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http://dx.doi.org/10.1590/1981-

Velhice e beleza corporal das idosas: conversa entre mulheres

Old age and physical beauty among elderly women: a conversation between women

Th
Marilene Ro
Silvana Al

Resumo
A preocupação com o cuidado corporal, com a imagem e a estética enquanto beleza,
desperta o interesse alentado nas pessoas. Objetivando descobrir a percepção das
mulheres idosas sobre a beleza corporal e o seu significado na velhice, realizou-se um
estudo exploratório descritivo de abordagem qualitativa com um grupo de sexagenárias.
O procedimento de coleta e análise dos dados utilizou o método focal. Os resultados
indicam que as sexagenárias, mesmo vivendo em diferentes realidades socioculturais, Palavras-ch
reconhecem a beleza pautada nos padrões sociais. Estabelecem também um juízo de Feminino. C
gosto no que julgam agradável de ver, sentir e observar. A experiência estética sobre si Beleza.

revela uma dualidade de imagens apreciadas e depreciadas, e a beleza na velhice significa


saúde e cuidado de si e de suas relações. Os resultados oferecem indícios aos profissionais
de saúde quanto à estruturação dos planos terapêuticos e às ações educativas focadas no
processo de envelhecimento, particularmente na dimensão feminina.

Abstract
The concern with body care, image, and aesthetics in the context of ideals of beauty is

a subject of great interest to people. A descriptive exploratory study with a qualitative


approach was carried out with a group of 60-year-old women, aiming to discover their
perception of physical beauty and the meaning addressed to it in old age. The focus
p p p y y g g
group method was used in data collection and analysis. The results indicated that
60-year-old women recognize beauty based on social standards, even if they are from Keywords:
different sociocultural realities. They establish a judgment of taste based on what they Body. Old A
perceive as pleasant to see, feel, and observe. The aesthetic experience of an individual
reveals a duality of images that are appreciated and depreciated, while beauty in old age
means caring for oneself and one’s relationships. The results offer evidence for health
professionals in the structuring of therapeutic plans and educational actions focused on
the aging process, especially in a female context.

1 Universidade de Passo Fundo (UPF), Faculdade de Medicina. Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil.
2 Universidade de Passo Fundo (UPF), Instituto de Ciências Biológicas. Passo Fundo, Rio Grande do Sul,
Brasil.
3 Universidade de Passo Fundo (UPF), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Passo Fundo, Rio
Grande do Sul, Brasil.

Correspondência/ Correspondence
Marilene Rodrigues Portella
E-mail: portella@upf.br

Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., Rio de Janeiro, 2017; 20(1): 77-87

INTRODUÇÃO Para os profissionais de saúde, tra


tais questões é algo desafiador e nece
A beleza corporal, desde os primórdios das vez que essa temática, nas questões d
civilizações, é almejada pelos seres humanos, saúde da mulher, pode passar do desíg
em especial pelas mulheres. Entretanto, o que enquanto algo saudável e recomendáv
era considerado belo em décadas passadas não patológico, exigindo intervenção méd
necessariamente o é na atualidade. Os corpos robustos
78 e formas volumosas, que foram contempladas e A aparência pode repercutir fort
retratadas por grandes artistas no passado, hoje qualidade de vida, na autoestima e no
são admirados pelo valor da obra de arte, mas não das mulheres jovens e de meia-idade e
como referência de beleza corporal para as mulheres da vida. Entretanto, partindo-se do q
contemporâneas. sobre a percepção que as mulheres id
da beleza corporal pautou-se a pergun
Atualmente, as mulheres são confrontadas com do estudo: “que significado elas atrib
imagens que glorificam a jovialidade e o enaltecimento corporal na velhice?”. Nos campos d
da magreza 1,2 . Os padrões que definem a beleza são gerontologia é importante para os pro
variados entre as civilizações, as culturas, o momento saúde conhecer as respostas, pois medid
histórico e os costumes de cada povo 1,3 . Todavia, a e de promoção da saúde podem ser a
busca pela beleza persiste, ultrapassa gerações e sofre estudos dessa natureza. Assim, o estu
grande influência dos padrões estéticos em que estão objetivo descrever o significado de be

