, tornando-se claro qual o caminho a utilizar:

.t / D ´0 C reit ; t 2 Œ0; 2 :

Por outro lado,


Z
f .´/ d´
Œ´0 ;´1 

representa o integral de f ao longo do segmento de recta orientado de ´0 para ´1 ,


correspondendo ao caminho

.t / D .1 t /´0 C t ´1 ; t 2 Œ0; 1 :

Evidentemente que, de acordo com o Teorema 7.2, muitos dos caminhos que ge-
ram uma determinada curva conduzem ao mesmo valor do integral ou ao valor
simétrico.
260 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

7.3 Primitiva de uma função complexa


Uma classe importante de integrais é caracterizada pela propriedade do inte-
gral sobre um caminho depender unicamente da sua origem e extremidade. Prova-
remos que o integral de uma função contı́nua ao longo de um caminho só depende
desses pontos se esta possuir uma primitiva.

Seja f W D  C ! C uma função contı́nua. Uma função F W D  C ! C


diz-se uma primitiva ou antiderivada de f em D, se F for holomorfa e F 0 D f .
Diremos que f possui uma primitiva local em ´ 2 D, se existir um disco aberto
centrado em ´ e contido em D, digamos D.´; "/, tal que a restrição de f a esse
disco possui uma primitiva.

Não faz sentido falar na primitiva de uma função f em D, mas de uma


primitiva, pois, caso esta exista, é única a menos de uma constante complexa. De
facto, se F 0 D G 0 D f num domı́nio D, então

.F G/0 D F 0 G0 D 0

eF G é constante pelo Teorema 3.10.

Exemplo 7.7 Fixemos um número inteiro não-negativo n e consideremos a função


definida por
f .´/ D ´n ; ´ 2 C :
Uma primitiva de f é dada pela expressão

´nC1
F .´/ D Cc; ´ 2 C;
nC1
para alguma constante complexa c. Já a função

1 1
g.´/ D ´ D ; ´ 2 Cnf0g ;
´
admite apenas primitiva local, como veremos no exemplo 7.9. Se escolhermos um
valor de n inferior a 1, voltamos a obter uma função com primitiva (global).

Analogamente ao caso real, se uma função contı́nua f W D  C ! C possuir


uma primitiva F , é válida a fórmula
Z
f .´/ d´ D F .´1 / F .´0/ ;

7.3 Primitiva de uma função complexa 261

sendo ´0 D .a/ a origem e ´1 D .b/ a extremidade do caminho de integração .


Com efeito,
Z Z b Z b
0
f .´/ d´ D f . .t // .t / dt D F 0 . .t // 0.t / dt :
a a

Usando agora a Regra da Cadeia e a Fórmula Fundamental do Cálculo Integral para


funções de uma variável, vem
Z b
.F ı /0.t / dt D F . .b// F . .a// D F .´1 / F .´0 / :
a

Teorema 7.3 (Teorema Fundamental do Cálculo Integral) Seja

f WDC!C

uma função contı́nua e um caminho seccionalmente de classe C 1 tal que


tr. /  D, ´0 D .a/ e ´1 D .b/. Suponhamos que f possuiu uma primitiva
F em D. Nestas condições,
Z
f .´/ d´ D F .´1/ F .´0/ :

Teorema 7.4 (Teorema da independência do caminho de integração) Seja f


uma função contı́nua num domı́nio D. São equivalentes:

(a) f tem uma primitiva F em D;


R
(b) f .´/ d´ D 0, para todo o caminho fechado em D;
R
(c) o valor do integral f .´/ d´ depende apenas da origem e extremi-
dade de , para cada caminho em D.

D EMONSTRAÇ ÃO : A prova de que (a) implica (b) é imediata. Pelo Teorema Fun-
damental do Cálculo Integral, tomando ´0 D ´1 , isto é, considerando um cami-
nho fechado, vem Z
f .´/ d´ D 0 :

Mostremos que (b) implica (c). Suponhamos que


Z
f .´/ d´ D 0 ;

262 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

para todo o caminho fechado em D. Sejam 1 e 2 dois caminhos em D com


origem em ´0 e extremidade em ´1 . É claro que 1 C . 2 / D 1 2 é um
caminho fechado e, de acordo com a hipótese,
Z Z Z
f .´/ d´ f .´/ d´ D f .´/ d´ D 0 ;
1 2 1 2

pelo que Z Z
f .´/ d´ D f .´/ d´ :
1 2
Resta provar que (c) implica (a). Suponhamos, então, que o valor de
Z
f .´/ d´

depende apenas da origem e extremidade de , para cada caminho em D. Fixe-


mos ´0 2 D e definamos
Z ´
F .´/ D f ./ d  ; ´ 2 D ; (7.16)
´0

onde o caminho de integração é qualquer caminho em D com origem em ´0 e


extremidade em ´. Sendo D um domı́nio, temos a garantia de que existe pelo
menos um caminho unindo ´0 e ´. De acordo com a hipótese, este integral não
depende do caminho que se escolha. Estando F bem definida, resta provar que F
é analı́tica e que F 0 D f . Consideremos ´ 2 D e " > 0. Como D é aberto e f é
contı́nua no ponto ´, existe ı > 0 tal que D.´; ı/  D e
jf .w/ f .´/j < " ;
sempre que w 2 D e jw ´j < ı. Seja, então, w 2 D tal que jw ´j < ı. Como
w 2 D \ D.´; ı/ D D.´; ı/ ;
podemos ligar ´ a w por um segmento de recta, tendo-se
Z
d D w ´: (7.17)
Œ´;w

Por outro lado, recorrendo às propriedades do integral de caminho, vem


Z w Z ´
F .w/ F .´/ D f ./ d  f ./ d 
´0 ´0
Z w Z ´0
D f ./ d  C f ./ d 
´ ´
Z 0w
D f ./ d  :
´
7.3 Primitiva de uma função complexa 263

Da hipótese, concluı́mos que


Z w Z
F .w/ F .´/ D f ./ d  D f ./ d  : (7.18)
´ Œ´;w

De (7.17) e (7.18), segue-se


ˇ ˇ
ˇ F .w/ F .´/ ˇ jF .w/ F .´/ .w ´/f .´/j
ˇ f .´/ˇˇ D
ˇ w ´ jw ´j
ˇR R ˇ
ˇ ˇ
ˇ Œ´;w f ./ d  f .´/ Œ´;w d  ˇ
D
jw ´j
ˇR ˇ
ˇ ˇ
ˇ Œ´;w .f ./ f .´//d  ˇ
D
jw ´j
"jw ´j
<
jw ´j
D ":

Como " > 0 é arbitrário, para cada ´ 2 D, vem

F .w/ F .´/
lim D f .´/ ;
w!´ w ´

pelo que F é holomorfa e F 0 D f . 

Exemplo 7.8 Do Teorema 7.4 e do exemplo 7.7, retiramos algumas consequências.

(a) Seja n um inteiro não-negativo e um caminho fechado arbitrário


em C. Então Z
´n d´ D 0 :

(b) Seja n um inteiro negativo, inferior ou igual a 2, e um caminho


fechado não passando por ´ D 0. Então
Z
´n d´ D 0 :

A alı́nea (a) do exemplo anterior mostra que o integral de um polinómio ao


longo de qualquer caminho fechado é igual a zero.
264 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

Exemplo 7.9 Tem-se


Z
1
d´ D 2 i ;
j´jDr ´
o que implica que 1=´ não tem primitiva global em Cnf0g, indo ao encontro do re-
ferido no exemplo 7.7. Veremos no próximo exemplo que esta função tem primitiva
local.

Exemplo 7.10 Sabemos que cada ramo da função logaritmo tem domı́nio de ana-
liticidade CnN , com  2 R e

N D f´ D r ei 2 C W r  0g :

A sua derivada é dada por

d 1
log ´ D ; ´ 2 CnN :
d´ ´

Assim, log ´ é uma primitiva local de 1=´ em CnN . De acordo com (7.16) e
fixando ´0 2 CnN , podemos escrever
Z ´
1
log ´ D d ; ´ 2 CnN : (7.19)
´0 

Obtemos, desta forma, uma definição alternativa para a função logaritmo. Pode-
mos, então, com base no conhecimento das antiderivadas locais de 1=´, determinar
o valor do integral
Z
1

j´jDr ´

por um processo alternativo ao dos exemplos 7.3, recorrendo agora ao Teorema


Fundamental do Cálculo Integral (Teorema 7.3). Tem-se
Z Z Z
1 1 1
d´ D d´ C d´ ;
j´jDr ´ 1 ´ 2 ´

onde
 
1 .t / D reit ; t 
2 2
e
 3
2 .t / D reit ; t  :
2 2
7.4 O Teorema de Cauchy para triângulos 265

No cálculo dos integrais ao longo dos caminhos 1 e 2 , a função logaritmo serve


como antiderivada da função 1=´ se restrita, respectivamente, a CnN  e a CnN0 .
Segue-se
Z
1
d´ D Log.ri / Log. ri /
1 ´
   
D log r C i log r i
2 2
D i

e
Z
1
d´ D log. ri / log.ri /
2 ´
  
3 
D log r C i log r C i
2 2
D i ;

donde se conclui que


Z
1
d´ D 2 i :
j´jDr ´

7.4 O Teorema de Cauchy para triângulos


O Teorema de Cauchy é um dos Teoremas fundamentais da Análise Com-
plexa. Informalmente, estabelece que o integral de uma função f holomorfa num
domı́nio, ao longo de qualquer caminho fechado contido nesse domı́nio, é zero. Foi
obtido por Cauchy no começo do século XIX (1825), mas com a condição adicio-
nal de f 0 ser contı́nua. Para provarmos esta versão do Teorema de Cauchy (versão
fraca), recordemos o Teorema de Green que relaciona o integral duplo com o inte-
gral curvilı́neo de funções definidas numa região de R2 .

Quando considerarmos caminhos simples e fechados, sem especificarmos a


orientação que determinam, está implı́cita a orientação no sentido positivo ou di-
recto.

Teorema 7.5 (Teorema de Green) Sejam P .x; y/ e Q.x; y/ funções com deriva-
das parciais de primeira ordem contı́nuas numa região D e um caminho em D,
simples e fechado. Designemos por A a componente limitada do complementar de
266 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

18 . Então
Z ZZ  
@Q @P
P .x; y/dx C Q.x; y/dy D .x; y/ .x; y/ dxdy :
A @x @y

Para uma demonstração do Teorema de Green veja-se, por exemplo, [23, pp.
908–911].

Teorema 7.6 (Teorema de Cauchy: versão fraca) Seja f uma função holomorfa
num domı́nio D com derivada f 0 contı́nua em D. Então, para qualquer caminho
em D, simples e fechado, tem-se
Z
f .´/ d´ D 0 :

D EMONSTRAÇ ÃO : Considerando f D u C iv, de (7.15) vem


Z Z Z
f .´/ d´ D .udx vdy/ C i .udy C vdx/ :

Note-se que a continuidade de f 0 implica a continuidade das derivadas parciais de


u e v. Aplicando o Teorema de Green a cada integral, obtém-se
Z ZZ   ZZ  
@v @u @u @v
f .´/ d´ D dxdy C i dxdy :
A @x @y A @x @y

Os integrais duplos são nulos de acordo com as Condições de Cauchy-Riemann.

O matemático francês Edouard Goursat (1858–1942) foi o primeiro a no-


tar que a hipótese de continuidade de f 0 pode ser omitida (1900). Apresentamos,
agora, uma versão do Teorema de Cauchy para triângulos, cuja prova se baseia no
método de bissecção. Na sua demonstração, usaremos o Teorema de Cantor a se-
guir enunciado e cuja demonstração pode ser encontrada em [8, p.19].

Recordemos o conceito de diâmetro de um conjunto. Sendo A  C, A 6D ;,


o diâmetro de A é denotado e definido por

diam A D supfd.´; w/ W ´; w 2 Ag :

Caso A não seja limitado, convencionamos que diam A D C1.


18 Como o caminho é simples e fechado, a componente limitada corresponde ao interior de tr. /

(no sentido intuitivo e não no sentido topológico).


7.4 O Teorema de Cauchy para triângulos 267

Figura 52: Divisão de um triângulo 4 em quatro sub-triângulos congruentes.

Teorema 7.7 (Teorema de Cantor) Seja .Fn /n2N uma sucessão de subconjuntos
não vazios e fechados de C, com

F 1  F2    

e diam Fn ! 0. Então, a intersecção


\
Fn
n2N

reduz-se a um único ponto.

Teorema 7.8 (Teorema de Cauchy para triângulos) Seja f uma função contı́nua
num domı́nio D e 4  D um triângulo de fronteira @4. Suponhamos f analı́tica
em D com possı́vel excepção de um ponto P . Então
Z
f .´/ d´ D 0 :
@4

D EMONSTRAÇ ÃO : Suponhamos, em primeiro lugar, que P 62 4. Dividamos o


triângulo 4 em quatro sub-triângulos congruentes,

411 ; : : : ; 441 ;

obtidos unindo dois a dois os pontos médios dos lados do triângulo original. Supo-
remos as fronteiras orientadas positivamente (veja-se a figura 52). Como os inte-
268 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

grais ao longo do segmento-fronteira comum a dois sub-triângulos adjacentes são


simétricos e se anulam mutuamente, vem
Z Z Z Z Z
f .´/ d´ D f .´/ d´ C f .´/ d´ C f .´/ d´ C f .´/ d´
@4 @411 @421 @431 @441
4 Z
X
D f .´/ d´ :
@4k
1
kD1
Assim,
ˇZ ˇ ˇ 4 Z ˇ ˇ
4 ˇZ
ˇ
ˇ ˇ ˇX ˇ X ˇ
ˇ ˇ ˇ ˇ
J D ˇˇ ˇ
f .´/ d´ˇ D ˇ f .´/ d´ˇ  ˇ f .´/ d´ˇ :
@4 ˇ k
@41 ˇ ˇ k
@41 ˇ
kD1 kD1

Portanto, pelo menos um dos triângulos 4k1 , k 2 f1; 2; 3; 4g, satisfaz a condição
ˇZ ˇ
ˇ ˇ J
ˇ ˇ
ˇ f .´/ d´ˇ  :
ˇ @4k1 ˇ 4
Designemos por 41 o triângulo nestas condições (se outros triângulos satisfizerem
a condição, a escolha de um deve ser feita segundo uma regra definida). Con-
tinuemos a repetir indefinidamente este processo. No segundo passo, obtemos o
triângulo 42 , tal que 4  41  42 , valendo as desigualdades
ˇZ ˇ ˇZ ˇ ˇZ ˇ
ˇ ˇ ˇ ˇ ˇ ˇ
ˇ ˇ ˇ
f .´/ d´ˇ  4 ˇ ˇ
f .´/ d´ˇ  4 ˇ2ˇ
f .´/ d´ˇˇ :
ˇ
@4 @41 @42
Originamos, deste modo, uma sucessão de triângulos encaixados
4 D 4 0  41  42      4 n    
que verificam:
ˇZ ˇ ˇZ ˇ ˇZ ˇ
ˇ ˇ ˇ ˇ ˇ ˇ
ˇ f .´/ d´ ˇ  4 ˇ ˇ nˇ
f .´/ d´ˇ      4 ˇ f .´/ d´ˇˇ     (7.20)
ˇ ˇ ˇ
@4 @41 @4n
Relativamente aos perı́metros dos triângulos, vem
1
L@41 D L@4 I
2
1 1
L@42 D L@41 D 2 L@4 I
2 2
::
:
1
L@4n D L@4 I
2n
::
:
7.4 O Teorema de Cauchy para triângulos 269

É claro que todos os triângulos são conjuntos fechados e diam 4n ! 0, quando


n ! C1. Portanto, existe um ponto ´0 2 4, tal que:
C1
\
f´0 g D 4n :
nD0

Ora, ´0 2 4 e ´0 6D P , pelo que f é diferenciável em ´0 , ou seja, dado " > 0,


existe ı > 0 tal que
ˇ ˇ
ˇ f .´/ f .´0 / ˇ
ˇ f 0
.´ / ˇ < " se j´ ´0 j < ı ;
ˇ ´ ´0
0 ˇ

ou ainda,

jf .´/ f .´0 / .´ ´0 /f 0 .´0 /j < " j´ ´0 j se j´ ´0 j < ı :

Escolhamos n suficientemente grande de modo que

4n  D.´0 ; ı/ :

Então Z Z
f .´/ d´ D Œf .´/ f .´0 / .´ ´0 /f 0.´0 / d´
@4n @4n
e, uma vez que max j´ ´0 j  L@4n , vem
´2@4n
ˇZ ˇ
1 ˇ ˇ 1
ˇ
J n  ˇ f .´/ d´ˇˇ  " .L@4n /2 D n .L@4/2 " :
4 @4n 4
Daqui resulta
J  ".L@4/2
e, portanto, como " é arbitrário, J D 0.
Suponhamos, em segundo lugar, que P é um vértice de 4. Escolhamos ´1 e
´2 próximos de P e dividamos o triângulo 4 em três sub-triângulos,

4 1 ; 42 ; 43 ;

obtidos a partir dos pontos P , ´1 e ´2 , conforme ilustra a figura 53. Suponhamos,


sem perda de generalidade, que P é vértice do triângulo 43 . Atendendo ao caso já
provado, vem
Z 3 Z
X Z
f .´/ d´ D f .´/ d´ D f .´/ d´ :
@4 iD1 @4i @43
270 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

z1
P
z2

Figura 53: Escolhemos dois pontos ´1 e ´2 próximos de P e construı́mos três


sub-triângulos.

Seja M D max jf .´/j. Então,


´2@43
ˇZ ˇ
ˇ ˇ
ˇ f .´/ d´ˇˇ  ML@43 :
ˇ
@43

Como L@43 ! 0 quando ´1 ; ´2 ! P , tem-se


Z
f .´/ d´ D 0 ;
@43

o que demonstra este caso.


Suponhamos, finalmente, que P cai sobre um dos R lados do triângulo 4 ou
no seu interior (ver figura 54). Em qualquer dos casos @4 f .´/ d´ D 0, apelando
aos argumentos prévios. 

Consideremos a função
f .´/ D y x 3ix 2 ; ´ D x C iy 2 C ;
e o caminho que descreve no sentido directo o triângulo de vértices 0, 1 C i e i .
De acordo com o exemplo 7.6, tem-se
Z
1 i
f .´/ d´ D 6D 0 :
2
Note-se que não entrámos em contradição com o Teorema de Cauchy para triângu-
los, uma vez que f não é analı́tica em ponto algum de C. De facto, tomando
u.x; y/ D y x e v.x; y/ D 3x 2 ;
7.5 Versão do Teorema de Cauchy para convexos 271

P
P

Figura 54: O ponto P cai sobre um dos lados do triângulo 4 ou no seu interior.

vem
@u @v
.x; y/ D 1 6D 0 D .x; y/ ;
@x @y
pelo que não se verificam as Condições de Cauchy-Riemann em ponto algum do
plano.

7.5 Versão do Teorema de Cauchy para convexos


Antes de apresentarmos a versão do Teorema de Cauchy para domı́nios con-
vexos, recordamos a definição de conjunto convexo.

Um conjunto A  C diz-se convexo se contiver o segmento de recta definido


por cada par de pontos seus. Isto é, se ´0 e ´1 forem dois pontos de A, então
.1 s/´0 C s´1 também é um ponto de A, para todo o s 2 Œ0; 1.

Exemplo 7.11 Os discos abertos e fechados são exemplos de conjuntos convexos.

Teorema 7.9 (Teorema de Cauchy para convexos) Seja D um domı́nio convexo.


Suponhamos que f é uma função contı́nua em D e analı́tica em DnfP g, para
algum ponto P 2 D. Então
Z
f .´/ d´ D 0 ;

para todo o caminho fechado em D.


272 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

D EMONSTRAÇ ÃO : Provemos que f tem uma primitiva em D, isto é, que
f D F 0 , para uma certa função F analı́tica em D. Fixemos, então, ´0 2 D. Defi-
namos Z
F .´/ D f ./ d  ; ´2D;
Œ´0 ;´

onde o caminho de integração é o segmento de recta orientado de ´0 a ´ (o qual está


contido no domı́nio D, uma vez que este é convexo). Mostremos que F é analı́tica
em D. Seja ´ 2 D. Escolhamos h de módulo suficientemente pequeno de forma a
que ´ C h 2 D. Tem-se
Z
F .´ C h/ F .´/ D f ./ d  ;
Œ´;´Ch

uma vez que


Z Z Z
f ./ d  C f ./ d  C f ./ d  D 0 ;
Œ´0 ;´Ch Œ´Ch;´ Œ´;´0 

de acordo com o Teorema de Cauchy para triângulos (Teorema 7.8). Segue-se que
Z  
F .´ C h/ F .´/ f ./ f .´/
f .´/ D d :
h Œ´;´Ch h h

Então,
ˇ ˇ ˇZ ˇ
ˇ F .´ C h/ F .´/ ˇ 1 ˇˇ ˇ
ˇ f .´/ˇˇ D .f ./ f .´// d  ˇˇ
ˇ h jhj ˇ Œ´;´Ch
1
 jhj max jf ./ f .´/j
jhj 2Œ´;´Ch

D max jf ./ f .´/j :


2Œ´;´Ch

Como f é contı́nua,
max jf ./ f .´/j
2Œ´;´Ch

tende para zero quando h ! 0. Portanto, F 0 existe e é igual a f , o que pelo


Teorema 7.4 prova o pretendido. 

Mostraremos no Corolário 8.8 que supor f contı́nua num domı́nio D e analı́-


tica, excepto eventualmente num ponto ´0 2 D, não é mais geral que supor f
analı́tica em todo o D.
7.6 Fórmula Integral de Cauchy 273

No exemplo 7.5, vimos que


Z
j´j d´ D 1;

onde é o caminho fechado que descreve a curva representada na Figura 51-A. Tal
não contradiz o Teorema anterior, uma vez que a função j´j apenas é diferenciável
na origem, pelo que não é analı́tica em ponto algum do plano complexo.

7.6 Fórmula Integral de Cauchy


Mediante uma aplicação simples do Teorema de Cauchy é possı́vel represen-
tar uma função analı́tica f por um integral de caminho, onde a variável ´ intervém
como parâmetro. Esta representação, conhecida por Fórmula Integral de Cauchy,
tem muitas aplicações importantes, entre elas o estudo das propriedades locais das
funções analı́ticas. Como preliminar à sua apresentação, introduziremos o conceito
de ı́ndice que indica o número de vezes que um caminho fechado circunda um
ponto que lhe não pertence, ou seja, o ı́ndice é um ”contador de voltas”.

Seja um caminho fechado em C, seccionalmente de classe C 1 , não pas-


sando por ´0 . O ı́ndice de ´0 relativamente a é definido por
Z
1 1
n. ; ´0 / D d´ : (7.21)
2 i ´ ´0

Tendo em conta as propriedades dos integrais de caminho, vem

n. ; ´0 / D n. ; ´0 / (7.22)

e
n. 1 C    C n ; ´0 / D n. 1 ; ´0 / C    C n. n ; ´0 / : (7.23)

Teorema 7.10 (O ı́ndice como um número inteiro) O ı́ndice de um ponto relati-


vamente a um caminho fechado é um número inteiro.
w
D EMONSTRAÇ ÃO : Para provar que é um inteiro, é suficiente mostrar que
2 i
ew D 1 :

De facto, de ew D 1, vem w D 2k i , com k 2 Z. Definamos ˆ W Œa; b ! C,


Rt 0 .s/
a .s/ ´0 ds
ˆ.t / D e ;
274 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

onde o integral é tomado ao longo de , com

D .t / ; a  t  b; .a/ D .b/ :

Para completarmos a prova, mostraremos que ˆ.b/ D 1. Observamos que, como


0 é seccionalmente contı́nua, ˆ é seccionalmente de classe C 1 . Tem-se

0.t /
ˆ0 .t / D ˆ.t / ;
.t / ´0
ou ainda,
ˆ0 .t /. .t / ´0 / D ˆ.t / 0.t / ;
excepto possivelmente num número finito de pontos. Então, nos pontos em que a
derivada existe,
d ˆ.t / . .t / ´0 /ˆ0 .t / ˆ.t / 0.t /
D D 0:
dt .t / ´0 . .t / ´ 0 /2

Logo, a função é seccionalmente constante em Œa; b. Mas, uma vez que é contı́nua,
é constante em Œa; b. Assim,

ˆ.t / ˆ.a/ 1
D D
.t / ´0 .a/ ´0 .a/ ´0
e
.t / ´0
ˆ.t / D :
.a/ ´0
Ora,
.b/ ´0
ˆ.b/ D D 1;
.a/ ´0
como querı́amos demonstrar. 

Vejamos, agora, mais algumas propriedades do ı́ndice, como seja a sua


constância nas diferentes componentes conexas do complementar do caminho de
integração.

Teorema 7.11 (Constância do ı́ndice nas componentes)

(a) Se está no interior de um disco, então n. ; ´0 / D 0 para todos os


pontos exteriores ao referido disco.
(b) Como função de ´0 , o ı́ndice n. ; ´0 / é constante em cada uma das
componentes conexas de Cntr. / e zero na componente ilimitada.
7.6 Fórmula Integral de Cauchy 275

D EMONSTRAÇ ÃO :
(a) É uma consequência imediata do Teorema de Cauchy para domı́nios
convexos (Teorema 7.9).
(b) Como conjunto de pontos, tr. / é compacto, logo fechado e limitado.
O seu complementar, Cntr. /, é aberto e pode representar-se como
união de abertos disjuntos, justamente as suas componentes conexas.
Como sabemos essas componentes são conexas por arcos e apenas
uma delas é ilimitada. Qualquer par de pontos na mesma componente
determinada por tr. / pode ser unido por uma linha poligonal que
não corta tr. /. Sejam ´0 e ´1 dois pontos pertencentes à mesma
componente. Observe-se que, fora do segmento de recta definido por
´0 e ´1 ,
´ ´0
´ ´1
nunca é real e menor ou igual a zero. Por esta razão, o ramo principal
da função logarı́tmo  
´ ´0
Log
´ ´1
é uma função analı́tica no complementar do referido segmento. A
sua derivada é igual a .´ ´0 / 1 C .´ ´1 / 1 e, se tr. / não corta
o segmento, devemos ter
Z  
1 1
d´ D 0 ;
´ ´0 ´ ´1
de acordo com o Teorema 7.4. Por conseguinte, n. ; ´0 / D n. ; ´1 /.
Em particular, se ´0 pertence à componente ilimitada de Cntr. / e
se j´0 j é suficientemente grande, então tr. / está contido num disco
j´j <  < j´0 j e pela alı́nea (a)
n. ; ´0 / D 0 :
Isto implica que qualquer ponto da componente ilimitada tenha ı́ndice
nulo. 

Teorema 7.12 (Fórmula Integral de Cauchy) Seja f analı́tica num domı́nio con-
vexo D e um caminho fechado em D que não passa por ´0 . Então
Z
1 f .´/
n. ; ´0 /f .´0 / D d´ :
2 i ´ ´0
276 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

D EMONSTRAÇ ÃO : Defina-se


8
< f .´/ f .´0 / ; se ´ ¤ ´0
ˆ
g.´/ D ´ ´0 :
:̂ f 0 .´ /; se ´ D ´
0 0

Esta função é analı́tica se ´ ¤ ´0 e

lim g.´/
´!´0

existe e é igual a f 0 .´0 /; uma vez que f é, por hipótese, diferenciável no ponto ´0 .
Então g satisfaz as hipóteses do Teorema de Cauchy para convexos (Teorema 7.9)
com ´0 D P e, portanto, Z
g.´/ d´ D 0 :

Segue-se, assim, que
Z
1 f .´/ f .´0 /
d´ D 0;
2 i ´ ´0
ou ainda,
Z Z
1 f .´/ 1 f .´0 /
d´ D d´ D f .´0 / n. ; ´0 / ;
2 i ´ ´0 2 i ´ ´0
conforme pretendido. 

Observação 7.1 A Fórmula Integral de Cauchy continua válida se f for analı́tica


num disco aberto, excepto eventualmente num número finito de pontos ´1 ; : : : ; ´p
tais que
lim .´ ´j /f .´/ D 0 ; j D 1; : : : ; p :
´!´j

A presença de pontos excepcionais é permitida, desde que nenhum deles coincida


com o ponto ´0 em relação ao qual se aplica a Fórmula. Para maior desenvolvi-
mento veja-se [1].

A Fórmula Integral de Cauchy é correntemente usada quando é um cami-


nho simples e fechado e ´0 está no seu interior19. Neste caso, n. ; ´0 / D 1 e a
fórmula toma o seguinte aspecto:
Z
1 f .´/
f .´0 / D d´ : (7.24)
2 i ´ ´0
19 No sentido geométrico e não topológico.
7.7 Exercı́cios propostos (7.1–7.19) 277

Observe-se que esta é uma fórmula notável. Os valores sobre tr. / determinam
completamente os valores da função no interior de tr. /. É extremamente útil no
cálculo de integrais.

Exemplos 7.12

(a) Calcule-se: Z

d´ :
j´jD1 ´
Por aplicação directa da Fórmula Integral de Cauchy, vem
Z Z
e´ e´
d´ D d´ D 2 i :
j´jD1 ´ j´jD1 ´ 0

(b) Calcule-se: Z
1
d´ :
j´ 1jD1 ´2 1
Por aplicação directa da Fórmula Integral de Cauchy, vem
Z Z 1
1 ´C1
d´ D d´ D  i :
j´ 1jD1 ´2 1 j´ 1jD1 ´ 1

7.7 Exercı́cios propostos


Exercı́cio 7.1
R
(a) Calcule Œ0;1C2i ´2 d´.
R
(b) Calcule ´ d´, ao longo do caminho W Œ0; 2 ! C definido por

.t / D aeit C be it
; t 2 Œ0; 2 ;

com a > b > 0.

Exercı́cio 7.2 Mostre que, sendo m e n inteiros, se tem


Z 2 
imt i nt 0 ; se m ¤ n
e e dt D :
0 2 ; se m D n
278 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

Exercı́cio 7.3 Calcule o integral


Z
´m ´ n d´ ;
j´jD1

onde m e n são inteiros.

