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Introdução

A questão social é reflexo da desigual relação que se estabelece entre capital


(detentores dos meios de produção) e trabalho (indivíduos que dispõem apenas da
venda da sua força de trabalho). Trata-se de uma temática basilar para o Serviço
Social, mas não se limita a essa área, sendo, inclusive, permanentemente debatida
por outros campos das Ciências Sociais.
Antes de iniciarmos a reflexão aqui proposta, faz-se necessário traçar um breve
panorama de como ocorre a relação entre as classes sociais no capitalismo. É
preciso entender que, no modo de produção em questão, existem apenas duas
classes sociais: burguesia (dominante) e classe trabalhadora (explorada), e o que
define o lugar de ambas é a divisão social do trabalho.
Vamos tomar como exemplo uma fábrica que produz calçados. O administrador
pode ter um salário bem maior do que aqueles que estão no “chão da fábrica”, no
entanto, mesmo com uma diferenciação de lugar, função e salário, ambos
pertencem à classe trabalhadora, pois não acessam a riqueza socialmente
produzida e fruto do trabalho coletivo. O dono dos meios de produção (da fábrica) é
quem acessa essa riqueza. Esse exemplo ilustra a impossibilidade de haver
igualdade no sistema capitalista, em que o homem explora a força de trabalho do
homem.
A partir da sua leitura de mundo e vida, pode surgir a seguinte reflexão: tivemos a
superação das problemáticas sociais, tais como desemprego e pauperização da
vida ou isso encontra-se ainda mais acirrado atualmente? É possível perceber o
crescimento do exército industrial de reserva e o aumento no preço dos alimentos,
por exemplo. Refletindo sobre isso, o que se pode constatar é que a população
segue empobrecida e sem acesso aos bens e serviços. Isso nos ajudar a pensar a
questão social na atualidade e as formas que o capital e o Estado têm buscado para
enfrentá-la.

1 - A questão social na base histórica do Serviço Social


Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de reconhecer a importância histórica da
questão social na dinâmica capitalista.

Definição de questão social


Questão social: aspectos históricos e conceituais
A relação entre as classes marcadamente desigual e raiz da questão social implica a
emergência e o aprofundamento de problemáticas econômicas, sociais e políticas.
Grosso modo, trata-se de todas as formas de pauperização e precarização da vida
da população que apenas possui a venda da sua força de trabalho, formas essas
que podem ser exemplificadas por desemprego, pobreza, fome, exclusão, entre
outras problemáticas sociais, próprias da dinâmica capitalista.
Dinâmica capitalista
Você perceberá que toda a análise apresentada acerca da questão social, no âmbito
de sua relação com o Serviço Social, tem como base a crítica ao chamado modo de
produção capitalista. Esse é o caminho natural seguido nesse tipo de estudo. Não
podemos esquecer, contudo, que há outras abordagens, nem sempre tão presentes
como esta, mas que, em um material acadêmico, devem ser ao menos
apresentadas como contraponto. É o que você encontrará em algumas indicações
de conteúdo em nosso Explore +.

Reflexão
Aqui vale levantar as seguintes compreensões: primeiro, as expressões da questão social
não são dados naturais nem problemas individuais, mas são resultado da desigual relação
entre as classes sociais, portanto, são problemáticas estruturais e coletivas.

No entanto, convém refletir: a partir da sua leitura de mundo, sobretudo nas suas relações
de trabalho, você acha que é possível haver igualdade entre as pessoas e as classes sociais
no capitalismo?

A dinâmica capitalista
No vídeo a seguir, o especialista Dennis Novaes apresenta elementos que
demonstram a profunda relação entre a dinâmica capitalista e o papel do assistente
social. Vamos assistir!
Acredita-se aqui que o enfrentamento desses problemas passa, primordialmente,
pela superação do modo de produção capitalista.

Problemáticas sociais fazem parte da história das sociedades, no entanto, no capitalismo,

elas acabam por acentuar-se.

Tomemos dois exemplos:


Fome
A fome sempre existiu na dinâmica social e em outras formas de organização
social, como no feudalismo, pois as pessoas produziam para a sua sobrevivência, e,
além do mais, havia pouco desenvolvimento das forças produtivas.
No capitalismo, ocorre diferente — a produção acentua-se, ou seja, são produzidos
muitos alimentos, porém o acesso a essa produção ocorre de forma desigual,
gerando a miséria de grande parte da população. Isso acontece porque as
desigualdades sociais possuem funcionalidade para a reprodução do modo de
produção capitalista.
Desemprego

Com relação ao desemprego, é preciso que exista um número expressivo de


pessoas fora do mercado de trabalho, para que assim o capital dite as regras de
mercado. Na ausência de emprego formal, é comum que muitas pessoas se
submetam às mais precárias e desumanas condições de acesso à renda na busca
pela sobrevivência.
Vejamos o que diz Pastorini a esse respeito:
“Nesse sentido, poderíamos afirmar que a questão social na sociedade capitalista tem sua
gênese nos problemas sociais a serem resolvidos nas diferentes formações sociais pré-
capitalistas, mas sua origem data da segunda metade do século XIX, quando a classe
operária faz sua aparição no cenário político na Europa Ocidental; em definitivo quando a
questão social tornou-se uma questão eminentemente política. Por isso, afirmamos que a
questão social que tem sua raiz na sociedade capitalista deve ser pensada como parte
constitutiva dessa sociedade que nos diferentes estágios produz diferentes
manifestações.”

Nesse modo de produção capitalista, a riqueza é produzida de forma coletiva, no


entanto, sua apropriação é privada. Em síntese, a classe trabalhadora, com a venda
da sua força de trabalho, produz a riqueza socioeconômica, que é, por sua vez,
apropriada de forma desigual pela classe dominante.
É nessa relação que reside o que se chama de questão social, uma vez que os
próprios trabalhadores não conseguem ter acesso ao que eles produzem como
fruto do seu trabalho, e ficam expostos à pauperização da vida e à precarização do
trabalho.

Questão social e trabalho


A questão social e sua relação com a classe trabalhadora
Acredita-se que a emergência da questão social ocorreu nos marcos da expansão do
capitalismo industrial (quando acontece a substituição do trabalho humano pela máquina a
vapor), que trouxe consigo a urbanização e a industrialização massivas. Nesse processo e
na busca por emprego, grande contingente populacional migrou e se concentrou nos
centros urbanos, causando um inchaço populacional.

