Você está na página 1de 128

Termodinâmica de

Equilíbrio
Optional Subtitle

First Author, Second Author


Report #17 2024
Prefácio

Este livro pretende ser um curso completo, porém conciso, sobre os fundamentos
da termodinâmica clássica. Meu principal objetivo ao escrevê-lo foi alcançar
uma exposição clara e estimulante: fornecer uma explicação do assunto que seja
fácil de aprender.
Existem muitas maneiras de escrever um livro didático sobre termodinâmica,
pois o assunto é relevante para muitos ramos da ciência. Os termos de referência
da termodinâmica de equilíbrio são principalmente os do físico universitário; no
entanto, também é adequado para uso em ciências dos materiais, engenharia
e química. Normalmente, o assunto é ensinado no primeiro ou segundo ano
de um curso universitário no Reino Unido, mas o livro leva o estudante ao
nível de graduação e além. Os pré-requisitos são um conhecimento de mecânica
elementar, cálculo e eletromagnetismo, e familiaridade com a física térmica
ao nível escolar. Em universidades estrangeiras, a termodinâmica pode ser
ensinada um pouco mais tarde em um curso de graduação para permitir mais
tempo para trabalhos preparatórios.
Muitos livros e cursos de física térmica tentam desenvolver a termodinâmica
clássica e a mecânica estatística lado a lado. Embora seja essencial estabelecer a
relação entre os dois em algum estágio da formação de um estudante universitário
em ciências, é melhor ensinar primeiro e separadamente a termodinâmica
clássica, pois a habilidade de usá-la bem depende na maioria de saber o que
ela pode alcançar sem apelar para a natureza microscópica das coisas. Por
outro lado, embora seja um exercício intelectual interessante desenvolver a
termodinâmica sem fazer referência à estrutura microscópica, seria obscurantista
e educacionalmente tolo fazê-lo. Portanto, neste livro, faço amplo uso de ideias
microscópicas para iluminar o assunto e destacar sua relevância para a física
moderna, mas não incluo nenhuma mecânica estatística nem termodinâmica
irreversível: daí o título.
Muitos cursos de graduação atuais tendem a negligenciar a termodinâmica
clássica em favor do tempo gasto na mecânica estatística, porque o último lida
com modelos microscópicos e parece ser mais "fundamental". Isso é lamentável do
ponto de vista educacional. Também coloca o estudante em desvantagem séria
quando ele busca abordar a abordagem estatística além do nível mais elementar,
uma vez que as técnicas da termodinâmica clássica se tornam essenciais para
a manipulação dos resultados estatísticos. Quando chegar a hora de usá-la,
o modo clássico de argumentação deve estar tão pronto para uso quanto as
técnicas da matemática elementar.
Ao escrever qualquer livro sobre termodinâmica clássica, há o problema

i
Prefácio

de decidir como desenvolver a segunda lei. Os defensores de uma abordagem


tradicional baseada nas formulações clássicas de Clausius ou Kelvin argumentam
que elas são generalizações tão simples da experiência cotidiana que a base
experimental da lei é claramente evidente, portanto, é fácil aceitá-la. No entanto,
dentro da estrutura do assunto, a função essencial da segunda lei é a introdução
da entropia, e chegar à entropia a partir das formulações de Clausius ou Kelvin
requer uma longa cadeia de argumentos envolvendo motores térmicos, processos
cíclicos e outros. A vantagem que pode ser obtida ao fornecer uma compreensão
precoce do funcionamento das máquinas térmicas é contrabalanceada pela
complexidade do caminho que nos leva à entropia.
No extremo oposto estão as abordagens nas quais a existência e as
propriedades da entropia são expostas em um conjunto de axiomas. Isso
tem a vantagem de introduzir a entropia diretamente, mas está muito distante
das bases experimentais para o meu gosto.
Entre os extremos está a formulação de Carathéodory, que se baseia
diretamente nos fatos físicos essenciais e leva rapidamente à entropia. Os
argumentos são necessariamente mais abstratos do que aqueles associados às
formulações clássicas, mas eu os considero bastante aceitáveis para o estudante
médio quando tratados através da ideia, introduzida por Buchdahl, de entropia
empírica.
Neste livro, primeiro apresento o tratamento tradicional e depois, no
capítulo 6, abordo o desenvolvimento da segunda lei a partir da formulação
de Carathéodory. O capítulo 6 pode ser omitido sem perturbar a narrativa
básica, mas espero que não seja, pois reconstruir a estrutura da segunda lei a
partir da formulação de Carathéodory após ter acompanhado o desenvolvimento
tradicional é de grande ajuda para uma compreensão adequada da entropia.
Ao final do livro, reuni uma série de problemas que espero que sejam
instrutivos e estimulantes. Muitos deles são baseados em antigas questões de
exames da Universidade de Cambridge. Ao longo do livro, é claro, utilizei
unidades do SI. Em relação à escolha de símbolos e convenções para mostrar
unidades, geralmente segui as recomendações do Comitê de Símbolos da Royal
Society e das normas britânicas atuais. Os detalhes técnicos das escalas de
temperatura e termometria estão consoante as decisões atuais do Comitê
Internacional de Pesos e Medidas.
Seria imprudente escrever algo como um livro didático sem aproveitar a
experiência daqueles que já se dedicaram à tarefa, e seria impossível mencionar
todos os que contribuíram indiretamente para sua elaboração. Dos livros
aos quais fiz referência com frequência, devo mencionar os textos clássicos
de Zemansky e Pippard, e o livro de Wilks sobre a terceira lei foi de grande
ajuda ao escrever o capítulo 12. Também devo muito aos membros deste
laboratório, em particular ao Dr. John Ashmead e ao Professor Sir Brian
Pippard, por seus comentários úteis e discussões proveitosas. Por fim, devo
agradecer às gerações de estudantes universitários e outros leitores das versões
anteriores deste livro que, por meio de suas perguntas, comentários e sugestões,
contribuíram significativamente para este texto.
Add new section about results in ??.

ii
Acknowledgements

Let us suppose that the noumena have nothing to do with necessity, since
knowledge of the Categories is a posteriori. Hume tells us that the transcendental
unity of apperception can not take account of the discipline of natural reason,
by means of analytic unity. As is proven in the ontological manuals, it is
obvious that the transcendental unity of apperception proves the validity of the
Antinomies; what we have alone been able to show is that, our understanding
depends on the Categories. It remains a mystery why the Ideal stands in need
of reason. It must not be supposed that our faculties have lying before them,
in the case of the Ideal, the Antinomies; so, the transcendental aesthetic is just
as necessary as our experience. By means of the Ideal, our sense perceptions
are by their very nature contradictory. Rewrite this.
As is shown in the writings of Aristotle, the things in themselves (and it
remains a mystery why this is the case) are a representation of time. Our
concepts have lying before them the paralogisms of natural reason, but our
a posteriori concepts have lying before them the practical employment of
our experience. Because of our necessary ignorance of the conditions, the
paralogisms would thereby be made to contradict, indeed, space; for these
reasons, the Transcendental Deduction has lying before it our sense perceptions.
(Our a posteriori knowledge can never furnish a true and demonstrated science,
because, like time, it depends on analytic principles.) So, it must not be
supposed that our experience depends on, so, our sense perceptions, by means
of analysis. Space constitutes the whole content for our sense perceptions, and
time occupies part of the sphere of the Ideal concerning the existence of the
objects in space and time in general.

iii
Contents

Prefácio i

Acknowledgements iii

Contents v

List of Figures ix

List of Tables xi

1 Introdução 1
1.1 Origem da termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 A aproximação macroscópica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.3 O papel das leis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.4 Sistema, vizinhança, e contorno . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.5 Variáveis Termodinâmicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.6 Equilíbrio Termodinâmico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.7 Reversibilidade Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.8 Graus de liberdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.9 Alguns resultados matemáticos úteis . . . . . . . . . . . . . . 10

2 A lei zero 15
2.1 A lei zero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.2 Temperatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.3 Escalas de temperatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.4 A escala do gás perfeito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.5 Temperatura termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.6 A escala Celsius . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.7 Alguns termômetros comuns . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.8 A Escala Internacional de Temperatura Prática . . . . . . . . 24

3 A primeira lei 27
3.1 Contexto da primeira lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.2 A primeira lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.3 Energia interna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.4 Calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.5 Trabalho em diversos sistemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

v
Contents

3.6 Capacidades térmicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

4 A segunda lei 39
4.1 A função da segunda lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.2 Processos cíclicos e motores térmicos . . . . . . . . . . . . . . 39
4.3 Enunciados da segunda lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
4.4 Quentura e Temperatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
4.5 Teorema de Carnot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
4.6 Temperatura Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4.7 Unicidade das adiabáticas reversíveis . . . . . . . . . . . . . . 48
4.8 Geladeiras e bombas de calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.9 Motores térmicos reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

5 Entropia 57
5.1 Teorema de Clausius . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
5.2 Entropia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
5.3 Entropia em mudanças irreversíveis . . . . . . . . . . . . . . . 61
5.4 A forma entrópica da primeira lei . . . . . . . . . . . . . . . . 63
5.5 Entropia e degradação da energia . . . . . . . . . . . . . . . . 64
5.6 Entropia e ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

6 A formulação de Carathéodory para a segunda lei 75


6.1 Observações introdutórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
6.2 Entropia empírica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
6.3 Entropia empírica e calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
6.4 Temperatura termodinâmica e entropia . . . . . . . . . . . . . 81
6.5 Mudanças irreversíveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
6.6 Desenvolvimento subsequente . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

7 Potenciais Termodinâmicos 87
7.1 A transformação diferencial de Legendre . . . . . . . . . . . . 90
7.2 Relações de Maxwell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
7.3 Condições gerais para o equilíbrio termodinâmico . . . . . . . 93

8 Aplicações em sistemas simples 97


8.1 Algumas propriedades das capacidades térmicas específicas . . 97
8.2 Second Section . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

9 Aplicações para algumas mudanças irreversíveis 101


9.1 First Section . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
9.2 Second Section . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

10 Mudança de fase 103


10.1 First Section . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
10.2 Second Section . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

11 Sistemas de várias componentes 105


11.1 First Section . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
11.2 Second Section . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106

12 A terceira lei 107

vi
Contents

12.1 First Section . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107


12.2 Second Section . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108

Appendices 109

A The First Appendix 111


A.1 First Section . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
A.2 Second Section . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112

B The Second Appendix 113

vii
List of Figures

1.1 Um sistema termodinâmico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4


1.2 Diferentes tipos de equilíbrio: Equilíbrio estável - Uma bola em
uma depressão e um cilindro de gás a temperatura constante, even-
tualmente retornarão aos seus estados iniciais se forem deslocados
e soltos. Equilíbrio neutro - Uma bola em um plano horizontal
pode ser deslocada para qualquer posição no plano e permanecerá
lá quando solta. Da mesma forma, um sistema composto por um
líquido e seu vapor a temperatura constante também exibe equilíbrio
neutro, pois a pressão de vapor depende apenas da temperatura, de
modo que, enquanto ambas as fases estiverem presentes, a mudança
de volume apenas causa condensação ou vaporização sem alteração
da pressão, e o sistema permanece em equilíbrio com seu entorno.
Equilíbrio metaestável - Uma bola em uma pequena cavidade em
uma superfície convexa é estável apenas para pequenos desloca-
mentos. Uma mistura de hidrogênio e oxigênio em um recipiente
termicamente isolado também é estável para pequenos deslocamen-
tos, mas uma compressão intensa poderia elevar suficientemente a
temperatura para que a mistura explodisse. . . . . . . . . . . . . . 7
1.3 Diagrama indicador (diagrama de fase) para um processo reversível
em um fluido simples. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.4 Um exemplo de histerese: a magnetização do ferro. . . . . . . . . . 9
1.5 Cálculo da mudança na função x(y, z) . . . . . . . . . . . . . . . . 12

2.1 Uma ilustração da lei zero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15


2.2 Isotermas para um fluido simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.3 Construção de uma escala de temperatura com base no comporta-
mento de um gás. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.4 Faixas úteis de diferentes tipos de termômetros. . . . . . . . . . . . 25

3.1 Diferentes caminhos adiabáticos entre dois estados de um


fluido.
1A2. Uma compressão adiabática seguida de trabalho elétrico
a volume constante realizado por meio de um "aquecedor" de
capacidade térmica desprezível imerso no sistema.
1B2. Os mesmos processos, mas na ordem inversa.
1C2. Um percurso complexo que requer trabalho elétrico e mecânico
simultâneos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

ix
List of Figures

3.2 Compressão de um fluido. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32


3.3 Aplicação de pressão hidrostática a um sólido. . . . . . . . . . . . 33
3.4 Trabalho contra a tensão superficial. . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
3.5 Polarização de um dielétrico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
3.6 Cálculo do trabalho realizado por um campo magnético. . . . . . . 38

4.1 Aplicação da primeira lei para uma máquina térmica . . . . . . . . 40


4.2 Ciclo de Carnot em um gás, (a), e um material paramagnético,
(b). AB e CD são processos isotérmicos. BC e DA são processos
adiabáticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
4.3 Prova de que a falsidade do enunciado de Clausius da segunda lei
implica a falsidade do enunciado de Kelvin. . . . . . . . . . . . . . 43
4.4 Demonstração da correspondência entre quentura e temperatura. . 44
4.5 Prova do Teorema de Carnot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.6 Derivação da temperatura termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . 47
4.7 Uma máquina de Carnot operando reversamente absorve calor de
um reservatório frio e rejeita calor em um mais quente. . . . . . . . 50
4.8 Eficiência de um refrigerador ideal . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
4.9 A eficiência de uma bomba térmica ideal . . . . . . . . . . . . . . . 52
4.10 O ciclo Otto padrão para o ar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

5.1 Prova do teorema de Clausius . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58


5.2 Prova de que a entropia é uma função de estado. . . . . . . . . . . 60
5.3 Determinação do comportamento da entropia em uma mudança
irreversível . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
5.4 Capacidade térmica específica do β-latão . . . . . . . . . . . . . . 69
5.5 Capacidade térmica em baixa temperatura do alumen de cromo-
potássio (Bleaney, 1950; e de Klerk et al., 1949) . . . . . . . . . . . 70
5.6 Entropia próximo de uma mudança de fase de primeira ordem . . . 71

6.1 Prova de que dois estados de um sistema termicamente isolado não


podem ser mutuamente inacessíveis. . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
6.2 Prova de que o estado após a deformação reversível de um sistema
termicamente isolado é independente do caminho percorrido. . . . 79

7.1 Demonstração do significado de disponibilidade. . . . . . . . . . . 94

x
List of Tables

1.1 Alguns pares conjugados das variáveis termodinâmicas. . . . . . . 5

2.1 Valores atribuídos da Temperatura Prática Internacional dos pontos


de referência padrão e primários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.2 Alguns termopares comuns . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

7.1 Condições para equilíbrio estável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96

xi
CHAPTER 1

Introdução

sec:intro
1.1 Origem da termodinâmica
O aumento da mecanização durante o século XIX envolveu a construção de
máquinas, como a máquina a vapor, para a conversão de energia térmica em
energia mecânica. Foi a partir do estudo dessas máquinas térmicas que a
termodinâmica se desenvolveu. O desenvolvimento inicial foi rápido. Por volta
de 1900, o assunto estava firmemente estabelecido, e embora sua aplicação tenha
inicialmente sido restrita à engenharia térmica, suas leis logo foram reconhecidas
como tendo uma grande generalidade e sendo úteis e importantes em muitos
outros ramos da ciência também. Em termos gerais, a termodinâmica é aplicável
a todos os processos em que a temperatura ou o calor desempenham um papel
importante. Na física, ela fornece uma maneira de entender fenômenos tão
diferentes quanto a radiação térmica, por um lado, e as propriedades de baixa
temperatura de sais paramagnéticos, por outro. Ela fornece a teoria básica das
reações químicas e está subjacente a grande parte da engenharia química. Ela é
aplicável não apenas a máquina a vapor, mas também a refrigeração e foguetes.
Com essa ampla variedade de aplicações, é possível adotar vários termos
de referência para desenvolver o assunto. Escolheremos exemplos que são
principalmente de interesse para o físico. No entanto, a estrutura fundamental
do assunto é pouco afetada pelas aplicações que se tem em mente. Isso ocorre
porque a teoria básica pode ser desenvolvida de maneira precisa e autossuficiente,
com grande rigor de argumentação matemática. Para alguns, isso faz com que o
assunto pareça muito abstrato e difícil, mas vamos tentar evitar essa impressão
ao desenvolver a teoria no contexto de suas aplicações a sistemas físicos reais.

1.2 A aproximação macroscópica


A termodinâmica visa descrever e correlacionar as propriedades diretamente
observáveis das substâncias. O volume de um gás, a expansão de um fio, a
polarização de um dielétrico, são descritas e correlacionadas pela termodinâmica.
Essas são todas quantidades macroscópicas, propriedades dos materiais em
sua totalidade. Se estivéssemos interessados na pressão exercida por um
gás nas paredes de seu recipiente, poderíamos, em princípio, adotar uma
abordagem microscópica e partir das equações de movimento das moléculas
individuais, examinar as estatísticas de seus movimentos e finalmente obter
uma expressão para a quantidade macroscópica, pressão, em termos de trocas

1
1. Introdução

de momento nas fronteiras do recipiente. No entanto, para muitos propósitos,


uma análise em termos microscópicos é desnecessária. As leis da termodinâmica
nos permitem relacionar as quantidades macroscópicas sem fazer quaisquer
suposições microscópicas. A grande generalidade da termodinâmica é uma
consequência direta disso. Ao evitar o compromisso com qualquer interpretação
microscópica particular, a termodinâmica não está limitada a aplicações
específicas nem está sujeita às limitações da teoria microscópica.
Por outro lado, é possível associar tipos específicos de comportamento
macroscópico a certos tipos gerais de mudança microscópica: uma anomalia
em um calor específico, por exemplo, pode resultar de uma mudança na
ordenação atômica em um cristal. No entanto, uma vez que nenhuma suposição
microscópica é incorporada à termodinâmica, nunca é possível identificar um
processo microscópico apenas pelo raciocínio termodinâmico.
Talvez seja porque a termodinâmica não está preocupada com fundamentos
no sentido microscópico que às vezes ela não apela facilmente ao físico; mas ele
a ignorará por seu próprio risco. É justamente por evitar teorias microscópicas
que ela é tão valiosa. Frequentemente, ela fornece respostas para problemas em
que a compreensão dos processos fundamentais envolvidos pode ser difícil ou
impossível. Ela também ajuda a evitar erros, pois qualquer resultado que não
satisfaça os requisitos da termodinâmica deve estar errado. Mas, talvez mais
importante, o treinamento de um físico não se limita apenas ao aprendizado de
teorias fundamentais, mas também ao desenvolvimento de uma sensibilidade em
relação à maneira como os sistemas físicos se comportam, e aqui a termodinâmica
tem uma contribuição peculiar ao fornecer um quadro de ideias muito geral a
partir do qual a compreensão de sistemas específicos pode ser mais facilmente
alcançada.

1.3 O papel das leis


Ao buscar derivar relações entre quantidades diretamente observáveis, a
termodinâmica essencialmente formula regras que essas quantidades devem
obedecer sob condições específicas. Essas regras podem ser aplicadas a uma
substância passando por um processo específico, ou podem ser regras de
transformação úteis para relacionar quantidades que podem ser difíceis de
medir com aquelas que são mais facilmente medidas. Por exemplo, veremos que
a razão entre a compressibilidade isotérmica κT e a compressibilidade adiabática
κS é igual à razão das capacidades térmicas principais:

κT Cp
=γ= (1.1)
κS CV

Uma relação desse tipo segue logicamente das leis da termodinâmica. Se


elas são verdadeiras, então essa relação deve sempre ser verdadeira. Se um
experimento resultar em algo diferente, então há algo errado com o experimento,
caso contrário, toda a estrutura da termodinâmica entraria em colapso. Para
derivar esses resultados da maneira mais simples possível, é necessário definir
novas funções e conceitos, como temperatura, energia interna e entropia. Com
uma massa de gás dada, por exemplo, geralmente precisamos apenas especificar
sua pressão e volume para definir seu estado precisamente. Essas quantidades são
observáveis diretos. Mas se quisermos descrever como a pressão e o volume irão

2
1.4. Sistema, vizinhança, e contorno

mudar se esse gás fluir por um tubo de seção transversal variável, é conveniente
introduzir uma quantidade chamada entalpia, conservada no processo. Essas
quantidades novas e mais abstratas nos permitem caracterizar processos ou
condições de maneira simples. Elas podem ser constantes em um determinado
processo ou podem assumir algum valor extremal sob condições específicas.
Tendo definido essas novas quantidades, devemos, é claro, esperar que elas
estejam relacionadas entre si e com as grandezas observáveis diretas de uma
maneira que siga logicamente suas definições. Dentre esses novos conceitos, três
são fundamentais. Cada um deles segue de uma das leis da termodinâmica. A
partir da lei zero, somos capazes de atribuir um significado preciso à temperatura.
A partir da primeira lei, somos capazes de definir a energia interna e, a partir
da segunda, a entropia.

1.4 Sistema, vizinhança, e contorno


Um sistema termodinâmico é aquela porção do universo que selecionamos para
investigação. Um sistema pode ser simples ou complexo; pode ser homogêneo
ou pode consistir de várias partes. Um gás em um cilindro é um sistema
simples. Uma mistura de fenol e água é um sistema mais complicado: ele
contém duas substâncias ou componentes diferentes e, para certas concentrações
e temperaturas, separa-se em duas fases. Fase é definida como um sistema
ou parte de um sistema que é homogêneo e possui limites definidos. Uma
fase pode ser uma substância quimicamente pura ou pode conter mais de um
componente, como na mistura de fenol e água. Quando a mistura de fenol e
água se separa, ambos os componentes estão presentes em ambas as fases, mas
em concentrações diferentes. Tudo fora do sistema é chamado de vizinhança, e o
sistema é separado da vizinhança por sua fronteira (Fig. 1.1). Em muitos casos,
a fronteira de um sistema pode ser simplesmente sua superfície, como uma gota
de líquido; mas muitas vezes é conveniente conter o sistema dentro de paredes
de algum tipo especial que permitem ou impedem vários tipos de interação
entre o sistema e sua vizinhança. Quando consideramos como um sistema
pode interagir com sua vizinhança, descobrimos que as interações podem ser
divididas em dois tipos. Podemos influenciar um sistema fazendo trabalho
nele, ou podemos influenciá-lo termicamente. Compressão e magnetização são
exemplos de processos semelhantes ao trabalho, enquanto o aquecimento em uma
chama é um exemplo de processo térmico. Uma parede rígida impede que um
sistema mude seu volume ou forma, de modo que nenhum trabalho de natureza
mecânica possa ser feito nele. Paredes que impedem qualquer interação térmica
são chamadas de adiabáticas, e um sistema isolado por paredes adiabáticas é
dito estar termicamente isolado. Tal sistema não pode trocar calor com sua
vizinhança, mas deve ser possível fazer trabalho nele. Qualquer mudança que
ele sofra será uma mudança adiabática. Um recipiente Dewar fornece uma boa
aproximação de paredes adiabáticas. Uma parede que impede qualquer interação
entre o sistema e sua vizinhança é chamada de parede isolante, e o sistema
então é dito estar (completamente) isolado. Paredes que não são adiabáticas
(mas pelas quais um sistema pode ser influenciado termicamente) são chamadas
de diatérmicas, e dois sistemas separados por uma parede diatérmica são ditos
estar em contato térmico.
Ao discutir sistemas químicos que contêm diferentes componentes, às vezes

3
1. Introdução

Figure 1.1: Um sistema termodinâmico. fig:sisterm

é conveniente ter uma seção de parede através da qual um ou mais dos


componentes possam passar enquanto os outros são contidos. Essa parede
é chamada de semipermeável. Quartzo quente é permeável ao hélio, mas
impermeável a outros gases. Um sistema muito utilizado no desenvolvimento
da teoria básica da termodinâmica é o de um gás contido em um cilindro suave
por um pistão sem atrito e à prova de vazamentos. Este é um sistema modelo
particularmente útil para se referir, pois é fácil visualizar como as mudanças
ocorrem e como os parâmetros termodinâmicos podem ser variados.

1.5 Variáveis Termodinâmicas


As variáveis termodinâmicas compreendem as grandezas diretamente observáveis
e as "novas" quantidades discutidas na seção 1.3. Elas podem ser divididas
em duas classes. As da primeira classe são essencialmente locais em caráter
e incluem quantidades como pressão, campo elétrico, força e densidade 1 são
1 Essas grandezas não são estritamente locais no sentido de que é possível defini-las em

um único ponto. Por exemplo, definiríamos a pressão local em um gás por


p = lim F/a
a→0

onde F é a componente da força perpendicular exercida sobre uma pequena área a. No


entanto, quando, onde l é o caminho médio livre das moléculas do gás, a natureza discreta
dos impactos moleculares se torna aparente e essa quantidade irá variar violentamente. À
medida que a área a diminui, torna-se necessário realizar uma média ao longo de tempos cada
vez mais longos para obter qualquer semelhança entre a pressão, conforme definida, e sua
contraparte macroscópica. Restrições semelhantes se aplicam a outras variáveis intensivas. No
caso do campo elétrico, o limite é determinado pelo princípio da incerteza, pois definiríamos
o campo elétrico local por
= lim ṗ/e
V →0
mathdisplayonde p é a taxa de variação do momento de uma partícula com carga e que
confinamos no volume, V . À medida que tornamos V menor para definir E mais precisamente
em um ponto, eventualmente introduzimos uma grande incerteza no momento da partícula
pela restrição ∆pV 1/3 ∼ ℏ, e torna-se impossível observar p. Felizmente, essas restrições
não nos preocupam aqui, porque ao adotar a abordagem macroscópica na termodinâmica,

4
1.6. Equilíbrio Termodinâmico

Table 1.1: Alguns pares conjugados das variáveis termodinâmicas.

Sistema Variável intensiva Variável extensiva


fluido pressão, p volume, V
filamento força tensional, f comprimento, L
filme tensão de superfície, τ área, A
elétrico diferença de potencial, E carga, Z
dielétrico campo elétrico, E⃗ momento de dipolo elétrico, p⃗ 2
magnético densidade de fluxo, B⃗ momento de dipolo magnético, m ⃗
todos os sistemas temperatura, T entropia, S
generalizado força, X
⃗ deslocamento, ⃗x
tab:conjugvaria

conhecidas como variáveis intensivas. As da segunda classe correspondem a


alguma medida do sistema na totalidade e incluem grandezas como massa,
volume, energia interna e comprimento. Essas grandezas são proporcionais à
massa do sistema se as variáveis intensivas forem mantidas constantes e, por
esse motivo, são conhecidas como variáveis extensivas.
É frequentemente conveniente se referir a quantidades extensivas em termos
de seus valores por unidade de massa do sistema. Elas são então designadas por
variáveis específicas. Frequentemente, as variáveis extensivas são representadas
por letras maiúsculas e as quantidades específicas derivadas pela correspondente
letra minúscula. Assim, o volume por unidade de massa é chamado de volume
específico e é representado pelo símbolo v. Outra convenção útil é adicionar
um sufixo m a uma quantidade extensiva quando a quantidade de substância
considerada é um mol. Assim, Cp é a capacidade térmica a pressão constante
(unidade, JK −1 ) e Cmp é a capacidade térmica molar a pressão constante
(unidade, JK −1 mol−1 ). O sufixo molar é frequentemente omitido se não houver
perigo de confusão. Muitas das quantidades observáveis diretas formam pares
conjugados, de modo que o produto entre elas tem dimensões de energia. Para
essas quantidades, o membro intensivo de cada par tem o caráter de uma força,
e o membro extensivo tem o caráter de um deslocamento. Alguns exemplos
dessas quantidades estão listados na Tabela 1.1, juntamente com o tipo de
sistema ao qual elas se aplicam particularmente. Qualquer quantidade que
tenha um valor único para cada estado de um sistema é chamada de função de
estado. As quantidades observáveis diretas são obviamente funções de estado.
Em princípio, deve ser possível expressar qualquer função de estado em termos
de qualquer conjunto de variáveis que seja suficiente para definir o estado do
sistema.

1.6 Equilíbrio Termodinâmico


Quando um sistema sofre uma mudança em seu entorno, geralmente se observa
que ele também sofre uma mudança. Se o bulbo de um termômetro for colocado
em um recipiente com água quente, o mercúrio começará a se expandir e a
subir no capilar. Após um certo tempo, entretanto, o sistema será encontrado
nunca podemos esperar usá-la para descrever sistemas na escala atômica ou quântica. Na
verdade, é precisamente porque as quantidades macroscópicas deixam de ter significado que
não podemos fazer isso.

5
1. Introdução

em um estado em que nenhuma mudança adicional ocorre, e então diz-se que


ele atingiu o equilíbrio termodinâmico. Em geral, a aproximação ao equilíbrio
termodinâmico envolverá interações tanto térmicas quanto do tipo trabalho
com o entorno. Da mesma forma, se colocarmos dois sistemas em contato
térmico, geralmente observamos que ocorrerão mudanças em ambos. Quando
não há mais nenhuma mudança (cada um alcançou um estado de equilíbrio
termodinâmico), diz-se que os dois sistemas estão em equilíbrio térmico. Nesse
caso, evitamos a interação do tipo trabalho e permitimos apenas a interação
térmica. Eventualmente, descreveremos tal situação dizendo que o calor flui de
um sistema para o outro até que estejam na mesma temperatura. Assim como
na mecânica, a termodinâmica conhece vários tipos de equilíbrio, e definimos
a estabilidade do equilíbrio de maneira semelhante. Portanto, um sistema
é considerado em equilíbrio estável se, após ser ligeiramente deslocado, ele
retorna ao seu estado original. Um sistema está em equilíbrio metaestável se é
estável para pequenos deslocamentos, mas instável para deslocamentos maiores.
Certos sistemas também apresentam equilíbrio neutro. Tais sistemas podem
ser deslocados, mas permanecerão na condição deslocada quando liberados. Se
um sistema é instável para deslocamentos infinitesimais, diz-se que ele está
em equilíbrio instável. Vale ressaltar que, no sentido mais estrito, nem a
mecânica, nem a termodinâmica conhecem um verdadeiro equilíbrio instável, e
a razão é a mesma em ambos os casos. O equilíbrio é definido em termos de
variáveis macroscópicas que são, médias em larga escala de quantidades que, na
escala microscópica, estão sujeitas a flutuações. A pressão exercida por um gás
é a média macroscópica dos impulsos provenientes dos impactos moleculares
discretos. Os átomos de um sólido estão sempre em movimento térmico. Embora
em sistemas grandes essas flutuações possam ser relativamente insignificantes,
qualquer flutuação, por menor que seja, é, por definição, suficiente para destruir
o equilíbrio instável. Portanto, não existe um equilíbrio verdadeiramente instável,
embora em alguns sistemas o tamanho do deslocamento para o qual o sistema
permanece em equilíbrio metaestável possa ser tão pequeno que o sistema
seja vagamente descrito como sendo instável. Sendo definido em termos de
quantidades macroscópicas, o equilíbrio é em si um conceito macroscópico. Só
podemos aplicar a ideia de equilíbrio a corpos grandes, a sistemas com muitas
partículas. O movimento browniano de uma partícula coloidal mostra que
ela certamente não está em equilíbrio. Por outro lado, a densidade média de
partículas coloidais em diferentes alturas em uma suspensão obedece a regras
que podem ser derivadas de nossas ideias de equilíbrio. Alguns exemplos dos
diferentes tipos de equilíbrio são ilustrados na Figura 1.2.

