Você está na página 1de 267

COLEÇÃO

C A D E R N O S DA A I N P G P

R ESISTÊNCIA
MO AC I ON A D
O T ERN L DE

EM AGO G I A
IN P
C

OCR
EDUCAÇÃO

NACIONAL DE

ED
R
UM

TE PE
N
I
X I I F ÓR

D
UM

ÁT ICA
AG
X II F Ó R

OG
IA

S
CON

RA
A

O
C

N T
FE ES
ER RÊ L
N C I A S E PA
ST
F

D ÊN L E
O CIAS & P A
2 1
XII 2 0
FIPED/
es
or
ad
Organiz

Alexandre Martins Joca


Marcelo Vieira Pustilnik
Tânia Serra Azul Machado Bezerra
INSTITUIÇÃO REALIZADORA
Associação Internacional de Pesquisa na Graduação em Pedagogia – AINPGP

DIRETORIA
Prof. Dr. Alexandre Martins Joca (Presidente)
Profª Drª. Elzanir dos Santos (Vice-Presidente)
Prof. Me. Willyan Ramon de Souza Pacheco (Secretária)
Anna Catarine Amaral – Graduanda (Suplente de Secretário)
Profª Me. Francicleide Cesário de Oliveira (Tesoureira)
Alzira Bruceleide Alves Dias – Graduanda (Suplente de Tesoureira)

CONSELHO EDITORIAL (NACIONAL E INTERNACIONAL)


Prof. Dr. Afonso Welliton de Sousa Nascimento (UFPA)
Prof. Dr. Allan Solano Souza (UERN)
Prof. Dr. Alexandre Augusto Cals de Souza (UFPA)
Prof. Dr. Benedito Gonçalves Eugênio (UESB)
Prof. Dr. Bertulino José de Souza (UERN)
Profª. Drª. Ciclene Alves da Silva (UERN)
Profª. Drª. Cristiane Maria Nepomuceno (UEPB)
Profª. Drª. Diana Paula de Souza Rego Pinto Carvalho (UERN)
Prof. Dr. Eduardo Jorge Lopes da Silva (UFPB)
Prof. Dr. Ernano Arraias Junior (UFERSA)
Prof. Dr. Fernando Gil Villa (USAL y ABS-USAL/Espanha)
Profª. Drª. Franselma Fernandes de Figueirêdo (UFERSA)
Profª. Drª. Francileide Batista de Almeida Vieira (UFRN)
Prof. Dr. Giann Mendes Ribeiro (UERN)
Prof. Dr. Gilton Sampaio de Souza (UERN/FAPERN)
Prof. Dr. Glaydson Francisco Barros de Oliveira (UFERSA)
Profª. Drª. Kássia Mota de Sousa (UFCG)
Profª. Drª. Maria da Paz Cavalcante (UERN)
Profª. Drª. Maria Eliete de Queiroz (UERN)
Profª. Drª. Ivana de Oliveira Gomes e Silva (UFPA)
Prof. Dr. Ivanildo Oliveira dos Santos (UERN)
Prof. Dr. José Amiraldo Alves da Silva (UFCG)
Profª. Drª. Lidiane de Morais Diógenes Bezerra (UERN)
Prof. Me. Luís Filipe Rodrigues (Universidade de Santiago/Cabo Verde)
Prof. Dr. Luís Tomás Domingos (Moçambique/UNILAB/Brasil)
Prof. Dr. Marcelo Vieira Pustilnik (UFSM)
Profª. Drª. Maria do Socorro Maia F. Barbosa (UERN)
Prof. Dr. Miguel Henrique da Cunha Filho (UERN)
Profª. Drª. Racquel Valério Martins (ABS-USAL/Espanha)
Prof. Dr. Renato Alves Vieira de Melo (ABS-USAL/ Espanha)
Prof. Dr. Rosalvo Nobre Carneiro (UERN)
Profª. Drª. Sandra Meza Fernández (Universidade do Chile/Chile)
Profª. Drª. Soraya Maria Barros de Almeida Brandão (UEPB)
Profª. Drª. Simone Cabral Marinho dos Santos (UERN)

A compilação de responsabilidade assumida pelos autores foi validada pelo processo de revisão fechada
por pares, ou seja, os manuscritos científicos passaram pelo crivo avaliativo do CONSELHO EDITORIAL,
constituído pelos profissionais que fizeram parte do CONSELHO CIENTÍFICO e convidados, a fim de
garantir a credibilidade da produção, já que a AINPGP, por seu comprometimento com os conteúdos da
ciência, toma por preceito ético o atendimento das normas para publicação determinadas pela CAPES.
O r g a n i z a d o r e s
Alexandre Martins Joca
Marcelo Vieira Pustilnik
Tânia Serra Azul Machado Bezerra

R ESISTÊNCIA
MO AC I ON A D
O T ERN L DE

EM AGO G I A
IN P
C

OCR
EDUCAÇÃO

NACIONAL DE

ED
R
UM

TE PE
N
I
X I I F ÓR

D
UM

ÁT ICA
AG
X II F Ó R

OG
IA

S
CON

RA
A

O
C

N T
FE ES
ER RÊ L
N C I A S E PA
ST
F

D ÊN L E
O CIAS & P A
2 1
XII 2 0
FIPED/

CAJAZEIRAS/2022
Projeto Gráfico e Capa
Carlos Alberto A. Dantas

Transcrições
Tatiane Alves de Lima

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Biblioteca Pe. Sátiro Cavalcanti Dantas — UERN/Pau dos Ferros
Bibliotecária: Francismeiry Gomes de Oliveira — CRB 15/869

E24 Educação como resistência democrática: conferências e palestras do XII FIPED


2021. / Organizadores: Alexandre Martins Joca, Marcelo Vieira Pustilnik, Tânia Serra
Azul Machado Bezerra. Cajazeiras/PB: AINPGP, 2022.
Coleção Cadernos AINPGP
Vários autores
ISBN: 978-65-87527-15-4
https://doi.org/10.57242/ainpgp/ebook0023/978-65-87527-15-4
1. Educação. 2. Escola. 3. Pedagogia. 4. Resistência. I. Joca, Alexandre Martins. II. Pus-
tilnik, Marcelo Vieira. III. Bezerra, Tânia Serra Azul Machado. IV. Título..

