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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 2
UNIDADE 1 PROCESSOS GRUPAIS ........................................................................ 5
UNIDADE 2 - RELACIONAMENTOS INTERPESSOAIS E CONFLITOS .................. 8
2.1 Relacionamentos interpessoais............................................................................. 8
2.2 Conflitos ................................................................................................................ 9
UNIDADE 3 - COMUNICAÇÃO ................................................................................ 12
3.1 Comunicação verbal ............................................................................................ 13
3.2 Comunicação não verbal ..................................................................................... 14
UNIDADE 4 - FUNDAMENTOS DA PERSONALIDADE .......................................... 16
UNIDADE 5 - COGNIÇÃO E AFETIVIDADE ............................................................ 21
5.1 Processos cognitivos ........................................................................................... 21
5.2 Processos afetivos .............................................................................................. 25
UNIDADE 6 - TOMADA DE DECISÕES ................................................................... 28
UNIDADE 7 - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO . 30
7.1 Desenvolvimento pré-natal e implicações para/da família .................................. 34
7.2 Desenvolvimento na primeira infância e implicações para/da família ................. 35
7.3 Desenvolvimento na segunda infância e implicações para/da família ................. 38
7.4 Desenvolvimento na terceira infância e implicações para/da família .................. 40
7.5 Desenvolvimento na adolescência e implicações para/da família ....................... 42
7.6 Desenvolvimento do adulto e implicações para/da família .................................. 44
7.7 Desenvolvimento do idoso e implicações para/da família ................................... 46
UNIDADE 8 - ENTREVISTA PSICOLÓGICA E PSICOTERAPIA ............................ 47
UNIDADE 9 - ÉTICA ................................................................................................. 52
9.1 Ética e moral ....................................................................................................... 52
9.2 Ética nas relações com o paciente/cliente........................................................... 53
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 58
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INTRODUÇÃO

A família é uma instituição que existe há vários anos e é responsável por


várias questões, tais como a perpetuação da espécie humana, a transmissão de
valores entre as gerações, o estabelecimento de laços afetivos, a socialização,
dentre outras. Assim, percebe-se a importância da família, inclusive, no que diz
respeito à sobrevivência e à transmissão de valores morais e educacionais. Por isso
o senso comum costuma reproduzir a ideia de que a família é a base de tudo, o que
não é incorreto.
O mesmo senso comum difunde a ideia de que a família vem se
desintegrando ao longo dos tempos, na verdade, o que reflete os ideais de família
enquanto instituição civil, representada pelos contratos de casamentos civis, os
quais, realmente, têm sido dissolvidos com mais facilidade e frequência no Brasil
após a regulamentação do divórcio. Na verdade, as famílias existem, se formam, se
dissolvem, porém, com todas as mudanças ocorridas nos contextos social, histórico
e cultural, a família também sofreu modificações, por isso não é possível definir
famílias apenas como a união civil entre duas pessoas de sexos diferentes com fins
de reprodução.
A citação a seguir ilustra os benefícios provenientes da organização da
sociedade em grupos, como as famílias, de onde se pode observar claramente que
não está explícita a necessidade de uma organização familiar tal como
compreendemos ao longo dos últimos anos:

No decorrer do curso da evolução humana, aqueles que viviam com outras


pessoas tinham maior chance de sobreviver e transmitir seus genes. As
crianças que ficavam com adultos (e resistiam a ser deixadas sozinhas)
tinham mais chance de sobreviver até seus anos reprodutivos, pois o grupo
fornecia proteção e cuidados. Da mesma forma, os adultos que eram
capazes de desenvolver relacionamentos de compromisso de longo prazo
tinham maior chance de se reproduzir e de ver os filhos sobreviverem para
se reproduzir. Os grupos efetivos compartilhavam alimento, vivência (como
caçar grandes mamíferos ou tomar cuidado com inimigos predatórios) eram
mais bem realizadas com a cooperação do grupo. Portanto, faz sentido que,
ao longo dos milênios, os seres humanos tenham se comprometido a viver
em grupos (GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005, p. 440).

Assim, fica explícito o quanto a organização da sociedade em grupos, como


a família, foi um processo decisivo à perpetuação da espécie humana, o qual vem
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acontecendo até os dias atuais. As famílias propiciam, aos seus membros, não
apenas segurança física, mas também suporte social, sensação de amar e ser
amado, além de estabilidade. Quando a família está bem integrada, seus membros
são saudáveis do ponto de vista biopsicossocial, esse sistema funciona bem,
entretanto, devido a fatores internos e externos o grupo familiar pode sentir ameaça
de ruir-se. Se nada for feito, realmente o grupo familiar pode deixar de existir. Uma
das alternativas possíveis para se evitar a dissolução do grupo familiar, promover
melhorias na qualidade do relacionamento entre seus membros, ou mesmo prevenir
o surgimento de crises em situações de mudanças e necessidade de readaptação é
a terapia familiar.
A terapia familiar é um campo de estudo e intervenção de suma importância
para aqueles que desejam estudar os movimentos pelos quais as famílias têm
realizado no sentido de se formar, consolidar e se dissolver, quando é o caso. Além
do estudo, a terapia familiar visa à intervenção, visando à promoção da saúde dos
membros da família, à sua proteção legal, ao acesso de seus membros às políticas
públicas voltadas à família, além da atuação – nos níveis clínico, escolar,
comunitário e institucional – visando à prevenção de conflitos, à manutenção da
estrutura familiar ou à reorganização de seus membros quando uma família se
dissolve.
Quando um dos membros do grupo familiar apresenta um problema – por
exemplo, quando um idoso sofre com doença de Alzheimer ou quando um jovem
torna-se dependente de substâncias psicoativas – toda a família se vê envolvida no
mesmo problema, porém de formas diferentes, o que pode impactar no estado
psicológico de todos os membros. A terapia familiar pode ser um recurso para tentar
solucionar o problema inicial, quando possível, e fornecer subsídios para que os
demais membros do grupo familiar lidem de forma mais saudável com o problema.
Diferentes profissionais podem atuar no estudo e na intervenção em Terapia
Familiar: psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, educadores, advogados e
defensores públicos, médicos, sociólogos, filósofos, teólogos, dentre outros
profissionais que lidam diretamente com famílias. No Brasil, a entidade responsável
pela área é a ABRATEF – Associação Brasileira de Terapia Familiar.

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Ao longo do curso, apresentaremos e discutiremos temas diretamente


relacionados à terapia familiar. Nesta apostila, especificamente, voltaremos nossa
atenção para algumas questões preliminares ao estudo da terapia familiar em si: a
dinâmica de grupo, os relacionamentos interpessoais, a comunicação, os conflitos, a
personalidade, a afetividade, o desenvolvimento humano, a entrevista psicológica e
a ética profissional. Teremos o cuidado de, ao longo deste material, apresentar
esses conceitos, relacionando-os diretamente com a dinâmica das famílias, para,
futuramente, em outro material deste curso, relacionar a influência dos mesmos no
processo de formação, manutenção, dissolução das famílias, assim como na
reestruturação de seus membros e na possível formação de novas famílias.
Entretanto, em alguns momentos, os temas podem parecer distantes da ótica da
terapia familiar, ou mesmo fragmentado, mas os subsídios oferecidos neste material
são essenciais para a compreensão de temas mais específicos e seus
aprofundamentos que serão oferecidos no decorrer do curso.
A EaD, atualmente, é uma ferramenta bastante positiva, pois promove a
democratização da educação, principalmente onde não há formação presencial
disponível para aquele que deseja se aperfeiçoar. O aluno tem a vantagem de
construir seu próprio conhecimento onde e quando for mais conveniente para ele, o
que acaba por promover maior adesão aos estudos num ritmo próprio, diferente do
padronizado nas salas de aula. Com este curso, pretendemos levantar várias
discussões imprescindíveis ao trabalho do terapeuta familiar.
Os principais autores pesquisados foram Gazzaninga e Heatherton (2005),
Papalia, Olds e Feldman (2006), Dalgalarrondo (2008), dentre outros autores.

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UNIDADE 1 – PROCESSOS GRUPAIS

Para falarmos em família, inicialmente precisamos pensar num conceito


mais amplo, o de grupo. Em linhas gerais, é possível compreender grupo como a
reunião de duas ou mais pessoas, entretanto, a partir daí surgem outras questões
que se tornam pertinentes a essa conceituação. Quais os objetivos de um grupo?
Por que um grupo se forma? Que tipo de relacionamento ocorre entre os membros
de um grupo? Um grupo é fechado ou recebe influências externas? Qual a
importância da comunicação no contexto de grupo?
Ao longo desta apostila, seremos levados a estudar e a refletir sobre essas
questões, lembrando-se de que a família é um tipo específico de grupo – o grupo
familiar – o qual possui algumas características que o diferem de outros grupos.

É difícil definir ‘grupo’ em poucas palavras, abarcando toda a imensa gama


de ações e emoções que se desenvolvem no processo de interação grupal
e que se denomina dinâmica grupal. O grupo é o ‘meio ambiente’ natural do
homem (psicossocial). Crescemos e vivemos em grupos nos quais
experimentamos as nossas primeiras lições de relacionamento humano,
sendo que é somente por meio do grupo que adquirimos a nossa identidade
e, como em um espelho, reconhecemos nossa própria imagem (BROFMAN,
2008, p. 299).

Desde bem pequenos, em nossos primeiros anos de educação formal,


nossos professores nos ensinam que o homem é um ser social, que vive em
sociedade e depende dessas interações com outras pessoas para sobreviver e para
possibilitar a sobrevivência dos outros. Como ilustra claramente a citação de
Brofman (2008), a família é o primeiro grupo ao qual fazemos parte, é o meio
ambiente onde vivenciamos nossas primeiras lições de relacionamentos
interpessoais. Segundo Gazzaninga e Heatherton (2005), o ser humano tem a
necessidade de afiliação, ou seja, de estar em contato social com outras pessoas, o
que é propiciado através dos relacionamentos interpessoais que se estabelecem
entre os membros de um grupo.
Aprendemos a partir da imitação dos demais integrantes de nosso grupo
familiar, por isso, à medida que crescemos e nos vemos inseridos em outros grupos
– a escola, os amigos, a igreja, nosso bairro, os amigos dos amigos, nosso trabalho,
nossos cônjuges, dentre outros grupos – somos levados a interagir com outras

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pessoas, as quais carregam uma bagagem diferente da nossa, pois todos foram
provenientes de núcleos familiares diferentes.
Weil (2002, p. 33) define grupo como “toda reunião de indivíduos em torno
de um objetivo comum”, sendo que o mesmo pode ser formado de maneira
voluntária ou involuntária. “Sendo o grupo composto de indivíduos, é evidente que o
seu êxito depende, estreitamente, das atitudes dos indivíduos que os compõem”
(p.39).
Um objetivo do grupo familiar é permanecer-se unido, assim, conforme
mostra Weil (2002), as atitudes dos membros do grupo familiar podem contribuir
para a manutenção ou para a dissolução da família.
O ser humano busca ajustar-se aos grupos nos quais ele se encontra
inserido:

Uma motivação humana dominante é se ajustar ao grupo. Uma maneira de


as pessoas fazerem isso é por meio da autoapresentação estratégica. Mas
as pessoas também se conformam às normas do grupo, obedecem
diretamente às normas das autoridades e são facilmente influenciadas pelos
outros em seu grupo social. O desejo de se ajustar ao grupo e evitar ser
ostracizado é tão grande que, em algumas circunstâncias, as pessoas se
comportam de uma forma que elas mesmas condenariam em outro
momento (GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005, p. 450).

O estudo dos grupos é de suma importância para a Psicologia. Os primeiros


estudos com grupos investigavam aspectos referentes a grandes populações, às
massas, porém, a pesquisa de grupos se desenvolveu a partir de grupos menores,
com objetivos claramente definidos. Kurt Lewin é um teórico que merece destaque
nos estudos com grupos (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999).
A partir dos estudos de Lewin, muitos temas associados à dinâmica grupal
passaram a ser estudados, como se pode observar na citação a seguir.

[...] coesão do grupo (condições necessárias para a sua manutenção);


pressões e padrões do grupo (argumentos reais ou imaginários, manifestos
ou velados que seus membros utilizam para garantir a fidelidade dos
demais aos objetivos do grupo e ao padrão de conduta estabelecido);
motivos individuais e objetivos do grupo (elementos que garantem fidelidade
e que estão relacionados com a escolha que cada indivíduo faz ao decidir
participar de um grupo); liderança e realização do grupo (força de
convencimento – carisma – exercida por um ou mais indivíduos sobre os
outros e o tipo de atividade exercida pelo grupo); e, por fim, as propriedades
estruturais dos grupos (padrões de comunicação, desempenho de papéis,
relações de poder, etc.) (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999, p. 219).
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Em se tratando especificamente da Psicoterapia de Grupo, ressalta-se que


essa modalidade teve grande repercussão na década de 1940, em ocasião da
Segunda Guerra. Nesse contexto, merecem destaque os trabalhos de Bion, o qual
define grupo como um organismo com vida mental própria e que funciona em dois
planos: o consciente – denominado grupo de trabalho – e o inconsciente – marcado
pelos “supostos básicos” dependência, luta e fuga, acasalamento. A técnica de
Psicoterapia se concentra na interpretação da transferência do grupo como um todo
e na sua relação com o terapeuta (BROFMAN, 2008).
Ao se estudar os processos grupais, não se desconsidera que as pessoas
vivem em sociedade, em campos institucionalizados. Somos, ao longo de nossas
vidas, institucionalizados por diferentes instituições. A institucionalização pode se
dar de diversas formas, sendo que em algumas – como quando convivemos num
grupo de amigos – podemos escolher com que pessoas conviver e,
consequentemente, formar um grupo. Porém, há situações em que a
institucionalização nos obriga a conviver diariamente com pessoas, independente de
nossa escolha – a exemplo do que acontece no ambiente de trabalho (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 1999).
Quando um grupo se estabelece, alguns fenômenos passam a atuar sobre
as pessoas individualmente e sobre os grupos, o que é denominado processo
grupal. A coesão é buscada pelos membros do grupo de forma que os mesmos
sigam as regras estabelecidas (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999).
Os grupos influenciam o comportamento individual – de forma positiva ou
negativa. Por exemplo, há estudos bastante antigos, como o de Triplett (1897), que
puderam demonstrar que ciclistas pedalam mais rápido quando estão em grupo do
que quando estão sozinhos, o que nos leva a compreender que a mera presença de
outras pessoas facilita o desempenho do indivíduo – fenômeno denominado de
facilitação social (GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005).
Talvez daí podemos compreender a ideia difundida pelo senso comum de
que uma família unida tem maiores condições de enfrentar alguma adversidade, o
que se mostra em perfeito acordo com esses pressupostos.