inseridos. Assim, as concepções de beleza seguem na velhice na percepção de descobrir


alinhadas ao modo como a sociedade se comporta que as mulheres idosas têm sobre a b
em relação aos padrões estéticos4-6 .Adotando a leitura além de analisar e descrever o signific
d Jim z7 br téti p ã k ti t ib àb l l lhi
de Jimenez7 sobre a estética na concepção kantiana, atribuem à beleza corporal na velhice
observa-se que a sociedade julga a beleza pelo juízo
impuro, pois atribui um conceito de perfeição
balizado nos valores socioculturais do momento. MÉTODO
O tema corpo e velhiceinstiga o desenvolvimento de Trata-se de um estudo exploratóri
várias pesquisas. Alguns autores abordam o significado abordagem qualitativa. Compuseram
do corpo na velhice quando as transformações mulheres com idade entre 60 e 69 ano
corporais, vindas com o envelhecimento, se desviam diferentes níveis de escolaridade e so
dos padrões de beleza vigentes na sociedade4-6 . Outros residentes numa cidade do interior do
discutem como viver o envelhecimento numa sociedade do Rio Grande do Sul. As participa
que cultua valores como a beleza do corpo e o mito pela distribuídas em dois grupos. O prim
eterna juventude 6,8 , ao mesmo tempo em que parecem composto por cinco mulheres com e
evitar a experiência de velhice enquanto fase de maior 12 anos ou mais de estudo e renda su
proximidade da morte e decrepitude do corpo4,5. salários mínimos , residentes na zona
frequentadoras de um programa nos m
Além dos aspectos culturais e sociais, verifica-se universidade aberta para a terceira ida
que a idade e os fatores socioeconômicos também a uma universidade. O segundo (GF2
estão associados à insatisfação do corpo, porém de cinco mulheres com escolaridade
podem agir de forma inversa. Mulheres mais velhas de estudo e renda de um salário mínim
podem experimentar menos insatisfação com o na periferia urbana, integrantes de u
corpo em virtude da sua maturidade, do acúmulo convivência de idosos.
de experiências e de uma autoestima positiva9 .Deste
modo, a insatisfação com o corpo pode diminuir à A delimitação do número de pa
medida que o envelhecimento é acompanhado por deu-se em razão do delineamento do
uma mudança de prioridades, como ressaltam os critérios de inclusão: faixa etária, part
autores, a saúde e a afirmação da sua identidade se projetos direcionados à terceira idade
tornam mais importantes do que a aparência. níveis escolares e socioeconômicos. O

método do grupo focal (GF), por entender que de exercício imaginário eu diante do esp
essa técnica busca capturar formas de linguagem, foram convidadas a fazer um “instan
expressões e tipos de comentários de determinado fechando os olhos e se imaginando dia
segmento, alcançar níveis crescentes de compreensão Passados alguns minutos, na sequênc
e aprofundamento de um tema a partir de debates pergunta: O que o espelho mostrou?No úl
focados em assuntos específicos 10 . Para compor o apresentou-se a síntese dos encontro
GF, inicialmente foi apresentado o projeto para procedeu-se a validação dos dados. E
os respectivos coordenadores; posteriormente foi de desenvolvimento das sessões acon

estendido o convite aos grupos em momentos ambos os contextos selecionados.