Esse cenário trouxe consigo inúmeras problemáticas do ponto de vista social,


sobretudo em face da ausência de quaisquer legislações trabalhistas e/ou que
trouxessem proteção social para os trabalhadores.
Para que se tenha leitura acerca desse contexto histórico, a classe trabalhadora era
submetida a jornadas exaustivas de trabalho, havia absorção de mão de obra de
mulheres, inclusive grávidas, e de crianças. Ou seja, os trabalhadores, de forma
geral, estavam submetidos a condições desumanas de vida e trabalho.
A partir do reconhecimento dessa precarização da vida e do trabalho por parte da
classe trabalhadora, essa classe social passa a tornar pública a sua condição
desumana, sobretudo por meio de organizações sindicais. Os trabalhadores, então,
passaram a se organizar, especialmente mediante manifestações, greves e
ocupação das ruas e espaços públicos, dando visibilidade às suas problemáticas,
ou seja, tornando-as públicas.

Comentário
O reconhecimento inicial dessas demandas, via proteção social, deu-se de forma bastante
excludente, uma vez que se destinavam apenas a algumas categorias profissionais, tais
como marítimos, ferroviários e trabalhadores portuários.

Para Iamamoto e Carvalho (2006) o aparecimento da “questão social” encontra-se


intimamente ligado à generalização do trabalho livre numa dinâmica social em que a
escravidão se mostra expressivamente. Generalização do trabalho esta que se
encontra calcada em circunstâncias históricas nas quais há uma separação entre os
homens e os meios de produção.
Trata-se, portanto, das manifestações do processo de formação e desenvolvimento da
classe operária, especialmente, por meio da sua entrada na esfera política da sociedade,
objetivando ser reconhecida como classe tanto pelo empresariado como pela esfera
estatal.

É a expressão, no cotidiano da dinâmica social, da relação contraditória que se


estabelece entre o proletariado e a burguesia, que requer outras ferramentas de
intervenção para além da caridade e da repressão.
A partir do que colocam os autores, a sociedade, nos moldes do sistema capitalista,
é marcada pela desigualdade social, pois sua organização favorece esse processo.
Assim, é impossível que se tenha igualdade entre as classes sociais no modo de
produção capitalista.

Saiba mais
Você sabia que a Igreja Católica possuiu relação direta com a questão social nesse
momento histórico? A condição de pobreza e desigualdade dos trabalhadores era tratada
como de responsabilização moral e individual, ou seja, você encontrava-se na condição de
pobreza como provação divina.

É comum também que se escute que a questão social era tratada como “caso de polícia”,
isso porque as mobilizações dos trabalhadores estavam comprometendo a coesão, isto é, a
harmonia social e, em consequência, a expansão do capitalismo. Assim, o Estado intervia
pelo viés da coerção, da repressão e da força policial no sentido de conter as mobilizações
dos trabalhadores.

Igreja Católica
“Passados mais de dois séculos desde a Revolução Francesa, que enterrou os
restos do passado feudal e inaugurou a era da razão pura e de um Deus morto nos
braços do secularismo, pode parecer pitoresco e até loucura trazer Deus de volta à
cena. Afinal, o que a vecchia signora [velha Senhora], a Igreja Católica Apostólica
Romana, que durante dois mil anos dominou o mundo ocidental e que jaz
destronada desde a ascensão dos Estados-nação e da Revolução, poderia nos dizer
sobre mundo moderno, que valha a pena se debruçar sobre suas ideias tidas por
‘antiquadas e reacionárias’? O que poderia Ela dizer a nós, hoje mais esclarecidos,
mais racionais, mais naturalistas, mais empiristas, enfim, o que poderia ensinar a
nós que orgulhosamente dizemos ‘Deus está morto’?” (RIBEIRO; CARVALHO;
OREIRO, 2019, p. 711).
É preciso que você entenda que a questão social e as formas de enfrentá-la foram
modificando-se com as transformações do próprio capitalismo, e a partir da
formação de cada sociedade. Um problema social no Brasil pode não ter a mesma
intensidade na Alemanha, por exemplo, em razão da formação de cada sociedade e,
sobretudo, do avanço do capitalismo em ambos.
resposta deve estar baseada nos seguintes elementos:

A base da questão social é o conflito entre as classes sociais, capital e trabalho; é um termo
que surge diante da pauperização pela qual passava a sociedade, em decorrência da
industrialização e da urbanização, no século XIX; seu enfrentamento encontra-se
intimamente ligado à formação social e histórica, bem como à formação do próprio
capitalismo em cada sociedade, mas não se nega a influência da Igreja Católica no seu
trato, sobretudo no contexto do século XIX, que marca a emergência da questão social; seu
enfrentamento se deu inicialmente via caridade ou via repressão diante do conflito de
classes, e com a entrada do Estado, a serviço do capital, por meio de políticas sociais.

Agora que você compreende o solo no qual se funda a questão social — seus
determinantes econômicos (modo de produção capitalista), históricos (século XIX
no contexto da industrialização) e sociais (pauperização da vida e precarização do
trabalho) — trataremos, no próximo módulo, da sua relação com o Serviço Social.

Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você


Exercício profissional dos assistentes sociais a partir dos anos 1990
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

A questão social é inerente ao modo de produção capitalista, envolvendo um campo de lutas


e tensões sociais, políticas, econômicas, culturais e geográficas como forma de enfrentar
as desigualdades produzidas.

Com base no enunciado e a partir dos seus entendimentos sobre o assunto, analise as
afirmativas a seguir:
I. A questão social pode ser entendida como fruto da sociabilidade capitalista, que gera o
conflito entre as classes sociais — capital versus trabalho — uma vez que esse sistema é
marcado pela exploração e igualdade.
II. A questão social surge na Europa Ocidental, no século XIX, decorrente do processo de
industrialização e urbanização massiva, uma vez que as pessoas viviam em precárias
condições de vida e trabalho.
III. As expressões da questão social são estruturais e coletivas, próprias das contradições
do modo de produção capitalista.
IV. O desemprego é uma das expressões da questão social, tratando-se de uma
problemática individual.

