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TERAPÊUTICAS NO
PROCESSO DE LUTO
UNIDADE III
CONTEXTOS DE INTERVENÇÃO
EM LUTO
Elaboração
Mayarê Leal Ferreira Baldini
Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração
SUMÁRIO
UNIDADE III
CONTEXTOS DE INTERVENÇÃO EM LUTO....................................................................................5
CAPÍTULO 1
FAMÍLIA EM LUTO................................................................................................................ 5
CAPÍTULO 2
CRIANÇA EM LUTO.............................................................................................................. 8
CAPÍTULO 3
O PROFISSIONAL E O LUTO................................................................................................ 15
REFERÊNCIAS.........................................................................................................................19
CONTEXTOS
DE INTERVENÇÃO UNIDADE III
EM LUTO
Nas últimas décadas, os olhares, dentro da Psicologia, das demais áreas de saúde
passaram a perceber o luto sob uma perspectiva da complexidade. Isso significa que as
questões relacionais têm sido cada vez mais consideradas, para além das experiências
individuais.
Desse modo, voltar-nos-emos aqui para formas de vivenciar o luto dentro de relações
e contando com vínculos como formas de enfrentamento.
Capítulo 1
FAMÍLIA EM LUTO
Perder um ente querido é uma ocasião dolorosa que impacta seu grupo familiar de
forma importante. Cada membro tecerá uma perspectiva individual e diferente para a
perda, e se valerá de meios de enfrentamento igualmente distintos e diversos (LABATE;
BARROS, 2006).
Vendo sob a ótica da psicanálise, existe um aparelho psíquico familiar que organiza o
funcionamento familiar. Ele faz um arranjo entre os materiais psíquicos dos diferentes
membros e dá origem a uma composição única. De acordo com a teoria, esse aparelho
tem por tarefa equilibrar os investimentos libidinais, sustentar uma identidade e construir
sentidos para a família (MACHADO et al., 2011).
Em uma situação de luto familiar, a perda do ente querido produz uma série de
conflitos, sintomas e mal-estares intrapsiquicamente, em cada membro, mas também
intersubjetivamente, ameaçando a homeostase do grupo e produzindo um temor de
colapso dos vínculos frente à ausência da pessoa falecida (MACHADO et al., 2011).
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UNIDADE III | Contextos de intervenção em luto
Como já vimos, não é costumeiro falarmos sobre o morrer de forma geral, e isso também
acontece em contextos familiares. O assunto costuma ser repreendido e evitado. É uma
dificuldade para as famílias estabelecer uma comunicação clara e franca sobre o assunto,
produzindo uma perspectiva coletiva e identitária que seja minimamente organizadora,
e que muito falta no contexto de perda (LABATE; BARROS, 2006).
Há contextos de maior risco, como já vimos, em nível individual, como, por exemplo, uma
perda por morte súbita ou não esperada, quando a família não tem oportunidade para se
despedir, se preparar para a partida ou para ajustar pendências em questões relacionais.
Em outro contexto, que já vimos, os pacientes que recebem o diagnóstico e que sabem
que em breve virão a falecer encaram, junto às suas famílias, um processo delicado e
trabalhoso de encontrar um fio mínimo de organização possível e de elaboração da
morte (LABATE; BARROS, 2006).
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Contextos de intervenção em luto | UNIDADE III
para um olhar menos severo sobre a partida do ente querido. Apresentamos, a seguir,
algumas categorias de significado (FRANCO, 2008):
» A injustiça da morte (“era uma pessoa tão boa, tão jovem, não merecia”).
» A morte dessa pessoa não faz sentido (neste caso, a ausência de sentido é uma
forma de compreensão).
» Aspectos biológicos da morte: de quais formas poderia ter sido evitada pelo
falecido, por sua família, pelo aparato de saúde etc.
» Relação do falecido com a própria morte: queria morrer, não queria morrer, sentia-
se pronto ou não, esperava, desejava etc.
Diante do luto, de tantas questões e de tantos níveis de impacto sobre cada membro
e sobre o conjunto familiar, a intervenção terapêutica parte da oferta de espaço e de
escuta para compreensão da angústia coletiva (MACHADO et al., 2011).
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Capítulo 2
CRIANÇA EM LUTO
É costumeiro pensarmos que a criança deve ser poupada do contato com a morte.
Alguns estudiosos equiparam, inclusive, o tabu da morte correlato ao sexo como assunto
a ser interdito na realidade infantil. Isso parte de uma suposição de que a criança não tem
aparato para compreender a morte e que, em consequência, o contato com a morte lhe
será prejudicial. Tal crença leva o assunto a ser evitado, seu significado reduzido e tanto
quanto possível silenciado seu impacto sobre o curso de desenvolvimento cognitivo,
emocional e social da criança (LIMA, 2007).