Exercı́cio 7.4

(a) Dê um exemplo de uma função complexa g de uma variável real


definida no intervalo Œa; b, tal que g seja contı́nua nesse intervalo e
não exista qualquer c entre a e b para o qual g.c/.b a/ iguale o
valor do integral definido de g em Œa; b.
(b) Assim, mostre que o Teorema do Valor Médio para integrais do
Cálculo Real não é válido para estas funções.
R
Exercı́cio 7.5 Determine o valor de f .´/d´; após verificar que é um caminho
seccionalmente de classe C 1 e que f é contı́nua sobre tr. /:

(a) f .´/ D f .x C iy/ D 2 cos y x x 2 i e descreve

(a1) o segmento de recta de ´ D 0 a ´ D 1 C i ;


(a2) dois segmentos de recta, um de ´ D 0 a ´ D i e outro
de ´ D i a ´ D 1 C i .
´C2
(b) f .´/ D e descreve
´
(b1) o arco de circunferência ´ D 2e i , 0    ;
(b2) o arco de circunferência ´ D 2e i ,     2;
(b3) a circunferência ´ D 2e i , 0    2.

Exercı́cio 7.6 Sendo o caminho que descreve, no sentido directo, a fronteira do


quadrado de vértices nos pontos ´ D 0, ´ D 1, ´ D 1 C i e ´ D i , mostre que
Z
.3´ C 1/ d´ D 0 :

Exercı́cio 7.7 Sendo o caminho do exercı́cio anterior, calcule


Z
e´ d´ :

7.7 Exercı́cios propostos (7.1–7.19) 279

Exercı́cio 7.8 Sendo o caminho que descreve, no sentido directo, a fronteira do


triângulo 4 com vértices nos pontos ´ D 0; ´ D 3i e ´ D 4, mostre que:
ˇZ ˇ
ˇ ˇ
ˇ .e´ ´/ d´ˇˇ  60 :
ˇ

Exercı́cio 7.9 Para R > 1, mostre que:


ˇZ ˇ
ˇ Log ´ ˇˇ  C log R
ˇ d´ˇ  2 :
ˇ ´ 2 R
j´jDR

Exercı́cio 7.10 Usando o Teorema Fundamental do Cálculo Integral (Teorema 7.3),


calcule:
Z
(a) cos ´ d´;
Œ0;1Ci
Z
(b) e´ sin ´ d´.
Œ2;i

Exercı́cio 7.11 Inspirando-se na demonstração do Teorema 7.8, demonstre o Teo-


rema de Cauchy para rectângulos.

Exercı́cio 7.12 O Teorema de Cauchy para convexos (Teorema 7.9) é válido sepa-
radamente para as partes real e imaginária de uma função complexa f ? Em caso
afirmativo, demonstre; caso contrário, apresente um contra-exemplo.

Exercı́cio 7.13 Considere um caminho de integração em C. Prove que a função

f W Cntr. / ! Z ;

dada por f .´/ D n. ; ´/, é contı́nua no seu domı́nio de definição.

Exercı́cio 7.14 Considere a curva parametrizada pelo caminho

.t / D cos t C 3i sin t ; 0  t  4 :

Mostre que n. ; 0/ D 2.
280 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

Exercı́cio 7.15 Prove que


Z 
ecos  cos.sin  / d D  ;
0
Z

considerando o integral d´.
j´jD1 ´

Exercı́cio 7.16 Seja f uma função inteira. Calcule


Z 2
f .´0 C rei /eki d ;
0

com k 2 N.

Exercı́cio 7.17 Calcule:


Z
1
(a) 3 2 C 32´
d´;
j´jD3 ´ 10´ 32
Z
(b) tg .3 C 1=.´ 3// d´, onde descreve, no sentido directo, a fron-

teira do quadrado Œ0; 1  Œ0; 1.

Exercı́cio 7.18 Seja


1
f .´/ D :
´2
4´ C 3
R
Calcule C f .´/d´; onde C é a circunferência:
(a) j´j D 4;
(b) j´j D 2.

Exercı́cio 7.19 Seja o caminho que descreve, no sentido directo, a fronteira do


quadrado definido pelas rectas x D C2, x D 2, y D C2, y D 2. Determine o
valor de cada um dos integrais:
R cosh ´
(a) d´;
´4
R cos ´
(b) d´;
´.´2 C 8/
R tg.´=2/
(c) d´.
.´ 1/2
7.8 Laboratório 7 281

7.8 Laborat ório 7


Os objectivos deste Laboratório de Mathematica são:

1) visualização do traço de um caminho;

2) cálculo de integrais de caminho;

3) bissecção de triângulos.

Caminhos seccionalmente de classe C1


Na integração de caminho utilizamos caminhos seccionalmente de classe C 1 ,
caso dos caminhos poligonais (caminhos que descrevem linhas poligonais). Repre-
sentemos graficamente linhas poligonais utilizando o Mathematica.

Clear@"Global` *"D;
PolygonalLine @cnlist_ , options___ D :=
In[1]:=

Module @8zpoints = Map@8Re@#D, Im@#D< &, cnlist D<,


graphicsdata = 88Thickness @0.01D, Line@zpoints D<,
8PointSize @0.04D, Map@Point, zpoints D<<;
Show@Graphics @graphicsdata , AspectRatio ® 1,
ImageSize ® 72 3, options DDD;

cnlist1 = 83 I, -4, 0<;


PolygonalLine @cnlist1 D
In[3]:=

Out[4]= … Graphics …
282 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

cnlist2 = 83 I, -4, 0, 3 I<;


PolygonalLine @cnlist2 D
In[5]:=

Out[6]= … Graphics …

A opção Axes->True permite visualizar os eixos coordenados. Por exemplo,

cnlist3 = 81 + I, -1 + I, -1 - I, 1 - I, 1 + I<;
PolygonalLine @cnlist3 , Axes ® TrueD
In[7]:=

0.5

-1 -0.5 0.5 1

-0.5

-1
Out[8]= … Graphics …
7.8 Laboratório 7 283

Integral de caminho
Usemos o programa Mathematica para calcular o integral
Z
.cos2 ´ sin ´/ d´ ; (7.25)

onde é o caminho que descreve, no sentido directo, o quadrado de vértices 1 C i ,


1 C i, 1 i, 1 i.

No plano complexo, as funções Integrate[] e NIntegrate[] requerem


uma lista de pontos sobre a curva descrita pelo caminho de integração. É também
necessário especificar a variável de integração.

ContourIntegral @expr_ , vbl_ , contour_ D :=


Integrate @expr, Prepend @contour , vblDD;
In[9]:=

NContourIntegral @expr_ , vbl_ , contour_ D :=


NIntegrate @expr, Evaluate @ Prepend @contour , vblDDD;

Calculemos o integral em (7.25).

ContourIntegral @HCos@zDL2 Sin@zD,


z, 81 + I, -1 + I, -1 - I, 1 - I, 1 + I<D
In[11]:=

€€€€€ HCos@1 + äD3 - Cosh@1 + äD3 L + €€€€€ H-Cos@1 + äD3 + Cosh@1 + äD3 L
2 2
Out[11]=
3 3

Podemos substituir a lista {1+I,-1+I,-1-I,1-I,1+I} simplesmente por


cnlist3. O resultado que obtivemos deve ser zero. De facto,
In[12]:= Simplify @%D

Out[12]= 0

Calculemos, agora, o integral


Z
´ d´ ; (7.26)

onde descreve, no sentido directo, a linha poligonal que une 3i , 4 e 0.


In[13]:= ContourIntegral @Conjugate @zD, z, cnlist1 D

9
Out[13]= - €€€€€ + 12 ä
2
284 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

In[14]:= NContourIntegral @Conjugate @zD, z, cnlist1 D

Out[14]= -4.5 + 12. ä

Por outro lado, se descrever a correspondente linha poligonal fechada, vem

In[15]:= ContourIntegral @Conjugate @zD, z, cnlist2 D

Out[15]= 12 ä

Bissecção de um triângulo
Utilizemos o Mathematica para ilustrar o método usado na demonstração do
Teorema de Cauchy para triângulos (Teorema 7.8). Consideremos o triângulo de
vértices 1=2i , 2 e 5=4.1 C i /.

Triangle @8z1_, z2_, z3_<D :=


Module @8zpoints = 88Re@z1D, Im@z1D<, 8Re@z2D, Im@z2D<,
In[16]:=

8Re@z3D, Im@z3D<, 8Re@z1D, Im@z1D<<<,


88Hue@Random @DD, Polygon @zpoints D<,
8Thickness @0.008D, Line@zpoints D<<D;

z1 = -1  2 I; z2 = 2; z3 = 5  4 + 5  4 I;
aa = 8z1, z2, z3<;
In[17]:=

Show@Graphics @Triangle @aaDDD

Out[19]= … Graphics …

Definindo as seguintes funções no Mathematica


7.8 Laboratório 7 285

Subdivide @8z1_, z2_, z3_<D :=


88z1, Hz1 + z2L  2, Hz1 + z3L  2<,
In[20]:=

8Hz1 + z2L  2, Hz2 + z3L  2, Hz1 + z3L  2<, 8Hz1 + z2L  2,


z2, Hz2 + z3L  2<, 8Hz2 + z3L  2, z3, Hz1 + z3L  2<<;
Subdivide @M_ ? MatrixQ D := Flatten @Map@Subdivide , MD, 1D;
showDivision @listdata_ D :=
Show@Graphics @Map@Triangle , listdata DDD;

vem
bb = Subdivide @aaD;
showDivision @bbD
In[23]:=

Out[24]= … Graphics …

cc = Subdivide @bbD;
showDivision @ccD
In[25]:=

Out[26]= … Graphics …
286 CAPÍTULO 7: Integração no Campo Complexo

dd = Subdivide @ccD;
showDivision @ddD
In[27]:=

Out[28]= … Graphics …

ee = Subdivide @ddD;
showDivision @eeD
In[29]:=

Out[30]= … Graphics …
Os padrões dos matemáticos, tal como os dos pintores e os dos
poetas, têm de ser belos. As ideias, tal como as cores ou as
palavras, têm de se encaixar de forma harmoniosa. A beleza é o
primeiro teste. Não há um lugar permanente para a matemática
feia.
Godfrey Hardy

Capítulo
Séries de Taylor
8
Provaremos neste capı́tulo que qualquer série de potências é uma função ho-
lomorfa no seu disco de convergência, podendo aı́ ser diferenciada termo a termo.
Mostraremos ainda que uma função holomorfa num disco é aı́ representável por
uma série de Taylor convergente. Esta notável propriedade não é válida na Análise
Real.

8.1 Permutabilidade entre operações


Os dois resultados que se seguem são extremamente úteis em cálculos que
envolvam o integral ao longo de um caminho e a convergência uniforme de uma
sucessão ou série de funções complexas. Serão utilizados na dedução do Teorema
de Taylor (Teorema 8.6).

Teorema 8.1 (Convergência uniforme e integração) Seja um caminho de inte-


gração, .fn /n2N uma sucessão de funções contı́nuas ao longo do caminho , uni-
formemente convergente para f em tr. /. Então,
Z Z
lim fk .´/ d´ D f .´/ d´ :
k!C1

D EMONSTRAÇ ÃO : Nas condições do enunciado e de acordo com o Teorema 4.8,


sabemos que f também é contı́nua ao longo do caminho , pelo que o integral
Z
f .´/ d´

287
288 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

está bem definido. Propriedades elementares do integral permitem escrever


ˇZ Z ˇ ˇZ ˇ
ˇ ˇ ˇ ˇ
ˇ fk .´/ d´ f .´/ d´ˇ D ˇ fk .´/ f .´/ d´ˇˇ
ˇ ˇ
ˇ

 L max jfk .´/ f .´/j ;


´2tr. /

em que L designa o comprimento do caminho . Usando a hipótese de con-


vergência uniforme, vem
 
lim max jfk .´/ f .´/j D 0
k!C1 ´2tr. /

e o Teorema fica assim demonstrado. 

Corolário 8.2 Se a série de funções contı́nuas


C1
X
fn .´/
nD0

é uniformemente convergente ao longo do caminho , então

XZ
C1 Z C1
X
fn .´/ d´ D fn .´/ d´ :
nD0 nD0

D EMONSTRAÇ ÃO : Tem-se


0 1
XZ
C1 k Z
X
fn .´/ d´ D lim @ fn .´/ d´A
k!C1
nD0 nD0
0 1
Z k
X
D lim @ fn .´/A d´
k!C1
nD0
0 1
Z k
X
D @ lim fn .´/A d´
k!C1
nD0
Z C1
X
D fn .´/ d´ ;
nD0

conforme pretendido. 
8.1 Permutabilidade entre operações 289

Um dos factos básicos sobre as séries de potências, introduzidas na secção 4.4,


consiste na caracterização do seu domı́nio de analiticidade, um disco que poderá
ter ”raio” compreendido entre 0 e C1.

Analogamente ao caso real, a soma de uma série de funções complexas


contı́nuas, uniformemente convergente, é contı́nua na região de convergência (veja-
-se o Teorema 4.8). Portanto, a soma de uma série de potências (fn .´/ D an ´n )
representa uma função contı́nua no seu disco de convergência. Mas, vale um re-
sultado ainda mais forte: toda a série de potêncais é holomorfa no seu disco de
convergência.

Provaremos que a diferenciação termo a termo de uma série de potências é


sempre possı́vel dentro do disco de convergência. Para tal, utilizaremos o Lema
seguinte. Por uma questão de simplificação e como já anteriormente se observou,
podemos limitar-nos às séries de potências em torno da origem.

Lema 8.3 Se a série de potências

C1
X
an ´n
nD0

é absolutamente convergente para j´j < R, então

C1
X
nan ´n 1

nD1

também converge absolutamente para j´j < R.

D EMONSTRAÇ ÃO : Como j´j < R, escolhamos r tal que j´j < r < R e suponha-
mos que ´ 6D 0 20 . Então,
C1
X
an r n
nD0

converge absolutamente. Ora, q D j´j=r é sempre inferior a 1, tendo-se


 n
n 1 n j´j
jnan ´ j D jan r n j :
j´j r
20 Note-se que para ´ D 0 o resultado é evidente.
290 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

Para 0  q < 1, a série real


C1
X
nq n
nD1

converge pelo Critério da Razão. Um raciocı́nio análogo ao usado na demonstração


do Lema de Abel (Lema 4.10), garante a existência de K > 0 tal que

nq n  K ;

para todo o n. Desta forma,

nq n K
jnan ´n 1
j D jan r n j  jan r n j :
j´j j´j

Pelo Critério de Comparação, a série


C1
X
jnan ´n 1
j
nD1

converge, ficando, desta forma, provada a convergência absoluta da série


C1
X
nan ´n 1
;
nD1

para j´j < R, conforme pretendido. 

Teorema 8.4 (Diferenciação de uma série de potências) Uma série de potências


C1
X
f .´/ D an ´n
nD0

pode ser diferenciada termo a termo no seu disco de convergência j´j < R, tendo-
-se
C1
X
f 0 .´/ D nan ´n 1 :
nD1

D EMONSTRAÇ ÃO : Pelo Lema anterior, a série


C1
X
g.´/ D nan ´n 1

nD1
8.1 Permutabilidade entre operações 291

é absolutamente convergente para j´j < R. Mostremos que para j´0 j < R se tem
f .´/ f .´0 /
f 0 .´0 / D lim D g.´0 /
´!´0 ´ ´0
ou, equivalentemente, que
 
f .´/ f .´0 /
lim g.´0 / D 0:
´!´0 ´ ´0
Considere-se, em primeiro lugar,

S D ´n 1
C ´ 0 ´n 2
C    C ´0n 2
´ C ´0n 1
:

Mediante alguns cálculos, obtemos

.´ ´0 /S D .´n C ´0 ´n 1
C    C ´n0 2 2
´ C ´n0 1
´/
n 1
.´0 ´ C ´20 ´n 2 C    C ´0n 1
´ C ´n0/
D ´n ´n0 ;

pelo que
´n ´n0
D S D ´n 1
C ´ 0 ´n 2
C    C ´n0 2
´ C ´n0 1
: (8.1)
´ ´0
Tendo em conta as propriedades das séries de potências e (8.1), vem

f .´/ f .´0 / X
C1
´n ´n0

g.´0 / D an nan ´n0 1
´ ´0 ´ ´0
nD1
C1
X
D an .´n 1
C ´ 0 ´n 2
C    C ´n0 1
n´n0 1
/
nD1
N
X
D an .´n 1
C ´ 0 ´n 2
C    C ´n0 1
n´n0 1
/ C
nD1
C1
X
C an .´n 1
C ´ 0 ´n 2
C    C ´0n 1
n´0n 1
/:
nDN C1
P
Escolhamos r tal que j´0 j < r < R: Então, nan r n 1 é convergente. Ora, pelo
Critério de Cauchy para séries convergentes, dado qualquer " > 0; existe N 2 N
tal que
.N C1/Cp
X "
jnan r n 1 j < ;
8
nDN C1
292 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

para cada p 2 N, e assim


C1
X " "
jnan r n 1
j  < :
8 4
nDN C1

Como j´0 j < r; se ´ for suficientemente próximo de ´0 de modo que j´j < r; então
ˇ ˇ
ˇ C1 ˇ C1
ˇ X ˇ X
ˇ a .´ n 1
C ´ ´ n 2
C    C ´ n 1
n´ n 1 ˇ
/  2njan jr n 1
ˇ n 0 0 0 ˇ
ˇnDN C1 ˇ nDN C1

"
< : (8.2)
2
Visto que o polinómio em ´;
N
X
an .´n 1
C ´ 0 ´n 2
C    C ´n0 1
n´n0 1
/;
nD1

tende para 0 quando ´ tende para ´0 ; é possı́vel encontrar ı > 0 tal que j´ ´0 j < ı
implica ˇN ˇ
ˇX ˇ "
ˇ ˇ
ˇ an .´n 1 ´0 ´n 2 C    C ´0n 1 n´0n 1 /ˇ < : (8.3)
ˇ ˇ 2
nD1
Para ´ suficientemente próximo de ´0 de modo que (8.2) e (8.3) ocorram, vem
ˇ ˇ
ˇ f .´/ f .´0 / ˇ " "
ˇ g.´0 /ˇˇ < C D " ;
ˇ ´ ´0 2 2
e assim f 0 .´0 / D g.´0 /: 

Corolário 8.5 Existem as derivadas de todas as ordens, f 0 ; f 00 ; : : : ; f .n/; : : :, de


uma série de potências
C1
X
f .´/ D an ´n ;
nD0
para todo o ´ no disco de convergência, sendo
C1
X C1
X nŠ
f .k/ .´/ D n.n 1/    .n k C 1/an ´n k
D a n ´n k
;
.n k/Š
nDk nDk

com k 2 N.

D EMONSTRAÇ ÃO : A demonstração faz-se por indução sobre k. 


8.2 Teorema de Taylor 293

8.2 Teorema de Taylor


Substituindo ´ por ´ ´0 no Corolário 8.5, concluı́mos que se a série de
potências
C1
X
f .´/ D an .´ ´ 0 /n
nD0

tiver disco de convergência j´ ´0 j < R, então nesse disco todas as derivadas


superiores de f existem e

C1
X nŠ
f .k/ .´/ D an .´ ´ 0 /n k
; k 2 N0 ;
.n k/Š
nDk

mediante a convenção f .0/ D f . Tomando ´ D ´0 , obtemos

f .k/.´0 / D kŠ ak ; k 2 N0 ;

o que equivale a
f .k/.´0 /
ak D ; k 2 N0 : (8.4)

Podemos, assim, expressar f em série de Taylor

C1
X f .n/ .´0 /
f .´/ D .´ ´ 0 /n :

nD0

No Teorema de Taylor, prova-se o recı́proco do Teorema 8.4 - uma função


holomorfa num disco é aı́ representável numa série de potências e, portanto, numa
série de Taylor convergente. Esta propriedade notável não é partilhada pelas fun-
ções de variável real. Uma função real de variável real f , mesmo infinitamente
diferenciável, não tem necessariamente uma representação em série de Taylor con-
vergente. Consideremos, por exemplo,
 1=x 2
e ; se x 6D 0
f .x/ D :
0; se x D 0

Esta função é infinitamente diferenciável. Na origem todas as suas derivadas são


nulas, porém f não é identicamente nula, pelo que não iguala a sua série de Taylor.
294 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

Teorema 8.6 (Teorema de Taylor) Seja f holomorfa num domı́nio D e ´0 2 D.


Seja D.´0 ; / o disco centrado em ´0 de raio máximo contido em D. Então, para
´ 2 D.´0 ; /; tem-se
C1
X
f .´/ D an .´ ´0 /n ;
nD0
convergindo a série absoluta e uniformemente em qualquer sub-disco fechado da-
quele disco.

D EMONSTRAÇ ÃO : Tomemos 1 < 2 <  e ´ 2 D.´0 ; 1 /: Pela Fórmula Integral


de Cauchy (Teorema 7.12),
Z
1 f ./
f .´/ D d :
2 i j ´0 jD2  ´

É simples verificar que


1 1 1
D D :
 ´ . ´0 / .´ ´0 / . ´0 /.1 .´ ´0 /=. ´0 //
Para j´ ´0 j  1 e j ´0 j D 2 ; vem
ˇ ˇ
ˇ ´ ´0 ˇ 1
ˇ ˇ
ˇ ´ ˇ   < 1
0 2

e a série geométrica
C1
X
1 .´ ´0 /n
D
 ´ . ´0 /nC1
nD0

é absoluta e uniformemente convergente no disco fechado D.´0 ; 1 /. Portanto,


como as operações de integração e soma são permutáveis, obtém-se
Z C1
X
1 .´ ´0 /n
f .´/ D f ./ d
2 i j ´0 jD2 . ´0 /nC1
nD0

C1
X Z 
1 f ./
D d  .´ ´ 0 /n ;
2 i j ´0 jD2 . ´0 /nC1
nD0

com Z
1 f ./
an D d :
2 i j ´0 jD2 . ´0 /nC1
O Teorema fica, pois, demonstrado. 
8.2 Teorema de Taylor 295

Nas condições do Teorema anterior, dizemos que f admite um desenvolvi-


mento em série de Taylor em torno de ´0 . Se ´0 D 0, dizemos que f admite um
desenvolvimento em série de Maclaurin. É importante notar que estes desenvolvi-
mentos são únicos nos respectivos discos.

Os exemplos que se seguem decorrem do Teorema de Taylor e de (8.4), e vão


ao encontro das definições de e´ , sin ´ e cos ´ apresentadas na secção 4.5.

Exemplos 8.1

(a) O desenvolvimento em série de Mclaurin de f .´/ D e´ , uma vez que


f .k/.´/ D e´ , f .k/.0/ D 1, é a série
C1
X ´k ´2
e´ D D 1C´C C  ;
kŠ 2
kD0

com raio de convergência R D C1.


(b) O desenvolvimento em série de Mclaurin de f .´/ D sin ´ é
C1
X ´2kC1
sin ´ D . 1/k ;
.2k C 1/Š
kD0

com raio de convergência R D C1.


(c) O desenvolvimento em série de Mclaurin de f .´/ D cos ´ é
C1
X ´2k
cos ´ D . 1/k ;
.2k/Š
kD0

com raio de convergência R D C1.

A partir do desenvolvimento em série de Mclaurin da função exponencial,


deduzimos com facilidade os correspondentes desenvolvimentos de Mclaurin para
o seno e co-seno hiperbólicos.

Exemplos 8.2 Tem-se


C1
X C1
X
´2kC1 ´2k
sinh ´ D e cosh ´ D ;
.2k C 1/Š .2k/Š
kD0 kD0

sendo o raio de convergência R D C1.


296 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

8.3 Fórmula Integral de Cauchy para derivadas


Seja f uma função holomorfa num domı́nio D. Consideremos ´ 2 D e  > 0
tal que D.´; /  D. Do Teorema de Taylor (Teorema 8.6) e de (8.4), vem
Z
.n/ nŠ f ./
f .´/ D d ; (8.5)
2 i j ´jDr . ´/nC1
onde r <  é arbitrário. Como todo o ponto de D é interior a algum de tais discos,
assim se prova a existência das sucessivas derivadas de f em todo o domı́nio. Em
simultâneo, encontrámos uma fórmula de representação para as derivadas, desig-
nada por Fórmula Integral de Cauchy para derivadas.

Em (8.5), podemos substituir a circunferência j ´j D r por qualquer outro


caminho contido em D, simples, fechado, orientado no sentido positivo e com
o ponto ´ no seu interior. Esta conclusão parecerá óbvia quando deduzirmos no
Capı́tulo 9 o Teorema de Cauchy para ciclos (Teorema 9.5). Por ora, impomos a
condição adicional de o caminho estar contido num subconjunto convexo de D
e raciocinamos do seguinte modo. Demonstremos o resultado para n D 1. Seja ´
um ponto no interior de . Existe ı > 0 tal que D.´; ı/ \ tr. / D ;. Tomemos
w 2 D.´; ı=2/. Pela Fórmula Integral de Cauchy (Teorema 7.12), tem-se
Z Z
1 f ./ 1 f ./
f .´/ D d e f .w/ D d :
2 i  ´ 2 i  w
Segue-se
ˇ Z ˇ
ˇ f .w/ f .´/ 1 f ./ ˇ
ˇ d  ˇˇ
ˇ w ´ 2 i . ´/ 2

ˇ Z Z ˇ
ˇ 1 f ./ 1 f ./ ˇ
D ˇˇ d 2
d  ˇˇ
2 i . ´/. w/ 2 i . ´/
ˇZ ˇ
1 ˇˇ f ./.w ´/ ˇ
ˇ
D d 
2 . ´/2 . w/ ˇ
ˇ

4
 max jf ./j L jw ´j ;
ı 3 2tr. /
representando L o comprimento do caminho . Tomando o limite quando w tende
para ´, concluı́mos que o segundo membro da desigualdade tende para 0, pelo que
Z
0 f .w/ f .´/ 1 f ./
f .´/ D lim D d :
w!´ w ´ 2 i . ´/2
8.3 Fórmula Integral de Cauchy para derivadas 297

A demonstração segue por indução sobre n. Deduzimos, assim, o Teorema que se


segue.
Teorema 8.7 (Fórmula Integral de Cauchy para derivadas) Se f é holomorfa
em D, tem aı́ derivadas de todas as ordens, as quais são funções holomorfas em
D, podendo representar-se através da fórmula
Z
nŠ f ./
f .n/.´/ D d ; n 2 N;
2 i . ´/nC1
com qualquer caminho simples, fechado, orientado no sentido positivo, com ´
no seu interior e contido num subconjunto convexo de D.
Deste Teorema, concluı́mos o seguinte: afirmar que f é contı́nua num domı́-
nio D e holomorfa, excepto eventualmente num número finito de pontos de D,
equivale a afirmar que f é holomorfa em todo o domı́nio D.
Corolário 8.8 Seja f contı́nua num domı́nio D e holomorfa em DnM , onde M é
um conjunto finito. Então f é holomorfa em todos os pontos de D.
D EMONSTRAÇ ÃO : Sejam ´0 2 M e
D.´0 ; r/  D
um disco de centro ´0 , não contendo outros pontos de M . O Teorema de Cauchy
para domı́nios convexos (Teorema 7.9) e o Teorema 7.4 permitem concluir que f
possui uma primitiva no disco D.´0 ; r/, isto é, existe F holomorfa em D.´0 ; r/ tal
que F 0 D f . Pelo Teorema anterior, f também é holomorfa nesse disco aberto e,
em particular, no ponto ´0 . 
Entre as consequências do Teorema 8.7, assinalamos o conhecido Teorema
de Morera que funciona como recı́proco do Teorema de Cauchy.
Teorema 8.9 (Teorema de Morera) Se f está definida e é contı́nua numa região
D, e se Z
f .´/ d´ D 0 ;

para todos os caminhos fechados em D, então f é analı́tica em D.
D EMONSTRAÇ ÃO : Definamos
Z ´
F .´/ D f ./ d  ; ´2D;
´0

onde ´0 2 D é fixo e o caminho de integração é qualquer caminho em D unindo


´0 a ´: Atendendo à demonstração do Teorema 7.4, F é analı́tica e F 0 D f . Pelo
Teorema anterior, F 0 D f é analı́tica. 
298 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

Recorrendo ao Teorema de Morera, vejamos que o limite uniforme de funções


analı́ticas num domı́nio convexo é ainda uma função analı́tica.
Teorema 8.10 (Convergência uniforme de funções analı́ticas) Seja .fn / uma su-
cessão de funções analı́ticas num domı́nio convexo D. Suponhamos que fn ! f
uniformemente em D. Então, f é analı́tica em D.
D EMONSTRAÇ ÃO : Seja ´0 2 D arbitrário. Escolhamos um disco D.´0 ; r/  D
de centro ´0 e raio r. Seja qualquer caminho fechadoR em D.´0 ; r/. Pelo Teorema
de Cauchy para domı́nios convexos (Teorema 7.9), fn .´/ d´ D 0. Usando a
hipótese da convergência de fn para f serRuniforme e recorrendo à permutabilidade
do limite com o sinal de integração, vem f .´/ d´ D 0. Pelo Teorema de Morera
(Teorema 8.9), f é analı́tica em D.´0 ; r/ e, como ´0 é um ponto arbitrário em D,
f é analı́tica em D. 

8.4 Teorema de Liouville


Teorema 8.11 (Estimativas de Cauchy) Seja f analı́tica num domı́nio contendo
o disco D.´0 ; r/. Suponhamos que jf .´/j  M , para todo o ´ 2 D.´0 ; r/. Nestas
condições, se
C1
X
f .´/ D an .´ ´0 /n ;
nD0
então
M
jan j  : (8.6)
rn
D EMONSTRAÇ ÃO : Sendo f analı́tica em ´0 , pelo Teorema de Taylor (Teorema
8.6), f admite o desenvolvimento em série de potências
C1
X
f .´/ D an .´ ´ 0 /n ;
nD0
convergindo a série no interior do maior disco centrado em ´0 contido no domı́nio.
De (8.4) e (8.5), tomando módulos, vem
ˇZ ˇ
1 ˇˇ f ./ ˇ
jan j D ˇ nC1
d  ˇˇ
2 j ´0 jDr. ´ / 0
ˇZ ˇ
1 ˇˇ 2 f .´0 C re i /i re i e i.nC1/ ˇ
ˇ
D ˇ d ˇ
2 ˇ 0 r nC1 ˇ

M
 ;
rn
8.4 Teorema de Liouville 299

conforme pretendido. 

