Você está na página 1de 11

Padrão de magreza feminino

Como citar este artigo: Hessel, B. R. C. C. B. A., & Furtado, I. M. C. G.


(2019). A influência do Padrão de Magreza para a Mulher na
contemporaneidade. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, 8(1), 75-85.
doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.2098
Estudo teórico

A influência do padrão de magreza para a mulher na


contemporaneidade
The influence of standard of thinness for woman in the
contemporaneity

Beatriz Ribeiro Cortez Cardozo Barata de Almeida Hessel1,


Izaura Maria Carvalho da Graça Furtado2
Autora para correspondência. Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. ORCID: 0000-0002-1629-3392. bia_hessel@hotmail.com
1

2
Faculdade Social da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil. ORCID: 0000-0001-5740-7010. igfurtado@faculdadesocial.edu.br

RESUMO | A presente investigação apresenta como tema ABSTRACT | The present investigation introduce as central
central o padrão de magreza para a mulher na socieda- theme the standard of thinness for woman in the Brazilian
de brasileira, sendo este o modelo de beleza hegemônico society, what is the main model of beauty to be followed
a ser seguido na contemporaneidade. Tem como objeti- in contemporaneity. Has as aim to understand the social
vo compreender os fatores socioculturais contemporêneos and cultural factors which contributes for the standard
que contribuem para que o padrão de magreza torne-se thinness become a instrument of subjective discipline on the
um instrumento de disciplinarização subjetiva sobre os cor- female gender bodies. The methodology employed was
pos femininos. A metodologia empregada foi a revisão de the narrative literature review, of qualitative stamp and
literatura narrativa, de cunho qualitativo, com análise de thematic content analysis. The results founded referred to
contéudo temática. Os resultados encontraram a maneira the mode of construction of the female gender and how it
como o gênero feminino é construído e como este parti- participates in the social and cultural process of submission
cipa do processo sociocultural de submissão ao ideal de to the ideal of beauty researched. Also was founded that
beleza pesquisado. Também foi encontrado que à mulher to the woman is reserved a place of inferiority compared
é reservado um lugar de inferioridade em relação ao ho- to man and was questioned the health concept toward
mem e foi questionado o conceito de saúde relacionado to the fat body. Besides that, was investigated how the
ao corpo gordo. Além disso, foi investigado como as práti- discursive practices maintain the social place attributed
cas discursivas são mantenedoras do lugar social atribuído to the feminine and the role of hegemonic media in the
ao feminino e o papel da mídia hegemônica na constru- construction and naturalization of the standard of thinness,
ção e naturalização do padrão de magreza, ao utilizar o using the habitus and social representations for this
habitus e as representações sociais para esta finalidade. purpose. In this way, it was concluded that the hegemonic
Deste modo, concluiu-se que a mídia hegemônica contribui media contributes to reaffirmation of the female place of
para a reafirmação do lugar de submissão da mulher e submission and for the imposition of the thinness standard
da imposição do padrão de magreza à ela, por meio do to her, by means of the agencyment of the feminine desires.
agenciamento dos desejos femininos. A alimentação, nes- The feeding act, in this context, becomes restrictive for the
te contexto, torna-se restritiva para que a mulher alcance woman obtain this beauty ideal and for purify yourself
este ideal de beleza e se purifique de seus pecados. Com of your sins. With this study, it is expected to contribute to
este estudo, espera-se contribuir com os estudos de gêne- gender studies, further expanding this area of research.
ro, ampliando ainda mais esta área de pesquisa.
KEYWORDS: Weight control. Woman’s health. Social
PALAVRAS-CHAVE: Controle do peso. Saúde da mulher. representation.
Representação social.

Submetido 04/09/2018, Aceito 22/02/2019, Publicado 11/03/2019


Rev. Psicol. Divers. Saúde, Salvador, 2019 Março;8(1):75-85
Doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.2098 | ISSN: 2317-3394
Padrão de magreza feminino

Introdução O termo Gênero é analisado por Joan Scott (1995)


como uma categoria que é imposta socialmente so-
A temática do trabalho surge com a ampla frequên- bre um corpo, além de ser o local primário onde
cia de notícias e imagens divulgadas pela publici- o poder é articulado e significado, fortalecendo
dade hegemônica na atualidade, que valorizam a as relações de poder do gênero masculino sobre
magreza como ideal de beleza e os sacrifícios exer- o feminino. É também uma categoria de análise
cidos pelas mulheres para encaixar-se neste ideal e pesquisa social a qual não implica em ameaça
de corpo. A mulher pode sentir-se impelida à seguí- ao gênero masculino, já que inclui o feminino mas
-lo, o que se torna uma forte imporsição em seu dia não cede lugar integralmente ao termo “mulheres”.
a dia. Sendo assim, delimita-se como problema de A constituição dos gêneros masculino e feminino
pesquisa quais os fatores socioculturais na contem- ocorre de maneira relacional, onde um interfere na
poraneidade que contribuem para que o padrão construção no outro. Neste trabalho, portanto, gêne-
de magreza torne-se um instrumento de controle ro é conceituado enquanto construção social, históri-
subjetivo sobre a mulher. ca, cultural, política e discursiva.