Está correto o que se afirma em

A I e II.

B I e III.

C II e IV.

D II e III.

E II, II e IV.

Questão 2

“A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento


da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu
reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado” (IAMAMOTO;
CARVALHO, 2006, p. 77).

Com base na sua leitura e aprendizado sobre o tema, e tomando a citação como referência,
analise as afirmativas a seguir:

I. A classe trabalhadora, ao adentrar a cena política, exigindo o enfrentamento da sua


realidade precária de vida e trabalho, exigiu formas de enfrentamento da sua condição para
além da repressão e da caridade.
II. Os trabalhadores possuíam várias legislações de proteção social e de trabalho no século
XIX, sua entrada na cena política foi exclusivamente porque queriam gozar de mais direitos
além dos que já possuíam.
III. A base da questão social é o conflito entre classes sociais, pois o pano de fundo do
sistema capitalista é a desigualdade e a exploração de uma classe sobre outra. Assim, as
contradições, tensões e conflitos são parte desse sistema marcadamente excludente.
IV. Foi graças à entrada da classe operária na cena política que a questão social passou a
ser reconhecida como tal, até então era tratada como uma questão de cunho individual e
moralizador.

Está correto o que se afirma em

A I e II.

B II e IV.
C I, III e IV.

D I e III.

E I, II e III.

2 - A gênese do Serviço Social


Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de analisar a relação existente entre a questão
social e o Serviço Social.

Perspectivas históricas
O Serviço Social nas trilhas da história
O Serviço Social acompanha o movimento do capitalismo e os seus
desdobramentos, sobretudo no que tange à questão social.
Há um traço marcadamente conservador e assistencialista no surgimento do
Serviço Social, pela existência de uma relação direta entre a profissão e a Igreja
Católica nesse momento histórico. Provas disso são as duas encíclicas (cartas)
papais, que vão orientar a ação social nesse contexto. Veja!

Foi escrita pelo papa Leão XIII, em 1891, e seu objetivo era desorganizar o movimento
operário, buscando a conciliação entre capital e trabalho, ainda que o pano de fundo dessa
relação fosse a exploração dos trabalhadores. A crítica era justamente ao socialismo e ao
capitalismo irrestrito, e o objetivo era a manutenção da ordem social.

Foi escrita pelo papa Pio XI, em 1931, justamente no 40º aniversário da primeira encíclica.
As críticas se mantêm, e o direcionamento é no sentido da restauração da ordem social.
Embora apresente uma visão mais ampla do que a primeira encíclica, ela apresenta
justamente a Doutrina Social da Igreja como a resolução para os problemas sociais e
econômicos.

Comentário
Para se ter uma ideia da relevância dessas encíclicas, se hoje dizemos que a Constituição
Federal de 1988 é a Carta Magna dos direitos no Brasil, essas cartas tiveram peso
semelhante para a Doutrina Social da Igreja.

Nesse sentido, por essa vinculação com a Igreja Católica, podemos dizer que o
Serviço Social, nesse momento, é não apenas conservador, como doutrinário e
dogmático, pois segue as orientações, o conjunto de regras e princípios dessa
Doutrina Social.
Sempre que pensar na gênese da profissão, lembre-se de alguns termos, tais como:
Ordem social / Restaurar / Conservar / Manter

Por trás desses termos, o sentido era justamente moralizar os costumes do


operariado, como forma de evitar conflitos entre as classes sociais.
Por falar nessa Doutrina Social da Igreja e suas estratégias, esse momento histórico é
cenário para a gama (o conjunto) de movimentos cristãos que ficou denominado de Ação
Católica, do qual o Serviço Social é “chamado” a participar. Trata-se da tentativa da Igreja
Católica de retomar o seu poder diante da sociedade, poder esse que ela havia perdido no
contexto do Império.

Em síntese, esse movimento buscava trazer os valores morais, cristãos e religiosos


para os costumes sociais, isto é, as ações objetivavam recristianizar, restaurar a
sociedade dessa perspectiva.

Influência católica
Fundamentos da influência católica
Outro aspecto bastante recorrente quando se fala no surgimento do Serviço Social é a
influência do pensamento tomista e neotomista. Mas, o que seria isso?

Triunfo de Santo Tomás de Aquino sobre Averroes, de Benozzo Gozzoli (1468-1484).

Trata-se do pensamento do padre católico italiano Tomás de Aquino, que acreditava haver
relação direta entre fé e razão, ou seja, entre teologia e filosofia. Embora colocadas como
lados opostos, na leitura de São Tomás, elas são complementares, na verdade.

O tomismo data do século XIII, já o neotomismo, do século XIX.

O neotomismo, até pelo seu momento histórico, vai marcar fortemente o surgimento do

Serviço Social, pois é um pensamento abraçado pela Igreja Católica que, como tal, é a

principal influência da profissão no seu bojo.

Assim, é preciso que se tenha em mente que os ideais cristãos e humanistas são
traços fortes nesse momento.
No pensamento neotomista, o corpo humano, tanto na perspectiva física como
espiritual, representava a perfeição, uma vez que o homem era a imagem e a
semelhança de Deus, por isso, caberia ao humano ser e buscar tal perfeição.

A Criação de Adão, de Michelangelo (1508-1515).

Por quais razões um pensamento do século XIII é retomado no século XIX? O intuito
era justamente solucionar os problemas sociais, encarando-os como uma crise do
ponto de vista moral e dos costumes cristãos. No entanto, tratava-se, na verdade, da
condição de miséria e exploração dos operários, frutos da industrialização e da
urbanização desorganizada.
Portanto, as determinações sociais, econômicas e históricas não eram
consideradas, o que é um grande equívoco, pois as pessoas já nascem em
condições desiguais de acesso aos bens, políticas e serviços, e isso é fruto da
desigualdade capitalista. Os indivíduos que precisavam de alguma ação do Estado
ou da caridade cristã por não conseguirem sobreviver estavam fora desse ideal de
perfeição, justamente por isso “precisavam” ser restaurados.
Atenção!
A Igreja Católica vê, por meio desse pensamento, uma forma de combater essa crise moral
e, assim, contribuir para o renascimento das ideias de São Tomás de Aquino, retomando
também seu lugar de poder na sociedade.