1.7 Reversibilidade Termodinâmica


Quando um sistema passa por uma série de mudanças, diz-se que ocorre um
processo termodinâmico. Um processo é considerado reversível se, e somente se,
sua direção puder ser revertida por uma mudança infinitesimal nas condições;
não é suficiente que possa ser revertido apenas por uma mudança finita. A
reversibilidade termodinâmica requer o cumprimento de duas condições: o
processo deve ser quase-estático e não deve haver histerese. Processos quase-
estáticos. Para ser quase-estático, um processo deve ser realizado tão lentamente
que cada estado pelo qual o sistema passa possa ser considerado um estado

6
1.7. Reversibilidade Termodinâmica

Figure 1.2: Diferentes tipos de equilíbrio: Equilíbrio estável - Uma bola em


uma depressão e um cilindro de gás a temperatura constante, eventualmente
retornarão aos seus estados iniciais se forem deslocados e soltos. Equilíbrio
neutro - Uma bola em um plano horizontal pode ser deslocada para qualquer
posição no plano e permanecerá lá quando solta. Da mesma forma, um sistema
composto por um líquido e seu vapor a temperatura constante também exibe
equilíbrio neutro, pois a pressão de vapor depende apenas da temperatura,
de modo que, enquanto ambas as fases estiverem presentes, a mudança de
volume apenas causa condensação ou vaporização sem alteração da pressão, e o
sistema permanece em equilíbrio com seu entorno. Equilíbrio metaestável - Uma
bola em uma pequena cavidade em uma superfície convexa é estável apenas
para pequenos deslocamentos. Uma mistura de hidrogênio e oxigênio em um
recipiente termicamente isolado também é estável para pequenos deslocamentos,
mas uma compressão intensa poderia elevar suficientemente a temperatura para
que a mistura explodisse. fig:eqtipo

de equilíbrio. Estritamente falando, isso significa que o processo deve ser


realizado infinitamente lentamente. Mudanças rápidas causam desequilíbrio
entre diferentes partes de um sistema. Por exemplo, suponha que um gás seja
comprimido do estado (p1 , V1 ) para o estado (p2 , V2 ) (Fig. 1.3). Se a compressão
for realizada suficientemente devagar, sempre haverá tempo para o gás se ajustar
ao ambiente em mudança e ele nunca se afastará significativamente do equilíbrio
com ele. Todo estado pelo qual o gás passa será um estado de equilíbrio, e,
claramente, o processo pode ser revertido a qualquer momento revertendo as
operações no sistema. Se, em vez disso, comprimirmos rapidamente o gás por
um movimento repentino do pistão, ondas sonoras ou ondas de choque serão
criadas no gás, criando regiões de pressão e temperatura diferentes. Claramente,
essa mudança não é reversível (não podemos extrair as ondas sonoras movendo o
pistão novamente para fora). Uma vez que um estado de equilíbrio corresponde
a valores definidos dos parâmetros do sistema, podemos representar um processo
quase-estático traçando como os parâmetros variam à medida que o sistema
passa do estado inicial para o estado final (Fig. 1.3). Essa representação é

7
1. Introdução

Figure 1.3: Diagrama indicador (diagrama de fase) para um processo reversível


em um fluido simples. fig:diagfase

conhecida como diagrama indicador ou mais comumente diagrama de fase. Em


uma mudança não quase-estática, os parâmetros do sistema não definem os
estados pelos quais o sistema passa nem podem descrever os processos pelos quais
ele passa. Portanto, processos não quase-estáticos não devem ser representados
por uma linha em um diagrama indicador.
Histerese. Quando um processo é revertido em um sistema com histerese, o
sistema não percorre o caminho anterior, mas segue por um caminho diferente.
Um exemplo comum é encontrado na magnetização do ferro (Fig. 1.4). Se
realizado suficientemente lentamente, cada estado pelo qual o sistema passa
pode ser considerado um estado de equilíbrio. As variáveis são, em todos os
momentos, bem definidas e o processo pode ser representado em um diagrama
indicador. No entanto, também fica claro que os parâmetros do sistema não
definem unicamente o estado do sistema, pois sua relação depende da história
anterior do sistema. O atrito é uma causa comum de histerese 3 .

3 Estritamente falando, a distinção entre um processo não-quase-estático e um processo

histérico é apenas uma questão de escala de tempo. Se colocarmos um pedaço de ferro em um


campo magnético, há um estado único do ferro correspondente à configuração de menor energia
do sistema. Assim que o campo é aplicado, estamos realmente colocando o ferro em um estado
metaestável do qual ele teria que passar para o estado verdadeiramente estável por uma série
de mudanças minúsculas em escala molecular. No entanto, as barreiras de potencial entre esses
passos são tão grandes que a aproximação ao equilíbrio só ocorre em uma taxa extremamente
lenta, uma taxa que é bastante insignificante em qualquer escala de tempo normal. Uma
vez que um processo histérico é, nesse sentido, um processo não-quase-estático em uma
escala de tempo enorme, podemos esperar que haja inomogeneidades dentro do sistema,
assim como nos processos não-quase-estáticos normais. A partir do nosso conhecimento
sobre o ferromagnetismo, sabemos que isso é verdade. As irregularidades no movimento das
paredes do domínio, que podem ser observadas sob um microscópio, indicam a presença de
inomogeneidades que dificultam o rearranjo magnético. São justamente essas inomogeneidades
que impedem a obtenção do verdadeiro estado de equilíbrio em um tempo normal. Uma vez
que, em geral, os sistemas termodinâmicos levam tempos extremos para atingir o verdadeiro
equilíbrio, é conveniente manter a distinção entre os processos não-quase-estáticos e histéricos.

8
1.8. Graus de liberdade

Figure 1.4: Um exemplo de histerese: a magnetização do ferro. fig:histe

1.8 Graus de liberdade


Para qualquer sistema em particular, podemos listar muitas variáveis termod-
inâmicas que descrevem diferentes aspectos de suas propriedades. Se forem
funções de estado, os valores dessas variáveis serão determinados pelo estado do
sistema: para um estado específico, elas terão um conjunto específico de valores.
No entanto, muitas delas estarão relacionadas de alguma forma. Por exemplo,
a densidade é a razão entre massa e volume. Portanto, podemos perguntar:
qual é o número mínimo de variáveis cujos valores devem ser especificados para
que o estado do sistema seja determinado de forma única? Qual é o número
de variáveis independentes? Quantos graus de liberdade o sistema possui? A
resposta a essa pergunta obviamente depende da natureza do sistema e de
quantas condições ou restrições impomos a ele. Muitas vezes, para um sistema
simples, é possível dizer imediatamente quantos graus de liberdade ele possui a
partir do conhecimento de suas propriedades. Um fio sujeito apenas à tensão,
por exemplo, tem dois graus de liberdade, pois sabemos que seu comprimento
depende apenas da temperatura e da tensão. Em outros casos, pode ser útil
fazer duas listas, uma das variáveis do sistema e outra das condições que elas
devem satisfazer. O número de graus de liberdade é então o número de variáveis,
nv , menos o número de condições independentes, nc . Para uma massa dada de
um gás simples, podemos elaborar as seguintes listas:
Variáveis Condições

pressão, p M=constante
volume, V ρ = M/V
temperatura, T p = p(V, T ) (lei dos gases)
massa, M
densidade, ρ
nv = 5 nc = 3

N = nv − nc

9
1. Introdução

Existem dois graus de liberdade, para os quais podemos escolher qualquer


par conveniente das variáveis. Não importa se incluirmos muitas variáveis
na primeira lista, porque qualquer nova variável introduzirá uma restrição
correspondente na forma de uma equação relacionando-a a outras já listadas. Se
tivéssemos incluído a compressibilidade do gás, por exemplo, também teríamos
a equação que a define em termos da pressão e do volume:

1 ∂V
 
κT = − (1.2)
V ∂p T

A presença de mais de uma fase em um sistema ou de vários componentes


obviamente introduz mais variáveis, mas adiaremos a discussão detalhada de
tais sistemas até encontrarmos como expressar a condição para estarem em
equilíbrio termodinâmico (capítulos 7 e 11). Em geral, observa-se que o número
de graus de liberdade possuído por um sistema de composição dada, incluindo
sua massa total, é dado por:

N = 2 + nw − nc

onde nw é o número de maneiras pelas quais o trabalho pode ser realizado


no sistema e nc é o número de condições às quais ele está sujeito. Exemplos
de restrições comuns podem ser a constância da massa ou a constância da
temperatura. Muitas vezes, certas coordenadas não desempenham um papel
significativo nos processos físicos em análise, e é possível desconsiderá-las.
Sabemos, por exemplo, que quando um fio é esticado, ele sofre uma mudança
muito pequena de volume, portanto, trabalho será realizado nele pela pressão
hidrostática de qualquer fluido circundante. Estritamente falando, o fio requer
três parâmetros para definir seu estado, digamos tensão f , comprimento L e
volume V , mas se a pressão hidrostática for pequena, o trabalho realizado por
ela pode ser negligenciável em comparação com o trabalho realizado pela força
de tensão, de modo que as mudanças de volume não desempenham um papel
significativo na determinação do comportamento elástico simples. Nesse caso, é
necessário apenas manter f e L.
Posteriormente, usaremos diversas funções conhecidas como potenciais ter-
modinâmicos (capítulos 7 e seguintes). Vale a pena mencionar antecipadamente
que as expressões para os diferenciais dessas funções devem conter vários termos
independentes, e o número desses termos é igual ao número de graus de liberdade
do sistema. (Claramente, esse deve ser o caso na expressão para o diferencial de
qualquer função de estado). No entanto, por enquanto, esses detalhes não nos
preocupam, pois desenvolveremos as ideias básicas da termodinâmica fazendo
referência apenas a sistemas muito simples.

1.9 Alguns resultados matemáticos úteis


Coeficientes diferenciais que relacionam a taxa de variação de uma variável
termodinâmica com outra são muito importantes na termodinâmica. Eles são
conhecidos como coeficientes termodinâmicos e, uma vez que sua manipulação
é uma parte vital dos cálculos termodinâmicos, é importante entender seu
significado e estar familiarizado com alguns resultados matemáticos básicos que
auxiliam em seu manuseio.

10
1.9. Alguns resultados matemáticos úteis

Os teoremas do recíproco e da reciprocidade


Suponha que três variáveis x, y, z estejam relacionadas:
F (x, y, z) = 0 (1.3)
Então, em princípio, esta equação pode ser rearranjada para expressar uma
das variáveis em termos das outras duas como variáveis independentes:
x = x(y, z) (1.4)
Diferenciando por partes, temos:
   
∂x ∂x
dx = dy + dz (1.5) {eq:
∂y z ∂z y diferentialx}

onde os termos entre colchetes são as diferenciais parciais de x. Formalmente,


as diferenciais parciais são definidas analogamente às diferenciais normais:
x(y + δy, z) − x(y, z)
 
∂x
= lim (1.6)
∂y z δy→0 δy
A equação 1.5 expressa a variação em x que resulta de mudanças em ambas as
variáveis independentes nas quais x depende. Podemos escrever uma equação
análoga para dz:    
∂z ∂z
dz = dx + dy (1.7) {eq:
∂x y ∂y x diferentialz}

substituindo a eq. 1.7 na eq. 1.5 obteremos,


    "      #
∂x ∂z ∂x ∂x ∂z
dx = dx + + dy (1.8) {eq:difcomplete}
∂z y ∂x y ∂y z ∂z y ∂y x
Este resultado deve ser sempre verdadeiro, independentemente do par
de variáveis que escolhemos considerar como independentes. Em particular,
poderíamos escolher x e y como independentes. Então, se fizermos dy = 0 e
dx ̸= 0, a eq. 1.8 nos dá    
∂x ∂z
=1
∂z y ∂x y
ou,
1
 
∂x
= ∂z  (1.9) {eq:reciproco}
∂z y ∂x y

Esta é o teorema do recíproco (lei da reciprocidade), que nos permite substituir


qualquer derivada parcial pela derivada invertida recíproca com a(s) mesma(s)
variável(eis) mantida(s) constante(s). Agora, se substituirmos na eq. 1.8 dx = 0
e dy ̸= 0, o termo entre colchetes deve ser identicamente zero, resultando em
     
∂x ∂x ∂z
=−
∂y z ∂z y ∂y x

de modo que, fazendo uso do teorema do recíproco, (eq. 1.9),


     
∂x ∂y ∂z
= −1. (1.10)
∂y z ∂z x ∂x y

11
1. Introdução

Figure 1.5: Cálculo da mudança na função x(y, z) fig:orderdif

Este é o teorema da reciprocidade. Ele pode ser escrito começando com qualquer
derivada e seguindo em ordem cíclica pelas outras variáveis. (Isso produz uma
combinação adimensional.) Essa relação é frequentemente usada para decompor
uma derivada em um produto de derivadas mais convenientes.

Ordem de diferenciação
Derivadas de segunda ordem ou ordem superiores podem envolver diferenciação
em relação a mais de uma das variáveis independentes. É um resultado geral que
a derivada não depende da ordem de diferenciação. Podemos facilmente mostrar
isso para uma diferencial de segunda ordem. Suponha que x = x(y, z). Para
pequenas mudanças em y e z, podemos encontrar a mudança em x expandindo
x em uma série de Taylor em cada variável separadamente. Obtemos o resultado
desejado ao comparar as expressões obtidas ao passar dos valores iniciais para
os valores finais de y e z por dois caminhos diferentes. Esses são ilustrados na
Figura 1.5.
Procedendo primeiro a partir dos valores iniciais das variáveis independentes
representadas pelo ponto 1 até A, ao mudar y, temos, conforme o teorema de
Taylor,

1 ∂ 2 x1
   
∂x1
xA = x1 + δy + (δy)2 + · · · (1.11) {eq:diforder1}
∂y z 2 ∂y 2 z

onde os sufixos dentro dos colchetes indicam o ponto em que as diferenciais são
avaliadas. Agora, procedendo de A para 2,

1 ∂ 2 xA
   
∂xA
x2 = xA + δz + (δz)2 + · · · (1.12) {eq:diforder2}
∂z y 2 ∂z 2 y

Substituindo a equação 1.11 na equação 1.12, e retendo apenas os termos


de segunda ordem,

12
1.9. Alguns resultados matemáticos úteis

1 ∂ 2 x1
     
∂x1 ∂x1
x2 = x1 + δy + δz + (δy)2 +
∂y z ∂z y 2 ∂y 2 z
1 ∂ 2 x1
   
∂ ∂x1
+ (δz)2
+ δyδz + · · · (1.13)
2 ∂z 2 y ∂z ∂y z

Se procedermos via B, a única diferença está no último termo:

1 ∂ 2 x1
     
∂x1 ∂x1
x2 = x1 + δy + δz + (δy)2 +
∂y z ∂z y 2 ∂y 2 z
1 ∂ 2 x1
   
∂ ∂x1
+ (δz)2
+ δzδy + · · · (1.14)
2 ∂z 2 y ∂y ∂z y

Claramente, não importa como o x2 é calculado, o resultado deve ser o


mesmo, de modo que os últimos dois termos nas equações 1.13 e 1.14 devem
ser iguais.    
∂ ∂x1 ∂ ∂x1
δyδz = δzδy
∂z ∂y z ∂y ∂z y
ou seja,
∂2x ∂2x
= (1.15) {eq:difexact1}
∂z∂y ∂y∂z
Deve-se observar que se x1 e x2 são tão próximos que os termos acima da
primeira ordem podem ser negligenciados, as equações 1.13 e 1.14 são idênticas
à forma diferencial simples eq. 1.8.

Diferenciais exatas
Vimos que se x é uma função de y e z, é sempre possível escrever a mudança
infinitesimal em x que resulta de mudanças infinitesimais em y e z na forma
diferencial:

dx = Y dy + Zdz (1.16)
onde,  
∂x
Y = (1.17)
∂y z
e  
∂x
Z= (1.18) {eq:difexact2}
∂z y

Uma vez que dx é o diferencial de uma função de y e z, em princípio, ele pode


sempre ser integrado. Por essa razão, é conhecido como um diferencial exato
ou perfeito. Claramente, o diferencial de uma função de estado deve sempre
ser exato, uma vez que uma função de estado é, por definição, uma função de
valor único das variáveis de estado. Se, na termodinâmica, uma quantidade
infinitesimal não é o diferencial de uma função de estado, é conveniente escrevê-
la como dx,
¯ onde o traço no d indica que é inexato e, em geral, não pode
ser integrado. No entanto, às vezes, o conhecimento sobre como ocorre uma

13
1. Introdução

mudança, informações sobre o caminho pelo qual o sistema passa de seu estado
inicial para seu estado final, possibilita integrar um diferencial inexato, mas
isso sempre requer mais informações do que as fornecidas pelo conhecimento
dos estados inicial e final. Aplicando ( 1.15) a ( 1.18), obtemos:
   
∂Y ∂Z
= (1.19) {eq:difexact}
∂z y ∂y z
Pode-se mostrar que ( 1.19) é uma condição necessária e suficiente para que dx
seja exato.

14
CHAPTER 2

A lei zero

sec:cap2
2.1 A lei zero
A lei zero da termodinâmica está relacionada às propriedades de sistemas em
equilíbrio térmico, e o conceito de temperatura decorre diretamente dela. A
declaração da lei é a seguinte:

▶ Se dois sistemas estão separadamente em equilíbrio térmico com um


terceiro, então eles também devem estar em equilíbrio térmico entre si.

O tipo de experimento no qual essa lei se baseia é ilustrado na Figura 2.1,


onde para nossos três sistemas escolhemos um termômetro de mercúrio e dois
cilindros de gás. A lei zero simplesmente diz que se não houver mudança quando
o termômetro é colocado em contato térmico com o sistema A nem quando é
colocado em contato térmico com o sistema B, então não haverá mudança se os
sistemas A e B forem colocados em contato térmico um com o outro.
Se escolhermos definir temperatura como a leitura fornecida pelo termômetro
de mercúrio, então a lei zero está apenas dizendo que se dois corpos estão na
mesma temperatura, eles estarão em equilíbrio térmico quando colocados em
contato térmico; a relação entre equilíbrio térmico e temperatura é trivial. No

Figure 2.1: Uma ilustração da lei zero fig:leizero

15
2. A lei zero

entanto, é possível usar a lei zero para demonstrar a existência de temperatura


de forma mais geral. O argumento não segue apenas da lei zero, pois também
utilizaremos nosso conhecimento sobre o comportamento de sistemas físicos
reais.

2.2 Temperatura
Demonstraremos a existência de temperatura aplicando a lei zero a três sistemas,
1, 2 e 3, cada um deles composto por uma certa massa de fluido contida em um
cilindro equipado com um pistão sem atrito. Para cada sistema, escolhemos
como parâmetros de estado a pressão p e o volume V . Usamos o sistema 3
como referência, estabelecendo-o em um estado escolhido ajustando os valores
de p3 e V3 . Agora, em princípio, sabemos que, por manipulações adequadas,
podemos obter quaisquer valores de p1 e V1 que escolhermos. Além disso, na
ausência de restrições, eles são variáveis independentes. No entanto, sabemos
por experimentos que, se exigirmos que 1 esteja em equilíbrio térmico com
3, a nova restrição deixa apenas uma variável independente. Ou seja, se
escolhermos um valor específico para p1 , então V1 será determinado de forma
única. Assim, escolhendo uma série de valores para p1 e determinando os
valores correspondentes de V1 , podemos traçar todos os valores de p1 e V1 que
proporcionam o equilíbrio térmico com 3. Esse gráfico é uma isoterma. À
isoterma e ao estado de referência correspondente de 3, podemos atribuir um
símbolo identificador, Θ1 . Escolhendo outros estados de referência, podemos
traçar tantas isotermas do sistema 1 quantas desejarmos, e a cada uma delas
podemos atribuir um rótulo: Θ2 , Θ3 , etc. (Fig. 2.2). Usando os mesmos estados
de referência de 3, podem ser construídas isotermas correspondentes para o
sistema 2. A lei zero então afirma que os sistemas 1 e 2 estarão em equilíbrio
térmico quando estiverem em quaisquer pontos nas isotermas correspondentes.
Eles devem ter alguma propriedade em comum que permita que isso ocorra. Essa
propriedade é chamada de temperatura. Este argumento pode ser apresentado
de forma mais formal da seguinte maneira. Criamos um estado de referência
fixando p3 e V3 . Em seguida, se escolhermos um valor específico para p1 e
exigirmos o equilíbrio térmico entre os sistemas 1 e 3, V1 será determinado.
Ou seja, deve haver uma relação fixa entre as quatro variáveis. Isso pode ser
expresso na forma,
F1 (p1 , V1 , p3 , V3 ) = 0 (2.1) {eq.isoterms}

A equação ( 2.1) expressa a condição de equilíbrio entre 1 e 3. Da mesma


forma, para que 2 e 3 estejam em equilíbrio, devemos ter F2 (p2 , V2 , p3 , V3 ) = 0.
Essas equações podem, em princípio, ser resolvidas para obter, por exemplo,
p3:
p3 = f1 (p1 , V1 , V3 ) (2.2)
e
p3 = f2 (p2 , V2 , V3 ) (2.3)
Eliminando p3 das equações anteriores, obtemos
f1 (p1 , V1 , V3 ) = f2 (p2 , V2 , V3 ), (2.4) {eq.V3.1}

que pode ser resolvida para, por exemplo, p1:


p1 = g(V1 , p2 , V2 , V3 ). (2.5) {eq.V3.2}

16
2.3. Escalas de temperatura

Figure 2.2: Isotermas para um fluido simples fig:isoterms

Mas, pela lei zero, se 1 e 2 estão separadamente em equilíbrio com 3, eles devem
estar em equilíbrio entre si. Isso requer

F3 (p1 , V1 , p2 , V2 ) = 0. (2.6)

Novamente, podemos resolver isso para p1:

p1 = f3 (V1 , p2 , V2 ) (2.7)

Agora, esta última equação afirma que p1 é determinado apenas pelas três
variáveis V1 , p2 e V2 , de modo que V3 deve ser cancelado em ( 2.5). Da mesma
forma, ele deve ser eliminado na equação em sua forma anterior, ( 2.4), para
que ( 2.4) seja realmente da forma

Φ1 (p1 , V1 ) = Φ2 (p2 , V2 ). (2.8)

A equação (2.8) expressa a condição de equilíbrio térmico entre os sistemas 1 e


2. Isso mostra que quando dois (ou mais) sistemas estão em equilíbrio térmico,
existe, para cada um deles, uma função de seus parâmetros que assume um valor
comum para todos os sistemas. Assim, para qualquer sistema em equilíbrio
térmico com um sistema de referência dado (ou seja, a uma temperatura dada),
podemos escrever:
Φ(p1 , V1 ) = Θ (2.9) {eq.estado}

onde Φ é o mesmo para todos esses sistemas. A equação ( 2.9) é chamada de


equação de estado e Θ é a temperatura empírica.

2.3 Escalas de temperatura


A temperatura, como a definimos, não precisa necessariamente ter uma relação
simples com nossas ideias intuitivas de calor. Estritamente falando, nós
apenas construímos isotermas e atribuímos símbolos a elas. Claramente, é
desejável definir a temperatura de tal forma que as temperaturas formem uma

17
2. A lei zero

sequência ordenada correspondente às nossas ideias de calor. Isso é o que


fazemos ao construir uma escala de temperatura. Para estabelecer uma escala
empírica específica, selecionamos algum sistema com propriedades termométricas
adequadas e adotamos um método conveniente para atribuir valores numéricos
às temperaturas de suas isotermas. Se a propriedade termométrica que usamos
for x, então o procedimento mais simples possível é tomar a escala como sendo
linearmente proporcional a x:

Θ(x) = ax. (2.10)

Em seguida, fixamos a constante a escolhendo o valor da temperatura em


um ponto de referência ou escolhendo o tamanho da unidade de forma que um
número dado de unidades esteja entre dois pontos fixos. Qualquer um desses
procedimentos definirá uma escala única para um termômetro específico, mas
as medições de temperatura feitas com diferentes termômetros, em geral, não
concordarão entre si porque as propriedades termométricas escolhidas podem
variar com a temperatura de maneiras bastante diferentes.

2.4 A escala do gás perfeito


Na busca por uma escala que não dependesse das propriedades de uma substância
específica, descobriu-se que havia pequena discordância entre medições baseadas
no comportamento dos gases. Se descrevemos o estado de um gás pelos dois
parâmetros p e V , a maneira mais simples de construir uma escala é manter
uma das variáveis fixas e tomar a temperatura como sendo proporcional à outra
(Fig. 2.3). Historicamente, a constante foi escolhida para dar 100 unidades
entre o ponto de gelo (a temperatura na qual o gelo derrete a uma pressão de
uma atmosfera) e o ponto de vapor (a temperatura na qual a água ferve a uma
pressão de uma atmosfera)
Assim, para um termômetro de gás de pressão constante, teríamos

100
Θ= V (2.11)
Vs − Vl

quando a pressão for constante e, para um termômetro de gás de volume


constante
100
Θ= p (2.12)
ps − pl

quando V = constante. Onde os sufixos s e l se referem aos pontos de vapor


e de gelo, respectivamente. Embora as medições de temperatura feitas dessa
maneira geralmente estejam em razoável concordância entre si, descobriu-se que
no limite de baixa densidade (p → 0), todos os gases fornecem o mesmo valor
para uma temperatura. A escala de temperatura assim definida era conhecida
como escala absoluta de gás perfeito. (A palavra ’absoluta’ aqui indica não
haver deslocamento do zero por subtração de uma constante para trazer o novo
zero para a faixa de temperaturas cotidianas, como é feito para a escala Celsius,
discutida na seção 2.6.)

18
2.5. Temperatura termodinâmica

Figure 2.3: Construção de uma escala de temperatura com base no comporta-


mento de um gás. fig:escala-gas

2.5 Temperatura termodinâmica


1

Todos os gases fornecem a mesma escala de temperatura no limite de baixa


pressão, porque nesse limite seu comportamento tende ao do gás ideal ou gás
perfeito.
Vamos discutir as razões para isso na seção 8.3. Na seção 8.2, mostraremos
que a equação de estado do gás perfeito é pV = RT , onde R é uma constante
e T é a temperatura termodinâmica, a medida fundamental de temperatura
que surge naturalmente na teoria termodinâmica (seção 4.6). A partir da
forma dessa equação, vemos imediatamente por que os gases no limite de baixa
pressão definem uma escala única de temperatura: a escala do gás ideal é a
temperatura termodinâmica. Na verdade, os gases no limite ideal são bastante
excepcionais, pois a temperatura termodinâmica aparece de maneira tão simples
em sua equação de estado. É por isso que a determinação da temperatura
termodinâmica quase sempre é baseada em termometria de gases:
(pV )
T = lim (2.13)
p→0 R
onde o tamanho da unidade é determinado pelo valor de R. Originalmente, R
foi escolhido para fornecer 100 unidades entre os pontos de gelo e vapor, mas isso
requer medições em dois pontos de referência. As incertezas experimentais são
reduzidas se apenas um ponto de referência estiver envolvido. Consequentemente,
em 1954, a Décima Conferência Geral de Pesos e Medidas decidiu adotar o outro
método de fixar a constante de proporcionalidade, ou seja, especificar o valor da
temperatura termodinâmica em um ponto de referência 2 . Devido à sua maior
1 Anteriormenteconhecido como temperatura absoluta ou a escala Kelvin.
2 Foi
o próprio Kelvin quem sugeriu pela primeira vez que o tamanho da unidade deveria
ser fixado dessa maneira; portanto, é apropriado que ela seja nomeada em sua homenagem
(ver Thomson (Lord Kelvin), 1854).

19
2. A lei zero

reprodutibilidade do que, por exemplo, o ponto de gelo, o ponto de referência


escolhido foi o ponto triplo da água - a temperatura na qual gelo, água e
vapor de água coexistem em equilíbrio. O valor da temperatura termodinâmica
atribuído a isso foi 273, 16; a unidade assim definida é chamada de Kelvin e
é representada pelo símbolo K (sem o símbolo de grau). Em outras palavras:
o Kelvin é a fração 1/273, 16 da temperatura termodinâmica do ponto triplo
da água. As temperaturas termodinâmicas determinadas pela termometria de
gases são, portanto, dadas por:

limp→0 pVT
T /K = 273, 16 (2.14)
limp→0 pVtriplo

A razão pela qual foi escolhido 273, 16K para o ponto triplo da água é que, com
a precisão das medições atualmente disponíveis, isso dá exatamente 100K para
a diferença das temperaturas termodinâmicas dos pontos de gelo e vapor. O
ponto de gelo é 273, 15K e o ponto de vapor 373, 15K. Com a temperatura
termodinâmica definida dessa forma, a temperatura do ponto triplo da água
é fixada por definição, mas podemos descobrir, se as técnicas de medição
melhorarem, que o ponto de gelo não é exatamente 273, 15K, que o ponto de
vapor não é exatamente 373, 15K e que não há exatamente 100K entre eles.
0K é chamado de zero absoluto.

2.6 A escala Celsius


Para fins práticos, é conveniente ter uma escala cujo zero esteja na parte inferior
da faixa de temperaturas comumente encontradas. A escala usada é a escala
Celsius, que é formalmente definida por:

t/◦ C = T /K − 273, 15 (2.15)

O símbolo t é sempre usado para temperaturas Celsius e T é reservado para


temperatura termodinâmica. A unidade é o grau Celsius (◦ C, incluindo o
símbolo de grau), idêntico em tamanho ao Kelvin. Na escala Celsius, o ponto
triplo é definido como 0, 01◦ C e os pontos de gelo e vapor são 0 e 100◦ C,
respectivamente, por experimento.
Deve-se observar que a definição de temperatura Celsius a torna uma escala
centígrada (com a precisão da termometria atual). Uma escala centígrada é
definida como aquela que tem cem unidades entre os pontos de gelo e vapor,
com valores nestes pontos de 0◦ e 100◦ , respectivamente. As escalas centígradas
podem ser baseadas em qualquer quantidade termométrica adequada de qualquer
sistema conveniente. Em geral, como diferentes grandezas físicas variam de
maneira diferente com a temperatura, as escalas centígradas não concordarão
entre si, exceto em 0◦ e 100◦ , onde devem coincidir por definição. O termo
"temperatura centígrada", que era comumente usado antes da introdução da
escala Celsius, se referia à escala centígrada do gás ideal. Portanto, era, com
a precisão da termometria atual, idêntico à escala Celsius. "Temperatura
centígrada" agora deve ser usada apenas ao se referir a uma escala centígrada
empírica.