O presente trabalho considera o contexto em que a Complementando Scott, Judith Butler (2010 como
mulher está inserida e como este influencia sua sub- citado em Sene, 2017) propõe que o gênero mas-
jetividade e comportamentos, colocando enfoque na culino é considerado universal e, portanto, enalte-
constituição social e cultural do padrão de magreza cido diante do gênero feminino, o qual é definido
feminino e buscando compreender como a constru- com base nos regulamentos e normas impostas pe-
ção do gênero feminino ocorre neste contexto. los homens. Por isso, os gêneros se constituem den-
tro das relações de poder e são causados por elas
É proposto como objetivo geral compreender os (Sene, 2017).
fatores socioculturais na contemporaneidade que
tornam o padrão de magreza um instrumento de As representações sociais também influenciam a
controle subjetivo sobre a mulher, enquanto os obje- constituição dos gêneros. Como afirma Lauretis
tivos específicos buscam identificar como o machismo (1994 como citado em Mourão, 2012), o gênero
objetifica o corpo feminino, analisar como a mídia também é definido como representação e como au-
hegemônica influencia a mulher a seguir o ideal de torrepresentação, sendo resultado de tecnologias
corpo magro, e compreender de que modo a cultu- sociais como o cinema e a publicidade, e de discur-
ra ocidental contribui para a submissão da mulher sos e práticas institucionalizadas e do senso comum.
através da validação do padrão de magreza.
Deste modo, as representações sociais são concei-
Importantes conceitos para o conhecimento da te- tuadas no presente estudo de acordo com as de-
mática são abordados, como gênero na perspec- finições de Serge Moscovici (1961/1976 como ci-
tiva sociocultural; habitus, trabalhado por Pierre tado em Moscovici, 2003; 1976 como citado em
Bourdieu (2012), e de que maneira este participa Moscovici, 2003; 1981 como citado em Oliveira
da constituição das Representações Sociais (Jodelet, & Werba, 2013) e Denise Jodelet (2001), como
2001; Moscovici, 2003) acerca do lugar social da o conjunto de conceitos, práticas, ideias e valores
mulher na contemporaneidade. Este é formado por que surgem na vida cotidiana. São conhecimentos
bases patriarcais, machistas e misóginas (Spivak, do senso comum que circulam e se cristalizam por
2010). Também são trazidos os estudos de Joan meio de todos os tipos de relações humanas, atra-
Scott (1995), Simone de Beauvoir (1967) e Judith vés dos discursos, gestos e práticas existentes, sendo
Butler (2016) e como são construídos os lugares so- presente em todos os âmbitos da vida. Originam-se
ciais do discurso, segundo Foucault (2008). Trata, nas relações sociais e as influenciam por meio de
ainda, sobre como a mídia hegemônica utiliza as sua organização e orientação, contribuindo para a
Representações Sociais com o intuito de manter o construção da realidade social, das identidades in-
lugar de submissão da mulher e do padrão de ma- dividuais e sociais, do desenvolvimento das pessoas,
greza reservado à ela (Memória, 2012; Freitas, dos coletivos e das transformações da sociedade.
2002; Almeida, 2015).

Rev. Psicol. Divers. Saúde, Salvador, 2019 Março;8(1):75-85


Doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.2098 | ISSN: 2317-3394

76
Padrão de magreza feminino

A relevância do trabalho justifica-se com as pesqui- Institucional da Ufba (NEIM), sendo utilizadas as
sas realizadas nos bancos de dados, que mostra- palavras-chave seguintes: mulher, construção do
ram que a contituição social do padrão de magre- gênero feminino, padrão de magreza, corpo femi-
za e sua relação com o controle do corpo feminino nino, ideal de beleza, machismo, mídia hegemônica,
ainda não é um tema explorado em quantidade lugar do feminino e objetificação da mulher, cada
considerável, possuindo uma produção acadêmica termo separadamente e em conjunto.
incipiente. Além disso, grande parte dos trabalhos
encontrados apresentavam um maior viés para as Foram encontradas e utilizadas dezeseis obras rela-
patologias relacionadas à magreza, como a ano- cionadas ao tema em questão. O critério de seleção
rexia e a bulimia. A presente pesquisa trata o ideal dos materiais priorizou trabalhos que mais se relacio-
de magreza como uma normatização sobre o corpo naram com os objetivos da pesquisa, bem como bus-
da mulher, procurando elucidar os principais fatores cou enfatizar obras e textos de autoras/es com pa-
socioculturais que contribuem para esse processo. pel fundamental nos estudos de Gênero. Além disso,
Pretende contribuir com uma reflexão crítica quanto foi dada preferência pela leitura reflexiva de obras
ao controle dos corpos da população feminina, bem de autoras mulheres como forma de valorizar o lugar
como o seu sofrimento nesse processo. Assim, o tra- de fala delas sobre o tema em questão. Assim, pro-
balho poderá fortalecer as vertentes feministas, o curou-se estabelecer uma relação entre estas leituras
empoderamento feminino e a autovalorização das e o padrão de corpo da atualidade, relacionando-os
mulheres sobre seus corpos, aceitando-os da manei- à construção social do gênero feminino.
ra que são e questionando este padrão de beleza
que pode gerar danos à sua subjetividade e quali- Na análise de conteúdo (Shaughnessy et al., 2012),
dade de vida. as categorias temáticas delimitaram-se em discus-
sões da literatura sobre o padrão de magreza para
a mulher jovem, a construção sociocultural do gêne-
ro feminino, o machismo como contribuinte para o
Metodologia seguimento deste padrão de beleza, assim como o
papel da mídia hegemônica e do capitalismo para
Para a construção da pesquisa, foi realizada uma o incentivo a este seguimento. A análise do mate-
pesquisa descritiva, de cunho qualitativo e análise rial priorizou obter respostas quanto aos objetivos e
bibliográfica narrativa. A revisão de literatura nar- problema de pesquisa.
rativa (Rother, 2007) permite a constituição de re-
lações com pesquisas já construídas, a formulação
de novas perspectivas sobre o tema e, consequente-
mente, o fortalecimento da área do conhecimento a Resultados e Discussão
qual ela pertence, segundo a Universidade Estadual
Paulista [Unesp] (2015). A partir da leitura dos textos selecionados, é possí-
vel refletir quanto à construção da autoimagem da
Apresenta cunho qualitativo porque foi considera- mulher e de seus processos de subjetivação, no que
da a relação do meio social com o sujeito de pes- concerne à influência social e cultural nos ideais de
quisa, ou seja, a mulher na relação com o padrão beleza. Sobre isso, Pierre Bourdieu (2012) afirma
ideal de corpo. Focou em aspectos qualitativos da que a perspectiva androcêntrica é a visão de mun-
literatura, fazendo uma análise qualitativa do con- do por meio da qual ocorrem a divisão e a clas-
teudo e sintetizando os resultados encontrados sem sificação social dos corpos dos gêneros feminino e
uma análise estatística (Shaughnessy, Zechmeister & masculino. Esta divisão e classificação simbólicas
Zechmeister, 2012). ocorrem a partir de teorias, práticas e socializações
difusas porém permanentes nos grupos sociais e na
Os dados foram coletados em artigos, livros, vídeos, vida cotidiana, instituindo um uso diferencial dos
periódicos e dissertações de mestrado por meio corpos de gêneros tidos como opostos. Isto influencia
do banco de teses e dissertações da Capes e dos a constituição do habitus, que se encarna nos corpos
portais eletrônicos BVS-Psi, SciELO e Repositório e atos dos individuos e os auxiliam a assumir a visão