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UNIDADE 2 - RELACIONAMENTOS INTERPESSOAIS E


CONFLITOS

2.1 Relacionamentos interpessoais


A família é um tipo de grupo ao qual estamos inseridos desde que
nascemos. À medida que vamos crescendo, passamos a fazer parte também de
outros grupos, o que aumenta a possibilidade de interação com outras pessoas,
além do núcleo familiar. Somos seres sociais, portanto, a necessidade de interação
com outras pessoas é uma realidade desde que nascemos. Devido ao fato de já
nascermos imersos em relações humanas, inicialmente, poderíamos pensar que
seríamos especialistas em relacionamentos interpessoais, mas, na realidade, muitas
das vezes somos surpreendidos de forma negativa devido aos relacionamentos que
estabelecemos na família, no trabalho, na comunidade.

O estudo das relações humanas constitui, hoje, verdadeira ciência


complementada por uma arte – a de obter e conservar a cooperação e a
confiança dos membros do grupo […] Problemas de relações humanas se
encontram nas relações do indivíduo com o grupo, dos indivíduos entre si,
do grupo com outros grupos, do líder com o grupo, do indivíduo com o líder.
Onde se encontram dois indivíduos há problema de relações humanas
(WEIL, 2002, p. 15).

Os relacionamentos interpessoais – ou relações humanas – dependendo da


denominação do autor são, como afirma Weil (2002), especialidades do psiquiatra,
psicólogo, sociólogo, assistente social e educador especializado, porém esses
relacionamentos se encontram presentes onde se encontram pessoas reunidas, seja
nas famílias, no trabalho, na educação, nas organizações em geral, enfim, em todos
os locais.
“Relações humanas é a expressão usada para designar os resultados da
comunicação entre as pessoas e suas consequências”. Para um estudo eficaz das
relações humanas, é necessário investigar o relacionamento intrapessoal e
interpessoal. “Considera-se interpessoal o relacionamento que se realiza entre duas
ou mais pessoas e intrapessoal o que o indivíduo realiza consigo mesmo em seus
pensamentos e devaneios” (GARCIA, 2007, p.184).
Ou seja, além de relacionarmos com outras pessoas, relacionamos conosco
mesmo, pensamos, avaliamos possibilidades antes de tomarmos decisões e de
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respondermos a alguma demanda externa. Os relacionamentos interpessoais e


intrapessoais devem estar em sintonia visando a uma comunicação saudável e ao
bem-estar psicológico das pessoas envolvidas. No contexto familiar, problemas no
relacionamento interpessoal ou intrapessoal podem ser responsáveis por sérios
desajustes, os quais podem ser base da intervenção do terapeuta familiar.

2.2 Conflitos
Os conflitos ocorrem, normalmente, nas relações interpessoais e podem ser
provenientes de uma série de fatores de ordem individual, familiar, cultural, dentre
outras fontes.
Os conflitos podem ser decorrentes de diversas causas, tais como
experiência de frustração de uma ou ambas as partes; diferenças de personalidade;
metas diferentes; diferenças em termos de informações e percepções
(NASCIMENTO; SAYED, 2002). Devido a essas várias fontes que poderiam
culminar com a ocorrência de conflito, não é de se espantar porque as famílias
vivem tantas experiências conflituosas. Várias pessoas que interagem por longos
períodos de tempo, permanecem várias horas do dia juntas, que possuem
afinidades, mas, também, discordam em vários pontos de vista.
Segundo Weil (2002, p.15), “Onde se encontram dois indivíduos há
problema de relações humanas.” Ou seja, os problemas na área do relacionamento
interpessoal são comuns e acontecem desde que haja mais de uma pessoa
envolvida. No relacionamento marital isso não poderia ser diferente.
Alguns conflitos são facilmente solucionáveis e não implicam em maiores
consequências para os envolvidos, já outros são tão graves que podem, inclusive,
culminar com um divórcio ou com a quebra de vínculos entre pessoas de um mesmo
agrupamento familiar, tais como irmãos, primos, sogra e nora, dentre outros. Dessa
forma, observa-se que um conflito pode provocar importantes rupturas no meio
familiar. Alguns conflitos podem ser evitáveis, outros são essenciais para romper a
estagnação.
Nesse sentido, Nascimento e Sayed (2002) reforçam que há registros da
ocorrência de conflitos desde os primórdios da humanidade, sendo os mesmos
necessários para o crescimento pessoal do indivíduo e de instituições, como a

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família. Mas os conflitos podem ser necessários para o crescimento? Então eles não
são sempre negativos? Na verdade, os conflitos não são sempre iguais.
Faz-se necessário diferenciar dois tipos de conflitos: construtivos e
destrutivos. Os conflitos destrutivos, como diz o nome, são os mais conhecidos,
acabam por ocasionar desintegração, separação e insatisfação. Já os conflitos
construtivos, por outro lado, proporcionam criatividade, inovação e crescimento para
os envolvidos.

Aplicando essa definição na vida prática, temos como um exemplo de


conflito construtivo a ‘D.R.’ (discussão da relação), momento em que um
casal pode expor seus pontos de vista, analisar as diferenças e pensar em
possibilidades mais promissoras para sua relação (MOREIRA, 2017, p.
169).

Interessante que, atualmente, temos a ideia de que os conflitos sempre são


negativos, por isso as pessoas tendem a evitar, a todo custo, discussões e
problematizações que poderiam ser favoráveis e positivas, o que acaba gerando
maiores problemas futuros devido à falta de diálogo e à incapacidade de se lidar
com questionamentos e confrontos. No ambiente familiar, a ocorrência de conflitos
construtivos é essencial para se proporcionar mudanças saudáveis. Culturalmente, é
visível que, em nosso país, as pessoas tendem a evitar conflitos, pois têm a
impressão de que eles são fonte de problemas e desgastes. Por isso, muitos casais
fogem das ‘D.R.’, o que é negativo, pois perdem oportunidades ímpares de se
entenderem, apararem arestas e encontrarem alternativas mais saudáveis de
convivência.
Como já ficou visível, os conflitos acontecem onde há duas ou mais pessoas
reunidas, inclusive nas famílias. Torna-se importante evitar os conflitos destrutivos,
mas, quando os mesmos já houverem ocorrido, se faz imprescindível contorná-los,
buscando a negociação – uma estratégia que busque, na medida do possível,
beneficiar as partes envolvidas.
A negociação é sempre uma alternativa de suma importância na busca da
resolução de um conflito interpessoal, porém, para que a mesma seja possível, faz-
se necessário que ambas as partes tenham condições de saber comunicar (falar,
ouvir, perguntar); não entrar em clima de competição acirrada; buscar a
colaboração; saber como evitar o conflito (mas, quando o mesmo já ocorreu, não
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negá-lo e buscar a solução do mesmo); saber lidar com a acomodação (de forma
que alguns indivíduos acomodam-se tanto que chegam a concordar em ceder todas
as vezes, o que também não é vantajoso). Segundo Nascimento e Sayed (2002), o
mais importante é denominado como compromisso e consiste num padrão médio de
assertividade e cooperação, ou seja, uma das partes envolvidas no conflito desiste
de alguns pontos, levando-se a distribuir o resultado entre ambas as partes.
Alguns pontos podem dificultar a negociação no ambiente familiar, como os
papéis ocupados, a autoridade, a distância, a tendência a evitar conflitos a qualquer
custo, dentre outras questões que serão trabalhadas ao longo deste curso.
Nascimento e Sayed (2002) ilustram alguns passos importantes para a
administração dos conflitos:

a) Criar uma atmosfera afetiva;


b) esclarecer as percepções;
c) focalizar em necessidades individuais e compartilhadas;
d) construir um poder positivo e compartilhado;
e) olhar para o futuro e, em seguida, aprender com o passado;
f) gerar opções de ganhos mútuos;
g) desenvolver passos para a ação a ser efetivada;
h) estabelecer acordos de benefícios mútuos (p.53).

Os membros familiares devem, por si próprios, visar à resolução dos


conflitos diariamente, antes que outras situações adversas se acumulem e tornem
os conflitos ainda mais complexos. Entretanto, nas situações onde não são visíveis
as possibilidades de resolução, uma saída pode ser buscar a ajuda profissional,
incluindo a orientação por parte do terapeuta familiar, o qual é uma pessoa externa
ao grupo familiar que está preparada para acolher o grupo familiar, identificar os
problemas no relacionamento do grupo e propor intervenções que visem à solução
dos impasses e à convivência mais saudável do grupo.

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UNIDADE 3 – COMUNICAÇÃO

A comunicação permite a ocorrência de relações interpessoais, essenciais


às interações entre duas ou mais pessoas. Para se estudar a dinâmica familiar é
essencial estudar essa comunicação, compreendendo-se que uma comunicação
clara auxilia na união entre seus membros e seu entrosamento, ao passo que a
distorção da comunicação, os segredos e a falta de clareza são elementos
rotineiramente associados à dissolução do meio familiar.
O que é comunicar? É apenas a troca de palavras ou mensagens? A citação
a seguir define brevemente o que é comunicação:

Comunicação é o processo de troca de mensagens, que tem como


elementos principais o contexto, o emissor, o receptor e a própria
mensagem. Este processo é composto, basicamente, de formas verbais e
não verbais, além da paralinguagem, que é a maneira como falamos
(STEFANELLI, 2006 apud BARBOSA; SILVA, 2007, p. 547).

Importante destacar que, segundo Weil (2002), acreditava-se que para se


comunicar com alguém bastava falar ou escrever, porém as comunicações são
sujeitas a distorções e deformações que fazem com que raramente a mensagem
seja recebida tal como foi emitida.
Diversas barreiras, físicas ou não, podem impedir que a comunicação flua ou
mesmo funcionar como variáveis intervenientes a ela. Dentre essas barreiras
citamos as opiniões e atitudes do receptor (podem fazer com que ele tenha acesso
apenas àquilo que é de seu interesse); o egocentrismo (que impede o receptor
enxergar o ponto de vista do emissor); a percepção que se tem do outro
(influenciada por estereótipos e preconceitos); a competição (quando um quer falar
mais que o outro, na verdade não se ouve nada); a frustração (que impede a pessoa
de ouvir e entender o que está sendo dito); a transferência inconsciente
(transferimos sentimentos relacionados à determinada pessoa para o interlocutor); a
projeção (transferimos para o outro intenções que na verdade são nossas); inibição
(do emissor em relação ao receptor e vice-versa) (WEIL, 2002).
Se a mensagem não for clara ou se houve qualquer tipo de distorção no
envio ou no recebimento da mensagem, a comunicação perde o seu papel
primordial, o que oferece um risco à convivência familiar, especialmente se os
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membros do grupo familiar não enxergarem abertura para buscarem a real


compreensão do que foi mal-entendido.
Para haver comunicação precisa haver sentido. Os envolvidos no processo –
emissor e receptor – necessitam compreender a mensagem que está sendo
transmitida, a qual pode ser verbal ou não verbal.

3.1 Comunicação verbal

A comunicação verbal é aquela feita através de palavras expressas tanto


por meio da linguagem escrita como falada, e deve ser clara a fim de que o
outro compreenda o que estamos querendo dizer (BARBOSA, 1992 apud
BARBOSA; SILVA, 2007, p. 547).

Dentre as comunicações orais, destacam-se as ordens, os pedidos, as


conversas, a chamada telefônica, por áudio, debates, entre outras. Já as
comunicações escritas são as cartas, as mensagens de texto (enviadas atualmente
por diversas ferramentas tecnológicas), bilhetes, letreiros, cartazes, livros, jornais,
revistas, dentre outros meios (WEIL, 2002).
Atualmente, não podemos deixar de levar em consideração que as novas
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) representam avanço significativo
na comunicação oral e escrita em diversos contextos, tais como social, familiar,
escolar, organizacional. É importante que essas ferramentas sirvam para otimizar o
processo de comunicação, reduzir custos e distâncias entre os membros das
famílias. Quando bem aproveitadas, elas podem realmente ter esse fim. Por outro
lado, se mal utilizadas, essas ferramentas tecnológicas acabam por funcionar como
distratores adicionais, ou para tornar os membros de uma família cada vez mais
afastados dentro do ambiente doméstico e, por outro lado, o meio externo cada vez
mais próximo de seus membros via redes sociais.
Por meio das palavras faladas e escritas as pessoas têm, na teoria,
condições de se expressar claramente, entretanto, a comunicação verbal pode ser
complementada ou contradita por outra forma de comunicação, a não verbal.
Atualmente, é comum ocorrerem distorções na comunicação por via mensagens de
texto e e-mail, pois uma palavra que não é falada, acompanhada de sua entonação

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peculiar ou de gestos, expressões faciais, dentre outros aspectos pode ser


facilmente distorcida, colaborando para a ocorrência de conflitos.

3.2 Comunicação não verbal


Através da linguagem do corpo nós dizemos muitas coisas aos outros, os
quais também nos dizem coisas da mesma forma (WEIL, 1997).
Segundo Gazzaninga e Heatherton (2005, p.443), “expressões faciais,
gestos, estilo de caminhar e inquietação são exemplos de comunicação não verbal”.
Importante notar que:

Durante todo o curso da evolução humana, era muito importante,


obviamente, ser capaz de identificar rapidamente potenciais adversários ou
aliados. Ser sensível a diferenças sutis no comportamento não verbal
permite às pessoas predizer as interações e as ações futuras dos outros.
Embora não seja frequente avaliarmos conscientemente as ações físicas
das pessoas quanto ao seu valor comunicacional, somos influenciados por
essas ações. Acreditar se alguém está dizendo a verdade ou mentindo
depende mais de como essa pessoa diz alguma coisa do que daquilo que
ela diz, e os julgamentos repentinos que fazemos sobre as pessoas
orientam nossas futuras intenções em relação a elas. Essas várias fontes
de informação não verbal são referidas como canais e incluem expressão
facial, gesto e voz (GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005, p. 443).

Como falamos da comunicação intrapessoal, Weil (1997) reforça que o


nosso corpo funciona como um centro de informações também para nós mesmos,
ou seja, não se limita à comunicação interpessoal, mas também intrapessoal (do
indivíduo com ele mesmo). Importante destacar que essa comunicação expressa
pelo corpo – a comunicação não verbal – não mente, ao contrário do que pode
ocorrer na comunicação verbal.

A comunicação não verbal ocorre quando interagimos com outro com ou


sem a utilização de palavras, sendo que esta interação possui significados
para o emissor e para o receptor. É realizada através de expressões faciais,
gestos, pela maneira como os objetos estão dispostos no ambiente ou por
posturas corporais, por exemplo (SILVA, 1996 apud BARBOSA; SILVA,
2007, p. 548).

Segundo Barbosa e Silva (2007), a comunicação não verbal pode


complementar o verbal, contradizê-lo, substituí-lo, ou mesmo demonstrar
sentimentos.