O sentido era de que os homens fossem perfeitos, mas uma perfeição voltada para a
manutenção da ordem social, principalmente para a economia. Para isso, a Igreja Católica e
os assistentes sociais, na qualidade de agentes dessa instituição, se utilizavam de um
discurso não apenas moralizador, como culpabilizador dos indivíduos diante da sua
condição social de vida e trabalho.

Vejamos o que Iamamoto e Carvalho dizem acerca disso:


“Em suas origens no Brasil, o Serviço Social está intimamente vinculado a iniciativas da
Igreja, como parte de sua estratégia de qualificação do laicato [...]. Essa origem
confessional, articulada aos movimentos de Ação Social e Ação Católica, conforma um tipo
de legitimidade à profissão cujas fontes de justificação ideológicas encontram-se na
Doutrina Social da Igreja. Configura-se, assim, um caráter missionário à atividade
profissional, como meio de fazer face aos imperativos da justiça e da caridade, dentro da
perspectiva de profissionalização do apostolado social segundo parâmetros técnicos e
modernizadores, numa sociedade secularizada, ameaçada pelo liberalismo e pelo
comunismo. Se esta é a fonte legitimadora da formação desse profissional nos seus
primórdios, ela não se choca com o crescente aproveitamento e cooptação desse agente
pelo aparato de Estado e pelo empresariado, que progressivamente vão atribuindo novas
determinações à legitimidade e institucionalização do Serviço Social.”

É nesse momento que a esfera estatal vai deslocar esforços no processo de


investimento e tecnificação do Serviço Social. Isso marca efetivamente a
profissionalização do Serviço Social, que vai passar a ser contratada e receber
salário, por exemplo, e não mais realizar uma ação movida apenas pelo “desejo de
fazer”.
Nesse momento, você poderia questionar:

• A partir dessa relação com o Estado, houve


separação entre o Serviço Social e a Igreja
Católica?
• A resposta é não. O que acontece, de fato, é uma parceria, uma articulação
entre as duas instituições nesse processo de formação e tecnificação
profissional.

• Quanto às técnicas de trabalho, de onde elas


partem?
• Do serviço social norte-americano, em que as mais comuns de serem faladas
são: serviço social de caso, grupo e comunidade.
Desse modo, operam as influências da Igreja Católica e o tecnicismo norte-
americano, com bases funcionalistas e conservadoras, pois não davam conta das
contradições sociais, culpabilizando os operários para manter a ordem social e a
expansão capitalista.
O Estado, em articulação, ou seja, ligado aos setores dominantes da sociedade
(IAMAMOTO; CARVALHO, 2006) vai funcionar como um dos principais instrumentos
da qualificação técnica dos assistentes sociais. Em decorrência disso, o que se tem
é uma verdadeira ampliação do campo de trabalho profissional, num formato
estratégico que é o enfrentamento da questão social.

Comentário
A partir dessa relação, é evidenciado um caráter contraditório, uma vez que o assistente
social vai receber o ordenamento, as regras e os ditames das classes dominantes, no
entanto, sua ação e seu trabalho profissional serão voltados para a classe trabalhadora.

Em outras palavras, a demanda pelo profissional não vai partir dos indivíduos que são alvos
das ações profissionais, mas do patronato, que é quem vai estabelecer remuneração aos
profissionais. Isso deixa claro um dos grandes desafios postos ao Serviço Social.

Tecnicismo norte-americano
O especialista Dennis Novaes apresenta agora os elementos que comprovam a
influência do tecnicismo norte-americano na formação histórica do assistente social
no Brasil. Confira!

Panorama histórico brasileiro


Questão social e Serviço Social no Brasil: alguns apontamentos
A gênese do Serviço Social encontra-se intimamente ligada à trajetória do modo de
produção capitalista, na sua fase de monopólio.

É graças ao capitalismo e ao aparecimento da questão social que a profissão surge inserida

nessa correlação de forças entre as classes sociais, estando vinculada expressivamente à

Igreja Católica e, em seguida, ao Estado.

Trata-se de uma profissão ainda bastante nova se pensarmos que o surgimento da


primeira Escola de Serviço Social data de 1936, em São Paulo, e a segunda, de 1937,
no Rio de Janeiro. Nesse momento histórico, o presidente era Getúlio Vargas, que
ficou 15 anos no poder (1930-1945).
Essa foi uma realidade histórica de fundamental importância não apenas para o Serviço
Social, mas também para a compreensão histórica da formação social brasileira, uma vez
que a Era Vargas foi marcada por profundas mudanças do ponto de vista político e
econômico.
Você sabia que foi no Governo Vargas que foi criada a primeira CLT – Consolidação
das Leis Trabalhistas? Trazemos esse dado apenas para que você saiba a
importância desse momento histórico para a ampliação de direitos da classe
trabalhadora.
Outro dado importante que você precisa lembrar é: as experiências (guerras,
transformações, crises) que ocorrem em outros países capitalistas acabam
afetando o Brasil, em maior ou menor escala.
Em 1917 aconteceu a Revolução Russa, que teve caráter socialista, na qual os
trabalhadores organizaram-se politicamente e “tomaram o poder”. Em decorrência disso,
criou-se todo um medo, um pânico coletivo entre os países capitalistas, de que o socialismo
se espalhasse.

Essa confluência de fatores acaba reverberando no Brasil, onde os trabalhadores já


se organizavam na busca por direitos sociais, políticos e econômicos. Nessa
conjuntura histórica marcada por mudanças é sentida a necessidade de uma
categoria profissional que mediasse essa relação conflituosa entre as classes, que
apaziguasse os conflitos sociais em curso.

A formação social e o momento histórico de cada sociedade influenciam nas formas de

manifestação e trato da questão social.

Como já dito, entre os teóricos do Serviço Social, a maioria entende que o eixo
fundante da questão social é o conflito:
Capital / Trabalho

À medida que os operários, classe trabalhadora, passam a reivindicar melhores


condições de vida e trabalho, isto é, ingressam na luta por direitos e denunciam a
condição de exploração e pauperização a que se encontravam expostos, é exigida a
interferência do Estado nesse cenário.
Essa interferência, entretanto, não é no sentido de enfrentar e superar efetivamente
as expressões da questão social, mas sim de forma simplista e pontual, uma vez
que o Estado funciona como elemento político do sistema capitalista, ou seja, o
Estado atende em grande medida ao capital.