20
2.7. Alguns termômetros comuns

2.7 Alguns termômetros comuns


Pelos motivos mencionados acima, determinações de temperaturas termodinâm-
icas são geralmente baseadas em termometria de gases; no entanto, termômetros
de gás são inconvenientes e difíceis de usar, especialmente quando se requer
muita precisão. Exceto quando determinações absolutas precisam ser feitas,
outros tipos de termômetros são geralmente usados, sendo a escolha baseada
em critérios como conveniência ou sensibilidade, em vez de alta precisão ab-
soluta. No entanto, se a temperatura termodinâmica for necessária (e não
apenas alguma escala empírica conveniente), os termômetros práticos precisam
ser calibrados. Para auxiliar nisso, temperaturas termodinâmicas de diversos
pontos de referência primários e secundários foram medidas com grande precisão.
A Tabela 2.1 lista os pontos de referência padrão e primários e as temperaturas
atribuídas a eles pela Conferência Geral de Pesos e Medidas em 1968. Em
alguns casos, os valores atribuídos são fornecidos com maior precisão do que
a incerteza estimada das medições, pois são usados como pontos de definição
para a Escala Internacional de Temperatura Prática (consulte a seção 2.8).
Termômetros baseados na expansão de líquidos podem cobrir uma notável faixa
de temperatura. Eles são razoavelmente lineares, mas não muito sensíveis. Se
muita precisão for necessária, muitas correções devem ser aplicadas. Alguns
líquidos comumente usados são:

• Mercúrio entre -39 e +350 ◦ C

• Álcool etílico entre -117 e -78 ◦ C

• Pentano entre -130 e -36 ◦ C

Table 2.1: Valores atribuídos da Temperatura Prática Internacional dos pontos


de referência padrão e primários
3
tab:referencia_
temperatura Ponto de referência Temperatura (K) Temperatura (°C)
Padrão
Ponto triplo da água 4 273,16 0,01
Primário
Ponto triplo do hidrogênio 5 (equilíbrio) 13,81 -259,34
Ponto de ebulição do hidrogênio (equilíbrio) 25/76 atm 17,042 -256,108
Ponto de ebulição do hidrogênio (equilíbrio) a 1 atm 20,28 -252,87
Ponto de ebulição do neônio a 1 atm 27,102 -246,048
Ponto triplo do oxigênio 54,361 -218,789
Ponto triplo do argônio 83,798 -189,352
Ponto de ebulição do oxigênio a 1 atm 90,188 -182,962
Ponto de ebulição da água a 1 atm 373,15 100,00
Ponto de fusão do estanho a 1 atm 505,1181 231,9681
Ponto de fusão do zinco a 1 atm 692,73 419,58
Ponto de fusão da prata a 1 atm 1235,08 961,93
Ponto de fusão do ouro a 1 atm 1337,58 1064,43

Algumas misturas adequadas de parafinas mais leves ampliam a faixa para


abaixo de −200◦ C.
Termômetros de resistência, baseados na variação da resistência elétrica
de um metal com a temperatura, cobrem uma faixa ainda maior. A platina

21
2. A lei zero

é frequentemente utilizada, pois é comparativamente fácil de purificar, e sua


pureza melhora seu desempenho em baixas temperaturas, além de possuir
um alto ponto de fusão (1770◦ C). Entre 70K e 1200◦ C, ele é capaz de
obter alta precisão. Sua relação com a temperatura é quase linear, e para
precisão moderada, uma relação quadrática entre a resistência e a temperatura
termodinâmica, R = R0 (1 + aT + bT 2 ), proporciona um bom ajuste em toda a
faixa de temperatura. Para alta precisão, um termo cúbico é adicionado abaixo
de 0◦ C. Entre 1200◦ C e o ponto de fusão, o termômetro ainda é útil, embora
sua precisão diminua em temperaturas mais altas.
Termopares, termômetros que utilizam a variação da força eletromotriz de
Seebeck com a temperatura (veja a seção 9.4), cobrem praticamente a mesma
faixa de temperatura. Vários termopares comumente usados estão listados
na Tabela 2.2. A força eletromotriz geralmente é bem representada por uma
expressão do tipo E = a1 (δt) + a2 (δt)2 + a3 (δt)3 , onde δt é a diferença de
temperatura entre as junções. Se uma junção for mantida a uma temperatura
constante, então a temperatura da outra é determinada por uma expressão
do tipo E = b0 + b1 t + b2 t2 + b3 t3 , exigindo quatro pontos fixos. Em faixas
restritas, os termos superiores podem ser desprezados. As pequenas tensões que
precisam ser medidas dificultam o uso de termopares para trabalhos altamente
precisos, e suas sensibilidades dependem muito de qualquer variação na pureza
ou composição dos metais utilizados. No entanto, eles possuem várias vantagens.
Podem ser feitos em tamanho muito pequeno e respondem rapidamente a
mudanças de temperatura. São muito úteis para medir pequenas diferenças
de temperatura e, quando alta precisão não é necessária, também são muito
simples de usar.

Table 2.2: Alguns termopares comuns tab:termopares

Par Sensibilidade Aproximada (µV/◦ C) Faixa de Trabalho Normal (◦ C)


Cobre-Constantana 6
40 -200 a +300
Ferro-Constantana 50 -200 a +750
Cromel 7 -Alumel 8 40 -200 a +1200
Platina-Platina/Ródio 9
6 -200 a +1450

Outro tipo de termômetro que pode ser usado em uma ampla faixa
de temperatura é baseado na variação da condutividade elétrica de um
semicondutor cristalino (veja Friedberg, 1955; Kunzler et al., 1962). Para
ocorrer a condução elétrica em um semicondutor, portadores de corrente
(elétrons ou lacunas) devem ser excitados a partir de estados em que não podem
contribuir para o fluxo de corrente, para estados em que podem se mover pelo
cristal e transportar carga. Essa excitação ocorre normalmente termicamente e
resulta em uma forte dependência da condutividade em relação à temperatura.
Em faixas limitadas de temperatura, a condutividade é aproximadamente
exponencialmente dependente da temperatura, variando como exp(−ϵ/kT ),
onde ϵ é uma constante. Se o semicondutor for escolhido de forma que ϵ > kT ,
sua resistência dependerá fortemente da temperatura, mas ϵ não deve ser muito
grande, caso contrário, a condutividade se torna muito pequena e difícil de ser
medida. Materiais podem ser fabricados com valores de ϵ que proporcionam
bons termômetros semicondutores na faixa de temperatura de bem abaixo de
1K a acima de 300◦ C. A variação da condutividade é tão forte que cada material
pode ser facilmente utilizado apenas em uma faixa limitada (digamos, um fator

22
2.7. Alguns termômetros comuns

de dez em 1/T ), mas essa sensibilidade extrema é sua grande vantagem. Não é
difícil detectar mudanças de temperatura de 1 parte em 105 , proporcionando
sensibilidades de cerca de 10µK a 1K e 1mK em temperatura ambiente. Em
baixas temperaturas, um semicondutor adequado fornece um dos termômetros
mais sensíveis e reproduzíveis disponíveis.
Resistores de carbono do tipo utilizados em eletrônica também são
termômetros sensíveis em baixas temperaturas. Eles são mais amplamente
utilizados do que os termômetros semicondutores porque são baratos e facilmente
disponíveis. Seu mecanismo de condução elétrica não é completamente
compreendido, mas, assim como nos semicondutores cristalinos, estão envolvidos
processos de excitação (por exemplo, transferência de carga entre os grãos de
grafite), e provavelmente são esses processos que resultam na forte dependência
da temperatura. Os termômetros de resistência de carbono são úteis abaixo
de 20K. Abaixo de cerca de 10K, suas sensibilidades são semelhantes às dos
termômetros semicondutores, permitindo medições de cerca de 10µK a poucos
kelvins. Em ambos os casos, a sensibilidade final é determinada pelo ruído de
Johnson (Bleaney e Bleaney, 1976: cap. 23) no termômetro. Isso não pode
ser superado aumentando a corrente de medição através do resistor, pois isso
resulta eventualmente em dissipação excessiva de energia no termômetro, o que
impede que ele acompanhe a temperatura de seu ambiente.
Na faixa de 5K a um pouco abaixo de 1K, o hélio-4 líquido é usado como
refrigerante. O isótopo mais leve, o hélio-3, tem um ponto de ebulição mais
baixo e é útil entre cerca de 1K e 0, 3K. Em ambos os casos, a temperatura
pode ser determinada medindo-se a pressão de vapor. Tabelas de pressão de
vapor muito precisas e fórmulas de interpolação estão disponíveis para ambos
os isótopos (veja Durieux e Rusby, 1983). Termômetros secundários para uso
abaixo de 5K são frequentemente calibrados por meio da termometria de pressão
de vapor do hélio.
Termômetros de resistência de carbono e semicondutores podem ser
usados abaixo de 1K, mas a extrapolação a partir da faixa do hélio logo
se torna muito imprecisa, sendo necessário utilizar um termômetro cuja
lei seja conhecida ou possa ser determinada. A suscetibilidade magnética
de alguns sais paramagnéticos varia com a temperatura abaixo de alguns
kelvins. A suscetibilidade pode ser facilmente medida (geralmente por meio
da determinação da indutância de uma bobina que envolve uma amostra do
sal), e isso constitui a base da termometria de suscetibilidade. Desde que a
temperatura não seja muito baixa, a suscetibilidade χ é bem descrita pela
lei de Curie, χ = a/T , onde a é uma constante, e as temperaturas podem
ser encontradas por extrapolação a partir da faixa do hélio. Embora a lei
de Curie eventualmente deixe de ser válida, esses termômetros podem ser
usados para temperaturas mais baixas, desde que sua suscetibilidade permaneça
significativamente dependente da temperatura. No entanto, a determinação da
temperatura termodinâmica então requer um procedimento de calibração que
depende da segunda lei e será discutido na seção 8.8.2. O nitrato de magnésio
de cério é particularmente útil em baixas temperaturas, pois obedece à lei de
Curie até alguns por cento abaixo de 4mK e pode ser extrapolado para essa
temperatura a partir da faixa do hélio.
Nenhum dos termômetros descritos acima é útil muito acima do ponto de
fusão do ouro (1064◦ C), e nessa faixa são utilizados pirômetros de radiação.
Eles são baseados na medição da radiação emitida por um corpo quando

23
2. A lei zero

aquecido. Tanto a cor quanto a quantidade total de radiação mudam com


a temperatura (veja seção 8.9), e ambas as propriedades são utilizadas na
pirometria. Pirômetros ópticos utilizam a cor da radiação emitida pelo corpo
aquecido e geralmente consistem em algum dispositivo para igualar a cor de
um filamento de lâmpada elétrica à da radiação. Pirômetros de radiação de
banda larga medem a potência radiada em uma faixa de comprimentos de onda
selecionados por filtros e são baseados na lei de Planck (seção 8.9.5). Pirômetros
de radiação total medem a potência total emitida e são baseados na lei de
Stefan (seção 8.9.4).
As faixas em que vários tipos de termômetros operam são mostradas na
Figura 2.4. A escolha para uma aplicação específica não depende apenas da faixa
de temperatura a ser medida, mas também das condições em que a medição
deve ser feita. Fatores como tamanho, velocidade de resposta e sensibilidade
muitas vezes determinarão a escolha final. Para uma discussão detalhada das
técnicas experimentais envolvidas na termometria, o estudante deve consultar
outros textos 10 .

2.8 A Escala Internacional de Temperatura Prática


As dificuldades experimentais de medição precisa da temperatura termodinâmica
com gases ou outros termômetros primários tornam necessário que laboratórios
e instituições de padrões tenham à disposição um conjunto de termômetros
práticos convenientes cujo comportamento seja conhecido com detalhes
suficientes para poderem ser usados para interpolação precisa entre pontos de
referência básicos cujas temperaturas termodinâmicas tenham sido determinadas
com precisão. Esse é o propósito da Escala Internacional de Temperatura Prática.
O Comitê Internacional de Pesos e Medidas:
1. seleciona um conjunto de pontos de referência e atribui a esses pontos
valores de temperatura termodinâmica com base nas melhores medições
disponíveis;
2. seleciona um conjunto de termômetros para interpolação entre os pontos
de referência; e
3. concorda com os procedimentos de interpolação a serem utilizados.
Os pontos de referência, juntamente com as temperaturas atribuídas, os
termômetros especificados e os procedimentos de interpolação estabelecem
uma escala empírica organizada para coincidir o mais próximo possível com a
temperatura termodinâmica. A escala atual utiliza três termômetros:
Faixa Instrumento 13,81 K a 903,89 K termômetro de resistência de platina
903,89 K a 1337,58 K termopar de platina/(platina + 10% ródio) acima de
1337,58 K pirômetro de radiação Esses termômetros são calibrados em relação
aos pontos de referência padrão e primários listados na Tabela 2.1. Todos os
detalhes, incluindo informações experimentais relevantes, estão descritos na
Escala Internacional de Temperatura Prática de 1968.

10 Para uma discussão detalhada de uma ampla variedade de técnicas experimentais, consulte

Billing e Quinn (1975). Para uma discussão sobre termometria de baixas temperaturas,
consulte Rose-Innes (1973).

24
2.8. A Escala Internacional de Temperatura Prática

Figure 2.4: Faixas úteis de diferentes tipos de termômetros. fig:faixa-temp

25
CHAPTER 3

A primeira lei

sec:cap3
3.1 Contexto da primeira lei
A primeira lei da termodinâmica é essencialmente uma extensão do princípio
da conservação de energia para incluir sistemas nos quais há fluxo de calor.
Historicamente, ela marca o reconhecimento do calor como uma forma de
energia.
O trabalho que levou a isso é bem conhecido. Existiam duas teorias rivais
sobre a natureza do calor. Conforme a teoria calórica, calor, ou calórico, era
um fluido indestrutível que permeava a matéria e fluía de corpos quentes para
corpos mais frios. Conforme a teoria do movimento molecular, o calor estava
associado às vibrações rápidas das moléculas das quais a matéria era composta.
Das duas teorias, a teoria calórica tinha mais apoio até meados do último século,
embora alguns dos experimentos mais significativos tenham sido feitos muito
antes.
Em 1761, Black estudou a fusão do gelo. Ele observou que a temperatura de
um balde de água gelada colocada em um ambiente quente subia rapidamente,
enquanto, se o balde contivesse gelo, a temperatura permanecia constante por
muitas horas enquanto o gelo derretia. Se o calórico fluísse para o balde dos
arredores quando ele continha água gelada, ele também deveria fazê-lo quando
continha gelo. Portanto, ele argumentou que a água gelada continha mais
calórico do que o gelo. Em 1799, Davy demonstrou que tanto a cera quanto
o gelo podiam ser derretidos esfregando duas peças juntas. De acordo com a
teoria calórica, o ato de esfregar comprimia o calórico para fora do sólido, de
modo que o líquido produzido pelo atrito deveria conter menos calórico do que
o sólido. Claramente, o líquido não poderia, ao mesmo tempo, conter mais e
menos calor do que o sólido.
Na mesma época, Rumford demonstrou que o calor produzido ao tentar
perfurar um cano de arma com uma ferramenta sem corte era aparentemente
inexaurível. Ele dependia apenas da continuidade do trabalho e não era
afetado de forma alguma pelo tratamento prévio que o metal havia recebido.
Ele argumentou que nenhuma substância material poderia ser fornecida
indefinidamente por um corpo, mas que o calor devia ser alguma forma de
movimento transmitida pelo processo de perfuração.
No entanto, foi somente com o trabalho de Joule na década de 1840 que
a teoria do movimento molecular foi colocada em uma base sólida por sua
demonstração da equivalência quantitativa direta entre trabalho e calor. Em

27
3. A primeira lei

seus experimentos, ele produziu aquecimento em vários sistemas termicamente


isolados ao realizar trabalho sobre eles. Ele utilizou várias formas de fazer o
trabalho: dissipação viscosa em líquidos, atrito entre sólidos e, posteriormente,
aquecimento elétrico. Ele comparou as quantidades de trabalho necessárias
para produzir uma determinada quantidade de calor, usando como medida de
calor o aumento de temperatura que seria produzido em uma massa unitária
de água 1 . Ele descobriu que, se o único efeito do trabalho fosse produzir
aquecimento, então, em todos os casos, a quantidade de trabalho e a quantidade
correspondente de calor estavam em uma proporção fixa uma em relação à outra,
implicando assim uma equivalência direta de calor e trabalho como formas de
energia. Essas ideias são expressas de forma mais precisa por meio da declaração
formal da primeira lei e do desenvolvimento que dela decorre.

3.2 A primeira lei


Em seus experimentos, Joule comparou calor e trabalho como meios de causar
uma mudança de estado. No entanto, é conveniente introduzir a ideia de calor
como uma forma de energia, enfatizando de maneira um pouco diferente. A
primeira lei faz isso ao fazer uma declaração geral sobre o comportamento
de sistemas cujo estado é alterado sob condições de isolamento térmico. A
declaração formal é a seguinte:

▶ Se o estado de um sistema, de outra forma isolado, é alterado pela


realização de trabalho, a quantidade de trabalho necessária depende
apenas da mudança efetuada e não dos meios pelos quais o trabalho é
realizado, nem das etapas intermediárias pelas quais o sistema passa entre
seus estados inicial e final.

O tipo de experimento visualizado nessa declaração é ilustrado na Figura


3.1, onde diferentes caminhos entre os estados inicial e final são explorados e
o trabalho necessário é comparado. Na verdade, tais caminhos diferentes
nunca foram estudados cuidadosamente. Uma vez que o calor foi aceito
como uma forma de energia, a ideia da conservação de energia nesse contexto
foi prontamente aceita. Certamente, as consequências da primeira lei foram
amplamente testadas. Se for necessário mais justificativa para ela, pode ser
encontrada na verdade do que dela decorre.

3.3 Energia interna


Se, como afirma a primeira lei, uma quantidade definida de energia está sempre
associada a uma determinada mudança de estado (efetuada sob condições
adiabáticas), então a energia total do sistema deve ser uma função do estado.
Chamamos isso de energia interna, U. Assim, quando uma mudança de estado
é causada apenas pela realização de trabalho, o trabalho realizado no sistema é
1 Fazer referência à água exigia o conhecimento das capacidades térmicas relativas dos

materiais envolvidos. Essas capacidades térmicas foram encontradas anteriormente por


Black usando o método das misturas (consulte a página 34), que ele foi a primeira pessoa a
desenvolver como técnica calorimétrica.

28
3.4. Calor

simplesmente a mudança na energia interna ao passar do estado inicial para o


estado final:

∆U = W (3.1) {eq3.1}

U é uma função de estado porque W é independente do caminho percorrido.

3.4 Calor
A Equação (3.1) se aplica a um sistema termicamente isolado. No entanto,
sabemos que também é possível alterar o estado de um sistema sem realizar
trabalho nele. Podemos usar apenas calor, ou qualquer combinação de calor
e trabalho. Portanto, quando um sistema não está termicamente isolado, a
Equação (3.1) não é mais válida. Agora, ela deve ser modificada para

∆U = Q + W (3.2) {eq3.2}

Figure 3.1: Diferentes caminhos adiabáticos entre dois estados de um


fluido.
1A2. Uma compressão adiabática seguida de trabalho elétrico a volume
constante realizado por meio de um "aquecedor" de capacidade térmica
desprezível imerso no sistema.
1B2. Os mesmos processos, mas na ordem inversa.
1C2. Um percurso complexo que requer trabalho elétrico e mecânico simultâneos. 3.1

onde Q é uma medida do grau em que a mudança não é adiabática. Q


é chamado de calor. É essa forma da primeira lei que levou à sua afirmação
comum como "A energia é conservada se o calor for levado em conta".
Assim, definimos calor como uma forma de energia totalmente equivalente
em seu efeito sobre a energia total de um sistema à energia comunicada pela
realização de algum tipo de trabalho. A distinção entre calor e trabalho nem
sempre é clara no sentido de que nem sempre é fácil decidir se uma determinada
contribuição de energia deve ser classificada como calor ou trabalho. Na

29
3. A primeira lei

ilustração da Figura 3.1, optamos por considerar a energia fornecida por um


"aquecedor" elétrico como trabalho, o que é totalmente justificado, pois, se o
aquecedor e o fluido fossem colocados juntos em uma caixa opaca, de modo que
não soubéssemos nada sobre a composição detalhada do sistema, certamente
saberíamos apenas que uma certa quantidade de trabalho elétrico (igual a
V I dt) foi realizado nele. Alternativamente, poderíamos ter escolhido não
R

considerar o aquecedor como parte do sistema, mas conectá-lo externamente por


meio de uma ligação térmica. Nesse caso, intuitivamente consideraríamos que a
energia foi fornecida como calor. Provavelmente, a distinção mais conveniente
é feita em termos de se a energia entra no sistema por meio de uma ação
macroscopicamente ordenada ou por uma ação em que a ordem existe apenas na
escala microscópica. No primeiro caso, a energia seria comunicada por trabalho
e, no segundo, por calor. Assim, quando um pistão se move em um cilindro, o
movimento é macroscópico no sentido de que a velocidade do pistão é superposta
a todas as suas moléculas, e o pistão realiza trabalho sobre o gás. Por outro
lado, se o pistão estiver quente, os movimentos (térmicos) de suas moléculas
não estão correlacionados, a energia é comunicada ao gás por processos que
estão ordenados apenas na escala microscópica, e dizemos que o calor flui. Não
é surpreendente que seja impossível fazer sempre uma distinção nítida entre
calor e trabalho, pois é exatamente a função da primeira lei afirmar que eles
são, de certas maneiras, equivalentes.
De acordo com a primeira lei, quando um sistema passa por uma determinada
mudança, ∆U é necessariamente definido, uma vez que U é uma função de
estado, e assim a soma Q + W é definida, mas não Q ou W separadamente.
Apenas se soubermos como o sistema passa do seu estado inicial para o estado
final é que Q e W podem ser determinados separadamente. Portanto, para uma
mudança infinitesimal dada, escrevemos

dU = dQ
¯ + d̄W (3.3) {eq3.3}

onde o símbolo d¯ indica que as quantidades infinitesimais dQ ¯ e dW¯ não


são diferenciais exatas: elas não podem ser avaliadas apenas a partir do
conhecimento dos estados inicial e final; Q e W não são funções de estado.
No entanto, se o sistema estiver restrito de forma que o caminho da mudança
infinitesimal seja definido 2 , então dQ
¯ e dW
¯ são determinados separadamente e
podem ser tratados como diferenciais bem-comportados; dU é, é claro, sempre
exato, já que U é uma função de estado. A Equação (3.3) é conhecida como a
forma diferencial da primeira lei.
Nas interações entre sistemas completamente isolados de seu entorno, fica
claro que a energia interna total deve ser conservada, pois, se pensarmos no
grupo de sistemas como um único sistema complexo maior, nenhum calor ou
trabalho entra no sistema composto de fora, de modo que sua energia total não
pode mudar. No caso especial em que os sistemas interagem apenas por troca
de calor, o calor também é "conservado", pois temos
X X
∆Utotal = ∆Ui = (Qi + Wi ) = 0.
Mas
Wi = 0
2 Já tivemos um exemplo de uma restrição muito simples. Para um sistema termicamente

isolado, dQ
¯ = 0. Mais adiante, discutiremos restrições mais complicadas, como dU = 0.

30
3.5. Trabalho em diversos sistemas

então X
Qi = 0, (3.4) {eq3.4}

ou seja, o calor é ’conservado’.


Isso é a base do método das misturas usado na calorimetria. Dois ou mais
sistemas são colocados em contato térmico (misturados, talvez literalmente) e,
ao atingir o equilíbrio térmico, calor flui de um para o outro. Como normalmente
não há trabalho envolvido no processo (tais efeitos como a mudança de pressão
hidrostática quando um corpo é imerso geralmente são negligenciáveis), o calor
é conservado. Se uma substância, como água, é escolhida como referência, sua
temperatura pode ser usada como medida de sua energia interna, e sua mudança
de temperatura é uma medida do calor trocado. Esse foi o princípio utilizado
por Joule.
Ao usar a primeira lei na forma da equação (3.2) ou (3.3), é importante ter
clareza sobre os sinais dos termos. Se ∆U é a mudança na energia interna do
sistema ao passar de seu estado inicial para seu estado final, então W deve ser o
trabalho realizado no sistema e Q o calor transferido para o sistema. Ao adotar
essa convenção, é possível definir o mais quente e o mais frio. Esses são termos
comparativos e os definimos referindo-se à direção do fluxo de calor quando os
sistemas em comparação são colocados em contato térmico. Dizemos que o
calor flui do corpo mais quente para o mais frio. Assim, em qualquer intervalo
de tempo dado, Q é negativo para o corpo mais quente e positivo para o mais
frio.
A desvantagem do uso da primeira lei na forma de (3.3) é que, em geral,
não é possível integrá-la. Mais tarde, substituiremos dQ ¯ e dW
¯ por funções de
estado e, assim, obteremos uma equação em que todos os termos são unicamente
definidos em qualquer mudança específica, independentemente do caminho da
mudança. Nessa nova forma, a primeira lei se torna muito mais poderosa. No
entanto, só podemos fazer isso depois de considerarmos a segunda lei. Por
enquanto, vamos nos concentrar na avaliação de W para diferentes sistemas.

3.5 Trabalho em diversos sistemas


É sempre possível expressar o trabalho realizado em um sistema em termos
de seus parâmetros de estado se as mudanças nas quais o trabalho é realizado
forem termodinamicamente reversíveis. Quando isso ocorre, os parâmetros do
sistema também descrevem a ação de forças externas. Por exemplo, se um
fluido está contido em um cilindro por um pistão com atrito, a força que precisa
ser aplicada ao pistão para vencer o atrito e comprimir o fluido é maior do que
a força exercida pelo pistão sobre o fluido. Assim, o trabalho externo realizado
em todo o sistema (fluido e seu recipiente) é maior do que o trabalho realizado
apenas no fluido e não pode ser expresso em termos dos parâmetros de estado
do fluido. No entanto, se o atrito for negligenciável, o trabalho realizado no
fluido se torna igual ao trabalho realizado pelas forças externas e ambos podem
ser expressos em termos dos parâmetros do sistema.
Quando as mudanças ocorrem de forma reversível, o trabalho realizado em
um sistema é expresso por
X
¯ =
dW Xi dxi
i

31
3. A primeira lei

onde Xi e xi são as forças e seus deslocamentos conjugados. Mostraremos que


o trabalho possui essa forma em vários casos especiais.

3.5.1 Trabalho realizado pela pressão hidrostática


Considere um fluido contido em um cilindro por um pistão ajustado firmemente
e sem atrito (Figura 3.2). Seja A a área da superfície do pistão e p a pressão
exercida pelo fluido. Então, a força que deve ser exercida sobre o pistão para
conter o fluido é F = pA.

Figure 3.2: Compressão de um fluido. 3.2

Agora, suponha que o pistão seja movido em uma pequena distância dξ. O
trabalho realizado no fluido é dado por

¯ = F dξ = pA dξ = −p dV
dW

onde dV é a variação de volume do fluido. O sinal deve ser observado. Ao


aumentar seu volume, um fluido realiza trabalho sobre seus arredores. Vamos
usar esse resultado com frequência, pois, como é comum ao desenvolver a
termodinâmica, geralmente usamos um sistema de fluido como um modelo
conveniente.
No caso do trabalho realizado sobre um sólido pela pressão hidrostática,
imergimos o sólido em um fluido incompressível e novamente o contemos em um
cilindro com um pistão (??). Como o fluido é incompressível, nenhum trabalho
pode ser realizado nele ao alterar a pressão, e todo o trabalho realizado pelo
pistão deve ser transmitido ao sólido. Assim, para o trabalho realizado sobre
um sistema pela pressão hidrostática, sempre temos

¯ = −p dV.
dW (3.5) {eq3.5}

Para integrar (3.5), precisamos conhecer as condições sob as quais a mudança


ocorre. Vamos considerar alguns exemplos ilustrativos.

32
3.5. Trabalho em diversos sistemas

Para uma mudança isotérmica em um gás ideal (consulte a seção 8.2),


usamos a equação de estado:
pV = RT
obtendo
W = p1 V1 ln(p2 /p1 ) = RT ln(p2 /p1 ). (3.6) {eq3.6}

Para uma mudança adiabática reversível em um gás ideal, temos

pV γ = constante

dando
1
W = (p2 V2 − p1 V1 ). (3.7) {eq3.7}
γ−1

Figure 3.3: Aplicação de pressão hidrostática a um sólido. 3.3

No caso de um sólido, vamos calcular o trabalho no caso geral e, em seguida,


simplificar o resultado para restrições simples. (Poderíamos ter feito o mesmo
no caso do gás.) Procedemos da seguinte forma:
Devemos primeiro fazer uma escolha de variáveis independentes. Como
estamos frequentemente interessados em mudanças que ocorrem à pressão
constante ou à temperatura constante, tomaremos p e T . Então, dW
¯ se separará
em dois termos, um correspondendo a mudanças de pressão e outro a mudanças
de temperatura.
Para expressar dW ¯ = −pdV em termos das variáveis p e T , devemos
substituir dV . Em geral, não conhecemos a forma funcional de V :

V = V (p, T )

portanto, escrevemos dV de forma geral:


   
∂V ∂V
dV = dp + dT
∂p T ∂T p

= −Vκt dp + Vβp dT

33
3. A primeira lei

1
 
∂V
κT = − = compressibilidade isotérmica
V ∂p T
e
1
 
∂V
βp = = expansividade cúbica isobárica.
V ∂T p

Então Z p3 Z T3
W = pκT V dp − pβp V dT. (3.8) {eq3.8}
p1 T1

Nos casos de mudanças isotérmicas e isobáricas (pressão constante), podemos


simplificar e aproximar a expressão geral da seguinte forma. Para uma mudança
isotérmica, temos

1
Z p1
W = pκT V dp ≈ κT V (p22 − p21 ) (3.9) {eq3.9}
p3 2

uma vez que V e κT são quase constantes para um sólido. Para uma mudança
isobárica,
Z T3
W =− pV βp dT ≈ −pV βp (T2 − T1 ) (3.10) {eq3.10}
T1

uma vez que p é constante e V e βp são quase constantes para um sólido. Note
que o trabalho é realizado pela pressão hidrostática em ambos os casos; a
diferença está na causa da mudança de volume. No primeiro caso, é a mudança
de pressão que causa a mudança de volume por meio da compressibilidade; no
segundo caso, é a mudança de temperatura por meio da expansividade.

3.5.2 Trabalho contra a tensão superficial


A tensão superficial, γ, de um líquido é definida como o trabalho necessário,
em condições isotérmicas, para aumentar a área da superfície em uma unidade.
Assim,
¯ = γdA.
dW (3.11) {eq3.11}

É encontrado experimentalmente que γ normalmente é independente da


área e depende apenas da temperatura, de modo que, para um aumento finito
da área sob condições isotérmicas, temos

W = γ(A2 − A1 ).

É uma consequência do fato de que trabalho é necessário para aumentar


a área de uma superfície, que existe uma diferença de pressão mediante uma
superfície curva. A magnitude da diferença de pressão pode ser derivada
considerando o trabalho feito à medida que a superfície é estendida. Ilustramos
isso discutindo o caso esférico.
Considere uma gota de líquido suspensa na extremidade de um fino capilar
(3.4). Aumentamos o tamanho da gota ao pressionar o pistão para forçar o
líquido a descer pelo capilar até a gota. Se a pressão em excesso na gota for p,
o trabalho realizado em um pequeno deslocamento dξ do pistão é

¯ = F dξ = +pdV = p4πr2 dr
dW

34
3.5. Trabalho em diversos sistemas

onde +dV é a variação de volume da gota (e −dV é a variação de volume do


líquido no cilindro; cf. equação (3.5)) e r é o raio da gota. No entanto, a partir
da definição de tensão superficial, também temos

¯ = γdA = 8πγrdr.
dW

Igualando as duas expressões para dW


¯ , obtemos

p= . (3.12) {eq3.12}
r
Esta é a diferença de pressão através de uma única superfície esférica. Uma
bolha tem duas superfícies e a pressão excessiva é o dobro.