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Nesse sentido, Weil (2002) pontua que existem comunicações conscientes e


inconscientes, por isso, enquanto falamos, os nossos gestos e mímica podem
transmitir exatamente o oposto do que está sendo falado. O falar normalmente
aparece como uma mensagem consciente, ao passo que a comunicação não verbal
aparece como uma forma inconsciente, que chega a contradizer as palavras ditas e
ou escritas.
No ambiente familiar, espera-se que as pessoas se conheçam bem, o que
facilita a intepretação de sinais não verbais. A partir de gestos, olhares e atitudes,
seus membros se comunicam, independente de palavras. Esse tipo de comunicação
precisa ser cauteloso, pois pode gerar ambiguidades e, caso não haja um diálogo
franco no sentido de se esclarecer os interditos, esse pode ser o primeiro passo para
a ocorrência de um conflito destrutivo desnecessário.
Até aqui compreendemos como a comunicação, parte integrante das
relações interpessoais, relaciona-se diretamente à ocorrência de conflitos ou de um
ambiente equilibrado no meio familiar. Existem também outros aspectos que
precisam ser analisados quando se visa ao estudo e à intervenção no meio familiar,
alguns inerentes a cada membro desse grupo, o que será apresentado nas seções a
seguir.

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UNIDADE 4 – FUNDAMENTOS DA PERSONALIDADE

Compreender o conceito de personalidade (ou aprofundar o seu estudo) se


faz necessário para o profissional que deseja atuar com pessoas, inclusive com
famílias. A personalidade garante a individualidade a cada indivíduo. É a forma
como cada pessoa é ou age em determinadas situações.
De maneira bastante informal, definimos personalidade como o estilo de vida
individual de cada um. Cada ser humano é único e a personalidade o caracteriza
como tal. Ao contrário do que diz o senso comum de que “existem pessoas sem
personalidade”, na realidade sabe-se que isso é impossível, pois cada pessoa
possui uma personalidade própria, que a caracteriza como pessoa – nem que seja
dependente da opinião alheia e influenciável, conforme postula esse dito popular.
Torna-se difícil oferecer uma definição concisa e unificada de personalidade,
pois esse é um tema muito amplo e abordado a partir de diferentes linhas teóricas,
porém, para se estudar o ser humano, deve-se compreender o funcionamento de
sua personalidade, o que orienta, em linhas gerais, seu jeito de ser e agir, “[...] a
personalidade pode ser representada como um reduto inato de características
básicas, acrescido de experiências vividas, que dá a alguém uma fisionomia
comportamental ímpar” (BERGAMINI, 2005, p. 102).
Gazzaninga e Heatherton (2005, p. 471) definem que:

A personalidade se refere às características, respostas emocionais,


pensamentos e comportamentos do indivíduo que são relativamente
estáveis ao longo do tempo e em diferentes circunstâncias. Os psicólogos
da personalidade estudam os processos básicos que influenciam o
desenvolvimento da personalidade em diversos tipos de análise, tal como a
influência da cultura, aprendizagem, biologia e fatores cognitivos. Ao
mesmo tempo, os que estudam a personalidade estão mais interessados
em compreender pessoas na sua totalidade. Isto é, eles tentam entender o
que torna cada pessoa única.

Partimos do pressuposto de que a personalidade garante a singularidade


psicológica do indivíduo (assim como comparamos que sua composição genética
carrega componentes que o caracterizam como indivíduo único). A personalidade se
estrutura a partir da interação de um potencial herdado em contato com o ambiente.
Ou seja, nossa personalidade carrega atributos herdados de nossos pais,

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associados com nossas próprias vivências a partir das interações que


estabelecemos ao longo de nossas vidas.
Segundo Mira y López (2015), o recém-nascido nasce em situação de total
vulnerabilidade e não tem condições de sobreviver sem os cuidados dos pais.
Entretanto, esse pequeno ser é dotado de um potencial energético transmitido
através da hereditariedade e, a partir desse potencial e dos estímulos presentes no
meio em que ele está inserido, desenvolve uma série de reações, cada vez mais
complexas, que irão constituir sua vida interior, de autoconhecimento, que o levará à
categoria de ser consciente dotado de uma personalidade que lhe é peculiar.
Sabe-se que a personalidade constitui o homem – ser sócio-histórico – e o
caracteriza enquanto indivíduo. Essa constituição depende de características
biológicas, transmitidas pelos genes às gerações, mas também ambientais,
representadas pelas interações com o meio e a consequente aprendizagem
decorrente das mesmas – a apropriação cultural (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,
1999). O esquema a seguir ilustra estes fatores que influenciam na personalidade:

Figura 1: Personalidade.
Fonte: Área de Integração (2013).

É comum ouvir, em conversas familiares, mães falando que “o filho tem o


gênio do pai”, pai falando que “sua filha tem a personalidade da avó materna”.
Observe como as pessoas percebem essas características que são herdadas e
reforçam isso como sendo uma herança positiva ou negativa, dependendo dos
atributos observados, o que pode, inclusive, gerar conflitos em discussões de casais.
A personalidade repousa em características que são transmitidas entre as famílias,

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mas o que caracteriza cada indivíduo como único são as suas vivências individuais
em interação com o que é herdado, proveniente de sua família.
Da mesma forma que se observam semelhanças entre os padrões de
personalidade de pessoas de diferentes gerações, a personalidade pode ser um dos
fatores decisivos na escolha de um parceiro amoroso. Normalmente, as pessoas
buscam companheiros compatíveis, ou seja, que compartilhem gostos em comum,
que apresentem traços de personalidade semelhantes (uma pessoa introvertida
provavelmente irá se sentir mais à vontade junto e um parceiro também introvertido).
Quando se ouve que um casamento não deu certo devido à
incompatibilidade de gênios, em outras palavras, diz-se respeito às diferenças de
personalidade. Vivemos a era da diversidade, somos levados a refletir sobre o
respeito às diferenças, mas quando essas diferenças são intensas e onipresentes na
rotina familiar, isso pode, realmente, ocasionar o surgimento de sérios conflitos,
culminando, inclusive, com a dissolução de um casamento.
Para tentarmos explorar um pouco mais esse ponto, volta-se o foco para
uma teoria importante, a abordagem dos traços de personalidade. Falamos em
traços de personalidade ao nos referir às características das pessoas, como, por
exemplo, extrovertidas e introvertidas. Esses traços de personalidade podem ser
definidos como uma tendência para a pessoa agir de determinada maneira, ao longo
dos anos, em diferentes situações (GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005).
O estudo desses traços de personalidade serve para presumir, prever e
explicar a conduta de determinado indivíduo, o que sugere que suas ações são
explicadas pelos mecanismos internos que produzam seus comportamentos e não
pelas situações, como muitos teóricos costumam afirmar. Os traços são estáveis,
porém são imutáveis e podem sofrer influência de aspectos motivacionais, afetivos,
comportamentais e atitudinais (COSTA; McCRAE, 1998 apud SILVA; NAKANO,
2011).

Os traços de personalidade seriam características psicológicas que


representam tendências relativamente estáveis na forma de pensar, sentir e
atuar com as pessoas, caracterizando, contudo, possibilidades de
mudanças, como produto das interações das pessoas com seu meio social
(SISTO; OLIVEIRA, 2007 apud SILVA; NAKANO, 2011, p. 52).

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A partir do conceito de traços de personalidade McCrae e Costa (1998 apud


GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005) propuseram a Teoria dos Cinco Fatores (ou
Big Five), a qual postula que a personalidade pode ser descrita usando-se cinco
traços: extroversão, neuroticismo, conscienciosidade (realização), cordialidade
(socialização) e abertura à experiência (GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005;
SILVA; NAKANO, 2011). A citação a seguir elucida detalhadamente as
características de cada um desses traços:

Extroversão como sendo a quantidade e a intensidade das interações


interpessoais preferidas, nível de atividade, necessidade de estimulação e
capacidade de alegrar-se. Socialização se caracterizaria por ser uma
dimensão interpessoal que se refere aos tipos de interações que uma
pessoa apresenta. Realização seria o fator que representa o grau de
organização, persistência, controle e motivação para alcançar objetivos, ao
passo que os outros fatores, Neuroticismo e Abertura referem-se ao nível
crônico de ajustamento emocional e instabilidade e aos comportamentos
exploratórios e reconhecimento da importância de ter novas experiências,
respectivamente (NUNES; HUTZ, 2002 apud SILVA; NAKANO, 2011).

Importante destacar que os Cinco Grandes são observáveis em todas as


culturas, incluindo adultos e crianças, ressaltando-se também evidências de que os
traços de personalidade têm componentes genéticos, relacionam-se à
neurofisiologia subjacente, de onde é possível concluir que os mesmos existem
muito além do nível meramente descritivo, como inicialmente poderia se pensar
(GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005).
Quando conhecemos bem outras pessoas – como os membros de uma
família – percebemos que é possível “prever” algumas de suas reações, ou seja,
quando conhecemos a personalidade de alguém, partindo-se do pressuposto de que
a personalidade é relativamente estável ao longo da vida, torna-se possível imaginar
sua reação diante de determinadas situações. A citação a seguir apregoa que cada
abordagem teórica explica a personalidade de uma forma e elucida determinadas
características e processos.

Segundo a abordagem psicodinâmica, os motivos e conflitos inconscientes


que são experienciados durante toda a vida, mais especialmente na
infância, moldam a personalidade. Os humanistas acreditam que cada
pessoa é única e capaz de realizar um grande potencial. Os teóricos do
traço descrevem o comportamento das pessoas com base em disposições
de traços. Os teóricos cognitivo-sociais focalizam como as interpretações e
crenças cognitivas afetam a percepção das pessoas de seu ambiente
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social. Essas variadas abordagens não se opõem, necessariamente, umas


às outras. Elas compartilham o objetivo comum de tentar compreender de
que maneira as pessoas são semelhantes e diferentes entre si
(GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005, p. 479).

A partir da explanação da citação anterior, elucidaremos algumas questões


que nos auxiliarão a finalizar essa seção. Em síntese, a personalidade reflete o estilo
pessoal de cada um, é uma característica que nos diferencia das demais pessoas,
garantindo a singularidade, inclusive, àqueles biologicamente parecidos, como
gêmeos univitelinos.
Diversas abordagens teóricas aprofundam no estudo da personalidade.
Dentre essas abordagens, a psicanálise reforça que a personalidade se estrutura
nos primeiros anos de vida, por isso as vivências da criança, especialmente com sua
família, nessa fase, são cruciais para a estruturação de sua personalidade. As
crianças aprendem pela imitação, por isso a influência das pessoas próximas é
essencial para sua formação. À medida que vão crescendo, os filhos vão
consolidando sua própria personalidade, que se molda a partir de seu substrato
biológico, inato e das interações que os mesmos estabelecem com o ambiente. Esse
processo pode resultar na maior aproximação dos filhos com um dos pais, de irmãos
entre si, ou mesmo pode proporcionar o afastamento dos membros de uma família e
o surgimento de conflitos.
A personalidade também exerce relação direta na escolha do par amoroso,
na manutenção da união do casal e, por outro lado, no surgimento de conflitos e na
posterior separação do casal. Inicialmente, no momento da conquista, é comum que
os casais apaixonados só revelem aquilo que têm de melhor, porém, com o avanço
da convivência, outras questões vêm à tona, em especial certos traços de
personalidade, que outrora escondidos, passam a se tornar mais evidentes e a
resultar na formação de conflitos.
Também fica a reflexão, que pode ser útil ao se compreender a dinâmica
familiar, a personalidade pode mudar? Estudos em algumas linhas, como a
cognitivo-comportamental aceitam a ideia de que a personalidade é passível de
mudanças. Assim, é possível acreditar que a personalidade é dinâmica e que certas
mudanças são realmente possíveis.

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UNIDADE 5 – COGNIÇÃO E AFETIVIDADE

O ser humano é dotado de intelecto e, talvez, o seu raciocínio complexo seja


a característica que mais o difere dos animais. Porém, na realidade, nossas ações e
nossa tomada de decisões não são exclusivamente da ordem da razão, ou da ordem
da emoção. Por questões didáticas, tendemos a abordar a cognição e a afetividade
separadamente, mas, na realidade, esses processos não podem ser separados,
como ilustra a citação a seguir:

As dimensões cognitiva e afetiva do funcionamento psicológico têm sido


tratadas, ao longo da história da Psicologia como ciência, de forma
separada, correspondendo a diferentes tradições dentro dessa disciplina.
Atualmente, no entanto, percebe-se uma tendência de reunião desses dois
aspectos, numa tentativa de recomposição do ser psicológico completo
(OLIVEIRA, 1992, p. 75).

Nos relacionamentos afetivos – seja entre o casal ou entre membros da


família – ora a razão, ora a emoção direcionam nossas condutas, além de interferir
nas decisões e nas atitudes das outras pessoas, já que toda ação desencadeia uma
reação. Para o profissional que irá trabalhar no contexto de famílias, compreender
brevemente a influência de fatores cognitivos e afetivos é essencial para buscar
entender a dinâmica familiar e tentar fornecer algum tipo de orientação.
Optamos por nomear essa seção como “cognição e afetividade”, mas, na
realidade, a cognição representa o que poderíamos denominar como “razão”, ao
passo que a afetividade representa os processos emotivos.