As desigualdades que obtivemos provam fundamentalmente que as sucessi-


vas derivadas de uma função analı́tica não podem ser arbitrárias. Para cada ´0
nas condições do enunciado do Teorema anterior, atendendo a (8.4) e (8.6), existe
sempre um M > 0 e um r > 0 tais que:

jf .n/.´0 /j  M ; n 2 N0 : (8.7)
rn
Estas desigualdades não são válidas,
 1 em  geral, para funções reais de variável
3
real. Por exemplo, consideremos f W 2 ; 2 ! R definida por
2x 2
f .x/ D e :
2x 2
Tem-se M D e0 D 1, ´0 D 12 e r D 1. No entanto, f 0 .x/ D 4xe e
ˇ  ˇ ˇ ˇ
ˇ 0 1 ˇ ˇ 2 ˇ
ˇf ˇ D ˇ p ˇ D p2 > 1 D M 1Š :
ˇ 2 ˇ ˇ eˇ e r1
Assim, a validade das desigualdades (8.7), bem como a de muitos resultados deste
capı́tulo, requer que consideremos
 funções definidas num domı́nio em C. Ora,
obviamente que 12 ; 32 é um aberto como subconjunto de R, mas não como sub-
conjunto de C, pelo que não é um domı́nio em C.

O Teorema de Liouville afirma que uma função inteira e limitada em todo o


plano complexo se reduz a uma constante. Este Teorema não é válido no caso de
funções reais de variável real. Basta pensar na função g.x/ D sin x, x 2 R. Já em
C, a função seno complexo não é limitada, daı́ que não entre em contradição com
o Teorema de Liouville.

O Teorema de Liouville é um caso particular do Corolário que se segue.


Corolário 8.12 Suponhamos que f é inteira e que existem A  0 e ˛  0 tais que
max jf .´/j  Ar ˛ ;
j´jDr

para todo o r suficientemente grande. Então, f é uma função polinomial de grau


inferior ou igual a Œ˛, representando Œ˛ o maior inteiro m tal que m  ˛.

D EMONSTRAÇ ÃO : Efectuando o desenvolvimento em série de Taylor de f em


torno da origem, tem-se
C1
X
f .´/ D an ´n ;
nD0
300 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

para cada ´ 2 C. Ora, jf .´/j  Ar ˛ , desde que j´j D r. Tendo em conta (8.6)
segue-se que
Ar ˛
jan j  n :
r
Se n  Œ˛ C 1, então o lado direito da desigualdade acima tende para 0 quando
r ! C1, pelo que an D 0. 

Teorema 8.13 (Teorema de Liouville) Toda a função inteira e limitada em C é


constante em C.

D EMONSTRAÇ ÃO : Basta considerar no Corolário anterior ˛ D 0. 

O Teorema de Liouville permite uma demonstração muito simples do Teo-


rema Fundamental da Álgebra, também conhecido por Teorema de D’Alembert ou
Teorema de Gauss. Algebricamente, a demonstração é mais complicada.

Teorema 8.14 (Teorema Fundamental da Álgebra) Seja

p.´/ D a0 C a1 ´ C    C an ´n ; ´ 2 C;

com ai 2 C; n 2 N e an ¤ 0. Então, existe um ponto ´0 2 C tal que p.´0 / D 0,


ou seja, todo o polinómio em C tem pelo menos uma raiz em C.

D EMONSTRAÇ ÃO : Façamos a demonstração por redução ao absurdo. Suponha-


mos que p.´0 / ¤ 0, para todo o ´0 2 C: Então

1
f .´/ D
p.´/

é uma função inteira. Como an ¤ 0; p não se anula. O mesmo acontece com f .


Provemos que a função f é limitada. O Teorema de Liouville (Teorema 8.13) per-
mitir-nos-á concluir que f e, consequentemente, p são constantes, o que é absurdo.
Começaremos por mostrar que p.´/ ! 1 quando ´ ! 1; ou, equivalentemente,
que f .´/ ! 0 quando ´ ! 1: Provaremos, pois, que, dado M > 0; existe um
número K > 0 tal que j´j  K implica jp.´/j  M: Tomando

an ´n D p.´/ a0 a1 ´  an 1´
n 1

e aplicando a desigualdade triangular, vem

jp.´/j  jan jj´jn ja0 j ja1 jj´j  jan 1 jj´j


n 1
:
8.5 Teorema da Identidade 301

Seja a D ja0 j C ja1 j C    C jan 1 j e j´j  1: Tem-se


 
ja0 j ja1 j
jp.´/j  jan jj´j n 1
 jan 1j j´jn 1
j´j j´jn 2
 j´jn 1 .jan jj´j a/ :
n o
Seja K D max 1; MjaCa
nj
: Se j´j  K, então jp.´/j  M: Logo, se j´j  K; vem

1 1
 :
jp.´/j M
Para ´ tal que j´j  K;
1
p.´/
é uma função limitada em valor absoluto por um número positivo L, porque é
contı́nua e f´ 2 C W j´j  Kg é compacto. Então, em C, temos
 
1 1
 max ;L ;
jp.´/j M
pelo que f é limitada em C. Como observámos no começo da demonstração, este
facto conduz a uma contradição. 

8.5 Teorema da Identidade


O Lema que se segue garante que os zeros de uma função complexa, analı́tica
e não identicamente nula num disco, são pontos isolados.
Lema 8.15 Seja f uma função analı́tica num disco aberto da forma D.´0 ; r/, tal
que f .´0 / D 0. Nestas condições, ou f é identicamente nula em todo o disco,
ou ´0 é um zero isolado da função, isto é, existe " > 0 tal que D.´0 ; "/nf´0 g não
contém outros zeros de f .

D EMONSTRAÇ ÃO : Pelo Teorema de Taylor (Teorema 8.6), tem-se


C1
X
f .´/ D an .´ ´ 0 /n ;
nD0

para todo o ´ 2 D.´0 ; r/. Há duas possibilidades. Se an D 0, n 2 N0 , então f é


nula em todo o disco. Caso contrário, existe pelo menos um an 6D 0. Consideremos
o menor m tal que am 6D 0. Tem-se

f .´/ D .´ ´0 /mg.´/ ;
302 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

com
C1
X
g.´/ D akCm .´ ´ 0 /k :
kD0
A série que define g tem raio de convergência superior ou igual a r. Pelos Teore-
mas 8.4 e 3.4, a função g é contı́nua no disco D.´0 ; r/. Como g.´0 / D am 6D 0 e
g é contı́nua em ´0 , existe " > 0 tal que g.´/ 6D 0 em D.´0 ; "/ (vide exercı́cio 2.6).
Consequentemente, f .´/ 6D 0 em D.´0 ; "/nf´0 g. 

Teorema 8.16 (Teorema da Identidade) Seja f analı́tica num domı́nio D e su-


ponhamos que o conjunto dos seus zeros,

Zf D f´ 2 D W f .´/ D 0g ;

tem um ponto de acumulação em D. Então, f é identicamente nula em D.

D EMONSTRAÇ ÃO : Seja A o conjunto dos pontos de acumulação de Zf em D e


B D DnA. A demonstração resume-se a provar que:
(i) A  Zf ;
(ii) A e B são subconjuntos abertos.
Sendo D um domı́nio, D é conexo. Por hipótese, A 6D ;. Então, a condição (ii)
implica que D D A. De (i), conclui-se que f é identicamente nula em D.
Provemos (i). Seja ´0 2 A. Por ser ponto de acumulação, para cada n 2 N,
existe ´n 2 D.´0 ; 1=n/nf´0 g tal que f .´n / D 0. A sucessão .´n /n2N converge
para ´0 , pelo que a continuidade de f garante que f .´0 / D 0 e, assim, ´0 2 Zf .
Para a prova de (ii), consideremos ´0 2 A. Pelo Lema 8.15, f é identi-
camente nula no disco D.´0 ; r/, para algum r > 0. Então, D.´0 ; r/  A e A é
aberto. Por fim, seja ´0 2 B. Como ´0 não é ponto de acumulação de Zf , existe
" > 0 tal que f não se anula em D.´0 ; "/nf´0 g. Assim, nenhum ponto de D.´0 ; "/
pertence a A, pelo que D.´0 ; "/  DnA D B e B é aberto. 

A conexidade do domı́nio D é uma condição fundamental na aplicação do


Teorema da Identidade, como o próximo exemplo mostra.
Exemplo 8.3 Defina-se a função

1 ; se x 2 D. i; 1=2/
f .x/ D :
0 ; se x 2 D.i; 1=2/

A função f não é identicamente nula em D D D. i; 1=2/ [ D.i; 1=2/, embora


todos os pontos do disco D.i; 1=2/ sejam pontos de acumulação do conjunto dos
seus zeros, Zf . Note-se que D não é conexo.
8.6 Os zeros das funções analı́ticas 303

Corolário 8.17 Sejam f e g analı́ticas num domı́nio D e suponhamos que o con-


junto dos pontos em que coincidem,

f´ 2 D W f .´/ D g.´/g ;

tem um ponto de acumulação em D. Então, f e g coincidem em D.

D EMONSTRAÇ ÃO : Basta notar que f´ 2 C W f .´/ D g.´/g é o conjunto dos zeros
de f g. 

Como consequência deste Corolário, podemos afirmar que uma função analı́-
tica fica completamente caracterizada pelos seus valores em qualquer conjunto com
um ponto de acumulação na região de analiticidade.

Exemplo 8.4 Consideremos uma função f , analı́tica no plano complexo, tal que

f .1=n/ D sinh 1=n ; n 2 N:

Mas, 0 é ponto de acumulação do conjunto S D f1=n W n 2 Ng e f .´/ D sinh ´


em S . Pelo Corolário anterior, f .´/ D sinh ´ em C.

8.6 Os zeros das funções analı́ticas


Sistematizaremos, agora, algumas propriedades importantes das funções po-
linomiais, p W C ! C; definidas por

p.´/ D a0 C a1 ´ C    C an ´n ; ´ 2 C;

com ai 2 C e n 2 N. Ao mesmo tempo, estabeleceremos um paralelismo entre


essas propriedades e as das funções analı́ticas.

Diz-se que n é o grau de p e escreve-se n D gr p, se an ¤ 0: Podemos


também considerar o caso em que p é uma função constante,

p.´/ D a0 ; ´ 2 C;

e, nesse caso, dizemos que o seu grau é zero.

A adição e multiplicação de duas funções polinomiais p1 e p2 de grau, res-


pectivamente, n1 e n2 , conduzem a novas funções polinomiais de grau menor
ou igual, respectivamente, a maxfn1 ; n2 g e a n1 C n2 , ocorrendo igualdade neste
último caso sempre que p1 p2 ¤ 0. Por outro lado, a soma e o produto de funções
304 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

inteiras são novas funções inteiras.

As funções polinomiais são inteiras, admitindo derivadas de todas as ordens,


as quais são também funções polinomiais. Os desenvolvimentos das funções poli-
nomiais em série de potências, válidos em C; são finitos. Esta propriedade é óbvia,
uma vez que a partir de certa ordem as derivadas de uma função polinomial são
todas nulas.

As funções inteiras podem desenvolver-se em série de potências em torno de


qualquer ponto, sendo os desenvolvimentos válidos em C: Pode haver nestes de-
senvolvimentos uma infinidade de termos com coeficientes não nulos, tratando-se
de uma função polinomial se apenas houver um número finito. Por outras palavras,
as funções polinomiais caracterizam algumas das funções analı́ticas, através do de-
senvolvimento em série de potências em torno de um ponto.

O Teorema de Gauss (Teorema 8.14) garante a existência de um ponto ´1 2 C


tal que p.´1 / D 0; caso o grau do polinómio p seja maior ou igual a 1. O complexo
´1 diz-se raiz ou zero de p. É fácil mostrar que ´1 é zero de p se e só se p.´/ é
divisı́vel por ´ ´1 . Tem-se

p.´/ D .´ ´1 /n1 q.´/ ;

com q.´1 / ¤ 0; dizendo-se que n1 é a ordem do zero ´1 : É também simples obter


a decomposição de p em factores

p.´/ D an .´ ´1 /n1    .´ ´ r /n r :

Esta decomposição é única, salvo a ordem dos factores. Tem-se

n1 C    C nr D n;

sendo n o grau de p. Desta forma, o conjunto dos zeros de p é finito.

O problema da factorização das funções inteiras é mais complicado do que


o das funções polinomiais. Ao contrário destas, as funções inteiras podem não ter
zeros (caso da exponencial complexa), ou ter uma infinidade de zeros (caso do co-
-seno complexo).

Seja f analı́tica num aberto A e ´0 2 A tal que f .´0 / D 0: Chama-se ordem


do zero ´0 ao número natural n0  1 tal que

f .´0 / D f 0 .´0 / D    D f .n0 1/


.´0 / D 0 ^ f .n0 / .´0 / ¤ 0 :
8.6 Os zeros das funções analı́ticas 305

Se, para todo o n 2 N, f .n/ .´0 / D 0; diz-se que ´0 é um zero de ordem infinita.

O Teorema que se segue mostra que podemos caracterizar a função nula a


partir do conjunto dos seus zeros. Relaciona o resultado obtido no Teorema da
Identidade com a ocorrência de algum zero de ordem infinita. Os pormenores da
demonstração ficam ao cuidado do leitor.

Teorema 8.18 (Os zeros da função nula) Sendo f analı́tica num domı́nio D; são
equivalentes:

(a) f é a função identicamente nulaI

(b) o conjunto dos zeros de f , Zf , tem em D um ponto de acumulaçãoI

(c) f tem em D um zero de ordem infinita.

Se f for uma função não nula e analı́tica num domı́nio D e se ´0 2 D for


um zero de f de ordem n0 , é possı́vel escrever f na forma

f .´/ D .´ ´0 /n0 g.´/ ;

sendo g analı́tica e g.´0 / ¤ 0. Mais: como g é contı́nua, g não se anula numa


vizinhança de ´0 e ´0 é o único zero de f nessa vizinhança (veja-se (8.4) e a
demonstração do Lema 8.15), pelo que ´0 é um ponto isolado de Zf .

Teorema 8.19 (Os zeros de uma função analı́tica não nula) Se f é analı́tica
num domı́nio D e não é identicamente nula, então o conjunto dos seus zeros, Zf ,
é vazio ou finito ou infinito numerável.

D EMONSTRAÇ ÃO : Comecemos por observar que, se K for um compacto contido


em D, Zf \ K é finito (ou vazio). De facto, acaso esta intersecção fosse infinita,
teria um ponto de acumulação em K, pelo que f seria identicamente nula. Pelo
Teorema da exaustão compacta de Rn , existe uma sucessão de compactos contidos
em D, Kn ; cuja reunião é D. Logo,

C1
[
Zf D .Zf \ Kn / ;
nD1

donde resulta a conclusão. 


306 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

8.7 Princı́pio do Módulo Máximo


Teorema 8.20 (Identidade de Parseval) Seja f analı́tica em D.´0 ; r/ e

C1
X
f .´/ D an .´ ´ 0 /n :
nD0

Então,
Z 2 C1
X
jf .´0 C re i /j2 d D 2 jan j2 r 2n :
0 nD0

D EMONSTRAÇ ÃO : Cálculos simples conduzem sucessivamente a

Z 2 Z 2 C1
X C1
X
i 2
jf .´0 C re /j d D an r n e i n an r n e i n d
0 0 nD0 nD0
Z 2 C1
X
D a m an r mCn e i.n m/
d
0 m;nD0
C1
X Z 2
mCn
D a m an r e i.n m/
d
m;nD0 0

C1
X
D 2 jan j2 r 2n ;
nD0

conforme pretendido. 

O Princı́pio do Módulo Máximo é um resultado de grande importância na


teoria das funções analı́ticas. Afirma que toda a função analı́tica e não-constante
num domı́nio D não pode ter máximos locais em D.

Teorema 8.21 (Princı́pio do Módulo Máximo) Seja f uma função analı́tica num
domı́nio D tal que D.´0 ; r/  D: Então, para cada ´ 2 D.´0 ; r/,

jf .´/j  max jf .w/j ;


jw ´0 jDr

com ocorrência de igualdade nalgum ponto ´ 2 D.´0 ; r/ se e só se f é constante


em D.
8.7 Princı́pio do Módulo Máximo 307

D EMONSTRAÇ ÃO : Suponhamos que existe ´1 2 D.´0 ; r/ tal que

jf .´1 /j D max jf .w/j :


w2D.´0 ;r/

Escolhamos s > 0 tal que D.´1 ; s/  D.´0 ; r/. Pela Identidade de Parseval (Teo-
rema 8.20),
Z 2 C1
X
jf .´1 C se i /j2 d D 2 jan j2 s 2n ;
0 nD0
P
onde f .w/ D an .w ´1 /n em D.´1 ; s/. Como

jf .´1 /j  max jf .w/j ;


jw ´1 jDs

vem
Z 2
2 1
jf .´1 /j D jf .´1 /j2 d
2 0
Z 2
1
 jf .´1 C se i /j2 d
2 0
C1
X
D jan j2 s 2n
nD0
D jf .´1 /j2 C ja1 j2 s 2 C ja2 j2 s 4 C   

Desta forma, jan j D 0, para todo o n  1. Daqui resulta que

f .w/ D f .´1 / ; w 2 D.´1 ; s/ :

O Teorema da Identidade (Teorema 8.16) implica que

f .w/ D f .´1 / ; w 2 D;

pelo que f é uma função constante no domı́nio D. 

Corolário 8.22 Suponhamos que f é analı́tica num domı́nio D e contı́nua em D,


com D compacto. Então,

max jf .´/j D max jf .´/j ;


´2D ´2@D

ou seja,
jf .´/j  max jf .´/j ;
´2@D

para todo o ´ 2 D, a menos que f seja constante.


308 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

Exemplo 8.5 Determinemos o máximo de j sin ´j no quadrado Œ0; 2  Œ0; 2.
A função sin ´ é inteira e, pelo Corolário 8.22, o máximo do seu módulo ocorre na
fronteira do quadrado. Cálculos rotineiros mostram que

j sin ´j2 D sin2 x C sinh2 y ;

com ´ D x C iy (cfr. secção 5.2). Sobre a recta y D 0, o máximo de j sin ´j2


é 1. Por outro lado, sobre x D 0, o valor do máximo é sinh2 2, pois a função
seno hiperbólico real é monótona crescente. Para x D 2, o máximo é novamente
sinh2 2 e para y D 2, o máximo é sinh2 2 C 1 D cosh2 2. Assim, o máximo
de j sin ´j2 na fronteira do quadrado ocorre no ponto x D 2, y D 2 e tem o valor
cosh2 2. Portanto, o máximo de j sin ´j no quadrado Œ0; 2  Œ0; 2 é cosh 2.

8.8 Exercı́cios propostos


Exercı́cio 8.1 Estude o desenvolvimento em série de Taylor de f numa vizinhança
de ´0 , quando:
´C1
(a) f .´/ D e ´0 D 0;
´ 1
1
(b) f .´/ D e ´0 D 1;
´2

(c) f .´/ D sin2 ´ e ´0 D ;
4
3´ C 8
(d) f .´/ D e ´0 D 0.
.2´ 3/.´2 C 4/

Exercı́cio 8.2 Verifique que são válidos os seguintes desenvolvimentos em série


de Maclaurin:
C1
!
X ˛
(a) .1 C ´/˛ D e˛Log.1C´/ D ´n ; j´j < 1 , onde
n
nD0
! !
˛ ˛ ˛.˛ 1/ : : : .˛ .n 1//
˛ 2 C; D1 e D ; n 2 NI
0 n nŠ

C1
X
1
(b) D . 1/n ´n ; j´j < 1 ;
1C´
nD0
8.8 Exercı́cios propostos (8.1–8.11) 309

C1
X
1
(c) D ´n ; j´j < 1 ;
1 ´
nD0

C1
X . 1/n´2nC1
(d) arc tg ´ D ; j´j < 1 ;
2n C 1
nD0

C1
X . 1/n 1 ´n
(e) Log.1 C ´/ D ; j´j < 1 ;
n
nD1

C1
X ´n
(f) Log.1 ´/ D ; j´j < 1 .
n
nD1

Exercı́cio 8.3 Desenvolva f e f 0 em série de Taylor em torno do ponto ´0 , indi-


cando a respectiva região de convergência:

´6
(a) f .´/ D e ´0 D 0;
´ 3i
(b) f .´/ D e1=´ e ´0 D 1;

(c) f .´/ D arc tg ´ e ´0 D 0;

(d) f .´/ D Log.4 C 3´ ´2 / e ´0 D 2.

Exercı́cio 8.4 Seja f uma função analı́tica em Cnf0g tal que

f .1=n/ D 0 ; n 2 N:

Perante as condições apresentadas, pode concluir que f é a função identicamente


nula em Cnf0g? Justifique.

Exercı́cio 8.5

(a) Usando o Teorema de Gauss (Teorema 8.14), prove que se p é um


polinómio de grau maior ou igual a 1, então p.C/ D C:

(b) Apresente exemplos de funções inteiras f para as quais f .C/ 6D C 21 .

21 O Pequeno Teorema de Picard estabelece que o contradomı́nio de uma função inteira não-cons-

tante ou é C ou é Cnf´0 g, para algum ´0 2 C.


310 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

Exercı́cio 8.6

(a) Nas condições do exercı́cio anterior, prove que

lim p.´/ D C1 :
´!C1

(b) Mostre que, no caso das funções inteiras, o limite

lim f .´/
´!C1

pode não existir.


Sugestão: Considere a exponencial complexa e observe que se tem
e2ki D 1 ! 1; enquanto que e.2kC1/i D 1 ! 1:

Exercı́cio 8.7 Seja f uma função holomorfa num conjunto compacto D:

(a) Justifique que jf j tem um máximo em D:

(b) Suponha que o máximo é atingido num ponto interior ´0 , ou seja, que
existe um disco D.´0 ; R/  D tal que jf .´/j  jf .´0 /j; para todo o
´ 2 D.´0 ; R/: Tomando uma circunferência de equação
´ D ´0 C re i ; 0    2 (r < R), mostre que
Z 2
1
f .´0 / D f .´0 C re i / d
2 0

e assim Z 2
1
jf .´0 /j  jf .´0 C re i /j d :
2 0

(c) Justifique que, como jf .´/j  jf .´0 /j; para todo o ´ 2 D.´0 ; R/; se
tem Z 2
1
jf .´0 C re i /j d  jf .´0 /j:
2 0

(d) Deduza de (b) e (c) que


Z 2
1
jf .´0 C re i /j jf .´0 /j d D 0 ;
2 0
8.8 Exercı́cios propostos (8.1–8.11) 311

e assim

jf .´0 C re i /j D jf .´0 /j ;  2 Œ0; 2 ;

ou ainda, dado que r é qualquer número real inferior a R;

jf .´/j D jf .´0 /j ; ´ 2 D.´0 ; R/ :

(e) Justifique que a conclusão anterior implica que f .´/ D f .´0 /, não só
em D.´0 ; R/, mas em todo o conjunto D, contrariamente à hipótese.

(f) Acaba de obter uma demonstração alternativa para um Teorema já


provado anteriormente. Enuncie-o.

Exercı́cio 8.8 Seja f uma função contı́nua num compacto R. Suponhamos que
f é holomorfa, não-constante e que nunca se anula no interior de R. Considere
a função 1=f para provar que jf .´/j tem o valor mı́nimo N algures em @R e que
jf .´/j > N , para cada ponto no interior de R:

Exercı́cio 8.9 Consideremos uma função f contı́nua num compacto R e holo-


morfa, mas não-constante, no interior de R. Suponhamos, agora, que f .´0 / D 0
num ponto ´0 no interior de R. Poder-se-á ainda garantir que jf .´/j tenha o valor
mı́nimo na fronteira?
Sugestão: Considere a função identidade.

Exercı́cio 8.10 Seja f .´/ D .´ C 1/2 e 4 o triângulo de vértices em 0, 1, i: Onde


é que jf .´/j atinge o seu valor máximo? Justifique.

Exercı́cio 8.11 Seja f .´/ D u.x; y/ C iv.x; y/ uma função contı́nua num com-
pacto R e holomorfa, mas não-constante, no interior de R.

(a) Mostre que a função u.x; y/ atinge o seu valor máximo na fronteira
de R e nunca no interior, onde é harmónica.
Sugestão: Aplique o Corolário 8.22 à função ef .´/ .

(b) Determine o máximo de u.x; y/ D sin x cosh y no quadrado unitário


Œ0; 1  Œ0; 1.
312 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

8.9 Laborat ório 8


Apresentamos os objectivos deste Laboratório a desenvolver com o software
Mathematica.
1) Visualização das raı́zes de um polinómio complexo.
2) Desenvolvimento de funções em série de Taylor em torno de pontos
arbitrários do plano complexo.
3) Determinação do raio de convergência de uma série de Taylor.

Visualização de raı́zes com o Mathematica


O Teorema Fundamental da Álgebra (Teorema 8.14) garante que uma equa-
ção polinomial geral com coeficientes complexos tem todas as suas soluções no
corpo dos complexos. Existe um modo simples de visualizar estas raı́zes com
o programa Mathematica. A ideia consiste simplesmente em traçar -Log[] do
valor absoluto do polinómio ou ainda o quadrado de Log[] do valor absoluto do
polinómio. Por exemplo, consideremos o polinómio:
In[1]:= Clear@"Global` *"D;
q@z_D := z5 - 1;

Os cinco zeros correspondem aos picos da figura.


Plot3D @HLog@Abs@q@x + I * yDDDL ^ 2,
8x, -1.2, 1.2<, 8y, -1.2, 1.2<, PlotPoints ® 50D
In[3]:=

4
3
2 1
1 0.5
0
-1 0
-0.5
-0.5
0
0.5
-1
1
Out[3]= … SurfaceGraphics …
8.9 Laboratório 8 313

Substituindo a função Plot3D[] por ContourPlot[] podemos facilmente obter


valores aproximados para as raı́zes do mesmo polinómio, identificadas na figura
com os cinco picos.

ContourPlot @HLog@Abs@q@x + I * yDDDL ^ 2,


8x, -1.2, 1.2<, 8y, -1.2, 1.2<, PlotPoints ® 50D
In[4]:=

0.5

-0.5

-1

-1 -0.5 0 0.5 1

Out[4]= … ContourGraphics …

Para se obterem os valores aproximados em termos de coordenadas x e y, basta se-


leccionar o gráfico e, enquanto se pressiona a tecla Control, deslocar o rato ao longo
do gráfico. As correspondentes coordenadas surgem no canto inferior esquerdo. É
possı́vel guardar os valores pretendidos das coordenadas. Para isso, enquanto se
pressiona a tecla Control, move-se o rato para as posições desejadas, dando um clic
com o botão esquerdo do rato em cada posição. De seguida, efectua-se a operação
”copy-paste” para uma determinada célula do notebook. A informação obtida é,
então, colocada em comentário.

H* 88-0.808137 ,0.599683 <,


80.307063 ,0.965007 <,80.999256 ,0.0228551 <,
In[5]:=

80.316677 ,-0.92891 <,8-0.808137 ,-0.563586 << *L


314 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

Considerando os valores encontrados como ponto de partida, a função FindRoot[]


permite determinar com rigor as raı́zes do polinómio. Assim, para a primeira raiz
indicada, tem-se

In[6]:= FindRoot @z5 - 1, 8z, -0.808137 + 0.599683 I<D

Out[6]= 8z ® -0.809017 + 0.587785 ä<

Comprovemos com o Mathematica:

In[7]:= z5 - 1 . FindRoot @z5 - 1, 8z, -0.808137 + 0.599683 I<D

Out[7]= 2.22045 ´ 10 -16 + 5.77609 ´ 10 -17 ä

O valor obtido já é muito próximo de zero.

Desenvolvimento de funções complexas em série de Taylor


Determinemos os sete primeiros termos do desenvolvimento em série de
Taylor de
2

f .´/ D 2
´ 6´
em torno de ´0 D 2. A resolução é simples. Basta utilizar a função Series[] do
Mathematica.

In[8]:= ? Series

Series@f, 8x, x0, n<D generates a power series expansion for


f about the point x = x0 to order Hx - x0L^n. Series@
f, 8x, x0, nx<, 8y, y0, ny<D successively finds
series expansions with respect to y, then x. More…

In[9]:= Series @Exp@z2 D  Hz2 - 6 zL, 8z, 2, 6<D

- €€€€€€€ - €€€€€€€ ã4 Hz - 2L - €€€€€€€€€€ ã4 Hz - 2L2 -


ã4 15 131
Out[9]=

2513 ã4 Hz - 2L3 4331 ã4 Hz - 2L4


8 32 128

€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€ - €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€ -

285797 ã4 Hz - 2L5 663011 ã4 Hz - 2L6


1536 2048

€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€ - €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€ + O@z - 2D7
122880 294912
8.9 Laboratório 8 315

Se o leitor pretender valores numéricos para os termos, deve utilizar, como habi-
tualmente, a função N[]. Determinemos, agora, o raio de convergência da série de
Taylor utilizando a função TaylorRatioTest[] que passamos a definir.

TaylorRatioTest @func_ , z0_, lastterm_ D :=


Module @ 8z, i, k, n, g, h, lt<,
In[10]:=

lt = lastterm ;
g@0D = func@zD;
g@n_D := g@nD = D@g@n - 1D, zD;
k = 0;
h@n_D := h@nD = Module @ 8a<,
For@k ++; a = Hg@kD  k !L . z ® z0,
a Š 0,
k = k + 1,
a = Hg@kD  k !L . z ® z0D;
Return @aD;
D;
Table@Abs@N@h@iD  h@i + 1DDD, 8i, 1, lt<D
D;

Desta forma, TaylorRatioTest[f,z0,k] permite obter os primeiros k termos da


sucessão un D jan j=janC1 j, construı́da a partir dos coeficientes an do desenvolvi-
mento em série de Taylor da função f em torno do ponto ´0 . Observando a lista
obtida, ficamos com uma ideia sobre o limite dessa sucessão.