Rev. Psicol. Divers. Saúde, Salvador, 2019 Março;8(1):75-85


Doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.2098 | ISSN: 2317-3394

77
Padrão de magreza feminino

de mundo androcêntrica, advinda da cultura ma- As mulheres se mantêm em uma perspectiva de inse-
chista e patriarcal. Assim, se constituem as relações gurança corporal, pois elas “existem primeiro pelo,
sociais de dominação do gênero masculino sobre o e para, o olhar dos outros” (Bourdieu, 2012, p. 82).
feminino. É possível que as mulheres introjetem esta verda-
de através das representações sociais e do habitus,
O habitus foi encontrado como um dos fatores socio- reproduzindo-a em seus comportamentos e crenças
culturais que contribuem para a construção do cor- e na relação com outras mulheres, influenciando-as
po da mulher. Ele manifesta-se no corpo e age de negativamente. Elas podem acreditar que são inferio-
maneira automática, sem um agente específico pois res e submissas às vontades e desejos dos homens e
é difuso e se submete às normas sociais já impostas que seus corpos não estão ou serão bonitos o suficien-
e delimitadas de acordo com o princípio androcên- te para agradá-los (Beauvoir, 1967; Bourdieu, 2012).
trico, instaurando lugares, espaços e atividades dis-
tintas às mulheres, de cunho inferior em relação aos Outra questão relevante presente na literatura foi
aspectos delimitados para os homens. a costrução da feminilidade. Simone de Beauvoir
(1967) relata que ela, construída com base nas ex-
O autor afirma que a representação social do corpo pectativas sociais, está intrinsecamente associada
feminino gera influências no olhar do outro e na au- à impotência, docilidade e futilidade, ao enfeitar
toimagem da mulher, tornando-se reações sociais ao o corpo e reprimir a espontaneidade para agir
binarismo feminino e masculino. O indivíduo introjeta com graça, sutileza e encanto. Ser autoconfiante e
a representação, que é construída socialmente, e esta empoderada diminui a feminilidade da mulher e,
irá influenciar seu corpo e comportamentos, que são consequentemente, sua potência de sedução dire-
particulares. Como o habitus é construído no âmbito cionada aos homens. Quanto à espontaneidade,
sociocultural, assim como as representações sociais, percebe-se que esta característica faz referência a
percebe-se que o primeiro participa da construção vários setores da vida cotidiana da mulher, tanto o
do segundo, sendo ambos influenciados pelos pres- comportamental e de suas vestes quanto o próprio
supostos do machismo, patriarcado e androcentrismo alimentar-se, onde muitas delas passam a contro-
que constituem a sociedade na atualidade. lar e agenciar seus desejos, chegando a calcular a
quantidade de calorias de cada refeição consumi-
Consequentemente, os dois fenômenos participam da no intuito de alcançar o ideal da magreza.
da construção da autoimagem dos indivíduos, so-
bretudo das mulheres que seguem o padrão de Complementando Beauvoir (1967), Gayatri
magreza. Bourdieu (2012) ainda elucida os aspec- Chakravorty Spivak (2010), filósofa e feminista in-
tos associados a cada gênero do modelo binário diana, afirma que a mulher possui o lugar de objeto
heteronormativo, onde ao masculino são associados na sociedade atual e não de sujeito, o que é atri-
aspectos de agilidade, agressividade, virilidade, ri- buído aos homens. Mantendo-a neste lugar, como
gidez, atividade e vida pública; entretanto, ao fe- por meio do incentivo e valorização de sua submis-
minino são relacionados aspectos de passividade, são ao padrão de corpo ideal, mantém-se também
cuidado, leveza, vida privada, simpatia, disponibi- o modelo de sociedade patriarcal e machista, com
lidade, receptividade, submissão, discrição, apaga- as relações de poder do gênero masculino sobre
mento e beleza. Sendo assim, o ideal de beleza o feminino prevalecendo. É possível que um dos
está incluído. grandes incômodos sociais gerados pelo movimento
Feminista seja este: possibilitar que as mulheres ocu-
Como os gêneros são construídos de modo relacio- pem um lugar de questionamento social, colocando
nal (Scott, 1995), Bourdieu (2012) afirma que a mu- em risco as relações de dominação dos homens so-
lher é vista como um ser de falta, uma existência ne- bre as mulheres.
gativa porque ela é tudo o que o homem não é, ou
seja, à ela são atribuídas características opostas e Spivak (2010) afirma que é fornecido à existencia
ausentes nos homens, sendo ele um modelo universal feminina o lugar do différend, ou seja, o lugar da
para a elaboração destes aspectos que são asso- inacessibilidade do discurso e da desvalorização
ciados à cada gênero, como afirmou Butler (2016). da perspectiva feminina sobre as questões sociais e

Rev. Psicol. Divers. Saúde, Salvador, 2019 Março;8(1):75-85


Doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.2098 | ISSN: 2317-3394

78
Padrão de magreza feminino

individuais. Portanto, é esperado que a mulher ocupe O discurso é formado por diversas instâncias como
o lugar de submissão às normas sociais e de gênero, a fala, os atos, a escrita, as imagens, as práticas
estabelecidas pela visão de mundo androcêntrica e individuais e sociais e até mesmo as conversas coti-
machista. Por meio das representações sociais e do dianas (Almeida, 2015; USP, 2017). Sendo assim, as
habitus, a mulher passa, mais uma vez, a apreen- imagens da mídia hegemônica participam da rede
der que seu lugar deve ser o da inferioridade, o dos discursos. Para Almeida (2015), o discurso deve
da não-voz e não-escuta. O lugar de objeto, como ser pensado para que haja reflexão em como são
afirma a filósofa. constituídas as representações sociais dos indivíduos.