Comentário
Você escutará esse entendimento de forma recorrente ao longo da sua formação na frase
presente no Manifesto do Partido Comunista ao colocar que o Estado é o comitê executivo
da burguesia. É nesse momento em que a esfera estatal passa a intervir no conflito entre as
classes que o Serviço Social entra na cena política e social no sentido de apaziguar os
conflitos sociais.

Manifesto do Partido Comunista


“Com o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, a burguesia
conquistou, finalmente, o domínio político exclusivo no Estado representativo
moderno. O poder do Estado moderno não passa de um comitê que administra os
negócios comuns da classe burguesa como um todo” (MARX; ENGELS, 2008, p. 13-
14).

Serviço Social e trabalho


Serviço Social como um ramo de especialização do trabalho
O nascimento do Serviço Social como uma prática institucional (NETTO, 2001) encontra-se
intimamente ligado à questão social como reflexo da contradição entre as classes no
capitalismo. O Estado, comprometido com a valorização e reprodução do capitalismo
monopolista, insere-se nessa correlação de forças sociais e passa a intervir nas diversas
manifestações da questão social, atendendo aos interesses do grande capital.

O processo de profissionalização do Serviço Social no Brasil na qualidade de ramo de


especialização do trabalho coletivo (BEHRING; SANTOS, 2009) encontra-se vinculado de
forma íntima à emersão da questão social no desenvolvimento do modo de produção
capitalista, em que o operariado, passando a reconhecer sua condição de exploração,
agrega forças na tentativa de superar a sociedade capitalista.

Atenção!
Seja em âmbito nacional ou em escala mundial, o Serviço Social surge de forma estratégica
para tratar a questão social e, dessa forma, conter o movimento operário; ao mesmo tempo,
acaba contribuindo para a reprodução do capital, após a Segunda Guerra Mundial.

Neste momento, queremos questioná-lo: o que significa afirmar o Serviço Social


como um ramo de especialização do trabalho? Isso é algo que vai aparecer de
forma recorrente ao longo da sua formação e experiência profissional.

O Serviço Social é uma profissão legítima e que atua na dinâmica social, enquanto o

assistente social é um trabalhador assalariado que, por meio da sua atuação profissional,

responde às mais variadas problemáticas, sobretudo sociais.

Pensemos numa unidade de Saúde, por exemplo. Lá atuam vários profissionais dos mais
variados campos de estudo e saber, cada um respondendo às dinâmicas próprias de sua
área de atuação. A Medicina tratando das questões de saúde/doença; a Psicologia das
questões emocionais e subjetivas; a Gestão voltada para a parte administrativa e bom
funcionamento da unidade.

O Serviço Social, por sua vez, atua no enfrentamento das questões e problemas
sociais trazidos pelos usuários do serviço. Grosso modo, como um ramo do
trabalho coletivo, ou seja, na qualidade de uma especialização do trabalho, os
assistentes sociais respondem por aquilo que é próprio da sua área: as expressões
da questão social.
Sua resposta deve estar baseada nos seguintes elementos:
O Serviço Social nasce conservador, doutrinário e dogmático, dada a sua forte ligação com
a Igreja Católica e seu traço caritativo e assistencialista no trato da questão social; as
encíclicas papais, o tomismo e o neotomismo são orientadores da Doutrina Social da Igreja
Católica e, portanto, influenciam a emergência da profissão; a profissionalização do Serviço
Social é estratégica por parte do Estado, que reconhece a forte ligação da profissão com a
questão social, com objetivo de tecnificar um trabalho que já existia e era feito junto à
Igreja; a profissionalização do Serviço Social não marca um distanciamento ou ruptura com
a Igreja, mas sim uma intenção de tecnificar a profissão; a crítica que se faz na reflexão não
é voltada para a Igreja Católica em si, inclusive é reconhecida a sua importância histórica na
emergência do Serviço Social, mas essa instituição, naquele momento histórico, não
oferecia condições para desvelar as contradições próprias do capitalismo.

Agora que você tem leitura sobre o processo de surgimento e profissionalização do


Serviço Social, suas influências e perspectivas, é necessário compreender qual a
configuração da questão social na atualidade e as formas que tem se buscado para
enfrentá-la, pois isso implica pensar diretamente o Serviço Social.

Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você


acabou de estudar.

Exercício profissional dos assistentes sociais a partir dos anos 1990


Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

“Assim, se as forma de ajuda (caridade ou filantropia) vão caracterizar certas respostas às


refrações da ‘questão social’ que, institucionalizadas, qualificadas e organizadas, serão
agora (no monopolismo) desenvolvidas fundamentalmente pela profissão do Serviço Social,
no entanto, não se pode ignorar a substantiva diferença nos papéis e significados sociais,
na funcionalidade, na base de sustentação e, portanto, na legitimidade entre a
caridade/filantropia e a profissão de Serviço Social: um trabalhador assalariado, recrutado
pelo Estado (e órgão da classe hegemônica) para executar políticas sociais como respostas
oficiais às refrações da ‘questão social’, de forma tal de mediar os interesses das classes
subalternas, diminuindo conflitos e favorecendo a acumulação capitalista” (MONTAÑO,
2007, p. 69).

A partir da referência lida, e com base nas suas compreensões sobre o surgimento e
profissionalização do Serviço Social, assinale a alternativa correta.

A O Serviço Social, no seu surgimento, possui ligação íntima e histórica com a Igreja
Católica, atuando por meio de práticas benemerentes e de caridade para mediar o conflito
entre as classes sociais e transformar a realidade e a condição de vida dos operários.

B O Serviço Social, na sua gênese, pode ser considerado conservador, tradicional,


doutrinário e dogmático, dada sua ligação direta com a Doutrina Social do Estado.
C Na gênese do Serviço Social, a caridade e a filantropia são traços que o constituem, pela
vinculação histórica da profissão com a Doutrina Social da Igreja, que via nas expressões da
questão social a necessidade de uma reforma moral, e não problemas fruto do conflito entre
as desigualdades de classes.