CDD 370
A CARLOS RODRIGUES BRANDÃO, UMA DEDICATÓRIA-INSPIRAÇÃO...

“Tá caindo fulô, ê, ta caindo fulô


Tá caindo fulô, ê, ta caindo fulô
Lá do céu cá na terra, ê ta caindo fulo”
[...]
“Quem ouviu o meu cantar
Um pouco me conheceu
Vou levar no coração
A fulô que tu me deste
[...]
Lá do céu cá na terra, ê ta caindo fulo”

Dedico uma canção, um coco, um ponto, uma louvação. Está “caindo fulô” como
tuas ideias rebeldes que inspiram a tantas pessoas na educação, melhor dizendo, nas
educações de quais ninguém pode escapar.
“Lá do céu cá, na terra...” pois na terra, nos terreiros, quilombos, territórios
indígenas e assentamentos a pesquisa, inquieta, em um temor-apreço pelo saber
científico que não se perca da energia, da vida, em nome de uma rigorosidade de
modelos únicos e rígidos da prática científica que se negue a energia vital, as histórias.
Ouvimos um “cantar” de tantos lugares, tessituras com fios de tantas cores, saberes
que traduziram o que os corpos-territórios gingavam, dançavam e cantavam: que a
escola pode e deve “aspirar a ser livre e inovadora”. Sua escrita-andarilha nos convida
à criatividade, à teimosia histórica e democrática em um esperançar permanente.
Movimento que tem o diálogo como matriz que acolher e entende o silêncio como
movimento necessário.
Dedicar estes escritos é reafirmar os compromissos apresentados por ti à nossa
semeadura neste mundo: promover partilha, emancipação e autonomia. A você que
sempre estimou a liberdade, tantas escolas, sejam ruas, lutas e assim, nos inspira a
ousar “fertilizando o inusitado” e criar mundos outros, numa audaciosa alegria. Que
estes escritos reafirmem, a educação que cria entre sujeitos, política, direitos, mais que
habilidades, crie conectividades.
Porque sim, “Lá do céu cá na terra, ê tá caindo fulô”.
CADERNOS DA AINPGP