O conceito de precariedade, de Judith Butler O relevante no discurso é sua forma e não seu con-
(2016), pode ser relacionado ao lugar de inferiori- teúdo. Assim, o mais importante é o lugar de fala do
dade antes mencionado. A precariedade elucida o emissor e não o sentido de seu discurso. Este lugar
lugar da mulher na sociedade atual, sendo definido é o formador das relações de poder entre os indi-
como uma condição social e política a qual determi- víduos pois gera hierarquizações entre eles. O dis-
nadas populações sofrem mais em decorrência de curso também produz verdades e estas participam
redes de apoio social e econômico que são enfra- da qualidade de vida ou da ausência desta para os
quecidas e insuficientes, consequentemente subme- sujeitos (Foucault, 2008).
tendo as mulheres, com mais frequência do que aos
homens, à violências de diversas formas, injúrias e A partir dessa perspectiva, pode-se pensar sobre o
até mesmo morte. lugar do discurso médico na relação com a pessoa
gorda, onde, na maioria das vezes, ela é patologi-
Butler (2016) questiona por que alguns corpos são zada e medicalizada em nome da saúde. Enquanto
mais reconhecidos do que outros na esfera da apa- isso, o médico ocupa o lugar de detentor da verda-
rência, explanando sobre o fato de que as normas de sobre o corpo do outro no contexto social das
sexuais e de gênero delimitam quais corpos serão relações de poder (Foucault, 2008). Estes fatores
ou não legíveis neste contexto. Estas normas são podem contribuir para a valorização do ideal de
construídas no interior da perspectiva patriarcal, magreza na atualidade, contexto no qual o corpo
machista e misógena e delimitadas pelo contexto gordo é relacionado à doenças e a um indesejá-
social, histório e cultural. São expressadas nos cor- vel modo de ser, reiterado pelo discurso médico e
pos e em suas práticas de constituição de gênero pelo senso comum. A forma do discurso pode ser
e de vivências das sexualidades, e as pessoas que compreendida também como o modo de ser, de
não se encaixam nelas, como as que não pertencem se vestir e a representação social que cada sujeito
ao ideal de corpo magro, estão mais susceptíveis possui. Pessoas que têm corpos que se encaixam ao
à sofrerem violências sociais. Há, como exemplo, o ideal de beleza provavelmente têm seus discursos e
fenômeno da gordofobia o qual se configura como verdades validadas com maior frequência por seu
um intenso gerador de sofrimento psíquico e físico meio social do que as pessoas que se diferenciam
na vida de pessoas gordas. deste modelo.

Outro aspecto que merece destaque e relaciona- Também foi encontrado como resultado que a mídia
se com a construção do corpo feminino, exposto na hegemônica é um dos principais meios de produção
literatura, é a discussão sobre as Modalidades de discursos com o objetivo de manter as mulheres
Enunciativas ou do Discurso, de Foucault (2008). no agenciamento de seus desejos e no controle de
Estas delimitam os lugares dos indivíduos que dis- seus corpos para permanecerem dentro do ideal
cursam na rede de poder, sendo eles: quem fala, de corpo valorizado e para que seja possível na-
de onde fala, porque fala e para quem fala. turalizar este modelo de beleza. Além disso, para
O discurso, para o sociólogo, sempre é constituí- preservar os lucros da indústria cosmética. Isso ocor-
do nas relações sociais e, portanto, se relaciona re pois as tentativas em manter-se magra são ro-
aos lugares sociais das mulheres e da mídia hege- deadas por rituais, como dietas, cirurgias plásticas,
mônica na atualidade, a qual valoriza o ideal de excesso de idas à academia para manutenção dos
corpo magro. exercícios físicos, dentre outros métodos.