Figure 3.4: Trabalho contra a tensão superficial. 3.4

3.5.3. Trabalho por um campo elétrico


As variáveis relevantes são definidas pelas equações

D = ϵ0 ϵr E = ϵ0 E + P (3.13) {eq3.13}

χe = ϵr − 1 = P/ϵ0 E (3.14) {eq3.14}

onde D é o deslocamento elétrico, ϵ0 é a permissividade do vácuo, ϵr é a


permissividade relativa, E é a intensidade do campo elétrico, P é a polarização
elétrica e χe é a susceptibilidade elétrica (consulte Bleaney e Bleaney, 1976:
capítulo 1).
Um campo elétrico pode realizar trabalho em qualquer material polarizável.
Considere tal material, que não precisa ser isotrópico, preenchendo o espaço
entre as placas de um capacitor de placas paralelas (Fig. 3.5). Seja d a separação
das placas e A sua área, e suponha que d2 ≪ A para que as correções nas bordas
possam ser negligenciadas. Quando uma diferença de potencial é aplicada ao
capacitor, um campo elétrico é estabelecido entre as placas e o dielétrico é
polarizado.

35
3. A primeira lei

Figure 3.5: Polarização de um dielétrico. 3.5

Seja a diferença de potencial através do capacitor E e a carga total nas


placas Z. Então, se n é um vetor unitário perpendicular às placas, temos
E = E · nd (3.15) {eq3.15}

e pela lei de Gauss,


Z = D · nA. (3.16) {eq3.16}

A partir da condição de contorno em E na superfície dos condutores e da


simetria, E deve ser paralelo a n, embora D não precise ser, caso o meio não
seja isotrópico.
Se a carga no capacitor for aumentada em uma pequena quantidade dZ, o
trabalho realizado pela bateria é
¯ =?dZ
dW
= AdE · dD
= V E · dD
onde V é o volume entre as placas do capacitor. Com a equação (3.13), isso se
torna
¯ = (ϵ0 E · dE + E · dP )V.
dW (3.17) {eq3.17}

Agora, esse é o trabalho total realizado no volume sujeito ao campo. O


primeiro termo acima está presente na ausência do material e representa a
variação de energia armazenada no capacitor quando vazio.
O trabalho realizado no dielétrico é, portanto,
¯ = E · dP V.
dW (3.18) {eq3.18}

Se os campos variarem com a posição, isso se generaliza para


Z
¯ = (E · dP )dV,
dW (3.19) {eq3.19}

e se E e P forem uniformes em todo o material, a equação (3.19) se torna


¯ = E · dp
dW (3.20) {eq3.20}

onde p é o momento dipolar elétrico total do espécime.

36
3.5. Trabalho em diversos sistemas

3.5.4. Trabalho por um campo magnético


As variáveis relevantes são definidas pelas equações

B = µ0 µr H = µ0 (H + M ) (3.21) {eq3.21}

χm = µr − 1 = M/H (3.22) {eq3.22}

onde B é a indução magnética, µ0 é a permeabilidade do vácuo, µr é a


permeabilidade relativa, H é a intensidade do campo magnético, M é a
magnetização e χm é a suscetibilidade magnética (consulte Bleaney e Bleaney,
1976: capítulo 4).
Um campo magnético pode realizar trabalho em qualquer material
magnetizável. Considere tal material sendo submetido a um campo magnético ao
ser colocado dentro de um solenoide (Figura 3.6(a)). Sem perda de generalidade,
podemos assumir que o solenoide é sem resistência, de modo que a bateria apenas
realiza trabalho contra as f.e.m. induzidas no solenoide, seja como resultado
direto da variação da corrente (através da autoindutância do solenoide L11 ) ou
por mudanças na magnetização do material, o que também alterará o fluxo que
liga o circuito elétrico. Para conveniência, representamos um dipolo elementar
no material por uma pequena espira de corrente de área a carregando uma
corrente i2 (Figura 3.6(b)). Não é necessário assumir que a indução magnética
no solenoide seja uniforme. Em vez disso, escrevemos B = bi1 , onde H é a
corrente no solenoide e b pode variar com a posição.
O momento magnético da espira de corrente elementar é

m′ = i2 a (3.23) {eq3.23}

e a indutância mútua entre a espira e o solenoide é

L12 = b · a. (3.24) {eq3.24}

Portanto, a f.e.m. induzida no solenoide é

di1 X di2
L11 + L12
dt 2
dt

onde a soma é realizada sobre todas as espiras de corrente elementares. A taxa


de trabalho da bateria é, portanto,
" #
¯
dW di1 X di2
= i1 L11 + L12 .
dt dt 2
dt

Portanto, durante uma mudança infinitesimal nas condições, o trabalho


realizado é X
¯ = i1 L11 di1 + i1
dW L12 di2
2
X
= i1 L11 di1 + B · dm′ (3.25) {eq3.25}

onde usamos as equações (3.23) e (3.24). No entanto, o primeiro termo é


o trabalho que teria sido realizado na ausência do material magnético e é a

37
3. A primeira lei

variação da energia armazenada no indutor quando vazio. O trabalho realizado


no material é, portanto, X
¯ =
dW B · dm′ .
Se os campos variam com a posição, isso se generaliza para
Z
¯ = (B · dM )dV,
dW (3.26) {eq3.26}

e se B e M forem uniformes em todo o material, a equação (3.26) se torna

¯ = B · dm
dW (3.27) {eq3.27}

onde m é o momento magnético total do espécime 3


Algumas das várias expressões para o trabalho realizado em um sistema
durante uma mudança reversível infinitesimal são reunidas na Tabela ??3.1.
Não apresentamos uma derivação formal das duas primeiras, pois elas seguem
trivialmente das definições fundamentais. Deve-se ressaltar que ao escrever
a primeira lei na forma dU = dQ
¯ + dW
¯ , todos os termos de trabalho efetivos
devem ser incluídos em dW
¯ .

Figure 3.6: Cálculo do trabalho realizado por um campo magnético. 3.6

3.6 Capacidades térmicas

3 Usaremos essa forma para o trabalho magnético ao longo deste livro. No entanto, deve-se

observar que é possível especificar o sistema termodinâmico de uma maneira diferente para
obter uma expressão alternativa que acaba sendo mais útil no contexto da mecânica estatística.
A diferença entre as duas formas é discutida no apêndice.

38
CHAPTER 4

A segunda lei

sec:cap4
4.1 A função da segunda lei
A primeira lei da termodinâmica é uma generalização do princípio da conservação
de energia para incluir o calor. Ela impõe uma restrição às mudanças de
um sistema que são energeticamente possíveis. No entanto, nem todas essas
mudanças ocorrem, e já reconhecemos esse fato ao discutir o equilíbrio térmico e
o calor. Se dois corpos são colocados em contato térmico, seria energeticamente
possível que suas temperaturas se divergissem; isso não violaria a primeira lei.
No entanto, sabemos que isso não acontece. As temperaturas convergem
e, eventualmente, o equilíbrio térmico é estabelecido. Assim, existe uma
irreversibilidade essencial da natureza, uma direção natural para a mudança,
que precisamos considerar ao tentar descrever os processos térmicos. A primeira
função da segunda lei é expressar essa irreversibilidade. Em segundo lugar,
embora saibamos que o trabalho possa ser convertido em calor por meio de
um mecanismo dissipativo adequado (rodas de pás de Joule ou um resistor),
não examinamos a conversão de calor em trabalho. A primeira lei enfatizou a
equivalência de calor e trabalho como formas de energia, mas não nos diz nada
sobre a conversão de uma forma para a outra; e, em particular, não nos diz nada
sobre a eficiência com a qual o calor é convertível em trabalho, uma questão de
enorme importância prática. A segunda função da segunda lei é expressar o
limite inerente à eficiência com a qual o calor é convertível em trabalho.

4.2 Processos cíclicos e motores térmicos


Agora, para converter calor em trabalho, precisamos de alguma máquina térmica
adequada que consuma calor e produza trabalho. Claramente, se vamos discutir
a eficiência da conversão, a própria máquina não deve sofrer nenhuma mudança
permanente no uso; ela deve desempenhar um papel passivo no sentido de que,
após ter completado uma série apropriada de processos, ela deve retornar ao
seu estado inicial. Qualquer série de processos pelos quais um sistema retorna
ao seu estado inicial é chamada de ciclo. A máquina, que conterá o sistema e
um mecanismo para fazê-lo passar pelo ciclo, é então designada por máquina
térmica, e é conveniente referir-se ao sistema com o qual a máquina opera como
a substância de trabalho.
Em geral, uma máquina térmica absorverá e rejeitará calor durante várias
partes de seu ciclo. Devemos esperar que haja algum calor rejeitado, caso

39
4. A segunda lei

Figure 4.1: Aplicação da primeira lei para uma máquina térmica fig:maqterm1

contrário (aplicando a primeira lei à máquina) todo o calor absorvido teria que
ser convertido em trabalho, resultando em 100 % de eficiência, o que, como
veremos, não é alcançável mesmo com uma máquina térmica ideal. Definimos
a eficiência térmica η de uma máquina térmica como a proporção do calor
absorvido convertido em trabalho:
trabalho realizado W
η= = (4.1)
calor recebido Q1

onde Q1 e W representam, o calor absorvido e o trabalho realizado, respectiva-


mente, em um ciclo. Em seguida, aplicando a primeira lei a um ciclo da
máquina térmica na forma W = Q1 − Q2 , onde Q2 é o calor rejeitado, temos
(veja Figura 4.1),
Q2
η =1− (4.2)
Q1
Existe um processo cíclico particularmente simples que desempenha um papel
importante no desenvolvimento da termodinâmica. Conhecido como ciclo de
Carnot, ele consiste em quatro processos distintos:

1. A substância de trabalho se expande isotermicamente e de forma reversível


a uma temperatura Θ1 , absorvendo calor Q1 .

2. A substância de trabalho se expande adiabaticamente e de forma reversível,


com a temperatura mudando de Θ1 para Θ2 .

3. A substância de trabalho é comprimida isotermicamente e de forma


reversível em Θ2 , rejeitando calor Q2 .

4. A substância de trabalho é comprimida adiabaticamente e de forma


reversível de Θ2 para o estado inicial em Θ1 .

O ciclo consiste na interseção de duas adiabáticas e duas isotermas. Durante


cada parte do ciclo, há troca de trabalho com o ambiente, de modo que o

40
4.3. Enunciados da segunda lei

Figure 4.2: Ciclo de Carnot em um gás, (a), e um material paramagnético, (b).


AB e CD são processos isotérmicos. BC e DA são processos adiabáticos fig:carnot1

trabalho líquido realizado pelo sistema em todo o ciclo é,


XI
W =− Xi dxi (4.3)

Para um sistema de dois parâmetros simples, isso é numericamente igual à


área cercada pelo ciclo quando plotado no plano de coordenadas X − x. Os
ciclos de Carnot para dois sistemas simples são ilustrados na Figura 4.2. Os
dois exemplos escolhidos mostram como os ciclos de Carnot podem parecer
diferentes para sistemas diferentes. No caso de um gás ideal, as isotermas são
hipérboles retangulares, enquanto para um material paramagnético que obedece
à lei de Curie, χ = a/T , elas são linhas retas que passam pela origem. Uma
vez que cada processo em um ciclo de Carnot é reversível, o ciclo na totalidade
deve ser reversível. Quando operado em sentido inverso, um motor de Carnot
extrai calor de um corpo a uma temperatura mais fria e rejeita calor para
um corpo a uma temperatura mais quente: ele transfere calor na direção "não
natural" em detrimento do trabalho mecânico. Deve-se ressaltar que, se uma
única substância de trabalho passa por um ciclo reversível em que o calor é
trocado em apenas duas temperaturas, então o ciclo é necessariamente um ciclo
de Carnot, pois as partes do ciclo que não envolvem a transferência de calor
devem ser (reversíveis) adiabáticas.

4.3 Enunciados da segunda lei


Existem dois enunciados clássicos bem conhecidos da segunda lei. O primeiro
enfatiza a eficiência da conversão de calor em trabalho, e o segundo enfatiza a
irreversibilidade da natureza.

O enunciado de Kelvin:

41
4. A segunda lei

▶ Não é possível um processo cujo único resultado seja a conversão completa


de calor em trabalho.

O enunciado de Clausius:

▶ Não é possível um processo cujo único resultado seja a transferência de


calor de um corpo mais frio para um corpo mais quente.

A forma de Kelvin afirma que é impossível atingir 100% de eficiência na


conversão de calor em trabalho. Na forma de Clausius, a lei nega a possibilidade
de reverter a tendência natural do calor fluir do mais quente para o mais frio
sem interferência externa (como trabalho, por exemplo).
Podemos demonstrar de forma simples que esses dois enunciados da segunda
lei são equivalentes, mostrando que se um deles for falso, o outro também deve
ser falso. Provaremos isso apenas em uma direção. Vamos mostrar que se o
enunciado de Clausius for falso, então o enunciado de Kelvin também deve
ser falso. Para fazer isso, começamos com um motor que viola o enunciado de
Clausius. Em seguida, combinamos esse motor com um motor de calor normal
(ou seja, um que não viole nenhum dos enunciados) para construir um motor
composto que viole o enunciado de Kelvin. Procedemos da seguinte maneira:
Suponhamos que temos um motor que viola o enunciado de Clausius ao
extrair calor de um reservatório frio em Θ2 e entregar calor a um reservatório
mais quente em Θ1 (motor 1 da Figura 4.3). Como nenhum trabalho está
envolvido, o calor absorvido deve ser igual ao calor entregue em cada ciclo.
Agora, pegamos qualquer motor de calor e o operamos da maneira normal
para que ele absorva calor no reservatório mais quente, rejeite no mais frio e
realize trabalho (motor 2 da Figura 4.3). Suponhamos que, em um determinado
tempo, o primeiro motor transfira Q2 de Θ2 para Θ1 . Em seguida, operamos o
segundo motor em uma taxa tal que, durante o mesmo período, ele rejeite Q2
em Θ2 . Se o calor que ele absorve nesse período for Q1 , o trabalho realizado
será W = Q1 − Q2 . Agora, consideramos os dois motores, juntos, como um
motor composto, e vemos que o efeito líquido do motor composto é não trocar
calor no reservatório frio, mas apenas extrair calor (Q1 − Q2 ) em Θ1 e realizar
a mesma quantidade de trabalho. A existência de tal motor viola o enunciado
de Kelvin.
A prova de que se o enunciado de Kelvin for falso, então o enunciado de
Clausius também é falso, procede de maneira análoga. Ambas as provas juntas
mostram que a verdade de qualquer forma da segunda lei é tanto uma condição
necessária quanto suficiente para a verdade da outra.
Vale ressaltar que as primeiras e segundas leis implicam a impossibilidade de
dois diferentes tipos de movimento perpétuo. A primeira lei não permite
o movimento perpétuo do primeiro tipo: uma máquina não pode operar
continuamente criando sua própria energia (porque a energia é conservada). A
segunda lei proíbe o movimento perpétuo do segundo tipo: uma máquina não
pode ser construída para funcionar continuamente usando a energia interna
de um único reservatório de calor (enunciado de Kelvin). Isso não violaria a
primeira lei. Uma possível maneira adicional de obter movimento perpétuo seria
remover todos os efeitos dissipativos, como atrito, viscosidade ou resistência
elétrica, de modo que o movimento, uma vez iniciado em algum dispositivo,
persistisse. Isso seria o movimento perpétuo do terceiro tipo. Não é proibido

42
4.4. Quentura e Temperatura

Figure 4.3: Prova de que a falsidade do enunciado de Clausius da segunda lei


implica a falsidade do enunciado de Kelvin. fig:kelvin_proof

nem pela primeira, nem pela segunda lei, mas sabe-se, por experiência, ser
inalcançável em qualquer sistema governado pelas leis clássicas 1 .

4.4 Quentura e Temperatura


Agora podemos fazer uma pausa para esclarecer um ponto menor que abordamos
de forma superficial. Nós definimos temperatura em termos de equilíbrio térmico
entre dois corpos. Nós definimos quentura em termos da direção natural do
fluxo de calor entre corpos que não estão em equilíbrio. Mas assumimos que
existe uma correspondência direta entre quentura e temperatura. Essa suposição
é bem fundamentada na experiência, mas, na verdade, é possível provar sua
correção diretamente a partir da segunda lei. Será suficiente para essa prova se
pudermos mostrar a verdade da seguinte afirmação: se um corpo em Θ1 está
mais quente do que um corpo em Θ2 , todos os corpos em Θ1 estão mais quentes
do que todos os corpos em Θ2 .
Para provar esse teorema, fazemos uso de um tipo especial de vazamento de
calor que consiste em um motor de Carnot C, cuja saída de trabalho é dissipada
como calor no reservatório mais frio. Assim, ele serve para transferir calor na
direção natural, de quente para frio, mas por um processo que podemos analisar.

1 A supercondutividade, o fluxo de corrente elétrica sem perdas, e a superfluidez, o

fluxo sem viscosidade de uma forma de hélio líquido, são essencialmente efeitos quânticos
macroscópicos. Esses serão discutidos com mais detalhes nas seções 10.8.3, 10.8.2 e 10.10.

43
4. A segunda lei

Figure 4.4: Demonstração da correspondência entre quentura e temperatura. fig:quentura

Considere dois corpos em Θ1 , A e B, e um em Θ2 , D, e suponha que A


esteja mais quente do que D (Fig. 4.4). Primeiro, operamos o vazamento de
calor de Carnot em um ciclo infinitesimalmente pequeno entre A e D. Então,
pela afirmação de Clausius da segunda lei, a direção do fluxo de calor deve ser de
A para D. O processo isotérmico que o motor de Carnot realiza enquanto está
em contato com A é determinado pela condição de que a substância de trabalho
no motor esteja em equilíbrio térmico com A ao longo de todo o processo. Mas,
a partir da definição de temperatura empírica, B está em equilíbrio com A
portanto, pela lei zero, o motor de Carnot também estaria em equilíbrio com B
ao longo do processo isotérmico em Θ1 . Assim, o motor de Carnot realizaria
ciclos idênticos, independentemente do corpo em Θ1 que fornece a fonte de calor,
e consequentemente a direção do fluxo de calor será a mesma. Portanto, segue-se
que, a menos que a afirmação de Clausius seja violada, todos os corpos em Θ1
devem estar mais quentes do que D. Ao aplicar um argumento similar para
incluir outros corpos em Θ2 , essa conclusão se generaliza imediatamente para a
afirmação que originalmente nos propusemos a provar. Assim, a correspondência
única entre quentura e temperatura é estabelecida.

4.5 Teorema de Carnot


O teorema de Carnot é o primeiro passo nos argumentos que levam das
afirmações clássicas da segunda lei à temperatura termodinâmica. O teorema
afirma:

▶ Nenhum motor operando entre dois reservatórios dados pode ser mais
eficiente do que um motor de Carnot operando entre os mesmos dois

44
4.5. Teorema de Carnot

Figure 4.5: Prova do Teorema de Carnot fig:carnot2

reservatórios.

Para provar isso, mostramos que, se o teorema for falso, podemos construir,
a partir de um motor de Carnot e de um desses motores mais eficientes, um
motor composto que viola uma das afirmações da segunda lei. Vamos fazer com
que a afirmação de Clausius seja violada. Considere um motor de Carnot C e o
motor hipotético de maior eficiência, H, operando entre reservatórios em Θ1 e
Θ2 . As mudanças de energia durante um ciclo dos motores são mostradas na
Figura 4.5. Se a eficiência do motor hipotético for maior do que a do motor de
Carnot, temos:
ηH > ηC , (4.4)

ou seja,
WH WC
> (4.5) {eq_proof_
QH1 QC1 carnot}

Como um motor de Carnot é reversível, podemos fazê-lo funcionar ao contrário


usando a energia mecânica de H. Também podemos escolher o tamanho do
ciclo do motor de Carnot, pois, embora as isotermas sejam determinadas por
Θ1 e Θ2 , podemos mover as posições das adiabáticas como desejarmos. Isso
nos permite arranjar para que, em um ciclo de cada motor, C utilize a mesma
quantidade de trabalho mecânico que H produz 2 . Ou seja,

WC = WH (4.6)
2 Se não desejássemos ajustar o tamanho do ciclo de Carnot, poderíamos arranjar para

que não houvesse energia mecânica excedente ajustando as taxas relativas de trabalho dos
motores, assim como fizemos na prova da equivalência das duas formas da segunda lei. O
argumento então seguiria da mesma maneira.

45
4. A segunda lei

Então, a partir da equação ( 4.5), temos

QC1 ≥ QH1 . (4.7)

Agora vemos que o motor composto formado por C e H juntos não realiza
trabalho, mas extrai calor do reservatório frio e entrega uma quantidade igual
ao reservatório quente, conforme dado por

QC1 − QH1 ≥ 0 (4.8)

Portanto, o motor composto viola o enunciado de Clausius da segunda lei, o que


significa que nosso motor hipotético não pode existir e o teorema é comprovado.

Corollary 4.5.1. No teorema de Carnot, mostramos que ηcarnot ≥ ηother . Se o


motor hipotético na prova acima fosse substituído por qualquer motor reversível
R, teríamos mostrado que ηC ≥ ηR . Mas agora, como ambos os motores são
reversíveis, o motor de Carnot poderia ter sido usado para acionar o outro
motor reversamente, obtendo o resultado ηC ≤ ηR . Essas condições só podem
ser satisfeitas se ηC = ηR .
Assim, mostramos que:

▶ Todos os motores reversíveis operando entre os mesmos reservatórios são


igualmente eficientes.

Segue-se que a eficiência de qualquer motor reversível operando entre dois


reservatórios deve ser uma função apenas das temperaturas dos reservatórios.
Portanto, para qualquer motor reversível,


Q1
= f (Θ1 , Θ2 ) (4.9) {eq.carnot}
Q2

onde f é uma função universal de Θ1 e Θ2 .


Como mencionado anteriormente, o único ciclo reversível em que uma
única substância de trabalho troca calor em apenas duas temperaturas é
necessariamente um ciclo de Carnot; mas o segundo motor na argumentação
acima pode ser tão complexo quanto desejarmos (pode conter vários processos
cíclicos subsidiários, por exemplo), desde que seja reversível e troque calor com
seus arredores apenas através dos dois reservatórios. Um motor de Carnot é o
motor mais simples que atende a essas condições. Um exemplo de um motor
mais complicado ocorre na seção seguinte.

4.6 Temperatura Termodinâmica


Agora podemos usar ( 4.9) para chegar a uma definição de temperatura
termodinâmica. Considere dois motores de Carnot, o primeiro, C1 , operando
entre reservatórios em Θ1 e Θ2 , e o segundo, C2 , operando entre C2 e C3 . Deixe
C1 absorver Q1 em Θ1 e rejeitar Q2 em Θ2 . Ajuste os tamanhos relativos dos

46
4.6. Temperatura Termodinâmica

Figure 4.6: Derivação da temperatura termodinâmica fig:prof_temp

ciclos de forma que C2 absorva Q2 em Θ2 e rejeite Q3 em Θ3 (Fig. 4.6). Então,


a partir de ( 4.9), temos para C1

Q1
= f (Θ1 , Θ2 ), (4.10) {eq.temp1}
Q2

e para C2 ,
Q2
= f ′ (Θ2 , Θ3 ), (4.11) {eq.temp2}
Q3
Mas como não há troca líquida de calor em Θ2 , o reservatório Θ2 é supérfluo.
(Os dois motores poderiam trocar calor diretamente enquanto realizam os
mesmos ciclos.) Assim, o reservatório Θ2 pode ser ignorado, enquanto as
equações ( 4.10) e ( 4.11) permanecem inalteradas. No entanto, podemos
considerar os dois motores de Carnot como um motor composto (reversível),
trocando calor apenas em Θ1 e Θ3 3 . Aplicando ( 4.9) ao motor composto,

Q1
= f ′′ (Θ1 , Θ3 ), (4.12) {eq.temp3}
Q3
3 Alternativamente, uma vez que o reservatório Θ não sofre alterações pela operação das
2
máquinas, poderíamos incluí-lo juntamente com elas como parte do motor composto.

47
4. A segunda lei

pelas equações ( 4.10), ( 4.11), e ( 4.12)

f ′′ (Θ1 , Θ3 ) = f (Θ1 , Θ2 )f ′ (Θ2 , Θ3 ) (4.13)

Mas o lado esquerdo é independente de Θ2 , de modo que Θ2 deve se cancelar


nos termos à direita. Isso só pode acontecer se as funções f ′ s se fatorizarem
na forma T (Θ1 )/T (Θ2 ), onde os T s são quantidades universais que dependem
apenas das temperaturas empíricas. Retornando à equação ( 4.10), podemos
então colocar,
Q1 T1
= (4.14) {eq.temp.def}
Q2 T2
que define a temperatura termodinâmica, exceto pela constante de proporcional-
idade que determina o tamanho da unidade. Em outras palavras, a temperatura
termodinâmica é definida de tal forma que:

▶ A relação entre as temperaturas termodinâmicas de dois reservatórios é


igual à relação das quantidades de calor trocadas nesses reservatórios por
um motor reversível que opera entre eles.

Na seção 8.2, mostraremos que é a temperatura termodinâmica que aparece


na equação de estado do gás perfeito. Por isso, as medições de temperatura
termodinâmica são geralmente baseadas em termometria de gás (consulte as
seções 2.4-2.6). Em termos de temperatura termodinâmica, a eficiência de um
motor reversível que opera entre dois reservatórios a temperaturas T1 e T2 se
torna
W Q2 T2
η= =1− =1− (4.15)
Q1 Q1 T1

4.7 Unicidade das adiabáticas reversíveis


Nas várias demonstrações que apresentamos acima, assumimos que o caminho
seguido por um sistema durante uma mudança adiabática reversível é unicamente
definido. Em particular, assumimos que se um sistema inicia um caminho
adiabático a partir de um estado específico em uma isotérmica, ele sempre irá
intersectar outra isotérmica no mesmo ponto. Se isso não fosse o caso, o ciclo
de Carnot que o sistema realiza não seria definido e o trabalho realizado no
ciclo não seria determinado de forma única. A suposição de que as adiabáticas
são unicamente definidas equivale a assumir que deve haver alguma função de
estado que seja constante para mudanças reversíveis em que não há transferência
de calor (¯
dQ = 0), sendo a constância dessa quantidade que determina quais
estados são acessíveis ao sistema. No entanto, sabemos que a transferência de
calor (Q) não é uma função de estado, portanto, a suposição que fizemos precisa
de uma justificativa adicional.
Uma forma de contornar essa dificuldade é simplesmente apelar para
evidências experimentais de que processos adiabáticos reversíveis são unicamente
definidos. No entanto, é fácil mostrar que isso deve ser verdade no caso de um
sistema com dois parâmetros. A adiabática reversível é a curva para a qual

¯ = dU + pdV = 0
dQ (4.16) {eq.first.law}

48
4.8. Geladeiras e bombas de calor

Escolhemos p e V como variáveis independentes e rearranjamos essa equação


em uma forma diferencial linear em dp e dV . Em termos de dp e dV , dU se
torna    
∂U ∂U
dU = dp + dV (4.17)
∂p V ∂V p
Substituindo em ( 4.16)
   
∂U ∂U
dp + { + p}dV = 0 (4.18) {eq.proof.
∂p V ∂V p adiab1}

Essa é a equação diferencial que os parâmetros do sistema devem obedecer


para uma mudança adiabática reversível. Agora, os coeficientes de dp e dV
nessa equação são ambas funções de estado, o que implica que as direções das
mudanças adiabáticas são unicamente determinadas para todos os estados do
sistema por uma equação da forma,
F1 (p, V )dp + F2 (p, V )dV = 0 (4.19) {eq.proof.
adiab2}
A equação ( 4.18) pode ser integrada a partir de qualquer estado inicial
para obter adiabáticas únicas. No entanto, a prova não se generaliza para
casos em que existem mais de duas variáveis independentes 4 . Portanto, por
enquanto, podemos considerar apenas as adiabáticas como únicas e as provas
que fornecemos anteriormente usando motores de Carnot como válidas apenas
para sistemas com dois graus de liberdade. No entanto, quando chegarmos a
discutir processos cíclicos, poderemos derivar resultados válidos para sistemas
com múltiplos parâmetros. Eventualmente, mostraremos que existe uma função
de estado, a entropia, conservada em processos adiabáticos reversíveis. Em
seguida, segue imediatamente que existem superfícies adiabáticas para sistemas
com vários parâmetros, uma vez que são superfícies nas quais a função de
estado, a entropia, é constante (ver seções 5.2 e 6.2). Isso também mostra que
os resultados anteriores são válidos sem restrições.
A propósito, não mostramos que uma adiabática não possa cortar uma
isotérmica mais de uma vez; mas isso é imediatamente excluído pela segunda lei,
pois um motor baseado em um sistema no qual isso ocorre violaria o enunciado
de Kelvin.