A Coleção “Cadernos da AINPGP” é uma iniciativa da Associação In-


ternacional de Pesquisa na Graduação – AINPGP. Associação voltada ao
desenvolvimento articulado entre ensino, pesquisa e extensão na Gradu-
ação e em Pedagogia/Educação e áreas afins, através de uma rede de IES
nacionais e estrangeiras.
Os “Cadernos” têm como objetivo promover o intercâmbio entre dis-
centes/docentes pesquisadore(a)s e outros parceiros da Pedagogia/Edu-
cação e áreas afins, sob forma de publicação, no intuito de informar, socia-
lizar e democratizar o conhecimento acadêmico produzido por docentes
e/ou discentes na graduação e/ou pós-graduação, de IES brasileiras e/ou
estrangeiras.
Por constituir-se como mais uma ação de efetivação do caráter de
“rede” da AINPGP, reúne a produção científica ou reflexões educacionais
de docentes e/ou discentes de diferentes instituições e/ou regiões do país,
podendo dialogar com educadore(a)s da Educação Básica, de Movimentos
Sociais e de instituições estrangeiras.
Cada volume consiste na publicação sobre uma temática que envolva
o ensino, a pesquisa e a extensão. Quanto ao formato textual, pode-se op-
tar por um gênero textual de acordo com seu propósito, com a temática e/
ou o campo de atuação, a exemplo: entrevistas, artigos de opinião, relató-
rios de atividades de pesquisa, ensino e extensão, relatos de experiência,
ensaios acadêmicos, entre outros. O imprescindível é que os “Cadernos da
AINPGP” promovam a interação entre saberes, àquele(a)s que os produ-
zem e suas respectivas instituições.
u m ári o
S
ALEXANDRE MARTINS JOCA LARYSSA PINAGÉ DO NASCIMENTO LOPES
MARCELO VIEIRA PUSTILNIK APRENDIZAGEM DISCENTE EM PESQUISA NA
TÂNIA SERRA AZUL MACHADO BEZERRA GRADUAÇÃO  D  86
APRESENTAÇÃO  D  1
ELIZABETH CARLA VASCONCELOS
ESCOLA SEM PARTIDO OU IMPOSIÇÃO DO
CONFERÊNCIAS PENSAMENTO ÚNICO? CRIMINALIZALIZAÇÃO
DOS(AS) PROFESSORES(AS) E RESISTÊNCIAS
CARLOS RODRIGUES BRANDÃO EM TEMPOS DE CERCEAMENTO DAS LIBERDADES
RAQUEL CARINE DE MORAES MARTINS DEMOCRÁTICAS  D  91
A EDUCAÇÃO COMO FRONTEIRA DA RESISTÊNCIA
DEMOCRÁTICA  D  17 EBLIN FARAGE
APONTAMENTOS SOBRE O PROJETO DO CAPITAL PARA
JOSÉ CARLOS DE PAIVA A EDUCAÇÃO NO BRASIL  D  98
EDUCAÇÃO ARTÍSTICA NA FRONTEIRA DA
RESISTÊNCIA CULTURAL  D  25 RAQUEL ARAÚJO MONTEIRO BRANDÃO
ESCOLA SEM PARTIDO OU IMPOSIÇÃO DO
ISABEL MARIA SABINO DE FARIAS PENSAMENTO ÚNICO? CRIMINALIZAÇÃO
A PEDAGOGIA NA FRONTEIRA DAS DISPUTAS NA DOS(AS) PROFESSORES(AS) E RESISTÊNCIAS
FORMAÇÃO DE PROFESSORES  D  32 EM TEMPOS DE CERCEAMENTO DAS LIBERDADES
DEMOCRÁTICAS  D  106
MARIA AMÉLIA DO ROSÁRIO SANTORO
DESAFIOS DA PESQUISA E DA FORMAÇÃO EM RAQUEL DIAS ARAÚJO
PEDAGOGIA NO BRASIL: PERSPECTIVAS DA REDE ESCOLA SEM PARTIDO OU IMPOSIÇÃO DO
NACIONAL DE PESQUISADORAS/ES EM PEDAGOGIA – PENSAMENTO ÚNICO? CRIMINALIZALIZAÇÃO
REPPED  D  43 DOS(AS) PROFESSORES(AS) E RESISTÊNCIAS
EM TEMPOS DE CERCEAMENTO DAS LIBERDADES
DEMOCRÁTICAS  D  114
PALESTRAS
CRISTIANE MARINHO
JULIÁN GARCÍA LABRADOR A INATUAL ATUALIDADE E A CLAREZA DO ESCURO EM
LOS VALORES EN LA CIENCIA Y SUS IMPLICACIONES TEMPOS DE NEOCONSERVADORISMO  D  123
POLÍTICAS  D  57
KEUTRE GLÁUDIA DA CONCEIÇÃO SOARES BEZERRA
MARÍA DE LA LUZ ARRIAGA EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA COMO SUPORTE
LA EDUCACIÓN DE AMÉRICA LATINA EN EL CONTEXTO METODOLÓGICO PARA A PESQUISA EM
DEL CAPITAL: EXPERIENCIAS DE MÉXICO Y EDUCAÇÃO  D  129
BRASIL  D  69
ROBERTA LIANA DAMASCENO COSTA
ANNA CATARINE AMARAL A CONTEMPORANEIDADE DAS DISCUSSÕES SOBRE
TRAJETÓRIA, INSERÇÃO ACADÊMICA E A IMPORTÂNCIA EDUCAÇÃO EM PAULO FREIRE E BELL HOOKS:
DO PIBID NA FORMAÇÃO DOCENTE  D  77 POR UMA CONSTRUÇÃO DE UMA PEDAGOGIA
ENGAJADA  D  136
FERNANDA DO ROCIO PORTELA
INDAGAÇÕES DISCENTES SOBRE A PRODUÇÃO DO
CONHECIMENTO NA INICIAÇÃO CIENTÍFICA  D  82
MARIA ISABEL SILVA BEZERRA LINHARES ALEXANDRE MARTINS JOCA
NADJA RINELLE OLIVEIERA DE ALMEIDA (IN)FORMAÇÃO, CONHECIMENTO E UNIVERSIDADE
CONVERSAS SOBRE METODOLOGIAS PEDAGÓGICAS EM CONTEXTOS DE ASCENSÃO DO NEGACIONAISMO
NOS ESPAÇOS NÃO ESCOLARES: UM OLHAR SOBRE CIENTÍFICO  D  188
A PEDAGOGIA COMUNITÁRIA E A EDUCAÇÃO
POPULAR  D  140 LUIZETE VICENTE DA SILVA
(RE) PENSANDO O LUGAR DE FALA NAS PESQUISAS
AFONSO WELLITON DE SOUSA NASCIMENTO SOBRE MULHERES NEGRAS  D  197
MARIA BÁRBARA DA COSTA CARDOSO
MARIA DO SOCORRO VASCONCELOS PEREIRA ZILMARA ALVES DA SILVA
RAYANA BARROS DA SILVA MARIA APARECIDA DE SOUZA COUTO
SABERES/CONHECIMENTOS E ENSINO MÉDIO NA GUILHERME HENRIQUE DA SILVA
FORMAÇÃO DA JUVENTUDE: DIÁLOGOS EM TORNO VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO AMBIENTE
DAS EPISTEMOLOGIAS DAS ÁGUAS E DO CONTROLE ESCOLAR  D  204
SOCIAL  D  147
MARIA APARECIDA DE SOUZA COUTO
MARIA ERIDAN DA SILVA SANTOS A ANTROPOLOGIA E A EDUCAÇÃO: TENSÕES,
MARIA LÚCIA PESSOA SAMPAIO INTERSECÇÕES E DIÁLOGOS  D  216
BIBLIOTECÁRIO ESCOLAR: MEMÓRIA E
IDENTIDADE  D  155 PAULO LUCAS DA SILVA
“A VIDA NÃO VIVE”  D  222
FRANCICLEIDE CESÁRIO DE OLIVEIRA
MARIA LÚCIA PESSOA SAMPAIO MARCIA PIRES SARAIVA
MEMÓRIAS DE PROFESSORAS ALFABETIZADORAS HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: OUTROS SUJEITOS, OUTRAS
APOSENTADAS: TRAJETÓRIAS DO HISTÓRIAS E RESISTÊNCIAS  D  231
DESENVOLVIMENTO DA DOCÊNCIA LEIGA  D  163
IANY BESSA SILVA MENEZES
IANDRA FERNANDES CALDAS APARECIDA CARNEIRO PIRES
NO TEAR DO TEMPO, TECER MEMÓRIAS, (RE) CONTAR A FORMAÇÃO SENSÍVEL DA INFÂNCIA: RELATOS DA
HISTÓRIAS DE PROFESSORES APOSENTADOS PANDEMIA  D  237
DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UERN DE PAU DOS
FERROS  D  169 PEDRO GONZÁLEZ
TÂNIA BEZERRA
DORGIVAL GONÇALVES FERNANDES MARCELO PUSTILNIK
A EDUCAÇÃO COMO FERRAMENTA NOS COMBATES AO FORMAÇÃO INICIAL: OBJETIVO E RESULTADOS,
NEGACIONISMO  D  176 DESEJOS E REALIDADES  D  242