Por outro lado, os estudos e a experiência clínica nos apontam para uma direção
diferente. Colocar a morte em lugar de sigilo, silêncio e obscuridão pode produzir
perturbações em todo o processo de desenvolvimento infantil, que se tornam
evidentes especialmente quando a criança vivencia efetivamente uma experiência
de perda, luto ou morte. A tendência é que a criança se volte para o seu luto sob
a mesma perspectiva: como algo a ser recalcado, tamponado, escondido, vivido
solitariamente. Podemos imaginar que lidar com esse excesso produz um registro
potencialmente traumático. Esconder a morte da criança, portanto, tem consequências
difíceis e que impactam significativamente sobre o processo de desenvolvimento
infantil (LIMA, 2007).
No que se refere ao processo de luto da criança, vemos que o adulto costuma ter
um conjunto de pressupostos e exigências quanto ao comportamento que ela deve
assumir. Existem suposições como: que a criança não entende, que é indiferente, que
é pequena demais para ouvir sobre esse assunto. Por outro lado, nossos estudos já
alcançaram outras compreensões, que apontam para as possibilidades de apreensão
sobre a morte em crianças, considerando seu estágio de desenvolvimento e recursos
globais (LIMA, 2007).
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Contextos de intervenção em luto | UNIDADE III
Bowlby (apud LIMA, 2007) traçou etapas para o luto em crianças. São elas:
Figura 7. A tristeza.
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UNIDADE III | Contextos de intervenção em luto
Sentir-se culpada é uma postura correlata à relação que tinha com a pessoa falecida,
e a intensidade de sua severidade consigo mesma depende também de seu momento
de desenvolvimento. Perder alguém importante ou próximo pode levar a criança à
construção de um medo de morrer, sob a fantasia de que não tardará para essa morte
acontecer (LIMA, 2007).
Como já vimos em nossos estudos, a elaboração do luto passa pela capacidade de vivenciar
e expressar os pensamentos e afetos despertados frente à partida de um ente querido.
Com as crianças, não é diferente. Elas devem ser encorajadas a falarem e a expressarem
suas questões, sentimentos e percepções sobre a morte vivenciada (LIMA, 2007).
Ocasionalmente, este é um processo delicado, uma vez que a criança por vezes não tem
recursos de comunicação para expressar o que vivencia internamente. Ocorre também
que, percebendo ser esse um assunto desagradável aos adultos, a criança evite falar sobre
ou busque esconder o que está experimentando internamente. Como via alternativa, não
raramente surgem os sintomas corporais, bem como hostilidade e irritabilidade (LIMA, 2007).
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Contextos de intervenção em luto | UNIDADE III
Nas crianças, não é totalmente diferente. Podemos imaginar, no entanto, que os recursos
psíquicos para realizar esse trabalho são menos amadurecidos que os dos adultos.
A criança está numa condição de dependência muito significativa, e por isso não pode
reconhecer com facilidade seus objetos de amor sendo separados dela. É difícil para
ela reconhecer a perda como a morte de uma outra pessoa: em sua fantasia, ela perdeu
uma parte de si própria.
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UNIDADE III | Contextos de intervenção em luto
Frente à morte de um de seus genitores, por exemplo, vemos que surgem afetos
de ambivalência com relação ao morto. Entre amor e ódio pelo objeto perdido, a
criança embarca em um estado, torna persecutório para a criança e produz sentimento
de insegurança por uma possível retaliação pelos seus afetos hostis (FRANCO;
MAZORRA, 2007).
Nessa situação, é bastante importante que uma figura exerça o papel de continente para
os sentimentos hostis da criança. Pela via do amparo, deve-se, tanto quanto possível,
auxiliar a criança a lidar com a ambivalência e com a culpa. Estando muitas vezes,
igualmente fragilizados e sobrecarregados os cuidadores da criança, que também vivem
um momento de luto, a psicoterapia pode assumir um importante papel de sustentação
para a criança (FRANCO; MAZORRA, 2007).
É bom nos atentarmos, então, para essa questão: a agressividade reprimida da criança
quanto ao objeto é um entrave para o desenrolar do processo de luto. Assim, se a criança
tiver dificuldade de expressar seu ódio e isso se encontrar com a indisponibilidade da
família para acolhê-lo, ela tende a recorrer a suas defesas maníacas para se proteger
do excesso psíquico gerado pela raiva.
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Contextos de intervenção em luto | UNIDADE III
o genitor falecido (potencialização das fantasias edípicas e de culpa por ter matado
o genitor para substituí-lo).
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cuidadores e figuras de amparo. Por isso, o trabalho isolado com a criança não é
tão eficiente quanto um manejo em nível familiar.
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Capítulo 3
O PROFISSIONAL E O LUTO
Se falamos em “tristeza”, você saberá o que é esse sentimento não por conhecer a sua
definição ou seu conceito, mas por em algum momento já ter estado triste. Certamente, sua
experiência de tristeza é diferente de todas as outras, mas é o eixo comum que temos em
nossa humanidade que produz nossa possibilidade de escuta ao outro com sensibilidade e
empatia. Estou falando, neste momento, de introspecção: uma atenção que voltamos para
nossas experiências internas que, por vezes, nos ajuda a compreender o que o outro sente.
