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José Henrique
Silveira de Brito), pp. 155-172. Braga: Publicações da Faculdade de Filosofia, UCP.
Viver o luto:
a morte dos próximos (pais e filhos)
rebelo@apelo.pt
2007
ÍNDICE
Introdução
Os afectos
Conclusões
Referências bibliográficas
Rebelo, J.E. i
Viver o luto
INTRODUÇÃO
A perda de uma pessoa pela qual é nutrido um profundo sentimento de amor
constitui uma das experiências psicológicas mais dolorosas, quiçá a mais
dolorosa, sentida pelo ser humano. O vazio, a ausência, a solidão assumem-se
como gritantes expressões da amputação sofrida. Apenas o impossível – o
retorno da pessoa amada – constituiria um reconforto para a pessoa enlutada
(Worden, 1998). Busca-se num gesto, numa imagem, num afago um pequeno
sinal de alento que se diluem numa esperança vã traduzida por sofrimento mais
intenso.
OS AFECTOS
O TRIÂNGULO DO AMOR
Os laços que estabelecemos com os entes queridos repartem-se por uma, duas
ou pelas três dimensões em que se baseia o amor: a vinculação, exigindo a
proximidade da pessoa amada que nos dá a sensação de segurança física e
psíquica; o compromisso, rodeando o outro dos cuidados e mimos que lhe
conferem bem-estar; a sexualidade, desejando o cônjuge ou idealizando a partir
do exemplo recebido dos pais ou transmitido aos filhos. O amor consumado é o
que comporta de modo equilibrado todas as vertentes mencionadas (Sternberg,
1986).
DEFINIÇÃO E ORIGEM
grado uma posição libidinal”. No luto normal a realidade acaba por predominar.
Contudo, a sua assimilação não é instantânea. Prolonga-se pelo tempo com
elevado consumo de energia catexial, permanecendo, entretanto, ao nível
psíquico, o objecto perdido. De forma diferenciada, cada uma das parcelas
emocionais (memórias e expectativas) que vinculavam a libido ao objecto é
relembrada e hipercatexizada, ocorrendo o seu desligamento.
Ainda segundo o mesmo autor, uma vez concluído o trabalho de luto, o ego, cujo
envolvimento neste trabalho foi tão forte ao ponto de absorver todas as suas
energias, fica de novo livre e desinibido, uma vez que desiste do objecto,
declarando-o morto, e retoma o incentivo de continuar a viver. González (1965)
contraria este princípio, ao insistir em que o trabalho de luto não liquida a
relação existente com o objecto perdido; antes, estabelece um novo tipo de
vínculo que lhe permite, em caso de necessidade, libertar suficiente quantidade
de catexia para enformar um objecto substituto.
O PROCESSO DE LUTO
Fases do luto
Conforme foi admitido na definição de luto, um dos seus pressupostos basilares
é a necessidade de tempo para a reabilitação emocional da pessoa enlutada em
relação ao objecto perdido. A resolução do processo de luto exige um percurso
tipificado num conjunto de fases referidas por diferentes autores (Parkes, 1972;
Bowlby, 1985; Kaplan & Sadock, 1996; Sharp & Cowie, 1998; Worden, 1998;
Kübler-Ross, 1998 e 2002). Pode-se simplificar todo o processo do luto em três
momentos centrais de vivências emocionais da perda: a negação; o
reconhecimento e a aceitação.
AVALIAÇÃO DO LUTO
Como foi referido, perder uma criança, qualquer que seja a idade, pode ser uma
das perdas mais devastadoras da vida e o seu impacto pode permanecer por
toda a vida. Os vínculos com os pais são fortes. Eles reflectem os aspectos da
personalidade dos pais e as dimensões históricas e sociais.
CONCLUSÕES
O estigma da morte na cultura ocidental prevalece como elemento delimitador
da estrutura psicológica individual e social com ela relacionada. Como resultado
da incapacidade de aceitação emocional da morte, a sociedade condiciona os
comportamentos do luto a limites estritos e recatados de expressão. Ora, a
pessoa em luto, tendo necessidade de expressar um conjunto de manifestações
psicológicas ao longo de um período de tempo como reacção à perda do seu ente
querido, não tem capacidade de se ajustar em termos temporais e de quantidade
e qualidade de emoções à exigências sociais. Com efeito, uma vez que a
assimilação afectiva é bem mais complexa e demorada do que a assimilação
racional, o luto exige tempo não balizado para que a pessoa em luto
desconstrua, através de fases gradativas, os laços de vinculação que criou com o
ente querido.
A morte, única certeza que sempre nos acompanha, é ainda um tabu. Como tal,
todo o processo conducente à reorganização emocional desenvolvido pelas
pessoas que nutrem pelo ente querido profundos sentimentos de vinculação é
aceite dentro de limites bem padronizados e demasiado estreitos e severos para
a natural urgência de expressão das intensas emoções negativas nele geradas.
Uma sociedade saudável é a que disponibiliza aos seus elementos espaço para a
gestão serena da construção, da manutenção e da perda dos afectos. É, por isso,
indispensável que o luto, como a morte, ocupem o lugar natural que lhe é devido
na vivência pessoal e no convívio social. Só derrotando os temores que à volta de
ambos erigimos, conseguiremos desvanecer as angústias mórbidas com que os
fantasiamos.
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