In[11]:= TaylorRatioTest @f, 2, 60D

Out[11]= 80.458015 , 0.625547 , 0.773647 , 0.909247 , 1.03454 , 1.1519 ,


1.26248 , 1.36744 , 1.46746 , 1.56321 , 1.65512 , 1.74362 ,
1.82901 , 1.91159 , 1.99156 , 2.06914 , 2.14447 , 2.21773 ,
2.28901 , 2.35846 , 2.42611 , 2.49213 , 2.55649 , 2.61937 ,
2.68069 , 2.74066 , 2.79909 , 2.85635 , 2.91196 , 2.96669 ,
3.01946 , 3.07193 , 3.12154 , 3.17234 , 3.21786 , 3.26858 ,
3.30724 , 3.36258 , 3.38602 , 3.46062 , 3.44271 , 3.58408 ,
3.44031 , 3.81026 , 3.26372 , 4.46772 , 2.62012 , 8.02313 ,

1.85471 , 2.07776 , 1.96088 , 2.0202 , 1.98976 , 2.00522 <


1.18387 , 13.1684 , 0.505689 , 3.29435 , 1.49437 , 2.30274 ,

Os dados obtidos levam-nos a conjecturar que o raio de convergência pretendido é


2.
316 CAPÍTULO 8: Séries de Taylor

Em seguida, propomos ao leitor a determinação dos seis primeiros termos do


desenvolvimento em série de Taylor de

sinh.´/
f .´/ D
´2 4i
em torno da origem, bem como a determinação do respectivo raio de convergência.
De que irei ocupar-me no céu, durante toda a eternidade, se
não me derem uma infinidade de problemas de Matemática para
resolver?
Augustin-Louis Cauchy

Teorema de Cauchy: Versão


Capítulo 9
Homológica

9.1 Prolongamento analı́tico: um preliminar


Sempre que falarmos em vizinhança omissa de um ponto ´0 , estaremos a re-
ferir-nos a uma vizinhança de ´0 , excluindo eventualmente o próprio ponto ´0 .

Dados dois domı́nios D1 e D2 , não disjuntos, e dada uma função f1 analı́tica


em D1 , pode existir uma função f2 analı́tica em D2 tal que f1 e f2 coincidam
na parte comum dos seus domı́nios. Se tal acontecer, f2 diz-se o prolongamento
analı́tico de f1 ao domı́nio D2 . A unicidade de tal prolongamento é garantida pelo
Teorema da Identidade (vide Teorema 8.16 e Corolário 8.17).

O Teorema 9.1 estabelece uma condição necessária e suficiente para a exis-


tência (e unicidade) do prolongamento analı́tico de uma função analı́tica, definida
numa vizinhança omissa, a toda essa vizinhança.

Teorema 9.1 (Prolongamento a partir de uma vizinhança omissa) Suponhamos


que f é analı́tica numa região Dnf´0 g, obtida de D por omissão do ponto ´0 .
Uma condição necessária e suficiente para que exista uma função g, analı́tica em
D, que coincida com f em Dnf´0 g é que

lim .´ ´0 /f .´/ D 0 :
´!´0

A função g é, então, determinada de modo único.

317
318 CAPÍTULO 9: Teorema de Cauchy: Versão Homológica

D EMONSTRAÇ ÃO : A condição necessária é consequência de a função prolongada


ser forçosamente contı́nua em ´0 . Para provarmos a condição suficiente, conside-
remos uma circunferência C centrada em ´0 , tal que C e os seus pontos interiores
estão contidos em D. Para todo o ´ ¤ ´0 interior a C , temos, pela Fórmula Integral
de Cauchy (vide Teorema 7.12 e observação 7.1) e de acordo com (7.24),
Z
1 f ./
f .´/ D d :
2 i C  ´
Mas, o integral no segundo membro representa uma função analı́tica em todo o
interior de C . Portanto, a função que coincide com f , para todo o ´ ¤ ´0 , e que
toma o valor Z
1 f ./
d
2 i C  ´0
para ´ D ´0 é analı́tica em D. 

O leitor interessado na teoria do prolongamento analı́tico pode consultar


[6, Cap.2] ou [20, Cap.6].

9.2 Teorema de Cauchy: demonstração de Dixon


O Teorema de Cauchy e a Fórmula Integral de Cauchy valem em condições
mais gerais que as já estudadas e que importa analisar. A generalização pode pers-
pectivar-se segundo as seguintes vias: por um lado, investigar as regiões onde o
Teorema de Cauchy tem validade universal, por outro lado, dada uma região ar-
bitrária caracterizar as curvas para as quais o Teorema de Cauchy é válido.

Lidaremos com o integral de caminho ao longo de cadeias e ciclos. Lembra-


mos que uma cadeia é uma soma formal

D 1 C    C n ;

onde 1 ; : : : ; n são caminhos em C. Este conceito foi introduzido na secção 2.5.

Do mesmo modo que a subdivisão de um caminho não é única, também


diferentes somas formais podem representar a mesma cadeia. Consideraremos duas
cadeias idênticas se conduzirem aos mesmos integrais curvilı́neos para todas as
funções f . As operações seguintes não alteram a identidade de uma cadeia:
I. permutação de caminhos;
II. subdivisão de um caminho;
9.2 Teorema de Cauchy: demonstração de Dixon 319

III. fusão de caminhos parciais num só caminho;


IV. nova reparametrização de um caminho;
V. cancelamento de caminhos opostos.
Se f for contı́nua em tr. 1 /; : : : ; tr. n /, com 1 ; : : : ; n caminhos em C tais que
D 1 C    C n ;
então, por definição (e de acordo com o Teorema 7.2),
Z Xn Z
f .´/ d´ D f .´/ d´ :
iD1 i
Um ciclo é uma soma formal de caminhos fechados. Provaremos a versão
do Teorema de Cauchy para ciclos. Comecemos pela apresentação de três Lemas
necessários à sua demonstração.
Lema 9.2 Suponhamos que f W D  C ! C é uma função contı́nua ao longo de
um ciclo . Então, Z
f ./
F .´/ D d
 ´
é analı́tica em cada uma das regiões determinadas pelo ciclo .
D EMONSTRAÇ ÃO :
(a) Provemos, em primeiro lugar, que F é contı́nua em Cntr. /. Seja
´0 62 tr. /. Escolhamos ı tal que
D.´0 ; ı/ \ tr. / D ; :
Então, para todo ´ 2 D.´0 ; ı=2/, tem-se
ı
inffj ´j W  2 tr. /g  :
2
Assim,
ˇZ Z ˇ
ˇ f ./ f ./ ˇ
jF .´/ ˇ
F .´0/j D ˇ d d  ˇˇ
 ´  ´0
ˇZ ˇ
ˇ f ./. ´0 / f ./. ´/ ˇ
ˇ
D ˇ d  ˇˇ
. ´/. ´0 /
ˇ Z ˇ
ˇ f ./ ˇ
ˇ
D ˇ.´ ´0 / d  ˇˇ
. ´/. ´0 /
4
 j´ ´0 j max jf ./j L :
ı 2 2tr. /
320 CAPÍTULO 9: Teorema de Cauchy: Versão Homológica

Tomando
4
k D max jf ./j L ;
ı 2 2tr. /
para cada " > 0, vem
"
j´ ´0 j < ) jF .´/ F .´0/j < " ;
k
o que mostra que F é contı́nua em ´0 .
(b) Provemos, agora, que F é derivável em ´0 . Considere-se
F .´/ F .´0 /
g.´/ D :
´ ´0
Tem-se
Z Z f ./
f ./  ´0
g.´/ D d D d :
. ´/. ´0 /  ´
Mas, a função
f ./
 ´0
é contı́nua em tr. /. Logo, de acordo com a alı́nea (a), g é contı́nua.
Sendo assim, existe o limite

lim g.´/ D g.´0 / D F 0 .´0 / ;


´!´0

pelo que F é derivável em ´0 . 

Lema 9.3 Suponhamos que D é uma região, um ciclo em D e f W D  D ! C


uma função contı́nua. Suponhamos ainda que f .w; ´/ é analı́tica como função de
´, para cada w fixo. Nestas condições,
Z
F .´/ D f .w; ´/ d w

é analı́tica em D.

D EMONSTRAÇ ÃO : Seja ´0 2 D. Provemos que F é analı́tica em ´0 . Seja C uma


circunferência tal que ´0 esteja no interior de C e C  D. Então, aplicando a
Fórmula Integral de Cauchy tem-se, para todo o ´ no interior de C ,
Z
1 f .w; /
f .w; ´/ D d :
2 i C  ´
9.2 Teorema de Cauchy: demonstração de Dixon 321

Substituindo na expressão original e aplicando o conhecido Teorema de Fubini,


vem
Z Z  Z 
1 f .w; /
f .w; ´/ d w D d dw
2 i C  ´
Z Z 
1 f .w; /
D dw d
C 2 i  ´
Z R 1=.2 i /f .w; / d w

D d :
C  ´
R
Mas, 1=.2 i /f .w; / d w é uma função de  contı́nua, pois é o integral de uma
função contı́nua. Logo, podemos aplicar o Lema 9.2 a esta nova função e concluir
a analiticidade de F no interior de C e, consequentemente, em ´0 . 

Lema 9.4 Seja f analı́tica num domı́nio D e seja F W D ! C definida por


8
< f .´/ f .´0 / ; se ´ 6D ´
0
F .´/ D ´ ´0 ;
:
f 0 .´0 / ; se ´ D ´0

com ´0 2 D. Então, F é analı́tica em D.

D EMONSTRAÇ ÃO : Este resultado é consequência quase imediata do Teorema 9.1.


De facto, considere-se em Dnf´0 g a função

f .´/ f .´0 /
F  .´/ D :
´ ´0

Claramente F  é analı́tica em Dnf´0 g. Logo, pelo Teorema referido, existe


G W D ! C que é analı́tica em ´0 e coincide com F  em Dnf´0 g. Como G é
forçosamente contı́nua, tem-se

f .´/ f .´0 /
G.´0/ D lim G.´/ D lim D f 0 .´0 / D F .´0/ :
´!´0 ´!´0 ´ ´0

Logo, G D F , pelo que F é analı́tica em D. 


322 CAPÍTULO 9: Teorema de Cauchy: Versão Homológica

Teorema 9.5 (Teorema de Cauchy para ciclos) Seja D um domı́nio em C e seja


um ciclo em D. Suponhamos que, para todo o ´ 62 D, n. ; ´/ D 0. Então, para
toda a função f analı́tica em D verifica-se

R
(a) f .´/ d´ D 0I
Z
1 f ./
(b) n. ; ´/f .´/ D d , para todo o ´ em D tal que
2 i  ´
´ 62 tr. /.

D EMONSTRAÇ ÃO : Seja f uma função analı́tica em D. Consideremos a função


g W D  D ! C definida por

8
< f ./ f .´/ ; se  6D ´
g.; ´/ D  ´ :
:
f 0 .´/ ; se  D ´

A função g é contı́nua, pois para  6D ´ é o quociente de funções contı́nuas e para


 D ´ tem-se

f .´1 / f .´2 /
lim g.´1 ; ´2 / D lim D f 0 .´/ D g.´; ´/ :
.´1 ;´2 /!.´;´/ .´1 ;´2 /!.´;´/ ´1 ´2

Por outro lado, pelo Lema 9.4, tem-se que g .´/ D g.; ´/ é analı́tica em D, para
cada  fixo. Adoptemos, em seguida, a notação

E D f´ 2 C W n. ; ´/ D 0g

e definamos h W C ! C por

8 R
< g.; ´/ d  ; se ´ 2 D
ˆ
h.´/ D Z :
f ./
:̂ d  ; se ´ 2 E
 ´

Note-se que, de acordo com o enunciado, tem-se CnD  E, pelo que D [ E D C.


9.2 Teorema de Cauchy: demonstração de Dixon 323

Note-se ainda que h está bem definida pois para ´ 2 D \ E, tem-se


Z Z
f ./ f .´/
g.; ´/ d  D d
 ´
Z Z
f ./ f .´/
D d d
 ´  ´
Z Z
f ./ 1
D d  f .´/ d
 ´  ´
Z
f ./
D d  2 i f .´/ n. ; ´/
 ´
Z
f ./
D d :
 ´

Mas, então, o Lema 9.2 garante a diferenciabilidade de h em E e o Lema 9.3 em


D, pelo que h é inteira. Sabemos também que E é a região não limitada definida
pelo ciclo . Assim, quando ´ ! 1, tem-se
ˇZ ˇ
ˇ f ./ ˇ jf ./j
jh.´/j D ˇˇ d  ˇˇ  L max ! 0;
 ´ 2tr. / j ´j

uma vez que j ´j ! C1. Desta forma, temos que

lim h.´/ D 0 ;
j´j!C1

donde se conclui que h é limitada. Estamos em condições de aplicar o Teorema de


Liouville (Teorema 8.13), concluindo-se que h é constante. Mais ainda, h é nula.
Temos assim, para cada ´ 2 Dntr. /,
Z
h.´/ D 0 ) g.; ´/ d  D 0

Z
f ./
f .´/
) d D 0
´ 
Z Z
f ./ f .´/
) d D d
 ´  ´
Z
f ./
) d  D 2 i f .´/ n. ; ´/ :
 ´
324 CAPÍTULO 9: Teorema de Cauchy: Versão Homológica

Provámos, desta forma, o segundo ponto do Teorema. Por fim, escolha-se u 2 D e


defina-se
F .´/ D .´ u/f .´/ :
Mas, se f é analı́tica em D, F também o é. Além disso, F .u/ D 0. Aplicando o
raciocı́nio anterior a esta nova função no ponto u, vem
Z Z
F ./
d  D 2 i F .u/ n. ; u/ ) f ./ d  D 0 :
 u

Está assim concluı́da a demonstração do Teorema. 

Corolário 9.6 Seja D um domı́nio em C e seja f uma função analı́tica em D. Se


1 e 2 forem ciclos em D tais que n. 1 ; ´/ D n. 2 ; ´/, para todo o ´ 62 D, então
Z Z
f .´/ d´ D f .´/ d´ :
1 2

D EMONSTRAÇ ÃO : Se n. 1 ; ´/ D n. 2 ; ´/, para todo o ´ 62 D, então


n. 1 2 ; ´/ D 0, para todo o ´ 62 D. Portanto,
Z
f .´/ d´ D 0 :
1 2

Logo, Z Z
f .´/ d´ D f .´/ d´ ;
1 2

conforme pretendido. 

Vejamos, agora, a fórmula de Cauchy para as derivadas de ordem n.

Teorema 9.7 (Fórmula de Cauchy para derivadas) Sejam D um domı́nio em C,


um ciclo em D e f uma função analı́tica em D. Suponhamos que n. ; ´/ D 0,
para todo o ´ 62 D. Tem-se
Z
.n/ nŠ f ./
n. ; ´/f .´/ D d ;
2 i . ´/nC1

para n 2 N e todo o ´ 2 D tal que ´ 62 tr. /.

D EMONSTRAÇ ÃO : Usa-se a Fórmula Integral de Cauchy apresentada no Teorema


9.5, procedendo-se à derivação sucessiva de ambos os membros n vezes (cfr. dedu-
ção do Teorema 8.7). 
9.3 Teorema de Cauchy para simplesmente conexos 325

9.3 Teorema de Cauchy para simplesmente conexos


Vejamos uma caracterização útil dos domı́nios simplesmente conexos, carac-
terização essa já mencionada na secção 2.6.

Teorema 9.8 (Caracterização dos domı́nios simplesmente conexos) Uma região


D é simplesmente conexa se e só se n. ; ´/ D 0, para todos os ciclos em D e
todos os pontos ´ que não pertençam a D.

D EMONSTRAÇ ÃO : A necessidade da condição é imediata. Com efeito, seja um


ciclo arbitrário em D. Se o complementar de D em b C é conexo, deve estar contido
numa das regiões determinadas por tr. /. Como 1 pertence ao complementar, este
tem que ser uma região não limitada. Assim, de acordo com o Teorema 7.11,

n. ; ´/ D 0

para todos os pontos finitos do complementar. Para a demonstração da condição


suficiente, remetemos o leitor para [1, pp.139–140]. 

Deste Teorema e da versão do Teorema de Cauchy demonstrada neste capı́-


tulo, resulta imediatamente o seguinte Teorema.

Teorema 9.9 (Teorema de Cauchy para simplesmente conexos) Seja D um do-


mı́nio simplesmente conexo, seja um ciclo em D e seja f analı́tica em D. Tem-se
R
(a) f .´/ d´ D 0I
Z
1 f ./
(b) n. ; ´/f .´/ D d , para todo o ´ em D tal que
2 i  ´
´ 62 tr. /I
Z
.n/ nŠ f ./
(c) n. ; ´/f .´/ D d , para n 2 N e todo o ´ em
2 i . ´/nC1
D tal que ´ 62 tr. /.

Estamos em condições de provar a existência de primitiva ou antiderivada


para qualquer função analı́tica num domı́nio simplesmente conexo.

Teorema 9.10 (Existência de antiderivada) Seja f uma função analı́tica num


domı́nio simplesmente conexo D. Então, existe uma função analı́tica F definida
em D, única a menos da adição de uma constante, tal que F 0 .´/ D f .´/, para
todo o ´ 2 D.
326 CAPÍTULO 9: Teorema de Cauchy: Versão Homológica

D EMONSTRAÇ ÃO : Sabemos que uma antiderivada, caso exista, é única a menos
da adição de uma constante. Para provarmos a existência, basta ter em conta o
Teorema anterior e o Teorema da independência do caminho de integração (Teo-
rema 7.4). 

De seguida, provamos que toda a função harmónica u definida num domı́nio


simplesmente conexo D admite conjugada harmónica em D, isto é, existe uma
função analı́tiva f em D tal que u é a parte real de f .

Teorema 9.11 (Existência de conjugada harmónica) Seja u uma função harmó-


nica definida num simplesmente conexo D. Então, existe uma função harmónica v
em D tal que f D u C iv é analı́tica em D.

D EMONSTRAÇ ÃO : Caso f exista, temos obrigatoriamente

f 0 D ux C ivx D ux i uy :

Consideremos g D ux i uy . Como u satisfaz a Equação de Laplace, podemos


aplicar o Teorema 3.7 e concluir que g é analı́tica em D. O Teorema 9.10 garante
a existência de uma função analı́tica F em D tal que F 0 D g. Logo,

.u Re F /x D .u Re F /y D 0

em D, pelo que u Re F iguala uma constante real k. Por fim, considere-se


f D F C k. Tem-se f analı́tica em D e Re f D u. 

Segue-se um resultado útil em domı́nios simplesmente conexos.

Teorema 9.12 (Ramo analı́tico de log f ) Seja D um domı́nio simplesmente co-


nexo e f analı́tica em D, tal que f .´/ 6D 0, qualquer que seja o ´ 2 D. Então,
log f tem um ramo analı́tico em D.

D EMONSTRAÇ ÃO : Como f .´/ 6D 0, para ´ 2 D, f 0 =f é analı́tica em D. Pelo


Teorema 9.10, f 0 =f tem uma primitiva em D. O Teorema 7.4 fornece-nos um
método para construir uma primitiva de f 0 =f . Fixemos ´0 2 D e definamos
Z ´ 0
f ./
F .´/ D d C A;
´0 f ./

onde o caminho de integração é qualquer caminho em D indo de ´0 a ´ e A qual-


quer valor de log f .´0 /. A função F é analı́tica. Mostremos que é um ramo de
log f , isto é, que se tem
eF .´/ D f .´/ :
9.4 A superfı́cie de Riemann 327

Comecemos por observar que


0
d F .´/ F .´/ f.´/ F .´/
e f .´/ D e f .´/ C e f 0 .´/ D 0 :
d´ f .´/

Assim, e Ff é constante e, como


F .´0 / A
e f .´0 / D e f .´0 / D 1 ;
F
e f é identicamente igual a 1. Logo, o Teorema fica provado. 

Nas condições do Teorema anterior, f ˛ tem um ramo analı́tico para qualquer


˛ 2 C, uma vez que
f ˛ .´/ D e˛ log f .´/ :
p
Em particular, podemos considerar um ramo analı́tico para a função n f .
Para tal, basta ter em conta que
pn
f .´/ D e1=n log f .´/ :

9.4 A superfı́cie de Riemann


Introduzimos neste ponto, de modo intuitivo, o conceito de superfı́cie de
Riemann.

Bernhard Riemann (1826–1866) inventou uma construção (mental e não


passı́vel de modelação fı́sica) muito engenhosa e inspirada para visualização de
funções multı́vocas. Em vez de considerarmos ramos individuais de uma função
multı́voca definidos no plano complexo cortado, passamos a considerar todos os
ramos em simultâneo, cada um definido numa cópia de C. Assim, tratamos o
agregado de ramos como uma função definida num domı́nio consistindo nas cor-
respondentes cópias do plano complexo. Essas cópias são coladas umas às ou-
tras de modo a que nos possamos mover continuamente de uma para a outra. A
estrutura de ”universos paralelos” assim obtida é conhecida como superfı́cie de
Riemann da função multı́voca. Um parque de estacionamento de vários andares
fornece uma boa imagem de comparação.

As superfı́cies de Riemann dependem da função em análise. Apresentamos


uma sua formulação não técnica para a função logaritmo.

Consideremos o plano complexo, com a origem retirada, como uma fina fo-
lha de papel, com um corte ao longo do semi-eixo real negativo. Designemos por
328 CAPÍTULO 9: Teorema de Cauchy: Versão Homológica

R0 esta folha, e nela tomemos  a variar de  a . Consideremos uma nova


folha R1 em tudo análoga à anterior, colocada paralelamente à original e acima.
”Colemos” as duas folhas segundo o corte efectuado na folha inferior R0 e o corte
na folha superior R1 . Em R1 , o ângulo  varia de  a 3. Tomemos uma nova
folha, R2 , construı́da de forma análoga às anteriores, coloquemo-la paralelamente
e acima das outras duas e efectuemos como anteriormente a colagem nos cortes.
Procedamos de modo semelhante para as folhas R3 , R4 , ...

Seja R 1 uma folha em tudo semelhante às precedentes, mas onde  varia de
 a 3. Coloquemo-la paralelamente, mas abaixo de R0 , sendo o corte desta
colado ao corte de R 1 . As folhas R 2 , R 3 , ... são construı́das de igual modo.

As coordenadas polares .r;  / de um ponto em qualquer uma das folhas po-


dem ser consideradas como as coordenadas polares da projecção do ponto sobre
o plano complexo inicial, sendo a coordenada angular restrita a uma faixa de 2
radianos em cada uma das folhas.

Consideremos uma curva arbitrária na superfı́cie conexa de infinitas folhas


deste modo gerada. À medida que o ponto ´ descreve a curva, o log ´ varia con-
tinuamente, pois tanto r como  variam continuamente. Além disso, o logaritmo
de ´ assume um só valor correspondente a cada ponto da curva. Quando o ponto
efectua uma volta completa em torno da origem sobre a folha R0 , o ângulo  varia
de  a , e quando atravessa a recta  D  o ponto passa para a folha R1 da
superfı́cie. Quando o ponto descreve uma volta completa em torno da origem sobre
a folha R1 , o ângulo  varia de  a 3, e quando atravessa a recta  D 3 passa
para a folha R2 . A superfı́cie descrita é uma superfı́cie de Riemann para log ´.
Nela, o logaritmo é uma função unı́voca. Mais: a transformação w D log ´ aplica
toda a superfı́cie de Riemann um-a-um sobre o plano w.

O logaritmo de ´ definido na folha R0 é o prolongamento analı́tico da função


unı́voca logaritmo principal definida no plano complexo sem o semi-eixo real ne-
gativo. O logaritmo definido na superfı́cie de Riemann, mais do que uma função
unı́voca, é uma função analı́tica na superfı́cie. Efectuando os cortes ao longo de
outras semi-rectas emergentes da origem e unindo as folhas convenientemente,
obtêm-se outras superfı́cies de Riemann para log ´.

Deixamos como desafio ao leitor uma descrição da superfı́cie de Riemann


9.5 Laboratório 9 329

para a função raiz quadrada


 
1=2 1=2  
´ D r cos C i sin ;
2 2

efectuando os cortes segundo o semi-eixo real positivo.

9.5 Laborat ório 9


O objectivo deste Laboratório consiste na visualização no Mathematica da
localização dos zeros da função zeta de Riemann.

Um dos mais famosos problemas matemáticos em aberto é a hipótese de


Riemann, uma conjectura sobre a localização dos zeros da função zeta de Riemann.
O Mathematica pode ser utilizado para investigar vários aspectos desta conjectura,
muito importante em virtude das suas conexões com outros problemas, como a
distribuição dos números primos.

A função zeta de Riemann é definida por

X
C1
1

.´/ D ;
n
nD1

para Re ´ > 1. Pode mostrar-se com relativa facilidade que a série é absolutamente
convergente no semi-plano Re ´ > 1 e uniformemente convergente em qualquer
semi-plano da forma Re ´  1 C ı, com ı > 0.

Pelo método do prolongamento analı́tico, a função zeta de Riemann pode


ser definida em todo o plano complexo (excepto em ´ D 1), pelo que a podemos
considerar uma função analı́tica em Cnf1g. Dizemos, então, que a função zeta de
Riemann tem uma singularidade isolada no ponto ´ D 1.

Podemos gerar vários esboços geométricos para ilustrar a função zeta. Para
valores reais de ´, .´/ é real e podemos usar simplesmente o comando Plot[].

As figuras que se seguem mostram que existem zeros da função ao longo do


eixo real negativo. Estes zeros são os chamados zeros triviais de zeta. Existem
outros zeros e a sua localização precisa faz parte da famosa hipótese de Riemann
que afirma que todos os zeros não triviais estão sobre a recta Re ´ D 1=2, a chamada
recta crı́tica.
330 CAPÍTULO 9: Teorema de Cauchy: Versão Homológica

Clear@"Global` *"D;
Show@Block@8$DisplayFunction = Identity <,
In[1]:=

8Plot@Zeta@xD, 8x, -12, 1<D,


Plot@Zeta@xD, 8x, 1, 12<D<D, Frame ® True,
Axes ® None, GridLines ® 8881, 8 GrayLevel @0.5D<<<, None<D

-1

-10 -5 0 5 10
Out[2]= … Graphics …

Show@%, PlotRange ® 88-12, 0<, 8-0.1, 0.05<<,


Axes ® 8Automatic , None<D
In[3]:=

0.04
0.02
0
-0.02
-0.04
-0.06
-0.08

-10 -8 -6 -4 -2 0

Out[3]= … Graphics …

As próximas figuras mostram a singularidade no ponto 1 e o limite da função para


1 quando ´ tende para infinito. Os gráficos oferecem duas visualizações da função
zeta. Numa, está representado o gráfico do valor absoluto da função, sendo a singu-
laridade em 1 proeminente. O outro gráfico representa o inverso do valor absoluto
da função. Os picos correspondem a zeros não triviais que, no domı́nio represen-
tado, estão na recta crı́tica.
9.5 Laboratório 9 331

Plot3D @Abs@Zeta@x + I yDD, 8x, -4, 4<,


8y, -10, 40<, PlotPoints ® 870, 110<,
In[4]:=

ViewPoint ® 88, 1, 3<, Boxed ® False, Shading ® False,


BoxRatios ® 85, 10, 2<, AxesLabel ® 8"x", "y", None<,
AxesEdge ® 881, -1<, Automatic , Automatic <,
Ticks ® 8Automatic , Range@0, 30, 10D, Range@0, 4D<,
PlotRange ® 80, 5<D

4 -4
3 -2
2
1 0 x
0 2
0 10 20 30 4
y
Out[4]= … SurfaceGraphics …

Plot3D A €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€ , 8x, -4, 4<,
1
In[5]:=
Abs@Zeta@x + I yDD
8y, -10, 40<, PlotPoints ® 870, 110<,
ViewPoint ® 87, 2, 3<, Boxed ® False, Shading ® False,
BoxRatios ® 85, 10, 2<, AxesLabel ® 8"x", "y", None<,
AxesEdge ® 881, -1<, Automatic , Automatic <,
Ticks ® 8Automatic , Range@0, 30, 10D, Range@0, 4D<,
PlotRange ® 80, 5<E

4
3
2 -4
1 -2
0 0 x
0 10 2
20 30 4
y
Out[5]= … SurfaceGraphics …
332 CAPÍTULO 9: Teorema de Cauchy: Versão Homológica

G. Hardy (1877–1947) provou que .1=2 C i t / D 0 para um número infinito


de valores de t . Com o aparecimento de computadores cada vez mais sofisticados,
a validade da conjectura de Riemann foi provada para o primeiro bilião e meio de
zeros. Para maior desenvolvimento desta importante questão matemática aconse-
lha-se ao leitor [31] e a bibliografia aı́ mencionada.
Generalizemos para simplificar, ou para compreender melhor!
Jacques Hadamard

Capítulo
Séries de Laurent
10
10.1 Singularidades isoladas: definição e exemplos
Neste capı́tulo, lidamos com funções analı́ticas numa vizinhança omissa de
um ponto ´0 . Em particular, consideraremos discos abertos, privados do seu centro,
da forma

D  .´0 ; r/ D D.´0 ; r/nf´0 g D f´ 2 C W 0 < j´ ´0 j < rg :

Diz-se que uma função f tem uma singularidade num ponto ´0 , quando f
não é analı́tica nesse ponto. Caso f seja analı́tica numa vizinhança omissa de ´0
ou, de forma equivalente, se f for analı́tica numa região D  .´0 ; r/, para algum
r > 0, dizemos que o ponto ´0 é uma singularidade isolada de f . As singulari-
dades isoladas revestem-se de particular interesse, como veremos, por exemplo, no
Teorema dos Resı́duos (Teorema 11.1).
Exemplo 10.1 Uma transformação de Möbius,
a´ C b
´ 7! ;
c´ C d
d
tem uma singularidade isolada no ponto c
. Em particular, a inversão complexa,

1
´ 7! ;
´
tem uma singularidade isolada em ´ D 0.