Rev. Psicol. Divers. Saúde, Salvador, 2019 Março;8(1):75-85


Doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.2098 | ISSN: 2317-3394

79
Padrão de magreza feminino

A autora Memória (2012), analisando o papel da avental e sujas devido ao trabalho doméstico. Já
mídia hegemônica na relação das mulheres com o na década de 1960, com a ascensão do movimento
ideal de beleza vigente, afirma que a publicidade feminista, a mídia hegemônica começou a divulgar
hegemônica na contemporaneidade mostra os va- a imagem feminina sempre limpa com a finalidade
lores sociais existentes e os que surgirão num futuro de mostrar o potencial dos produtos comercializa-
próximo, apresentando às mulheres expectadoras dos que poderiam deixá-la com maior comodidade
modos de sentirem-se felizes, amadas, reconhecidas e praticidade em sua vida diária.
e realizadas. Isso justifica-se pois a mídia associa
a obtenção de determinados produtos cosméticos O movimento Feminista surge com o objetivo de en-
à realização dos desejos femininos, à felicidade, cerrar as relações de poder do gênero masculino
alegria e realização pessoal, como se os produtos sobre o feminino e de promover a igualdade entre
pudessem trazer estas qualidades à vida das mu- ambos, emergindo no mundo ocidental em um pe-
lheres. Busca também favorecer o consumo dos pro- ríodo de diversas denúncias às opressões diárias vi-
dutos divulgados nas imagens publicitárias através venciadas, apresentadas por movimentos libertários
da identificação das mulheres expectadoras com as (Mourão, 2012). Questionou, dentre outros aspec-
modelos, pois a mídia hegemônica traz os valores tos, a construção social dos papeis de gênero e a
culturais nestas imagens e os associa às modelos. submissão feminina ao patriarcado e ao machismo.
Desta maneira, os comportamentos das mulheres A mulher passa a não se interessar mais em aten-
são influenciados pelos atos das modelos devido às der às demandas e expectativas do olhar masculino
representações sociais, que detêm os valores cultu- e sim em atender à suas próprias expectativas, in-
rais divulgados. Isso, consequentemente, participa cluindo sua imagem corporal (Memória, 2012).
do processo de socialização feminina e, portanto, a
identificação é facilitada. Deste modo, a publicidade hegemônica renova a
divulgação da imagem feminina, relacionando-a à
A autora afirma que os corpos fotografados pela realização e ao prazer originados em seu autocuida-
publicidade hegemônica possibilitam a transmissão do, com a utilização de produtos cosméticos de for-
de códigos culturais, habitus da sociedade contem- ma recorrente e com a imposição da beleza que lhe
porânea, tornando-se mecanismos de interação so- segue em todo e qualquer lugar, promovendo culto e
cial e de favorecimento ao surgimento de compor- cuidados contínuos ao corpo, segundo a autora.
tamentos nas expectadoras, como o do consumo.
Ainda, a imagem representa algo que está ausen- Enquanto o movimento Feminista questiona os me-
te no presente. Ela promove e circula as represen- canismos disciplinares sobre a sexualidade e o cor-
tações sociais, condicionando modos de ser e estar po feminino, favorecendo a autonomia das mulhe-
no mundo, possibilitando o surgimento de novas res quanto ao seu próprio corpo (Amaral, 2008),
representações sociais e cristalizando habitus na simultaneamente o mercado capitalista se apropria
conduta social. A mídia hegemônica pode, então, deste discurso para, então, conseguir lucros com o
incentivar as mulheres a seguirem o padrão de aumento do consumo da indústria da beleza, a qual
beleza, já que suas modelos possuem, em grande é relacionada ao autocuidado corporal pela mídia
parte, corpos que se encaixam ao ideal de corpo hegemônica. Surge uma submissão feminina ao pa-
magro da atualidade. drão de beleza imposto pela sociedade, reiterada
pelo habitus e pelas representações sociais divul-
No contexto sociohistórico do surgimento da mídia gadas por esse tipo de publicidade. A mulher pas-
hegemônica, até a década de 1950 as mulheres sa a vivenciar um novo modo de agenciamento dos
buscavam alcançar ao máximo o ideal de beleza seus desejos, sendo exercido por si mesma, e passa
da época, com a intenção de adquirir posição so- a sentir a necessidade em ser e manter-se magra
cial e casamentos, por estarem incluídas em uma para pertencer aos ideais do mercado capitalista
sociedade patriarcal, machista e misógina que in- (Memória, 2012).
fluenciava seu modo de viver. Neste período, a pu-
blicidade midiática se apropriou da imagem e das Este agenciamento é um poder fluido porém danoso
representações sociais femininas, divulgando-as de e controlador em seu dia a dia, e o algoz não possui

Rev. Psicol. Divers. Saúde, Salvador, 2019 Março;8(1):75-85


Doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.2098 | ISSN: 2317-3394

80
Padrão de magreza feminino

um rosto específico, como o do marido (na época Outro resultado encontrado quanto ao padrão de
anterior ao surgimento do Feminismo). O algoz é magreza é o controle feminino sobre a alimentação.
constituído pela mídia hegemônica que aparece em Freitas (2002) afirma que a supervalorização do
todo lugar, de maneira difusa. corpo ideal, pela sociedade como um todo e pelos
indivíduos, relaciona o peso corporal às conquistas
Na atualidade o corpo real é negado e o corpo sociais, impondo que a individualidade do corpo
magro é idealizado, tornando-se um modelo a ser precisa ser cuidada para o mundo. Assim, a expe-
seguido. Para Memória (2012), as imagens da pu- riência subjetiva de viver em um corpo físico volta­
blicidade hegemônica mostram semelhanças entre se às expectativas do olhar universal da sociedade,
os corpos das modelos, sempre magras, com rostos tendo como imposição a satisfação do olhar social e
cuja pele transmite a sensação de ser plástica, sem não da própria mulher. Ela é induzida socialmente,
nenhum tipo de mancha, e com as poses corporais por meio das representações sociais e do habitus
e roupas também parecidas entre si. Isto denota a transmitidos pela mídia hegemônica, a atender às
busca pelo estereótipo da magreza e pelo encai- normas sociais já estabelecidas quanto à sua apa-
xe das mulheres expectadoras e das modelos nos rência, desvinculando-se das possibilidades do seu
ideais de padrão corporal, gerando padronização corpo real e único, numa tentativa em corresponder
e disciplinarização dos corpos femininos. a uma demanda social.