D As encíclicas papais Rerum Novarum e Quadragesimo Anno orientavam a superação do


capitalismo, pois reconheciam que é um sistema dotado de desigualdades e exploração.

E As primeiras escolas de Serviço Social datam da década de 1930, marcando a


profissionalização e a separação da profissão da Igreja Católica.

Questão 2

O Serviço Social se profissionaliza com uma base contraditória: devendo atender aos
interesses dos seus empregadores, mas tendo sua atuação profissional voltada para a
classe trabalhadora que vivenciava a questão social. Com base nesse entendimento,
marque a alternativa correta.

A Há uma ampliação dos postos de trabalho profissionais, proporcionando o


desenvolvimento de uma perspectiva crítica e revolucionária.

B Permite aos assistentes sociais desenvolverem uma perspectiva emancipadora e de


superação do conflito entre as classes sociais.

C Como trabalhadores assalariados, contratados pelo Estado, que atendia aos interesses da
burguesia, os assistentes sociais acabavam reproduzindo o status quo.

D O tecnicismo norte-americano, ao influenciar o Serviço Social brasileiro, proporciona à


profissão romper plenamente com a base doutrinaria da Igreja Católica.

E O Estado, comprometido com a valorização do capital por meio das classes dominantes,
propõe a superação do conflito entre as classes, mediante a socialização igual da riqueza
socialmente produzida.

3 - O Século XXI e as expressões da questão social


Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de identificar a questão social na atualidade e
seus impactos no Serviço Social.

As transformações sociais e a questão social


Entendendo as transformações sociais
Nos dias atuais, as expressões da questão social estão cada vez mais complexas e
dinâmicas. No tempo presente, podemos exemplificar algumas das suas formas de
manifestação mais comuns de serem identificadas no cotidiano, tais como
violência, seja doméstica ou de gênero, desemprego, falta de acesso da população
aos serviços de saúde, miséria. Todas essas desigualdades são históricas,
entretanto, têm cada vez mais se complexificado.
A esse respeito, Pastorini afirma o seguinte:
“Nos últimos anos percebe-se um aumento nas taxas de desemprego (principalmente no
ramo da indústria) e crescimento da precariedade das condições de emprego, questões
diretamente vinculadas à regressão dos direitos sociais, bem como ausência de proteção e
enfraquecimento da expressão sindical dos trabalhadores. A redução crescente do
emprego industrial e, em decorrência, o aumento da desproteção de amplos setores,
acompanhados do aumento da pobreza, levam alguns autores a afirmar que a questão
social a partir de então passa a ser outra, tornando-se diferente daquela que emergiu no
século XIX; esta ‘nova questão social’ seria uma consequência da revolução tecnológica que
deixaria para trás um modelo industrial para adentrar numa sociedade ‘pós-industrial’ ou
‘pós-trabalho’.”

As últimas décadas do século XX foram marcadas pelo avanço do projeto


neoliberal. Trata-se da retração do lugar do Estado no tocante a políticas e direitos
sociais, voltando-se marcadamente para o setor econômico. Em síntese, é um
Estado mínimo para o social e máximo para o econômico.
É inegável que isso vai afetar a condição de vida e trabalho da população, em
especial, da classe trabalhadora, fazendo com que os problemas sociais fiquem
ainda mais complexos de serem enfrentados.
Desse modo, o discurso e a investida na privatização ganham cada vez mais força,
um exemplo disso está na política de saúde. Certamente, você já ouviu alguém
dizer:
“O que é público não presta! As pessoas morrem esperando atendimento nos
serviços de saúde!”
Decorrente disso, o que tivemos nos últimos anos foi uma verdadeira explosão de planos de
saúde e, consequentemente, a privatização desses serviços.

A problemática é justamente esta: quando há um crescente aumento nos preços dos


alimentos, da gasolina, do gás de cozinha, tornando cada vez mais difícil a sobrevivência
das famílias, como acessar planos de saúde privados?

Esse panorama é para você entender como a questão social é complexa de ser enfrentada.

Seguimos ainda no âmbito da saúde, mas fazendo outro recorte: diante da


pandemia da covid-19, todos os países ao redor do mundo tiveram que buscar
estratégias diversas para enfrentá-la com base, inclusive, nas suas condições
econômicas.
No Brasil, uma das ferramentas do governo foi investir num auxílio emergencial, cujo
acesso se fazia mediante o preenchimento de vários critérios, sobretudo
socioeconômicos. Mas com o fechamento dos postos de trabalho diante da
pandemia, sem renda e sem conseguir acessar o auxílio que, mesmo tendo sido
prorrogado, tinha um prazo de validade, houve um agravamento na condição de
pobreza de inúmeras famílias brasileiras, além do número gritante de mortes.

Brasil contemporâneo
Mudanças na realidade brasileira
Com base nas questões abordadas, não se pode negar que a sociedade brasileira vem
passando por profundas transformações em todas as suas esferas. Acompanhe o
raciocínio!
• Por um lado, o discurso do governo federal sinaliza que estamos encontrando
novamente os trilhos do desenvolvimento e do crescimento econômico. Além
de índices econômicos, apresenta obras de infraestrutura em estradas,
ampliação de acordos internacionais e transformações profundas em
ministérios ou secretarias, como Educação, Direitos Humanos, Cultura.

• Por outro lado, a mídia sinaliza que as mudanças pelas quais estamos
passando não são tão harmoniosas como apregoa a narrativa
governamental. Esses veículos apresentam que o desemprego estrutural
cresce em escala assustadora, os índices de violência nas suas mais
variadas formas de expressão seguem também em aumento, as reformas —
trabalhista e previdenciária — vêm pondo em xeque os direitos sociais da
classe trabalhadora, além da propagação e banalização dos discursos de
ódio, manifestos por diferenças políticas.
Em um cenário como esse, é fundamental termos condições para análises
profundas e, a partir daí, buscar entender a complexidade da realidade social
brasileira.
Quando há o acirramento das desigualdades sociais, as relações de trabalho
transformam-se de forma acelerada e se evidencia uma profunda contradição. Veja!
De um lado, encontramos um discurso que afirma que os sujeitos são empreendedores, ou
seja, podem produzir e comercializar os seus próprios negócios, desobrigando a maquinaria
estatal de uma das suas principais funções — regular e garantir direitos sociais e
trabalhistas.