ELZANIR DOS SANTOS


PERSPECTIVAS DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS
SOBRE CIÊNCIA E EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE
PANDEMIA: ANÚNCIOS DE UMA PEDAGOGIA DA
INDAGAÇÃO?  D  182
EDUCAÇÃO COMO RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA: EDUCACIÓN COMO RESISTENCIA DEMOCRÁTICA:
CONFERÊNCIAS & PALESTRAS DO XII FIPED CONFERENCIAS Y PONENCIAS EN EL XII FIPED

APRESENTAÇÃO PRESENTACIÓN

O contexto político brasileiro dos El contexto político brasileño de los


anos que antecedem esta publicação co- años que precedieron está publicación,
locou a defesa da democracia no centro situó la defensa de la democracia en el
dos debates sociais. A ascensão da es- centro de los debates sociales. El ascenso
trema direita ao poder legislativo e suas de la extrema derecha al poder legislati-
constantes ameaças às instituições de- vo y sus constantes amenazas a las insti-
mocráticas, com políticas autoritárias tuciones democráticas con políticas au-
de cunho fascista, acendeu um sinal de toritarias de corte fascista encendió una
alerta aos diversos setores da socieda- señal de alerta a los diversos sectores de
de que têm a democracia como referên- la sociedad que tienen como referencia
cia e anseiam por uma sociedade justa e la democracia y anhelan una sociedad
igualitária, pautada no bem comum. O justa e igualitaria, basada en el bien co-
que tem sido vivido é um cenário de re- mún. Lo que se ha vivido es un escenario
trocesso nas pautas sociais, ambientais, de retroceso en las pautas sociales, am-
educacionais e econômicas que, histo- bientales, educacionales y económicas
ricamente, vinham se consolidando a que históricamente se venían consoli-
partir das lutas dos movimentos sociais dando, a partir de las luchas de los movi-
empreendidas ao longo do século XX. mientos sociales emprendidas a lo largo
Uma agenda que começa a encontrar del siglo XX. Una agenda que comienza a
acolhimento nas políticas públicas dos encontrar aceptación en las políticas pú-
governos progressistas do Brasil até que blicas de los gobiernos progresistas de
o golpe parlamentar de 2016 interrompe Brasil, hasta que el golpe parlamentario
tal processo. de 2016 irrumpe este proceso.
No campo educacional temos vivido En el ámbito educativo hemos vivi-
desde o negacionismo científico, à de- do desde el negacionismo científico, a la
preciação e sucateamento das Univer- depreciación y desarme de las Universi-
sidades (especialmente as públicas), até dades (especialmente las públicas), hasta
as propostas de projetos educacionais las propuestas de proyectos educativos,
alinhados à ideologia fascista e a crimi- alineados a la ideología fascista y a la cri-
nalização do pensamento crítico e autô- minalización del pensamiento crítico y
nomo. Todo esse contexto constitui um autónomo. Todo este contexto constituye
conjunto de estratégias que visam, en- un conjunto de estrategias que apuntan,
tre outros objetivos, legitimar a asfixia entre otros objetivos, a legitimar la as-
financeira da educação pública, assim fixia financiera de la educación pública,
como implementar uma educação pau- así como, implementar una educación
tada por uma política alinhada à ideolo- regulada por una política alineada a la
gia conservadora e reacionária. ideología conservadora y reaccionaria.