distintos, ocasião em que foi apresentada a proposta
de pesquisa com vistas a seleção das participantes. Foram realizados três encontros c
E b é i d GF d í i média de 90 minutos cada um Para
Embora a técnica de GF recomende um mínimo média de 90 minutos cada um. Para
de seis componentes, neste estudo, cada GF foi identidade e anonimato, no início da p
composto por apenas cinco, porque a adesão na foram distribuídos crachás com codin
pesquisa no cenário que deu origem ao GF1 foi de
Para a análise e interpretação d
apenas cinco mulheres, o que levou as pesquisadoras
foi considerada a perspectiva de anál
a optarem por uma composição paritária no GF2.
proposta por Gatti 10. Reuniram-se as
Na apresentação da proposta de pesquisa no cenário
observador, as sínteses apreendidas n
do GF2, como havia potenciais participantes em
transcrições dos encontros. De posse
maior número que atendiam os critérios de inclusão,
deu-se o início ao processo de leitura
utilizou-se a estratégia da inscrição estabelecendo
deste para fins de codificação. A fre
cinco vagas. O cenário e os horários das sessões
menções nessas unidades orientou o
dos GF foram determinados em comum acordo
interpretação dos dados. A análise ac
com os participantes e com a anuência das
dimensão interacionista e a interpreta
respectivas coordenações. Os encontros com os
no referencial construído.
GF foram independentes e em diferentes horários.
As sessões dos GF tiveram como moderador O período de coleta de dados oco
a própria pesquisadora e como observador uma semestre de 2013, após aprovação do
pessoa que tinha pleno conhecimento do projeto Comitê de Ética e Pesquisa da Univer
de pesquisa. A condução do debate nos GF foi feita Fundo, parecer nº 254.318; as particip
pelo moderador e, ao observador, coube os registros o TCLE.
das impressões verbais e não verbais no diário de
campo e a gravação em áudio. Adotou-se um roteiro
em conformidade com os objetivos e as sessões RESULTADOS E DISCUSSÃO
incluíam dois momentos.
As percepções das mulheres acer
Na primeira sessão, no momento inicial, ocorreu a corporal na velhice expressada nos gr
exposição da proposta de estudo, a leitura explicativa convergiram em três categorias: a
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido palavras; a experiência estética diante
e a formalização por meio da assinatura, seguida (revelações sobre beleza e velhice); e
da apresentação dos participantes e na sequência a mulher na velhice.
discussão acerca do tema beleza e beleza corporal . Na
segunda sessão, no início, para estimular a discussão
sobre a temáticavelhice e beleza, com auxílio de recurso A beleza corporal em palavras
multimídia e um telão, foram projetadas várias
imagens de pessoas idosas em diversas situações A beleza corporal pode ser expres
da vida cotidiana. Após a sessão de imagens, foi formas. Neste estudo, quando solicit
lançado o questionamento: “o que é beleza na participantes que se manifestassem p
velhice?” E na sequência o debate. Ainda nessa palavras sobre a temática, aflorara
sessão, no segundo momento, foi utilizada a técnica expressões, como se confere na Figur

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80

Figura 1. A beleza corporal ilustrada em palavras. Passo Fundo, RS, 2013.

As várias indicações que termos acerca da beleza objetiva que certos objetos possuem.
corporal evidenciadas no estudo seguem alinhadas, beleza habita a relação que um sujeito
em parte, ao pensamento de Eco11, quando expressa um objeto, no caso, o corpo.
que a beleza está vinculada às várias indicações
adjetivas (alegria, bonita, beleza/belo) daquilo que Ao se tratar da beleza corporal,
acaricia a visualidade sensitiva e o imaginário das pensamento de Ferreira 13, quando a
pessoas, como também das sensações do sublime, do corpo é o principal elo entre o sujeito
maravilhoso e do divino (Deus, viver). Entretanto, o é socialmente construído e nele se m
ser humano é vulnerável às pressões socioculturais relação sujeito versus sociedade, é o
de tal forma que algumas palavras evocadas refletem os conflitos simbólicos refletem as
a beleza como um modelo a ser atendido (corpo, realidade preponderante em nossa ex
aparência, saúde, cuidado), uma resposta ao padrão sínteses abstraídas no grupo focal exe
social. A sociedade imprime à mulher a condição
de se esquivar da velhice e ela o faz por meio de “Pessoa bonita, magra, elegante
cabelo bem feito todo mundo que
variados recursos 6, como cuidados rigorosos com a
aquelas que falam mal dos outros,
aparência, com o corpo, com os cabelos alinhados e
mal humoradas ninguém quer che
pintados, numa demonstração de esquivo da velhice,
vai ser admirada [. ..] bem arruma
o que nos sugere as indicações de tais palavras nos bem cortadinho, maquiada, olha l
GF (Figura 1). Que coroa bonita! A gente nota “
pessoas que se cuidam da beleza.
Há um modo mais ou menos constante de que bem bonitinha” (GF2).
agir e perceber o mundo no cotidiano, forma essa

determinada por uma série de fatores e processos 4


psicológicos e sociais que determinam nossa Na visão de Beauvoir , o ser huma
percepção usual do que é belo ou do que seja beleza. em seu estado natural, porque durante
D rt Jr12 f tiz “ éb l p r m ã m m l r id d t t t
Duarte Jr12 enfatiza que “o que é belo para um não como em qualquer idade, seu estatuto
o é para outro”, pois a beleza não é uma qualidade pela sociedade a que pertence.