4.8 Geladeiras e bombas de calor


Na demonstração do teorema de Carnot, utilizamos a propriedade de
reversibilidade de uma máquina de Carnot. Através do trabalho mecânico,
4 Se pensarmos em dp e dV como vetores infinitesimais no espaço p − V , então a equação

( 4.19) simplesmente afirma que qualquer mudança infinitesimal permitida, representada


pelo vetor (dp, dV ), deve ser perpendicular ao vetor (F1 (p, V ), F2 (p, V )) já que o produto
escalar entre eles é zero. Como o espaço de coordenadas tem apenas duas dimensões, essa
condição define uma linha única. Com três graus de liberdade, ela define um plano contendo
o estado inicial, e a condição é satisfeita por qualquer linha que esteja nesse plano. Com
esse grau extra de liberdade, em geral, seria possível passar de qualquer ponto no espaço de
coordenadas do sistema para qualquer outro, sempre satisfazendo a condição adiabática em
todos os pontos do caminho. Todos os estados do sistema seriam então mutuamente acessíveis
por meio de caminhos adiabáticos e não haveria superfícies adiabáticas únicas. Isso mostra
por que o argumento acima não pode ser generalizado para sistemas com mais de dois graus
de liberdade. Vamos adiar a demonstração do resultado geral até que tenhamos introduzido a
entropia no capítulo 5

49
4. A segunda lei

Figure 4.7: Uma máquina de Carnot operando reversamente absorve calor de


um reservatório frio e rejeita calor em um mais quente. fig:
geladeira_carnot

ela foi colocada para funcionar reversamente, extraindo calor de um reservatório


frio e rejeitando-o em um reservatório quente (Fig. 4.7). Qualquer dispositivo
que, por meio do trabalho mecânico, transfere continuamente calor de um corpo
mais frio para um mais quente é chamado de geladeira ou bomba de calor.
Geladeiras. A função de uma geladeira é extrair calor de um corpo que está
a uma temperatura mais baixa do que o ambiente. A eficiência ou índice de
mérito de uma geladeira deve, portanto, ser definida em termos da quantidade
de calor extraída para um determinado gasto de trabalho mecânico. Para uma
geladeira perfeita, utilizando uma máquina de Carnot,

Q2 T2
ηr = = (4.20)
W T1 − T2
A eficiência do refrigerador ideal é mostrada na Fig. 4.8. Para graus
moderados de resfriamento, a eficiência é alta. Até T2 /T1 = 0, 5, mais calor
é absorvido do que o trabalho necessário; porém, para uma extração de calor
dada, o trabalho necessário se torna muito grande à medida que a razão de
temperatura aumenta. Para um refrigerador doméstico, a temperatura superior
é geralmente mantida próxima à temperatura ambiente por meio da troca de
calor com o ambiente através das aletas de resfriamento, enquanto a temperatura
inferior é mantida um pouco abaixo do ponto de congelamento. Com T1 = 312K
e T2 = 260K, a razão T2 /T1 = 0, 5. Por outro lado, para absorver 4 watts de
calor a 1K com um refrigerador ideal funcionando a partir da temperatura
ambiente, seria necessário mais de 1kW de potência. (Isso mostra por que se
torna cada vez mais difícil obter resfriamento em temperaturas muito baixas.)
Na prática, as eficiências serão bem abaixo dessas figuras ideais.
Bomba de calor. A função de uma bomba de calor é fornecer calor a
algum corpo que está a uma temperatura mais alta do que o ambiente. A
eficiência ou figura de mérito de uma bomba de calor deve ser definida em
termos da quantidade de calor fornecida a uma temperatura mais alta para um
determinado gasto de trabalho mecânico. Para uma bomba de calor perfeita,

50
4.9. Motores térmicos reais

Figure 4.8: Eficiência de um refrigerador ideal fig:eficiencia_


refrig

usando um motor de Carnot,


Q1 T1
ηp = = = 1 + ηr (4.21)
W T1 − T2
A Figura 4.9 mostra a eficiência de uma bomba de calor ideal. Para pequenas
diferenças de temperatura, é fornecido consideravelmente mais calor do que
a potência consumida. Isso torna a bomba de calor muito atraente como
dispositivo para aquecimento de edifícios, onde o calor é extraído da atmosfera
circundante e fornecido ao edifício a uma temperatura ligeiramente acima da
temperatura ambiente. Tomando T1 = 320K e T2 = 280K, 8kW de aquecimento
exigiriam um consumo de energia de apenas 1kW . Infelizmente, o alto custo e a
baixa eficiência de qualquer planta prática tornam esse método de aquecimento
de vantagem econômica duvidosa e é raramente utilizado. À medida que a razão
de temperatura aumenta, a vantagem potencial da bomba de calor diminui.
Quando T2 se aproxima de zero, o calor fornecido se iguala ao trabalho requerido
e a bomba de calor não tem vantagem sobre um dispositivo que transforma o
trabalho diretamente em calor, como um simples aquecedor elétrico.

4.9 Motores térmicos reais


Em termos completamente gerais, pouco pode ser dito sobre as eficiências dos
motores térmicos reais, embora uma comparação grosseira com um ciclo de
Carnot às vezes seja possível. Se conhecermos os extremos de temperatura
envolvidos no ciclo do motor real, certamente sua eficiência deve ser menor do
que a de um motor de Carnot operando entre reservatórios nessas temperaturas.
Essa comparação simples é suficiente para mostrar por que as primeiras máquinas
a vapor eram tão ineficientes. O vapor estava disponível a uma pressão um
pouco acima da atmosférica, a uma temperatura de, digamos, 390K, e era
condensado por água a uma temperatura um pouco abaixo do ponto de ebulição
normal, digamos, 350K. A eficiência de um motor de Carnot operando entre

51
4. A segunda lei

Figure 4.9: A eficiência de uma bomba térmica ideal fig:


eficiencia_bomba

essas temperaturas seria de apenas 10 %, e, é claro, para as máquinas a vapor,


era ainda menor. No motor a vapor moderno, a eficiência foi melhorada usando-
se vapor de alta pressão e aumentando T1 ; mas o motor a vapor ainda é um
meio ineficiente de gerar energia mecânica a partir do calor devido à faixa
de temperatura comparativamente limitada que é praticável. Em contraste,
esperar-se-ia que o motor de combustão interna fosse capaz de eficiências muito
mais altas devido às temperaturas extremamente altas envolvidas na explosão.
Para discutir um motor térmico real em detalhes, é sempre necessário inventar
um ciclo idealizado que possa ser usado como uma representação razoável do
ciclo do motor real. Cálculos baseados em tal ciclo idealizado fornecerão um
limite superior para a eficiência do motor térmico real. A idealização envolve
duas aproximações básicas. A primeira é que a substância de trabalho é uma
única substância pura. No caso de um motor de combustão interna, isso está
claramente longe da verdade. A substância de trabalho é, na verdade, uma
mistura de gases e vapores e sua composição muda durante o ciclo. Para o
motor de combustão interna, o ar é geralmente escolhido para representar a
substância de trabalho. Ciclos baseados em ar são conhecidos como "ciclos
padrão de ar". A segunda aproximação consiste em substituir o ciclo real por
um ciclo reversível. Novamente, isso está claramente longe da verdade. A
maioria dos ciclos reais ocorre rapidamente e as condições estão longe de serem
quase estáticas: o calor flui via gradientes de temperatura finitos; há atrito e
turbulência. Na prática, geralmente é essa aproximação que introduz os maiores
erros. Vamos ilustrar o uso de um ciclo idealizado considerando um exemplo, o
motor a gasolina.

O motor a gasolina
No motor a gasolina, o ciclo consiste em seis partes. Quatro delas envolvem
o movimento do pistão e são chamadas de tempos. O ciclo ocorre da seguinte
maneira:

52
4.9. Motores térmicos reais

Figure 4.10: O ciclo Otto padrão para o ar. fig:otto_ciclo

1. Tempo de admissão. A mistura de gasolina e ar é aspirada para dentro


do cilindro através da válvula de admissão pelo movimento do pistão.

2. Tempo de compressão. A válvula de admissão fecha e o pistão sobe pelo


cilindro, comprimindo rapidamente a mistura. A compressão é quase
adiabática e ocorre um considerável aumento de temperatura.

3. Explosão. Quando totalmente comprimida, a mistura é inflamada.


Durante a explosão, há um movimento insignificante do pistão, de modo
que o volume permanece inalterado, mas ocorre um aumento muito alto
de temperatura e pressão.

4. Tempo de potência. Os produtos da combustão quente se expandem,


realizando trabalho mecânico sobre o pistão. Há uma considerável queda
de pressão e temperatura.

5. Escape da válvula. No final do tempo de potência, a válvula de escape se


abre. Os produtos da combustão, que continuam sob alta pressão, saem
rapidamente para a atmosfera. Há uma queda repentina de pressão.

6. Tempo de escape. O pistão sobe pelo cilindro, expelindo os gases restantes


para a atmosfera. Em seguida, a válvula de escape se fecha e a válvula de
admissão abre, em preparação para o próximo tempo de admissão.

O ciclo do motor a gasolina é claramente altamente irreversível. O ciclo


idealizado que o substitui é conhecido como ciclo Otto padrão de ar e é ilustrado
na Fig. 4.10.
O ar é considerado a substância de trabalho e presume-se que obedeça às leis
dos gases ideais (ver seção 8.2) com capacidades térmicas principais constantes.

53
4. A segunda lei

Todos os processos são assumidos como reversíveis. As diferentes partes do ciclo


do motor a gasolina são representadas da seguinte forma:
5 → 1. Tempo de admissão. Uma admissão quase estática e isotérmica de
ar a uma pressão p0 até um volume V1 .
1 → 2. Tempo de compressão. Uma compressão adiabática quase estática
de V1 até V2 , durante a qual a temperatura aumenta de T1 para T2 conforme a
equação dos gases ideais:
(γ−1) (γ−1)
T1 V1 = T2 V2 (4.22) {eq.otto1}

onde γ é a razão das capacidades térmicas principais.


2 → 3. Explosão. Um aumento quase estático de temperatura e pressão a
volume constante, causado pela absorção de calor de uma série de reservatórios 5
entre T2 e T3 .
3 → 4. Tempo de potência. Uma expansão adiabática quase estática que
resulta em uma queda de temperatura conforme a equação
(γ−1) (γ−1)
T3 V2 = T4 V1 (4.23) {eq.otto2}

4 → 1. Válvula de escape. Uma queda quase estática e isovolumétrica de


temperatura para T1 (e de pressão para p0 ) causada pela troca de calor com
uma série de reservatórios entre T4 e T1 .
1 → 5. Tempo de escape. Uma expulsão quase estática e isotérmica do
ar. Claramente, os dois processos isobáricos 5 → 1 e 1 → 5 se cancelam
mutuamente, e ao calcular a eficiência, só precisamos considerar o restante do
ciclo.
O calor absorvido ao longo de 2 → 3 é
Z T3
Q1 = Cv dT = Cv (T3 − T2 ) (4.24)
T2

e o calor rejeitado ao longo de 4 → 1 é,


Z T1
Q2 = Cv dT = Cv (T4 − T1 ) (4.25)
T4

Fazendo uso da primeira lei, a eficiência é dada por,

W Q1 − Q2 (T4 − T1 )
η= = =1− (4.26)
Q1 Q1 (T3 − T2 )

pelas equações( 4.22) e ( 4.23) é fácil mostrar que,


(γ−1) (γ−1)
(T4 − T1 )V1 = (T3 − T2 )V2 (4.27)

portanto,
1
 γ−1
V2
η =1− =1− (4.28)
V1 rγ−1
5 A série de reservatórios é necessária para garantir que nunca ocorra diferença de

temperatura entre o sistema e o reservatório que fornece calor. Se uma diferença de


temperatura fosse estabelecida, o fluxo de calor se tornaria termodinamicamente irreversível.

54
4.9. Motores térmicos reais

onde r é chamada de taxa de compressão (ou expansão).


Para obter a maior eficiência, a taxa de expansão deve ser a maior possível.
No entanto, ela não pode ser muito grande, pois eventualmente regiões da
mistura de combustível detonam durante a combustão em vez de queimarem
suavemente. O resultado desse fenômeno, conhecido como detonação ou batida,
é prejudicial mecanicamente para o motor e também reduz a eficiência. Com
combustíveis modernos, uma taxa de compressão de cerca de 10,5 pode ser
utilizada. Considerando γ = 1, 4 para o ar, isso resulta em uma eficiência
máxima teórica de 61%. Em um motor real, a eficiência provavelmente alcança
apenas metade desse valor.

55
CHAPTER 5

Entropia

sec:cap5
5.1 Teorema de Clausius
Até agora, discutimos apenas ciclos nos quais o sistema troca calor em apenas
duas temperaturas. Para motores de calor baseados em tais ciclos, temos,
conforme o teorema de Carnot:

η ≤ ηrev , (5.1)

onde ηrev é a eficiência de um motor reversível operando entre as mesmas


temperaturas. Substituindo as eficiências, temos:

Q2 Qr2
1− ≤1− , (5.2)
Q1 Qr1
logo,
Q2 Qr2 T2
≥ = , (5.3)
Q1 Qr1 T1
pela definição de temperatura termodinâmica. Portanto,

Q2 Q1
≥ (5.4)
T2 T1
Tomando o calor entrando no sistema como positivo, podemos escrever isso
como 1 :
XQ
≤0 (5.5) {eq.clausius}
T
Agora, vamos provar um resultado correspondente para processos cíclicos
gerais de qualquer grau de complexidade. Em particular, não haverá restrições
no número de graus de liberdade do sistema nem na temperatura na qual ele
pode trocar calor com seu ambiente.
Para fazer com que o sistema execute o ciclo, é necessário realizar uma
série apropriada de ajustes em seus parâmetros (envolvendo trabalho) e, em
cada estágio, fornecer a quantidade adequada de calor. O ciclo em si pode
ser irreversível, mas podemos fornecer o calor de forma reversível, operando
um pequeno motor de Carnot entre o sistema e um grande reservatório a uma
1 Deve-se observar que a desigualdade torna-se mais acentuada à medida que o motor se

torna menos eficiente e menos reversível. Mais adiante, veremos como isso acontece de forma
mais geral.

57
5. Entropia

Figure 5.1: Prova do teorema de Clausius fig:


proof_clausius

temperatura constante (Figura 5.1). Ao garantir que o motor de Carnot esteja


em equilíbrio térmico com o reservatório ou sistema durante a transferência de
calor, nenhuma irreversibilidade está envolvida nesse processo. A sequência de
processos seguidos pelo motor de Carnot C é a seguinte. Todos são reversíveis.

1. C está a T0 .

2. C é comprimido (ou expandido) adiabaticamente até que sua temperatura


seja T .

3. C é colocado em contato com o sistema e absorve (ou fornece) calor por


uma mudança isotérmica a T .

4. C é expandido (ou comprimido) adiabaticamente até que sua temperatura


seja T0 .

5. C é colocado em contato com o reservatório e comprimido (ou expandido)


isotermicamente a T0 até ele recuperar seu estado original.

Dessa forma, o motor complexo executa seu ciclo em passos infinitesimais


e não são feitas suposições sobre a unicidade de seus processos adiabáticos
nem sobre a possibilidade de a substância de trabalho se desviar do ciclo
especificado 2
Se o calor fornecido à substância de trabalho a uma temperatura T em
uma trajetória do motor de Carnot for dQ,
¯ o calor correspondente absorvido do
reservatório é
¯
dQ
dQ0 = T0 . (5.6)
T
2 Um método enganoso, frequentemente usado para provar o teorema de Clausius é sobrepor

ao ciclo geral uma malha de adiabáticas e isotermas para subdividi-lo em ciclos infinitesimais
aos quais ( 5.5) é aplicado. Existem duas objeções a isso. Em primeiro lugar, o argumento
depende da suposição de que o sistema poderia existir em todos os estados envolvidos na
subdivisão. Claramente, isso pode não ser verdadeiro. A segunda e mais séria objeção é que
ainda não provamos a existência de superfícies adiabáticas únicas para sistemas com mais de
duas variáveis. Assim, o resultado não seria de validade geral

58
5.2. Entropia

Portanto, o calor absorvido do reservatório em um ciclo completo do motor


complexo é
¯
I
dQ
T0 ≤0 (5.7)
T
conforme o postulado de Kelvin da segunda lei. No entanto, T0 é necessariamente
positivo, portanto,
¯
I
dQ
≤0 (5.8) {eq.clausius1}
T
para qualquer ciclo. Se o ciclo complexo fosse reversível, poderíamos executá-lo
na direção oposta e obter o resultado

¯
I
dQ
≥0 (5.9) {eq.clausis2}
T

Mas ( 5.8) se aplica a qualquer ciclo, portanto, necessariamente a ciclos


reversíveis em particular. Portanto, se o ciclo for reversível, tanto ( 5.8) quanto
( 5.9) devem ser satisfeitos, resultando em

¯
I
dQ
= 0, (5.10) {eq.clausis.
T revers}

para um ciclo reversível. Os dois resultados ( 5.8) e ( 5.9) juntos formam o


teorema de Clausius, que pode ser declarado formalmente da seguinte forma:

▶ Para qualquer ciclo fechado, dQ


¯
≤ 0, onde a igualdade necessariamente
H
T
vale para um ciclo reversível.

A desigualdade de Clausius é muito importante, pois todo o nosso tratamento


de processos irreversíveis seguirá a partir dela. É importante compreender o
significado de T nos resultados acima. Em um ciclo irreversível, as várias partes
do sistema podem nem sempre estar em equilíbrio entre si e, em particular, pode
haver diferenças de temperatura, impossibilitando definir uma temperatura
para o sistema na totalidade. Na demonstração acima, T é a temperatura do
motor de Carnot à medida que o calor é transferido através da fronteira do
sistema. Assim, o T que aparece nas integrais é a temperatura na qual o calor é
fornecido ao sistema. Somente se a fonte de calor estiver em equilíbrio térmico
com o sistema na totalidade, ela se torna a temperatura do sistema também.

5.2 Entropia
Agora definimos uma nova variável, a entropia S, pela relação

¯
dQ
dS = (5.11)
T
para uma mudança reversível infinitesimal. Para enfatizar que a igualdade vale
apenas para mudanças reversíveis, a definição de S é escrita como

¯ rev
dQ
dS = (5.12)
T

59
5. Entropia

Figure 5.2: Prova de que a entropia é uma função de estado. fig:proof-


entropy

Então, para uma mudança finita reversível de estado, a mudança na entropia é


dada por
Z 2
dQrev
S2 − S1 = (5.13)
1 T
Agora mostraremos que a entropia é uma função de estado.
Prova de que S é uma função de estado. Construa qualquer ciclo reversível e
selecione dois estados A e B nele (Fig. 5.2). O teorema de Clausius afirma que,

¯ rev
I I
dQ
= dS = 0 (5.14)
ACBDA T ACBDA

A partir da definição de S, com todos os processos sendo reversíveis:


I Z Z
dS = dS + dS. (5.15)
ACBDA ACB BDA

Portanto, Z Z
dS = dS = SB − SA . (5.16)
ACB ADB

Se mantivermos o caminho via D fixo e variarmos o caminho via C, percebemos


que Z
dS = SB − SA (5.17)
ACB

sempre assume o mesmo valor para qualquer caminho reversível de A para B.


Portanto, exceto por uma constante aditiva arbitrária, S deve ser unicamente
definido para cada estado do sistema, ou seja, S é uma função de estado. Como
S é uma função de estado, dS deve ser uma diferencial perfeita (ou seja, é
unicamente definida para qualquer mudança de estado, portanto, pode sempre
ser integrada). Mas definimos S pela equação

¯ rev
dQ
dS = , (5.18)
T

60
5.3. Entropia em mudanças irreversíveis

Figure 5.3: Determinação do comportamento da entropia em uma mudança


irreversível fig:ciclo-irres

onde dQ
¯ não é uma diferencial perfeita. Assim, descobrimos haver um fator
de integração para dQ¯ rev , ou seja, 1/T . Também segue imediatamente que
existem e são únicas as adiabáticas para sistemas com qualquer número de
graus de liberdade, pois são simplesmente as superfícies de entropia constante,
as isentrópicas. Isso aborda o ponto que tivemos que deixar na seção 4.7.

5.3 Entropia em mudanças irreversíveis


Uma vez que a entropia é uma função do estado, a mudança na entropia que
acompanha uma determinada mudança de estado deve sempre ser a mesma,
independentemente de como ocorra a mudança de estado. Apenas quando a
mudança ocorre de forma reversível, no entanto, a mudança na entropia está
relacionada à transferência de calor pela equação,
¯
Z
dQ
∆S = (5.19)
T
Para impor a condição de reversibilidade na definição inicial. Qual é a
relação entre a mudança de entropia e a transferência de calor em processos
irreversíveis? Considere uma mudança irreversível de A para B. Construa
qualquer caminho reversível R entre A e B, formando assim um ciclo irreversível
ABRA (Figura 5.3). Para o ciclo irreversível, o teorema de Clausius dá
¯
I
dQ
≤0 (5.20)
T
separando a integral em duas partes,
¯ ¯
Z B Z A
dQ dQ
+ ≤0 (5.21)
Airrev T Brev T

ou seja,
B
¯ B
¯
Z Z
dQ dQ
≤ (5.22)
Airrev T Arev T

61
5. Entropia

porém,
B
¯
Z
dQ
= SB − SA (5.23)
Arev T

pela definição de entropia. Assim,


B
¯
Z
dQ
≤ SB − SA (5.24)
Airrev T

ou,
¯
dQ
dS ≥ (5.25)
T
para uma mudança diferencial irreversível. Assim, temos o resultado geral

¯
dQ
dS ≥ (5.26) {eq.second.law}
T
para qualquer mudança infinitesimal onde, a igualdade se aplica necessariamente
se a mudança for reversível. Novamente, T é a temperatura na qual o calor
é fornecido ao sistema. Somente quando a fonte de calor está em equilíbrio
térmico com o sistema na totalidade, ela se torna também a temperatura do
sistema.
A Equação ( 5.26) é extremamente importante. Ela contém todas as
informações necessárias para lidar com eficiência e irreversibilidade em processos
térmicos. Portanto, pode ser considerada o ponto central da segunda lei, pois é
por meio dela que os objetivos da segunda lei são alcançados.
Para um sistema termicamente isolado (ou completamente isolado), dQ ¯ = 0.
Aplicando ( 5.26), vemos que dS ≥ 0. Esse resultado geral é conhecido como a
lei do aumento da entropia, que pode ser formulada formalmente como:

▶ A entropia de um sistema isolado não pode diminuir.

Uma aplicação particular dessa lei é que ela pode ser usada para determinar a
configuração de equilíbrio de um sistema isolado. Ao se aproximar do equilíbrio,
a entropia do sistema só pode aumentar. Portanto, a configuração de equilíbrio
final é aquela em que a entropia é tão grande quanto possível. Mais tarde,
quando discutirmos a interpretação da entropia, veremos como esse princípio
pode ser aplicado.
Deve-se notar que a lei do aumento da entropia fornece uma direção
natural para a sequência temporal dos eventos naturais. Dentro do quadro
mecanicista da mecânica newtoniana, todos os processos são reversíveis no
tempo. (As equações permanecem inalteradas em forma ao substituir t por −t.)
Então, por que existe a sequência inevitável de eventos, a chamada "seta do
tempo"? A termodinâmica não responde a esse problema, mas fornece uma
nova compreensão. A direção natural dos eventos é aquela em que a entropia
aumenta. Todas as mudanças são, portanto, parte do progresso irreversível em
direção ao equilíbrio universal. Assim, a seta do tempo resulta do fato de que
não há equilíbrio termodinâmico em todo o universo. Enquanto diferenças de
temperatura ou diferenças de densidade existirem, a evolução natural continuará
e os eventos serão direcionados para a frente em direção ao equilíbrio.

62
5.4. A forma entrópica da primeira lei

5.4 A forma entrópica da primeira lei


A partir da primeira lei, conseguimos deduzir a existência da energia interna
U , uma função de estado. Para qualquer mudança de estado, não importando
como ocorra, a variação em U é dada pela equação,

dU = dQ
¯ + dW
¯ (5.27)

em que dQ ¯ e dW¯ não são diferenciais de funções de estado, portanto, não são
definidos individualmente para uma determinada mudança de estado. Para
separar as contribuições de U provenientes do calor e do trabalho, as restrições
sobre o sistema devem ser conhecidas para que o caminho da mudança possa
ser determinado. Se a mudança ocorre de forma reversível, o trabalho realizado
pode
P ser expresso em termos dos parâmetros de estado do sistema na forma
i Xi dxi e somente quando o caminho é conhecido é que isso pode ser integrado.
Assim, tomando um fluido simples como nosso modelo, temos sempre que,

dU = dQ
¯ + dW
¯ (5.28)

porém, só para mudanças reversíveis teremos,

¯ = −pdV
dW
¯ = T dS
dQ (5.29)

portanto,
dU = T dS − pdV (5.30) {eq.1lei.entro}

para mudanças reversíveis. No entanto, nesta equação, todas as variáveis são


funções de estado, de modo que todos os diferenciais são perfeitos. Como
resultado, a integração desta equação deve ser independente do caminho de
integração e a equação pode ser aplicada a qualquer mudança de estado,
independentemente de como seja realizada. Para usar a equação, só precisamos
que os estados inicial e final sejam definidos e que exista algum caminho reversível
entre eles. Para encontrar a variação da energia interna acompanhando uma
mudança irreversível, escolhemos qualquer caminho reversível conveniente entre
os estados inicial e final e integramos ( 5.30) ao longo dele. Assim, expressando
dU em termos apenas de funções de estado, temos sempre que

dU = T dS − pdV (5.31) {eq.1.law}

uma vez que mudanças em qualquer função de estado podem ser calculadas por
meio de um caminho reversível conveniente da mesma maneira.
Para mudanças irreversíveis, as igualdades ( 5.29) são inválidas. Já
mostramos que, nesse caso, desigualdade dQ ¯ ≤ T dS, de modo que, para que
( 5.31) permaneça verdadeira, dW ¯ ≥ −pdV . Isso é o que se esperaria. Na
presença de irreversibilidade (quando há atrito, por exemplo), o trabalho total
realizado é maior do que o necessário para efetuar a mesma mudança no volume
do sistema sem a irreversibilidade.
A forma geral da primeira lei é, portanto,
X
dU = T dS + Xi dxi (5.32) {eq.1.law2}
i

63
5. Entropia

em que Xi e xi são as variáveis intensivas e suas conjugadas variáveis extensivas.


É claro, a partir de sua definição, que a entropia é uma variável extensiva, de
modo que, a partir da forma de ( 5.32), a temperatura termodinâmica deve ser
sua correspondente variável intensiva. O termo T dS é, portanto, inteiramente
semelhante aos termos de trabalho e pode ser agrupado com eles. Isso nos dá a
primeira lei em uma forma condensada:
X
dU = Xi dxi (5.33)
i

onde a soma necessariamente inclui o termo T dS, relevante para todos os


sistemas.

5.5 Entropia e degradação da energia


O trabalho que pode ser extraído de um sistema em uma mudança infinitesimal
de estado é dado por dW ¯ = dQ ¯ − dU . Mostramos que dQ está relacionado à
mudança de entropia por dQ ¯ ≤ T0 dS, onde T0 é a temperatura na qual o calor
é fornecido, de modo que dW ¯ deve satisfazer a desigualdade dW¯ ≤ T0 dS − dU .
Assim, para uma dada mudança de estado (com dU e dS fixos), a quantidade
máxima de trabalho é extraída do sistema quando a igualdade se aplica; ou
seja, quando a mudança é reversível. Nesse caso, a mudança total de entropia
do sistema e de seus arredores é zero 3 , pois, em qualquer processo envolvendo
troca reversível de calor com os arredores, dSsistema = −dSarredores ; enquanto,
em uma mudança irreversível, a mudança de entropia dos arredores (assumindo
nenhuma irreversibilidade lá) é dS0 = −¯ dQ/T0 , enquanto a do sistema satisfaz a
desigualdade dS ≥ dQ/T
¯ 0 . Nesse caso, a entropia do universo pode aumentar e,
se isso acontecer, podemos extrair menos trabalho do sistema do que seria o caso
se a mesma mudança tivesse sido feita de forma reversível. Assim, associada ao
aumento de entropia está a perda de alguma energia que poderia ter sido usada
para o trabalho. Claramente, essa energia não desaparece, pois isso violaria
a primeira lei, mas sim assume uma forma da qual pode ser convertida em
trabalho com menor eficiência do que antes. A energia se degrada, pois é menos
útil para o trabalho. Podemos ilustrar isso com um exemplo simples. Considere
dois corpos 1 e 2 que estão nas temperaturas T1 e T2 . Suponha que T1 > T2 .
Então, se conectarmos os corpos por uma resistência térmica e permitirmos que
uma pequena quantidade de calor q flua, a mudança total de entropia é,
1 1
 
∆S = ∆S1 + ∆S2 = q − > 0, (5.34)
T2 T1
enquanto T1 > T2 . Assim, a entropia aumenta e continuará a aumentar enquanto
o calor flui, levando os corpos ao equilíbrio.
Agora, suponha que em vez de permitir que q flua de 1 para 2, o utilizemos
para operar uma máquina de Carnot e obter trabalho mecânico. Vamos supor
que T0 seja a temperatura do reservatório mais frio disponível para uso com
a máquina de Carnot. Nesse caso, ao extrair q de 1, poderíamos ter obtido
trabalho
W1 = q(1 − T0 /T1 ) (5.35)
3 Nesse tipo de situação, frequentemente se fala da entropia do universo como sendo

conservada. Isso é simplesmente uma forma conveniente de agrupar o sistema e seus arredores.

64
5.6. Entropia e ordem

. No entanto, se primeiro permitirmos que q flua de 1 para 2 e depois o


utilizarmos para operar a máquina de Carnot, obtemos apenas

W2 = q(1 − T0 /T2 ) < W1 (5.36)

Assim, durante a condução de calor irreversível, a energia se degrada ao ponto


em que o trabalho útil que podemos obter dela é reduzido por,

∆W = W1 − W2 = T0 ∆S (5.37)

O aumento da entropia em uma mudança irreversível é, portanto, uma medida


da extensão em que a energia se degrada nessa mudança. Por outro lado, para
extrair a quantidade máxima de trabalho útil de um sistema ou conjunto de
sistemas, as mudanças devem ser realizadas de forma reversível, de modo que a
entropia total (entropia do sistema e de seus arredores) seja conservada. Vale
ressaltar que, se os dois corpos na ilustração acima fossem permitidos a alcançar
o equilíbrio térmico (a) por condução de calor e (b) operando uma máquina
de Carnot entre eles e extraindo trabalho, as temperaturas de equilíbrio final
seriam diferentes nos dois casos. No primeiro caso, U1 + U2 é conservado e a
temperatura final é
(U ) (C1 T1 + C2 T2 )
Tf = , (5.38)
(C1 + C2 )
onde os C ′ s são as capacidades térmicas, que, por simplicidade, consideramos
constantes. No segundo caso, S1 + S2 é conservado e W = −∆(U1 + U2 ). No
processo isentrópico, a temperatura final é dada por
(S) C1 /(C1 +C2 ) C2 /(C1 +C2 ) (U )
Tf = T1 T2 < Tf (5.39)

A diferença na temperatura final corresponde ao valor mais baixo para a energia


interna total, que resulta do trabalho realizado.