APRESENTAÇÃO ALEXANDRE MARTINS JOCA • MARCELO VIEIRA PUSTILNIK


PRESENTACIÓN 11 TÂNIA SERRA AZUL MACHADO BEZERRA
Como resposta a esse retrocesso, há Como respuesta a ese retroceso, hay
uma mobilização, por parte de setores una movilización por parte de sectores
progressistas da sociedade, de uma di- progresistas de la sociedad, de una diver-
versidade de ações populares, como en- sidad de acciones populares como con-
frentamento ideológico se contrapondo frontación ideológica, que se contrapone
a esse viés conservador. Tais setores, a ese sesgo conservador. Tales sectores,
alinhados a uma agenda pró-democra- alineados a una agenda prodemocra-
cia, no esforço de resistência, vêm pro- cia, en el esfuerzo de resistencia, vienen
pondo ações voltadas à construção de proponiendo acciones encaminadas a la
uma narrativa que alerte para o perigo construcción de una narrativa que aler-
eminente de uma ruptura democrática, te para el peligro inminente de una rup-
via golpe institucional, com ações vol- tura democrática, a través de un golpe
tadas ao fortalecimento de uma frente institucional. Acciones encaminadas al
democrática que seja capaz de frear as fortalecimiento de un frente democráti-
tentativas de retrocessos e de garantir co que sea capaz de frenar las tentativas
os direitos conquistados na Constitui- de retroceso y de garantizar los derechos
ção de 1988. conquistados en la Constitución de 1988.
Este caderno reúne discussões re- Este cuaderno reúne las discusiones
alizadas no XII Fórum Internacional de realizadas en el XII Foro Internacional
Pedagogia – XII FIPED que trouxe como de Pedagogía – XII FIPED, que traía como
tema “A educação como fronteira à re- tema “La educación como frontera a la
sistência democrática”. É o registro de resistencia democrática”. Es el registro de
conferências e palestras, realizadas na conferencias y ponencias realizadas en
modalidade online, por professoras, la modalidad online, por profesoras, pro-
professores e estudantes brasileiros, fesores y estudiantes brasileños, portu-
portugueses, mexicanos e espanhóis. gueses, mexicanos y españoles. Las con-
As conferências e palestras que o com- ferencias y ponencias que la conforman,
põem trazem em comum a historicidade tienen en común la historicidad en torno
em torno da educação e da democracia de la educación y de la democracia bajo
sob ameaças neofascistas - em especial, las amenazas neofascistas –especialmen-
do contexto brasileiro - de maneira que te del contexto brasileño–, de manera que
a contextualização que trazemos breve- la contextualización que traemos breve-
mente nos primeiros parágrafos desta mente en los primeros párrafos de esta
apresentação, surge recorrentemente presentación, surge recurrentemente
como problematização para reflexões como problematización para reflexiones
sobre uma diversidade de subtemas que sobre una diversidad de subtemas que to-
tomam a educação, a pedagogia, a pes- man la educación, la pedagogía, la inves-
quisa e a democracia como campo de tigación y la democracia como campo de
tensões socioeducacionais. tensiones socioeducativas.
Aqui, encontramos falas de ex- Aquí encontramos discursos de ex-
perientes e/ou jovens professoras e perimentados profesores, profesoras,
professores, pesquisadoras e pesqui- investigadoras e investigadores jóvenes,
sadores nas quais elaboram análises los cuales elaboran análisis contextuales

APRESENTAÇÃO ALEXANDRE MARTINS JOCA • MARCELO VIEIRA PUSTILNIK


PRESENTACIÓN 12 TÂNIA SERRA AZUL MACHADO BEZERRA
contextuais e propõem alternativas de y proponen alternativas de resistencias
resistências e lutas no campo da pes- y luchas en el campo de la investigación
quisa e da educação. Encontramos tam- y la educación. También encontramos
bém relatos de estudantes graduandas narrativas de estudiantes de graduación
e graduandos, a compartilharem suas que comparten sus primeras experien-
primeiras experiências científicas. A cias científicas. La participación de pro-
participação de professoras e profes- fesoras y profesores de México, Portugal
sores do México, Portugal e Espanha y España posibilitan la ampliación de los
possibilita a ampliação dos diálogos, em diálogos, en conexiones con realidades
conexões com realidades que se fazem que se hacen distintas, pero que a veces
distintas, mas que por vezes, apresen- presentan singularidades.
tam singularidades. La participación de una diversidad
A participação de uma diversida- de Instituciones de Educación Superior,
de de Instituições do Ensino Superior, de temas abordados y de sujetos involu-
de temas abordados, e de sujeitos en- crados (Profesoras y Profesores de Edu-
volvidos (Professoras e Professores do cación Superior y de la Educación Bási-
Ensino Superior e da Educação Bási- ca, Estudiantes de Pregrado y Posgrado
ca, Estudantes de Graduação e de Pós- y otros profesionales de la educación),
-Graduação e demais profissionais da corresponden al encuentro de carácter
educação), vai ao encontro do caráter plural de la FIPED, manteniendo las co-
plural do FIPED, mantendo as conexões nexiones con la propuesta central del
com a proposta central do evento e da evento y de la institución realizadora,
instituição realizadora, a Associação la Asociación Internacional de Inves-
Internacional de Pesquisa na Gradação tigación en Graduación en Pedagogía
em Pedagogia (AINPGP), de maneira a (AINPGP), con el fin de socializar cono-
socializarem conhecimentos produzi- cimientos producidos, especialmente en
dos, em especial, no campo das Ciências el campo de las Ciencias Humanas, en el
Humanas, no âmbito da pesquisa, da ámbito de la investigación, de la exten-
extensão e do ensino, no intuito de po- sión y de la enseñanza, con la finalidad
tencializar a formação de graduandas e de potencializar la formación de investi-
graduandos pesquisadores. gadores (as) de grado.
Em suma, uma constatação pri- En suma, una primera constatación
meira está na necessária reafirmação está en la necesaria reafirmación de la
da educação emancipadora como ins- educación emancipadora como instru-
trumento imprescindível ao fortaleci- mento imprescindible para el fortaleci-
mento das sociedades democráticas e miento de las sociedades democráticas y
como campo de resistência aos retro- como campo de resistencia a los retro-
cessos autoritários e opressores. Daí cesos autoritarios y opresores. De ahí, la
a histórica luta dos movimentos edu- lucha histórica de los movimientos edu-
cacionais (de estudantes e professo- cativos (de estudiantes y profesores), por
res), pela democratização da educação la democratización de la educación y de
e da pesquisa, pelo fortalecimento da la investigación, para el fortalecimiento
educação pública, por políticas de in- de la educación pública, por políticas de

