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UM ENFOQUE PSICANALÍTICO DA TOXICOMANIA E O

ALCOOLISMO ADOLESCENTE A PARTIR DO LONGA-


METRAGEM E LIVRO NÃO-FICCIONAL ALEMÃO: “EU
CHRISTIANE F. – 13 ANOS, DROGADA, PROSTITUÍDA...”
Arthur Silva de Andrade¹
arthurpsique@gmail.com

Resumo: O longa-metragem alemão “Christiane F. Kinder Vom Bahnhof Zoo” traduzido no Brasil para
“Eu Christiane F. – 13 Anos, Drogada, Prostituída...” é uma célebre obra alemã de 1981, dirigida pelo
cineasta e roteirista alemão Ulrich Edel, inspirada no livro não-ficcional denominado “Wir Kinder Vom
Bahnhof Zoo” (Nós, os Filhos de Bahnhof Zoo) dos jornalistas também alemães Kai Hermann e Horst
Rieck, escrito por meio de entrevistas feitas com a própria Christiane Vera Felscherinow, no final dos
anos 1970. A história conta parte da vida da adolescente alemã na época em que se tornou viciada em
heroína, droga a qual estava ganhando cada vez mais espaço entre os jovens berlinenses, sendo assim uma
obra autobiográfica, ocorrida na Berlim dos anos 70. Isto posto, o estudo objetivou lançar um novo olhar
sobre a toxicomania e o alcoolismo a partir do longa-metragem e livro não-ficcional alemão que se
discute, e tendo como principal fundamentação teórica o livro: “Adolescência Normal: Um enfoque
Psicanalítico”, de Arminda Aberastury e Maurício Knobel, para tratar dessa nova relação do adolescente
com o mundo. Logo, por se tratar de um fenômeno de saúde pública, o estudo se justifica no intuito de
reforçar e inspirar formas de intervenção para reduzir o consumo de droga pelos adolescentes. Enquanto
metodologia, foi realizada uma revisão de literatura das publicações correntes e análise fílmica e obras
originais dos teóricos adotados. Após o final da pesquisa, conclui-se então que a adolescência retoma o
drama edipiano, após o longo período em estado latente. Essa retomada traz à tona diversas possibilidades
relacionadas ao Édipo, recalque, castração, identificação, escolha objetal e instâncias ideias, sendo o
sujeito é marcado por uma ambivalência afetiva originária projetada ao outro, sentimentos de amor e ódio
que sendo olhada pela ótica do social vê-se que se circunscreve no seio da mesma, ou seja, drogadição
enquanto sintoma psíquico, trazendo assim valiosas análises para o entendimento da toxicomania e
alcoolismo adolescente.
Palavras-chaves: Christiane F. Psicanálise. Toxicomania. Alcoolismo. Adolescência.

Abstract: The German feature film “Christiane F. Kinder Vom Bahnhof Zoo” translated in Brazil into
“Eu Christiane F. - 13 Years, Drugged, Whore...” is a famous German work from 1981, directed by
German filmmaker and screenwriter Ulrich Edel , inspired by the non-fiction book called “Wir Kinder
Vom Bahnhof Zoo” (We, the Children of Bahnhof Zoo) by German journalists Kai Hermann and Horst
Rieck, written through chosen by Christiane Vera Felscherinow herself, without the end of the years 1970.
The story tells part of the life of the German teenager at the time she became addicted to heroin, a drug
which was gaining more and more space among young Berliners, thus being an autobiographical work,
which took place in Berlin in the 70s. , the study aimed to launch a new look at drug addiction and
alcoholism from the feature film and non-fiction German book that is discussed, and having as main
theoretical foundation the book: “Normal Adolescence: A Psican alit approach ico ”, by Arminda
Aberastury and Maurício Knobel, to discuss this new relationship between teenagers and the world.
Therefore, as this is a public health phenomenon, the study is justified in order to reinforce and inspire
forms of intervention to reduce drug use by adolescents. As a methodology, a literature review of current
publications and film analysis and original works of the adopted theorists were carried out. After the end
of the research, it is concluded that adolescence resumes the oedipal drama, after a long period in a latent
state. This resumption brings up several possibilities related to Oedipus, repression, castration,
identification, object choice and ideas, and the subject is marked by an original affective ambivalence
projected onto the other, feelings of love and hate that are observed from the perspective of the social
view - if that is circumscribed within the same, that is, drug addiction as a psychic symptom, thus
bringing valuable analysis for the understanding of drug addiction and adolescent alcoholism.
Keywords: Christiane F. Psychoanalysis. Addiction. Alcoholism. Adolescence.