Nos estudos de Santos e Dias 6 compreende-se belo necessita aparentar juventude


uma crescente preocupação das mulheres no que diz daí as roupas serem adequadas para e
respeito à valorização da imagem jovial, ao aspecto imperfeições, as gorduras localizadas2,
saudável e à beleza vinculada aos modelos sociais a embalagem que desvela e vela, simu
como uma idealização a ser almejada, padrões esses o que é necessário esconder.
influenciados maciçamente pela mídia.
Essas exigências sociais também oc
Se o contexto social valoriza um modelo de intrafamiliar, expressas pelo GF1. Par
corpo magro, correspondendo ao padrão de beleza, os jovens cobram das mães envelheci
sobrepeso e obesidade causam constrangimento. O com a aparência, reforçando, assim, o
debate entre as participantes fomentou comentários construído e difundido.
como:
“Hoje em dia é que estou cuidando
“As gordonas não têm roupa que fique bem, as os filhos estão me cobrando e com
magrinhas todas as roupas caem bem, é que nem dar coisas e dizem que eu tenho q
pé grande; eu chego à loja e tenho vergonha porque ou seja, me arrumar porque pra m
calço 39-40. Os calçados bonitos não dá para coisa servia” (GF1).
comprar, pois não servem. Minha filha me levou na
loja para escolher uma bota e tive que pegar a mais
comum, pois não servia as melhores. Corre o olho A beleza está presente na essência
tu vê defeito nas gordas, já nas magras não. Mas as ser expressa pelas atitudes e formas
gordinhas que não são demais, bem arrumadinhas pessoa se comporta. Neste estudo, pe
também são bonitinhas, mas tem as exageradas e as participantes dos dois grupos emite
as esqueléticas também são feias” (GF2). da beleza dotados de subjetividade e

“Menina com corpo bonito nã


A percepção usual das mulheres expressa no GF2 arruma, mas é da natureza da pe
reforça o padrão cultural atual de enaltecimento percebe se tem cuidado com a p
da magreza e da cultura lipofóbica 1,2 . A obesidade cabelos, mas é simpatia através
é visualmente considerada um incômodo, uma mostra a beleza” (GF1).
característica que não se pode esconder, que foge
“A áurea luminosa irradiada, junta
à beleza, portanto, é feia. As percepções sobre o
desenvoltura e a feminilidade. O o
excesso de peso são reforçadas pelo fenômeno de
passos cadenciados que faz a bele
rejeição social e cultural à obesidade. A vergonha
bom se manifestar” (GF1).
proclamada está na interpretação que as mulheres

fazem da sua situação de ser gorda e calçar número


avantajado, uma demonstração de quanto as emoções Nesse alinhamento, não há regras
estão interligadas às ideias que fazemos sobre os corpo, a percepção de beleza express
d d d
nossos corpos14. advém do comportamento do ser.

Os estudos de Goldenberg 15 alertam que, no “Boa comunicação, cabelo bem f


Brasil, o fato de deixar o corpo na sua aparência pessoa bem-educada, isso é beleza
natural, para a sociedade é sinônimo de desleixo
“Educação e bom humor. Primei
e falta de cuidado, principalmente se esse corpo é
saber tratar as pessoas, andar se
gordo ou envelhecido. Assim, nas últimas décadas,
humor e não de cara feia. Cara fei
a preocupação de as brasileiras se manterem jovens e nunca a beleza [. ..]. Pessoas fei
cresce absurdamente em razão do padrão imposto as pessoas, se ela for simpática, ed
pela sociedade que enfatiza a juventude como ideal. tratar os outros, ela se torna linda