APRESENTAÇÃO ALEXANDRE MARTINS JOCA • MARCELO VIEIRA PUSTILNIK


PRESENTACIÓN 13 TÂNIA SERRA AZUL MACHADO BEZERRA
clusão educacional, pela valorização inclusión educativa, por la valorización
da docência e em defesa da ciência se de la docencia y en defensa de la ciencia
consolidarem como pilares democráti- para que se consoliden como pilares de-
cos imprescindíveis. mocráticos imprescindibles.
Entendemos que realizar um even- Entendemos que realizar un evento
to de (re)afirmação da educação como de (re) afirmación de la educación como
fronteira à resistência democrática, já é frontera a la resistencia democrática, ya
por si uma ação de esperança, no senti- es por sí, una acción esperanzadora, en
do freireano. Um sinal de que a ciência, el sentido freireano. Una señal de que
a pesquisa e a educação brasileira resis- la ciencia, la investigación y la educa-
tem e resistirão como fronteiras às ame- ción brasileña resisten y resistirán como
açadoras e turbulentas tentativas de as- frontera a las amenazadoras y turbulen-
censão do obscurantismo. tas tentativas del ascenso del oscuran-
Entregamos ao público - às pesquisa- tismo.
doras e aos pesquisadores e demais inte- Entregamos al público – a las investi-
ressados na educação - essa obra como gadoras, los investigadores y demás in-
contribuição da AINPGP ao enfrenta- teresados (as) en la educación – esta obra
mento do fascismo e à memória da luta como contribución de la AINPGP al en-
democrática. Que no futuro, saibam que frentamiento del fascismo y a la memo-
lutamos, resistimos e não nos dobramos ria de la lucha democrática. Que, en el
às diversas tentativas de nos imputar o futuro sepan que luchamos, resistimos y
medo para que nos calássemos ou su- no nos doblegamos a las diversas tenta-
cumbíssemos. Que saibam: lutamos e tivas de encausarnos al miedo para que
seguimos na construção de um mundo nos callemos o sucumbamos. Que sepan:
livre, democrático e menos desigual pela luchamos y seguimos en la construcción
via da educação. de un mundo libre, democrático y menos
desigual por la vía de la educación.

ALEXANDRE MARTINS JOCA


MARCELO VIEIRA PUSTILNIK
TÂNIA SERRA AZUL MACHADO BEZERRA
Organizadores

APRESENTAÇÃO ALEXANDRE MARTINS JOCA • MARCELO VIEIRA PUSTILNIK


PRESENTACIÓN 14 TÂNIA SERRA AZUL MACHADO BEZERRA
F E R Ê NC
O N IA
C ESISTÊNCIA

S
R
O AC I ON A D
M
O T ERN L DE

EM AGO G I A
IN P
C

OCR
EDUCAÇÃO

NACIONAL DE

ED
R
UM

TE PE
N
I
X I I F ÓR

D
UM

ÁT ICA
AG
X II F Ó R

OG
IA

S
CON

RA
A

O
C

N T
FE ES
ER RÊ L
N C I A S E PA
ST
F

ÊN E
D
O C I A S & PAL 2 1
XII 2 0
FIPED/
R ESISTÊNCIA
MO AC I ON A D
O T ERN L DE

EM AGO G I A
IN P
C

OCR
EDUCAÇÃO

NACIONAL DE

ED
R
UM

TE PE
N
I
X I I F ÓR

D
UM

ÁT ICA
AG
X II F Ó R

OG
IA

S
CON

RA
A

O
C

N
FE E ST

ER RÊ
N CIAS E P AL
ST
F

ÊN E
D
O C I A S & PAL 2 1
XII 2 0
FIPE D /
CONFERÊNCIA 1

CA
RL
OS R RAÃO
N D
O D RI G U E S B IN S

QU
RA

RT

EL M A
CAR
INE DE MOR AES A CIÊNCIA COMO
FRONTEIRA PARA
A RESISTÊNCIA
DEMOCRÁTICA
Carlos Rodrigues Brandão — Possui graduação em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(1965), mestrado em antropologia pela Universidade de Brasília (1974) e doutorado em ciências sociais pela Universi-
dade de São Paulo (1980). Atualmente é professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e professor visitante senior da Universidade Federal de Uberlândia
(UFU). Tem experiência na área de antropologia, com ênfase em antropologia rural, atuando principalmente nos
seguintes temas: cultura, educação popular, campo religioso, religião e educação. Coordena atualmente dois proje-
tos de pesquisa nos sertões do Norte de Minas. É Comendador do Mérito Científico pelo MCT, Doutor Honoris Causa
pela Universidade Federal de Goiás, Professor Emérito da Universidade Federal de Uberlândia.

Raquel Carine de Moraes Martins — Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Possui graduação em Pedagogia (UFC) e graduação em Ciências Sociais Bacharelado pela Universidade Estadual do
Ceará (UECE). Atualmente atua como professora temporária da Universidade Estadual do Ceará (UECE) no Curso
de pedagogia e professora efetiva da Rede Municipal de Fortaleza. É professora-colaboradora do Fórum de EJA
do Ceará. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em educação popular, educação do campo, formação
docente, educação de jovens e adultos e culturas juvenis; pesquisa educacional, didática e Sociologia da educação. É
educadora-voluntária do Instituto Povo do Mar (IPOM) em Fortaleza.