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¹Discente do curso de Psicologia do Centro Universitário Estácio do Recife.

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1 INTRODUÇÃO

Inicialmente, é sabido conceituar o longa-metragem alemão utilizado na


pesquisa, o qual sendo “Christiane F. Kinder Vom Bahnhof Zoo” traduzido no Brasil
para “Eu Christiane F. – 13 Anos, Drogada, Prostituída...” onde trata-se de uma célebre
obra alemã de 1981, dirigida pelo cineasta e roteirista alemão Ulrich Edel, inspirada no
livro não-ficcional denominado “Wir Kinder Vom Bahnhof Zoo” (Nós, os Filhos de
Bahnhof Zoo) dos jornalistas também alemães Kai Hermann e Horst Rieck, escrito por
meio de entrevistas feitas com a própria Christiane Vera Felscherinow, no final dos
anos 1970. A história conta parte da vida da adolescente alemã na época em que se
tornou viciada em heroína, droga a qual estava ganhando cada vez mais espaço entre os
jovens berlinenses, sendo assim uma obra autobiográfica, ocorrida na Berlim da década
de 70 (MOREIRA, 2016).
Assim, a história conta parte da vida da adolescente alemã na época em que se
tornou viciada em heroína, começa a aproximar-se do álcool, logo em seguida maconha
e ansiolíticos, LSD e por fim na droga altamente viciante denominada heroína, onde
imersa no submundo do vício passa a se prostituir (HERMANN; RIECK, 1989).
Optou-se por destacar alguns comentários existentes ainda no prefácio do livro
não-ficcional alemão “Wir Kinder Vom Bahnhof Zoo” (Nós, os Filhos de Bahnhof Zoo)
onde o Psicanalista Horst-Eberhard Richter (1923-2011), que o livro do qual se trata,
fala de:
[...] uma desgraça que nossa sociedade recalca em sua
consciência. Pelo que revela, ele me parece mais
importante que numerosas análises sociológicas ou
trabalhos de especialistas. Este documento sui generis
mostrará, enfim, ao grande público — pelo menos é isso
que esperamos — que a toxicomania e o alcoolismo
juvenil, em constante expansão, e a atração dos jovens
por seitas não são fenômenos importados, mas gerados
por nossa própria sociedade. É em nossas famílias, em
nossas escolas, nas discotecas — onde qualquer um
pode entrar — que nasce esse flagelo, geralmente
considerado uma doença exótica [...] (RICHTER, 1989,
P. 1 apud HERMANN; RIECK, 1989).

A citação acima está presente ainda na primeira página da biografia de


Christiane F. de Hermann e Rieck (1989), nas palavras do Psicanalista citado a
existência de uma atitude da civilização recalcar, ou seja afastar esse conteúdo da
consciência, como a temática da toxicomania, alcoolismo e prostituição juvenil, e
defendido pelo mesmo que são tipos de fenômenos gerados no âmago da sociedade, no
âmbito familiar, escolar, social e dentre outros que nasce essa problemática a qual é tida
por muitos como algo gerado fora das relações próximas, entendido aqui como uma
condição do outro e defendido no artigo como decorrente da existência de diferentes
lógicas de consumo e que apresentam as mais diversas problemáticas psíquicas.
A temática adolescente foi amplamente discutida pela psicanalista Arminda
Aberastury (1910-1972) e pelo psiquiatra Maurício Knobel (1923-2008) em uma obra
denominada: “Adolescência Normal: Um enfoque Psicanalítico”, a qual aprofunda
sobre a problemática da adolescência, que dentre as inúmeras articulações que eles
fazem com diversos aspectos da vida do adolescente, se fala que esse processo é
atravessado por novas questões relacionais do adolescente com os pais e com o mundo.