5.6 Entropia e ordem


Mostramos que o estado de equilíbrio de um sistema isolado é aquele em que
a entropia assume seu valor máximo, de modo que em termos de variáveis
macroscópicas, a maximização da entropia é a condição para determinar a
configuração de equilíbrio. Uma abordagem alternativa seria aplicar a teoria
das probabilidades no nível microscópico às diversas configurações possíveis do
sistema e buscar aquela configuração cuja probabilidade seja maior. Esse é o
método da disciplina conhecida como Mecânica Estatística ou Termodinâmica
Estatística (consulte Rosser, 1982, ou Kittel e Kroemer, 1980). A definição
exata da probabilidade estatística de um estado macroscópico particular, para
a qual usaremos o símbolo g, está além do escopo deste livro, mas sua relação
com a entropia é tão importante para possibilitar a conexão entre propriedades
macroscópicas e microscópicas que alguma discussão sobre isso é essencial.
Ao buscar a configuração mais provável de um sistema, estamos, na verdade,
buscando a configuração de maior desordem permitida pelas restrições às quais
o sistema está sujeito. Uma configuração que requer condições particulares
de ordem (como a ausência de moléculas em uma região específica do espaço)
é claramente menos provável de ocorrer espontaneamente do que uma em

65
5. Entropia

que nenhuma condição é especificada. Assim, a configuração mais provável,


a configuração de equilíbrio, é aquela em que a desordem é a maior possível.
A probabilidade estatística de uma configuração específica é, portanto, uma
medida de sua desordem. Sem nos envolvermos na definição exata de g, podemos
ilustrar sua conexão com a desordem por meio de um exemplo simples.
Considere uma massa fixa de gás em um recipiente. Dividimos o recipiente
em duas partes iguais, A e B, e consideramos a probabilidade de todas as
moléculas estarem em uma metade. A probabilidade de uma molécula específica
estar em A é claramente 1/2. A probabilidade de encontrar duas moléculas
específicas em A ao mesmo tempo é 1/2x1/2 = 1/4. Estendendo o argumento
para todas as N moléculas, a probabilidade de todas as moléculas estarem
em A em um determinado momento é (1/2)N . Portanto, podemos comparar
a probabilidade estatística de todas as moléculas estarem em A, gA , com a
probabilidade de as moléculas ocorrerem aleatoriamente por toda a caixa, gA+B .
 N
gA 1
= (5.40)
gA+B 2

Se a caixa contiver 1 mol do gás, temos N = NA = 6x1023 (constante de


Avogadro) e vemos que a probabilidade de encontrar todo o gás em uma metade
23
da caixa é cerca de 1 em 101,8x10 . Isso ocorreria espontaneamente cerca de
23
uma vez a cada 101,8x10 universos: um evento raro.) Essa simples ilustração
demonstra a conexão entre o peso estatístico e a desordem. Mostramos que,
para o equilíbrio, a quantidade macroscópica de entropia deve ser maximizada
e como a correspondente condição microscópica é a maximização de g, que está
relacionada à desordem no sistema. Podemos chegar a uma conexão explícita
entre entropia e ordem? Podemos ver o que isso pode ser considerando dois
sistemas, 1 e 2. A entropia é uma variável extensiva (seção 5.4), de modo que a
entropia total dos dois sistemas juntos é

S1+2 = S1 + S2 (5.41) {eq.entro}

A probabilidade de encontrar os sistemas simultaneamente em configurações


específicas que especificamos para eles é o produto das probabilidades de cada
sistema individualmente
g1+2 = g1 g2 . (5.42) {eq.prob}

Claramente as equações ( 5.41 e 5.42) são satisfeitas simultaneamente se,

S = k ln g (5.43)

onde k é uma constante. Podemos provar que essa é necessariamente a forma


da relação da seguinte maneira. Suponha,

S = f (g) (5.44)

Então, conforme as equações 5.41 e 5.42, temos

f (g1 g2 ) = f (g1 ) + f (g2 ). (5.45)


Diferenciando duas vezes, primeiro em relação a g1 e depois em relação a
g2 , obtemos

66
5.6. Entropia e ordem

f ′ (g1 g2 ) + g1 g2 f ′′ (g1 g2 ) = 0 (5.46)


ou,

f ′′ (g) 1
=− . (5.47)
f ′ (g) g
Integrando, temos

ln f ′ (g) = − ln f (g) + constante. (5.48)


ou
k
f ′ (g) = (5.49)
g
onde k é uma constante. Portanto,

f (g) = k ln g + g0 (5.50)
ou

S = k ln g + S0 (5.51)
onde S0 é a constante de integração, que é conveniente assumir como
zero correspondendo a uma probabilidade estatística unitária para um estado
completamente ordenado. Assim, provamos que a relação entre a entropia e a
probabilidade estatística é
S = k ln g (5.52)
Esta é a importante relação de Boltzmann que conecta a termodinâmica
clássica às propriedades microscópicas de um sistema. Podemos mostrar que
k é a constante de Boltzmann, R/NA , considerando novamente o gás perfeito
contido em uma caixa. Calculamos a diferença de entropia entre o estado em
que o gás está completamente em uma metade da caixa e aquele em que está
distribuído uniformemente por toda a caixa. Fazemos isso imaginando primeiro
que o gás está restrito a uma metade da caixa por uma partição e a partição é
então perfurada para permitir que o gás preencha toda a caixa. Na expansão
(irreversível), dQ
¯ = dW
¯ = 0. Portanto, dU = T dS − pdV = 0. Agora podemos
escolher um caminho reversível conveniente para avaliar os termos na última
equação, uma vez que todos esses são funções de estado. Assim, temos, para
dU = 0,
p
dS = dV, (5.53)
T
Usando a lei do gás perfeito, e considerando um mol, temos:
p R
= (5.54)
T V
logo, Z
dV V2
∆S = R = R ln = R ln 2 = kNA ln 2 (5.55)
V V1
onde k é a constante de Boltzmann e NA a constante de Avogadro. Portanto, a
entropia de um sistema é uma medida da desordem em seu interior. Isso agora

67
5. Entropia

nos permite interpretar a degradação de energia discutida na seção anterior. Se


a energia for extraída de um sistema da maneira mais eficiente possível, ela deve
ser armazenada em uma forma ordenada. Um dispositivo de armazenamento
mecânico, como uma mola, é ideal, mas a energia térmica também é útil,
especialmente se a temperatura for alta, pois T é a variável intensiva associada a
S. Quando a energia é degradada em uma mudança irreversível, ela assume uma
forma menos ordenada. Isso é evidente no caso do atrito mecânico, onde a energia
mecânica ordenada é dissipada como os movimentos moleculares desordenados do
calor, mas também se aplica ao fluxo de calor por um gradiente de temperatura,
onde a ordenação não-equilíbrio da energia térmica, correspondendo à existência
da diferença de temperatura, é reduzida. A relação direta entre entropia e
desordem é extremamente importante para fornecer uma conexão entre variáveis
macroscópicas e processos microscópicos.
Vamos ilustrar essa relação com alguns exemplos simples.

Capacidades térmicas
A energia térmica é armazenada em um sólido nos movimentos térmicos de
seus átomos e, se for um metal, também em seus elétrons. As equações que
regem os movimentos dos átomos e elétrons variam pouco com a temperatura,
mas a extensão dos movimentos térmicos aumenta à medida que a temperatura
aumenta. Quanto maiores forem os movimentos térmicos, maior será a desordem
microscópica no sistema e maior será a entropia, sendo a mudança na entropia
causada pelo calor que flui para o corpo conforme a temperatura aumenta.
Assim, as capacidades térmicas comuns estão associadas ao aumento gradual
da desordem que acompanha o aumento da temperatura.
Agora, as capacidades térmicas podem ser escritas em termos de derivadas
de entropia. Por exemplo,
 
∂S
CV = T (5.56)
∂T V
Podemos usar essa relação para calcular como a entropia de um sólido varia
com a temperatura.
A capacidade térmica de um sólido isolante segue a lei de Debye, segundo
a qual, em baixas temperaturas, CV ∝ T 3 , e em altas temperaturas, CV é
constante (em acordo com a lei de Dulong e Petit). Assim, no limite de baixas
temperaturas, S aumenta como T 3 , e em altas temperaturas, S varia como
ln(T ). No caso de um metal, a contribuição eletrônica para a capacidade térmica
é proporcional à temperatura, de modo que a contribuição eletrônica para a
entropia também é proporcional a T .

Anomalias de capacidade térmica


Normalmente, esperamos que os movimentos térmicos dos átomos de um
material aumentem suavemente à medida que a temperatura sobe. Em algumas
substâncias, é observado que, sobre a capacidade térmica de fundo que varia
suavemente, há uma contribuição extra que ocorre em uma determinada
temperatura na forma de um pico relativamente estreito. Esse comportamento
é conhecido como uma anomalia de capacidade térmica. O rápido aumento da
entropia associado à anomalia de capacidade térmica indica que alguma mudança

68
5.6. Entropia e ordem

Figure 5.4: Capacidade térmica específica do β-latão fig:cp-latao

microscópica na ordem está ocorrendo, e a magnitude do aumento da entropia


pode ser usada como um guia para as possíveis mudanças microscópicas. Em
temperaturas abaixo da anomalia, algum aspecto do sistema deve ser ordenado
e acima da anomalia, desordenado. Essa mudança é conhecida como uma
transição ordem-desordem.
Um exemplo de alta temperatura de uma anomalia de capacidade térmica
é encontrado no latão-β, uma liga de cobre-zinco 50/50. Aproximadamente a
460řC, há um pico grande na capacidade térmica (Fig. 5.5), indicando uma
mudança local de ordem. Subtraindo a capacidade térmica de fundo, obtemos
a contribuição anômala para a capacidade térmica, c′ . A integração de c′
fornece o aumento de energia e a integração de c′ /T fornece o aumento de
entropia associado à mudança de ordem. Para 1 mol, a mudança de entropia
é próxima de NA k ln 2 = 5, 8 JK−1 , sugerindo uma mudança de ordem em
dobro por par de átomos de cobre e zinco. A explicação, confirmada para ligas
semelhantes por estudos de raios-X 4 , é que na forma de baixa temperatura,
os átomos de cobre e zinco estão dispostos em uma rede regular, enquanto na
forma de alta temperatura eles estão distribuídos aleatoriamente nos sítios da
rede. A estrutura cristalina do latão-β é cúbica de corpo centrado, de modo
que a disposição ordenada corresponde, por exemplo, a átomos de cobre nos
cantos dos cubos e átomos de zinco nos centros. A probabilidade, na estrutura
desordenada, de encontrar um determinado tipo de átomo em um sítio específico
da rede é claramente 1/2 dado que temos números iguais de átomos de cobre e
zinco. Portanto, temos a mudança de entropia:
gdesordenado
∆S = k ln = k ln 2NA = R ln 2 (5.57)
gordenado
4 As medições de raios-X não podem ser feitas no β-latão. A diferença entre as massas

atômicas relativas do cobre e do zinco é tão pequena que seu poder de dispersão para raios-X
é muito semelhante e não é possível distinguir os dois tipos de átomo.

69
5. Entropia

Figure 5.5: Capacidade térmica em baixa temperatura do alumen de cromo-


potássio (Bleaney, 1950; e de Klerk et al., 1949) fig:cp-latao

Outro exemplo de uma transição de ordem-desordem pode ser encontrada no


comportamento de baixa temperatura de sais paramagnéticos. Aqui, a anomalia
na capacidade térmica, geralmente próxima ao zero absoluto, resulta de uma
mudança na ordem magnética. O paramagnetismo está sempre associado à
presença de dipolos magnéticos microscópicos, que podem ser alinhados por
um campo externo para produzir uma magnetização líquida total. Mesmo na
ausência de um campo aplicado, no entanto, as diferentes orientações possíveis
para os dipolos têm energias ligeiramente diferentes devido às suas interações
entre si e com a rede cristalina na qual estão situados. Em baixas temperaturas,
todos os dipolos ocuparão os níveis mais baixos disponíveis e o material estará
magneticamente ordenado. Em muitos casos, o estado ordenado corresponde
ao alinhamento paralelo do ferromagnetismo, com sua grande magnetização
líquida, mas esta não é a única forma de ordenação que ocorre. À medida
que a temperatura aumenta, os dipolos se excitam para níveis mais altos e,
em altas temperaturas, eles se distribuem aleatoriamente entre as orientações
possíveis. Assim, na faixa de temperaturas em que ocorre a ordenação, há uma
contribuição extra para a capacidade térmica decorrente da mudança de ordem
magnética. A anomalia no alúmen de potássio de cromo é mostrada na Fig. 5.5.
Aqui, existem quatro orientações possíveis para os dipolos 5 , de modo que a
probabilidade de encontrar um dipolo particular em uma orientação especificada
é de 1/4. A mudança de entropia por elemento ao passar do estado ordenado
para o estado desordenado é, portanto, k ln 4, e a mudança de entropia para 1
mol, k ln 4NA = R ln 4 = 1, 39R
Medidas realizadas nas temperaturas mais baixas indicam que a mudança
de entropia associada à ordenação é realmente dessa ordem (de Klerk et al.,
1949).
5 O momento magnético está associado ao íon Cr3+, que em baixas temperaturas se

comporta como se estivesse em um estado 4s com J = S = 3/2 e g = 2 (ver de Klerk, 1956).

70
5.6. Entropia e ordem

Figure 5.6: Entropia próximo de uma mudança de fase de primeira ordem fig:entropy-alum

Deve-se observar que nos exemplos acima as magnitudes das mudanças de


entropia são semelhantes, mas as transições ocorrem em temperaturas muito
diferentes. A mudança de entropia, é claro, depende apenas da mudança de
ordem e não desempenha um papel na determinação da temperatura de transição.
Esta última é determinada por considerações de energia, sendo a temperatura
na qual a energia térmica se torna comparável à energia associada ao processo de
ordenação. Isso resulta na temperatura de transição, Ttransição ≈ ϵ/k, onde ϵ é a
energia necessária para remover um elemento do estado ordenado (ou seja, trocar
um átomo de cobre por um átomo de zinco no latão ordenado ou desalinhando
um dipolo no sal paramagnético ordenado). As energias correspondentes nos
exemplos acima são de cerca de 6x10−21 J ≈ (40meV ) e 1x10−24 J ≈ (7µeV ) 6
(Rosenberg, 1975; ch. 12).

Calor latente
Nos exemplos discutidos acima, associamos as capacidades térmicas comuns à
mudança gradual de entropia associada à mudança gradual de ordem conforme a
temperatura muda. Os calores latentes correspondem a uma mudança repentina
de ordem associada a uma mudança de fase 7 de primeira ordem, como a fusão
de um sólido ou a vaporização de um líquido (Fig. 5.6).
Podemos fazer uma estimativa muito grosseira da mudança de entropia
associada à vaporização. Se pensarmos nas moléculas do líquido se movendo
livremente, de maneira semelhante a um gás, mas restritas a um volume muito
menor do que quando estão na fase de vapor, então a razão das probabilidades
estatísticas de encontrar qualquer molécula no grande volume disponível no
vapor em vez do pequeno volume disponível no líquido é simplesmente igual
à razão dos volumes disponíveis (cf. a ilustração no início da seção 5.6, onde
6 É frequentemente conveniente expressar as energias de sistemas do tamanho de átomos

em elétron-volts. É útil lembrar que k = 1, 38x10−23 J = 86, 3µeV .


7 A mudança de fase será discutida em detalhes no capítulo 10.

71
5. Entropia

os volumes são iguais). Assim, a razão das probabilidades estatísticas das


configurações de vapor e líquido para todas as NA moléculas de um mol é
 NA  NA
gvapor Vvapor ρliquido
= = (5.58)
gliquido Vlíquido ρvapor
Para muitas substâncias, a razão de densidade é cerca de 103 . Isso nos dá a
mudança de entropia associada à vaporização como

∆S = k ln 103NA = R ln 103 ≈ 7R (5.59)


Relacionando isso ao calor latente, temos
L
≈7 (5.60)
Tb R
onde Tb é o ponto de ebulição. Isso corresponde à regra de Trouton, encontrada
empiricamente, que afirma que para líquidos não associados,
L
≈ 10 (5.61)
Tb R
A restrição aos líquidos não associados é necessária porque, quando ocorre
associação, um novo grau de ordem é introduzido no líquido, resultando em uma
contribuição adicional para a mudança de entropia. A fraqueza no argumento
que leva à estimativa de L é que ele ignora o volume finito das moléculas, o que
causa uma restrição muito maior no movimento molecular no líquido do que
corresponde simplesmente à redução no volume disponível por molécula. Isso
leva a uma subestimação de L/(Tb R).

Mudança na ordem pela deformação


Nos três exemplos mencionados anteriormente, a mudança na ordem foi causada
pela alteração da temperatura do sistema. A mudança na ordem também
ocorre geralmente quando trabalho é realizado em um sistema sob condições
em que o calor pode ser trocado com o ambiente. (Se o calor não pudesse ser
trocado, a entropia seria invariante durante mudanças reversíveis, de modo
que a ordem estatística também seria invariante. Trabalho irreversível, é claro,
sempre resulta em um aumento na entropia e uma diminuição na ordem.) Um
exemplo esclarecedor pode ser observado contrastando os efeitos da deformação
mecânica em diferentes tipos de sólidos:
Se um fio de metal é esticado adiabaticamente, ele esfria. Se a borracha é
esticada adiabaticamente, a temperatura sobe.
Isso é facilmente compreendido em termos de suas propriedades micro-
scópicas:
O metal do fio consiste em muitos pequenos cristalitos, em cada um dos quais
os átomos estão dispostos em uma rede regular. Quando o fio é esticado, cada
cristalito é distorcido e perde parte de sua simetria. (Por exemplo, a rede pode
ser distorcida de cúbica para tetragonal.) A perda de simetria é uma perda de
ordem e corresponde a um aumento na entropia. Se a distorção fosse realizada
sob condições isotérmicas, calor seria absorvido correspondendo ao aumento
da entropia. Quando realizada (reversivelmente) sob condições adiabáticas, a
entropia total deve ser constante. Assim, para permitir o aumento da entropia

72
5.6. Entropia e ordem

exigido pela redução da simetria cristalina, entropia (calor) precisa ser fornecida
de algum outro aspecto do próprio sistema. Ela vem dos movimentos térmicos
do material, então a temperatura diminui. A conexão é representada em termos
de coeficientes termodinâmicos:
     
∂T ∂T ∂S
=− (5.62)
∂x S ∂S x ∂x T

O primeiro termo à direita está relacionado a uma capacidade térmica


principal e é sempre positivo. O segundo termo à direita também é positivo,
então a temperatura cai.
A disposição molecular na borracha, por outro lado, é muito diferente da de
um cristal. A borracha consiste em longas moléculas orgânicas normalmente
emaranhadas umas nas outras de forma aleatória. Quando a borracha é esticada,
essas longas moléculas tendem a se alinhar na direção da extensão e a ordem
aumenta. Portanto, nesse caso, quando o material é esticado isotropicamente, a
temperatura sobe.

73
CHAPTER 6

A formulação de Carathéodory
para a segunda lei

sec:cap6
6.1 Observações introdutórias

Nos últimos dois capítulos, afirmamos e desenvolvemos a segunda lei da


termodinâmica de acordo com linhas tradicionais. As afirmações da lei
afirmavam a impossibilidade de certos processos, facilmente visualizados e
prontamente acreditados. No entanto, para chegar à essência real da questão,
tivemos que nos equipar com o aparato dos motores térmicos idealizados e
atravessar argumentos extensos sobre eficiências e processos cíclicos. Somente
então descobrimos havermos chegado, como que por boa sorte, a uma nova função
de estado, a entropia, na qual depende todo o desenvolvimento subsequente do
assunto. Na verdade, a função essencial da segunda lei é nos permitir definir
essa quantidade e derivar suas propriedades. Parece desejável, portanto, adotar
uma formulação da lei que alcance esse objetivo com maior economia. Isso foi
proposto no início deste século por Carathéodory e faz exatamente isso (ver
Carathéodory, 1909 e 1925). Pode-se questionar por que, se tem essa vantagem,
a formulação de Carathéodory da segunda lei não é mais amplamente utilizada.
Existem duas razões para isso. Em primeiro lugar, qualquer formulação que
possibilite evitar o uso de ciclos e motores térmicos no desenvolvimento básico
necessariamente deve ser formulada em termos um pouco mais abstratos do
que as afirmações de Kelvin ou Clausius, que se referem a processos específicos.
Argumenta-se que isso torna menos fácil de assimilar. Há alguma verdade
nisso; e é por isso que, neste livro, primeiro desenvolvemos o assunto ao longo
de linhas tradicionais; mas agora, tendo adquirido alguma compreensão da
entropia e de suas propriedades, podemos retornar e, com muito pouco esforço,
substituir o tratamento engenhoso por um mais direto. A segunda razão, e
talvez mais significativa, pela qual as formas mais antigas da segunda lei não
foram descartadas é que a formulação original de Carathéodory foi estabelecida
em termos muito matemáticos, exigindo dos cientistas um esforço tão grande
que a simplicidade física de sua ideia se tornou obscurecida. Recentemente,
houve considerável discussão sobre sua formulação e, devido aos esforços de
H. A. Buchdahl e outros, ela foi despojada da maior parte de sua matemática.
A exposição que apresentamos aqui deriva da proposta feita por Buchdahl.1
Aqueles que desejarem podem omitir este capítulo, pois já desenvolvemos o
necessário para o resto do livro. No entanto, aqueles que o fizerem perderão

75
6. A formulação de Carathéodory para a segunda lei

a oportunidade de obter uma compreensão mais profunda do significado da


segunda lei, pois a formulação de Carathéodory destaca seus aspectos essenciais
de uma forma que o tratamento tradicional não faz.

6.2 Entropia empírica


A formulação de Carathéodory da segunda lei, frequentemente referida como
princípio de Carathéodory, é a seguinte:

▶ Na vizinhança de qualquer estado arbitrário J de um sistema termicamente


isolado Σ, existem estados J ′ que são inacessíveis a partir de J.

Um estado é considerado na vizinhança de J se suas variáveis de estado


diferirem das de J, por menor que seja a diferença. A formulação de
Carathéodory, portanto, afirma que podemos encontrar estados tão próximos
quanto desejarmos de J que são inacessíveis em uma mudança adiabática. Com
base no que já sabemos sobre a segunda lei, os estados que são inacessíveis a
partir de J por processos adiabáticos são aqueles cuja entropia é menor do que
a de J. Agora devemos mostrar que podemos deduzir a existência e derivar as
propriedades da entropia a partir da formulação de Carathéodory. Para maior
conveniência, introduzimos a seguinte notação:
Para nosso sistema termicamente isolado, J ↛ J ′ significa que J ′ é inacessível
a partir de J, J → J ′ significa que J ′ é acessível a partir de J, mas não o
contrário, J ↔ J ′ significa que J ′ é acessível a partir de J e vice-versa.
Descreveremos o estado de Σ escolhendo para ele um conjunto de variáveis
independentes. Para isso, é conveniente utilizar as variáveis extensivas associadas
a todos os processos semelhantes ao trabalho aos quais o sistema está sujeito
(por exemplo, volume, área de superfície, magnetização, etc.) e mais outra
conveniente função de estado 1 . As variáveis extensivas são chamadas de
coordenadas de configuração do sistema, pois definem sua configuração (volume,
área de superfície, etc.), mas não, é claro, seu estado, para o qual é necessária
uma informação adicional.
Primeiro, pausamos para mostrar que é impossível que dois estados sejam
mutuamente inacessíveis. Fazemos isso pelo seguinte argumento, ilustrado na
Figura 6.1:
Considere dois estados J1 e J2 de um sistema Σ. Tome como parâmetros
independentes do sistema as coordenadas de configuração xi e a energia interna
U . Suponha, primeiro, que partimos de J1 e deformamos reversivelmente o
sistema até que as xi assumam os valores apropriados ao estado J2 , e suponha
que, ao fazer isso, a energia interna se torne U ′ , correspondendo a um estado J ′
que, em geral, será diferente de J2 2 . Então teremos U ′ < U2 , ou U ′ = U2 , ou
1 Para um sistema com n graus de liberdade, existem (n − 1) pares conjugados de variáveis

como (p, V ), (B, m), cada um associado a um processo no qual trabalho pode ser realizado no
sistema. O grau de liberdade restante corresponde, é claro, ao par (T, S) associado a processos
envolvendo calor. No entanto, no contexto atual, ainda não mostramos que essas quantidades
existem e, portanto, somos obrigados a escolher a variável restante de outro lugar.
2 Não é necessário que J ′ seja unicamente definido para este argumento. No momento,

não temos motivo para esperar que seja, pois para fixar o estado do sistema, precisamos
fornecer não apenas, xi , mas também U . Portanto, não estamos deformando J para um
estado específico, mas sim para uma configuração específica (dado xi ), onde U ′ pode não ser

76
6.2. Entropia empírica

Figure 6.1: Prova de que dois estados de um sistema termicamente isolado não
podem ser mutuamente inacessíveis. fig:6-1

U ′ > U2 . Se U ′ < U2 , podemos, mantendo as xo fixas, aumentar U por algum


processo irreversível, como agitação, até U2 . (Sabemos por experiência que
podemos aumentar U por trabalho irreversível. Ainda não sabemos que não
podemos diminuí-lo. Isso segue da segunda lei 3 .) Nesse caso, trouxemos Σ para
J2 por um caminho adiabático particular, de modo que J1 → J2 . Se U ′ = U2 ,
então J ′ = J2 : alcançamos J2 imediatamente por um caminho reversível e
J1 ↔ J2 . Se U ′ > U2 , então podemos partir de J2 e primeiro aumentar U de U2
para U ′ (por agitação), mantendo as xi constantes. Σ estará então no estado
J ′ e podemos levá-lo a J1 pelo mesmo caminho reversível de antes. Nesse caso,
J2 → J1 . Assim, provamos, usando apenas a primeira lei, que dois estados de
um sistema termicamente isolado não podem ser mutuamente inacessíveis. Os
símbolos ↛ e ↔ são, portanto, totalmente equivalentes. Agora retornamos à
linha principal de argumentação.
Considere os dois estados J1 e J2 e atribua a esses estados os números σ1 e
σ2 , que são arbitrários, exceto pela restrição de que:

• σ1 > σ2 se J1 ↛ J2

• σ1 = σ2 se J1 = J2

• σ1 < σ2 se J1 ↚ J2

determinado de forma única. Na verdade, no caso em questão, ele é determinado de forma


única, pois a deformação é isentrópica, mas essa afirmação é baseada em argumentos que
ainda não apresentamos, derivados da segunda lei da termodinâmica.
3 Essa observação tem o status de um axioma secundário.

77
6. A formulação de Carathéodory para a segunda lei

Esses números têm características semelhantes às "pesagens termodinâmicas"


para os estados J1 e J2 . Eventualmente, extrairemos deles a quantidade que
será a entropia.
Agora, considere outro estado J3 ao qual atribuímos o número σ3 , que
também é arbitrário, exceto que exigimos que:

• se J3 ↛ J1 , então σ3 > σ1

• se J3 ↔ J1 , então σ3 = σ1

• se J3 ↚ J1 , então σ3 < σ1

Esse procedimento é coerente internamente. Por exemplo, a afirmação "se


σ1 > σ2 e σ2 > σ3 , então σ1 > σ3 " implica "se J1 ↛ J2 e J2 ↛ J3 , então
J1 ↛ J3 ", o que deve ser necessariamente o caso, pois, se em vez disso, σ1 ≤ σ3
fosse possível, então Σ poderia fazer as transições J1 → J3 → J2 (pois J2 ↛ J3
implica J2 ← J3 ), efetuando assim uma transição de J1 para J2 , o que contradiz
σ1 > σ2 . Portanto, é possível, de maneira auto consistente, atribuir números a
todos os estados de Σ, de forma que, para quaisquer dois estados,

• σ1 > σ2 , σ1 = σ2 ou σ1 < σ2

• dependendo se J1 ↛ J2 , J1 ↔ J2 ou J1 ↚ J2 .

Esses números desempenham uma função em relação à acessibilidade


adiabática semelhante à da temperatura empírica em relação ao equilíbrio
térmico. Assim como a igualdade de temperatura implica o equilíbrio térmico,
a igualdade de a implica a acessibilidade mútua sob isolamento térmico. Devido
a essa semelhança, podemos chamar a de entropia empírica. A diferença, no
entanto, é que aqui atribuímos um significado especial à ordenação dos números.
Vale ressaltar que, até agora, implicitamente usamos a afirmação de
Caratheodory da segunda lei na forma restrita de que estados inacessíveis
existem. Nós a aplicamos plenamente no argumento que se segue. Agora é
possível atribuir os números para a entropia empírica de tal forma que seja uma
função contínua e unívoca dos parâmetros do sistema. Podemos mostrar que
isso é possível demonstrando um sistema específico para atribuí-los. Suponha
que descrevamos novamente o sistema Σ por suas coordenadas de configuração
xi e a energia interna U . Então podemos escolher arbitrariamente um estado de
referência J0 para o qual atribuímos σ = σ0 . Para definir σ para outro estado
J1 , partimos de J1 e deformamos o sistema de maneira reversível até que as
coordenadas xi assumam os valores apropriados para o estado J0 . Em geral, Σ
não estará no estado J0 com energia interna U0 , mas em algum outro estado
J ′ com energia interna U ′ . Primeiro mostramos que J ′ é único, ou seja, que o
estado após a deformação não depende do caminho. O argumento é ilustrado
na Figura 6.2.
Suponha que, por deformação reversível de J1 para a configuração
correspondente a xi dado, fosse possível chegar a dois estados diferentes, J ′
com energia interna U ′ ou J ′′ com energia interna U ′′ . Suponha que U ′′ > U ′ .
Então seria possível passar de J ′′ para qualquer estado em seu entorno seguindo
a seguinte rota:

78
6.2. Entropia empírica

Figure 6.2: Prova de que o estado após a deformação reversível de um sistema


termicamente isolado é independente do caminho percorrido. fig:6-2

1. Passar de forma reversível de J ′′ para J1 e depois para J ′ .


2. Alterar as coordenadas de configuração, xi (que são as mesmas para
o estado J ′′ ), para valores correspondentes à configuração de qualquer
estado no entorno de J ′′ . Como essa mudança pode ser arbitrária-mente
pequena, a energia interna após ela, U ′′′ , mesmo que maior que U ′ , pode
sempre ser tornada menor que U ′′ .
3. Agora podemos aumentar U de U ′′′ até qualquer valor desejado na região
de U ′′ por algum processo irreversível (como agitação), alcançando assim
qualquer estado desejado na região de J ′′ .
A possibilidade de fazer isso viola a segunda lei e, portanto, concluímos que
U ′ e J ′ são unicamente determinados.
Sendo assim, podemos definir uma escala satisfatória de entropia empírica
tomando σ em J1 como sendo dado por:

σ1 = σ0 + (U ′ − U0 ) (6.1)

onde (U ′ −U0 ) pode ser medido por algum experimento adequado. Já mostramos
que isso define uma escala unívoca e sua continuidade segue da continuidade
da função de energia. Além disso, vemos que ela possui as propriedades que
exigimos da entropia empírica, a saber:

1. se U ′ = U0 , então J1 e J0 são mutuamente acessíveis pelo caminho


reversível,
2. se U ′ > U0 , então J1 é acessível a partir de J0 , mas não o contrário, e

79
6. A formulação de Carathéodory para a segunda lei

3. se U ′ < U0 , então J0 é acessível a partir de J1 , mas não o contrário.


Assim, estabelecemos que existe uma função unívoca contínua do estado
com as propriedades da entropia empírica. A partir dela, podemos claramente
gerar outras colocando σ ′ = f (σ), onde f é qualquer função monotonamente
crescente de σ.
A existência e unicidade das adiabáticas reversíveis (para sistemas de
qualquer grau de complexidade) segue imediatamente, pois estas são simples-
mente as superfícies para as quais σ é constante.

6.3 Entropia empírica e calor


Até agora, nos confinamos a discutir sistemas termicamente isolados, onde
estivemos particularmente preocupados com a ideia de inacessibilidade. Agora
devemos relacionar a entropia empírica aos processos em sistemas que não estão
termicamente isolados.
Agora é conveniente escolher como nossas variáveis de sistema independentes
as coordenadas de configuração xt e a temperatura Θ medida em qualquer escala
empírica. Então podemos adotar qualquer prescrição adequada, como aquela
fornecida pela equação (6.1), para definir uma escala de entropia empírica como
uma função contínua de valor único das variáveis do sistema:

σ = σ(xi , Θ) (6.2)
que pode ser diferenciado para dar dσ como uma soma de termos lineares
nas diferenciais das variáveis do sistema:

dσ = Σξi dxi + ζdΘ (6.3)


Agora, para uma mudança reversível infinitesimal, a primeira lei afirma:

¯ rev = dU − ΣXi dxi


dQ

A qual, uma vez que U é uma função de xi e Θ, pode ser rearranjada em


uma forma semelhante àquela de (6.3), ou seja,

¯ rev = Σξi′ dxi + ζ ′ dΘ


dQ (6.4)
Para uma mudança adiabática reversível, temos

¯ rev = 0
dQ

e, pelas propriedades da entropia empírica

dσ = 0.
Mas na ausência da restrição adiabática, todos os termos à direita das
equações (6.3) e (6.4) são independentes. Portanto, a única maneira pela qual
dσ = 0 pode ser satisfeito sempre que dQrev = 0 é para dσ e dQ
¯ rev estarem em
uma relação simples da forma

¯ rev = λdσ
dQ (6.5)

80
6.4. Temperatura termodinâmica e entropia

em que λ é uma função diferente de zero das variáveis de estado.