Eu sou um antropólogo, os antropó- nós? E sou também um educador popu-


logos, hoje em dia, estão mais ou menos lar, ­aliás, também eu estou comemoran-
em crise ou pelos menos se preocupan- do junto com esse ano de 2021, os 100
do com o que nós somos. Quem somos anos do querido Paulo Freire e uma data

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 17 CONFERÊNCIA 1


significativa que são os 60 anos de edu- sidades, creches, ensino médio: O que
cação popular (1961 – 2021). você vê? Que educação as pessoas di-
Eu, jovem estudante de psicologia no zem que estão praticando? Você se dá
Rio de Janeiro – eu sou carioca – ingres- conta que no mundo inteiro ou no seu
sando no mundo da cultura popular, da bairro, aqui no meu bairro em Campi-
educação popular de onde eu nunca saí. nas, diferentes professoras que se in-
E os antropólogos, como eu disse a vo- titulam pedagogas, professoras, estão
cês, estão em crise agora entre ciência e praticando não só em escolas públicas,
identidade. Eles têm uma grande virtude particulares, diversas, ou seja, diferen-
ao meu modo de ver, eu me sinto muito tes modalidades de educação, umas até
à vontade na antropologia, nós encon- tem um nome, por exemplo, escola an-
tramos uma ciência muito aberta. Agora troposófica, pedagogia Montessoriana,
mesmo eu estava em outra live na antro- Constitutivista, Neo Construtivista. E
pologia e nós comentamos isso. Enquan- com relação a esses “s”. Eu queria, em
to em medicina, por exemplo, você tem vez de já entrar discutindo “Ciência
que ter o título de médico, de graduado como fronteira para a resistência demo-
em medicina, para poder fazer um mes- crática”. Quando você lê livros compli-
trado ou um doutorado, nunca vi uma cados sobre ciências ou novas ciências,
artista, pedagoga se de que ciências está
quer um antropólogo falando? E vejam vo-
fazer um doutorado
em medicina. Na an-
Que educação as cês que eu coloco no
plural. Porque elas
tropologia é o con-
trário, mas até que na
pessoas dizem que estão são múltiplas.
Num simples dia,
pedagogia, que tam- da manhã a noite, –
bém é uma ciência praticando? eu nunca fiz isso e
aberta, entram pes- nem vou fazer – mas
soas das mais diver- suponhamos que al-
sas áreas. guém ligue a televisão às oito horas da
Eu tive orientandas e orientados de manhã e desligue a meia noite, para fi-
música, psicologia, letras, linguística, car atento, por exemplo, a TV Globo,
pedagogia, ciências sociais, teatro, ar- Bandeirantes, aos vários programas e
quitetura. A antropologia tem outra vir- momentos que se pronuncia a palavra
tude que eu até recomendo: há pessoas ciência ou tecnologia. Vocês vão ver que
de outras áreas, a diferença em vez da só nesse um dia que a variedade pode ser
gente procurar logo a essência da coisa muito grande. Você pode, por exemplo,
– o que é isso – nós procuramos olhar sobretudo, numa propaganda que eu
a nossa volta. Até nossos espaços mais considero uma má propaganda em que
comuns. Por exemplo, quando eu faço se diz: “agro é pop”, a ciência e a tecnolo-
uma live, quase todas sobre educação gia a serviço da agricultura química, in-
popular – e eu começo com essa per- dustrial, se apresenta como a excelência
gunta:  Quando você olha em sua volta, em termos de produção de alimentos no
na cidade onde mora, no bairro, e con- mundo. Você ver ali o que seria uma ci-
templa as várias escolas e se lembra de ência teórica aplicada e se autoidentifica
várias pessoas, amigos ou parentes que como uma ciência de ponta, tanto assim
são professores, professoras de univer- que, há alguns dias atrás, eu estava ven-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 18 CONFERÊNCIA 1


do uma reportagem sobre uma feira do Já eram pobres agora são mais ainda,
agronegócio. miseráveis.
É muito impressionante ver como Eu me lembro de um assentamento
ciência e tecnologia nos últimos anos comunitário no Paquistão, num desses
investiram nessa área, uma das coisas países com uma população enorme de
que mais me chamaram atenção  era um sírios, idosos, jovens, vivendo em barra-
trator totalmente informatizado de uma cas há anos, jovens que foram para lá be-
sala, um gabinete com um monitor, com- bês e que nunca saíram daquelas barra-
putador talvez a pessoa comande de um cas do cerco de um acampamento, é para
quilômetro ou muitos metros dali e todo isso a ciência, digo isso porque nós faze-
o trabalho que o trator realiza  e, inclusi- mos mestrado e doutorado, mas é inte-
ve, a pessoa que apresentava  dizia que, ressante que isso eu estou mostrando do
com um pouco mais, seria possível de que eu vejo, não de livros profundos que
um único computador, comandar cinco eu tenha lido.
tratores trabalhando em cinco espaços Agora em Glasgow, talvez, agora nes-
vizinhos. te momento, talvez mais tarde  que aqui,
Pior que isso, não tem muito tem- mas em Glasgow, ali estão reunidos po-
po, uma semana atrás ou duas, uma líticos, cientistas as várias áreas física,
grande tristeza, eu vi num noticiário, química, biologia, ciências humanas,
uma reportagem sobre uma feira de sociais, saúde e também eles cientistas
armamentos da Rússia mostrando, in- pós-doutores  e também envolvidos en-
clusive, o esforço que a Rússia tem fei- tre a relação ciência e tecnologia, mas só
to, principalmente, depois da queda que pelo menos ali, falando uma outra
da União Soviética, para se recolocar linguagem, nada de cultura predatória,
como uma potência mundial. O que era nada de investimento em indústria  pe-
mostrado como excelência de ciência e trolífera para enriquecer  alguns poucos
tecnologia eram armas para matar, ar- pagando caríssimo pela gasolina, mas
mas para destruir, inclusive, eles iam sim ciências sustentáveis. Homens, mu-
mostrando bombas, foguetes, drones. lheres, cientistas empenhados com base
Como uma excelência, inclusive, o Pu- nos mesmos conhecimentos matemá-
tin, primeiro-ministro, inaugurando ticos, física, química, biologia e outras
uma feira destinada a vender os pro- tecnologias, vizinhos ali dos que criam
dutos da morte. Isso com moças lindas armas ou ciências predadoras da natu-
mostrando os produtos: bombas, explo- reza, tentando criar alguma coisa que
sivos… imagino um certo presidente da produza vida através da luz do sol, atra-
América Latina se esbarrando numa vés do vento e como ventava nas praias
exposição dessa. Ciência de ponta des- do Ceará. Ciência sustentável colocamos
tinada a matar, destruir. Será que exis- esperança!
tem empresas equivalentes investindo Existe agora um confronto entre os
a mesma quantidade de dinheiro para que estão em Glasgow pensando uma
produzir moradias decentes, humanas ciência para a vida, para desestimular
para essa multidão de pessoas desloca- o uso do carvão, do petróleo, da energia
das? São 85 milhões de homens, mulhe- atômica e criar energia, calor, movimen-
res, crianças refugiadas, expulsas por to com a água, vento e sol. Olha que lá em
maus governos, por guerras ou catás- Glasgow nem tem sol. Eu morei na Galí-
trofes naturais em lugares onde vivem. cia, mais ou menos naquela região, um