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Isto posto, o adolescer, enquanto vir a ser, é uma fase inaugural para o sujeito de
um intenso processo de desenvolvimento, o qual passa por desequilíbrios e
instabilidades extremas, a literatura psicanalítica fala que o adolescente deve conviver
com a superação de três lutos, sendo a perda do corpo infantil, da identidade da infância
e da figura protetora dos pais. Realizando uma lista das principais características da
adolescência, tem-se os seguintes pontos:
[...] 1. Busca de si mesmo e da identidade. 2. Tendência grupal. 3. Necessidade de intelectualizar e
fantasiar. 4. Crises religiosas. 5. Deslocalização temporal. 6. Evolução sexual manifesta. 7. Atitude Social.
8. Contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta. 9. Separação progressiva dos pais e 10.
Constantes flutuações do humor e do estado de ânimo [...] (ABERASTURY; KNOBEL, 2003, p. 28).
Despertou-se o desejo por esse tema diante da experiência transpessoal do autor
com a obra a qual se está trabalhando, a qual causou grande impacto realístico e
inspirações por essa perspectiva para se pensar a problemática da adolescência e seus
desdobramentos, além do estudo se justificar no intuito de reforçar e inspirar formas de
intervenção para reduzir o consumo de droga pelos adolescentes à nível global, por se
tratar de um fenômeno de saúde pública.
Em suma, este estudo objetivou lançar um novo olhar sobre a toxicomania e o
alcoolismo a partir do longa-metragem e livro não-ficcional alemão: “eu christiane f. –
13 anos, drogada, prostituída...” no intuito de proporcionar um detalhado entendimento
do advento da adolescência de forma real, seus impasses e saídas, sendo fundamento na
literatura psicanalítica. Assim, pela obra da qual se analisa tratar de um fenômeno
entendido como marginal, o vício precoce da heroína, abstinência, alcoolismo juvenil e
seus efeitos secundários.

2 MÉTODO

Quanto aos procedimentos, o presente estudo foi realizado enquanto pesquisa


bibliográfica, partindo do pressuposto de que é um tipo de pesquisa desenvolvida com
base em material já publicado, sendo composto principalmente de livros e artigos
científicos. A qual, segundo Fonseca (2002, p. 32), é:

[...] feita a partir do levantamento de referências teóricas


já analisadas, e publicadas por meios escritos e
eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de
web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com
uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador
conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem,
porém, pesquisas científicas que se baseiam unicamente
na pesquisa bibliográfica, procurando referências
teóricas publicadas com o objetivo de recolher
informações ou conhecimentos prévios sobre o
problema a respeito do qual se procura a resposta [...]

Ainda, quanto à abordagem, o estudo foi do tipo qualitativo, o qual não possui
como principal objetivo/preocupação o contexto numeral, mas sim o aprofundamento
buscando a compreensão, aspectos de qualidade, interpretativos, ou seja, tentando
entender significados de determinado fenômeno (GOLDENBERG, 1997, p. 34).