Diremos que a função f tem uma singularidade removı́vel em ´0 , se ´0 for


uma singularidade isolada e se existir uma função g analı́tica em ´0 tal que f e g

333
334 CAPÍTULO 10: Séries de Laurent

coincidam numa vizinhança omissa de ´0 : De acordo com o Teorema 9.1, f tem


uma singularidade removı́vel em ´0 se e só se

lim .´ ´0 /f .´/ D 0 :
´!´0

Exemplo 10.2 A função


sin.´/
f .´/ D ;
´
tem uma singularidade removı́vel na origem. Com efeito,

´ 2 ´4 ´6
f .´/ D g.´/ D 1 C C  ;
3Š 5Š 7Š
em j´j > 0; sendo g analı́tica na origem.

Teorema 10.1 (Condição suficiente para singularidades removı́veis) Se f tiver


uma singularidade isolada em ´0 e for limitada nalguma vizinhança omissa de ´0 ,
então ´0 é uma singularidade removı́vel.

D EMONSTRAÇ ÃO : Suponhamos que a função f é limitada em D  .´0 ; r/, para


algum r > 0. Definamos

.´ ´0 /2 f .´/ ; se ´ 6D ´0
h.´/ D :
0; se ´ D ´0

A função h é analı́tica na vizinhança D.´0 ; r/. Com efeito,

h.´/ h.´0 / .´ ´0 /2 f .´/


D D .´ ´0 /f .´/
´ ´0 ´ ´0

e, como f é limitada, a razão

h.´/ h.´0 /
´ ´0

tende para 0 quando ´ ! ´0 . Visto que h é analı́tica em D.´0 ; r/, tem-se, nesta
vizinhança,
h.´/ D a0 C a1 .´ ´0 / C a2 .´ ´0 /2 C    :
Claro que a0 D a1 D 0, pelo que

h.´/ D .´ ´0 /2 Œa2 C a3 .´ ´0 / C     :
10.2 Teorema de Laurent 335

Portanto, para ´ 2 D  .´0 ; r/,

f .´/ D a2 C a3 .´ ´0 / C    :

Defina-se, para ´ 2 D.´0 ; r/,

g.´/ D a2 C a3 .´ ´0 / C    :

Ora, g é analı́tica em ´0 . Logo, por definição, f tem uma singularidade removı́vel


em ´0 . 

Verifique que o recı́proco do Teorema anterior nem sempre é válido, apresen-


tando um contra-exemplo.

10.2 Teorema de Laurent


Chama-se série de Laurent a uma série da forma
C1
X C1
X C1
X
an .´ ´ 0 /n D a n .´ ´0 / n
C an .´ ´ 0 /n :
nD 1 nD1 nD0

Diz-se que esta série é convergente se as partes consistindo nas potências negativas
de ´ ´0 e nas potências não-negativas de ´ ´0 convergirem.

Pelo Lema de Abel (Lema 4.10), existem números reais positivos, r1 e r2 ,


tais que a primeira série converge para 1=j´ ´0 j < 1=r1 e a segunda converge
para j´ ´0 j < r2 . Se r1 < r2 , diz-se que a série de Laurent converge no anel

A D f´ 2 C W r1 < j´ ´ 0 j < r2 g :

A série
C1
X
n
a n .´ ´0 /
nD1

chama-se parte principal da série de Laurent e a série


C1
X
an .´ ´ 0 /n ;
nD0

que é uma função analı́tica, chama-se parte regular da série de Laurent.


336 CAPÍTULO 10: Séries de Laurent

Provaremos que uma função analı́tica f , cujo domı́nio de definição contenha


uma coroa circular da forma

A D f´ 2 C W r1 < j´ ´ 0 j < r2 g ;

admite um desenvolvimento em série deste tipo.

Antes disso, suponhamos que f tem uma singularidade isolada em ´0 . Então,


f é analı́tica no domı́nio
0 < j´ ´0 j < r ;
para um certo r > 0. Sejam s1 ; s2 > 0, tais que 0 < s1 < s2 < r. Consideremos os
caminhos si que descrevem as circunferências de centro ´0 e raio si , para i D 1; 2.
Tem-se
n. s1 ; ´0 / D n. s2 ; ´0 / D 1
e, para todo o ´ tal que j´ ´0 j  r, verifica-se

n. s1 ; ´/ D n. s2 ; ´/ D 0 ;

pelo que n. s2 s1 ; ´/ D 0, para todo o ´ que não satisfaça a condição

0 < j´ ´0 j < r :

Seja ´ arbitrário, verificando s1 < j´ ´0 j < s2 . Pela Fórmula Integral de Cauchy,


vem Z
1 f ./
n. s2 s1 ; ´/ f .´/ D d :
2 i s2 s1  ´
Como n. s2 s1 ; ´/ D 1, tem-se
Z Z
1 f ./ 1 f ./
f .´/ D d d : (10.1)
2 i s2  ´ 2 i s1  ´

Teorema 10.2 (Teorema de Laurent) Seja f analı́tica no anel A,

A D f´ 2 C W r1 < j´ ´ 0 j < r2 g ;

sendo r1 e r2 dois números reais positivos. Então,


C1
X
f .´/ D an .´ ´ 0 /n ;
nD 1

para ´ 2 A: A série converge absolutamente em A e uniformemente em

f´ 2 C W s1 < j´ ´ 0 j < s2 g ;
10.2 Teorema de Laurent 337

para s1 , s2 tais que r1 < s1 < s2 < r2 . Finalmente,


Z
1 f ./
an D d ; n D 0; ˙1; ˙2; ˙3; : : : ;
2 i j ´0 jDs . ´0 /nC1

com s qualquer real positivo verificando r1 < s < r2 :

D EMONSTRAÇ ÃO : Sejam r1 < s1 < s2 < r2 e ´ 2 A: De acordo com (10.1), vem
Z Z
1 f ./ 1 f ./
f .´/ D d d :
2 i j ´0 jDs2  ´ 2 i j ´0 jDs1  ´

É simples verificar que

1 1 1
D D :
 ´ . ´0 / .´ ´0 / . ´0 /.1 .´ ´0 /=. ´0 //

Para j´ ´0 j < s2 e j ´0 j D s2 , vem


ˇ ˇ
ˇ ´ ´0 ˇ
ˇ ˇ
ˇ ´ ˇ < 1
0

e a série geométrica
C1
X
1 .´ ´0 /n
D
 ´ . ´0 /nC1
nD0

é absoluta e uniformemente convergente. Por outro lado, tem-se

1 1 1
D D :
 ´ . ´0 / .´ ´0 / .´ ´0 /.1 . ´0 /=.´ ´0 //

Para j ´0 j D s1 e j´ ´0 j > s1 ; vem


ˇ ˇ
ˇ  ´0 ˇ
ˇ ˇ
ˇ´ ´ ˇ < 1
0

e a série geométrica
C1
X
1 . ´0 /n
D
 ´ .´ ´0 /nC1
nD0

é absoluta e uniformemente convergente.


338 CAPÍTULO 10: Séries de Laurent

Portanto, como as operações de integração e soma são permutáveis, obtém-se

Z C1
X
1 .´ ´0 /n
f .´/ D f ./ d
2 i j ´0 jDs2 . ´0 /nC1
nD0
Z C1
!
1 X . ´0 /n
f ./ d
2 i j ´0 jDs1 .´ ´0 /nC1
nD0
C1
X Z 
1 f ./
D nC1
d  .´ ´0 /n C
2 i j ´0 jDs2 . ´ 0 /
nD0
X 1 Z
C1
f ./

.nC1/
C d  .´ ´0 / :
2 i j ´0 jDs1 . ´0 / n
nD0

O Teorema fica, assim, demonstrado. 

Nas condições do Teorema anterior, não podemos assegurar que

f .n/ .´0 /
an D ; n 2 N0 ;

uma vez que f pode não ser diferenciável em ´0 . Por outro lado, calcular os coefi-
cientes an , com n < 0, do desenvolvimento em série de Laurent directamente pela
fórmula apresentada no enunciado do Teorema de Laurent pode revelar-se uma ta-
refa árdua, havendo que ultrapassar estas dificuldades recorrendo a procedimentos
alternativos e tirando partido da unicidade do desenvolvimento em série de Laurent.
Nos exemplos apresentam-se algumas técnicas frequentemente exploradas.

Exemplos 10.3

(a) O desenvolvimento em série de Laurent da função definida por


f .´/ D e´ =´ em torno da origem consiste na série

C1
X ´k 1
e´ 1 ´
D D C 1 C C  ;
´ kŠ ´ 2
kD0

que é válido para j´j > 0. Este desenvolvimento obteve-se a partir do


desenvolvimento da exponencial em série de Mclaurin.
10.2 Teorema de Laurent 339

(b) O desenvolvimento em série de Laurent (em torno da origem) da


1
função f .´/ D no anel 0 < j´j < 1 é
´.´ 1/
  C1
X
1 1 1 1
f .´/ D D .1 C ´ C ´2 C    / D ´k :
´ 1 ´ ´ ´
kD0

Este desenvolvimento obteve-se usando o desenvolvimento em série


geométrica.
(c) O desenvolvimento em série de Laurent (em torno da origem) da
função da alı́nea anterior, considerando agora j´j > 1, é dado por
    C1
X
1 1=´ 1 1 1 .kC2/
f .´/ D D 2 1 C C 2 C  D ´ :
´ 1 1=´ ´ ´ ´
kD0

A mesma função dá, assim, origem a diferentes desenvolvimentos em série


conforme o domı́nio de convergência. Ilustremos esta situação com um novo exem-
plo.

Exemplo 10.4 A função


1
f .´/ D
;
2 ´
definida em Cnf2g, só não é analı́tica em ´ D 2, onde tem uma singularidade iso-
lada. No disco
D1 D f´ 2 C W j´j < 2g ;
a função
1 X  ´ k
C1
g1 .´/ D
2 2
kD0

é analı́tica e coincide com f , como facilmente se constata. Por outro lado, em

D2 D f´ 2 C W j´ 1j < 1g ;

a função
C1
X
g2 .´/ D .´ 1/k
kD0
é analı́tica e ali coincide com as anteriores. Por fim, no disco
p
D3 D f´ 2 C W j´ i j < j2 i j D 5g ;
340 CAPÍTULO 10: Séries de Laurent

x
0 1 2

Figura 55: Representação da intersecção dos discos D1 , D2 e D3 no plano de


Argand.

a função
1 X
C1
´ i
k
g3 .´/ D
2 i 2 i
kD0

é analı́tica e coincide com f . Temos, assim, várias funções que se identificam na


parte comum dos três domı́nios, os quais se encontram representados na figura 55.

10.3 Caracterização das singularidades isoladas


As singularidades isoladas podem ser de três tipos, conforme se prova no
Teorema que se segue.

Teorema 10.3 (Caracterização das singularidades isoladas I) Se f tem uma sin-


gularidade isolada em ´0 ; então existem três possibilidades:

(i) ´0 é uma singularidade removı́velI

(ii) existe um inteiro positivo m tal que .´ ´0 /m f .´/ tem uma singula-
ridade removı́vel em ´0 ; isto é, podemos escrever f na forma

g.´/
f .´/ D ;
.´ ´0 /m
10.3 Caracterização das singularidades isoladas 341

onde g é uma função analı́tica em ´0 e coincide, numa vizinhança


omissa de ´0 , com .´ ´0 /m f .´/I
(iii) para todo o valor de r > 0, o conjunto f .D  .´0 ; r// é denso em C,
ou seja,
f .D  .´0 ; r// D C :

D EMONSTRAÇ ÃO : Suponhamos que não se verifica (iii). Então, existe uma vizi-
nhança D  .´0 ; r/ e um w 2 C tal que w … f .D  .´0 ; r//: Logo, para algum ı
positivo e ´ qualquer em D  .´0 ; r/, tem-se

jf .´/ wj  ı :

Portanto, 1=.f .´/ w/ é analı́tica em D  .´0 ; r/, pelo que tem uma singularidade
isolada em ´0 : Como
1 1
 ;
jf .´/ wj ı
1=.f .´/ w/ tem uma singularidade removı́vel em ´0 : Logo, para ´ 2 D  .´0 ; r/,
podemos considerar
1
g.´/ D ;
f .´/ w
sendo g analı́tica em D.´0 ; r/.
Suponhamos que g.´0 / ¤ 0: Então 1=g.´/ é analı́tica em ´0 e
1
f .´/ w D ;
g.´/
pelo que
1
f .´/ D w C
g.´/
tem uma singularidade removı́vel em ´0 ; ou seja, ocorre (i).
Suponhamos, agora, que g.´0 / D 0: Como g não é identicamente nula, tem-
-se
g.´/ D .´ ´0 /m h.´/ ;
sendo h analı́tica e não nula em ´0 : Portanto,
1
D .´ ´0 /m h.´/ ;
f .´/ w
e ainda
1 1
f .´/ w D m
;
.´ ´0 / h.´/
342 CAPÍTULO 10: Séries de Laurent

sendo 1= h.´/ analı́tica em ´0 (h.´0 / ¤ 0). Então,


1
w.´ ´ 0 /m C h.´/
f .´/ D I
.´ ´ 0 /m

1
g1 .´/ D w.´ ´ 0 /m C :
h.´/
Tem-se que g1 .´0 / D 1= h.´0 / ¤ 0 e g1 é analı́tica em ´0 . Logo, ocorre (ii). O
Teorema fica, assim, demonstrado. 

Nas condições do enunciado do Teorema anterior, se f satisfaz (ii) e m é


o menor inteiro positivo para o qual (ii) ocorre, então diz-se que ´0 é um pólo de
ordem m de f . Se m D 1, o pólo diz-se simples. Caso f satisfaça (iii), então diz-se
que ´0 é uma singularidade essencial de f .

Vejamos outra caracterização para as singularidades isoladas.


Teorema 10.4 (Caracterização das singularidades isoladas II) Suponhamos que
f tem uma singularidade isolada em ´0 . Consideremos o desenvolvimento em
série de Laurent de f ,
C1
X
f .´/ D an .´ ´ 0 /n ; 0 < j´ ´0 j < r :
nD 1

Então, f tem:
(a) uma singularidade removı́vel em ´0 , se an D 0 para todo o n < 0I
(b) um pólo de ordem m em ´0 , se an D 0 para n < m e a m ¤ 0I
(c) uma singularidade essencial em ´0 , se an ¤ 0 para infinitos valores
negativos de n.

D EMONSTRAÇ ÃO :
(a) Imediata.
(b) Mostremos que .´ ´0/mf .´/ tem uma singularidade removı́vel em
´0 . A conclusão é imediata se observarmos o seguinte:
 
a m a mC1
.´ ´0 /mf .´/ D .´ ´0 /m C C   
.´ ´0 /m .´ ´0 / mC1
D a m Ca mC1 .´ ´0 /    :
10.3 Caracterização das singularidades isoladas 343

De acordo com a alı́nea (a), a função

.´ ´0 /m f .´/

tem uma singularidade removı́vel em ´ D ´0 , logo f tem um pólo de


ordem m em ´ D ´0 . O recı́proco obtém-se por reversão dos passos
do argumento precedente.

(c) Se nem (a) nem (b) ocorrem, então f tem uma singularidade essen-
cial. 

Se f tem uma singularidade isolada no ponto ´0 e desenvolvimento em série


de Laurent em torno de ´0 ,
C1
X
f .´/ D an .´ ´ 0 /n ;
nD 1

então a 1 designa-se por resı́duo de f em ´0 e denota-se por Res.f; ´0 /.

Ora, de acordo com o Teorema anterior, se f tem uma singularidade re-


movı́vel em ´0 , então Res.f; ´0 / D 0. Assim, apenas nas singularidades essenciais
e nos pólos, o resı́duo de uma função poderá ser não nulo. Vejamos como determi-
nar o resı́duo de uma função num pólo.

Suponhamos que f tem um pólo em ´0 e desenvolvimento em série de


Laurent,
C1
X
f .´/ D an .´ ´0 /n :
nD 1

O seu resı́duo em ´0 é a 1 : Observemos que, nos dois casos que se seguem, é


muito simples calcular o resı́duo:

(a) Suponhamos que f tem um pólo simples em ´0 :


a 1
f .´/ D C a0 C    :
.´ ´0 /

Então
.´ ´0 /f .´/ D a 1 C .´ ´0 /a0 C   
e
a 1 D lim .´ ´0 /f .´/ :
´!´0
344 CAPÍTULO 10: Séries de Laurent

(b) Suponhamos que f tem um pólo de ordem m > 1 em ´0 W


a m a 1
f .´/ D C  C C  :
.´ ´0 /m ´ ´0
Então

f .´/.´ ´ 0 /m D a m C  C a 1 .´ ´ 0 /m 1
C 

ea 1 é o valor da derivada
1 dm 1
f .´/.´ ´ 0 /m ;
.m 1/Š d´m 1
no ponto ´ D ´0 :

10.4 Exercı́cios propostos


Exercı́cio 10.1 Suponha que f tem uma singularidade isolada em ´0 . Mostre que:
(a) ´0 é uma singularidade removı́vel se e só se

lim f .´/ D A 6D 1 I
´!´0

(b) ´0 é um pólo se e só se

lim f .´/ D 1 I
´!´0

(c) ´0 é um pólo de ordem m se e só

lim .´ ´0 /m f .´/ D A 6D 1 I
´!´0

(d) ´0 é uma singularidade essencial se e só se f não tem limite (finito


ou infinito) quando ´ ! ´0 .

Exercı́cio 10.2 Prove que se ´0 for uma singularidade essencial de f , então a


função toma, em cada vizinhança D.´0 ; r/ de ´0 , valores tão próximos quanto
se queira de qualquer complexo w.
Sugestão: Raciocine por absurdo, ou seja, suponha que a condição
8w2C 8ı>0 9´w 2D  .´0 ;r/ W jf .´w / wj < ı

não é satisfeita no disco D  .´0 ; r/; com r suficientemente pequeno para que f
seja analı́tica em D  .´0 ; r/ (recorde que se trata de uma singularidade isolada).
10.4 Exercı́cios propostos (10.1–10.7) 345

Exercı́cio 10.3 Classifique a singularidade ´0 da função f , quando:



(a) f .´/ D , ´0 D 0;
´ sin ´
sin ´
(b) f .´/ D , ´0 D 0;
e ´C´ 1
1 C cos ´
(c) f .´/ D , ´0 D ;
´ 
´2 1
(d) f .´/ D , ´0 D 0;
´7 C 3´
sinh ´
(e) f .´/ D , ´0 D 0;
´
(f) f .´/ D .´ 1/e1=.´ 1/
, ´0 D 1.

Exercı́cio 10.4 Determine todas as singularidades da função f e classifique-as:


´ sin ´
(a) f .´/ D ;
cos ´ 1
1
(b) f .´/ D cotg ;
´
e1=´
(c) f .´/ D .
´
Exercı́cio 10.5 Determine a parte principal da série de Laurent de f em torno do
ponto ´0 e use-a para obter Res.f; ´0 /, quando:
1
(a) f .´/ D , ´0 D i ;
.´2
C 1/3
´
(b) f .´/ D 3
, ´0 D 0;
Log .1 C ´/
´2 C 1
(c) f .´/ D , ´0 D i .
.e´ C 1/4

Exercı́cio 10.6 Determine os resı́duos da função



f .´/ D
.´ 1/2 .´ C 3/
nos seus pontos singulares.
346 CAPÍTULO 10: Séries de Laurent

Exercı́cio 10.7 Calcule o resı́duo da função


1
f .´/ D cos ´ sin
´
em ´0 D 0.

10.5 Laborat ório 10


Dos objectivos do Laboratório, salientamos a utilização do Mathematica com
vista à:
1) obtenção de desenvolvimentos em série de Laurent;
2) visualização de singularidades isoladas.

Desenvolvimentos em série de Laurent


Consideremos a função
In[1]:= Clear@"Global` *"D;
1
z Hz - 1L
f@z_D := €€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€ ;

Determinemos o seu desenvolvimento em série de Laurent em torno da origem.


Como sabemos, podemos resolver o problema decompondo a fracção em elemen-
tos simples e recorrendo ao desenvolvimento de Taylor da série geométrica. Ou
podemos usar directamente o Mathematica e obter o desenvolvimento em série de
Laurent de f em torno da origem:
In[3]:= Series @f@zD, 8z, 0, 5<D

1
Out[3]= - €€€€€ - 1 - z - z2 - z3 - z4 - z5 + O@zD6
z

O raio de convergência desta série é 1. Determinemos o desenvolvimento da mesma


função, mas agora em torno do ponto ´ D 2 (trata-se, neste caso, de uma série de
Taylor):
In[4]:= Series @f@zD, 8z, 2, 5<D

3 Hz - 2L
€€€€€€€ + €€€€€ Hz - 2L2 - €€€€€€€ Hz - 2L3 +
1 7 15
Out[4]= €€€€€ - €€€€€€€€€€€€€€€€

€€€€€€€ Hz - 2L - €€€€€€€ Hz - 2L + O@z - 2D6


2 4 8 16
31 4 63 5
32 64
10.5 Laboratório 10 347

O raio de convergência é de novo 1. Efectuemos ainda o desenvolvimento em série


em torno do infinito.
In[5]:= Series @f@zD, 8z, ¥, 5<D

J €€€€€ N + J €€€€€ N + J €€€€€ N + J €€€€€ N + OA €€€€€ E


1 2 1 3 1 4 1 5 1 6
Out[5]=
z z z z z

Outra possibilidade de resolução consiste em efectuar a mudança de variável


w D 1=´. Obtemos a função

w2
g.w/ D ;
1 w
relativamente à qual se pode aplicar o desenvolvimento da série geométrica em
torno da origem, válido para jwj < 1.

s1 = Series A €€€€€€€€€€€€€ , 8w, 0, 3<E


1
In[6]:=
1-w
Out[6]= 1 + w + w2 + w3 + O@wD4

In[7]:= s2 = w2 * s1

Out[7]= w2 + w3 + w4 + w5 + O@wD6

s2 . w ® €€€€€
1
In[8]:=
z

J €€€€€ N + J €€€€€ N + J €€€€€ N + J €€€€€ N + OA €€€€€ E


1 2 1 3 1 4 1 5 1 6
Out[8]=
z z z z z

Deixamos como exercı́cio a determinação do desenvolvimento em série de


Laurent em torno da origem da função co-secante hiperbólica.

Singularidades isoladas
O Mathematica permite compreender melhor o comportamento de uma fun-
ção na vizinhança das suas singularidades isoladas, através da visualização do
gráfico do módulo da função. Ilustremos as potencialidades do programa para o
caso de pólos e singularidades essenciais, sendo obviamente desnecessário tratar as
singularidades removı́veis.
348 CAPÍTULO 10: Séries de Laurent

viewAbsSurface @func_ ,
xrange_ , yrange_ , options___ D := Plot3D @
In[9]:=

8Abs@func@x + I yDD, Hue@N@Arg@func@x + I yDD  H2 ΠLDD<,


xrange , yrange , options D;

Existe uma outra forma de definir funções no Mathematica por abstracção funcio-
nal, em que se recorre a uma notação sufixa, em vez da habitual notação prefixa.
Nos próximos exemplos utilizaremos a notação sufixa. A expressão que define a
função é colocada entre parênteses curvos e é seguida pelo sı́mbolo identificador
de função &. O parâmetro da função é referido recorrendo ao sı́mbolo #. No caso
de existir mais de um parâmetro, estes são representados por #1, #2, ...

Voltemos a considerar a função f .´/ D 1=.´.´ 1//, a qual tem um pólo


simples na origem e outro em ´ D 1. Nestes pontos, a função explode e há uma
variação de fase (cor) na função de 2 por cada volta que se dá em torno de cada
singularidade.
viewAbsSurface @H1  H# H# - 1LLL &,
8x, -1, 2<, 8y, -1, 1<, PlotRange -> 80, 35<,
In[10]:=

PlotPoints -> 40, ViewPoint ® 8-1, 1.4, 1<D

30
20
-1
10
0
2 -0.5

1 0

0 0.5

-1 1
Out[10]= … SurfaceGraphics …

Por outro lado, as funções h1 .´/ D f .´/=´ e h2 .´/ D f .´/=´2 têm agora na ori-
gem um pólo, respectivamente, duplo e triplo, explodindo mais acentuadamente
nessa singularidade. Existe uma variação de fase de, respectivamente, 4 e 6 à
medida que a contornamos.
10.5 Laboratório 10 349

viewAbsSurface @H1  H# ^ 2 H# - 1LLL &,


8x, -1, 2<, 8y, -1, 1<, PlotRange -> 80, 35<,
In[11]:=

PlotPoints -> 40, ViewPoint ® 8-1, 1.4, 1<D

30
20
-1
10
0
2 -0.5

1 0

0 0.5

-1 1
Out[11]= … SurfaceGraphics …

viewAbsSurface @H1  H# ^ 3 H# - 1LLL &,


8x, -1, 2<, 8y, -1, 1<, PlotRange -> 80, 35<,
In[12]:=

PlotPoints -> 40, ViewPoint ® 8-1, 1.4, 1<D

30
20
-1
10
0
2 -0.5

1 0

0 0.5

-1 1
Out[12]= … SurfaceGraphics …
350 CAPÍTULO 10: Séries de Laurent

2
A função e 1=´ apresenta variações de fase bruscas em torno da singularidade
essencial ´ D 0.
viewAbsSurface @HExp@-1  # ^ 2DL &, 8x, -1, 1<,
8y, -1, 1<, PlotRange -> 80, 50<, PlotPoints ® 50,
In[13]:=

ViewPoint -> 82, 0, 1.4<D

-1
-0.5

0.5

50
1
40
30
20
10
0
-1 -0.5 0 0.5 1
Out[13]= … SurfaceGraphics …
Não é paradoxo dizer que nos nossos momentos mais teóricos
podemos estar mais próximos das nossas aplicações mais
práticas.
Alfred Whitehead

Capítulo 11
Resı́duos

11.1 Teorema dos Resı́duos


Uma função f diz-se meromorfa num domı́nio D se for analı́tica em D,
exceptuando singularidades isoladas onde tem pólos.

Exemplo 11.1 Qualquer função racional é meromorfa em C.

O Teorema dos Resı́duos desempenha para as funções meromorfas um papel


análogo ao papel exercido pelo Teorema de Cauchy (nas suas diferentes versões)
para as funções holomorfas. Trata-se de um resultado com numerosas aplicações,
algumas das quais serão analisadas já na próxima secção.

Teorema 11.1 (Teorema dos Resı́duos) Seja f meromorfa em D com pólos

´1 ; ´2 ; : : : ;

cada um listado de acordo com a sua multiplicidade. Se é um ciclo em D não


passando por qualquer ´i e n. ; ´0 / D 0, qualquer que seja ´0 62 D, então
Z X
1
f .´/ d´ D Res.f; ´i / n. ; ´i / :
2 i
i

D EMONSTRAÇ ÃO : Observe-se que n. ; ´i / D 0, excepto para um número finito


de pólos ´i . De facto, o conjunto A dos pontos ´ tais que n. ; ´/ D 0 é aberto e
contém todos os pontos do exterior de um disco de raio suficientemente grande,
uma vez que coincide com a componente conexa ilimitada do complementar de .
Assim, o complementar de A em C é fechado e limitado, ou seja, compacto. Como
tal, não pode conter um número infinito de pontos isolados ´i , pelo que n. ; ´i / 6D 0

351
352 CAPÍTULO 11: Resı́duos

apenas para um número finito dessas singularidades.


Denotemos por
´ 1 ; : : : ; ´p
os ´i para os quais n. ; ´i / 6D 0. Seja Qk .´/ a parte principal da série de Laurent
de f em ´k , para 1  k  p. Então,
p
X
f .´/ Qk .´/
kD1

tem uma singularidade removı́vel em cada ´k , 1  k  p. Esta função é, portanto,


analı́tica em [
H D Dn f´i g :
i>p

Mais, n. ; ´i / D 0, para todo o ´i 62 H . Logo, pelo Teorema de Cauchy (Teo-


rema 9.5), !
Z Xp
f .´/ Qk .´/ d´ D 0 :

kD1

Daqui se conclui que


Z p Z
1 1 X
f .´/ d´ D Qk .´/ d´ :
2 i 2 i
kD1

Mas,
b k nk bk 1
Qk .´/ D C  C :
.´ ´ k /n k ´ ´k
Portanto,
p Z p n Z
1 X 1 X Xk k 1
Qk .´/ d´ D b j d´
2 i 2 i .´ ´ k /j
kD1 kD1 j D1
p
X
D b k 1 n. ; ´k /
kD1
Xp
D Res.f; ´k / n. ; ´k / :
kD1

O Teorema fica, assim, demonstrado. 


11.2 Aplicações ao cálculo do integral real 353

11.2 Aplicações ao cálculo do integral real


No cálculo de certos integrais definidos e impróprios de funções reais de
variável real, recorre-se com frequência ao Teorema dos Resı́duos aplicado a uma
função complexa de variável complexa e a um caminho adequado.

Recordemos o conceito de integral impróprio. O integral impróprio de uma


função contı́nua f (real ou complexa) ao longo do intervalo Œ0; C1Œ é definido por
Z C1 Z r
f .x/ dx D lim f .x/ dx : (11.1)
0 r!C1 0

Quando existe o limite no segundo membro da equação, diz-se que o integral


impróprio converge para esse limite. Por outro lado, se f é contı́nua em R, então
o seu integral impróprio ao longo de R é definido por
Z C1 Z 0 Z r2
f .x/ dx D lim f .x/ dx C lim f .x/ dx : (11.2)
1 r1 !C1 r1 r2 !C1 0

Se ambos os limites existirem, o integral impróprio converge para a sua soma.