5.1 Processos cognitivos


Para abordar os processos cognitivos, faz-se necessário, inicialmente,
fornecer algumas informações sobre a mente e o cérebro, visto que esses conceitos
são essenciais para se aprofundar em qualquer discussão nesse sentido.
Partiremos então desse pressuposto: “O que é mente?”, “O que é cérebro?”.
A mente relaciona-se à experiência psicológica, é a atividade mental como
os pensamentos, os sentimentos, as experiências perceptivas provenientes da
interação com o mundo e a memória. A atividade mental é resultante de processos
biológicos que ocorrem em nível cerebral. Já o cérebro é um órgão que compõe o

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sistema nervoso, localizado no crânio, que produz atividade mental através da ação
dos neurônios e dos neurotransmissores. Em síntese: “A mente é o que o cérebro
faz” (GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005, p. 40).
Imagine, por exemplo, uma discussão entre um casal. Ambos os cônjuges
têm seus motivos, carregam experiências passadas, têm suas percepções acerca da
situação atual. Dependendo do ocorrido, uma das partes, ou ambos, podem decidir
se separar. A tomada de decisão (que apresentaremos em outra seção) é
decorrente da interação entre os processos cognitivos (que fornecem embasamento
para a “razão”) e os processos emotivos (os sentimentos, a afetividade). Em certas
situações, a decisão poderia tender mais aos apelos racionais, enquanto que em
outras, essa poderia ser mais embasada em questões afetivas.
A Psicologia Cognitiva estuda todos esses processos, é uma área que pode
ser definida como: “Estudo de como as pessoas percebem, aprendem, lembram-se
e pensam sobre a informação” (STERNBERG, 2010, p. 1). De forma muito
reducionista, podemos definir a cognição como pensamento (GAZZANINGA;
HEATHERTON, 2005; STERNBERG, 2010).
Os processos psicológicos básicos ocorrem no cérebro – que é o substrato
físico – mas são experiências da mente – a parte psicológica. Alguns desses
processos são a memória, a atenção, a inteligência, a consciência, a percepção, a
linguagem, dentre outros. Porém, sabemos que esses processos relacionam-se ao
pensamento, à razão, à tomada de decisões e, portanto, são diretamente
relacionados à escolha de um parceiro, à resolução de conflitos entre casais, à
maneira de educar os filhos, dentre todas as demais vivências pelas quais uma
família enfrentará e poderá proporcionar o surgimento de dificuldades que, se não
forem bem elaboradas, poderão culminar com a sua desintegração.
A tabela a seguir sintetiza, de forma sucinta, alguns processos cognitivos:

Tabela 01: Alguns processos psicológicos básicos


Processo cognitivo Descrição
Percepção Pela sensação, o homem tem a capacidade de acessar informação do
meio e através da percepção seu cérebro interpreta os estímulos que
são captados pelos órgãos dos sentidos. “A percepção se refere ao
processamento adicional dos sinais sensoriais ao cérebro, que resulta
em uma representação interna dos estímulos” (GAZZANINGA;
HEATHERTON, 2005, p. 146).
Inteligência De maneira bem simplificada, é possível definir a inteligência como a
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capacidade de solucionar problemas para se encontrar soluções mais


satisfatórias para si mesmo e para o ambiente (DALGALARRONDO,
2008).
“As principais habilidades incluídas no construto inteligência são:
raciocínio, planejamento, resolução de problemas, pensamento
abstrato, compreensão de ideias complexas, aprendizagem rápida e
aprendizagem a partir da experiência. A inteligência reflete uma
capacidade mais ampla para compreender o mundo ao seu redor”
(AAMR, 2006 apud DALGALARONDO, 2008, p. 278).
Consciência Consciência pode ser definida como “a capacidade de o indivíduo
entrar em contato com a realidade, perceber e conhecer os seus
objetos” (DALGALARRONDO, 2008, p. 88), ou “a noção de que ser
conhecedor da informação é ser capaz de relatar que a informação
está sendo ou foi percebida” (GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005, p.
275).
Atenção A atenção relaciona-se diretamente à consciência, por isso pode ser
definida como “direção da consciência, o estado de concentração da
atividade mental sobre determinado objeto” (CUVILLIER, 1937 apud
DALGALARRONDO, 2008, p. 102). Além da consciência, a atenção
está também estreitamente ligada à memória: “é mais provável que
nos lembremos de informações às quais prestamos atenção do que
das que ignoramos” (STERNBERG, 2008, p. 72) – de onde se é
possível inferir que o indivíduo não é passivo aos seus processos
cognitivos.
Memória “A capacidade de memorizar relaciona-se intimamente com o nível de
consciência, com a atenção e com o interesse afetivo. Tudo o que
uma pessoa aprende em sua vida depende intimamente da
capacidade de memorização” (DALGALARRONDO, 2010, p. 137).
Gazaninga e Heatherton (2005, p. 216) definem memória como: “[...] a
capacidade do sistema nervoso de adquirir e reter habilidades e
conhecimentos utilizáveis, permitindo que os organismos se
beneficiem da experiência. [...] Todo o nosso senso de self é aquilo
que sabemos por nossa memória, nossas lembranças de experiências
pessoais”.
Fonte: adaptado de Gazzaninga e Heatherton (2005), Sterberg (2008) e Dalgalarrondo
(2008).

Existem outros processos cognitivos, os quais não foram abordados na


tabela. A partir da explanação sobre os anteriores, é visível que há uma íntima
relação entre todos, os quais funcionam juntos, em sinergia, não isoladamente,
como as descrições costumam apresentar.
A partir da captação dos estímulos externos via órgãos dos sentidos –
sensação – e sua posterior interpretação – percepção – conclui-se que a informação
apreendida passa a ser única e diferente dos estímulos presentes no meio externo,
pois a percepção é um fenômeno interno que permite uma interpretação pessoal a
cada um desses estímulos. Por isso, por exemplo, numa discussão, é comum que
ocorram distorções do conteúdo verbalizado, pois cada parte interpreta a fala do
outro a partir da sua forma pessoal de ouvir, ocasionando conflitos. A percepção

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errada de um conteúdo numa mensagem ao celular pode também ser um grande


desencadeador de conflitos. Dessa forma, retoma-se o que já foi falado nesta
apostila: o relacionamento interpessoal (e intrapessoal) pode tanto promover a
harmonia quanto o surgimento de conflitos, os quais devem ser solucionados por via
desse mesmo relacionamento.
Em meio a tantos e diversificados estímulos externos, atualmente, direcionar
o foco da atenção tem sido um problema enfrentado por pessoas de diferentes
idades. Nas escolas, os professores comunicam os pais que as crianças pequenas
parecem apresentar déficit de atenção, o que compromete em seu êxito escolar. A
dificuldade em direcionar a atenção para determinados estímulos, em detrimento de
outros, tem sido um problema também para os adultos. Quantos cônjuges não se
sentem negligenciados, pois o outro cônjuge não abre mão do celular quando o
outro quer conversar? Ou mesmo não se lembra de algo importante para o outro –
como uma data comemorativa, ou uma informação dada anteriormente? Ou, ainda,
se frustra ao ver que o(a) parceiro(a) pegou no sono enquanto o outro estava
falando algo importante? A atenção, o nível de consciência e a memória caminham
lado a lado, portanto, situações como as descritas, que afetam significativamente o
relacionamento conjugal, podem ser decorrentes de falhas nesses processos
cognitivos. O interesse afetivo também é uma variável que se relaciona aos
processos cognitivos, mas não abordaremos nesse momento. O terapeuta familiar
deve buscar uma visão nítida acerca desses processos, pois, em certas situações,
uma orientação de como proceder em algumas situações – não usar o celular para
se distrair enquanto o outro está falando, não deixar para conversar sobre assuntos
relevantes quando o outro está com sono, pois o nível alterado de consciência pode
comprometer o armazenamento das informações, anotar datas importantes e inserir
lembretes no celular – pode ser de grande valia para se evitar conflitos por situações
que, se bem analisadas, não se mostram tão relevantes.
Quando se leva em consideração que a memória possibilita a formação de
nossa própria identidade, somos levados a refletir que a partir de nossas
experiências e da lembrança das mesmas nos constituímos em indivíduos únicos.
Essa bagagem individual contém elementos que influenciam diretamente nos
relacionamentos atuais, tais como nossas primeiras vivências afetivas com nossos

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pais, experiências anteriores em outros relacionamentos amorosos, o que deixa


explícito como a própria personalidade deriva-se de aspectos cognitivos (memória) e
afetivos.
Inteligência nada mais é que a habilidade de resolução de problemas. Todas
as pessoas são dotadas de inteligência, que pode variar em diferentes áreas – as
inteligências múltiplas. Porém, a inteligência não é um constructo apenas cognitivo.
Estudos evidenciam a importância da inteligência emocional na resolução de
problemas, ou seja, nem sempre razão e emoção estão em polos antagônicos.
Ambas podem ser complementares e essenciais na resolução eficaz de um
problema. Enfatizaremos esse aspecto na seção a seguir, que trata da afetividade.

5.1 Processos afetivos


No contexto das famílias, estudar os processos afetivos (ou emotivos) é
essencial, visto que, em nossa cultura, a paixão é o laço que, inicialmente, aproxima
e une os casais. Com o passar dos tempos, a paixão perde sua força avassaladora,
abrindo espaço para o surgimento do amor, que ajuda a manter os casais unidos por
longos períodos. Por outro lado, quando o casal deixa de sentir o amor, ou quando
algumas situações suscitam, no outro, o sentimento de raiva, o relacionamento
conjugal está fadado ao fracasso.
Também é o amor – não o conjugal – que permeia as demais relações
familiares, entre pais e filhos, irmãos e irmãos, avós e netos, dentre os demais
membros. Em algumas famílias nas quais não há laços consanguíneos, explica-se
que o amor é o sentimento que os une e fala mais alto até mesmo que os laços de
sangue, ao contrário do que possa parecer.
Sob a ótica de Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central na construção
da pessoa e do conhecimento. As emoções são o instrumento típico de
sobrevivência da espécie humana desde os primeiros dias de vida. Por via do choro,
o bebê é capaz de mobilizar o ambiente para que suas necessidades sejam
prontamente atendidas, o que garante a sua sobrevivência. O choro do bebê atua de
forma intensa sobre a mãe, ou seja, fornece o primeiro e mais forte vínculo entre os
indivíduos – o vínculo entre mãe e filho – de forma que a emoção expressa pelo
choro é capaz de suprir a ainda insuficiente articulação cognitiva (DANTAS, 1992).

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O termo afetividade diz respeito a diferentes vivências afetivas, tais como o


humor, as emoções e os sentimentos. A afetividade é responsável por trazer “cor” às
vivências humanas (DALGALARRONDO, 2008).
As emoções consistem em repostas imediatas a eventos do ambiente
(GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005), como, por exemplo, a euforia quando o
Brasil faz um gol na copa do mundo. Ou, ainda, “a emoção é um estado afetivo
intenso, de curta duração, originado geralmente como a reação do indivíduo a certas
excitações internas ou externas, conscientes ou inconscientes”
(DALGALARRONDO, 2008, p. 156).
Enfatizamos aqui o peso da dimensão afetiva – representada pelo amor –
nas relações familiares. Entretanto, conforme temos ressaltado ao longo da seção,
não somos só razão ou só emoção.
Vygotsky realizou uma crítica a esta separação entre os aspectos
intelectuais e afetivos, propondo uma união entre os dois processos. Segundo ele, o
pensamento origina-se na motivação, que inclui necessidades, interesses, afeto e
emoção. Dessa forma, ele explica que uma das bases do pensamento é afetiva
(OLIVEIRA, 1992). Razão e emoção caminham lado a lado. O exemplo a seguir
ilustra isso claramente.
Goleman (1995) conta a história de pais que salvaram a filha com paralisia
cerebral num acidente de trem e, após entregarem a menina a uma equipe de
resgate, morreram afogados, o que sinalizaria que, do ponto de vista do intelecto, a
atitude dos pais foi irracional, porém, se analisada pela ótica do amor, das emoções,
apareceu como a única atitude a ser tomada. Esse é um exemplo retirado de uma
história verídica e extrema, mas ilustra o que conhecemos como inteligência
emocional. As emoções podem ser o diferencial que garantiu aos seres humanos
não apenas a perpetuação das espécies, mas a evolução que a fez tão diferente das
demais. Quando em situações importantes e especiais – nas dores, na formação de
uma família, diante de um perigo – o intelecto não consegue, por si só, chegar a
uma resposta, assim as emoções acabam por nos orientar frente às situações de
impasse e da necessidade de se tomar providências.
O conceito de inteligência emocional mostra a ênfase nos processos
cognitivos e emocionais: “inteligência emocional é a capacidade de perceber e

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expressar a emoção, assimilá-la ao pensamento, compreender e raciocinar com


emoção e regular a emoção em si e nos outros” (MAYER; SALOVERY; CARUSO,
2000, p. 396 apud STERNBERG, 2010, p. 474).
Ainda: “inteligência emocional diz respeito ao conjunto de capacidades
relativas ao processamento de informações emocionais” (DALGALARRONDO, 2008,
p. 282).
A inteligência emocional envolve cinco domínios principais: conhecer as
próprias emoções, lidar com as emoções, motivar-se, reconhecer emoções nos
outros e lidar com relacionamentos (SALOVEY; MAYER apud GOLEMAN, 1995).
Também inclui outras habilidades, tais como empatia, capacidade de utilizar
emoções para fazer julgamentos, capacidade de administrar conflitos e de trabalhar
em equipe, ressaltando-se que o conceito de inteligência emocional tem sido muito
popularizado frente à comunidade leiga e, por possuir uma definição
excessivamente abrangente, aparece como alvo de crítica por parte dos
pesquisadores (BAR-ON; PARKER, 2002 apud DALGALARRONDO, 2008).
Segundo Souza (2011), Piaget define que o afeto é essencial, porém não
suficiente no funcionamento da inteligência. Segundo ele, a inteligência depende dos
afetos, pois, sem eles, não haveria motivação e interesses e, consequentemente, a
formulação de problemas necessária à inteligência.

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UNIDADE 6 – TOMADA DE DECISÕES

Em nossas vidas, durante todo o tempo, nos vemos diante de situações de


diferentes complexidades que exigem julgamento e tomada de decisão. Através
desses processos usamos o raciocínio para selecionar entre diversas escolhas ou
para avaliar oportunidades. Nem sempre tomamos a decisão correta, podemos
cometer falácias – raciocínios errados – de julgamento (STERNBERG, 2010), sendo
importante ressaltar que arcamos com as consequências de nossas escolhas, por
isso o processo de tomada de decisão pode parecer ainda mais sofrido.
A tomada de decisão é o elo entre a compreensão da situação e a ação. De
posse de todas as informações, sobre as quais já foi possível construir uma previsão
do que pode acontecer a seguir, realiza-se um julgamento – o qual ocorre em função
de razões intelectuais, mas também embasado na própria personalidade do
indivíduo, seus valores e atitudes.
Tomamos decisões diariamente. Desde decisões simples, como que roupa
vestir ou que itinerário pegar para ir ao trabalho, até decisões complicadas, como
que faculdade cursar e pedir alguém em casamento. Tomar decisões implica em
fazer a escolha por um caminho, em detrimento de uma ou várias possibilidades. Da
mesma forma, a tomada de decisões implica em se responsabilizar pela escolha
realizada.
Em família, deve-se levar em consideração que, na maioria das vezes, uma
decisão tomada por um de seus membros afeta os outros membros do grupo
familiar. Entre casais, muitas tomadas de decisões precisam ser tomadas e
acordadas pelos dois cônjuges. Por exemplo, ninguém toma a decisão de se casar
sozinho, o aceite deve ser por parte dos dois noivos. Em algumas culturas, como na
indiana, são as famílias que decidem com quem seus filhos irão casar, pois
acreditam que o amor deve ser construído ao longo da relação. Em nossa cultura,
esse tipo de prática nos parece um tanto estranha e, provavelmente, não seria
aceita por muitos jovens.
Quando os casais não têm o hábito de considerar a opinião do outro e
dialogar quando precisam tomar uma decisão, o surgimento de conflitos é previsível,
o que pode culminar, inclusive, com a separação. Algumas pessoas, acostumadas a
tomar decisões individualistas quando solteiras, têm dificuldade em tomar decisões
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conjuntas quando num relacionamento conjugal, o que precisa ser trabalhado, pois
esse tipo de decisão compete ao casal. Os pais precisam decidir até onde os filhos
têm autonomia para tomar certas decisões e quando essas competem
exclusivamente aos pais.