Agora, σ é uma função de estado e, portanto, dσ é necessariamente integrável.
A partir de (6.5), segue-se que dQ¯ rev /λ também é um diferencial perfeito.
Demonstramos assim que sempre há um fator de integração para dQrev , embora,
até agora, tudo o que sabemos sobre isso é que é alguma função de estado.

6.4 Temperatura termodinâmica e entropia


Mostramos agora que λdσ pode ser colocado na forma T dS, em que T é função
universal apenas da temperatura.
Para fazer isso, consideramos dois sistemas Σ′ e Σ′′ que estão em contato
térmico e em equilíbrio. Como variáveis independentes para cada uma delas,
agora tomamos (por conveniência) a temperatura em alguma escala empírica,
Θ, a entropia empírica σ, e (n - 2) das outras variáveis xi onde n é o número
de graus de liberdade do sistema. Assim, o estado de Σ′ é definido por (x′i , σ ′ ,
Θ) e Σ′′ por (x′′i , σ ′′ , Θ). Também podemos considerar os dois sistemas juntos
como formando um único sistema composto Σ. Para especificar o estado de Σ,
requeremos todas as variáveis independentes de ambos os subsistemas, ou seja,
(x′i , x′′i , σ ′ , σ ′′ , Θ). Devido ao equilíbrio térmico, Θ é, é claro, o mesmo para
Σ′ , Σ′′ , e Σ.
Se, agora, adicionarmos calor de forma reversível ao sistema composto,
temos, pela primeira lei

¯ rev = dQ
dQ ¯ ′rev + d̄Q′′rev (6.6)
o que, por (6.5), resulta em
λdσ = λ′ dσ ′ + λ′′ dσ ′′
ou

λ′ ′ λ′′ ′′
dσ + dσ = dσ . (6.7)
λ λ
Agora mostramos que a entropia empírica é uma função de estado, de modo
que dσ é um diferencial perfeito. Então, a equação (6.7) mostra que σ pode ser
expressa apenas como uma função de σ ′ e σ ′′ . Portanto, também devemos ter:

λ′ λ′′
e são f unções de σ ′ e σ ′′ apenas. (6.8)
λ λ
Mas, a priori, esperamos que os λ’s contenham todas as variáveis de estado
apropriadas; nomeadamente,

λ′ = λ′ (x′i , σ ′ , Θ)

λ′′ = λ′′ (x′i , σ ′′ , Θ)

λ = λ(x′i , x′′i , σ ′ , σ ′′ , Θ).

Então, aplicando (6.8), se

λ′ (x′i ,σ ′ ,Θ)
λ(x′i ,x′′ ,σ ′ ,σ ′′ ,Θ) depende apenas de σ ′ e σ ′′ ,
i

81
6. A formulação de Carathéodory para a segunda lei

e ntão, certamente, λ não pode conter o x′′i . Poderia, é claro, ainda conter

o x′i de tal forma que eles cancelassem a razão λλ . No entanto, se aplicarmos
′′
(6.8) à razão λλ , vemos que λ também não pode conter o x′i . Assim

λ = λ(σ ′ , σ ′′ , Θ). (6.9)

Retornando a (6.8) à luz de (6.9), segue-se que

λ′ = λ′ (σ ′ , Θ)

λ′′ = λ′′ (σ ′′ , Θ).


Para que (6.8) seja verdadeira agora, só precisamos que a dependência de
Θ nos numeradores e denominadores das razões seja a mesma para que se
cancelem. Assim, na verdade, cada um dos λ’s deve fatorizar na forma

λ(σ, Θ) = T (Θ)f (σ) (6.10)

onde T (Θ) é uma função universal da temperatura empírica. (É a mesma


para todos os sistemas à mesma temperatura.) A equação (6.5) agora se torna

¯ rev = T (Θ)f (σ)dσ.


dQ
Mas, podemos colocar

dS = f (σ)dσ
em que S também será uma função de estado (mas para uma constante
arbitrária). Isso fornece dQ
¯ rev na forma que desejamos:

¯ rev = T dS
dQ (6.11)

em que T é temperatura termodinâmica e S é a entropia. Subsistituindo de


volta em (6.6),

dS = dS ′ + dS ′′ = d(S ′ + S ′′ )

o que mostra que as mudanças na entropia são aditivdas. Integrando,

S = S ′ + S ′′

onde escolhemos colocar a constante de integração igual a zero, enfatizando


que, no contexto da segunda lei, apenas as mudanças de entropia têm significado
físico (veja o Capítulo 5). A entropia é, portanto, uma variável extensiva e a
temperatura termodinâmica, sua variável intensiva conjugada.

82
6.5. Mudanças irreversíveis

6.5 Mudanças irreversíveis


Agora podemos arranjar para que S sempre aumente em mudanças irreversíveis
de um sistema termicamente isolado, adotando uma convenção de sinal
apropriada. Primeiro, mostramos, ao considerar uma mudança irreversível
específica, que λ é necessariamente positivo. Considere uma mudança irreversível
infinitesimal em um sistema termicamente isolado que provocamos realizando
trabalho irreversível de tal maneira que as coordenadas de configuração no final
sejam as mesmas que no início. Sabemos que isso pode aumentar a energia
interna: dU > 0, e como a mudança é irreversível, dσ > 0. Mas também
podemos levar o sistema do estado inicial para o final de forma reversível se
removermos a restrição adiabática. Isso não requer trabalho (pois as coordenadas
de configuração não mudam), mas apenas a adição de calor dQ ¯ rev . Porém,
¯ rev = dU > 0. Portanto, aplicando dQ
dQ ¯ rev > 0 e dσ>0 a (6.5), vemos que λ é
necessariamente positivo. A partir de (6.10), vemos, portanto, que podemos
escolher que tanto T quanto f sejam positivos ou negativos. Escolhemos o
sinal positivo. Então, pela relação dS = f (σ) vemos que dσ > 0 implica em
dS > 0. Mas a essência de uma mudança irreversível é que o estado original se
torna inacessível e dσ > 0 Portanto, para qualquer mudança em um sistema
termicamente isolado, devemos ter:

dS ≥ 0 (6.12)
onde a igualdade se aplica apenas a mudanças reversíveis.
Para um sistema que troca calor com seus arredores, simplesmente
consideramos o sistema e os arredores como um sistema composto. Então,
pela equação (6.12),

dStotal = dS + dS0 ≥ 0 (6.13)


em que dS refere-se ao sistema e dS0 aos arredores. Se alguma irreversibil-
idade ocorrer apenas no sistema, podemos colocar

¯ = −T0 dS0
dQ

onde dQ
¯ é o calor fornecido ao sistema e temos o resultado

¯ ≤ T0 dS
dQ (6.14)
onde T0 é a temperatura da fonte de calor e dS é a mudança na entropia do
sistema. Este é o resultado fundamental da seção 5.2.
Para uma mudança reversível, que requer que um sistema esteja em equilíbrio
térmico com uma fonte de calor quando o calor é trocado,T = T0 in (6.14), a
igualdade é mantida, e a primeira lei se torna

dU = T dS + ΣXi dxi (6.15)


Isso completa a derivação das consequências fundamentais da segunda lei;
mas antes de vermos como o desenvolvimento subsequente continua, é instrutivo
pausar e examinar onde o elemento de escolha entrou no tratamento e como a
escolha é refletida nas propriedades da entropia e temperatura.

83
6. A formulação de Carathéodory para a segunda lei

A afirmação de Caratheodory afirma a presença de estados que são


inacessíveis a um sistema termicamente isolado. A partir disso, deduzimos
a existência de uma função de estado que é constante em mudanças reversíveis,
mas muda em uma direção ou outra em uma mudança irreversível. Escolhemos
defini-la como incapaz de diminuir. Mais tarde, introduzimos a função de estado
não nula, λ, e mostramos, referindo-nos a um processo irreversível que sabemos
ocorrer, que ela é necessariamente positiva. Então, escolhemos ter S aumentando
em mudanças irreversíveis, o que exigia que f (σ) e, portanto, T , fossem
positivos. Agora, segue-se outra propriedade da temperatura termodinâmica.
Para entender o que é isso, nos referimos ao processo simples envolvendo
irreversibilidade que já discutimos no contexto da primeira lei, ao definir os
termos mais quente e mais frio (seção 3.4).
Se conectarmos dois corpos a diferentes temperaturas por um caminho
térmico, calor fluirá do corpo mais quente para o mais frio. Quando uma
pequena quantidade de calor dQ ¯ (uma quantidade positiva) flui de um para o
outro, a mudança associada na entropia total é

1 1
dS = dS1 + dS2 = dQ(
¯ − ) (6.16)
T2 T1
em que T1 é a temperatura do corpo mais quente e T2 do mais frio. Porém,
escolhemos que dS > 0, então

T2 < T1 . (6.17)
Portanto, é uma consequência de nossas escolhas que um corpo mais quente
tenha um valor maior de T do que um mais frio.
A correspondência um a um entre calor e temperatura agora segue
imediatamente a partir de (6.16), pois se corpos a uma temperatura pudessem
ser tanto mais quentes quanto mais frios do que aqueles a outra, seria possível
escolher um par para o qual calor fluiria da temperatura mais baixa (T menor)
para a mais alta (T maior), causando uma diminuição espontânea de entropia
em violação ao princípio de aumento de entropia.

6.6 Desenvolvimento subsequente


Nas seções anteriores, derivamos todos os resultados fundamentais dos dois
últimos capítulos sem recorrer a motores e processos cíclicos. Se agora nos
voltarmos para questões práticas como a interconversão de calor e trabalho,
podemos rapidamente derivar os resultados apropriados para motores térmicos
e refrigeradores.
Para analisar a conversão de calor em trabalho, distinguimos as fontes de
calor e trabalho do dispositivo que fornece o mecanismo para efetuar a conversão.
Devemos supor que, em todo o processo, o dispositivo não muda, e é por isso
que introduzimos a ideia de processos cíclicos no capítulo 4. Considere então o
efeito de uma mudança infinitesimal na qual um motor térmico absorve calor
¯ de um reservatório à temperatura T0 . Então, o trabalho feito pelo motor
dQ
térmico na mudança é, pela primeira lei,

¯ = dQ
dW ¯ − dU

84
6.6. Desenvolvimento subsequente

ou, por (6.14),

¯ ≤ T0 dS − dU.
dW (6.18)
O trabalho é, portanto, máximo quando a igualdade é alcançada, o que
ocorre para uma mudança reversível. Isso requer o equilíbrio térmico entre o
motor e a fonte de calor: T = T0 . Então,(6.18) se torna

¯ = T0 dS − dU.
dW (6.19)
Após um ciclo completo, o motor retorna ao seu estado inicial. Integrando
ao redor do ciclo,
I
dU = 0 (6.20)

pois U é uma função de estado. Portanto, a partir de (6.19), o trabalho


total realizado em um ciclo é dado por
I
W = T dS. (6.21)

Mas, temos também


I
dS = 0 (6.22)

já que S é uma função de estado. É claro que (6.22) só pode ser satisfeita se o
calor for absorvido e rejeitado em diferentes partes do ciclo. Segue imediatamente
que é impossível conceber um processo que converta completamente calor em
trabalho. (A afirmação de Kelvin da segunda lei.)
A maneira mais simples pela qual (6.22) pode ser satisfeita é para o motor
trocar calor em apenas dois reservatórios. O ciclo reversível correspondente é
simplesmente o ciclo de Carnot para o qual (6.22) e (6.21) fornecem
Q1 T1
= (6.23)
Q2 T2
e,
T2
W = Q1 (1 − ) (6.24)
T1
em que T1 e T2 são as temperaturas dos reservatórios. Esses são os resultados
da seção 4.6.
Para um refrigerador ou bomba de calor, desejamos minimizar o trabalho
necessário para extrair uma quantidade de calor específica do reservatório frio.
O trabalho realizado no sistema em uma mudança infinitesimal é

¯ = dU − dQ
dW ¯ ≥ dU − T0 dS. (6.25)
Isso é minimizado quando a igualdade é alcançada e a mudança é reversível.
Então, novamente temos (6.23) para o calor trocado nos dois reservatórios, o
que dá
Q1 T1
= (6.26)
W T1 − T2

85
6. A formulação de Carathéodory para a segunda lei

e
Q2 T2
= (6.27)
W T1 − T2
que são os resultados da seção 4.8.

86
CHAPTER 7

Potenciais Termodinâmicos

sec:cap7
As funções potenciais
Já definimos, no contexto da primeira lei, duas funções de estado com as
dimensões de energia: a energia interna (U ) e a entalpia (H). Claramente,
podemos inventar outras adicionando à energia interna ou à entalpia qualquer
outra função de estado com as dimensões de energia. Poucas dessas teriam
algum significado físico particular, mas algumas delas têm e desempenham um
papel importante na termodinâmica. Devido ao seu papel na determinação
dos estados de equilíbrio de sistemas sob várias restrições (seção 7.4), elas são
conhecidas como as funções potenciais termodinâmicas.
Para um sistema com dois graus de liberdade, existem quatro potenciais
termodinâmicos. Referindo-se novamente a um sistema sujeito a trabalho apenas
pela pressão hidrostática, eles são:

Energia interna, U



Entalpia, H = U + pV


(7.1) {eq:7.1}
Função de Helmholtz, F = U − T S 

Função de Gibbs, G = U − T S + pV.

As funções análogas em que o trabalho não é realizado pela pressão


hidrostática são obtidas substituindo −p e V pelo par de variáveis apropriado
(γ, A, B m, etc., ver Tabela 3.1). A importância das funções potenciais se torna
um pouco mais aparente em suas formas diferenciais, obtidas por diferenciação
das equações ( 7.1) e utilizando o resultado que já derivamos para dU (seção
5.4):

Energia interna, dU = T dS − pdV





Entalpia, dH = T dS + V dp


(7.2) {eq:7.2}
Função de Helmholtz, dF = −SdT − pdV 


Função de Gibbs, dG = −SdT + V dp.

Cada um possui dois termos à direita correspondentes aos dois graus


de liberdade do sistema. Esses termos derivam dos dois pares de variáveis
fundamentais que aparecem na expressão para dU ; ou seja, (T, S) e (p, V ).
Por serem potenciais termodinâmicos, suas diferenciais são exatas. Portanto,
as equações ( 7.2) mostram que cada potencial possui um par diferente de

87
7. Potenciais Termodinâmicos

variáveis fundamentais como suas variáveis independentes naturais ou adequadas:


U = U (S, V ), H = H(S, p), F = F (T, V ) e G = G(T, p).
Se algum dos potenciais é conhecido explicitamente em termos de suas
variáveis adequadas, então temos informações completas sobre o sistema, pois
podemos calcular qualquer um dos parâmetros de estado a partir desse único
potencial. Como exemplo, consideraremos a função de Helmholtz, F , que
é especialmente importante em relação à mecânica estatística, uma vez que
a expressão para F em termos de parâmetros estatísticos é muito simples e
estabelece uma ligação entre a análise microscópica e as variáveis macroscópicas.
As variáveis adequadas para F são T e V . Se F é dado explicitamente em
termos dessas variáveis, podemos observar a partir da forma diferencial ( 7.2)
que as outras duas variáveis fundamentais, S e p, são obtidas imediatamente.
 
∂F
S=−
∂T V
e  
∂F
p=− .
∂V T
As expressões para U , H e G podem ser construídas diretamente a partir
de suas definições:

F = U − T S,
portanto,
     
∂F ∂ F
U = F + TS = F − T = −T 2 .
∂T V ∂T T T
Essa expressão para U em termos de F é conhecida como a equação de
Gibbs-Helmholtz. De forma similar,
   
∂F ∂F
H = U + pV = F − T −V ,
∂T V ∂V T
e      
∂F ∂ F
G = F + pV = F − V = −V 2
∂V T ∂V T V
Da mesma forma, é importante ressaltar que, assim como as outras funções
de estado, é sempre possível calcular como uma função potencial muda quando o
sistema passa de um estado para outro, desde que sejam fornecidas informações
adequadas. Por exemplo, se conhecemos G(T0 , p0 ), mas desejamos calcular
G(T0 , p1 ), podemos escrever:
Z p1  
∂G
G(T0 , p1 ) − G(T0 , p0 ) = dp
p0 ∂p T
A partir da forma diferencial de G, podemos observar que isso se torna:
Z p1
G(T0 , p1 ) − G(T0 , p0 ) = V dp
p0

Para avaliar essa expressão, a única informação necessária é a relação entre


V e p. Algumas das propriedades mais importantes das funções potenciais

88
para um sistema sujeito apenas ao trabalho de pressão hidrostática podem ser
resumidas da seguinte forma

Energia interna:
Para um sistema termicamente isolado, dU = dW ¯ e a diminuição da energia
interna é igual ao trabalho realizado pelo sistema. Se a mudança de estado
ocorrer de forma isentrópica (reversível, bem como sob condições de isolamento
térmico), então o trabalho realizado pelo sistema é −dU = pdV . Para uma
mudança isovolumétrica, dV = 0 e dW ¯ = 0, de modo que a variação da energia
interna é igual ao calor absorvido: dU = dQ¯ V . Portanto,
   
∂S ∂U
CV = T = .
∂T V ∂T V

Entalpia:
Em uma mudança isentrópica (uma mudança reversível em um sistema
termicamente isolado), a variação da entalpia está relacionada à variação da
pressão. Em um processo reversível isobárico, a variação da entalpia é igual ao
calor que entra no sistema: dH = dQ
¯ p . Portanto,
   
∂S ∂H
Cp = T =
∂T p ∂T p
Também mostramos que a entalpia é a energia total transportada interna-
mente (ou seja, excluindo as formas cinética e potencial) por um fluido em fluxo
(seção 3.8)

Função de Helmholtz:
Em uma mudança isotérmica, a diminuição da função de Helmholtz é a
quantidade máxima de trabalho mecânico que pode ser extraída do sistema.
(Daí o nome alternativo: energia livre de Helmholtz.) Se a mudança fosse
irreversível, o trabalho realizado seria menor do que pdV , como discutido na
seção 5.4. Sob condições isotérmicas, o trabalho extraído pode ser maior ou
menor que a variação da energia interna ∆U , depende se o calor é absorvido ou
rejeitado na mudança. Assim, a função F se torna uma função de energia útil
para processos isotérmicos. Em uma mudança isovolumétrica, a variação de F
está relacionada à variação de temperatura.

Função de Gibbs:
A importância do potencial de Gibbs é que ele permanece constante em processos
reversíveis que ocorrem sob condições isotérmicas e isobáricas. Essas são as
condições que se aplicam a muitas mudanças físicas e químicas. A constância
da função de Gibbs pode ser usada para representar as restrições do sistema.
Mais adiante, desenvolveremos sua aplicação para determinar os estados de
equilíbrio de sistemas contendo várias fases (capítulo 10) e vários componentes
(capítulo 11).
Como pode ser visto a partir de suas definições, todas as funções
termodinâmicas potenciais são quantidades extensivas.

89
7. Potenciais Termodinâmicos

7.1 A transformação diferencial de Legendre


Em sistemas com mais de dois graus de liberdade, existem correspondentemente
mais potenciais termodinâmicos e suas diferenciais contêm correspondentemente
mais termos. Assim como no sistema de dois parâmetros, primeiro se constrói
a expressão para a diferencial da energia interna e a partir dela se derivam os
outros potenciais.
Para um sistema com n graus de liberdade, a expressão para dU contém T dS
e (n − 1) termos semelhantes a trabalho, cada um na forma Xi dxi . Portanto, o
sistema tem 2n variáveis primárias formando n pares conjugados, cujos produtos
têm dimensões de energia (pares como T, S; p, V ; E,⃗ p⃗).
As funções potenciais para o sistema com dois graus de liberdade, discutidas
na última seção, correspondem a todas as combinações possíveis de variáveis
independentes quando uma é escolhida de cada par conjugado. Assim, para um
sistema com n graus de liberdade, haverá 2n funções potenciais correspondendo
à escolha dupla oferecida por cada par. Por exemplo, um fio sob tensão e para
o qual as mudanças de volume são importantes possui três pares de variáveis
primárias: T, S; p, V ; f, L. As oito funções potenciais corresponderão aos
seguintes conjuntos de variáveis independentes.

T, p, f T, V, f S, p, f S, V, f
T, p, L T, V, L S, p, L S, V, L

É claramente uma grande vantagem ter um método sistemático para gerar


esses potenciais quando necessário. O método mais simples é o seguinte.
Primeiramente, a expressão para dU é escrita. Isso consiste de T dS mais
todos os termos relacionados ao trabalho e tem como variáveis independentes
os membros extensivos dos pares conjugados. Para obter um potencial com um
conjunto diferente de variáveis independentes, seleciona-se os termos nos quais
o membro errado do par é a variável independente e adiciona-se ou subtrai-se de
dU o diferencial do produto do par conjugado para remover o termo indesejado e
substituí-lo pelo desejado. Isso gera uma nova expressão diferencial, ainda com n
termos, mas com um conjunto diferente de variáveis independentes. Obviamente,
essa nova expressão é exata, pois foi obtida somando diferenciais exatas, ou
seja, dU e termos como d(pV ). Além disso, ela tem as dimensões de energia
e, portanto, é o diferencial de uma nova função potencial. Esse procedimento
é conhecido como transformação diferencial de Legendre. Ilustraremos isso
retornando ao exemplo do fio sujeito a trabalho por tensão e pressão hidrostática.
Para o fio, a primeira lei se torna

dU = T dS + f dL − pdV

que tem como variáveis independentes S, L e V . Suponha que desejamos


construir o potencial com as variáveis adequadas T , L e p. Nesse caso, os
primeiros e últimos termos precisam ser transformados. Podemos fazer isso
adicionando −d(T S) + d(pV ). Isso gera o diferencial do novo potencial:

dG′ (T, L, p) = dU − d(T S) + d(pV )


= −SdT + f dL + V dp

a partir do qual vemos que o novo potencial é

90
7.2. Relações de Maxwell

G′ = U − T S + pV.
Embora, na seção 7.1, tenhamos mencionado os quatro potenciais termod-
inâmicos para o sistema sujeito ao trabalho apenas da pressão hidrostática,
poderíamos tê-los gerado a partir da expressão para dU aplicando transform-
ações diferenciais de Legendre para obter todas as combinações possíveis de
variáveis independentes.

7.2 Relações de Maxwell


Para sistemas com dois graus de liberdade, existem quatro equações extrema-
mente úteis que relacionam diferenciais parciais das variáveis termodinâmicas
fundamentais. Essas equações podem ser deduzidas a partir das formas diferen-
ciais dos potenciais termodinâmicos. Sua utilidade reside na possibilidade de
transformação de variáveis que elas proporcionam.
Se formarmos diferenciais parciais de U em relação às suas variáveis
adequadas, obtemos:
   
∂U ∂U
=T e = −p
∂S V ∂V S
Diferenciando novamente em relação às variáveis opostas:

∂2U
   
∂T
=
∂V ∂S ∂V S
e

∂2U
   
∂p
=−
∂S∂V ∂S V

Mas:

∂2U ∂2U
e (cf. equação ( 1.19))
∂V ∂S ∂S∂V
de modo que
   
∂T ∂p
=−
∂V S ∂S V

O mesmo resultado também pode ser obtido imediatamente usando a


condição para dU ser um diferencial exato (equação (1.11)). A forma diferencial
de U é:

dU = T dS − pdV
Aplicando a condição aos coeficientes do lado direito, obtemos imediata-
mente:
   
∂T ∂p
=−
∂V S ∂S V

91
7. Potenciais Termodinâmicos

Seguindo o mesmo procedimento com H, F e G, obtemos mais três equações


de forma similar. Essas quatro equações são conhecidas como relações de
Maxwell. Elas são (respectivamente, para U , G, H e F ):

  
∂T
=− ∂p

∂V
 ∂S
S V

  

= ∂p

∂T




∂V p ∂S 
  T
(7.3)
∂T
= ∂V
 
∂p ∂S p


S 

  
=

∂T ∂V

.


∂p ∂S T
V

Essas equações podem ser facilmente lembradas seguindo as seguintes regras:

1. A multiplicação cruzada das variáveis sempre resulta na forma (T S = pV )


com as dimensões de energia.

2. Pares opostos de variáveis são constantes.

3. O sinal é positivo se T aparece com p (para positivo).

Se escolhermos introduzir coeficientes diferenciais das funções de potencial,


podemos derivar muitas outras igualdades entre os coeficientes diferenciais,
como:
   
∂U ∂H
=
∂S V ∂S p

No entanto, ao contrário das relações de Maxwell, essas são raramente úteis


e é mais fácil deduzi-las quando necessário.
Mais uma vez, embora tenhamos deduzido as relações de Maxwell na forma
apropriada para um sistema sujeito a trabalho de pressão hidrostática, equações
similares valem para qualquer sistema com dois parâmetros. As variáveis S e
T , é claro, se aplicam a qualquer sistema, mas p e V devem ser substituídos
por suas variáveis correspondentes:

−p, V → f, L; γ, A; B, m; etc.

(veja a Tabela 3.1).


Em sistemas com mais de duas variáveis independentes, o número de relações
de Maxwell se torna muito maior. O sistema com n variáveis independentes
possui 2n funções de potencial (seção 7.2), e cada uma delas produz n(n − 1)/2
relações de Maxwell. Existem métodos sistemáticos para derivá-las (veja
Crawford, 1963), mas para a maioria dos propósitos é mais fácil considerar
cada problema individualmente, construindo, quando necessário, as funções de
potencial que produzem os coeficientes diferenciais desejados. Mais adiante,
consideraremos dois casos simples com n = 3 (seções 8.6 e 8.7).

92
7.3. Condições gerais para o equilíbrio termodinâmico

7.3 Condições gerais para o equilíbrio termodinâmico


Suponha que um sistema interaja com seu entorno. Então, se calor entra, a
mudança de entropia do sistema está relacionada ao fluxo de calor por meio da
equação
¯ ≤ T0 dS
dQ (7.4) {eq:7.4}

onde T0 é a temperatura do entorno e o sinal de igualdade é necessário quando


a mudança é reversível (veja a seção 5.3). Se o entorno exerce uma pressão p0 e
é a única fonte de trabalho, então
¯ = −p0 dV
dW (7.5) {eq:7.5}

Substituindo na primeira lei,


dU ≤ T0 dS − p0 dV
ou
dA = dU + p0 dV − T0 dS ≤ 0, (7.6) {eq:7.6}

onde,
A = U + p0 V − T0 S (7.7)
A quantidade A é conhecida como disponibilidade do sistema. Deve-se
notar que ela contém T0 e p0 , que se referem ao entorno e podem ser bastante
diferentes da temperatura e pressão do sistema. A equação ( 7.6) expressa
que, em qualquer mudança natural, a disponibilidade de um sistema não pode
aumentar. Consequentemente, a condição geral de equilíbrio de um sistema em
determinado entorno é que a disponibilidade seja mínima. Portanto, devemos
ter
dA = dU + p0 dV − T0 dS = 0 (7.8) {eq:7.8}

para todos os deslocamentos infinitesimais possíveis a partir do equilíbrio.


Obtivemos esse resultado diretamente da lei do aumento de entropia,
conforme expressa na equação ( 7.4), ao considerar a interação de um sistema
com seu entorno. A quantidade A é chamada de disponibilidade (ou energia
livre), pois fornece uma medida da quantidade máxima de trabalho que pode
ser extraída de um sistema em determinado entorno. Podemos perceber isso
pelo seguinte argumento. Suponha que coloquemos o sistema em um cilindro
equipado com um pistão para podermos submetê-lo a uma pressão p diferente de
p0 ; e suponha que o isolemos termicamente do entorno, para que sua temperatura
T também possa ser diferente de T0 (Fig. 7.1). Então, em uma determinada
mudança de estado, extrairemos a maior quantidade possível de trabalho se a
mudança for realizada de forma reversível (veja a seção 5.4). Para uma pequena
mudança reversível, temos
dU = T dS − pdV
e
dA = (T − T0 )dS − (p − p0 )dV (7.9) {eq:7.9}

Agora suponha que mudamos a entropia do sistema ao operar uma máquina


térmica reversível entre ele e o entorno. Nesse caso, como o processo é reversível,
a entropia universal permanece constante e o trabalho realizado pela máquina é
¯ e = −(¯
dW dQ + dQ
¯ 0 ) = −(T − T0 )dS.

93
7. Potenciais Termodinâmicos

Figure 7.1: Demonstração do significado de disponibilidade. fig:disp

Portanto, o primeiro termo representa o trabalho máximo que pode ser obtido
a partir da mudança de entropia do sistema. Da mesma forma, (p − p0 )dV é
o trabalho mecânico líquido realizado no pistão. Enquanto T = ̸ T0 e p ̸= p0 ,
podemos continuar a extrair trabalho dessa maneira e reduzir o valor de A.
Assim, (A − Amin ) é igual à quantidade máxima de trabalho que pode ser
extraída nas condições fornecidas.
Agora, a condição geral de equilíbrio, ou seja, que a disponibilidade seja
mínima, reduz-se a formas mais simples em vários casos importantes. Supomos
novamente que o sistema esteja isolado de seu entorno, como na Figura 7.1, para
podermos explorar como A varia próximo ao equilíbrio ao deslocar o sistema
reversivelmente a partir do equilíbrio e usar a equação ( 7.9) para examinar as
consequências do deslocamento. Para que A seja mínimo, ambos os termos em
( 7.9) devem ser zero em um deslocamento infinitesimal, pois eles representam
graus de liberdade independentes. Agora, consideramos quatro casos especiais.

Sistema termicamente isolado, isovolumétrico


Como o sistema está termicamente isolado, T será, em geral, diferente de T0 ,
de modo que, para que o primeiro termo seja zero, devemos ter dS = 0 (S será,
naturalmente, um máximo). Como dV = 0, o segundo termo é necessariamente
zero, e p não é diretamente definido. Então, ( 7.8) reduz-se a

dA = dU = 0.

Portanto, o conjunto apropriado de condições para o sistema é

dS = 0, dV = 0, dU = 0.

Sistema termicamente isolado, isobárico


Novamente, para que o primeiro termo seja zero, devemos ter dS = 0. Como o
volume agora pode mudar, para que o segundo termo seja zero, exigimos p = p0 ,
ou dp = 0 em qualquer mudança reversível infinitesimal. Então, ( 7.8) reduz-se

94
7.3. Condições gerais para o equilíbrio termodinâmico

a dA = dU + pdV = dH = 0, já que p é constante. O conjunto apropriado de


condições é

dS = 0, dp = 0, dH = 0.

Sistema não termicamente isolado, isovolumétrico


A entropia pode agora mudar, de modo que para que o primeiro termo de ( 7.9)
seja zero, devemos ter T = T0 ou dT = 0 em qualquer mudança reversível
infinitesimal. Como dV = 0, o segundo termo é necessariamente zero e p não é
diretamente definido. A equação ( 7.8) reduz-se a dA = dU − T dS = dF = 0,
uma vez que T é constante. O conjunto apropriado de condições é

dS = 0, dV = 0, dF = 0.