Definimos o valor principal do integral (11.2) como sendo


Z C1 Z r
V:P: f .x/ dx D lim f .x/ dx ; (11.3)
1 r!C1 r

desde que o limite em causa exista. É óbvio que se existe o integral impróprio da
função f em R, também existe o valor principal do integral dessa função em R e
têm o mesmo valor, uma vez que
Z r Z 0 Z r
f .x/ dx D f .x/ dx C f .x/ dx :
r r 0

Contudo, o recı́proco é, em geral, falso. Por exemplo, não existe o integral impró-
prio da função identidade em R, pois
Z 0 Z r2
.r2 /2 .r1 /2
x dx C x dx D
r1 0 2

não tem limite quando r1 e r2 tendem para C1. Contudo,


Z C1 Z r
V:P: x dx D lim x dx D lim 0 D 0 :
1 r!C1 r r!C1
354 CAPÍTULO 11: Resı́duos

Suponhamos que f é uma função par em R, isto é, que

f . x/ D f .x/ ; x 2 R:

A simetria do gráfico de y D f .x/ com respeito ao eixo dos yy permite escrever


Z r Z
1 r
f .x/ dx D f .x/ dx ;
0 2 r

pelo que o integral (11.1) converge para metade do seu valor principal (11.3),
quando esse valor existe. Além disso, como o integral (11.1) converge, e uma
vez que
Z 0 Z r1
f .x/ dx D f .x/ dx ;
r1 0

o integral (11.2) converge para o dobro do valor do integral (11.1).

Provámos, assim, que se f é uma função par em R e se o seu valor principal


(11.3) existe, então os integrais (11.1) e (11.2) convergem, tendo-se
Z C1 Z C1 Z C1
V:P: f .x/ dx D f .x/ dx D 2 f .x/ dx :
1 1 0

No próximo exemplo, descrevemos um método baseado na teoria dos resı́-


duos que permite calcular o integral impróprio de funções racionais pares.

Exemplo 11.2 Calcule-se, pelo Teorema dos Resı́duos, o integral


Z C1
x2
dx :
1 1 C x4
Ora, a função complexa
´2
f .´/ D
1 C ´4
tem pólos simples nas quatro raı́zes ı́ndice 4 de 1, ou seja, em ´1 D ei=4 ,
´2 D e3i=4 e nos seus conjugados, respectivamente, ´4 D e i=4 e ´3 D e 3i=4 .
Os resı́duos da função nos pontos ´1 e ´2 são, respectivamente,

1 i=4 1 3i=4
e e e :
4 4
Seja r > 1. Consideremos o caminho fechado r que gera a curva ilustrada na
figura 56. Pelo Teorema dos Resı́duos (Teorema 11.1),
11.2 Aplicações ao cálculo do integral real 355

Γr

z2 z1

x
-r -1 0 1 r

Figura 56: Representação geométrica da curva gerada por r .

Z   p
´2 1 i=4 1 3i=4 2
d´ D 2 i e C e D  :
r 1 C ´4 4 4 2

Por outro lado,

Z Z Cr Z
´2 x2 ´2
d´ D dx C d´ ; (11.4)
r 1 C ´4 r 1 C x4 'r 1 C ´4

onde 'r representa o caminho que descreve no sentido positivo a semi-circun-


ferência no semi-plano superior. Não é difı́cil provar que

ˇZ ˇ
ˇ ´2 ˇ 2
ˇ d´ ˇ  r r ; (11.5)
ˇ 1 C ´4 ˇ r4 1
'r

uma vez que sobre a referida semi-circunferência se tem j1 C ´4 j  r 4 1.


Tomando, então, o limite quando r ! C1 na igualdade (11.4), vem

Z C1 Z Cr
p
x2 x2 2
dx D lim dx D  :
1 1 C x4 r!C1 r 1Cx 4 2

O procedimento ilustrado neste exemplo pode ser usado num contexto mais geral,
como o próximo Teorema mostra.
356 CAPÍTULO 11: Resı́duos

Com o objectivo de abreviar a escrita, utilizaremos


X
Resf .´/
´2A

para representar a soma dos resı́duos de f correspondentes a todas as singula-


ridades isoladas que pertençam ao subconjunto A. Assim, se w1 ; : : : ; wp são as
singularidades isoladas de f que estão em A,
X
Resf .´/
´2A

denota a soma
Res.f; w1 / C    C Res.f; wp / :

Teorema 11.2 (Integral impróprio de uma função racional real) Suponhamos


que p e q são polinómios tais que p=q é uma função par e gr q  gr p C 2.
Suponhamos que q não tem zeros no eixo real. Então
Z C1 X
p.x/ p.´/
dx D 2 i Res ;
1 q.x/ q.´/
´2SPS

onde SPS é uma abreviatura de semi-plano superior.

D EMONSTRAÇ ÃO : Escolhamos r > 0 de tal modo que o polinómio q tenha to-
dos os seus zeros do semi-plano superior SPS contidos no semi-disco de equação
j´j < r desse semi-plano. Seja 'r o caminho que gera, no sentido positivo, a fron-
teira desse semi-disco e r o caminho que descreve a curva constituı́da pelo arco
de circunferência mencionado e pelo segmento de recta de r a r. Pelo Teorema
dos Resı́duos (Teorema 11.1), vem
Z X
1 p.´/
d´ D n. r ; ´i / Res.p=q; ´i / ;
2 i r q.´/
i

onde ´i 2 SPS , j´i j < r. Tem-se claramente


Z Cr Z X
1 p.x/ 1 p.´/ p.´/
dx C d´ D Res :
2 i r q.x/ 2 i 'r q.´/ q.´/
´2SPS

Observe-se que Z
p.´/

'r q.´/
11.2 Aplicações ao cálculo do integral real 357

tende para zero, quando r tende para infinito. Com efeito, tendo em conta que
ˇ ˇ
ˇ p.´/ ˇ A
ˇ ˇ
ˇ q.´/ ˇ  r 2 ;

para todos os pontos do arco j´j D r, com A constante e r suficientemente grande,


e usando o Teorema da majoração do módulo do integral (Teorema 7.1), conclui-se
o pretendido. Então,
Z C1 Z Cr
p.x/ p.x/
dx D lim dx
1 q.x/ r!C1 r q.x/
X p.´/
D 2 i Res :
q.´/
´2SPS

Assim, se termina a demonstração. 

Podemos aplicar o método do Teorema anterior a integrais do tipo


Z C1 ix
e p.x/
dx ;
1 q.x/
cujas partes real e imaginária determinam, respectivamente, os integrais
Z C1 Z C1
p.x/ p.x/
cos x dx e sin x dx :
1 q.x/ 1 q.x/
Suponhamos, então, que p e q são polinómios tais que gr q  gr p C 2. Suponha-
mos igualmente que q não tem zeros no eixo real. Provemos que
Z C1 ix X
e p.x/ ei´ p.´/
V:P: dx D 2 i Res : (11.6)
1 q.x/ q.´/
´2SPS

Em primeiro lugar, escolhamos r > 0 de tal modo que q tenha todos os seus
zeros do semi-plano superior no semi-cı́rculo de equação j´j < r em SPS . Pelo
Teorema dos Resı́duos (Teorema 11.1), vem
Z Cr ix Z X
1 e p.x/ 1 ei´ p.´/ ei´ p.´/
dx C d´ D Res ;
2 i r q.x/ 2 i 'r q.´/ q.´/
´2SPS

onde 'r representa o caminho que descreve, no sentido positivo, a semi-circun-


ferência j´j D r no semi-plano superior. Observe-se que
Z
ei´ p.´/

'r q.´/
358 CAPÍTULO 11: Resı́duos

tende para zero, quando r tende para infinito, uma vez que no semi-plano superior
jei´ j D e y é limitada e
ˇ ˇ
ˇ p.´/ ˇ A
ˇ ˇ
ˇ q.´/ ˇ  r 2 ;

quando j´j D r (com r suficientemente grande). Então,


Z C1 Z Cr
eix p.x/ eix p.x/
V:P: dx D lim dx
1 q.x/ r!C1 r q.x/
X ei´ p.´/
D 2 i Res :
q.´/
´2SPS

Exemplo 11.3 Calcule-se, pelo Teorema dos Resı́duos, o integral


Z C1
cos x
dx :
1 1 C x2

Tendo em conta (11.6), vem


Z C1 X
eix ei´
V:P: dx D 2 i Res :
1 1 C x2 1 C ´2
´2SPS

A função
ei´
1 C ´2
tem pólos simples em i e i . Contudo, só o primeiro destes se encontra em SPS .
O resı́duo da função no ponto i é dado por

.´ i / ei´ 1
lim D :
´!i .´ i /.´ C i / 2i e

Como a função
cos x
1 C x2
é par, vem
Z C1 Z C1
cos x cos x 
dx D V:P: dx D :
1 1 C x2 1 1Cx 2 e
11.2 Aplicações ao cálculo do integral real 359

Os integrais da forma
Z 2
R.cos ; sin  / d ; (11.7)
0

em que R.cos ; sin  / representa uma função racional em cos  e sin  , podem ser
facilmente calculados por meio dos resı́duos. Efectuando a substituição ´ D ei ,
vem Z     
1 1 1 1 1
R ´C ; ´ d´ ;
j´jD1 2 ´ 2i ´ i´

cuja determinação apenas requer o cálculo dos resı́duos correspondentes aos pólos
do integrando interiores ao cı́rculo unitário.

Exemplo 11.4 Calcule-se


Z 2
1
d ; 0 < a < 1:
0 1 C a cos 

Consideremos
Z Z
1 1 2´ 1
  d´ D d´
j´jD1 1 C a2 ´ C ´1 i´ j´jD1 a´2 C 2´ C a i´
X 2
D 2 Res :
a´2 C 2´ C a
j´j<1

Ora, a´2 C 2´ C a tem duas raı́zes,


p p
1C 1 a2 1 1 a2
˛ D e ˇ D ;
a a

cujo produto vale 1. Uma das raı́zes, ˛, está no interior do disco unitário e a outra,
ˇ, no exterior. O resı́duo de ˛ é

1
:
a.˛ ˇ/

O valor do integral é, pois,



p :
1 a2
360 CAPÍTULO 11: Resı́duos

11.3 O Princı́pio do Argumento


Teorema 11.3 (Princı́pio do Argumento) Seja f meromorfa em D. Suponhamos
que f tem zeros ak e pólos bj , listados de acordo com as respectivas multiplicida-
des. Se o caminho não passa por nenhum zero ou pólo e se n. ; ´0 / D 0, para
todo o ´0 62 D, então
Z X X
1 f 0 .´/
d´ D n. ; ak / n. ; bj / :
2 i f .´/
k j

D EMONSTRAÇ ÃO : Como já anteriormente provámos, n. ; ak / D n. ; bj / D 0,


excepto para um número finito de k’s e j ’s. Suponhamos que n. ; ak / D 0, para
k > p, e que n. ; bj / D 0, para j > q. Seja

q
, p
Y Y
g.´/ D f .´/ .´ bj / .´ ak / :
j D1 kD1

A função g é analı́tica e é não nula em


0 1
[ [
H D Dn @ fak g [ fbj gA :
k>p j >q

Mais ainda, n. ; ´0 / D 0, para todo o ´0 62 H . A função g 0 =g é analı́tica em H e


pelo Teorema de Cauchy,
Z Z p
X q
X
1 g 0 .´/ 1 f 0 .´/ 1 1
0 D d´ D C d´ :
2 i g.´/ 2 i f .´/ ´ ak ´ bj
kD1 j D1

Daqui vem
Z X X
1 f 0 .´/
d´ D n. ; ak / n. ; bj / ;
2 i f .´/
k j

conforme pretendido. 

Teorema 11.4 (Teorema da função aberta) Se f é analı́tica e não-constante em


D, então f .D/ é aberto, logo um domı́nio em C.
11.3 O Princı́pio do Argumento 361

D EMONSTRAÇ ÃO : Seja ´0 2 D e seja w0 D f .´0 /. A função f w0 tem um


zero de ordem p em ´0 , com p  1. Escolhamos r > 0 tal que

D.´0 ; r/  D

e 8
ˆ
< f .´/ 6D w0 D f .´0 /; se 0 < j´ ´0 j < r

:̂ f 0 .´/ 6D 0; se 0 < j´ ´0 j  r

O Teorema da Identidade (Teorema 8.16) e o Teorema 3.10 validam a escolha efec-


tuada. Seja o caminho que descreve a circunferência j´ ´0 j D r. Seja ainda
' D f ı . Note-se que ' não passa por w0 . Escolhamos ı > 0 tal que

D.w0 ; ı/ \ tr.'/ D ; :

Seja w1 2 D.w0 ; ı/. Então, w1 está na mesma componente do complementar de


tr.'/ que w0 . Portanto,
n.'; w0 / D n.'; w1 / :
Tem-se
Z Z X
1 1 1 f 0.´/
n.'; w0 / D d D d´ D n. ; ak / ;
2 i '  w0 2 i f .´/ w0
k

sendo os ak os pontos de D onde f toma o valor w0 . Mas f toma o valor w0 no


interior de só em ´0 com multiplicidade p. Portanto, p D n.'; w0 / e
Z X
1 f 0 .´/
n.'; w1 / D n.'; w0 / D p D d´ D n. ; bj / ;
2 i f .´/ w1
j

com bj os pontos de D onde f assume o valor w1 . Como descreve uma circun-


ferência, n. ; bj / é igual a 1, se bj está no interior de tr. /, e igual a 0, se bj está
no exterior de tr. /. Logo, há exactamente p pontos circundados por tr. /, onde
f assume o valor w1 . Uma vez que f 0 .´/ 6D 0 no interior de tr. /, f toma o valor
w1 em p pontos distintos dentro de tr. /. Então, w1 2 f .D.´0 ; r//, pelo que

D.w0 ; ı/  f .D.´0 ; r//  f .D/

e f .D/ é aberto. 

O Teorema anterior não afirma apenas que f é uma função aberta. Mostra
que se f assumir em ´0 o valor w0 com multiplicidade p, existe uma vizinhança
de w0 tal que todo o w1 nesta vizinhança é assumido em p pontos distintos numa
vizinhança de ´0 .
362 CAPÍTULO 11: Resı́duos

Teorema 11.5 (Princı́pio do Módulo Máximo) Se f é analı́tica e não-constante


em D, então jf j não tem máximos locais em D.

D EMONSTRAÇ ÃO : Seja ´0 2 D. Como a função cobre por completo uma vizi-
nhança de f .´0 /, uma vez que f .D/ é aberto, existe um ponto nesta vizinhança
com módulo superior a f .´0 /. 

Corolário 11.6 Se f é analı́tica e não-constante em D, então Re f , Im f e arg f


não têm máximos locais em D.

Corolário 11.7 Se f é analı́tica em D e f 0 .´0 / 6D 0, então f é injectiva numa


vizinhança de ´0 .

D EMONSTRAÇ ÃO : Se f toma em ´0 o valor w0 com multiplicidade 1, todo o


valor numa vizinhança de w0 é assumido exactamente uma vez numa vizinhança
de ´0 . 

11.4 Teorema de Rouché


Teorema 11.8 (Teorema de Rouché) Sejam f e g funções analı́ticas num domı́-
nio D e um ciclo com n. ; ´0 / D 0, para todo o ´0 62 D. Suponhamos que, em
tr. /, jf .´/j < jg.´/j e que, em D, g tem zeros em a1 ; a2 ; : : : e f Cg tem zeros em
b1 ; b2 ; : : :. Nestas condições,
X X
n. ; ak / D n. ; bj / :
k j

D EMONSTRAÇ ÃO : Observe-se que, como já anteriormente provámos,

n. ; ak / D n. ; bj / D 0 ;

excepto para um número finito de k’s e j ’s. Observe-se também que g e f Cg não
têm zeros em tr. /, uma vez que

jg.´/j > jf .´/j  0 e jf .´/ C g.´/j  jg.´/j jf .´/j > 0

em tr. /. Por outro lado, em tr. /, os valores da função

f .´/
F .´/ D 1 C
g.´/
11.4 Teorema de Rouché 363

encontram-se no interior da circunferência de centro 1 e raio 1. Logo, 0 está na


componente ilimitada de tr.F ı /, pelo que
Z
1 1
0 D n.F ı ; 0/ D d
2 i F ı  0
Z
1 F 0 .´/
D d´
2 i F .´/
Z
1 f 0 .´/g.´/ f .´/g 0 .´/ g.´/
D d´
2 i g 2 .´/ f .´/ C g.´/
Z
1 f 0 .´/g.´/ f .´/g 0 .´/
D d´
2 i g.´/.f .´/ C g.´//
Z Z 0 
1 .f C g/0 .´/ g .´/
D d´ d´ :
2 i .f C g/.´/ g.´/

Pelo Princı́pio do Argumento (Teorema 11.3) e uma vez que f Cg e g não têm
pólos em D, X X
n. ; ak / D n. ; bj / ;
k j

conforme pretendido. 

Se for um caminho simples e fechado, então o Teorema anterior afirma que


f Cg e g têm o mesmo número de zeros no interior de tr. /.

O Teorema de Rouché revela-se de grande utilidade na localização e conta-


gem dos zeros de determinadas funções. Vejamos o exemplo que se segue.

Exemplo 11.5 Provemos que a função

h.´/ D 2 C ´2 ei´

tem precisamente um zero no semi-plano superior aberto. Consideremos as funções

f .´/ D ei´ e g.´/ D 2 C ´2

p o caminho que descreve uma curva como a ilustrada na figura 56 com


e seja
r > 3. Para ´ 2 Œ r; r,

jg.´/j  2 > 1 D jf .´/j ;


364 CAPÍTULO 11: Resı́duos

e para ´ D rei (0    ),

jg.´/j  r 2 2 > 1  e r sin 


D jf .´/j :

Do Teorema de Rouché deduzimos que h tem o mesmo número de zeros que g no


domı́nio
f´ 2 C W Im ´ > 0 ^ j´j < rg ;
p p
para qualquer r > 3. Ora, nessa região g tem apenas um zero: 2i .

11.5 Exercı́cios propostos


Exercı́cio 11.1 Determine o valor do integral da função g ao longo da circun-
ferência j´ i j D 2, quando:
1
(a) g.´/ D ;
´2 C4
1
(b) g.´/ D .
.´2 C 4/2

Exercı́cio 11.2

(a) Determine o valor do integral de g ao longo da circunferência


j´ 2j D 2, sendo

3´3 C 2
g.´/ D :
´3 ´2 C 9´ 9

(b) Calcule o valor do integral de g agora ao longo da circunferência


j´j D 4.

Exercı́cio 11.3 Seja f uma função analı́tica num ponto ´0 . Mostre que:

(a) se f .´0 / D 0, então ´0 é uma singularidade removı́vel da função

f .´/
g.´/ D I
´ ´0

(b) se f .´0 / 6D 0, o ponto ´0 é um pólo simples da função g e tem


resı́duo f .´0 /.
11.5 Exercı́cios propostos (11.1–11.17) 365

Exercı́cio 11.4 Determine o desenvolvimento em série de Laurent de f e especi-


fique a região onde é válido, quando:

´2
(a) f .´/ D ;
1 ´
1
(b) f .´/ D ; com ´0 2 Cnf0g .
´.´0 ´2 /

Exercı́cio 11.5 Efectue o desenvolvimento em série de Laurent de


1
f .´/ D ; ´ 2 Cnf0; i g ;
´.´ i /2

nas regiões definidas pelas condições:

(a) 0 < j´j < 1;

(b) 0 < j´ i j < 1;

(c) 1 < j´j < 1.

Exercı́cio 11.6 Calcule o coeficiente do termo .´ C 1/ 1 do desenvolvimento em


série de Laurent de f em torno de ´0 D 1; válido em j´ C 1j < 1; quando:

´3
(a) f .´/ D ;
.´ C 1/
1
(b) f .´/ D .
´.´ C 1/3

Exercı́cio 11.7 Calcule os resı́duos das funções nos seus pontos singulares:


(a) f .´/ D ;
´3
1
(b) f .´/ D ;
.´2 C 1/3
 
1
(c) f .´/ D ´ cos ;
´
2
(d) f .´/ D ´5 e1=´ .
366 CAPÍTULO 11: Resı́duos

Exercı́cio 11.8 Calcule os seguintes integrais:


Z
e ´
(a) 2
d´ ;
j´jD1 ´
Z
cosh.´/
(b) 2
d´ ;
j´jD2 ´.´ C 1/
Z 2
e1=´
(c) 2
d´ .
j´ ijD3=2 ´ C 1

Exercı́cio 11.9 Mostre que


Z C1
log x
dx D 0 :
0 1 C x2
Sugestão: Utilize o Teorema dos Resı́duos (Teorema 11.1) e um caminho como
o representado na página 373 do Laboratório 11. Defina log ´ no domı́nio CnN ,
com  D =2.

Exercı́cio 11.10 (Lema de Jordan) Para R > 0, mostre que


Z =2
R sin  
e d < :
0 2R
Sugestão: Recorrendo aos gráficos das funções y D sin  e y D 2=, comece por
notar que é válida a desigualdade sin   2=, quando 0    =2. Seguida-
mente escreva
e R sin   e 2R= :

Exercı́cio 11.11 Os integrais de Fresnel


Z C1 Z C1 p
2 2 
cos x dx D sin x dx D p
0 0 2 2
são importantes na teoria da difracção. Use a conhecida fórmula de integração
Z C1 p
x2 
e dx D
0 2
para determinar o valor desses integrais.
2
Sugestão: Integre a função ei´ ao longo da fronteira do sector 0  r  R,
0    =4 e faça R tender para C1. Use o Lema de Jordan para mostrar que
esse integral tende para zero à medida que R tende para infinito.
11.5 Exercı́cios propostos (11.1–11.17) 367

Exercı́cio 11.12 Calcule os seguintes integrais reais pelo método dos resı́duos:
Z C1
1
(a) dx ;
0 .x C 1/2
2

Z C1
x2
(b) dx ;
0 .x 2 C 1/.x 2 C 4/
Z C1 4
x C1
(c) 6
dx ;
1 x C1
Z C1
x2
(d) 4 2
dx .
1 x C 6x C 25

Exercı́cio 11.13 Calcule o resı́duo de f 0 =f em ´ D ´0 , quando:


(a) ´0 é um zero de ordem m da função f ;
(b) ´0 é um pólo de ordem m da função f .

Exercı́cio 11.14 Determine o número de raı́zes das seguintes equações no disco


unitário D.0; 1/:
(a) e´ ´2 D 0;
(b) ´2 4´ cosh ´ D 0;
(c) ´7 9´ 11 D 0;
3
(d) ´2 C e´ =3 D 0.

Exercı́cio 11.15 Generalize o resultado da alı́nea (a) do exercı́cio anterior. Para


tal, considere n 2 N e c um número complexo satisfazendo jcj > e. Mostre que a
equação e´ c´n D 0 tem precisamente n raı́zes no disco unitário D.0; 1/.

Exercı́cio 11.16 Apresente uma demonstração alternativa do Teorema Fundamen-


tal da Álgebra. Para isso, considere
n 1
f .´/ D a0 C a1 ´ C    C an 1´ e g.´/ D ´n :

Use o Teorema de Rouché para provar que o polinómio


n 1
p.´/ D a0 C a1 ´ C    C an 1´ C a n ´n .an 6D 0/ ;

com n  1, tem precisamente n zeros, de acordo com as correspondentes multipli-


cidades.
368 CAPÍTULO 11: Resı́duos

Sugestão: Note que se pode considerar an D 1. Mostre que jf .´/j < jg.´/j sobre
a circunferência j´j D r, para um valor de r suficientemente grande, em particular,
superior a
1 C ja0 j C ja1 j C    C jan 1 j :

Exercı́cio 11.17 (Teorema do Ponto Fixo de Brouwer) Seja f uma função ana-
lı́tica num domı́nio D que contém o disco unitário fechado D.0; 1/. Suponha que
f transforma o disco em si mesmo. Prove que f tem pelo menos um ponto fixo
naquele disco, ou seja, que existe ´ 2 D.0; 1/ tal que f .´/ D ´.
Sugestão:
(a) Considere as funções
 
1
fn .´/ D 1 f .´/ ; n 2 N: (11.8)
n
Usando o Teorema de Rouché, conclua que existe um e um só
´n 2 D.0; 1/ tal que fn .´n/ D ´n .
(b) Utilize o Teorema de Bolzano-Weierstrass para garantir a existência
de uma subsucessão .´nk / de .´n / que convirja para um ponto
´0 2 D.0; 1/.
(c) Considere em (11.8) esta subsucessão e tome limites.

11.6 Laborat ório 11


Enunciamos os objectivos do Laboratório.
1) Cálculo dos resı́duos de singularidades isoladas.
2) Determinação de integrais reais recorrendo à teoria dos resı́duos.

Cálculo de resı́duos
O cálculo manual de resı́duos pode, por vezes, ser um processo muito labo-
rioso. O Mathematica possui a função Residue[] que simplifica grandemente esta
tarefa. Por exemplo, seja:

In[1]:= Clear@"Global` *"D;


-7 z + 1
Hz - 1L Hz - 7L
f@z_D := €€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€ ;
11.6 Laboratório 11 369

Calculemos o seu resı́duo no ponto ´ D 1 e, de seguida, no ponto ´ D 7.

In[3]:= Residue @f@zD, 8z, 1<D

Out[3]= 1

In[4]:= Residue @f@zD, 8z, 7<D

Out[4]= -8

Consideremos outro exemplo.

2+z
In[5]:= g@z_D := €€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€ ;
1 - Sin@zD
Residue @g@zD, 8z, Π  2<D

Out[6]= 2

Vejamos ainda outro exemplo, cuja resolução manual é complicada.


z
Hz - Sin@zDL HCosh@zD - Cos@zDL
In[7]:= h@zD := €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€ ;

Residue @h@zD, 8z, 0<D

Out[8]= 0

Integração usando o Teorema dos Resı́duos


Pretendemos determinar o valor do integral real impróprio
Z C1
cos.mx/
dx :
1 1 C x2

Podemos começar por usar directamente a função Integrate[].

In[9]:= Integrate @Cos@m * xD  H1 + x2 L, 8x, -¥, ¥<D

Out[9]= IfAm Î Reals, ã-m Sign@mD Π, Integrate A

€€€€€€€€ , 8x, -¥, ¥<, Assumptions ® m Ï RealsEE


Cos@m xD
€€€€€€€€€€€€€€€€
1 + x2
370 CAPÍTULO 11: Resı́duos

Obtemos o resultado correcto no caso de m ser real, caso contrário o Mathematica


devolve o problema. Neste exemplo, a extensão da função integranda ao plano
complexo tem um pólo em ´ D i . Podemos calcular o integral usando o Teorema
dos Resı́duos. De acordo com (11.6), o integral reduz-se a
In[10]:= -2 Π * Im@Residue @Exp@I * m * zD  H1 + z2 L, 8z, I<DD

Out[10]= ã-Re@mD Π Cos@Im@mDD

Consideremos, agora, o integral


Z 2
1
dx :
0 8 cos2 x C1
Este integral está nas condições correspondentes a (11.7). Façamos a extensão da
função integranda ao plano complexo.

cosof@z_D := Hz + 1  zL  2;
integrand = Simplify @-I  Hz * H8 * Hcosof@zDL2 + 1LLD
In[11]:=

äz
Out[12]= - €€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€
2 + 5 z2 + 2 z4

Os zeros do polinómio do denominador dão as singularidades do integrando.


poly = Denominator @integrand D;
z . Solve@poly Š 0, zD
In[13]:=

!!!! !!!!
9- €€€€€€€€€€ !!!! , -ä 2 , ä 2 =
!!!! , €€€€€€€€€€
ä ä
Out[14]=
2 2

In[15]:= res1 =
i
j I y z
Simplify ALimitAj
j €€ z €€ EE
!!!! z
jz + €€€€€€€€ z integrand , z ® - €€€€€€€€
!!!!
I

k 2 { 2
ä
Out[15]= - €€€€€
6

res2 = Simplify @Limit@


Hz - I  Sqrt@2DL integrand , z -> I  Sqrt@2DDD
In[16]:=

ä
Out[16]= - €€€€€
6
11.6 Laboratório 11 371

O valor do integral é igual a 2 i vezes a soma dos resı́duos.

In[17]:= 2 Π I Hres1 + res2L


Out[17]= €€€€€€€€€
3

Confirmemos o resultado através de cálculo directo.

In[18]:= Integrate @1  H8 * HCos@xDL2 + 1L, 8x, 0, 2 Π<D


Out[18]= €€€€€€€€€
3

Contornos de Mousehole
Calculemos o seguinte integral pelo método dos resı́duos:

In[19]:= Integrate @Hx - Sin@xDL  x ^ 3, 8x, 0, ¥<D


Π
Out[19]= €€€€€
4

Como o integrando é uma função par, o valor do integral pretendido é metade do


valor de:

In[20]:= Integrate @Hx - Sin@xDL  x ^ 3, 8x, -¥, ¥<D


Π
Out[20]= €€€€€
2

Antes de efectuarmos a extensão ao plano complexo, tenhamos em conta o seguinte


resultado.

Teorema 11.9 (Teorema de Mousehole) Suponhamos que f é uma função com-


plexa com um pólo simples em ´0 com resı́duo  . Seja

'r .t / D ´0 C reit ; ˛  t ˇ:

Então, Z
lim f .´/ d´ D .ˇ ˛/i  :
r!0 'r
372 CAPÍTULO 11: Resı́duos

D EMONSTRAÇ ÃO : Basta tomar a série de Laurent



f .´/ D C g.´/ ;
´ ´0
onde g é holomorfa, e calcular o integral
Z Z Z

f .´/ d´ D d´ C g.´/ d´
'r 'r ´ ´0 'r
Z ˇ Z
 i reit
D dt C g.´/ d´
˛ reit 'r
Z
D .ˇ ˛/i  C g.´/ d´ :
'r

Tomando limites, o último integral é zero, obtendo-se o resultado pretendido. 

Voltemos ao nosso integral. Se considerarmos a função integranda como a


parte imaginária de
i´ ei´
f .´/ D ;
´3
não podemos usar o Teorema anterior porque, na origem, esta tem um pólo triplo.