O olhar e o julgamento que a mulher idosa


tem sobre seu corpo é pautado pelos costumes Para refletir sobre os juízos emit
contemporâneos, que anunciam que o corpo mulheres sexagenárias acerca da belez

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apoiou-se na concepção kantiana de juízo de gosto ou, então, do “bom humor”, naquilo
aplicado, que trata da beleza aderente 7. Kant, na de bom e agradável. Isso ocorre porq
leitura realizada por Jimenez 7, distingue duas da linguagem, o corpo se apresenta c
formas de beleza: a livre e a aderente. Na concepção de significado.
kantiana 8, a beleza livre está relacionada ao juízo de
gosto, o sentimento do belo; já a beleza aderente está O corpo em seu significado é, an
ligada a um fim, a um conceito de perfeição, sendo resultante de fatores socioculturais, c
82 considerado um juízo impuro. O juízo não pode se faz de modo interdependente d
depender de qualquer desejo, nem reduz algo ao fato interação, desse modo reflete a belez
de ser desejado 7,8 . O juízo de gosto que incida no num contexto. Se as mulheres sexage
belo, exprimindo a sua experiência, comunica uma sensibilidade captam os sentimentos
satisfação desinteressada e pura. Para Kant, dizer momento contemporâneo de culto ao
que algo é belo é diferente de dizer que é agradável. é de se imaginar que o corpo velho é
Então, o juízo de gosto acerca da bele
A beleza corporal, reportada ao estudo nessa segue o rigor kantiano, tampouco est
concepção, trata-se da beleza aderente, pois o juízo que a sociedade estabelece como mod
expresso nos GF está condicionado pela ideia do que corporal: o corpo jovem, escultural
deveriam ou devem ser as pessoas. Na concepção bem definidas. A beleza está naquilo
kantiana, as manifestações das mulheres dizem agradável de ver, sentir e observar.
respeito a um juízo impuro, pois não se trata aqui
do juízo estético do belo, não há contemplação pura
de uma obra de arte, não se manifesta um sentimento Experiência estética diante de um espelho: re
estético sobre a beleza corporal, pois constitui a beleza e velhice
beleza do corpo humano, não é um elemento
propriamente estético Para apreender as percepções de b
propriamente estético. Para apreender as percepções de b
nos GF e como elemento desencadea
O juízo é impuro, pois expressa interesse nas invocou-se o exercício imaginário da
manifestações das mulheres. O interesse está ligado Acreditando que a expressão huma
àquilo que é agradável e ao que é bom na interação compreendida como sendo sempre sim
com as pessoas de qualquer idade. O agradável e o ou visual, lançou-se uma atividade im
bom têm uma relação com a faculdade de desejar. solicitação era de que elas fechassem
A pergunta que surge indaga, quando se chega à imaginassem diante de um espelho. A
velhice, o que é bom e agradável de observar e o instantes, foi lançada a seguinte questã
que se deseja das outras pessoas? O que nos sugere é do debate: o que o espelho mostrou?
que na percepção das mulheres sexagenárias a beleza foram variadas e carregadas de sent
está na forma de como as pessoas se comunicam, na percepções derivadas da imagem refle
comunicação do “olhar doce”, da “simpatia através foram agrupadas em imagens aprecia
do olhar”, da “educação”, do “saber tratar as pessoas” depreciadas, demonstrado na Figura

V
Figura 2. As revelações do espelho. Passo Fundo, RS, 2013.

A Figura 2 salienta que no GF1 há um predomínio Se qualquer coisa pode ser um ob


de imagens apreciadas, em que o espelho revelou a então a imagem refletida proporciona
harmonia e o simbolismo nas marcas das expressões estética no sentido proposto por Dua
cutâneas, exibindo autoafirmação, bem-estar consigo manifesta que numa experiência estét
e satisfação com o corpo, ao passo que no GF2, sentimentos são tocados”. Ao desven
entre as mulheres de baixa renda, residentes na do corpo que envelhece, as mulheres
periferia urbana, predomina um misto de melancolia sentimentos perante os aspectos dos
e depreciação diante da imagem refletida. num entrelaçamento de beleza e feald