Seguir o estereótipo da magreza resulta no apa- Freitas (2002) afirma que o controle exercido pe-
gamento das singularidades da aparência das mu- las dietas restritivas na contemporaneidade, mesmo
lheres, apagamento este já discutido por Bourdieu sendo uma prática sacrificante, torna-se uma neces-
(2012), e no controle do corpo feminino. Este con- sidade para alcançar o corpo ideal. A mulher passa
trole é expresso no incentivo do consumo de dietas a negligenciar a introdução de alimentos saudáveis
restritivas, no excesso de cirurgias estéticas, de ati- na dieta cotidiana e a privar-se de alimentos em
vidades físicas e no uso de cosméticos da indústria geral para consumir shakes vendidos facilmente
da beleza, gerando submissão e obediência aos em farmácias e divulgados em propagandas, ou
pressupostos do mercado capitalista, que se inte- utilizar-se de inibidores de apetite. Muitas vezes,
ressa por lucros e, a cada dia, elabora métodos podem tornar-se anoréxicas e/ou bulímicas, den-
como estes para atender sua demanda de mercado tre tantos outros transtornos alimentares existentes,
(Memória, 2012). Portanto, são produzidos diversos em nome do ideal de magreza. Nesta perspectiva,
efeitos na vida das mulheres, o que implica em sua considerando que o discurso médico afirma como
qualidade de vida e bem-estar, sobretudo sobre verdade a gordura sendo patogênica, e o discur-
sua percepção de autovalor enquanto uma pessoa so midiático reitera que a magreza traz felicidade,
única e um sujeito social. como as mulheres podem se sentir neste contexto? É
possível compreender como seu bem-estar e quali-
As cobranças pelo corpo ideal feminino permane- dade de vida são dificultados.
cem e são cada vez mais elevadas, e a tecnologia
atua a este favor. Com o intuito de manter o controle A mídia hegemônica vende esta verdade e afirma
dos corpos e subjetividades femininas e as relações que participar do mercado capitalista por meio do
de poder, a mídia hegemônica manipula as imagens corpo extremamente magro fornece uma identida-
publicitárias por meio de tecnologias disponíveis na de sedutora e atrativa à mulher. Para a interpre-
atualidade, como programas de computador que tação social, a magreza transmite uma mensagem
alteram o aspecto físico dos corpos e rostos das de leveza, limpeza e pureza em relação à subje-
modelos para incluí-los na expectativa do ideal de tividade da mulher, como se ela fosse ausente de
beleza. Contribuem também para tornar os corpos pecados. Na contemporaneidade, ser light significa
das modelos semelhantes entre si e excluir qualquer ter uma existência leve e saudável, no que tange
característica que os diferencie ou que seja consi- ao corpo físico, aos alimentos ingeridos e ao estilo
derado um defeito. A mídia hegemônica consegue, de vida diário. Para alcançar uma imagem de ino-
então, mostrar corpos femininos perfeitos, limpos e cência e fragilidade, se distanciando da tensão da
sem defeito algum (Memória, 2012). vida contemporânea, as mulheres buscam a leveza

Rev. Psicol. Divers. Saúde, Salvador, 2019 Março;8(1):75-85


Doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.2098 | ISSN: 2317-3394

81
Padrão de magreza feminino

física como forma de obter a leveza subjetiva, a da mulher estar fornecendo a si mesma mais amor,
limpeza e a ausência do peso de qualquer pecado, valorização e estima. A perfeição funciona como um
como afirma a autora. dos pilares da indústria da beleza, empregada de
forma subliminar nas propagandas e imagens divul-
Esta representação social influencia o significado gadas pela mídia hegemônica. Entretanto, como a
dos corpos, onde a magreza corresponde a uma perfeição é alcançada na publicidade por meio do
existência bela e angelical, pura, indicando bonda- uso de tecnologias, como programas de computa-
de de caráter e sentimentos brandos, enquanto o dor, ela nunca poderá ser alcançada na realidade
corpo gordo recebe um significado oposto para a das mulheres sem estes artifícios. A mídia hegemô-
interpretação social. Por isso, quanto mais magreza nica, então, vende um habitus impossível de ser con-
o corpo expressar, mais será relacionado à quali- seguido na concretude, pois o consumo dos produtos
dades positivas. da indústria da beleza não é suficiente para chegar
à perfeição destas imagens manipuladas digital-
O autocontrole dos corpos femininos se expressa mente (Memória, 2012).
no receio em engordar e na reidentificação e con-
formidade da mulher com o mundo que a segrega Este processo contribui ainda mais para a insegu-
e a padroniza. Essa disciplinarização dos corpos rança corporal das mulheres, e consequentemen-
indica que o corpo magro participa do mercado te, para o estabelecimento da desvalorização de
capitalista, enquanto o corpo gordo, não. Fazer si mesma, já que o amor próprio é relacionado à
parte do mercado capitalista relaciona-se não so- quantidade de perfeição que o corpo feminino con-
mente ao consumo dos produtos da indústria da segue obter e performar.
beleza, mas também ao autovalor da mulher, que
é moldado e influenciado pelos valores e crenças Além disso, os riscos dos procedimentos estéticos são
que constituem as representações sociais, presentes ignorados socialmente. Seus incômodos, dores, efei-
das imagens midiáticas que servem à potenciliza- tos adversos e possíveis deformações decorrentes
ção dos lucros capitalistas. são menosprezados. O pós-operatório das cirur-
gias estéticas, assim como de qualquer outro tipo
Assim, a mulher light cumpre cotidianamente as nor- de intervenção cirúrgica, é extremamente doloroso
mas sociais que disciplinam e padronizam seu corpo, e pode ocasionar problemas futuros se não ocorrer
com o custo de reprimir sua própria vontade sobre da maneira adequada ou se houver complicações
sua alimentação, seu modo de se vestir, sua maneira de saúde. Mesmo assim, a cirurgia estética é bas-
de comportar-se e sua espontaneidade. Portanto, tante incentivada socialmente e pelo discurso médi-
seu modo de ser e existir no mundo que a circunda. co, mais uma vez demonstrando a fragilidade das
Neste contexto, a reflexão feminina quanto à temá- verdades que estes discursos produzem. Isso denota
tica é extremamente necessária: seguir o estilo de relações de poder da medicina (Foucault, 2008), da
vida magro vale realmente os sacrifícios? mídia hegemônica (Memória, 2012) e do capitalis-
mo para com os indivíduos.
Para Freitas (2002), este modo de experienciar a
vida é repressivo e danoso para a mulher. Adequar- Assim, a imposição do corpo perfeito é colocada
se a ele coloca a mulher no lugar de prisioneira, e o em maior parte sobre as mulheres (Freitas, 2002;
mais agravante é que ela se torna prisioneira de si Almeida, 2015). Almeida (2015) relata que os va-
mesma. Portanto, é necessário questionar até quanto lores das representações sociais são transmitidos
ser magra na atualidade corresponde ao ser saudá- para elas nos momentos em que menos se espera,
vel ou a ter uma subjetividade feminina fortalecida. os momentos de lazer, como na leitura de um ro-
mance e no contato com músicas e programas de
Deste modo, o agenciamento dos desejos exercido televisão. Deste modo, as mulheres encontram-se
pelas mulheres foi fortalecido pela indústria cosmé- destituídas de criticidade quando se deparam com
tica, que passou a ter maior poder de influência na os valores sociais empregados e a repetição das
atualidade, organizando rituais obrigatórios de cui- normatizações são interiorizadas como verdades.
dados à beleza a serem cumpridos com a justificativa Esta estratégia da mídia hegemônica dificulta o