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UNIDADE 7 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO


DESENVOLVIMENTO HUMANO

Para se estudar mecanismos subjacentes ao funcionamento das famílias,


inicialmente se faz necessário tecer algumas considerações sobre o estudo do
desenvolvimento humano, partindo-se do pressuposto de que, no contexto familiar,
há pessoas de diferentes faixas etárias e alguns eventos característicos de cada
fase do desenvolvimento humano podem acarretar implicações não apenas no
indivíduo que passa por este estágio, mas por todo o grupo familiar diretamente
envolvido.
Inicialmente, é importante definir desenvolvimento humano:

O desenvolvimento humano envolve o estudo de variáveis afetivas,


cognitivas, sociais e biológicas em todo ciclo da vida. Desta forma faz
interface com diversas áreas do conhecimento como: a biologia,
antropologia, sociologia, educação, medicina entre outras (MOTA, 2005, p.
106).

Em síntese, o desenvolvimento humano é o estudo científico das mudanças


e das continuidades que ocorrem durante todo o ciclo vital do indivíduo (PAPALIA;
OLDS; FELDMAN, 2006).
Já Oliveira e Davis (1994, p. 19) definem desenvolvimento como “o processo
através do qual o indivíduo constrói ativamente, nas relações que estabelece com o
ambiente físico e social, suas características”.
O estudo do desenvolvimento humano preconiza a importância de se voltar
para a prevenção e a promoção da saúde, ao contrário de intervir apenas naqueles
indivíduos que já apresentam os problemas instalados. Ao se identificar fatores que
influenciam no desenvolvimento humano, torna-se possível pensar em trabalhos de
intervenção mais eficazes, com o intuito de se promover um desenvolvimento mais
harmônico e saudável (MOTA, 2005).
Segundo a autora supracitada:

As novas concepções de atuação profissional que enfatizam a prevenção e


a promoção de saúde fazem com que profissionais de várias áreas
busquem na Psicologia do Desenvolvimento subsídios teóricos e
metodológicos para sua prática profissional. O que está em questão é o
desenvolvimento harmônico do indivíduo, que integra não apenas um
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aspecto, mas todas as dimensões do desenvolvimento humano sejam elas:


biológicas, cognitivas, afetivas ou sociais (p.105).

Inicialmente, acreditava-se que o desenvolvimento ocorria apenas na


infância, visto que até o início do século XX a adolescência não era compreendida
como um período separado da infância. Atualmente, fala-se em desenvolvimento no
ciclo vital, ou seja, o desenvolvimento acontece por toda a vida, do nascimento à
morte (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). Isso se justifica pela preocupação da
população com os cuidados e a educação da criança (MOTA, 2007), que nasce em
condição de total vulnerabilidade e dependência do outro para sobreviver.
Para estudarmos o desenvolvimento humano, algumas questões devem ser
levadas em consideração, as quais aparecem sintetizadas na tabela a seguir:
Tabela 02: Questões relativas ao estudo do desenvolvimento humano
QUESTÃO DESCRIÇÃO
Os domínios do • Por questões didáticas, costumamos separar as instâncias
desenvolvimento desenvolvimento físico-motor, afetivo-sexual, psicossocial, cognitivo
são inter- (intelectual).
relacionados
Processo contínuo • Desenvolvimento contínuo: processo pelo qual o homem é passivo.
X por etapas O desenvolvimento é governado sempre pelos mesmos processos,
permitindo a predição de comportamentos posteriores a partir da
observação dos comportamentos anteriores. Exemplo: teoria do
Curso da Vida (Baltes).
• Desenvolvimento por etapas: em cada etapa, as pessoas lidam
com diferentes tipos de problemas e desenvolvem diferentes tipos
de capacidades. Cada etapa fundamenta-se nas anteriores e
prepara o caminho para a seguinte. Exemplos: Teoria
Psicodinâmica (Freud), Teoria Psicossocial (Erikson), Teoria do
Desenvolvimento Cognitivo (Piaget).
Processo vitalício • Desenvolvimento envolve ganhos e perdas.
• Cada período da vida é influenciado pelo que aconteceu antes e
afetará o que estará por vir.
• É um processo pelo qual o indivíduo adapta-se ao ambiente e à sua
realidade.
Ênfase nas • Cada pessoa é única e as influências no desenvolvimento são
diferenças responsáveis pela individualidade.
individuais • As pessoas ajudam a moldar seu próprio desenvolvimento e
influenciam as reações do outros em relação a elas.
Conhecer o normal • A partir do estudo das características normais do desenvolvimento
e o patológico humano, torna-se possível observar atrasos, síndromes, doenças e
limitações.
Influências no • História.
desenvolvimento • Contexto.
• Hereditariedade (influências inatas).
• Ambiente (influências externas à pessoa).
• Família.
• Condição socioeconômica.
• Cultura.

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• Influências normativas: eventos que ocorrem de modo semelhante


pela maioria das pessoas (puberdade, aposentadoria).
• Influências não normativas: eventos incomuns que têm grande
impacto sobre vidas individuais (gravidez na adolescência, acidente
que gera incapacidade).
Fonte: Papalia, Olds, Feldman (2006).

O processo de desenvolvimento humano apresenta algumas semelhanças,


ou seja, certos eventos são comuns a todas as pessoas de determinada faixa etária,
mas também é necessário levar em consideração as diferenças individuais, pois
cada pessoa é única. De forma geral, as influências no desenvolvimento podem ser
internas (hereditariedade e maturação) e externas (família, condição
socioeconômica e cultura) (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).
Algumas influências sobre o desenvolvimento originam-se de forma inata,
pois os pais biológicos transmitem, aos seus filhos, os seus genes (PAPALIA; OLDS;
FELDMAN, 2006). Assim, compreendemos que os pais biológicos têm papel
decisivo no desenvolvimento de seus filhos, pois seus genes exercem influência em
vários aspectos, tais como altura, cor dos olhos, cor dos cabelos, suscetibilidade a
alguma doença, inteligência, personalidade, dentre outros aspectos que podem ser
transmitidos de pais para filhos.
Além dessa bagagem genética, a maturação do corpo e do cérebro é
responsável por vários desenvolvimentos que acontecem, principalmente, na
infância, e que podem ser responsáveis por diferenças individuais quando se
comparam duas crianças de mesma faixa etária (PAPALIA; OLDS; FELDMAN,
2006).
Entretanto, as influências ao desenvolvimento não são apenas externas. O
ambiente também fornece estímulos que interferem diretamente no processo de
desenvolvimento. Quando falamos em ambiente, referimo-nos a todas as influências
não genéticas. Uma dessas influências externas é a família (PAPALIA; OLDS;
FELDMAN, 2006), ou seja, podemos concluir que a família exerce dupla influência
no desenvolvimento, pois os pais biológicos transmitem seus genes aos filhos, ao
mesmo tempo em que essa instituição funciona como uma forte fonte de influência
externa, principalmente junto aos filhos pequenos, que permanecem a maior parte
de seu tempo junto ao seu meio familiar. Podemos distinguir dois tipos de famílias:

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A família nuclear: “unidade doméstica, econômica e de parentesco entre


duas gerações, composta pelos pais e seus filhos biológicos e adotivos” e a família
extensa: “rede de parentesco entre muitas gerações, composta por pais, filhos e
parentes mais distantes, às vezes vivendo juntos no mesmo lar” (PAPALIA; OLDS;
FELDMAN, 2006, p. 55-56). Quanto maior a proximidade entre os membros da
família, maior é a influência dos mesmos, como, por exemplo, no desenvolvimento
de uma criança.
Alguns autores, como Piaget, Freud e Erikson, acreditam que o
desenvolvimento humano é marcado pela vivência de estágios (ou etapas)
subsequentes. Já outros autores, como Baltes, falam em um processo de
desenvolvimento contínuo, que ocorre ao longo do curso de vida.
Para fins didáticos, é comum dividirmos o estudo do desenvolvimento
humano em diferentes domínios, tais como desenvolvimento físico, cognitivo, social,
psicológico, psicossexual. Sabe-se que, na verdade, essa divisão não ocorre, já que
todos os domínios encontram-se interligados.
A tabela a seguir apresenta o processo de desenvolvimento organizado em
oito períodos do ciclo vital. Além disso, elucidaremos alguns padrões típicos do
desenvolvimento psicossocial de cada estágio que têm implicação direta com a
vivência familiar e que serão pormenorizados nas subseções a seguir:

Tabela 03: Os oito períodos do ciclo vital


Estágio Faixa etária Desenvolvimentos típicos
Período pré-natal Da concepção ao O feto responde à voz da mãe e parece
nascimento preferir a voz dela em relação às outras que
escuta.
Primeira Infância Do nascimento aos 3 Desenvolve-se um apego a pais e outras
anos pessoas.
Ocorre uma mudança da dependência para
a autonomia.
Segunda Infância Dos 3 aos 6 anos Aumentam a independência, a iniciativa, o
autocontrole e os cuidados consigo mesmo.
Desenvolve-se a identidade de gênero.
A família ainda é o foco da vida social, mas
as outras crianças tornam-se importantes.
Frequentar a pré-escola é comum.
Terceira Infância Dos 6 aos 11 anos A corregulação reflete a transferência
gradual de controle dos pais para a criança.
Os amigos assumem importância central.
Adolescência Dos 11 aos, Busca de identidade, incluindo a identidade
aproximadamente, 20 sexual, torna-se central.
anos Relacionamento com os pais são, em geral,
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bons.
Os grupos de amigos ajudam a desenvolver
e testar o autoconceito, mas também podem
exercer uma influência antissocial.
Jovem adulto Dos 20 aos 40 anos Tomam-se decisões sobre os
relacionamentos íntimos e os estilos de vida
conjugais.
A maioria das pessoas casa-se e tem filhos.
Meia idade Dos 40 aos 65 anos A dupla responsabilidade de cuidar dos
filhos e dos pais idosos pode causar
estresse.
A saída dos filhos deixa o ninho vazio.
Terceira Idade Dos 65 anos em diante As pessoas precisam enfrentar as perdas
pessoais e a morte iminente.
Os relacionamentos com a família e com os
amigos íntimos pode oferecer apoio
importante.
Fonte: Papalia, Olds e Feldman (2006, p. 52-53).

A seguir, apresentaremos brevemente algumas dessas características de


cada um dos oito períodos de desenvolvimento, tentando articular as implicações de
cada estágio para o grupo familiar e, de modo reverso, as implicações do grupo
familiar para o desenvolvimento em cada um dos estágios.

7.1 Desenvolvimento pré-natal e implicações para / da família


Os genitores biológicos exercem direta influência desde à concepção de
seus filhos. O feto será formado a partir da bagagem genética do pai e da mãe, a
qual pode carregar, além de características gerais, defeitos genéticos que podem
comprometer todo o desenvolvimento daquele ser em formação. Ressaltando-se
que aquilo que é genético não pode ser modificado, compreende-se que
determinadas síndromes, como a Síndrome de Down, é uma condição que irá
acompanhar um indivíduo por toda a sua vida (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).
Para o feto em desenvolvimento, o ambiente pré-natal é o corpo da mãe,
assim, praticamente tudo que afetar o seu bem-estar pode implicar também em
consequências neste pequeno ser. Dessa forma, variáveis da nutrição, o consumo
de drogas lícitas e ilícitas, doenças, idade materna e exposição a substâncias
químicas diversas, radiação, dentre outras condições adversas podem afetar
negativamente no desenvolvimento do feto. Ao contrário do que muitos pensam,
estudos já mostram que o pai também pode transmitir, ao feto, defeitos
ambientalmente produzidos, pois seus espermatozoides podem carregar
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substâncias nocivas decorrentes da exposição a metais, drogas lícitas e ilícitas.


Assim como ocorre com a mãe, a idade paterna avançada também pode associar ao
surgimento de defeitos congênitos no bebê (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).
Por outro lado, a chegada de um bebê modifica toda a dinâmica familiar.
Seja este o primeiro filho ou não, planejado ou inesperado, proveniente da relação
de um casal casado, de uma relação eventual ou mesmo de uma “produção
independente”, todo o núcleo familiar sente as transformações de ordem afetiva,
econômica e social. A mãe normalmente é quem sente os maiores impactos, pois
seu corpo se transforma durante a gestação, o momento do parto é uma experiência
única e pessoal e, durante os primeiros anos de vida do novo ser, a relação do bebê
com ela é mais íntima, se comparada com os demais membros da família. Quando o
pai e os outros familiares também se incluem nessa transformação e procuram se
adaptar às mudanças, a vivência se torna mais tranquila para a mãe e para os
demais membros da família.
A chegada do bebê pode unir ou separar o casal; os filhos mais velhos
normalmente reagem com ciúmes, o que tende a se transformar no amor de irmãos
com o passar dos tempos; a mãe se vê dividida em trabalhar fora e cuidar da prole;
os pais precisam viver consenso em relação à criação dos filhos e em relação à
posição dos avós nessa nova realidade.

7.2 Desenvolvimento na primeira infância e implicações para / da família


A presença da família é de grande importância no momento do nascimento,
seja no hospital, no centro de parto normal, ou mesmo em casa. No Brasil, há
políticas de saúde que garantem à mulher o direito à permanência de um
acompanhante de sua escolha, durante todo o trabalho de parto e no momento do
parto, o que parece trazer vantagens para a parturiente e para o bebê:

Importante acolher o(a) acompanhante de escolha da mulher, não


oferecendo obstáculos à sua participação no pré-natal, no trabalho de parto,
parto e pós-parto. O benefício da presença do(a) acompanhante já foi
comprovado. Vários estudos científicos, nacionais e internacionais,
evidenciaram que as gestantes que tiveram a presença de acompanhantes
se sentiram mais seguras e confiantes durante o parto. Foram reduzidos o
uso de medicações para alívio da dor, a duração do trabalho de parto e o
número de cesáreas. Além disso, alguns estudos sugerem a possibilidade
de outros efeitos, como a redução dos casos de depressão pós-parto
(BRASIL, 2005, p. 15).
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O bebê humano necessita de total cuidado por parte da mãe e dos demais
membros da família, visando à sua sobrevivência, satisfação de necessidades
fisiológicas e afetivas.
Assim, reforça-se a importância dos pais no desenvolvimento da criança,
especialmente nessa fase inicial. Segundo Erikson, os pais são verdadeiros
intermediários entre a cultura e a criança e, assim, transmitem aos pequenos as
ideologias e os valores provenientes de seu grupo cultural. O aparato biológico do
recém-nascido desenvolve-se gradativamente, juntamente com a consolidação de
sua personalidade, num processo motivado por forças instintivas e por exigências
culturais que tendem a moldar seus instintos e nortear suas condutas. Porém, o
bebê não é passivo nesse processo, assim como recebe influências, ele também
influencia sua família e a sociedade, obrigando-os a mudanças e adaptações para
que ele possa ser atendido integralmente (CARVALHO, 1996).
Segundo Erikson, o desenvolvimento psicossocial ocorre através de uma
sucessão de fases, cada qual marcada por um tema desenvolvimentista específico.
A resolução de cada fase resulta num grau maior de continuidade e unidade,
representando um desafio à progressão do indivíduo (CARVALHO, 1998). No
primeiro ano de vida, o bebê vive a primeira crise de desenvolvimento, a qual dura
até aproximadamente os 18 meses.