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Desse modo, para alcançar os objetivos propostos, o levantamento de dados foi
realizado em dois livros adotados como referências, sendo: 1. “Eu, Christiane F., 13
Anos, Drogada, Prostituída...” utilizada a edição de 1989 e 2. “Adolescência normal”
(1989), e pelo longa-metragem alemão “Christiane F. Kinder Vom Bahnhof Zoo”
traduzido no Brasil para “Eu Christiane F. – 13 Anos, Drogada, Prostituída...” de 1981,
dirigida pelo cineasta e roteirista alemão Ulrich Edel.
E por fim, consequentemente, foram consultados artigos através das plataformas
acadêmicas Google Acadêmico e o Scientific Eletronic Library Online (Scielo), com os
seguintes descritores: “Christiane F” e “Psicanálise”. “Adolescência”, “Toxicomania” e
“Alcoolismo” e “Adolescência”. Se utilizando dos seguintes critérios: Idioma nacional
e internacional, produções científicas dos últimos 10 anos e compatíveis com a temática
desse estudo. Sendo encontrados 2 artigos que fizeram uma análise do gênero da obra
em voga. No segundo descritor, foram encontradas mais produções, tendo como
resultado o total de 200 artigos revisados que fazem menção à problemática da
toxicomania e alcoolismo adolescente trabalhada na pesquisa, sendo então informações
relevantes a este estudo.

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 O SUJEITO ADOLESCENTE E O ZEITGEIST

Partindo do pressuposto de que a adolescência seja um fenômeno humano


multifacetado, singular e marcado diretamente pelo momento histórico e do contexto
sociocultural e econômico, é se olhando as formas de subjetivação dos sujeitos que se
tem a revelação dos discursos de uma época. Assim, a sociedade ocidental pós-moderna
tem como marca principal a destruição de todas as formas de si, ou seja, um si tratado
como uma mercadoria (KYRILLOS; DUNKER, 2004).
Isto posto, o Zeitgeist, espírito do tempo, aqui enquanto o espírito alemão, termo
entendido segundo o Psicanalista Mario Pujó (2006, p. 4), como: “Una categoría quizás un
poco abstracta, que comprende una multiplicidad inabarcable de cuestiones” (Uma categoria
talvez um pouco abstrata, que inclui uma infinidade de questões), como componente étnico-
cultural germânico, é de fundamental importância para o contexto que se trabalha, pois
está se falando de componentes semióticos (compreendidos enquanto o estudo da
construção de toda cadeia significativa, do processo de signo e do seu significado(s) de
comunicação, ou seja como o sujeito atribui significado a tudo o que está ao seu redor)
então presentes na Alemanha dos anos 70 de Christiane Vera Felscherinow, elucida-se
este ponto trazendo para o entendimento da fundamentação um trecho do livro Eu,
Christiane F., 13 Anos, Drogada, Prostituída:
[...] Entretanto, passei a ter um novo objetivo: o Sound
era uma discoteca. A cidade inteira estava coberta de
cartazes que diziam: SOUND, A DISCOTECA MAIS
MODERNA DA EUROPA. O pessoal da turma ia
sempre lá, mas só era permitida a entrada a partir dos
dezesseis anos. E eu acabara de fazer treze. Falsifiquei a
data de nascimento na minha carteira de estudante,
mesmo assim tive medo de que não me deixassem entrar.
Eu sabia que no Sound havia uma "cena" (Lugar de
encontro dos viciados e passadores. (N. do E.)). Ali se
vendia de tudo, desde a maconha até a heroína, incluído
o Mandrix e o Valium. Pensei que devia estar lotado de

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caras realmente descontraídos. Era um lugar fabuloso
para a menina que eu era, que de Berlim só conhecia o
trajeto entre Rudow e o conjunto Gropius. O Sound, eu
imaginava como um verdadeiro palácio, brilhando por
todos os lados, um louco efeito de iluminação e uma
música genial. E sobretudo os caras, o que de mais
descontraído podia haver! [...] (HERMANN; RIECK,
1989, p.48).