Pereira 16, em suas contribuições para entender A resignação também se expressa


o conhecimento estético, afirma que podemos ter passa e deixa marcas, uma aparência que
experiência estética com relação a qualquer objeto pela trajetória vivida. Pitanga17 ao refe
ou acontecimento, independentemente de ser arte inevitáveis, o ideal é a aceitação dos s
ou não, de ser belo ou não, de existir concretamente com a velhice da melhor maneira pos
ou não, assim, quando as sexagenárias miraram-se mesmo apresentando características d
no espelho, estabeleceram uma experiência estética (pele enrugada, falta de rigidez e firm
com a imagem projetada. essas serão compensadas pelo brilho

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sujeito. Para algumas sexagenárias, o brilho interior As sexagenárias diante do espelho,


é ó i b l i t i fl t i d j it f id di t d b
é a própria beleza interior que se reflete na energia e do sujeito fruidor diante da obra, n
na vontade de viver, na aceitação dos sinais do tempo de imagem, apreciadas e depreciada
e na satisfação com a aparência do corpo. diferentes maneiras de compreender
estética, porém, da mesma forma, po
Os cuidados com a aparência, mesmo sem abertura à diversidade de sentidos do
influências dos padrões de estética estimados seres que vivem e envelhecem, ou sej
84 pela sociedade, representam a autoafirmação e a de sentir a realidade da velhice. A pa
valorização da própria beleza no avançar dos tempos. próprias vivências vão dialogando, sem
Para Blessmann 5 as mulheres são as principais ao sujeito fruidor diante da arte, revel
responsáveis pelas modificações da imagem na da relação da sua própria experiência
velhice. Sem os compromissos anteriores, elas estão
livres para desfrutar novas experiências que foram
privadas no passado e, ao chegar à terceira idade,
surge um período propício para novas descobertas A beleza da mulher na velhice
e realizações. A relação que as mulheres mantêm
se reflete no modo como elas interpre
Se a imagem nos causa estranheza é porque o
significado à beleza nessa fase da vida
espelho porta um engano quanto à imagem refletida
velhice foi relacionada à saúde e aos c
e não representa tudo aquilo o que somos 18; apenas
quanto ao amor e à alegria. O corpo
nos representa imaginariamente e, assim, possibilita
o aparecimento do que não se quer ver, algo que é extensão do contato e da relação com
beleza habita a relação, assim express
particular para cada um de nós.
Cuidar do corpo na velhice pode ser a
Essa percepção de estranheza sofre influência da manter no mundo. O corpo revela os
massificada difusão dos padrões atuais de estética19, história pessoal, e nesse processo advé
o que causa na idosa a diminuição da autoestima e a capacidade de reagir e de se autoaf
e da qualidade de vida, pois, para ela, a perda da da aparência 23 . Na circularidade desse
jovialidade dos traços e das características físicas, as mulheres demonstram satisfação co
tão valorizadas socialmente, é sinal de decrepitude corpo, quebrando possíveis preconce
e de finitude. ao corpo envelhecido, atribuindo-lh
outras características nobres, talvez p
O processo de envelhecer pode ser expresso por atreladas a outra imagem interna de si
duas vertentes, uma negativa e outra positiva. As salienta Peat et al. 9 mais importante
pessoas que consideram a velhice como uma fase que sua aparência externa. Entre as m
da vida negativa, o fazem por relacioná-la com a GF destacam-se:
degeneração física e mental, bem como inatividade,
incapacidade, egoísmo e fealdade, fatores esses “Saúde, tendo saúde se conse
provocadores de tristeza, solidão, depressão e mau o essencial, a saúde física e a m
humor 20 . No entanto, às pessoas que associam a harmonia” (GF1).
velhice a uma etapa positiva de vida, estimam a
“A saúde abrange tudo, tendo saú
autonomia física e mental, independência, participação
cuidar do corpo sem depender da
e integração à beleza da experiência vivida. outros. Para a beleza do corpo é
a saúde, além de estar de bem con
Schneider e Irigaray 21, destacam que mesmo com outras pessoas, assim é a beleza”
tantos recursos que previnem doenças e retardam
características cutâneas na velhice, o envelhecimento
ainda é temido por muitas pessoas, visto como uma Ribeiro24 ressalta que a qualidade d
22

etapa desagradável da vida. Para outros , o modelo mais velhos está associada ao prazer d
de corpo que não atende aos padrões de beleza saúde e abrange diversos aspectos da
vigente na sociedade reflete a perda do valor social. entre eles o prazer de interagir em so
g p p g