Rev. Psicol. Divers. Saúde, Salvador, 2019 Março;8(1):75-85


Doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.2098 | ISSN: 2317-3394

82
Padrão de magreza feminino

enfrentamento das mulheres nestas situações, Também foi encontrado que o lugar de submissão
contribuindo para a naturalização e assimilação feminina instituído socialmente mantém os modos de
destes valores. socialização machistas e patriarcais, impedindo que
a mulher produza discursos validados. O discurso so-
cial naturaliza o padrão de magreza. O discurso do
senso comum, transmitido pela mídia hegemônica, e
Considerações Finais o discurso médico podem medicalizar e patologizar
os corpos destoantes do ideal de magreza, sendo
Por meio da literatura levantada, foi encontrado importante questionar que lugar a saúde ocupa nes-
que o habitus é influenciado pela cultura patriarcal ta perspectiva e se a definição de saúde como au-
e machista, participando da constituição dos aspec- sência de gordura corresponde à realidade.
tos dos gêneros feminino e masculino. Ao masculino
são associadas características como rigidez, ativi- Um importante resultado encontrado foi que a in-
dade e força, enquanto ao feminino são reserva- dústria da beleza, que lucra com o consumo exces-
das a passividade, simpatia, discrição, submissão e sivo de cosméticos, dietas restritivas, academias de
apagamento. A mulher é um sujeito de falta diante exercícios físicos e cirurgias estéticas, transmite as
do homem, pois ela apresenta as características que representações sociais e o habitus por meio das
ele não possui, num contexto em que o homem é con- propagandas e imagens divulgadas pela mídia
siderado o modelo universal de parâmetro para a hegemônica. Portanto, estes fenômenos contribuem
delimitação dos aspectos do gênero feminino. para o seguimento do padrão de magreza pelas
mulheres, o que é ainda mais comprometido pois a
Além disso, o habitus participa das representações mídia hegemônica atua nos momentos femininos de
sociais e fortalece as relações de poder dos homens lazer. Isso dificulta que a mulher utilize seu senso
sobre as mulheres. Consequentemente, à mulher é crítico, por serem momentos onde não se espera
reservado o lugar social de submissão, em compa- precisar fazê-lo.
ração ao lugar social do homem.
A mídia hegemônica utiliza as representações so-
O padrão de magreza surge num contexto de mu- ciais para criar uma identificação das modelos mos-
dança de perspectiva social, no qual antes a mulher tradas com as mulheres expectadoras. As mulheres,
se submetia às expectativas do olhar masculino e, então, tornam-se potencialmente maiores consumi-
após o surgimento do movimento Feminista na dé- doras dos produtos divulgados neste tipo de mídia.
cada de 1960, passa a não agir mais deste modo. O mercado capitalista lucra com a manipulação da
Contudo, surge um poder fluido de agenciamento subjetividade feminina, associando autoestima e au-
de seus desejos, incentivado pelo mercado capitalis- tovalorização à quantidade de consumo dos produ-
ta. Um poder exercido sobre si mesma e sobre suas tos da indústria da beleza.
práticas corporais de alimentação, que se torna res-
tritiva e light, e incentiva o excesso de atividades Sendo assim, o problema e objetivos da presente
físicas e de cirurgias plásticas, negligenciando os pesquisa foram respondidos de forma satisfatória.
riscos do pós-operatório destas. A saúde passa a ser um conceito aqui questionado,
pois patologizar o corpo gordo apenas por com-
Neste contexto, o autocontrole sobre seu próprio pará-lo com o corpo magro termina por ser injusto.
corpo torna-se claro e a disciplinarização e padro- Considera-se a importância da despatologização
nização dos corpos femininos também. Distanciar-se do corpo gordo e a valorização dos corpos, inde-
do ideal de beleza magro recebe a interpretação pendente da forma que possuem, pois um corpo
social e médica de se estar doente caso torne-se saudável é o que possibilita a liberdade de esco-
gorda, ou fora do mercado de consumo, podendo lher e vivenciar as experiências pessoais e sociais
fazer com que a mulher se sinta insegura quanto a com qualidade.
sua imagem corporal.

Rev. Psicol. Divers. Saúde, Salvador, 2019 Março;8(1):75-85


Doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.2098 | ISSN: 2317-3394

83
Padrão de magreza feminino

Foi evidenciado o quanto a mídia hegemônica se Amaral, M. (2008). O Fenômeno do Culto ao Corpo Moderno
utiliza do lugar socialmente atribuído à mulher no e a Magreza como Símbolo de Beleza: estudo sobre
o movimento “Pró-Ana” no Brasil. Congresso Português
intuito de produzir lucros, já que a indústria da bele- de Sociologia, Lisboa, Portugal. 6. Recuperado de
za direciona seus produtos para o público feminino http://historico.aps.pt/vicongresso/pdfs/242.pdf
por saber que as mulheres sentirão necessidade em
comprá-los para se adequarem ao ideal de beleza, Beauvoir, S. (1967). O Segundo Sexo II: a experiência vivida
o que faz parte do agenciamento dos desejos. (2a ed.). São Paulo: Difusão Européia do Livro.