De outro, há quem afirma que discursos como esse do empreendedorismo não fazem
perceber tão claramente o aumento agressivo do subemprego e da informalidade.

Vejamos dois exemplos:


O primeiro exemplo é o aumento expressivo de motoristas de aplicativo nos últimos
anos, seja nas capitais ou nas cidades do interior. Sem ter acesso ao emprego
formal e como forma de complementar ou ter uma renda, essa foi a saída
encontrada.
A crítica aqui não é aos aplicativos ou motoristas, mas sim à desproteção do ponto
de vista do trabalho e ao fato de o chamado “mundo do trabalho” não conseguir
absorver todas as pessoas.
Há alguns anos, nos transportes coletivos, era comum que tivesse um motorista e
um cobrador. Hoje, os motoristas têm feito as duas funções: dirigir e receber ou
cobrar as passagens.
O que se tem disso é a redução de postos de trabalho, além da exposição de
motoristas e usuários do transporte público ao risco.
Com base nessa revisão teórica e nos exemplos apresentados, é preciso que fique
bastante claro que a esfera social vem sendo amplamente afetada nos últimos
anos, comprometendo a condição de vida e trabalho da população, que se encontra
cada vez mais desprotegida e vulnerável.

As políticas sociais vêm ficando cada vez mais restritas, seletivas e focalizadas. Há uma

regressão dos direitos sociais conseguidos pelos trabalhadores por meio das suas lutas

sociais.

É inegável que as atuais transformações pelas quais vêm passando as sociedades,


seja nos países de capitalismo central ou periférico, diante da crise contemporânea
do capital, provocam fortes desdobramentos tanto na forma de organização política
como nas condições de vida e trabalho da classe trabalhadora.
Há cada vez mais concentração e acumulação de riqueza por parte dos donos dos meios de
produção, enquanto há uma ampliação do desemprego, da precarização das condições de
trabalho e cada vez mais agudizamento da pobreza (MOTA, 2009).

Realidade social e Serviço Social


Desdobramentos atuais da questão social para o Serviço Social
Convém então perguntar: isso afeta o Serviço Social de alguma maneira?

Se a questão social vem se modificando, e é nas suas expressões que atuam os assistentes

sociais, é inegável que todo esse cenário traz impactos diretos para a categoria

profissional.

A fim de situar o Serviço Social no contexto da contemporaneidade, momento


histórico marcado por transição (GUERRA, 2009), é preciso que haja investimento na
compreensão da lógica do sistema capitalista, das suas contradições internas, das
crises pelas quais vem passando e da sua necessidade de revolucionar a todo
instante suas bases materiais e ideológicas.
Para isso, o capital se utiliza da criação de profissões que tenham funcionalidade
para seu sistema, de forma que sejam refuncionalizadas e requalificadas para que
atendam ao padrão burguês. Trata-se então da inscrição de profissões que atendam
aos objetivos de acumulação/valorização do capital.

Saiba mais
No contexto brasileiro, de acordo com Antunes (2000), a partir da segunda metade do
século XX, especificamente a partir dos anos de 1990, houve modificações substantivas
nas condições de exercício profissional dos assistentes sociais.
Os rebatimentos sobre os processos de trabalho se deram de forma geral, manifestos
especificamente em alguns aspectos, a saber: a incorporação de novas tecnologias,
alterações organizacionais e aceleração dos ritmos de trabalho, o que implicou o aumento
das taxas de desemprego, subemprego, terceirizações e contratos precários e sazonais,
entre outras.

Exercício profissional dos assistentes sociais a partir dos anos 1990


O especialista Dennis Novaes faz a seguir um panorama do contexto histórico, a
partir nos anos 1990 no Brasil, que trouxe modificações no exercício profissional
dos assistentes sociais. Confira!
Esse entendimento do autor fica muito visível no contexto das prefeituras, ao
criarem contratos com tempo determinado para os assistentes sociais, o que acaba
por não gerar direitos para os profissionais, além do sentimento de instabilidade,
medo, incerteza e até adoecimento. No entanto, dado o atual cenário das relações
de trabalho que já exploramos, os profissionais acabam inserindo-se nessas
relações.
O Serviço Social (IAMAMOTO; CARVALHO, 2006) é uma instituição que integra a
organização da sociedade e isso é uma realidade irrefutável. As condições para o
exercício profissional, por sua vez, são uma concretização do formato dinâmico das
relações sociais vigentes na sociedade, a partir de determinados cenários
históricos.
Dessa forma, a atuação dos assistentes sociais está mediada e polarizada na
relação dinâmica entre as classes sociais, havendo tendência de ser cooptada por
parte daqueles que possuem posição dominante.

Comentário
Nesse confronto de interesses antagônicos, o Serviço Social acaba respondendo tanto às
demandas do capital como às do trabalho, participa tanto do processo de exploração como,
paralelamente e pela mesma atividade, das condições de sobrevivência da classe
trabalhadora.

Marxismo e Serviço Social


Questão social sob a ótica marxista
Dada a orientação teórica marxista hegemônica na profissão, o Serviço Social
compreende e apreende as contradições sociais inerentes à sociabilidade burguesa,
por isso, se vê confrontado e tensionado em todas as suas esferas constitutivas —
da formação profissional, ética, política e interventiva.
Nas últimas décadas, esses tensionamentos vêm se agudizando cada vez mais,
diante do acirramento dessas contradições sociais com a consolidação do projeto
neoliberal de sociedade, das crises do capital cada vez mais rápidas, que interferem
diretamente em todos os setores da vida social, sobretudo no mundo do trabalho e
nas políticas e direitos sociais.
O Serviço Social, como profissão de natureza eminentemente interventiva nas
relações e na sociabilidade capitalista, marcada por contradições sociais, deve
responder às demandas que lhe chegam nos espaços sócio-ocupacionais em que
se insere.