Series A €€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€ , 8z, 0, 6<E
I z - ãI z
In[21]:=
z3
1 1 ä z ä z2
Out[21]= - €€€€€€
3
€ + €€€€€€€€€ + €€€€€ - €€€€€€€ - €€€€€€€€€€€ +
z 2z 6 24 120
z3 ä z4 z5 ä z6
€€€€€€€€€€ + €€€€€€€€€€€€€ - €€€€€€€€€€€€€€€€ - €€€€€€€€€€€€€€€€€€€ + O@zD7
720 5040 40320 362880

Porém, um pequeno truque permite-nos aplicar o Teorema. Basta considerar a


função
i´ ei´ C 1
f .´/ D ;
´3
a qual tem um pólo simples na origem como facilmente se comprova considerando
a série de Laurent

Series A €€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€ , 8z, 0, 3<E
I z - ãI z + 1
In[22]:=
z3
1 ä z ä z2 z3
Out[22]= €€€€€€€€€ + €€€€€ - €€€€€€€ - €€€€€€€€€€€ + €€€€€€€€€€ + O@zD4
2z 6 24 120 720
11.6 Laboratório 11 373

A função f tem uma única singularidade, um pólo na origem com o resı́duo 1=2.
Usemos o caminho que descreve, no sentido directo, a curva a seguir representada
para calcular o integral.

graph = 8AbsoluteThickness @3D,


AbsolutePointSize @6D,
In[23]:=

Circle @80, 0<, 1, 80, Π<D,


Circle @80, 0<, 1  10, 80, Π<D,
Line@88-1, 0<, 8-1  10, 0<<D,
Line@881, 0<, 81  10, 0<<D,
Point@80, 0<D, Text@"C1 ", 8-0.5, -0.1<,
TextStyle ® 8FontSize ® 15<D,
Text@"C2 ", 80.15, 0.15<,
TextStyle ® 8FontSize ® 15<D,
Text@"C3 ", 80.5, -0.1<,
TextStyle ® 8FontSize ® 15<D,
Text@"C4 ", 80.5, 0.75<,
TextStyle ® 8FontSize ® 15<D<;

In[24]:= Show@Graphics @graph, AspectRatio ® Automatic ,


Axes ® True, Ticks ® None,
PlotRange ® 88-1.2, 1.2<, 8-0.3, 1.2<<DD

C4

C2
C1 C3

Out[24]= … Graphics …
374 CAPÍTULO 11: Resı́duos

Pelo Teorema de Cauchy vem


Z Z Z Z
f .´/ d´ C f .´/ d´ C f .´/ d´ C f .´/ d´ D 0 :
C1 C2 C3 C4

Ao tomarmos limites podemos ignorar a contribuição de C4 . Como facilmente se


compreende, o integral pretendido é igual a
Z Z Z
f .´/ d´ C f .´/ d´ D f .´/ d´ :
C1 C3 C2

Finalmente, este integral é o integral ao longo do arco de circunferência de raio


pequeno, no sentido directo, e assim
i
i Res.f; 0/ D ;
2
aplicando o Teorema de Mousehole. A parte imaginária é =2, pelo que o valor do
integral proposto é =4.
Felizes aqueles que se divertem com problemas que educam a
alma e elevam o espı́rito.
Pitágoras de Samos

Capítulo 12
Aplicações

12.1 A transformada-´
A transformada-´ é utilizada em áreas da Matemática Aplicada tais como o
processamento de sinal digital, a teoria do controlo, as ciências da população e a
economia. Aqui, os modelos discretos são analisados com equações às diferenças,
enquanto que nos modelos contı́nuos se utilizam equações diferenciais. O papel
desempenhado pela transformada-´ na solução das equações às diferenças é para-
lelo ao desempenhado pelas transformadas de Laplace na resolução de equações
diferenciais ordinárias.

Seja .xn /n2N0 uma sucessão arbitrária de números complexos. Define-se a


transformada-´ da sucessão .xn/ como sendo a função de variável complexa

C1
X
n x1 x 2
X.´/ D ZŒ.xn/ D xn ´ D x0 C C 2 C 
´ ´
nD0

A função X.´/ está definida e é diferenciável para os valores de ´ para os


quais a série de Laurent converge. O conjunto destes valores de ´ é um domı́nio da
forma f´ 2 C W j´j > Rg, onde

R D lim sup jxn j1=n :


n!C1

Exemplo 12.1 Determinemos a transformada-´ da ”sucessão impulso unitário”



1 ; se n D 0
xn D ıŒn D :
0 ; se n ¤ 0

375
376 CAPÍTULO 12: Aplicações

Utilizando a definição, vem imediatamente

C1
X
n
X.´/ D xn ´ D 1:
nD0

Exemplo 12.2 A transformada-´ da ”sucessão passo unitário”



1 ; se n  0
xn D uŒn D
0 ; se n < 0


´
X.´/ D :
´ 1
Com efeito, da definição e recordando a expressão da soma da série geométrica,
vem
C1
X C1
X n 1
X.´/ D ´ n D ´ 1 D :
1 ´ 1
nD0 nD0

Exemplo 12.3 Determinemos a transformada-´ da sucessão exponencial de termo


geral xn D ean . Da definição e mediante cálculos simples, vem

C1
X X  a n
C1
e ´
an n
X.´/ D e ´ D D :
´ ´ ea
nD0 nD0

Num curso introdutório, estudam-se as transformadas-´ de funções elemen-


tares, como as apresentadas nos exemplos anteriores, bem como combinações li-
neares dessas transformadas-´. Nesses casos obtêm-se sempre funções racionais.
Por este motivo, consideraremos doravante apenas as transformadas-´ que sejam
funções racionais. Esta restrição permitirá, por exemplo, enunciar o Corolário 12.3.

As seguintes propriedades da transformada-´ são consequência imediata da


definição e a sua verificação fica a cargo do leitor.

Teorema 12.1 (Propriedades da transformada-´) Consideremos as transforma-


das-´, X.´/ D ZŒ.xn/ e Y .´/ D ZŒ.yn /. Sejam c; c1 ; c2 2 C. Tem-se:
´
(a) ZŒ.c n / D , para j´j > jcjI
´ c
(b) ZŒ.c1 xn C c2 yn / D c1 ZŒ.xn/ C c2 ZŒ.yn /I
12.1 A transformada-´ 377

(c) ZŒ.xnC1 / D ´ZŒ.xn/ ´x0 I


ZŒ.xnC2 / D ´2 ZŒ.xn/ ´ 2 x0 ´x1 I
e assim sucessivamente.

É possı́vel inverter a transformada-´, isto é, obter a sucessão .xn / a partir da


função X.´/ D ZŒ.xn /, como se prova em seguida.
Teorema 12.2 (Inversa da transformada-´) Seja X.´/ a transformada-´ da su-
cessão .xn/n2N0 definida na região j´j > R. Então
Z
1
xn D X.´/´n 1 d´ ; n D 0; 1; 2; : : : ;
2 i
onde tr. / é qualquer curva simples, fechada, orientada positivamente, contida na
região j´j > R e que circunda a origem.

D EMONSTRAÇ ÃO : A transformada-´ de .xn / é


C1
X
k
X.´/ D xk ´ :
kD0

Multiplicando ambos os membros por ´n 1, obtemos


C1
!
X
X.´/´n 1
D xk ´ k
´n 1
;
kD0

ou ainda
C1
X
n 1 kCn 1
X.´/´ D xk ´ :
kD0
Portanto,
n
X1 C1
X
n 1 kCn 1 xn kCn 1
X.´/´ D xk ´ C C xk ´ :
´
kD0 kDnC1

Integrando, termo a termo, vem


Z n
X1 Z
n 1 kCn 1
X.´/´ d´ D xk ´ d´ C

kD0
Z C1
X Z
xn kCn 1
C d´ C xk ´ d´ :
´
kDnC1
378 CAPÍTULO 12: Aplicações

Os integrais da primeira e terceira parcelas são nulos, pelo que


Z
X.´/´n 1 d´ D 2 ixn ;

o que prova o pretendido. 

Corolário 12.3 (Inversa da transformada-´ pelos resı́duos) Seja X.´/ a trans-


formada-´ da sucessão .xn /n2N0 . Então
k
X
xn D Res.fn ; ´i / ; n D 0; 1; 2; : : : ;
iD1

onde ´1 , ´2 ,..., ´k são os pólos de fn .´/ D X.´/´n 1


.

D EMONSTRAÇ ÃO : O corolário é consequência imediata do Teorema anterior e do


Teorema dos Resı́duos (Teorema 11.1). 

A convolução das sucessões .xn / e .yn / é a sucessão de termo geral


n
X
wn D xn  yn D xk yn k ; n D 0; 1; 2; : : :
kD0

Teorema 12.4 (Transformada-´ da convolução de duas sucessões) Sejam .xn /


e .yn / duas sucessões com transformadas-´, respectivamente, ZŒ.xn / e ZŒ.yn /.
Então,
ZŒ.xn  yn / D ZŒ.xn/ ZŒ.yn / :

D EMONSTRAÇ ÃO : Consideremos


C1
X C1
X
n n
X.´/ D xn ´ e Y .´/ D yn ´ :
nD0 nD0

Efectuando a mudança de variável Z D ´ 1 e usando o Regra de Cauchy para o


produto de séries de potências (cfr. exercı́cio 4.6), vem
C1
! C1 ! C1 n
!
X X X X
n n
X.´/Y .´/ D xn Z yn Z D xr yn r Z n :
nD0 nD0 nD0 rD0

Igualando os coeficientes, conclui-se que a transformada-´ de


n
X
xr yn r
rD0
12.2 O problema de Dirichlet 379

é dada por
C1 n
!
X X
n
X.´/Y .´/ D xr yn r ´ ;
nD0 rD0

conforme pretendido. 

12.2 O problema de Dirichlet


O problema da determinação de uma função que seja harmónica num certo
domı́nio e que satisfaça certas condições nesse domı́nio é um problema importante
no campo das aplicações. Se os valores da função são prescritos ao longo da fron-
teira, o problema diz-se um problema de contorno ou de Dirichlet.

Exemplifiquemos. Determinemos uma função harmónica u.x; y/ definida na


faixa 0 < x < , y > 0 e que satisfaça as condições de fronteira

u.0; y/ D 0 I u.; y/ D 0 I

u.x; 0/ D sin x I lim u.x; y/ D 0 :


y!C1

Como sabemos, a toda a função analı́tica está associado um par de funções harmó-
nicas. Consideremos a função f .´/ D i ei´ que é inteira, sendo as suas compo-
nentes,
u.x; y/ D e y sin x e v.x; y/ D e y cos x ;

harmónicas. A função u satisfaz a Equação de Laplace uxx .x; y/ C uyy .x; y/ D 0


e é resposta para o problema.

O sucesso deste procedimento advém da simplicidade do problema e da nossa


familiaridade prévia com algumas funções inteiras. Daremos, de seguida, um re-
sultado que permite a resolução do problema de Dirichlet para o disco unitário.

Teorema 12.5 (Fórmula Integral de Poisson) Seja u.x; y/ uma função harmó-
nica em R2 . Suponhamos que u.x; y/ D .x; y/, para .x; y/ 2 @D.0; 1/. Então,
Z 2
1 1 r2
u.rei / D .ei / d ;
2 0 1 2r cos.  / C r 2

com rei 2 D.0; 1/, isto é, r < 1.


380 CAPÍTULO 12: Aplicações

D EMONSTRAÇ ÃO : Seja f uma função analı́tica cuja parte real coincide com a
função u. Pela Fórmula Integral de Cauchy,
Z
1 f ./
f .´/ D d ; ´ 2 D.0; 1/ :
2 i jjD1  ´

Consideremos o ponto Q́ D 1=´ simétrico a ´ relativamente à circunferência de


centro 0 e raio 1. Tem-se j Q́ j > 1, pelo que
Z
1 f ./
0 D d :
2 i jjD1  Q́

Como  D ei implica 1= D e i D , vem


Z Z
1 f ./ 1 f ./
f .´/ D d d
2 i jjD1  ´ 2 i jjD1  Q́
Z !
1  ´
D f ./ d
2 i jjD1 1 ´ ´ 1
Z
1 .1 j´j2 /
D f ./ d
2 i jjD1 j1 ´j2
Z 2
1 1 j´j2
D f .ei / d :
2 0 j1 e i ´j2
Separando a parte real, temos
Z 2
i 1 1 r2
u.re / D .ei / d ;
2 0 1 2r cos.  / C r 2

para rei 2 D.0; 1/. 

Com vista à resolução do problema de Dirichlet para simplesmente conexos,


enunciamos o famoso Teorema da Aplicação de Riemann cuja demonstração pode
ser encontrada em [1, Cap. 6].

Teorema 12.6 (Teorema da Aplicação de Riemann) Seja D um domı́nio simples-


mente conexo propriamente contido no plano. Então, existe uma função analı́tica
e bijectiva g W D ! D.0; 1/.

Apresentamos, de seguida, a solução do problema de Dirichlet num domı́nio


simplesmente conexo.
12.3 A transformada de Laplace 381

Teorema 12.7 (Problema de Dirichlet num simplesmente conexo) Seja D um


domı́nio simplesmente conexo limitado por um caminho e u.x; y/ uma função
harmónica em R2 . Suponhamos que u.x; y/ D .x; y/, para .x; y/ 2 tr. /. Então,
a função u está completamente determinada em D pelos seus valores na fronteira.
Por outras palavras, conhecendo podemos encontrar u em D e esta é a única
função harmónica em D que satisfaz as referidas condições de fronteira.
Os pormenores da demonstração ficam a cargo do leitor, a quem deixamos
algumas sugestões. Para construir uma função u nas condições do enunciado, con-
sideremos uma função de variável complexa g, de D para o disco unitário D.0; 1/,
analı́tica e bijectiva. Definamos uma função 1 na fronteira do disco unitário por
1
1 .´/ D .g .´// :
Seja uQ a solução do problema de Dirichlet no disco unitário, com uQ D 1 na fron-
teira. Seja h analı́tica no disco unitário e tal que Re h D u.
Q Então, u D Re h ı g
é solução do problema de Dirichlet em D com u D na fronteira. Para provar
a unicidade de u, consideremos u1 e u2 duas soluções do problema de Dirichlet
em D verificando u1 D u2 D na fronteira. Tomemos  D u1 u2 . Então, 
é harmónica e  D 0 na fronteira. Resta provar que  D 0 em D, recorrendo ao
Princı́pio do Módulo Máximo e, em particular, ao Corolário 8.22 e ao exercı́cio 8.8.

12.3 A transformada de Laplace


O conceito de transformada de Laplace reveste-se de grande utilidade na
Matemática pura e aplicada, nomeadamente na resolução de equações diferenciais.

Seja f uma função real ou complexa definida no intervalo Œ0; C1Œ. Supo-
nhamos que f é seccionalmente contı́nua. À função complexa
Z C1
L.f /.´/ D f .t / e ´t dt
0

dá-se o nome de transformada de Laplace da função f .


Exemplo 12.4 Consideremos a função de Heaviside

0 ; se t < 0
H.t / D :
1 ; se t  0
A sua transformada de Laplace, no semi-plano Re ´ > 0, é
Z C1 Z C1
´t 1
L.H /.´/ D H.t / e dt D e ´t dt D :
0 0 ´
382 CAPÍTULO 12: Aplicações

Para provarmos a existência da transformada de Laplace no caso geral ne-


cessitamos do Critério de Cauchy para funções complexas, cuja demonstração se
encontra, por exemplo, em [28].

Teorema 12.8 (Critério de Cauchy para funções complexas) Sejam ´0 2 b C e


f uma função definida numa vizinhança omissa de ´0 . A função f tem limite
finito quando ´ ! ´0 se e só se para cada " > 0, existe ı > 0 tal que para cada
par de pontos ´1 ; ´2 2 D  .´0 ; ı/, ´1 6D ´2 , se tem

jf .´2 / f .´1 /j < " :

Teorema 12.9 (Existência da transformada de Laplace) Seja f uma função real


ou complexa definida no intervalo Œ0; C1Œ. Suponhamos que f é seccionalmente
contı́nua e que existem M > 0 e ˛ 2 R tais que

jf .t /j  M e˛t ; t  0:

Então, a transformada de Laplace da função f está bem definida e é uma função


analı́tica no semi-plano Re ´ > ˛.

D EMONSTRAÇ ÃO : Sejam ˇ > ˛ e A; B tais que B > A. Então, para todo o ´ tal
que Re ´  ˇ, tem-se
ˇZ ˇ Z
ˇ B ˇ B
ˇ f .t / e ´t ˇ
dt ˇ  Me .ˇ ˛/t
dt
ˇ
A A

M  
.ˇ ˛/A .ˇ ˛/B
D e e :
ˇ ˛

Desta desigualdade e do Critério de Cauchy para funções complexas conclui-se que


o integral
Z C1 Z B
´t ´t
L.f /.´/ D f .t / e dt D lim f .t / e dt
0 B!C1 0

converge. Para demonstrar a analiticidade da transformada de Laplace, considere-


mos as funções
Z n
Fn .´/ D f .t / e ´t dt ; n 2 N:
0

Mostraremos que Fn .´/ é analı́tica no semi-plano Re ´  ˇ. Existe  > 0 tal que


se j´j < , então je ´ 1 C ´j  j´j2 . Logo, para todo o h satisfazendo jhj < =n,
12.3 A transformada de Laplace 383

vem
ˇ Z n ˇ
ˇ Fn .´ C h/ Fn.´/ ˇ
ˇ C f .t / t e ´t
dt ˇˇ
ˇ h 0
ˇZ ! ˇ
ˇ n e ht 1 ˇ
ˇ ˇ
D ˇ f .t / t e ´t C 1 dt ˇ
ˇ 0 ht ˇ
Z n
 jf .t / t e ´t j jht j dt
0
Z n
 jhj t 2M e .ˇ ˛/t
dt :
0

A expressão anterior converge para 0, quando h tende para 0. Portanto, Fn.´/ é


analı́tica no semi-plano Re ´  ˇ, tendo-se
Z n
0
Fn .´/ D f .t / t e ´t dt :
0

Mostraremos agora que a sucessão de funções Fn.´/ converge uniformemente para


L.f /.´/ no semi-plano Re ´  ˇ. Com efeito, vem
ˇZ C1 ˇ
ˇ ˇ M
jL.f /.´/ Fn .´/j D ˇ ˇ f .t /e ´t
dt ˇˇ  e .ˇ ˛/n ;
n ˇ ˛

que converge para 0 quando n ! C1. Pelo Teorema 8.10, L.f /.´/ é analı́tica no
semi-plano Re ´  ˇ. 

Sempre que considerarmos a transformada de Laplace de uma função f ,


assumiremos tacitamente que f está nas condições do Teorema anterior.

Obtemos directamente da definição de transformada de Laplace as seguintes


propriedades elementares.

Teorema 12.10 (Propriedades da transformada de Laplace) Sejam c; c1 ; c2 2 C


e a > 0. Tem-se

(a) linearidade de L:

L.c1 f C c2 g/ D c1 L.f / C c2 L.g/ I

ct
(b) se g.t / D e f .t /, então L.g/.´/ D L.f /.´ C c/I
384 CAPÍTULO 12: Aplicações

(c) se g.t / D f .t c/, então L.g/.´/ D e c´ L.f /.´/I


(d) se g.t / D f .t =a/, então L.g/.´/ D a L.f /.a´/I
d
(e) se g.t / D tf .t /, então L.g/.´/ D L.f /.´/I

(f) transformada de Laplace da primeira derivada:

L.f 0 /.´/ D ´ L.f /.´/ f .0/ I

(g) transformada de Laplace da derivada de ordem n:

L.f .n/ /.´/ D ´n L.f /.´/ ´n 1


f .0/  f .n 1/
.0/ :

O leitor poderá verificar facilmente as propriedades anteriores. Para demons-


trar a fórmula para a transformada de Laplace da primeira derivada, há que fazer
integração por partes e ter em conta o Teorema 12.9. Por seu lado, a fórmula para a
transformada de Laplace da derivada de ordem n obtém-se por indução matemática
sobre n.

Sendo f e g funções definidas em Œ0; C1Œ, a sua convolução f  g é a


função h definida por
Z t
h.t / D f . /g.t  / d  :
0

Tem-se
L.f  g/ D L.f / L.g/ : (12.1)
O Teorema que se segue fornece uma fórmula que permite conhecer uma
função f dada a sua transformada L.f /.
Teorema 12.11 (Inversa da transformada de Laplace) Seja F uma função com
um número finito de singularidades em C, analı́tica no semi-plano Re ´  ˛, para
algum ˛ 2 R, e satisfazendo a condição
M
jF .´/j  ;
j´jˇ
com M; ˇ > 0 e j´j suficientemente grande. Seja
X
f .t / D Res.e´t F .´// ; t  0:
´2C

Nestas condições, L.f /.´/ D F .´/, para todos os valores de ´ tais que Re ´ > ˛.
12.3 A transformada de Laplace 385

D EMONSTRAÇ ÃO : Seja  > 0. Designemos por 1 o caminho que descreve, no


sentido directo, a fronteira do domı́nio

D.0;  / \ f´ 2 C W Re ´ < ˛g

e por 2 o caminho que descreve, no sentido directo, a fronteira de

D.0;  / \ f´ 2 C W Re ´ > ˛g :

Uma vez que as singularidades de F pertencem ao semi-plano Re ´ < ˛, podemos


escolher  de forma a que todas as singularidades estejam dentro da curva descrita
por 1 . Do Teorema dos Resı́duos (Teorema 11.1) segue-se que
Z X
e t F ./ d  D 2 i Res.e´t F .´// D 2 i f .t / :
1 ´2C

Por outro lado,


ˇ ˇ
ˇ ´/N ˇ
lim ˇe. ˇ  lim e .˛ Re /N
D 0;
N !C1 N !C1

para  2 tr. 1 / e Re ´ > ˛. Além disso, pela Fórmula Integral de Cauchy (Teo-
rema 9.5), tem-se Z
F ./
2 i F .´/ D d ;
2  ´
sempre que ´ está dentro da curva gerada por 2 . Para esses pontos ´, vem
Z N Z 
´t t
2 i L.f /.´/ D lim e e F ./ d  dt
N !C1 0 1
Z Z N
D lim e. ´/t
F ./ dt d 
N !C1 1 0
Z
e. ´/N
1
D lim F ./ d 
N !C1 1  ´
Z
F ./
D d
1  ´
Z Z
F ./ F ./
D d  C 2 i F .´/ d
1  ´ 2  ´
Z
F ./
D 2 i F .´/ d :
jjD  ´
386 CAPÍTULO 12: Aplicações

Como j ´j  jj j´j D  j´j, tem-se


ˇZ ˇ
ˇ F ./ ˇ 2M
ˇ d  ˇˇ  ˇ ;
ˇ
jjD  ´  . j´j/
que converge para 0 quando  tende para C1. Tomando limites quando  ! C1,
obtemos L.f /.´/ D F .´/. 

Teceremos breves considerações sobre a transformada de Stieltjes, a qual


pode ser formalmente obtida como o ”quadrado” da transformada de Laplace.

Seja f uma função real ou complexa definida no intervalo Œ0; C1Œ. Supo-
nhamos que f é seccionalmente contı́nua. À função complexa
Z C1
f .t /
S.f /.´/ D dt
0 ´Ct
dá-se o nome de transformada de Stieltjes de f . A função está definida nos pontos
´ para os quais existe o integral impróprio. Tem-se
Z C1 Z C1
L.L.f //.´/ D e ´p e pt f .t / dt dp
0 0
Z C1 Z C1
.´Ct/p
D f .t / e dp dt
0 0
Z C1
f .t /
D dt
0 ´Ct
D S.f /.´/ :

Para um estudo aprofundado da transformada de Stieltjes consulte-se [28].

Muitas das propriedades da transformada de Laplace podem obter-se a partir


da transformada de Fourier. Seja f uma função real ou complexa definida em R.
Suponhamos que f é seccionalmente contı́nua. A sua transformada de Fourier é a
função
Z C1
F .f /.´/ D f .t / e i´t dt ;
1
estando definida nos pontos ´ para os quais existe o integral impróprio. A trans-
formada F é linear, tem propriedades análogas a L e pode também ser usada para
resolver certos tipos de equações diferenciais.
12.3 A transformada de Laplace 387

A transformada de Laplace pode descrever-se em termos da transformada de


Fourier. Para percebemos essa relação, consideremos f definida em Œ0; C1Œ e
suponhamos que existe a sua transformada de Laplace
Z C1
L.f /.´/ D f .t / e ´t dt :
0

Estendamos f a R, tomando f .t / D 0 quando t < 0. Para ´ D s C ip, definamos


a função
g.t / D f .t / e ts ; t 2 R:
Tendo em conta a definição da transformada de Fourier, vem
Z C1
F .g/.p/ D g.t / e itp dt
1
Z C1
ts itp
D f .t / e e dt
0
Z C1

D f .t / e dt
0

D L.f /.´/ :

É possı́vel inverter a transformada de Fourier, isto é, achar a função g a partir


da função F .g/. O Teorema fundamental sobre essa questão afirma que
Z C1
1
g.t / D F .g/.p/ eipt dp : (12.2)
2 1
Este resultado, tendo em conta a relação entre a transformada de Fourier e a trans-
formada de Laplace, permite inverter esta última por um método alternativo.
Tomando ´ D s C ip, vem
ts
f .t / e D g.t /
Z C1
1
D F .g/.p/ eipt dp
2 1
Z C1
1
D L.f /.´/ eipt dp ;
2 1

pelo que
Z C1 Z sCi1
1 1
f .t / D L.f /.´/ e´t dp D L.f /.´/ e´t d´ : (12.3)
2 1 2 i s i1
388 CAPÍTULO 12: Aplicações

Recorrendo ao Teorema dos Resı́duos para calcular o integral anterior, por um


método análogo ao utilizado na secção 11.2, obtém-se a fórmula pretendida
X
f .t / D Res.L.f /.´/ e´t / : (12.4)
´2C

Para maior desenvolvimento desta temática consulte-se, por exemplo, [14] ou [20].

Como já anteriormente referimos, a transformada de Laplace pode ser usada


para resolver equações diferenciais lineares (problemas de valor inicial). A técnica
consiste em aplicar L à equação, usar a linearidade e as propriedades relativas à
transformada de Laplace da derivada. Obtém-se uma equação algébrica, que se re-
solve, e no fim inverte-se a transformada para obter a solução desejada.

Consideramos o método de resolução baseado na aplicação directa da trans-


formada de Laplace. Aplicando a transformada de Laplace a ambos os membros
da equação
x .n/ .t / C a1 x .n 1/ .t / C    C an x.t / D f .t / ;

obtemos

.´n C a1 ´n 1
C    C an /L.x/.´/ D L.f /.´/

C x.0/.´n 1
C a 1 ´n 2
C    C an 1/

C x 0 .0/.´n 2
C a 1 ´n 3
C    C an 2/

C 

C x .n 1/
.0/ ;

ou
.´/L.x/.´/ D L.f /.´/ C B.´/ ;

onde .´/ e B.´/ são polinómios conhecidos. Resolvendo a equação em ordem à


transformada de Laplace da solução x.t /, vem

L.f /.´/ C B.´/


L.x/.´/ D ;
.´/

e utilizando o Teorema da inversa da transformada de Laplace (Teorema 12.11),


encontramos a solução x.t /.
12.3 A transformada de Laplace 389

Exemplo 12.5 Usando a transformada de Laplace, resolvamos a equação diferen-


cial

x 0000 C 2x 00 C x D sin t I x.0/ D x 0 .0/ D x 00 .0/ D x 000 .0/ D 0 :

Aplicando a transformada de Laplace à equação, obtemos

.´4 C 2´2 C 1/L.x/.´/ D L.f /.´/ ; (12.5)

em que f .t / D sin t . Calculemos a transformada de Laplace da função f . Tem-se

eit e it 1  it it

f .t / D D e e
2i 2i
e utilizando a linearidade da transformada de Laplace, vem
 
1 1 1 1
L.f /.´/ D D :
2i ´ i ´Ci ´2 C1

Desta forma, a equação (12.5) é equivalente a

1
.´4 C 2´2 C 1/L.x/.´/ D :
´2 C1

Logo,
1
L.x/.´/ D :
.´2 C 1/3
Pelo Teorema da inversa da transformada de Laplace, tomando

g1 .´/ D e´t =.´ i /3 e g2 .´/ D e´t =.´ C i /3 ;

vem
X e´t
x.t / D Res
.´2 C 1/3
´2C

1 d 2 g1 1 d 2 g2
D . i / C .i /
2Š d´2 2Š d´2
1 3
D .3 t 2 / sin t t cos t :
8 8
390 CAPÍTULO 12: Aplicações

12.4 Exercı́cios propostos


Exercı́cio 12.1 Determine a transformada-´ das sucessões de termo geral:

(a) xn D b n ;

(b) xn D n;

(c) xn D n2 ;

(d) xn D nb n ;

(e) xn D sin.an/;

(f) xn D b n sin.an/;

(g) xn D cos.an/;

(h) xn D b n cos.an/.

Exercı́cio 12.2 Mostre que a transformada-´ da sucessão de termo geral



1 ; se n  m
xn D uŒn m D ;
0 ; se n < m

com m 2 N0 , é dada por


´1 m
X.´/ D :
´ 1

Exercı́cio 12.3 Use o Teorema 12.4 para provar qua a transformada-´ da sucessão
de termo geral un D n C 1 é

´2
U.´/ D :
.´ 1/2

Exercı́cio 12.4 Seja .xn /n2N0 uma sucessão de números complexos. Utilizando a
notação usual para as transformadas-´, mostre que:

(a) se yn D xn 1 uŒn 1, então Y .´/ D X.´/=´;

(b) se yn D xnC1 , então Y .´/ D ´.X.´/ x0 /;

(c) se yn D nxn , então Y .´/ D ´X 0.´/.