“Ter saúde, disposição, alegria, ser feliz, sair, ter uma questão de negligência por parte
amizades, compartilhar, ser solidária, conseguir não se envolveram em atividades mot
um trabalho, ser voluntária até dessas instituições consumiram produtos e serviços que
[referindo as instituições que abrigam idosos] en velhecimento, como reflete a obse
e dançar bastante que isso deixa a gente feliz. .. nos GF:
Se uma mulher é feliz, é bonita, é isso que faz
uma mulher bonita. Se ela se ama, ela se cuida “A mulher tem que se cuidar, faz
do corpo” (GF1). (GF1).

“[...] a saúde abrange tudo, você v


A saúde é um fator importante para a sensação corpo” (GF2).
de bem-estar e satisfação pessoal dos idosos com
a sua aparência 9, de modo que o envelhecimento “[...] passo creme e cuido da alime
bem-sucedido ocorre mediante a constância de tais
fatores25. No debate surge um comentário que reflete
Se, por um lado, quando se chega
essa proposição:
mais importante é o cuidado; por o
“Primeiro é a boa saúde, com bons cuidados que entendimento das participantes que e
deve permanecer tanto alimentar-se, caminhadas, permeia o curso da vida:
sempre tem que estar se cuidando, se tiver algum
problema deve procurar um médico” (GF2). “É importante que desde jovem
preocupação de cuidados com a s
“A beleza corporal faz parte do corpo, do viver, seu corpo para que ao chegar nest
a gente tem que se cuidar, ter capricho, fazer não estraguem seu rosto com tant
fisioterapia dos joelhos, senão não dançamos e
é preciso se agitar” (GF1). “Quando engravida, não pode exa
cuidar da pele, pois vai esticar, o c
ser geral” (GF2).
Se a beleza pertence ao corpo com saúde, o
corpo doente pressupõe a fealdade. Nas discussões
A perspectiva das mulheres está
emanadas nos GF, a doença foge aos padrões de
pensamento de Foucault 27 ao assev
beleza. “O ruim é quando se está doente, aí não tem
cuidados consigo mesmo é um princí
vontade para nada, menos para cuidar da beleza”
todos, todo o tempo e durante toda a
(GF2). As doenças são acontecimentos comuns do
si durante toda a vida caracteriza-se com
envelhecimento e, assim, exprimem uma relação de
de formação do sujeito, deve ser prat
reciprocidade entre velhice e doença, tão enraizada
os momentos da vida, quando se é jo
que fica difícil lembrar que doença pode acontecer
5
se é velho, durante a juventude para p
a qualquer pessoa, em qualquer fase da vida . É a vida e na velhice para desprender-se
importante destacar que a velhice tem sido associada
a vários aspectos negativos, tais como as doenças O envelhecimento com qualidade
ô i d dê i f ilid d i id d
q
crônicas, a dependência, a fragilidade, a incapacidade como um processo contínuo de apr
e a morte 25,26 . Estabelece-se, então, uma relação de crescimento intelectual, emocional e
doença com a fealdade, por isso o requisito e o associado a momentos de prazer e sati
incentivo ao cuidado com o passar dos anos . Tomando como referência o discurso
GF, observa-se, entre outros aspecto
Moreira e Nogueira 8 destacam a questão da
na velhice é apreendida como um pro
velhice percebida por muitos como uma escolha
cuidado de si e de suas relações intra e
pessoal. Nessa concepção, há indivíduos que se
deixam envelhecer e aqueles que reagem ativamente “Se tu não se ama, tu não tem am
contra os sinais do envelhecimento. A juventude primeiro lugar. Se eu tiver amor vo
transforma-se em um valor a ser conquistado e um saúde, disposição de fazer tudo qu
bem a ser adquirido, ao passo que a velhice se torna corpo vai estar feio se eu não me