Nesses primeiros meses, os bebês desenvolvem um sentimento do quão


confiável são as pessoas e os objetos de seu ambiente. Eles precisam
desenvolver um equilíbrio entre confiança (que lhes permite formar
relacionamentos íntimos) e a desconfiança (que lhes permite se proteger).
Quando predomina a confiança, como deve acontecer, as crianças
desenvolvem a virtude da esperança: a crença de que elas podem
satisfazer suas necessidades e seus desejos. Quando predomina a
desconfiança, as crianças verão o mundo como hostil e imprevisível e terão
problemas para formar relacionamentos (PAPALIA; OLDS; FELDMAN,
2006, p. 245).

A confiança é importante, pois é ela que permitirá que o bebê fique longe da
mãe, já que o mesmo confia que ela irá voltar. Assim, fica fácil percebermos que,
nos casos em que os pais e o ambiente desfavorável não permitem o
desenvolvimento da confiança por parte da criança (como nas situações de
violência, abandono ou catástrofes que dizimam o restante da família), as marcas
dessa desconfiança inicial persistem ao longo da vida da criança.
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Além da confiança, uma outra característica essencial no início da vida é o


apego “um vínculo emocional recíproco e duradouro entre um bebê e o cuidador,
cada um deles contribuindo para a qualidade do relacionamento” (PAPALIA; OLDS;
FELDMAN, 2006, p. 245). O apego é essencial no início da vida e interferirá no
padrão posterior de relações que a criança estabelece com outras pessoas.
Spitz (1980) realizou importantes estudos acerca do primeiro ano de vida da
criança, indispensáveis para ressaltarmos a importância das relações familiares.
Segundo Spitz (apud CARVALHO, 1996), as relações do bebê com a mãe
(ou a pessoa que mais exerce seus cuidados) são essenciais. Aparecem como a
base para o futuro estabelecimento de relações sociais, pois, “as relações sociais
tornam-se o protótipo das relações sociais posteriores”. O autor, inclusive, discorre
que o aumento dos casos de delinquência, neuroses e psicoses, vivenciados na
década de 1980, poderia ser decorrente da desintegração do modelo tradicional de
família na sociedade ocidental, pois, segundo ele, as crianças saíram prejudicadas
com a saída das mães de casa para ocuparem postos de trabalho.
Dentre suas conclusões, merece destaque, nesse momento, citar a
ansiedade do oitavo mês. Segundo o teórico, antes do oitavo mês a criança
reconhece o rosto humano e estabelece reações de sorriso, porém ainda não
demonstra nenhum tipo de reação significativa ao afastamento dos pais ou
cuidadores mais próximos. Por volta do oitavo mês, a criança mostra que já
reconhece os pais, ou seja, que possui uma relação de apego com seus cuidadores
e passa a reagir com agressividade quando o estranho chega, o que popularmente é
denominado de reação de “estranhar” (SPITZ, 1980).
Papalia, Olds e Feldman (2006) definem ansiedade ante estranhos como:
“[...] cautela com uma pessoa que não conhece” e a ansiedade de separação como
“[...] angústia quando um cuidador familiar a deixa” (p. 249).
Observa-se que as primeiras relações da criança com as figuras parentais
(em especial com a mãe, com quem convive a maior parte do tempo) são decisivas
para o desenvolvimento psicossocial do bebê e essas vivências podem, inclusive,
acarretar em consequências positivas ou negativas em seu futuro. Observa-se, por
exemplo, que uma criança que não conseguiu desenvolver a virtude da confiança a

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partir de sua relação com a figura materna, provavelmente apresentará, no futuro,


dificuldade em confiar em outras pessoas.
A família aparece como a fonte de socialização primária das crianças, por
isso, o papel dos pais – inicialmente, ênfase especial é dada à mãe ou cuidador
principal – é decisivo para o estabelecimento de relações interpessoais. Além dos
pais, a interação com os irmãos, ou outras crianças pequenas é importante a partir
do primeiro ano de vida. As crianças pequenas realmente se apegam aos irmãos
mais velhos. A chegada de um novo bebê pode acarretar, aos irmãos mais velhos,
diferentes sentimentos e atitudes, os quais incluem afeição e carinho desde o início,
ou mesmo raiva e tentativa de eliminar o novo irmão. Normalmente, o apego da
criança maior em relação à mãe torna-se menos seguro, o que é reforçado, pois a
chegada do novo bebê pode modificar o relacionamento da mãe com o filho mais
velho, já que é natural que ela precise se voltar mais para o ser totalmente
dependente (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).

7.3 Desenvolvimento na segunda infância e implicações para / da família


Bebês e crianças pequenas de ambos os sexos são bastante parecidos
entre si. Enquanto pequenos, não demonstram preferir brincar com pares do mesmo
gênero, assim como não parecem preferir brinquedos considerados “de meninos” ou
“de meninas”. Na segunda infância, é o período no qual ocorre a identificação com o
gênero. Diferentes autores explicam esse processo, o qual depende de fatores
culturais, biológicos (genéticos, neurológicos e hormonais) e de reforços. De acordo
com a perspectiva psicanalítica de Sigmund Freud, a identidade de gênero ocorre
quando a criança se identifica com o genitor do mesmo sexo. Identificação pode ser
definida como “a adoção de características, crenças, atitudes, valores e
comportamentos” (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p. 323).
Sabe-se que a identificação com um gênero é essencial na vida de qualquer
indivíduo e, de acordo com Freud, o papel da família novamente se mostra decisivo,
daí reforçamos como é essencial, para a criança, que, independente do estado civil
dos pais, ela possa ter contato com ambos os genitores. Quando falta a presença de
um desses, uma outra pessoa próxima – como um avô, uma avó, um tio, uma tia, um

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padrinho, uma madrinha – pode tentar se aproximar para preencher esse modelo
essencial à identificação da criança.
Nessa idade, os pais começam a perceber mais claramente alguns traços
evidentes na personalidade das crianças e, por isso, exercer a função
paterna/materna e estabelecer limites aparece como uma tarefa mais desafiante,
pois é essencial exercer um estilo parental que seja capaz de impor limites, mas
sem, para isso, desconsiderar a individualidade da criança.
Três estilos parentais foram definidos por Baumrind (1971 apud PAPALIA;
OLDS; FELDMAN, 2006) e, consequentemente, os padrões típicos de
comportamentos das crianças frente a cada estilo, conforme sintetiza a tabela a
seguir:
Tabela 03: Estilos parentais e comportamentos dos filhos.
Estilo parental Características Padrões de comportamentos dos
filhos
Autoritário Valorização do controle e da Crianças mais insatisfeitas,
obediência sem retraídas e desconfiadas.
questionamento.
Aplicação de punições e
castigos quando as crianças
transgridem os padrões
predeterminados.
Permissivo Valorização da autoexpressão e Crianças imaturas, pois têm pouco
autorregulação por parte da autocontrole.
criança, que se mostra mais
ativa nesse processo.
Ao estabelecer regras, os pais
explicam os motivos às
crianças, consultam sobre
decisões, dificilmente recorrem
a castigos.
São pais afetuosos, mas não se
enxergam como modelos para
as crianças.
Democrático Respeito à individualidade da Filhos sentem-se seguros por
criança, ao mesmo tempo em perceberem que são amados por
que enfatizam valores sociais. seus pais e confiantes por saberem
Afetuosos e acolhedores, os o que os pais esperam deles.
pais têm confiança em sua São mais independentes,
própria capacidade de orientar autocontrolados, seguros,
as crianças, mas também exploradores e satisfeitos.
respeitam suas decisões,
interesses, opiniões e
personalidade.
Exigem dos filhos um bom
comportamento, são firmes em
suas decisões e podem aplicar
punições, quando necessário.
Fonte: adaptado de Papalia, Olds e Feldman (2006).

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40

A tabela ilustra claramente que a forma como os pais educam seus filhos –
seus estilos parentais – interfere diretamente no comportamento e no
desenvolvimento de seus filhos, o que, mais uma vez, nos fornece subsídios para
compreender a importância do papel da família no desenvolvimento infantil.
Da mesma forma, as práticas parentais também se relacionam ao
comportamento pró-social das crianças, como ilustra a citação a seguir:

Pesquisas recentes perguntaram se os comportamentos dos pais


influenciam o nível das emoções morais ou o comportamento pró-social dos
filhos. Os pais de crianças capazes de simpatia tendem a ter essa
capacidade em alto grau, a permitir que os filhos expressem emoções
negativas de uma maneira que não prejudique os outros, a não expressar
hostilidade em casa, a ajudar os filhos a lidar com emoções negativas e a
promover o entendimento do outro e o foco no outro. Em contraste, os pais
cujos filhos apresentam alto grau de vergonha tendam a demonstrar raiva
frequentemente, a ser indulgentes na disciplina e a não responder
positivamente aos comportamentos apropriados da criança (FERGUSON;
STEGGE, 1995 apud GAZZANINGA; HEATHERTON, 2005, p. 395).

Os irmãos são de grande importância, pois costumam ser as primeiras


crianças com quem a criança estabelece relações mais próximas, porém, estudos
mostram que, ao contrário do que se acreditava há alguns anos, ser filho único não
é sinônimo de problemas. Há filhos únicos mais maduros, mais motivados e com
melhor autoestima se comparados com filhos que possuem irmãos. Isso pode ser
explicado porque os pais de filhos únicos podem lhe dedicar mais tempo e atenção,
o que contribuiria, significativamente, para o seu desenvolvimento (PAPALIA; OLDS;
FELDMAN, 2006).

7.4 Desenvolvimento na terceira infância e implicações para / da família


Os pais e a família em geral continuam exercendo influência notável no
desenvolvimento da criança na terceira infância. Nos primeiros anos de vida, os pais
são totalmente responsáveis pelo controle do comportamento da criança, porém, à
medida que as crianças crescem, esse controle começa a ser compartilhado pela
própria criança. Fala-se em corregulação, ou seja, pais e filhos dividem o poder, os
pais exercem uma supervisão geral, enquanto que as crianças exercem a
autorregulação de seu comportamento (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).

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A citação a seguir ilustra como essa “parceria” entre pais e filhos é causa e
consequência de fatores diretamente relacionados às crianças e aos pais:

As crianças são mais inclinadas a seguir os desejos ou o conselho dos pais


quando reconhecem que os pais são justos e preocupam-se com o seu
bem-estar e que podem ‘saber mais’ devido à sua experiência. Também é
útil que os pais respeitem o julgamento amadurecido das crianças e só se
posicionem fortemente em questões importantes (MACCOBY, 1984 apud
PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p. 404).

A autorregulação relaciona-se diretamente com o julgamento moral.


Segundo Gazzaninga e Heatherton (2005), a moralidade envolve as escolhas que as
pessoas precisam fazer e que afetam diretamente a vida de outras pessoas, como
quando suas ações podem ocasionar em algum dano para determinada pessoa ou o
rompimento de algum contrato social implícito ou explícito. Desde cedo, as crianças
aprendem regras sociais e desenvolvem a moral, sendo a empatia – a capacidade
de se colocar no lugar dos outros – a primeira emoção moral a surgir. O raciocínio
moral envolve componentes da cognição e da emoção, já que cognição e afeto
encontram-se interligados. “Pesquisas mostram que, se as pessoas não possuem
capacidades cognitivas adequadas, suas emoções morais podem não se traduzir em
comportamentos morais” (p. 393).
Segundo Piaget (apud PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006), o
desenvolvimento moral está ligado ao desenvolvimento cognitivo. Piaget dizia que
as crianças fazem julgamentos morais mais consistentes quando podem considerar
as coisas de mais de um ponto de vista.
Antes dos sete anos, no estágio pré-operacional, o julgamento moral não é
realizado pela criança, mas advém da atitude dos pais: “Seus sentimentos morais
refletem esta relação com os adultos significativos — a moral da obediência —, em
que o critério de bem e mal é a vontade dos adultos.” (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 1999, p. 102).
No que diz respeito às relações familiares, o contato com os avós é muito
importante para o desenvolvimento saudável das crianças, em especial nessa faixa
etária: “O afeto, a indulgência e a aceitação dos avós podem ser uma ‘válvula de
escape’ para a pressão das expectativas dos pais. Os avós podem ser fontes de

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orientação e símbolos de continuidade familiar” (WEISSBOURD, 1996 apud


PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).

7.5 Desenvolvimento na adolescência e implicações para / da família


Bock, Furtado e Teixeira (1999) são taxativos ao afirmar que não existe uma
adolescência unificada, mas várias, com características que variam em função de
uma série de fatores, dentre eles o econômico e o social.
Segundo Elkind (apud PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006), o pensamento
do adolescente ainda apresenta alguns aspectos imaturos, como explícito na tabela
a seguir:
Tabela 04: Aspectos imaturos do pensamento adolescente
Atitudes e comportamentos Descrição
Tendência a discutir Buscam oportunidades para testar e exibir suas recém-
descobertas habilidades de raciocínio.
Indecisão Devido à atual consciência das diversas oportunidades que a
vida oferece.
Encontrar defeitos nas figuras Os adultos anteriormente eram verdadeiros heróis aos quais
de autoridade eles veneravam, agora percebem que os mesmos estão
aquém dos seus ideais.
Hipocrisia aparente Incongruência entre defender certos ideais e fazer sacrifícios
necessários para se viver de acordo com eles.
Autoconsciência Principalmente no início da adolescência é comum suporem
que todo mundo está pensando sobre a mesma coisa que
eles, ou seja, sobre si mesmos.
Suposição de Crença de que são especiais, de que estão sujeitos a regras
invulnerabilidade que regem o resto do mundo, de que sua experiência é única.
Fonte: adaptado de Papalia, Olds e Feldman (2006).

Ao se observar o estudo do desenvolvimento infantil, percebemos que a


dependência total em relação aos pais no momento do nascimento vai diminuindo
progressivamente. Inicialmente, a criança se socializa e se identifica com seus pais
e, à medida que cresce, seu ambiente de socialização se estende à escola e à
comunidade. Na adolescência, o ser em desenvolvimento clama por sua liberdade,
por isso se afasta de seus pais, aproximando-se dos amigos, os quais podem
exercer influência positiva ou negativa em sua personalidade:

Os pais como elementos de identificação perdem o seu valor. Os amigos


ocupam o seu lugar. O grupo de companheiros adquire um imensurável
valor, possibilitando um questionamento da própria identidade em um
contexto social. Exercendo entre eles diferentes papéis, espelhando-se,
submetendo-se ou não em situações alternadas, o adolescente se vê, logo

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se define. Mas os companheiros nem sempre são suficientes e ele busca


nos heróis uma parte de si mesmo. Identifica-se com eles, projeta neles as
próprias imagens egóicas pouco delineadas, procurando-se. Estes variam
do cientista ao escritor. A sua escolha fica, assim, direcionada pelas
oportunidades oferecidas/encontradas em seu meio (CARVALHO, 1996,
p.130).