Percebe-se assim uma produção discursiva da jovem Christiane Felscherinow


voltada para o moderno, a tendência, identidade de grupo, questões unificadas pelo laço
de cada adolescente com um objeto passível de responder pelo pertencimento ao grupo.
Como, por exemplo, na passagem anteriormente citada: “Pensei que devia estar lotado
de caras realmente descontraídos. Era um lugar fabuloso para a menina que eu era, que
de Berlim só conhecia o trajeto entre Rudow e o conjunto Gropius.” Assim, o sujeito
adolescente é um depositário das projeções da sociedade como um todo, e toda essa
situação estressora leva o sujeito a assumir questões ainda não suas e ainda enquanto
resultado dessa interação incorporar aspectos mais doentios do ambiente o qual se
encontra (ABERASTURY; KNOBEL, 1992).
Explorando mais o supracitado no parágrafo anterior, as consequências dessas
projeções adolescentes do social, remonta o conceito de alteridade e constituição do
sujeito, tema fundamental nas investigações psicanalíticas, ocupando um lugar bastante
relevante na constituição da subjetividade, tendo um movimento por parte desse sujeito
de equiparar o seu eu ao eu ideal veiculado pelas pessoas que foram alegadas como
relevantes para a sua vida (LACAN, 1975/1986).
E, sendo assim dessa forma articulado estruturalmente na subjetividade o desejo
do “outro”, entendido aqui como a imagem do eu, fechando o entendimento aqui com
uma frase do poeta francês Arthur Rimbaud (2009) "Eu é um outro", proposição em
carta a Georges Izambard em 13 de maio de 1871.

Figura 1 - Christiane ao ver o cartaz do show de Bowie. Fonte: Filme Eu, Christiane F., 13 Anos,
Drogada e Prostituída (1981) )/Tumblr, 2018.

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Acerca disso, enquanto conclusão, resgata-se mais uma vez um trecho do livro
Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada, Prostituída:

[...] Mas uma manhã, quando ia pegar o metrô, vi que


estavam colocando por todos os lados posters
lindamente pop. Podia-se ler: "David Bowie vem a
Berlim". Eu não podia crer: David Bowie era o nosso
super ídolo, o mais legal de todos, sua música era a
melhor. Todos os rapazes queriam ser iguais a ele. E eis
que David Bowie vinha a Berlim [...] (HERMANN;
RIECK, 1989, p.61).
[...] Quando David Bowie começou, foi sensacional.
Exatamente do jeito que imaginei. Fantástico. Mas nos
primeiros acordes de It is too late me inquietei. Aí fiquei,
de repente, na pior. Já nas últimas semanas — sem saber
como, nem por quê — esta música me dava uma imensa
tristeza. Acho que ela descrevia exatamente a minha
situação. Bem que eu estava precisando de Valium... [...]
(HERMANN; RIECK, 1989, p.62).

Em suma, a figura 1 e os fragmentos do texto acima, remetem a um aspecto


bastante próprio do adolescente, onde, enxergando muitas vezes as suas figuras
parentais de forma instável e indefinida, eles identificam-se com outras personalidades,
diversas vezes enquanto compensação, podendo ser ídolos dos mais diferentes tipos,
aqui temos o cantor britânico David Bowie (1947-2016), conhecido como “camaleão do
rock” que embalou a Berlim dos anos de ouro de Christiane F. E que segundo
Aberastury e Knobel (1989) alguns casos essa identificação pode ser de forma bastante
intensa que chega a assumir um caráter patológico, fazendo com que o adolescente
comece a viver os papéis que atribui às figuras que o mesmo se identificou.

3.2 A TOXICOMANIA E O ALCOOLISMO NA ADOLESCÊNCIA


É com base nas passagens da obra que dar-se-á início ao debate sobre a
toxicomania e o alcoolismo na adolescência, sendo considerada por Aberastury e
Knobel (1992), a personalidade adolescente como permeável, entendida aqui sendo
aquela que projeta e introjeta com grande intensidade variável e frequente.