Bourdieu, P. (2012). A dominação masculina (11a ed.). Rio de


As limitações encontradas constaram não ser pos- Janeiro: Bertrand Brasil.
sível investigar, devido ao recorte metodológico,
questões encontradas na literatura pesquisada como Butler, J. (2016). Corpos que ainda importam. In: L. Colling
os conceitos de violência simbólica, trabalhado por (Org.). Dissidências Sexuais e de Gênero. Salvador:
EDUFBA.
Pierre Bourdieu, e biopoder e biopolítica, trazidos
por Michel Foucault. Pesquisas futuras podem utili- Foucault, M. (2008). A Arqueologia do Saber (7a ed.). Rio de
zá-los, relacionando-os à temática do padrão de Janeiro: Forense Universitária.
magreza. Como o estudo limitou-se a uma análise
da literatura, sugere-se que pesquisas futuras reali- Freitas, M. C. S. (2002). Mulher Light: Corpo, Dieta e
Repressão. In: S. L. Ferreira, & E. R. Nascimento
zem um trabalho de campo com as mulheres quanto (Org.). Imagens da Mulher na Cultura Contemporânea.
a esta temática, já que as contribuições de pesqui- Salvador: NEIM/UFBA.
sas sobre este assunto não devem se encerrar aqui.
Jodelet, D. (2001). As Representações Sociais. Rio de Janeiro:
A presente pesquisa pretende contribuir com a re- Ed. UERJ.
flexão feminina sobre o tema, contribuindo para a Memória, P. R. F. (2012). A Imagem da Mulher na Moda: uma
qualidade de vida das mulheres, e com a lacuna análise das representações dos corpos femininos nas
científica encontrada, enriquecendo os estudos so- fotografias publicitárias da marca Dolce & Gabbana
bre gênero e psicologia. (Dissertação de mestrado). Universidade Federal
do Ceará, Instituto de Cultura e Arte, Programa de
Pós-Graduação em Comunicação, Fortaleza, CE,
Brasil. Recuperado de http://www.repositorio.ufc.br/
bitstream/riufc/7865/1/2012-DIS-PRFMEMORIA.pdf
Contribuições dos autores
Moscovici, S. (2003). Representações Sociais: investigações em
Hessel, B. R. C. C. B. A. participou da concepção, delineamento, psicologia social (4a ed.). Petrópoles: Vozes.
busca e análise dos dados da pesquisa, interpretação dos resultados
e redação do artigo científico. Furtado, I. M. C. G. participou da
Mourão, J. S. (2012). Antinomias do feminino: gênero e
concepção, delineamento e busca dos dados da pesquisa.
ficção em Ressuscitados e Ô de casa! (Dissertação
de mestrado). Universidade Federal do Acre,
Conflitos de interesses Departamento de Letras: Linguagem e Identidade,
Centro de Educação, Letras e Artes, Rio Branco, AC,
Nenhum conflito financeiro, legal ou político envolvendo terceiros Brasil. Recuperado de https://drive.google.com/
(governo, empresas e fundações privadas, etc.) foi declarado para file/d/0B7JFZNJF-Pw0WHlBMzBzby1RQS10QVQ1O
nenhum aspecto do trabalho submetido (incluindo mas não limitando-
WtqTy0xQQ/view
se a subvenções e financiamentos, conselho consultivo, desenho de
estudo, preparação de manuscrito, análise estatística, etc.).
Oliveira, F. O., & Werba, G. C. (2013). Representações
Sociais. In: Strey, M. N. et al. (Org.). Psicologia Social
Contemporânea. Petrópoles: Vozes.

Referências Rother, E. T. (2007). Revisão Sistemática X Revisão Narrativa.


Acta Paul Enferm. 20(2),1-2. doi: 10.1590/S0103-
21002007000200001
Almeida, A. (2015). Velhas Histórias, Novas Leituras: a
bela do século XXI. In: A. Almeida, & I. Alves. (Org.).
Scott, J. (1995). Gênero: Uma categoria útil de análise
Mulheres em Seriados: configurações. Salvador:
histórica. Educação & Realidade, 20(2), 71-99.
EDUFBA/NEIM/CNPq.

Rev. Psicol. Divers. Saúde, Salvador, 2019 Março;8(1):75-85


Doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.2098 | ISSN: 2317-3394

84
Padrão de magreza feminino

Sene, R. A. R. (2017). Identidades de Raça, de Gênero


e de Sexualidade nas Aulas de Língua Inglesa na
Visão das/os Estudantes (Dissertação de mestrado).
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Programa
de Pós Graduação em Letras, Estudos da Linguagem,
Ponta Grossa, PR, Brasil. Recuperado de http://tede2.
uepg.br/jspui/bitstream/prefix/1488/1/Rosana%20
Aparecida%20Ribeiro%20Sene.pdf

Spivak, G. C. (2010). Pode o Subalterno Falar? Belo


Horizonte: Editora UFMG.

Shaughnessy, J. J., Zechmeister, E. B., & Zechmeister, J. S.


(2012). Metodologia de pesquisa em psicologia (9a
ed.). Porto Alegre: AMGH.

Teixeira, J. M. (2017). Aula 01: Arqueologia do Saber/


Michel Foucault [YouTube]. Recuperado de https://
www.youtube.com/watch?v=qxPmOJW9AmQ

Universidade Estadual Paulista, Biblioteca Prof Paulo de


Carvalho Mattos (2015). Manual Tipos de Revisão
de Literatura [Internet]. Recuperado de http://www.
fca.unesp.br/Home/Biblioteca/tipos-de-evisao-de-
literatura.pdf

Rev. Psicol. Divers. Saúde, Salvador, 2019 Março;8(1):75-85


Doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.2098 | ISSN: 2317-3394

85

Você também pode gostar