Inicialmente, lendo-se à citação, tem-se a ideia de que a família deixa de


exercer sua influência no adolescente, o qual vive à mercê das figuras que ele
escolhe ou se vê levado a se identificar. Porém, deve-se levar em consideração que,
desde o nascimento, a família exerce sua influência ímpar no desenvolvimento da
criança e, mesmo que de maneira menos direta que antes, ela continua exercendo
sua influência no desenvolvimento do adolescente. Ressalta-se que os valores
fundamentais da maioria dos adolescentes permanecem mais parecidos com os de
seus pais do que geralmente se percebe (OFFER; CHURCH, 1991 apud PAPALIA;
OLDS; FELDMAN, 2006).
Por um lado, os adolescentes querem ter a liberdade, desejam a companhia
e a intimidade junto aos seus pares, porém, ainda vêm os pais como a base segura
para recorrerem sempre que sentirem essa necessidade (PAPALIA; OLDS;
FELDMAN, 2006).
Além da pressão dos pares, na nossa sociedade ocorre um fator de
alienação produzido pelo esquema comercial. Essa alienação captura o jovem em
seu ponto ainda frágil – a moral – assim, muitos jovens acabam se envolvendo com
drogas lícitas e ilícitas, tornando-se dependente e, consequentemente, envolvendo-
se em situações de extremo risco para si mesmo, sua família e a sociedade como
um todo (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999).
Num caminho inverso, os pais do adolescente também vivenciam
sentimentos conflituosos. Por um lado, desejam ter filhos independentes, mas, por
outro lado, têm dificuldade e receio em permitir essa liberdade. O dilema dos pais
reside na difícil tarefa de saber distinguir quando dar aos adolescentes a liberdade
suficiente e quando protegê-los de sua imaturidade de julgamento ainda
característica dessa fase. Essas tensões e oscilações costumam resultar em
conflitos familiares. Nessa fase, também é comum que os adolescentes se afastem
dos irmãos e procurem outros amigos de mesma faixa etária (PAPALIA; OLDS;
FELDMAN, 2006).

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Irmãos mais velhos e mais jovens tendem a ter sentimentos diferentes em


relação às mudanças no relacionamento. À medida que o irmão mais jovem
cresce, o mais velho precisa abrir mão do poder e da condição com que
está acostumado e pode considerar um irmão ou uma irmã mais jovem um
aborrecimento irritante. Por outro lado, irmãos mais jovens ainda tendem a
respeitar os irmãos mais velhos [...] e tentam sentir-se mais ‘adultos’,
identificando-os com eles e imitando-os (BUHRMESTER; FURMAN, 1990
apud PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p. 500).

Há o mito da rebeldia adolescente que se caracteriza por

padrão de agitação emocional, característico de uma minoria de


adolescentes, que pode envolver conflito com a família, alienação da
sociedade adulta, comportamento irresponsável e rejeição dos valores
adultos (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p. 493).

Essa rebeldia aparece como característica da adolescência, que passa a ser


generalizada como período de crises, conflitos com os pais, vivência em situações
de risco.
Em relação ao abuso de substâncias entre os adolescentes, um dado
merece a atenção. Nessa etapa do desenvolvimento, a influência dos pares
(colegas, grupos de iguais) parece ser crucial, então muitos adolescentes acabam
experimentando e tornando-se dependentes químicos porque os colegas o fazem
também. A experimentação de drogas pode representar a rebeldia perante aos pais
e às proibições impostas pela lei e pela cultura.

7.6 Desenvolvimento do adulto e implicações para / da família


Como, diferentemente das fases anteriores, não há tantos pormenores a se
tratar nessas duas faixas etárias, optamos por abordar o período do adulto jovem e
adulto (ou meia idade) na mesma subseção.
Algumas questões coerentes a esta fase do desenvolvimento, tais como
casar-se, morar sozinho, ter filhos, divorciar-se, segundo casamento, relacionam-se
diretamente à dinâmica familiar, porém, devido à sua importância, serão abordadas
em outro material do curso.

a) Adulto jovem
O início da idade adulta é uma fase em que, normalmente, as pessoas
estabelecem ou consolidam laços afetivos baseados na amizade, na sexualidade e
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no amor. Além disso, os relacionamentos que estes adultos têm estabelecidos com
os pais passam a ser redefinidos, levando-se em consideração que os filhos adultos
assumem a responsabilidade por si mesmos e têm autonomia para tomar suas
próprias decisões (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).

b) Meia idade
Normalmente, a meia idade dos pais – um período de transição que pode
ser marcado com crises e conflitos internos – coincide com a adolescência dos filhos
– um período, igualmente, de crise e transição. Os pais de filhos adolescentes têm a
árdua tarefa de aceitar os filhos adolescentes como eles são, não como eles
idealizariam que fossem (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006), o que faz “cair por
terra” uma série de idealizações tecidas desde antes do nascimento dos mesmos.
Denomina-se “ninho vazio” o fenômeno vivenciado pelos pais dessa faixa
etária quando seus filhos adultos deixam a casa dos pais. Normalmente gera mais
impactos nos genitores que dedicaram sua vida integralmente ao cuidado dos filhos
e sentem o vazio após sua saída de casa, como as mães que abandonaram o
trabalho para cuidarem dos filhos e do lar. Em sentido oposto, a “síndrome da porta
giratória” é o fenômeno caracterizado pela volta dos filhos adultos à casa dos pais,
quando algo não saiu como o planejado – divórcio, retorno à cidade nata,
desemprego, entre outros. Inicialmente, os pais têm que se adaptar ao ninho vazio
e, após se ajustarem a essa nova realidade familiar, precisam se readaptar à
presença dos filhos em casa novamente (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).
Paralelamente, nessa fase da vida, quando os pais ainda são vivos, os
mesmos já se encontram em idade avançada, necessitando do cuidado dos filhos,
que passam a assumir papéis de cuidadores. Em alguns casos, em função do nível
de dependência, pode ocorrer uma inversão de papéis, os filhos passam a assumir o
papel de pais, o que é bastante sofrido. Pessoas de meia idade costumam se ver
pressionadas em cuidar de filhos adolescentes e dos pais idosos, fenômeno
denominado “geração sanduíche” (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).

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7.7 Desenvolvimento do idoso e implicações para / da família


O envelhecimento é um processo único e individual. Além da idade
cronológica, o estado de saúde interfere significativamente no padrão de
envelhecimento e na dinâmica familiar do idoso. Por exemplo, um idoso saudável,
ativo, pode desenvolver as atividades que desejar, tomar suas próprias decisões,
decidir com quem irá morar e não depender da ajuda de familiares ou profissionais
cuidadores para a realização de suas tarefas diárias. Por outro lado, o idoso doente,
que não tem condições de se locomover sozinho ou de tomar decisões, não pode
residir sozinho ou na companhia do cônjuge idoso e, por isso, passa a depender dos
familiares, normalmente dos filhos, para a sua própria sobrevivência. Esquemas
familiares passam a ser modificados, assim como local de moradia, além da
determinação do esquema de cuidados entre os familiares, o que costuma ser
motivo de sérios conflitos entre a família.
Os familiares e amigos são de grande importância para o idoso, não apenas
para suprir os cuidados básicos, mas também por proporcionar suporte social e
sensação de bem-estar. Destaca-se a importância da convivência multigeracional
em família, pois, convivendo-se diariamente com pessoas de diferentes faixas
etárias, é possível aprender, trocar experiências e respeitar as diferenças (PAPALIA;
OLDS; FELDMAN, 2006).
Assim, de forma muito resumida, apresentamos algumas características
básicas de cada etapa do curso de vida e suas interferências na dinâmica familiar. O
profissional que vai atuar junto às famílias, seja em contexto clínico, educacional, ou
de saúde, precisa compreender que alguns desses fenômenos são naturais e
característicos de vivências de determinadas faixas etárias, mas precisam ser
devidamente abordados com o intuito de se promover relacionamentos familiares
mais saudáveis e visando à resolução de conflitos já instalados. Muitas das
questões levantadas aqui serão retomadas em outro ponto desse curso, de forma
mais aprofundada, visando a outros objetivos.

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UNIDADE 8 – ENTREVISTA PSICOLÓGICA E


PSICOTERAPIA

Este curso é de abordagem multidisciplinar, porém, optamos por abordar a


entrevista psicológica, não como um conjunto de métodos e técnicas exclusivas do
profissional psicólogo, mas como um recurso que possibilita a escuta e o
acolhimento dos familiares que precisam de uma intervenção junto ao terapeuta
familiar.
A entrevista psicológica é um recurso usado em diversas áreas, tais como
clínica, hospitalar, organizacional, jurídica, educacional, dentre outras. Por isso, num
curso de terapia familiar, faz-se essencial discorrer acerca dessa técnica que pode
ser utilizada por vários profissionais.
Em muitos momentos, a equipe multiprofissional pode utilizar esse recurso
investigativo e, em determinadas situações, também terapêutico (ressalta-se que
apenas alguns profissionais como, por exemplo, o psicólogo e o médico estão aptos
a realizar uma intervenção terapêutica).
A entrevista psicológica pode ser na modalidade individual – quando se
aborda apenas um membro da família – ou familiar / de grupo – quando um número
maior de pessoas está presente na entrevista. No contexto familiar, o profissional
deve tomar o devido cuidado para, nas sessões individuais, ser imparcial e não
romper com o sigilo profissional das questões abordadas individualmente com outro
membro do grupo familiar. Como o foco maior do trabalho é a família, as entrevistas
individuais são isoladas e atendem a objetivos específicos. Na maior parte do
processo as entrevistas ocorrem com todo o grupo familiar.
Especialmente quando se trata da entrevista inicial, independente do
contexto, o profissional responsável deve, além de dominar a técnica, ser receptivo e
acolhedor com o grupo familiar, visto que o processo de buscar ajuda pode ser
bastante complexo e suscitar nos familiares envolvidos uma série de sentimentos,
muitos deles conflituosos, ansiedade e hostilidade direcionada aos familiares que
perceberam o problema e recomendaram a busca de ajuda e até mesmo ao
profissional.
Segundo Dalgalarrondo (2008), além dos dados verbais coletados na
entrevista (fala do avaliado), o entrevistador deve estar atento também aos dados
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não verbais (postura, expressões faciais, entre outros), já que os mesmos podem
informar dados bastante importantes que o indivíduo pode não ter falado.
O terapeuta familiar deve atentar-se à comunicação não verbal que os
membros da família entre si. Olhares podem ser indicativos de autoridade,
dominação e intimidação, o que poderia ser suficiente para contaminar a fala dos
familiares que se sentirem intimidados ou coagidos. Essas situações precisam ser
registradas, analisadas e trabalhadas ao longo da terapia, pois podem encobrir
verdades e distorcer relatos, o que compromete, negativamente, o processo
terapêutico.
Conforme já destacamos, uma entrevista pode ter finalidades informativas
ou terapêuticas. O profissional que irá conduzir a entrevista deve ter bem claros
seus objetivos para não se perder nas questões formuladas.
A citação a seguir diz respeito à entrevista em saúde mental:

Harry Stack Sullivan (1983) afirmava que o domínio da técnica de realizar


entrevistas é o que qualifica especificamente o profissional habilidoso.
Nesse sentido, por exemplo, ele define o psiquiatra (poderia ser um
psicólogo clínico ou enfermeiro em saúde mental) como ‘um perito do
campo das relações interpessoais’, ou seja, um expert em realizar
entrevistas que sejam realmente úteis, pelas informações que fornecem e
pelos efeitos terapêuticos que exercem sobre os pacientes
(DALGALARRONDO, 2008, p. 66).

A técnica e a habilidade em realizar entrevistas são atributos fundamentais


de alguns profissionais, como o psicólogo e outros profissionais da equipe de saúde.
Essa habilidade é, em partes, aprendida, mas não se pode deixar de levar em
consideração que também deriva da personalidade do profissional, de sua
habilidade frente às relações interpessoais. Essa habilidade se caracteriza pelas
perguntas que o mesmo formula, por aquelas que ele evita formular e pela decisão
de como falar, o que falar, ou permanecer em silêncio. Para a realização de uma
entrevista proveitosa, o profissional deve, também, ser capaz de estabelecer, com o
entrevistando, uma relação que seja ao mesmo tempo empática e útil do ponto de
vista técnico (DALGALARRONDO, 2008).
O entrevistador pode recorrer a um roteiro de entrevista estruturado,
padronizado por ele mesmo ou pela instituição à qual ele faz parte, semiestruturado,
ou pode deixar que a entrevista flua de maneira mais natural, porém, sem deixar se
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perder de vista seus objetivos. Segundo Dalgalarrondo (2008), o profissional, ao


realizar uma entrevista, precisa acolher e ouvir o entrevistado, tendo paciência e, ao
mesmo tempo, habilidade para estabelecer limites frente a indivíduos agressivos ou
invasivos. Há boas entrevistas em que o profissional pouco fala, dando espaço para
o paciente se colocar, enquanto há outras também favoráveis nas quais o
profissional precisa ser mais ativo e participante.
O estilo da entrevista pode variar em função das seguintes variáveis
ilustradas por Dalgalarrondo (2008):
1. do paciente – da sua personalidade, do seu estado mental e
emocional no momento da entrevista, de suas capacidades
cognitivas, entre outros;
2. do contexto institucional onde ocorre a entrevista;
3. dos objetivos;
4. a personalidade do entrevistador – que define, por exemplo, o estilo da
entrevista (se irá permanecer mais silencioso ou ser mais
participativo).
Partimos para um exemplo de uma entrevista no contexto de dependência
química. O uso e o abuso de substâncias psicoativas representa um grave problema
para a dinâmica familiar e, em muitas situações, o tratamento pode envolver a
terapia familiar. No caso do paciente alcoolista, por exemplo, é importante que o
profissional que realize a entrevista inicial fique atento ao vínculo a ser estabelecido
com o mesmo. Devido a todo o contexto no qual o mesmo se encontra, é comum
que ele chegue desconfiado, desmotivado, ou mesmo obrigado por parte de seus
familiares. Nesses casos, observa-se que a postura do entrevistador pode colaborar
para minimizar a ansiedade do entrevistado: o uso de perguntas mais abertas e não
confrontativas ou preconceituosas deixa o paciente mais à vontade, permitindo,
assim, a aproximação do entrevistador. É comum que pacientes alcoolistas
minimizem, distorçam ou mesmo neguem seu consumo de álcool, o que reforça a
importância de se realizar entrevistas com familiares em busca de se obter dados
mais precisos acerca do paciente e seu real problema (KESSLER et al., 2008).
Na entrevista, o profissional deve estar ciente de que os dados obtidos
podem ser superestimados ou subestimados pelo entrevistado. “O profissional deve

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exercer toda a sua habilidade para buscar diferenciar as informações verdadeiras,


confiáveis e consistentes das falsas consistências” (DALGALARRONDO, 2008,
p.77).
Assim, a entrevista psicológica, por ser um instrumento que funciona a partir
das relações humanas, pode ser conduzida por diferentes profissionais. Pode ter
como objetivos a coleta de dados para elaboração de um diagnóstico e também
finalidades terapêuticas, como a terapia de família e de casal.
A psicoterapia já está presente na área da saúde há muitos anos e
inicialmente foi denominada cura pela fala. Ao final do século XIX passou a ser
utilizada pelos psiquiatras no tratamento das doenças “nervosas e mentais” – termo
utilizado para se referir aos problemas relacionados ao cérebro e à mente
(WAMPOLD, 2001 apud CORDIOLI, 2008).