[...] Na tarde seguinte, a turma trouxe um enorme


cachimbo. Eu não sabia mesmo para quê. . . Kessi me
explicou que eles fumavam maconha. Eu não sabia
muito bem o que era aquilo. Somente que era uma droga,
e absolutamente proibida. Eles acenderam a coisa e a
fizeram circular.Cada um deu uma tragada. Até Kessi.
Quando chegou a minha vez, recusei. Eu não tinha
intenção de recusar. Tinha tanta vontade de fazer parte
da turma! Mas era uma droga! Eu não podia ainda! Isso
me causava realmente muito medo [...] (HERMANN;
RIECK, 1989, p.33).
[...] Não me sentia muito à vontade. Queria desaparecer
em algum buraco. Mas não podia sair daquela mesa:
daria a impressão de estar me separando da turma
porque eles fumavam maconha. Declarei: "Tenho
vontade de tomar uma cerveja". Recolhi as garrafas
vazias esparramadas pelos quatro cantos. Trocavam
quatro garrafas vazias por uma cheia. Eu me embebedei,
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pela primeira vez na vida, enquanto os outros
continuavam a chupar longa e delicadamente o
cachimbo [...] (HERMANN; RIECK, 1989, p.34).
[...] Conversavam sobre música. Eu não conhecia quase
nada e não podia participar da conversa. Gostei de estar
bebum, isso me tirou um terrível sentimento de
inferioridade. Logo compreendi o gênero de música de
que eles gostavam e comecei a imitá-los: David Bowie
etc. Esses caras para mim também eram ídolos! Pelas
costas todos se pareciam com David Bowie, embora só
tivessem dezesseis anos [...] (HERMANN; RIECK,
1989, p.34).

A droga que acompanha todo o enredo da obra é denominada Heroína, fabricada


em laboratório, sintéticas, pertencente à classe de opioides e possui como receptor (ação)
opióide (agonista), tendo como sinais clínicos: Euforia, seguida por profunda sedação,
depressão respiratória e a característica constricção pupilar ou miose, que é a
diminuição do diâmetro pupilar provocado, seus efeitos duram de 4 a 6 horas. A heroína
por possuir propriedades que aumentam mais rápido a concentração encefálica provoca
uma “onda” mais forte, o que explica a sua popularidade enquanto droga de abuso
(DAMS et al., 2001).
[...] Entretanto, no Sound, a barra começava a ficar cada
vez mais pesada. A heroína chegou como uma bomba.
Também na nossa turma era comum o papo sobre a H,
só se falava nisso. No fundo, todos eram contra, pois já
haviam presenciado muita gente destruída pela heroína.
Mas, pouco a pouco, cada um ia experimentando a sua
primeira picada, e a maioria ficou na da H. A verdade é
que a heroína destruiu a nossa turma. Aqueles que a
utilizavam passaram, imediatamente, para uma outra [...]
(HERMANN; RIECK, 1989, p.58).

Segundo Freud (1905/1970), a adolescência retoma o drama edipiano, após o


longo período em estado latente. Essa retomada traz à tona diversas possibilidades
relacionadas ao Édipo, recalque, castração, identificação, escolha objetal e instâncias
ideias. Em especial no caso de Christiane F, tem-se a seguinte fala sobre a sua mãe,
denotando o distanciamento por tais partes, mesmo morando na mesma residência:

[...] Vivíamos agora em dois mundos totalmente


diferentes. Minha mãe e seu companheiro de um lado e
eu de outro. Eles não tinham a menor ideia do que eu
fazia. Pensavam que era uma menina perfeitamente
normal em período de puberdade. O que poderia eu
contar-lhes? [...] (HERMANN; RIECK, 1989, p.42).

Sendo assim um momento de apropriação subjetiva do sintoma que a criança era


no discurso maternal, destacando-se aqui a concepção de um corpo marcado por um
conflito psíquico e perpassado pelas habilidades adaptativas comprometidas, dos
recursos psíquicos simbolizantes, reforçando a função simbolizante do objeto
(ROUSSILLON, 2010).

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Figura 2- Christiane F. no momento de queda da pressão, diminuição da respiração e dos batimentos
cardíacos após uso de heroína.. Fonte: Filme Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada e Prostituída (1981)/
Tumblr, 2018.