12.4 Exercı́cios propostos (12.1–12.11) 391

Exercı́cio 12.5 Usando o Corolário 12.3, determine a sucessão .xn / quando:

´2
(a) X.´/ D I
´2 4´ C 3
´2
(b) X.´/ D :
´2 4´ C 4

Exercı́cio 12.6 Determine a solução u.x; y/ do problema de Dirichlet que satisfaz


as condições

uxx .x; y/ C uyy .x; y/ D 0 ; .x; y/ 2 D I

u.x; y/ D .x; y/ ; .x; y/ 2 @D ;

onde D D D.0; 1/ e:

(a) .ei / D c;

(b) .ei / D c cos  ;

(c) .ei / D c1 C c2 sin  ;

(d) .x; y/ D cxy.

Exercı́cio 12.7 Determine a transformada de Laplace da função

f .t / D H.t / t n ;

com n 2 N0 .

Exercı́cio 12.8 Utilizando o resultado obtido no exercı́cio anterior, mostre que a


transformada de Laplace da função

f .t / D H.t / t n e ct
;

com n 2 N0 e c complexo, é dada por


L.f /.´/ D :
.´ C c/nC1
392 CAPÍTULO 12: Aplicações

Exercı́cio 12.9 Determine a transformada de Laplace das seguintes funções defi-


nidas no intervalo Œ0; C1Œ:
(a) f .t / D .t 1/2 ;
(b) f .t / D et 2;

(c) f .t / D .1 t /e t ;
(d) f .t / D sin 5t ;
(e) f .t / D cos 5t ;
(f) f .t / D sinh 3t ;
(g) f .t / D cosh 3t ;
(h) f .t / D cos t e2t ;
(i) f .t / D .cos t C sin 3t /;
t
(j) f .t / D 5e C 7 sin 3t ;
(k) f .t / D cos2 t .

Exercı́cio 12.10 Determine a função que tem por transformada de Laplace:



e
(a) F .´/ D I
´2
e 2´
(b) F .´/ D I
´ 1
2´ C 10
(c) F .´/ D I
´2 C 6´ C 25
1
(d) F .´/ D :
´2 C 9
Exercı́cio 12.11 Usando a transformada de Laplace, determine a solução dos se-
guintes problemas de valor inicial:
(a) x 0 .t / x.t / D 1, x.0/ D 1;
(b) x 00 .t / C 4x 0 .t / C 5x.t / D 0, x.0/ D 1, x 0 .0/ D 2;
(c) x 000 .t / C x 0 .t / D t , x.0/ D 0, x 0 .0/ D 1, x 00 .0/ D 0;
(d) x 00 .t / 2x 0 .t / C x.t / D 2et , x.0/ D 0, x 0 .0/ D 0.
12.5 Laboratório 12 393

12.5 Laborat ório 12


Apresentamos os objectivos deste Laboratório.

1) Determinação da transformada-´ e sua inversa.

2) Resolução de equações às diferenças com transformadas-´.

3) Determinação da transformada de Laplace e sua inversa.

4) Aplicação às equações diferenciais.

Determinação da transformada-´ e sua inversa


Utilizemos a função ZTransform[] do Mathematica.

Clear@"Global` *"D;
ZTransform @b ^ n * Sin@a * nD, n, zD
In[1]:=

ä b H-1 + ã2 ä a L z
2 H-b2 ãä a + b H1 + ã2 ä a L z - ãä a z2 L
Out[2]= €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€

Calculemos a sucessão cuja transformada-´ é


X.´/ D :
3´ 1

In[3]:= InverseZTransform @3 z  H3 z - 1L, z, nD

Out[3]= 3-n

Repitamos o exercı́cio para a transformada-´


X.´/ D :
.´ b/2

In[4]:= InverseZTransform @b * z  Hz - bL ^ 2, z, nD

Out[4]= bn n
394 CAPÍTULO 12: Aplicações

Resolução de equações às diferenças com transformadas-´


As transformadas-´ são largamente usadas para resolver equações às diferen-
ças, em particular, no processamento de sinal digital e na teoria do controlo.

Usemos a transformada-´ para determinar a solução da equação às diferenças


y[n+1]-2*y[n]=n, com condição inicial y[0]=1. Tomemos a transformada-´ de
ambos os membros.
In[5]:= ZTransform @y@n + 1D - 2 * y@nD, n, zD

-z y@0D - 2 ZTransform @y@nD, n, zD +


z ZTransform @y@nD, n, zD
Out[5]=

In[6]:= ZTransform @n, n, zD

H-1 + zL2
z
Out[6]= €€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€

Resolvamos a equação em ordem a ZTransform[y[n],n,z].


Solve@ZTransform @y@n + 1D - 2 * y@nD, n, zD ==
ZTransform @n, n, zD, ZTransform @y@nD, n, zDD
In[7]:=

Out[7]= 99ZTransform @y@nD, n, zD ®

€€€€€€€€€€€€€€ ==
H-2 + zL H-1 + zL2
z + z y@0D - 2 z2 y@0D + z3 y@0D
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€

Determinemos a sucessão cuja transformada-´ é a função obtida.

InverseZTransform A €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
z + z y@0D - 2 z2 y@0D + z3 y@0D
H-2 + zL H-1 + zL2
In[8]:= €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€ , z, nE

Out[8]= -1 + 2n - n + 2n y@0D

Usando a condição inicial y[0]=1, obtemos uma expressão simplificada. Aplique-


mos o procedimento acima descrito para resolver a equação às diferenças
y[n+1]-2*y[n]=3^n, com condição inicial y[0]=2.
In[9]:= ZTransform @y@n + 1D - 2 * y@nD, n, zD

-z y@0D - 2 ZTransform @y@nD, n, zD +


z ZTransform @y@nD, n, zD
Out[9]=
12.5 Laboratório 12 395

In[10]:= ZTransform @3 ^ n, n, zD
z
Out[10]= €€€€€€€€€€€€€€€€
-3 + z

Resolvamos a equação em ordem a ZTransform[y[n],n,z].

Solve@ZTransform @y@n + 1D - 2 * y@nD, n, zD ==


ZTransform @3 ^ n, n, zD, ZTransform @y@nD, n, zDD
In[11]:=

99ZTransform @y@nD, n, zD ® €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€ €€€€€€ ==


H-3 + zL H-2 + zL
z - 3 z y@0D + z2 y@0D
Out[11]= €€€€€€€€€€€€€€€€

Tomemos a sucessão cuja transformada-´ é a função que se obteve.

InverseZTransform A €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
z - 3 z y@0D + z2 y@0D
H-3 + zL H-2 + zL
In[12]:= €€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€ , z, nE

Out[12]= -2n + 3n + 2n y@0D

Usando a condição inicial y[0]=2, vem y[n]=2^n+3^n. Resolvamos, agora, a


equação às diferenças que modela o nı́vel de dosagem de drogas. A equação é dada
por y[n+1] = a*y[n]+b, com condição inicial y[0]=y0.

In[13]:= ZTransform @y@n + 1D, n, zD

Out[13]= -z y@0D + z ZTransform @y@nD, n, zD

In[14]:= ZTransform @a * y@nD + b, n, zD

€€€€€€€€€€€€€€€€ + a ZTransform @y@nD, n, zD


bz
Out[14]=
-1 + z

Resolvamos a equação em ordem a ZTransform[y[n],n,z].

Solve@ZTransform @y@n + 1D, n, zD ==


ZTransform @a * y@nD + b, n, zD,
In[15]:=

ZTransform @y@nD, n, zDD

99ZTransform @y@nD, n, zD ® €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€ €€€€€€ ==


H-1 + zL H-a + zL
b z - z y@0D + z2 y@0D
Out[15]= €€€€€€€€€€€€€€€€
396 CAPÍTULO 12: Aplicações

Tomemos a inversa:
In[16]:= Simplify A

InverseZTransform A €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
b z - z y@0D + z2 y@0D
H-1 + zL H-a + zL
€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€ , z, nEE

H-1 + an L b + H-1 + aL an y@0D


Out[16]= €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€
-1 + a

Atribuir valores a a, b e y[0] permite-nos visualizar a solução obtida.

a = 7  4; b = 1; y@0D = 0; ListPlot A
H-1 + an L b + H-1 + aL an y@0D
In[17]:=

TableA9n, €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€ €€€€€€€€€€ =, 8n, 0, 10<E,


€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€

PlotStyle ® PointSize @0.02DE


-1 + a

350
300
250
200
150
100
50

2 4 6 8 10
Out[17]= … Graphics …

Determinação da transformada de Laplace e sua inversa


Para determinar transformadas de Laplace, recorremos ao comando
LaplaceTransform[]. Calculemos, por exemplo, a transformada de Laplace da
função
f .t / D e 7t sin 5t :

In[18]:= LaplaceTransform @Exp@-7 tD * Sin@5 tD, t, zD

25 + H7 + zL2
5
Out[18]= €€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€
12.5 Laboratório 12 397

Calculemos, agora, a função com transformada de Laplace dada por

24.1 C 5´2 . 2 C ´2 //
F .´/ D :
.1 C ´2 /5

24 H1 + 5 z2 H-2 + z2 LL
InverseLaplaceTransform A €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
H1 + z2 L5
In[19]:= €€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€ , z, tE

Out[19]= t4 Sin@tD

Repitamos o exercı́cio para a função

e 2´
F .´/ D :
´C1

In[20]:= InverseLaplaceTransform @Exp@-2 zD  Hz + 1L, z, tD

Out[20]= ã2-t UnitStep @-2 + tD

A função UnitStep[] representa a função de Heaviside H . Investiguemos o com-


portamento da solução obtida.

In[21]:= Plot@ã2-t UnitStep @-2 + tD, 8t, 0, 3<D

0.8

0.6

0.4

0.2

0.5 1 1.5 2 2.5 3


Out[21]= … Graphics …
398 CAPÍTULO 12: Aplicações

Aplicação às equações diferenciais

Consideremos o circuito eléctrico representado na seguinte figura.

A diferença de potencial de entrada é modelada pela função f .t / D ı.t /, sendo ı.t /


a função ı de Dirac, que verdadeiramente não é uma função, mas tem propriedades
de uma função ordinária. Apresentamos uma visão sumária, intuitiva e informal
deste objecto matemático, que apenas serve para elucidar o problema. Sendo a um
número real, designamo-lo por ı.x a/. Tem as seguintes propriedades:

1) ı.x a/ D 0, se x 6D a;

Z ˇ
2) g.x/ı.x a/ dx D g.a/ ;
˛

sendo a um ponto do intervalo ˛; ˇŒ e g uma função real contı́nua.

Não se trata, de facto, de uma função, mas de uma distribuição. Podemos


pensar ı.x a/ como sendo um pico infinito localizado em a, sendo o integral de
1 a C1 de ı.x a/ a unidade. Para visualizarmos a função ı, consideremos
um gráfico com três funções ”centradas” na origem. No limite em que n tende para
C1, a função obtida aproxima-se da definição da função ı de Dirac.
12.5 Laboratório 12 399

Plot@Evaluate @
Sqrt@n  PiD Exp@-n x ^ 2D . n ® 81, 10, 100<D,
In[22]:=

8x, -2, 2<, PlotRange ® AllD

-2 -1 1 2
Out[22]= … Graphics …

A função ”degrau”, ou de Heaviside, é o integral indefinido da função ı. Denota-se


por H , é descontı́nua na origem e muito usada na representação de sinais. O gráfico
representa a função de Heaviside de sin x, H.sin x/.

In[23]:= Plot@UnitStep @Sin@xDD, 8x, 0, 30<D

0.8

0.6

0.4

0.2

5 10 15 20 25 30
Out[23]= … Graphics …
400 CAPÍTULO 12: Aplicações

Retomemos o nosso problema. A indutância é 1 henry, a resistência é 10 ohms e a


capacidade é 0:01 farads. Supomos que, para t D 0, não existe qualquer diferença
de potencial ou corrente no circuito. A equação diferencial que modela este pro-
blema é
q 00 .t / C 10q 0.t / C 100q.t / D ı.t / ;
sendo o potencial de saı́da q=C e C a capacidade em farads. Comecemos por
introduzir a equação diferencial no Mathematica.
equation =
q ''@tD + 10 q '@tD + 100 q@tD Š DiracDelta @tD
In[24]:=

Out[24]= 100 q@tD + 10 q¢ @tD + q¢¢ @tD Š DiracDelta @tD

Tomemos, agora, a transformada de Laplace desta equação:


In[25]:= LaplaceTransform @equation , t, zD

100 LaplaceTransform @q@tD, t, zD +


z2 LaplaceTransform @q@tD, t, zD +
Out[25]=

10 Hz LaplaceTransform @q@tD, t, zD - q@0DL -


z q@0D - q¢ @0D Š 1

Seguidamente, resolvamos a equação em ordem à própria transformada de Laplace:


Solve@LaplaceTransform @equation , t, zD,
LaplaceTransform @q@tD, t, zDD
In[26]:=

99LaplaceTransform @q@tD, t, zD ®
1 + 10 q@0D + z q@0D + q¢ @0D
Out[26]=

€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
€€€€€€€€€€€€€€€€ €€€€€ ==
€€€€€€€€€€€€€€€€
100 + 10 z + z2

Tenhamos em conta as condições iniciais e tomemos a inversa:


In[27]:= %@@1DD . 8q@0D ® 0, q '@0D ® 0<

9LaplaceTransform @q@tD, t, zD ® €€€€€€€€€€€€€€€€ €€€€€ =


1
Out[27]= €€€€€€€€€€€€€€€€
100 + 10 z + z2

InverseLaplaceTransform @
LaplaceTransform @q@tD, t, zD . %, z, tD
In[28]:=

!!!!
!!!! €€€€€€€€€€€€€
ã-5 t SinA5 3 tE
Out[28]= €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
5 3
12.5 Laboratório 12 401

Para terminar, façamos um gráfico do potencial de saı́da, recordando que V D q=C :


!!!!
€€€€€€€€€€€€€€ “ 0.01, 8t, 0, 1<E
ã-5 t SinA5 3 tE
!!!!
In[29]:= PlotA €€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€€
5 3

0.2 0.4 0.6 0.8 1


-1
Out[29]= … Graphics …
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Índice de Resultados

Teorema 1.1 P ROPRIEDADES DO M ÓDULO E DO CONJUGADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13


Teorema 1.2 F ÓRMULA DE D E M OIVRE G ENERALIZADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Teorema 2.1 U NICIDADE DO LIMITE DE UMA FUNÇ ÃO COMPLEXA . . . . . . . . . . . . . 66


Teorema 2.2 L IMITE COMPLEXO VS LIMITES DAS COMPONENTES REAIS . . . . . . . . 66
Teorema 2.3 Á LGEBRA DOS LIMITES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Teorema 2.4 C ARACTERIZAÇ ÃO DAS FUNÇ ÕES CONT ÍNUAS POR ABERTOS . . . . . . 69
Teorema 2.5 C ONTINUIDADE E CONEXIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
Teorema 2.6 C ONTINUIDADE E COMPACIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
Teorema 2.7 C ONTINUIDADE COMPLEXA VS CONTINUIDADE REAL . . . . . . . . . . . . . 71
Teorema 2.8 C ONSTRUÇ ÃO DE FUNÇ ÕES CONT ÍNUAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Teorema 2.9 C ONDIÇ ÃO SUFICIENTE PARA A CONTINUIDADE UNIFORME . . . . . . . . 74

Teorema 3.1 F ÓRMULAS DE DERIVAÇ ÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100


Teorema 3.2 D ERIVADA DA FUNÇ ÃO COMPOSTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Teorema 3.3 D ERIVADA DA FUNÇ ÃO INVERSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Teorema 3.4 D IFERENCIABILIDADE E CONTINUIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Teorema 3.5 D IFERENCIABILIDADE E C ONDIÇ ÕES DE C AUCHY-R IEMANN I . . . . 103
Teorema 3.7 D IFERENCIABILIDADE E C ONDIÇ ÕES DE C AUCHY-R IEMANN II . . . 106
Teorema 3.8 D IFERENCIABILIDADE : f VS u E v . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
Teorema 3.9 D IFERENCIABILIDADE : COORDENADAS POLARES . . . . . . . . . . . . . . . 110

407
408 ÍNDICE DE RESULTADOS

Teorema 3.10 D ERIVADA NULA VS FUNÇ ÃO CONSTANTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

Teorema 4.1 L IMITE DE SUCESS ÕES COMPLEXAS VS SUCESS ÕES REAIS . . . . . . . . 124
Teorema 4.2 C RIT ÉRIO DE C AUCHY PARA SUCESS ÕES COMPLEXAS . . . . . . . . . . . 125
Teorema 4.3 C ONDIÇ ÃO NECESS ÁRIA DE CONVERG ÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
Teorema 4.4 C ONVERG ÊNCIA DE S ÉRIES COMPLEXAS VS S ÉRIES REAIS . . . . . . . . 128
Teorema 4.5 C ONDIÇ ÃO SUFICIENTE DE CONVERG ÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
Teorema 4.6 C RIT ÉRIOS DA R AZ ÃO E DA R AIZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
Teorema 4.7 C RIT ÉRIO DE C AUCHY PARA A CONVERG ÊNCIA UNIFORME . . . . . . . 132
Teorema 4.8 C ONVERG ÊNCIA UNIFORME E CONTINUIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
Teorema 4.9 T ESTE -M DE W EIERSTRASS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
Lema 4.10 L EMA DE A BEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
Teorema 4.11 C RIT ÉRIOS PARA S ÉRIES DE POT ÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139

Teorema 5.1 P ROPRIEDADES DA EXPONENCIAL COMPLEXA . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166


Teorema 5.2 P ROPRIEDADES DO SENO E CO - SENO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
Teorema 5.3 P ROPRIEDADES DO SENO E CO - SENO HIPERB ÓLICOS . . . . . . . . . . . . . 170
Teorema 5.4 R ESTRIÇ ÃO DA EXPONENCIAL COMPLEXA A UMA FAIXA . . . . . . . . . 172
Teorema 5.5 P ROPRIEDADES DO LOGARITMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
Teorema 5.6 D ERIVADA DO LOGARITMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175

Teorema 6.1 C ARACTERIZAÇ ÃO DAS TRANSFORMAÇ ÕES DE M ÖBIUS . . . . . . . . . 199


Teorema 6.3 G RUPO DAS TRANSFORMAÇ ÕES DE M ÖBIUS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202
Teorema 6.4 I NVARI ÂNCIA DA RAZ ÃO CRUZADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
Teorema 6.5 P ROPRIEDADE DA INVERS ÃO GEOM ÉTRICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209
Teorema 6.6 P RINC ÍPIO DA S IMETRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212
Teorema 6.7 T EOREMA DE P TOLEMEU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212
Teorema 6.8 C ONFORMIDADE E HOLOMORFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216
Teorema 6.10 P ROPRIEDADES DAS TRANSFORMAÇ ÕES CONFORMES BIJECTIVAS 219

Teorema 7.1 M AJORAÇ ÃO DO M ÓDULO DO INTEGRAL DE CAMINHO . . . . . . . . . . . 253


Teorema 7.2 P ROPRIEDADES DO INTEGRAL DE CAMINHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255
ÍNDICE DE RESULTADOS 409

Teorema 7.3 T EOREMA F UNDAMENTAL DO C ÁLCULO I NTEGRAL . . . . . . . . . . . . . 261


Teorema 7.4 T EOREMA DA INDEPEND ÊNCIA DO CAMINHO DE INTEGRAÇ ÃO . . . . 261
Teorema 7.5 T EOREMA DE G REEN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265
Teorema 7.6 T EOREMA DE C AUCHY: VERS ÃO FRACA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 266
Teorema 7.7 T EOREMA DE C ANTOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267
Teorema 7.8 T EOREMA DE C AUCHY PARA TRI ÂNGULOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267
Teorema 7.9 T EOREMA DE C AUCHY PARA CONVEXOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271
Teorema 7.10 O ÍNDICE COMO UM N ÚMERO INTEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273
Teorema 7.11 C ONST ÂNCIA DO ÍNDICE NAS COMPONENTES . . . . . . . . . . . . . . . . . . 274
Teorema 7.12 F ÓRMULA I NTEGRAL DE C AUCHY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 275

Teorema 8.1 C ONVERG ÊNCIA UNIFORME E INTEGRAÇ ÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287


Teorema 8.4 D IFERENCIAÇ ÃO DE UMA S ÉRIE DE POT ÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . 290
Teorema 8.6 T EOREMA DE TAYLOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 294
Teorema 8.7 F ÓRMULA I NTEGRAL DE C AUCHY PARA DERIVADAS . . . . . . . . . . . . . 297
Teorema 8.9 T EOREMA DE M ORERA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 297
Teorema 8.10 C ONVERG ÊNCIA UNIFORME DE FUNÇ ÕES ANAL ÍTICAS . . . . . . . . . . 298
Teorema 8.11 E STIMATIVAS DE C AUCHY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 298
Teorema 8.13 T EOREMA DE L IOUVILLE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 300
Teorema 8.14 T EOREMA F UNDAMENTAL DA Á LGEBRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 300
Teorema 8.16 T EOREMA DA I DENTIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 302
Teorema 8.18 O S ZEROS DA FUNÇ ÃO NULA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 305
Teorema 8.19 O S ZEROS DE UMA FUNÇ ÃO ANAL ÍTICA N ÃO NULA . . . . . . . . . . . . . 305
Teorema 8.20 I DENTIDADE DE PARSEVAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 306
Teorema 8.21 P RINC ÍPIO DO M ÓDULO M ÁXIMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 306

Teorema 9.1 P ROLONGAMENTO A PARTIR DE UMA VIZINHANÇA OMISSA . . . . . . . 317


Teorema 9.5 T EOREMA DE C AUCHY PARA CICLOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 322
Teorema 9.7 F ÓRMULA DE C AUCHY PARA DERIVADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 324
Teorema 9.8 C ARACTERIZAÇ ÃO DOS DOM ÍNIOS SIMPLESMENTE CONEXOS . . . . . 325
Teorema 9.9 T EOREMA DE C AUCHY PARA SIMPLESMENTE CONEXOS . . . . . . . . . . 325
410 ÍNDICE DE RESULTADOS

Teorema 9.10 E XIST ÊNCIA DE ANTIDERIVADA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325


Teorema 9.11 E XIST ÊNCIA DE CONJUGADA HARM ÓNICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 326
Teorema 9.12 R AMO ANAL ÍTICO DE log f . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 326

Teorema 10.1 C ONDIÇ ÃO SUFICIENTE PARA SINGULARIDADES REMOV ÍVEIS . . . 334
Teorema 10.2 T EOREMA DE L AURENT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 336
Teorema 10.3 C ARACTERIZAÇ ÃO DAS SINGULARIDADES ISOLADAS I . . . . . . . . . 340
Teorema 10.4 C ARACTERIZAÇ ÃO DAS SINGULARIDADES ISOLADAS II . . . . . . . . . 342

Teorema 11.1 T EOREMA DOS R ES ÍDUOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351


Teorema 11.2 I NTEGRAL IMPR ÓPRIO DE UMA FUNÇ ÃO RACIONAL REAL . . . . . . . 356
Teorema 11.3 P RINC ÍPIO DO A RGUMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 360
Teorema 11.4 T EOREMA DA FUNÇ ÃO ABERTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 360
Teorema 11.5 P RINC ÍPIO DO M ÓDULO M ÁXIMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362
Teorema 11.8 T EOREMA DE R OUCH É . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362
Teorema 11.9 T EOREMA DE M OUSEHOLE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 371

Teorema 12.1 P ROPRIEDADES DA TRANSFORMADA -´ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 376


Teorema 12.2 I NVERSA DA TRANSFORMADA -´ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 377
Corolário 12.3 I NVERSA DA TRANSFORMADA -´ PELOS RES ÍDUOS . . . . . . . . . . . . 378
Teorema 12.4 T RANSFORMADA -´ DA CONVOLUÇ ÃO DE DUAS SUCESS ÕES . . . . . 378
Teorema 12.5 F ÓRMULA I NTEGRAL DE P OISSON . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 379
Teorema 12.6 T EOREMA DA A PLICAÇ ÃO DE R IEMANN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 380
Teorema 12.7 P ROBLEMA DE D IRICHLET NUM SIMPLESMENTE CONEXO . . . . . . . 381
Teorema 12.8 C RIT ÉRIO DE C AUCHY PARA FUNÇ ÕES COMPLEXAS . . . . . . . . . . . . 382
Teorema 12.9 E XIST ÊNCIA DA TRANSFORMADA DE L APLACE . . . . . . . . . . . . . . . . 382
Teorema 12.10 P ROPRIEDADES DA TRANSFORMADA DE L APLACE . . . . . . . . . . . . 383
Teorema 12.11 I NVERSA DA TRANSFORMADA DE L APLACE . . . . . . . . . . . . . . . . . . 384
Índice Alfabético

Argand conjunto compacto, 32


plano de Argand, 19 conjunto conexo, 33
conjunto conexo por arcos, 85
caminho, 76 conjunto convexo, 271
cadeia, 81, 318 conjunto fechado, 31
caminho fechado, 78 conjunto limitado, 32
caminho oposto, 80 derivado, 31
caminho simples, 78 diâmetro, 266
ciclo, 319 exterior, 31
complementar, 86 fronteira, 31
comprimento, 82 interior, 31
extremidade, 78 coroa circular, 89
origem, 78 corpo dos números complexos, 11
reparametrização, 79 curva, 76
soma de dois caminhos, 81 curva fechada, 78
Cauchy sentido negativo, 78
desigualdade de Cauchy, 15 sentido positivo, 78
Fórmula Integral de Cauchy, 275, curva regular, 216
322, 325 curva simples, 78
Fórmula Integral de Cauchy para extremidade, 78
derivadas, 296, 324, 325 origem, 78
Cauchy-Riemann parametrização, 76
Condições de Cauchy-Riemann, reparametrização, 79
103
Condições de Cauchy-Riemann para De Moivre
coordenadas polares, 110 Fórmula de De Moivre, 23
conjunto desigualdade triangular, 14
aderência, 31 disco
componentes conexas, 86 aberto, 29
conjunto aberto, 29 fechado, 32

411
412 ÍNDICE ALFABÉTICO

distância entre complexos, 28 função polinomial, 60


domı́nio, 33 função racional, 60
de analiticidade, 111 função raiz ı́ndice n, 179
multiplamente conexo, 89 função uniformemente contı́nua,
simplesmente conexo, 89 74
funções hiperbólicas, 170, 171
Euler funções trigonométricas, 144, 168,
Fórmula de Euler, 21, 145 169
limite, 64
Fourier parte imaginária, 61
transformada de Fourier, 386 parte real, 61
fractais primitiva, 260
ciclo n, 146 primitiva local, 260
atractor, 148 reflexão, 60
repulsor, 148
órbita de um ponto, 146 Hadamard
ponto fixo, 146 Fórmula de Hadamard, 142
atractor, 147
repulsor, 147 imaginários puros, 13
ponto periódico, 146 ı́ndice de um ponto em relação a um
função caminho fechado, 273
contradomı́nio, 59 inversão geométrica, 207
convolução, 384
Joukowski
derivada, 97
transformação de Joukowski do
derivadas de Wirtinger, 113
perfil de asa, 230
domı́nio de definição, 59
Julia
função analı́tica ou holomorfa, 111
conjunto de Julia, 147
zero de ordem n0 , 304
zero de ordem infinita, 305 Laplace
função conforme, 216 Equação de Laplace, 114
função conjugada harmónica, 114 transformada de Laplace, 381
função contı́nua, 68 Laurent
função exponencial, 144, 165 série de Laurent, 335
faixas da exponencial, 172 parte principal, 335
função harmónica, 114 parte regular, 335
função inteira, 111 Lorentz
função limitada, 72 transformação de Lorentz, 205
função logaritmo, 172
ramo principal, 175 Maclaurin
função meromorfa, 351 série de Maclaurin, 295
ÍNDICE ALFABÉTICO 413

Mandelbrot aderente, 31
conjunto de Mandelbrot, 148 crı́tico, 217
Möbius de acumulação, 31
transformação de Möbius, 197 de multiplicidade n, 78
expansão, 198 exterior, 31
inversão, 198 fronteiro, 31
princı́pio da orientação, 220 interior, 31
princı́pio da simetria, 212 simples, 78
rotação, 198 ponto do infinito, 34
translação, 198 produto
classificação de uma transformação escalar, 24
de Möbius vectorial, 24, 26
elı́ptica, 235 projecção estereográfica, 35
hiperbólica, 235 prolongamento analı́tico, 317
loxodrómica, 235
parabólica, 235 razão cruzada, 203
região, 33
número complexo de analiticidade, 111
afixo, 19 multiplamente conexa, 89
argumento, 19 simplesmente conexa, 89
argumento lambda, 20 resı́duo, 343
argumento positivo mı́nimo, 20 Riemann
argumento principal, 20 esfera de Riemann, 36
conjugado, 13 função zeta de Riemann, 329
forma algébrica, 11 superfı́cie de Riemann, 327
forma trigonométrica, 21
módulo, 13 série, 127
parte imaginária, 13 série absolutamente convergente,
parte real, 13 129
série convergente, 127
plano série de funções
plano complexo, 19 convergência pontual, 131
eixo imaginário, 19 convergência uniforme, 131
eixo real, 19 série de potências, 136
plano complexo ampliado, 34 disco de convergência, 138
polinómio, 303 raio de convergência, 138
grau, 303 soma, 127
zero, 304 sucessão das somas parciais, 127
ordem do zero, 304 termo, 127
ponto termo geral, 127
414 ÍNDICE ALFABÉTICO

singularidade isolada, 333


pólo de ordem m, 342
pólo simples, 342
singularidade essencial, 342
singularidade removı́vel, 333
Stieltjes
transformada de Stieltjes, 386
sucessão, 123
convolução, 378
limite, 123
sucessão convergente, 123
sucessão de Cauchy, 125
sucessão de funções
convergência pontual, 131
convergência uniforme, 131
sucessão divergente, 123
termo, 123
termo geral, 123

Taylor
série de Taylor, 295
teoria do potencial
linhas de corrente, 227
linhas equipotenciais, 227
topologia usual de C, 30

unidade imaginária, 12

vizinhança de um ponto, 29, 37


vizinhança omissa de um ponto, 317

´
transformada-´, 375

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