[...] A psicoterapia é um método de tratamento mediante o qual um


profissional treinado, valendo-se de meios psicológicos, especificamente, a
comunicação verbal e a relação terapêutica, realiza, deliberadamente, uma
variedade de intervenções, com o intuito de influenciar um cliente ou
paciente, auxiliando-o a modificar problemas de natureza emocional,
cognitiva e comportamental, já que ele o procurou com essa finalidade
(STRUPP, 1978 apud CORDIOLI, 2008, p. 21).

Essa outra definição também explica o que é psicoterapia:

A psicoterapia, independentemente de sua orientação teórica, tem como


seus principais objetivos levar o paciente ao autoconhecimento, ao
autocrescimento e à cura de determinados sintomas (ANGERAMI-
CAMON,1995, p. 19).

A psicoterapia é uma relação face a face, uma atividade colaborativa entre o


paciente e o terapeuta, “ao invés de uma predominantemente unilateral, exercida por
alguém sobre outra pessoa, como ocorre em outros tratamentos médicos (exemplo:
cirurgia)” (CORDIOLI, 2008, p. 21).
As psicoterapias, independente da linha abordada, apresentam algumas
características básicas, as quais serão elucidadas de forma a concluir esse
raciocínio:

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• É um método de tratamento realizado por um profissional treinado, com


o objetivo de reduzir ou remover um problema, queixa ou transtorno
definido de um paciente ou cliente que deliberadamente busca ajuda.
• O terapeuta utiliza meios psicológicos como forma de influenciar o cliente
ou paciente.
• É realizada em um contexto primariamente interpessoal (a relação
terapêutica).
• Utiliza a comunicação verbal como principal recurso.
• É uma atividade eminentemente colaborativa entre paciente e terapeuta
(CORDIOLI, 2008, p. 21).

A entrevista psicológica e a terapia podem ser realizadas em modalidade


individual e em grupo, sendo que, na terapia familiar, pode haver situações em que o
terapeuta precisa realizar entrevistas individuais com certos membros da família, em
outras situações, as entrevistas serão realizadas com todo o grupo familiar. As
intervenções na terapia familiar visam abordar a família como um todo, não apenas
um ou outro familiar separadamente, lembrando-se de que um problema que, numa
primeira análise, pode ser individual – como o alcoolista do exemplo anterior – pode
acarretar em sérias implicações para toda a família. Por isso, todos os membros do
grupo familiar podem ser beneficiados com a terapia familiar.

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UNIDADE 8 – ÉTICA

Antes de aprofundarmos sobre questões éticas que permeiam a práxis do


terapeuta familiar, faz-se necessário proceder a algumas definições. Primeiramente,
iremos definir ética e moral – duas palavras bastante comuns em nosso vocabulário,
mas cuja definição nem sempre é bem delimitada. Após essas definições, optamos
por discorrer sobre alguns pontos do Código de Ética dos Psicólogos (CRP, 2005),
documento que delineia a atuação do psicólogo no Brasil. Sabe-se que a terapia
familiar pode ser exercida por profissionais não psicólogos, mas como envolve a
questão da entrevista psicológica, alguns pontos concernentes à ética envolvem,
especificamente, questões expressas nesse documento.

8.1 Ética e moral


Moral e ética costumam ser compreendidos como sinônimos. Assim, ambas
as palavras dizem respeito a um conjunto de regras de conduta consideradas como
obrigatórias. Essa sinonímia se dá devido à origem das palavras: enquanto a moral
descende do latim, a ética descende de origem grega. Ambas as palavras, cada qual
em sua cultura, nomeiam o campo de reflexão sobre os costumes dos homens, sua
validade, legitimidade, desejabilidade, exigibilidade (LA TAILLE, 2006).
Entretanto, mesmo observando que ambas as palavras, desde seus
primórdios, aparecem como sinônimos, autores propõem uma diferenciação entre
ambos. O termo “moral” diz respeito ao fenômeno social, ou seja, todas as
comunidades humanas são regidas por um conjunto de regras de conduta e
proibições cujas transgressões às mesmas acarretam sanções socialmente
organizadas. Toda organização social humana tem uma moral (LA TAILLE, 2006).
Chauí (1995) compreende a ética como “[...] filosofia moral, isto é, uma
reflexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais”
(p.339). Aqui deparamo-nos com outro ponto a ser compreendido: a moral. Segundo
a mesma autora, moral consiste nos “[...] valores concernentes ao bem e ao mal, ao
permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para todos” (p. 339).
A moral, portanto, refere-se à normatividade oriunda da sociedade, refere-se
aos costumes, normas e regras que permeiam o cotidiano e que visam a regular as
relações entre os sujeitos. A ética é a reflexão crítica sobre a moral, ou seja, pensar
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naquilo que se faz, repensar os costumes, normas e regras vigentes na sociedade


(MEDEIROS, 2002, s.p.).
A ética consiste no trabalho de reflexão filosófica e científica acerca da
moral, ou seja, pode-se viver uma moral sem se realizar uma reflexão ética.
Também, pode-se definir a moral como as regras que valem para as relações
privadas (por exemplo, comportamentos familiares), enquanto que a ética relaciona-
se às normas que regem o espaço público (LA TAILLE, 2006).

8.2 Ética nas relações com o paciente / cliente


Lidar com pessoas implica em reflexões sobre a moral e a ética, em especial
quando na relação envolvem dois tipos de pessoas: o que está no lugar de oferecer
ajuda – o terapeuta – e, do outro lado, o que busca ajuda – o paciente / cliente. Lidar
com pessoas nessa situação envolve questões como o respeito, a autonomia, a
beneficência, a não maleficência, o sigilo profissional, dentre outras que, se não
trabalhadas rigorosamente, podem comprometer significativamente o sucesso do
processo terapêutica.
Quando se fala em família, a situação é ainda mais complexa, pois, lida-se
com um grupo de pessoas que se conhecem bem, mantêm laços afetivos, mas
precisam de ajuda profissional para trabalhar questões mal resolvidas. O terapeuta
precisa ter todo cuidado possível com as questões éticas que permeiam esse grupo
tão característico de pacientes. A quebra do sigilo, por exemplo, poderia
comprometer significativamente as relações familiares, com a revelação de segredos
de família. O profissional que lida nesses contextos precisa ter a malícia de que
pode lidar com pessoas dispostas a transgredir regras e obter informações a
qualquer preço, por isso, precisa ter cuidado para não ser manipulado por pacientes
com a tentativa de terem acesso a esse tipo de conteúdo.
Quando se lida diretamente com pessoas, ou se realiza pesquisas com
seres humanos, Papalia, Olds e Feldman (2006) elucidam três princípios básicos: a
beneficência, o respeito à autonomia e a justiça. Além disso, os sujeitos que
compõem amostras de pesquisas têm também direito a consentimento informado, à
autoestima, à privacidade e ao sigilo. Koerich, Machado e Costa (2005) elucidam
que esses princípios não se restringem à área da pesquisa, mas devem ser

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utilizados como recursos para a análise e a compreensão das situações que


acontecem no cotidiano dos serviços de saúde.
O primeiro princípio abordado é o da beneficência, o qual foi explicitado por
Beauchamp e Childress (1993 apud KOERICH; MACHADO; COSTA, 2005):

O princípio da beneficência relaciona-se ao dever de ajudar aos outros, de


fazer ou promover o bem a favor de seus interesses. Reconhece o valor
moral do outro, levando-se em conta que maximizando o bem do outro,
possivelmente pode-se reduzir o mal. O profissional se compromete em
avaliar os riscos e os benefícios potenciais (individuais e coletivos) e a
buscar o máximo de benefícios, reduzindo ao mínimo os danos e riscos (p.
108).

Faz-se relevante destacar que, segundo os autores supracitados, para


realmente fazer o bem ao paciente, torna-se necessário que o profissional domine
suas competências profissionais, pois assim o mesmo terá condições de definir
atitudes e procedimentos que realmente visem o melhor ao paciente e,
consequentemente, evitar possíveis riscos.
O terapeuta familiar, independentemente de sua área de atuação, deve ter
formação profissional adequada para a execução de suas tarefas, além de entender,
em cada caso especificamente, qual o seu papel diante daquela situação. Há
pessoas, muitas das quais bem-intencionadas, que tentam, de forma intuitiva e sem
formação profissional, prestar apoio religioso, moral e emocional a famílias que
passam por situações difíceis e buscam ajuda ou palavras amigas. Mesmo com
boas intenções, a falta de conhecimentos científicos pode fazer com que o princípio
da beneficência seja violado e o equilíbrio da unidade familiar pode tornar-se ainda
mais comprometido.
Não basta fazer o bem ao paciente, também se faz imprescindível não fazer
o mal a ele. “O princípio de não-maleficência implica no dever de se abster de fazer
qualquer mal para os clientes, de não causar danos ou colocá-los em risco. O
profissional se compromete a avaliar e evitar os danos previsíveis” (KOERICH;
MACHADO; COSTA, 2005, p.109).
Mais uma vez ressalta-se a importância de o profissional vigiar sua postura
para não trazer nenhum tipo de riscos ao seu paciente, ou mesmo executar outra
técnica que acarrete em menores riscos ao paciente.

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O terapeuta familiar visa ajudar as famílias, entretanto, os membros de um


grupo familiar têm a autonomia para realizar escolhas e tomar decisões, mesmo que
estas sejam prejudiciais ao grupo familiar como um todo. Cabe ao terapeuta
aconselhar, apontar as consequências por cada decisão tomada, respeitando a
autonomia de cada indivíduo.

O princípio da autonomia diz respeito à autodeterminação ou autogoverno,


ao poder de decidir sobre si mesmo. [...] Respeitar a autonomia é
reconhecer que ao indivíduo cabe possuir certos pontos de vista e que é ele
que deve deliberar e tomar decisões seguindo seu próprio plano de vida e
ação embasado em crenças, aspirações e valores próprios, mesmo quando
estejam em divergência com aqueles dominantes na sociedade, ou quando
o cliente é uma criança, um deficiente mental ou um sofredor psíquico
(KOERICH; MACHADO; COSTA, 2005, p. 109).

Respeitar a autonomia envolve reconhecer que o paciente possui crenças e


pontos de vista diferentes, os quais não devem ser simplesmente “abafados” pelo
conhecimento científico vigente.
O exemplo a seguir, que novamente faz menção à problemática da
dependência química, aborda esta questão da autonomia. Sabe-se que em
situações bastante críticas é comum a família pedir a internação involuntária do
dependente químico, já que o mesmo apresenta ações muito nocivas a si mesmo, à
sua família e à sociedade em geral. Entretanto, uma internação involuntária feriria o
direito à autonomia do indivíduo, o que é o problema grave. Por isso parte-se do
pressuposto de que nessas situações-limite que envolvem possibilidade de
internação a mesma deve ocorrer de forma voluntária. A família e os profissionais
envolvidos devem auxiliar o dependente a compreender que a droga está
representando um sério problema à sua vida e, por isso, o mesmo precisa de ajuda
para se recuperar desde problema.
Finalmente, o princípio da justiça refere-se à “inclusão de grupos diversos
mantendo a sensibilidade a qualquer impacto especial que a situação de pesquisa
possa ter sobre eles” (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p. 94).
Em relação à atuação profissional frente ao paciente preconiza-se “à
distribuição coerente e adequada de deveres e benefícios sociais”, ou seja, no
Brasil, o paciente tem direito à saúde pública e gratuita (KOERICH; MACHADO;
COSTA, 2005, p.109).
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Os pacientes possuem também direito a ter sua privacidade resgatada, além


de sigilo em relação aos dados coletados (assim como acontece na prática
profissional) e direito à autoestima (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).
Isso justifica, por exemplo, por que o psicólogo nunca pode revelar dados
dos pacientes numa pesquisa (ou apresentação escrita e oral de trabalho em
congresso, por exemplo), já que feriria o direto do paciente à sua privacidade e
sigilo.
O Código de Ética dos Psicólogos (CFP, 2005) também reforça a questão do
sigilo profissional. “Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim
de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou
organizações, a que tenha acesso no exercício profissional” (CFP, 2005).
No início de um trabalho de intervenção em terapia familiar, o terapeuta
precisa deixar alguns aspectos bastante claros com o grupo familiar. Deve
esclarecer que todo o conteúdo trabalhado nas sessões é sigiloso, portanto, o que
for abordado nesse contexto não pode ser revelado, indiscriminadamente, a outras
pessoas, em contextos diferentes. Além disso, quando houver necessidade de
realização de sessões individuais, o terapeuta precisa guardar todo o conteúdo
sigiloso para si e deixar isso claro para o cliente, que pode se sentir inseguro em
relatar conteúdos que poderiam ser tornados públicos em outras sessões coletivas.
O terapeuta também precisa reforçar sua atitude imparcial perante os membros da
família, ou seja, diferente do advogado que atua nos divórcios, ele não está ali para
exercer a defesa de uma parte, em detrimento das outras.
A terapia familiar pode ser indicada para grupos familiares que contenham
crianças e adolescentes e, quando há menores envolvidos, cuidados especiais
precisam ser tomados por parte do terapeuta.
A Resolução do CFP n° 010/2010 institui a regulamentação da Escuta
Psicológica de Crianças e Adolescentes na Rede de Proteção. Dentre os aspectos
considerados nessa resolução, convém destacar que, assim como já mencionado, a
escuta precisa acontecer em local que garanta a privacidade do menor. Ao produzir
documentos, o psicólogo compartilhará apenas as informações necessárias para
qualificar o serviço prestado com outros profissionais envolvidos no atendimento, de
forma a contribuir para que o menor atendido não seja revitimizado (CFP, 2010).

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Há, ainda, outras questões éticas que permeiam o universo da terapia


familiar, os quais serão abordados em momentos mais oportunos ao longo deste
curso.

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