Com base na figura 2 e se pensando enquanto questões edípicas, e


especificamente acerca da escolha objetal anteriormente falada, segundo Moura (2005),
o “objeto-droga” aqui discutido faz parte dessa relação de novas buscas do objeto, o
qual é tido como mais um, dos diversos métodos, que o jovem se utiliza para obter
prazer e evitar o desprazer, visando o alcance da felicidade, seja ela instantânea ou não,
objetiva-se o “estado”. Sobre essa condição, e especificamente sobre a toxicomania,
Freud:
[...] Não creio que alguém tenha compreendido o seu
mecanismo, mas é evidente que existem certas
substâncias estranhas ao organismo cuja presença no
sangue ou nos tecidos nos proporciona diretamente
sensações prazerosas, modificando ainda as condições
de nossa sensibilidade de maneira tal que nos impedem
de perceber estímulos desagradáveis [...] (FREUD,
1930/2007: 77-78).

Assim, segundo Moutian (2002), na perspectiva da Psicanálise, o sujeito é


marcado por uma ambivalência afetiva originária projetada ao outro, sentimentos de
amor e ódio que sendo olhada pela ótica do social vê-se que se circunscreve no seio da
mesma, ou seja, drogadição enquanto sintoma psíquico e ainda segundo Gurfinkel
(1995), podendo-se pensar na existência de uma relação com a pulsão de morte nas
adições, destacando uma expressão de aniquilação, de agressividade, de violência contra
si mesmo e marcado por uma compulsão repetitiva

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4 CONCLUSÃO

O trabalho desenvolvido teve como objetivo lançar um novo olhar sobre a


toxicomania e o alcoolismo através do desenrolar do longa-metragem alemão
“Christiane F. Kinder Vom Bahnhof Zoo” traduzido no Brasil para “Eu Christiane F. –
13 Anos, Drogada, Prostituída...”, inspirada no livro não-ficcional denominado “Wir
Kinder Vom Bahnhof Zoo” (Nós, os Filhos de Bahnhof Zoo), proporcionando assim um
detalhado entendimento do advento da adolescência de forma real, seus impasses e
saídas, sendo fundamento na literatura psicanalítica. Assim, pela obra da qual se analisa
tratar de um fenômeno entendido como marginal, o vício precoce da heroína,
abstinência, alcoolismo juvenil e seus efeitos secundários.
Constatou-se que a adolescência é um fenômeno humano multifacetado, singular
e marcado diretamente pelo momento histórico e do contexto sociocultural e econômico,
é se olhando as formas de subjetivação dos sujeitos que se tem a revelação dos discursos
de uma época. Assim, a sociedade ocidental pós-moderna tem como marca principal a
destruição de todas as formas de si, ou seja, um si tratado como uma mercadoria.
Percebe-se assim uma produção discursiva da jovem Christiane Felscherinow voltada
para o moderno, a tendência, identidade de grupo, questões unificadas pelo laço de cada
adolescente com um objeto passível de responder pelo pertencimento ao grupo.
Em suma, foi também constatado que a adolescência retoma o drama edipiano,
após o longo período em estado latente. Essa retomada traz à tona diversas
possibilidades relacionadas ao Édipo, recalque, castração, identificação, escolha objetal
e instâncias ideias, sendo o sujeito é marcado por uma ambivalência afetiva originária
projetada ao outro, sentimentos de amor e ódio que sendo olhada pela ótica do social vê-
se que se circunscreve no seio da mesma, ou seja, drogadição enquanto sintoma
psíquico
Por fim, espera-se que esse trabalho proporcione maiores análise de filmes
clássicos, entendendo assim a riqueza em que tais materiais produzem e desta forma
importância para a comunidade científica e social como um todo, por abordar questões
demasiadamente importantes e necessárias de se discutir no intuito de reforçar e inspirar
formas de intervenção para reduzir o consumo de drogas pelos adolescentes, sejam elas
lícitas ou ilícitas, à nível global, por se tratar de um fenômeno de saúde pública em
escala mundial.

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