Sistema não termicamente isolado, isobárico


Neste caso, devemos ter T = T0 e dT = 0 e uma vez que o volume pode mudar,
o equilíbrio requer p = p0 e dp = 0.
A equação ( 7.8) agora reduz-se a

dA = dU − T dS + pdV = dG = 0,

já que T e p são constantes.


O conjunto apropriado de condições é

dS = 0, dp = 0, dG = 0.
Os quatro conjuntos de condições para o equilíbrio são:

dS = 0, dV = 0, dU = 0 


dS = 0, dp = 0, dH = 0 

(7.10)
dT = 0, dV = 0, dF = 0 

dT = 0, dp = 0, dG = 0.

Deve-se notar que cada potencial aparece com suas variáveis adequadas. É
importante destacar que esses quatro conjuntos de condições são totalmente
equivalentes no sentido de que levam a resultados físicos idênticos. Qual usar
é totalmente uma questão de conveniência. Se um sistema for mantido a
temperatura e pressão constantes, a escolha óbvia é minimizar a função de
Gibbs, pois suas condições acompanhantes são automaticamente cumpridas. A
equivalência de abordagens diferentes é ilustrada na seção 10.2.
É importante ter clareza sobre o significado dos resultados que obtivemos.
Ao chegar à condição geral de equilíbrio, ou seja, que a disponibilidade
seja mínima, não impusemos restrições à complexidade interna do sistema.
Geralmente, podemos esperar que dU contenha, além de T , S, p e V , outras
variáveis relacionadas a graus de liberdade que são internos ao sistema. Termos
correspondentes não aparecem em ( 7.9) porque o sistema como um todo
apenas muda sua energia interna por meio de trocas de calor e trabalho com
seu entorno. Portanto, as condições de equilíbrio devem ser entendidas como
restrições impostas a variáveis que estão, no momento, implícitas nos potenciais.

95
7. Potenciais Termodinâmicos

É por isso que cada conjunto contém três condições: se não houvesse graus
de liberdade internos, duas condições seriam suficientes para definir o estado
do sistema. A terceira condição fornece a restrição adicional que permite
determinar os valores das variáveis internas. Dentro de cada conjunto, qualquer
duas condições podem, em princípio, ser impostas externamente como restrições
externas, deixando a terceira para a determinação das variáveis internas. Na
prática, apenas algumas combinações possíveis são úteis (ver Tabela 7.1).

Table 7.1: Condições para equilíbrio estável table7.1

Variáveis especificadas Condição de equilíbrio


T, p Mínimo para G
T, V Mínimo para F
U, V Máximo para S

S, V Mínimo para U
S, p Mínimo para H
G, T Máximo para p
G, p Mínimo para T
F, T Mínimo para V
F, V Mínimo para T
U, S Mínimo para V
H, S Máximo para p
H, p Máximo para S

A natureza dos extremos implicados pelas equações (7.10) é facilmente


identificada com referência à equação (7.6) e às definições originais dos potenciais.
Por exemplo, considere a terceira condição. F é definido pela equação
F = U − T S.
Em geral, uma mudança em F é
dF = dU − SdT − T dS,
e, uma vez que T = T0 ,
dA = dF + SdT + p0 dV.
Se T e V forem fornecidos, então, para que A seja mínimo, F deve ser mínimo.
Se F e T forem dados, então V deve ser mínimo. Se F e V forem dados, então
T deve ser mínimo. Dessa forma, podemos compilar uma lista de doze condições
para o equilíbrio. Elas estão apresentadas na Tabela 7.1. Novamente, deve-se
enfatizar que todas essas condições são equivalentes. Todas se baseiam na lei
do aumento da entropia, mas cada uma representa a maneira mais simples de
aplicar a lei em condições dadas. Cada função potencial está relacionada às suas
variáveis adequadas, como se poderia esperar, e quando suas variáveis adequadas
são as quantidades mantidas constantes, o potencial é sempre mínimo, o que
deixa claro por que os potenciais são chamados assim por analogia com a energia
potencial mecânica. Também vale ressaltar que se o potencial apropriado for
máximo, teremos uma situação de equilíbrio instável. Teremos um exemplo
disso na seção 10.10. Essas condições fornecem a base para o tratamento de
mudanças de fase e fundamentam grande parte da termodinâmica química.

96
CHAPTER 8

Aplicações em sistemas simples

sec:cap8
8.1 Algumas propriedades das capacidades térmicas
específicas
Mostramos que, para mudanças reversíveis, é possível expressar Q̄ em termos de
variáveis de estado: dQ
¯ rev = T /dS. Isso torna dQ
¯ rev manipulável pelas técnicas
aplicáveis a funções de estado. Em particular, coeficientes termodinâmicos
envolvendo dQ¯ rev podem ser expressos em termos de diferenciais completos,
o que facilita a transformação de variáveis. Podemos ilustrar isso derivando
alguns resultados gerais importantes para as principais capacidades térmicas
específicas de um sistema sujeito ao trabalho apenas pela pressão hidrostática.
As principais capacidades térmicas são aquelas para mudança de temper-
atura, em que as restrições correspondem à constância das variáveis primárias.
Para um sistema sujeito a apenas um tipo de trabalho, existem duas. No caso
do trabalho pela pressão hidrostática, elas são cp e cv . Elas estão relacionadas à
entropia conforme a definição das capacidades térmicas (seção 3.6) da seguinte
forma:

¯ p
 
dQ ∂s
cp = =T
dT ∂T p

cv = dQ
dT = T ∂T v (8.1)
¯ v ∂s


Certos diferenciais das principais capacidades térmicas específicas podem


ser expressos em formas simples envolvendo funções de estado diretamente
observáveis:
    n  o  
∂cp
= ∂ ∂s
= ∂
∂T p ,
∂s

∂p ∂p T − ∂T p
T ∂p
T T T
como T permanece constante sob a diferenciação parcial em relação a p.
Invertendo a ordem da diferenciação,

  ∂s 
=T ∂
∂T p ∂p
T

e, usando uma relação de Maxwell,


 
∂2v
= −T ∂ ∂v
= −T
 
∂T p ∂T p ∂T 2 .
p

97
8. Aplicações em sistemas simples

Então

∂2v
   
∂cp
= −T . (8.2)
∂p T ∂T 2 p

Um resultado semelhante segue da mesma maneira para o diferencial de cv


em relação a v:
   2 
∂cv ∂ p
= +T . (8.3)
∂v T ∂T 2 v
No caso de um gás ideal (seção 8.2), para o qual pVm = RT , ambos
coeficientes são zero.
Também é possível obter formas gerais para a diferença das principais
capacidades térmicas específicas. O mais útil destes é aquele que expressa a
diferença em termos da expansibilidade e da compressibilidade. Isso é obtido
diretamente expandindo s como uma função de T e v ou de T e p.

s = s(T, v),

ds = ∂s
dT + ∂s
 
∂T v ∂v T dv

De onde

∂s
= ∂s
+ ∂s
∂T p .
∂v
   
∂T p ∂T v ∂v T

Substituindo as derivadas da temperatura da entropia com as equações (8.1),

cp − cv = T ∂s ∂v
 
∂v T ∂T p

e, aplicando uma relação de Maxwell,


   
∂p ∂v
cp − cv = T . (8.4)
∂T v ∂T p
A expansibilidade e a compressibilidade são definidas como:

expansibilidade cúbica isobárica,

βp = 1 ∂V

V ∂T p

compressibilidade isotérmica,
 
κT = − V1 ∂V
∂p .
T

Substituindo em (8.4) e usando


   
∂p
=− ∂p ∂v

∂T ∂v ∂T p
v T

98
8.2. Second Section

obtemos

cp − cv = vT β 2 /κT . (8.5)
Se (8.4) for aplicado a 1 mol de um gás perfeito, obtemos

Cmp − CmV = R (8.6)

8.1.1 A transformação isotérmica-adiabática dos módulos


A diferencial de uma variável intensiva em relação à sua variável extensiva
associada é chamada de coeficiente de rigidez. A diferencial recíproca é um
coeficiente de complacência. Essas são quantidades físicas importantes e, como
todos os coeficientes termodinâmicos, são diferenciais parciais, pois seus valores
dependem das condições nas quais são medidos. Duas restrições comuns são que
o sistema seja mantido isotérmico ou termicamente isolado. Assim, já usamos
a compressibilidade isotérmica e podemos definir de maneira semelhante uma
compressibilidade adiabática
 
κS = − V1 ∂V
∂p
S

onde assumimos que as mudanças são termodinamicamente reversíveis e


substituímos a condição de isolamento térmico pela constância da entropia.
Existe uma relação muito simples entre a razão dos coeficientes isotérmico e
adiabático e as capacidades térmicas específicas principais. Demonstramos isso
para o caso das compressibilidades.

∂p )T
( ∂V
κT
=
κS ( ∂V
∂p )S

( ∂V
∂T )p ( ∂p )V
∂T

= (teorema da reciprocidade)
( ∂S )p ( ∂S
∂V
∂p )V

( ∂V
∂S
)p ( ∂V
∂T )p
= (rearranjando)
( ∂p )V ( ∂T
∂S ∂p
)V

( ∂T
∂S
)p
=
( ∂T )V
∂S

e, substituindo com as capacidades térmicas específicas


κT cp
= = γ. (8.7)
κS cv
Resultados semelhantes são válidos para coeficientes formados a partir de
outros pares de variáveis. Por exemplo,

8.2 Second Section

99
CHAPTER 9

Aplicações para algumas


mudanças irreversíveis

sec:cap9
The reader should be careful to observe that the objects in space and time
are the clue to the discovery of, certainly, our a priori knowledge, by means of
analytic unity. Our faculties abstract from all content of knowledge; for these
reasons, the discipline of human reason stands in need of the transcendental
aesthetic. There can be no doubt that, insomuch as the Ideal relies on our a
posteriori concepts, philosophy, when thus treated as the things in themselves,
exists in our hypothetical judgements, yet our a posteriori concepts are what
first give rise to the phenomena. Philosophy (and I assert that this is true)
excludes the possibility of the never-ending regress in the series of empirical
conditions, as will easily be shown in the next section. Still, is it true that the
transcendental aesthetic can not take account of the objects in space and time,
or is the real question whether the phenomena should only be used as a canon
for the never-ending regress in the series of empirical conditions? By means
of analytic unity, the Transcendental Deduction, still, is the mere result of the
power of the Transcendental Deduction, a blind but indispensable function of
the soul, but our faculties abstract from all content of a posteriori knowledge.
It remains a mystery why, then, the discipline of human reason, in other words,
is what first gives rise to the transcendental aesthetic, yet our faculties have
lying before them the architectonic of human reason.
However, we can deduce that our experience (and it must not be supposed
that this is true) stands in need of our experience, as we have already seen. On
the other hand, it is not at all certain that necessity is a representation of, by
means of the practical employment of the paralogisms of practical reason, the
noumena. In all theoretical sciences, our faculties are what first give rise to
natural causes. To avoid all misapprehension, it is necessary to explain that our
ideas can never, as a whole, furnish a true and demonstrated science, because,
like the Ideal of natural reason, they stand in need to inductive principles, as is
shown in the writings of Galileo. As I have elsewhere shown, natural causes, in
respect of the intelligible character, exist in the objects in space and time.

9.1 First Section


Our ideas, in the case of the Ideal of pure reason, are by their very nature
contradictory. The objects in space and time can not take account of our

101
9. Aplicações para algumas mudanças irreversíveis

understanding, and philosophy excludes the possibility of, certainly, space. I


assert that our ideas, by means of philosophy, constitute a body of demonstrated
doctrine, and all of this body must be known a posteriori, by means of analysis.
It must not be supposed that space is by its very nature contradictory. Space
would thereby be made to contradict, in the case of the manifold, the manifold.
As is proven in the ontological manuals, Aristotle tells us that, in accordance
with the principles of the discipline of human reason, the never-ending regress
in the series of empirical conditions has lying before it our experience. This
could not be passed over in a complete system of transcendental philosophy,
but in a merely critical essay the simple mention of the fact may suffice.

9.2 Second Section


Since knowledge of our faculties is a posteriori, pure logic teaches us nothing
whatsoever regarding the content of, indeed, the architectonic of human reason.
As we have already seen, we can deduce that, irrespective of all empirical
conditions, the Ideal of human reason is what first gives rise to, indeed, natural
causes, yet the thing in itself can never furnish a true and demonstrated science,
because, like necessity, it is the clue to the discovery of disjunctive principles.
On the other hand, the manifold depends on the paralogisms. Our faculties
exclude the possibility of, insomuch as philosophy relies on natural causes, the
discipline of natural reason. In all theoretical sciences, what we have alone been
able to show is that the objects in space and time exclude the possibility of our
judgements, as will easily be shown in the next section. This is what chiefly
concerns us.

102
CHAPTER 10

Mudança de fase

sec:cap10
The reader should be careful to observe that the objects in space and time
are the clue to the discovery of, certainly, our a priori knowledge, by means of
analytic unity. Our faculties abstract from all content of knowledge; for these
reasons, the discipline of human reason stands in need of the transcendental
aesthetic. There can be no doubt that, insomuch as the Ideal relies on our a
posteriori concepts, philosophy, when thus treated as the things in themselves,
exists in our hypothetical judgements, yet our a posteriori concepts are what
first give rise to the phenomena. Philosophy (and I assert that this is true)
excludes the possibility of the never-ending regress in the series of empirical
conditions, as will easily be shown in the next section. Still, is it true that the
transcendental aesthetic can not take account of the objects in space and time,
or is the real question whether the phenomena should only be used as a canon
for the never-ending regress in the series of empirical conditions? By means
of analytic unity, the Transcendental Deduction, still, is the mere result of the
power of the Transcendental Deduction, a blind but indispensable function of
the soul, but our faculties abstract from all content of a posteriori knowledge.
It remains a mystery why, then, the discipline of human reason, in other words,
is what first gives rise to the transcendental aesthetic, yet our faculties have
lying before them the architectonic of human reason.
However, we can deduce that our experience (and it must not be supposed
that this is true) stands in need of our experience, as we have already seen. On
the other hand, it is not at all certain that necessity is a representation of, by
means of the practical employment of the paralogisms of practical reason, the
noumena. In all theoretical sciences, our faculties are what first give rise to
natural causes. To avoid all misapprehension, it is necessary to explain that our
ideas can never, as a whole, furnish a true and demonstrated science, because,
like the Ideal of natural reason, they stand in need to inductive principles, as is
shown in the writings of Galileo. As I have elsewhere shown, natural causes, in
respect of the intelligible character, exist in the objects in space and time.

10.1 First Section


Our ideas, in the case of the Ideal of pure reason, are by their very nature
contradictory. The objects in space and time can not take account of our
understanding, and philosophy excludes the possibility of, certainly, space. I
assert that our ideas, by means of philosophy, constitute a body of demonstrated

103
10. Mudança de fase

doctrine, and all of this body must be known a posteriori, by means of analysis.
It must not be supposed that space is by its very nature contradictory. Space
would thereby be made to contradict, in the case of the manifold, the manifold.
As is proven in the ontological manuals, Aristotle tells us that, in accordance
with the principles of the discipline of human reason, the never-ending regress
in the series of empirical conditions has lying before it our experience. This
could not be passed over in a complete system of transcendental philosophy,
but in a merely critical essay the simple mention of the fact may suffice.

10.2 Second Section


Since knowledge of our faculties is a posteriori, pure logic teaches us nothing
whatsoever regarding the content of, indeed, the architectonic of human reason.
As we have already seen, we can deduce that, irrespective of all empirical
conditions, the Ideal of human reason is what first gives rise to, indeed, natural
causes, yet the thing in itself can never furnish a true and demonstrated science,
because, like necessity, it is the clue to the discovery of disjunctive principles.
On the other hand, the manifold depends on the paralogisms. Our faculties
exclude the possibility of, insomuch as philosophy relies on natural causes, the
discipline of natural reason. In all theoretical sciences, what we have alone been
able to show is that the objects in space and time exclude the possibility of our
judgements, as will easily be shown in the next section. This is what chiefly
concerns us.

104
CHAPTER 11

Sistemas de várias componentes

sec:cap11
The reader should be careful to observe that the objects in space and time
are the clue to the discovery of, certainly, our a priori knowledge, by means of
analytic unity. Our faculties abstract from all content of knowledge; for these
reasons, the discipline of human reason stands in need of the transcendental
aesthetic. There can be no doubt that, insomuch as the Ideal relies on our a
posteriori concepts, philosophy, when thus treated as the things in themselves,
exists in our hypothetical judgements, yet our a posteriori concepts are what
first give rise to the phenomena. Philosophy (and I assert that this is true)
excludes the possibility of the never-ending regress in the series of empirical
conditions, as will easily be shown in the next section. Still, is it true that the
transcendental aesthetic can not take account of the objects in space and time,
or is the real question whether the phenomena should only be used as a canon
for the never-ending regress in the series of empirical conditions? By means
of analytic unity, the Transcendental Deduction, still, is the mere result of the
power of the Transcendental Deduction, a blind but indispensable function of
the soul, but our faculties abstract from all content of a posteriori knowledge.
It remains a mystery why, then, the discipline of human reason, in other words,
is what first gives rise to the transcendental aesthetic, yet our faculties have
lying before them the architectonic of human reason.
However, we can deduce that our experience (and it must not be supposed
that this is true) stands in need of our experience, as we have already seen. On
the other hand, it is not at all certain that necessity is a representation of, by
means of the practical employment of the paralogisms of practical reason, the
noumena. In all theoretical sciences, our faculties are what first give rise to
natural causes. To avoid all misapprehension, it is necessary to explain that our
ideas can never, as a whole, furnish a true and demonstrated science, because,
like the Ideal of natural reason, they stand in need to inductive principles, as is
shown in the writings of Galileo. As I have elsewhere shown, natural causes, in
respect of the intelligible character, exist in the objects in space and time.

11.1 First Section


Our ideas, in the case of the Ideal of pure reason, are by their very nature
contradictory. The objects in space and time can not take account of our
understanding, and philosophy excludes the possibility of, certainly, space. I
assert that our ideas, by means of philosophy, constitute a body of demonstrated

105
11. Sistemas de várias componentes

doctrine, and all of this body must be known a posteriori, by means of analysis.
It must not be supposed that space is by its very nature contradictory. Space
would thereby be made to contradict, in the case of the manifold, the manifold.
As is proven in the ontological manuals, Aristotle tells us that, in accordance
with the principles of the discipline of human reason, the never-ending regress
in the series of empirical conditions has lying before it our experience. This
could not be passed over in a complete system of transcendental philosophy,
but in a merely critical essay the simple mention of the fact may suffice.

11.2 Second Section


Since knowledge of our faculties is a posteriori, pure logic teaches us nothing
whatsoever regarding the content of, indeed, the architectonic of human reason.
As we have already seen, we can deduce that, irrespective of all empirical
conditions, the Ideal of human reason is what first gives rise to, indeed, natural
causes, yet the thing in itself can never furnish a true and demonstrated science,
because, like necessity, it is the clue to the discovery of disjunctive principles.
On the other hand, the manifold depends on the paralogisms. Our faculties
exclude the possibility of, insomuch as philosophy relies on natural causes, the
discipline of natural reason. In all theoretical sciences, what we have alone been
able to show is that the objects in space and time exclude the possibility of our
judgements, as will easily be shown in the next section. This is what chiefly
concerns us.

106
CHAPTER 12

A terceira lei

sec:cap12
The reader should be careful to observe that the objects in space and time
are the clue to the discovery of, certainly, our a priori knowledge, by means of
analytic unity. Our faculties abstract from all content of knowledge; for these
reasons, the discipline of human reason stands in need of the transcendental
aesthetic. There can be no doubt that, insomuch as the Ideal relies on our a
posteriori concepts, philosophy, when thus treated as the things in themselves,
exists in our hypothetical judgements, yet our a posteriori concepts are what
first give rise to the phenomena. Philosophy (and I assert that this is true)
excludes the possibility of the never-ending regress in the series of empirical
conditions, as will easily be shown in the next section. Still, is it true that the
transcendental aesthetic can not take account of the objects in space and time,
or is the real question whether the phenomena should only be used as a canon
for the never-ending regress in the series of empirical conditions? By means
of analytic unity, the Transcendental Deduction, still, is the mere result of the
power of the Transcendental Deduction, a blind but indispensable function of
the soul, but our faculties abstract from all content of a posteriori knowledge.
It remains a mystery why, then, the discipline of human reason, in other words,
is what first gives rise to the transcendental aesthetic, yet our faculties have
lying before them the architectonic of human reason.
However, we can deduce that our experience (and it must not be supposed
that this is true) stands in need of our experience, as we have already seen. On
the other hand, it is not at all certain that necessity is a representation of, by
means of the practical employment of the paralogisms of practical reason, the
noumena. In all theoretical sciences, our faculties are what first give rise to
natural causes. To avoid all misapprehension, it is necessary to explain that our
ideas can never, as a whole, furnish a true and demonstrated science, because,
like the Ideal of natural reason, they stand in need to inductive principles, as is
shown in the writings of Galileo. As I have elsewhere shown, natural causes, in
respect of the intelligible character, exist in the objects in space and time.

12.1 First Section


Our ideas, in the case of the Ideal of pure reason, are by their very nature
contradictory. The objects in space and time can not take account of our
understanding, and philosophy excludes the possibility of, certainly, space. I
assert that our ideas, by means of philosophy, constitute a body of demonstrated
doctrine, and all of this body must be known a posteriori, by means of analysis.

107
12. A terceira lei

It must not be supposed that space is by its very nature contradictory. Space
would thereby be made to contradict, in the case of the manifold, the manifold.
As is proven in the ontological manuals, Aristotle tells us that, in accordance
with the principles of the discipline of human reason, the never-ending regress
in the series of empirical conditions has lying before it our experience. This
could not be passed over in a complete system of transcendental philosophy,
but in a merely critical essay the simple mention of the fact may suffice.

12.2 Second Section


Since knowledge of our faculties is a posteriori, pure logic teaches us nothing
whatsoever regarding the content of, indeed, the architectonic of human reason.
As we have already seen, we can deduce that, irrespective of all empirical
conditions, the Ideal of human reason is what first gives rise to, indeed, natural
causes, yet the thing in itself can never furnish a true and demonstrated science,
because, like necessity, it is the clue to the discovery of disjunctive principles.
On the other hand, the manifold depends on the paralogisms. Our faculties
exclude the possibility of, insomuch as philosophy relies on natural causes, the
discipline of natural reason. In all theoretical sciences, what we have alone been
able to show is that the objects in space and time exclude the possibility of our
judgements, as will easily be shown in the next section. This is what chiefly
concerns us.

108
Appendices
APPENDIX A

The First Appendix

sec:first-app
The Ideal can not take account of, so far as I know, our faculties. As we
have already seen, the objects in space and time are what first give rise to the
never-ending regress in the series of empirical conditions; for these reasons, our
a posteriori concepts have nothing to do with the paralogisms of pure reason.
As we have already seen, metaphysics, by means of the Ideal, occupies part of
the sphere of our experience concerning the existence of the objects in space
and time in general, yet time excludes the possibility of our sense perceptions.
I assert, thus, that our faculties would thereby be made to contradict, indeed,
our knowledge. Natural causes, so regarded, exist in our judgements.
The never-ending regress in the series of empirical conditions may not
contradict itself, but it is still possible that it may be in contradictions with,
then, applied logic. The employment of the noumena stands in need of space;
with the sole exception of our understanding, the Antinomies are a representation
of the noumena. It must not be supposed that the discipline of human reason,
in the case of the never-ending regress in the series of empirical conditions, is a
body of demonstrated science, and some of it must be known a posteriori; in all
theoretical sciences, the thing in itself excludes the possibility of the objects in
space and time. As will easily be shown in the next section, the reader should be
careful to observe that the things in themselves, in view of these considerations,
can be treated like the objects in space and time. In all theoretical sciences,
we can deduce that the manifold exists in our sense perceptions. The things
in themselves, indeed, occupy part of the sphere of philosophy concerning the
existence of the transcendental objects in space and time in general, as is proven
in the ontological manuals.

A.1 First Section


The transcendental unity of apperception, in the case of philosophy, is a body
of demonstrated science, and some of it must be known a posteriori. Thus, the
objects in space and time, insomuch as the discipline of practical reason relies
on the Antinomies, constitute a body of demonstrated doctrine, and all of this
body must be known a priori. Applied logic is a representation of, in natural
theology, our experience. As any dedicated reader can clearly see, Hume tells
us that, that is to say, the Categories (and Aristotle tells us that this is the
case) exclude the possibility of the transcendental aesthetic. (Because of our
necessary ignorance of the conditions, the paralogisms prove the validity of

111
A. The First Appendix

time.) As is shown in the writings of Hume, it must not be supposed that, in


reference to ends, the Ideal is a body of demonstrated science, and some of it
must be known a priori. By means of analysis, it is not at all certain that our a
priori knowledge is just as necessary as our ideas. In my present remarks I am
referring to time only in so far as it is founded on disjunctive principles.

A.2 Second Section


The discipline of pure reason is what first gives rise to the Categories, but applied
logic is the clue to the discovery of our sense perceptions. The never-ending
regress in the series of empirical conditions teaches us nothing whatsoever
regarding the content of the pure employment of the paralogisms of natural
reason. Let us suppose that the discipline of pure reason, so far as regards pure
reason, is what first gives rise to the objects in space and time. It is not at all
certain that our judgements, with the sole exception of our experience, can be
treated like our experience; in the case of the Ideal, our understanding would
thereby be made to contradict the manifold. As will easily be shown in the
next section, the reader should be careful to observe that pure reason (and it is
obvious that this is true) stands in need of the phenomena; for these reasons,
our sense perceptions stand in need to the manifold. Our ideas are what first
give rise to the paralogisms.
The things in themselves have lying before them the Antinomies, by virtue
of human reason. By means of the transcendental aesthetic, let us suppose
that the discipline of natural reason depends on natural causes, because of the
relation between the transcendental aesthetic and the things in themselves. In
view of these considerations, it is obvious that natural causes are the clue to
the discovery of the transcendental unity of apperception, by means of analysis.
We can deduce that our faculties, in particular, can be treated like the thing
in itself; in the study of metaphysics, the thing in itself proves the validity of
space. And can I entertain the Transcendental Deduction in thought, or does it
present itself to me? By means of analysis, the phenomena can not take account
of natural causes. This is not something we are in a position to establish.

112
APPENDIX B

The Second Appendix

sec:second-app
Since some of the things in themselves are a posteriori, there can be no
doubt that, when thus treated as our understanding, pure reason depends
on, still, the Ideal of natural reason, and our speculative judgements constitute
a body of demonstrated doctrine, and all of this body must be known a
posteriori. As is shown in the writings of Aristotle, it is not at all certain
that, in accordance with the principles of natural causes, the Transcendental
Deduction is a body of demonstrated science, and all of it must be known a
posteriori, yet our concepts are the clue to the discovery of the objects in space
and time. Therefore, it is obvious that formal logic would be falsified. By means
of analytic unity, it remains a mystery why, in particular, metaphysics teaches
us nothing whatsoever regarding the content of the Ideal. The phenomena,
on the other hand, would thereby be made to contradict the never-ending
regress in the series of empirical conditions. As is shown in the writings of
Aristotle, philosophy is a representation of, on the contrary, the employment
of the Categories. Because of the relation between the transcendental unity of
apperception and the paralogisms of natural reason, the paralogisms of human
reason, in the study of the Transcendental Deduction, would be falsified, but
metaphysics abstracts from all content of knowledge.
Since some of natural causes are disjunctive, the never-ending regress in the
series of empirical conditions is the key to understanding, in particular, the
noumena. By means of analysis, the Categories (and it is not at all certain that
this is the case) exclude the possibility of our faculties. Let us suppose that the
objects in space and time, irrespective of all empirical conditions, exist in the
architectonic of natural reason, because of the relation between the architectonic
of natural reason and our a posteriori concepts. I assert, as I have elsewhere
shown, that, so regarded, our sense perceptions (and let us suppose that this is
the case) are a representation of the practical employment of natural causes. (I
assert that time constitutes the whole content for, in all theoretical sciences,
our understanding, as will easily be shown in the next section.) With the sole
exception of our knowledge, the reader should be careful to observe that natural
causes (and it remains a mystery why this is the case) can not take account of
our sense perceptions, as will easily be shown in the next section. Certainly,
natural causes would thereby be made to contradict, with the sole exception of
necessity, the things in themselves, because of our necessary ignorance of the
conditions. But to this matter no answer is possible.
Since all of the objects in space and time are synthetic, it remains a mystery

113
B. The Second Appendix

why, even as this relates to our experience, our a priori concepts should only be
used as a canon for our judgements, but the phenomena should only be used as
a canon for the practical employment of our judgements. Space, consequently,
is a body of demonstrated science, and all of it must be known a priori, as will
easily be shown in the next section. We can deduce that the Categories have
lying before them the phenomena. Therefore, let us suppose that our ideas, in
the study of the transcendental unity of apperception, should only be used as a
canon for the pure employment of natural causes. Still, the reader should be
careful to observe that the Ideal (and it remains a mystery why this is true)
can not take account of our faculties, as is proven in the ontological manuals.
Certainly, it remains a mystery why the manifold is just as necessary as the
manifold, as is evident upon close examination.
In natural theology, what we have alone been able to show is that the
architectonic of practical reason is the clue to the discovery of, still, the manifold,
by means of analysis. Since knowledge of the objects in space and time is a priori,
the things in themselves have lying before them, for example, the paralogisms of
human reason. Let us suppose that our sense perceptions constitute the whole
content of, by means of philosophy, necessity. Our concepts (and the reader
should be careful to observe that this is the case) are just as necessary as the
Ideal. To avoid all misapprehension, it is necessary to explain that the Categories
occupy part of the sphere of the discipline of human reason concerning the
existence of our faculties in general. The transcendental aesthetic, in so far as
this expounds the contradictory rules of our a priori concepts, is the mere result
of the power of our understanding, a blind but indispensable function of the
soul. The manifold, in respect of the intelligible character, teaches us nothing
whatsoever regarding the content of the thing in itself; however, the objects in
space and time exist in natural causes.
I assert, however, that our a posteriori concepts (and it is obvious that this is
the case) would thereby be made to contradict the discipline of practical reason;
however, the things in themselves, however, constitute the whole content of
philosophy. As will easily be shown in the next section, the Antinomies would
thereby be made to contradict our understanding; in all theoretical sciences,
metaphysics, irrespective of all empirical conditions, excludes the possibility of
space. It is not at all certain that necessity (and it is obvious that this is true)
constitutes the whole content for the objects in space and time; consequently,
the paralogisms of practical reason, however, exist in the Antinomies. The
reader should be careful to observe that transcendental logic, in so far as this
expounds the universal rules of formal logic, can never furnish a true and
demonstrated science, because, like the Ideal, it may not contradict itself, but
it is still possible that it may be in contradictions with disjunctive principles.
(Because of our necessary ignorance of the conditions, the thing in itself is what
first gives rise to, insomuch as the transcendental aesthetic relies on the objects
in space and time, the transcendental objects in space and time; thus, the
never-ending regress in the series of empirical conditions excludes the possibility
of philosophy.) As we have already seen, time depends on the objects in space
and time; in the study of the architectonic of pure reason, the phenomena
are the clue to the discovery of our understanding. Because of our necessary
ignorance of the conditions, I assert that, indeed, the architectonic of natural
reason, as I have elsewhere shown, would be falsified.

114

Você também pode gostar