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“Se tu se sente bem assim, tu vai viver feliz, é claro, e um número reduzido de participa
se cuidando. (GF2) O corpo tem que ser cuidado; restringe estender os resultados numa
tem que se amar, tem que se cuidar” (GF1). necessitando-se de novas pesquisas p
tema aproximando outros olhares.
“A beleza corporal faz parte do corpo, a gente
tem que se cuidar, cuidar do corpo e cuidar da
alma” (GF1).
CONCLUSÃO
86
Na perspectiva de Foucault27, o mais importante Os resultados do estudo permitem
cuidado que se deve ter consigo próprio é um olhar o grupo de mulheres, mesmo vivendo
atencioso sobre o corpo e a alma. Para isso, é preciso realidades socioeconômicas e culturai
manter atitudes constantes sobre seu próprio ser, beleza pautada nos costumes contem
ou seja, é fundamental adotar sobre si próprio a influência dos padrões estéticos vig
uma atenção genuína, uma vigilância contínua. No
Apoiada na concepção kantiana, a
entendimento das mulheres, a pessoa tem de cuidar
de si, do corpo e da alma, isso é o que se traduz em das mulheres sobre a beleza corpor
beleza na velhice. Como interpela o próprio Foucault, proposição da beleza aderente, pois e
o fim principal a ser proposto para si próprio deve um juízo de gosto no que julgam agra
ser buscado no próprio sujeito, na relação de si para sentir e observar. Assim, a beleza est
consigo 28. como as pessoas se comunicam, seja p
simpático, seja pela educação no mod
Para o cuidado de si constituir o sujeito, é as pessoas. É por meio da linguagem
importante estabelecer uma intensidade de relações apresenta como portador de significa
de si para consigo, em que o sujeito consiga tomar

a si mesmo como objeto de conhecimento e ação, A experiência estética do olhar sob


por meio das relações de si possa transformar-se e dualidade entre imagens apreciadas e
corrigir-se 28 Se a beleza na velhice está no cuidado externadas pelas diferentes maneiras d
corrigir-se . Se a beleza na velhice está no cuidado p
de si, então as mulheres têm de seguir regras, e sentir a realidade da velhice. Ao d
condutas e princípios. Assim, fazer exercícios, aparência do corpo que envelhece,
fisioterapia, dançar, se agitar, procurar o médico confessam seus sentimentos perante
quando não se sente bem e, até mesmo, ocupar-se dos anos vividos num entrelaçamento
com o voluntariado, são preceitos indispensáveis fealdade.
ao cuidado de si e, portanto, da beleza na velhice.
A beleza na velhice é apreendid
Nesta perspectiva, invoca-se Kant 8 quando processo que exige o cuidado de si e d
destaca que as percepções não são passivas, elas são Constitui-se num olhar atencioso sob
sintetizadas pela faculdade da imaginação, portanto a alma, cuidado esse que segue regras
as participantes do estudo, ao emitir o julgamento princípios, tais como fazer exercícios
acerca da beleza na velhice balizadas no cuidado de humor, dançar, se agitar, procurar o m
si, almejam concordância com esse juízo. Seguindo não se sente bem e, até mesmo, ocup
a concepção Kantiana, não se pretende que todas voluntariado. A percepção da beleza
as pessoas percebam a beleza na velhice, a qual as singularidade do ser pela valorização
participantes fazem referência, mas conjectura-se que dedicado a si próprio.
todos deveriam perceber, pois para a mulher idosa
a beleza está na sua singularidade, na valorização Se por um lado, é ponto limitante
de si própria, no amor dedicado a si, o que inclui o refletir apenas um contexto não p
cuidado de si. estender os resultados numa genera
outro, infere-se possível a outras reali
O estudo teve como pontos limitantes a pode dar indício aos profissionais d
abrangência de um contexto sociocultural específico como estruturar seus planos terapêut

inclui estratégias de cuidados físicos e psíquicos, dimensão feminina. Recomenda-se a


assim como ações educativas voltadas a pensar o estudo, estendendo a outras situações
processo de envelhecimento, particularmente na corroborar ou acrescentar a novos ac

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Recebido: 18/07/2016
Revisado: 10/10/2016
Aprovado: 13/01/2017

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