Orientação teórica marxista


“A política de Assistência Social brasileira tem sido chamada, na
contemporaneidade, a administrar a pobreza, numa espécie de gestão da questão
social, sob a cantinela de um discurso de cunho ‘humanitário’. Conceitos como
exclusão, vulnerabilidade e risco sociais são o foco dessa política social pública,
que foi assim constituída há trinta anos com a promulgação da constituição cidadã,
em 1988. O ardil dessa política pode ser explicado a partir dos desdobramentos que
o capital tem realizado para se reinventar e permanecer em pleno desenvolvimento.
Em outros termos, a ação astuciosa exigida da política de Assistência Social frente
ao contexto de aviltamento das expressões da questão social é resultante de um
novo momento de reação burguesa frente à crise estrutural do capital, o qual é
compreendido pelos estudiosos críticos como social-liberalismo, a segunda fase do
neoliberalismo” (SANTOS; JACOME; CARVALHO, 2018, p. 1-2).
Assim como os demais campos do trabalho coletivo, que a partir de suas orientações
teórico-metodológicas e interventivas situam-se e intervêm no que lhes compete, nesse
campo das contradições capitalistas, a profissão se confronta com limites, tensões e
possibilidades de agência no seu fazer profissional.

Esses limites foram possíveis a partir dos anos 2000 no Brasil, com os chamados
governos neodesenvolvimentistas. Durante tais governos, houve uma tentativa de
estabelecimento de uma aliança entre os grupos e camadas populares e o
capitalismo.
É inegável que houve um processo de ampliação da esfera social, mediante
programas, políticas e projetos sociais com grande nível de abrangência e
ampliação. No entanto, investir no social fazendo aliança com o sistema dominante
é algo complexo.
Sua resposta deve estar baseada nos seguintes elementos:

O neoliberalismo retrai o papel do Estado junto ao social, ou seja, é mínimo para o social e
máximo para o econômico; o neoliberalismo e as mudanças no capitalismo com a chamada
reestruturação produtiva, na década de 1970, afetam diretamente o chamado mundo do
trabalho, que fica cada vez mais flexibilizado e precário, e as políticas sociais, que ficam
gradativamente mais restritas, seletivas e focalizadas; se a principal ferramenta de
enfrentamento à questão social atualmente se faz via políticas sociais e estas têm sofrido
mudanças, isso repercute direto no trabalho dos assistentes sociais que, como
trabalhadores assalariados, vivem também os impactos da reestruturação produtiva.

Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você


acabou de estudar.

Exercício profissional dos assistentes sociais a partir dos anos 1990


Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
A questão social vem ficando cada vez mais difícil, exigindo formas mais complexas de
intervenção e trato nas suas expressões. Diante disso, há forte investimento no pensamento
de que se tem atualmente uma nova questão social, mesmo que sua base — o conflito
capital versus trabalho — não tenha sido superado. Um dos campos afetados é o chamado
“mundo do trabalho”. Com base nas suas compreensões até aqui, e tomando este
enunciado como apoio, analise as alternativas abaixo e marque aquela que representa os
desdobramentos das relações de trabalho nos dias atuais.

A Pleno emprego e estabilidade profissional.

B Ampliação dos postos de trabalho e desregulamentação.

C Acumulação flexível e ampliação dos direitos sociais.

D Polivalência das funções de trabalho e ampliação dos direitos.

E Flexibilização e terceirização de contratos e relações de trabalho.

Questão 2

“Estes novos tempos reafirmam, pois, que a acumulação de capital não é parceira da
equidade, não rima com igualdade. Verifica-se o agravamento das múltiplas expressões da
questão social, base sócio histórica da requisição social da profissão. A linguagem de
exaltação do mercado e do consumo, que se presencia na mídia e no governo, corre
paralela ao processo de crescente concentração de renda, de capital e de poder. Nos locais
de trabalho, é possível atestar o crescimento da demanda por serviços sociais, o aumento
da seletividade no âmbito das políticas sociais, a diminuição dos recursos, dos salários, a
imposição de critérios cada vez mais restritivos nas possibilidades da população”
(IAMAMOTO, 2014, p. 18).

Com base na leitura do texto e a partir dos seus entendimentos sobre questão social,
Serviço Social e políticas sociais, analise as alternativas a seguir e marque o item
verdadeiro.

A Os assistentes sociais vivem um momento de estabilidade nas suas relações de trabalho,


sobretudo nos equipamentos públicos e estatais, por meio de contratos de trabalho
permanentes e de longo prazo.

B Os assistentes sociais vêm sendo cada vez mais afetados com as mudanças que se
operam no chamado “mundo do trabalho”, pois são trabalhadores assalariados e vivem
processos como terceirizações, subcontratações e contratos sazonais, além dos impactos
no campo das políticas sociais cada vez mais restritas, seletivas e focalizadas.

C As políticas sociais são cada vez mais restritas, seletivas e universais.

D Há cada vez mais ampliação da esfera social, isso pode ser evidenciado na ampliação
dos programas sociais, com acesso cada vez mais universalizado.

E Existe uma relação íntima entre Serviço Social, questão social e políticas sociais, no
entanto, as mudanças que ocorrem nas expressões da questão social não alteram essa
relação, pois seu enfrentamento deve atender ao projeto neoliberal e à lógica de mercado.

Considerações finais
A formação social de cada sociedade é imprescindível para o entendimento claro da
relação que se estabelece entre a questão social e o Serviço Social como profissão.
As mudanças pelas quais vem passando o capitalismo e a sociedade como um
todo, interferem diretamente nas formas de manifestação das expressões da
questão social e, consequentemente, nas estratégias de intervenção junto a elas.
Os diferentes estágios do capitalismo vão agudizar ou fazer surgir outras
expressões da questão social, o que não significa afirmar que teríamos uma nova
questão social, uma vez que sua raiz — o conflito capital/ trabalho — permanece.
Crer na emergência de uma nova questão social seria negar o processo histórico
que a gesta e, sobretudo desconsiderar a sua raiz que é justamente o conflito entre
as classes sociais. A sociedade vem passando por mudanças em todas as suas
esferas — econômica, política e social de forma muito aligeirada nas últimas
décadas, o que exige que o capital encontre estratégias de manter a sua
reprodução. Disso o que se tem é um verdadeiro acirramento dos problemas
sociais, afetando todo o conjunto da classe trabalhadora que não tem condições de
acesso à riqueza socialmente produzida.
Ouça agora os tópicos mais importantes vistos em nosso estudo!

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