Possivelmente, para se apropriar dos assuntos que nós estamos discutindo, dos conceitos
abstratos e das narrativas de estados psíquicos e corporais, você buscou referências
para além das teorias. É possível que você tenha visitado as suas próprias experiências
de dor, de tristeza, de sofrimento, de pesar.
Tudo isso para conduzir a uma constatação tão simples quanto importante: as
intervenções terapêuticas com pacientes enlutados exigem do terapeuta uma condição
de sensibilidade e de empatia muito sofisticadas. Se recebido e cuidado a partir de uma
teoria, unicamente, o paciente não provará de uma relação genuína de cuidado, no qual
há um vínculo a partir de um interesse, de uma preocupação e de um reconhecimento
da dor e da dificuldade do momento.
Sob esse prisma, podemos entender que, em nossa função de cuidadores, estamos
amparados em nossa história, em nossas vivências, em nossos recursos e em nossas
precariedades para acolher o outro. Ainda que esses fatores pessoais não sejam expostos
para o paciente ou que não haja referência clara e constante aos nossos conteúdos
enquanto trabalhamos, nosso instrumento de trabalho passa significativamente pela
nossa subjetividade (BALDINI, 2015).
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UNIDADE III | Contextos de intervenção em luto
Estamos cada vez mais atentos às questões da face privada do terapeuta: suas identificações,
suas ideologias, sua história de origem, suas relações. Sabemos que, quando um terapeuta
encontra um paciente, ele encontra uma pessoa inteira: seus ancestrais, sua cultura, sua
humanidade, suas pessoas, seus fazeres. O contrário também é verdade. O paciente,
ao encontrar seu terapeuta, encontrará um arranjo psíquico único (BALDINI, 2015).
Não é forçoso afirmar, então, que o terapeuta deve assumir um compromisso ético
frente à sua pessoalidade despertada a cada encontro com cada paciente. Não se trata
de um esforço para excluir o fator pessoal do trabalho — em nosso entendimento, isso
sequer é possível — mas de se deparar responsavelmente com essas questões de modo
a zelar pelo cuidado com o paciente e com a fluidez do tratamento (BALDINI, 2015).
Por vezes, entramos em contato com casos e histórias que nos fazem sofrer, somos
impactados pelos acontecimentos, pelas perdas e pelas dores do outro. Há casos que
são, para nós, difíceis. Estamos falando daqueles casos que produzem sobrecargas,
ao ponto de desejarmos conversar com algum colega de confiança e buscar suporte.
Suporte e atenção às condições psíquicas são confortos que encontramos somente em
figuras de alteridade (BALDINI, 2015).
Outro espaço muito relevante de amparo com o qual o terapeuta pode contar é o da
supervisão clínica. Muitas vezes, a supervisão clínica é uma experiência vivida durante a
graduação do psicólogo que fica, depois, esquecida. A figura do supervisor tem enorme
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importância para lidar com os aspectos técnicos que, por vezes, ficam inacessíveis ou
obscuros frente ao manejo do trabalho junto ao paciente. Afinal, aquilo que nos escapa
quando estamos engajados numa relação terapêutica geralmente só é constatado por
um terceiro a essa relação. Esse terceiro, necessariamente, deve estar em condição ética
para realizar tal intervenção (BALDINI, 2015).
Os profissionais que lidam com situações recorrentes de perda e luto em seu trabalho,
como os que atuam em emergências ou com pacientes em fim de vida, costumam
também demandar um ponto de apoio, uma vez que vivem sob constante tensão e
sob a responsabilidade de intervirem de forma cuidadosa e humanizada junto a seus
pacientes. A noção de cuidado do cuidador, por isso, tem estar cada vez mais presente
(AMARAL et al., 2010).
Afinal, estamos falando de profissionais que atuam em situações críticas, que precisam
agir e decidir rapidamente seus manejos, em espaço de tempo curto. Os pacientes, por
sua vez, esperam que os profissionais estejam sempre prontos, disponíveis e dispostos
à tarefa que irão desempenhar (AMARAL et al., 2010).
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Lidar cotidianamente com a dor, a morte e o sofrimento gera um nível de tensão elevado
que não raramente é direcionado para as relações intraequipe. A proximidade com
pessoas em fim de vida produz muitas incertezas e temores, dos quais o profissional
tende a se proteger e evitar (AMARAL et al., 2010).
Ao mesmo tempo, existe o risco de o profissional subir suas defesas tão severamente
frente às exigências de seu contexto de trabalho que passa a assumir uma postura de
certa indiferença e de frieza no cuidado com seus pacientes. O cuidado com o cuidador
implica, então, cuidá-lo individualmente e também em equipe (AMARAL et al., 2010).
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