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 19 CONFERÊNCIA 1


pouco mais a baixo do norte da Espanha, Vocês, jovens, viverem em um mun-
e o sol lá era uma raridade, imagine na do que exista isso na universidade, fora
Escócia, deve fazer mais sol em duas se- da universidade, movimentos sociais e
manas aí no Ceará do que em quatro me- várias agremiações pelo mundo inteiro,
ses na Escócia. pessoas que estão pensando numa ci-
E, ao lado disso, eu estou pluralizando ência mais sociável, menos predadora,
e sempre falando não das grandes teo- outros paradigmas científicos.  Não ape-
rias, mas do que eu vejo ao meu redor. Ao nas uma nova tecnologia com sol, chuva,
lado disso, eu me lembro desde os com- água, mas outras maneiras de pensar de
panheiros e companheiras da UNICAMP, concebermos. Como produzir conheci-
não só na antropologia, mas no Núcleo mento e por quê?
de estudos e pesquisas ambientais. E ali, Lembro que Marilena Chauí, grande
nós às voltas não só  com ciências sus- filósofa e professora, gostava de repetir:
tentáveis, com ecologia, com agricultura “Ciência sem consciência é a morte da
de pequena escala, que aliás, são as que alma”.  E lá na outra ponta vocês viram
mais produzem e colocam alimentos na que eu venho caminhando da exposição
nossa mesa, a pequena agricultura fa- na Rússia até os novos paradigmas, e na
miliar do MST e de outros movimentos, outra ponta, uma coisa que nós sequer
mas também essas novas ciências, esses considerava como ciência, era objeto de
novos olhares, esses estudo para a antro-
chamados novos pa- pólogos, como uma
radigmas que lá para
os anos de 1980, 1990,
Como produzir área de estudo, como
etnomatemática, et-
como não um tipo de
moda, mas agora es-
conhecimento e por quê? nofísica, mas como
algo pitoresco, como
tão mais silenciosos, pensamento de indí-
não só no Brasil como genas  do Nordeste,
no mundo inteiro. Parece que o novo he- Amazônia do Centro-oeste, que era es-
rói é o empresário, ou uma escala me- tudado por nós antropólogos em nossas
nor, o empreendedor. teses. Só de repente, essa gente, quilom-
Eu me emociono muito quando eu bolas, indígenas anunciaram: “Parem
vejo noticiários de novos universitários, um pouco e nos ouçam!”. Nós também te-
inclusive aqui na UNICAMP, aí no Ceará, mos forma de pensar as estrelas, a vida
empenhados em descobrir novas formas humana, de curar pessoas, de lhe dá com
de mobilidade, novos carros, tratores a vida, a natureza, estamos aqui na Amé-
para o bem  que carreguem vida e não rica, no Ceará, em São Paulo, a milhares
armas, e que de repente, representem a de anos e vocês brancos chegaram a tão
possibilidade de se trafegar, sem tanto pouco tempo, chegaram ontem quinhen-
agredir a natureza. Isso é possível? Já é tos e poucos anos e olhem o que vocês já
viável! Segundo muitos estudos, já pode- fizeram com a Amazônia, com o Sul do
ríamos, há muitos anos, ou pelos menos Chile, com o cerrado Goiano, com a ca-
alguns anos com carros elétricos, movi- atinga no Nordeste. E nós estamos aqui,
dos a baterias solares se não fosse todo por que vocês não nos escutam? Porque
o peso e poder da poderosa indústria de as nossas ciências, os nossos pensamen-
carvão, petróleo, madeira que preza a tos  são válidos para vocês fazerem te-
destruição. ses e dissertações. Porque não aprender

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 20 CONFERÊNCIA 1


conosco, com modos mais solidários de mento científico tecnológico. Para além
vida, nosso profundo respeito a pacha- dele, a sabedoria. É uma ciência que, jun-
mama, com a mãe terra, nossa vocação to com a psicologia, pedagogia, filosofia
em viver em sintonia com o planeta. não deve ficar só respondendo questões
E alguém poderia dizer: “Lá vem teóricas para doutorado e mestrado. Elas
o Brandão: papo de antropólogo, essa devem interagir há nos ensinar como vi-
adoração que eles têm por índio, ne- ver, como conviver, como compartilhar
gro, quilombola, camponês, pescadores, e entender nós, a vida e com a natureza,
pantaneiros. Ô povo atrasado!”. E é exa- isso é sabedoria.
tamente dessas vozes que nós estamos Nossa tese de doutorado tem saberes,
agora esperançosos, buscando outro co- teorias e etnografias. Na cabeça do Ail-
nhecimento, outro saber. Eu estou len- ton Krenak, do Davi Yanomami, não tem
do um antropólogo escocês Tim Ingold, isso. Têm sabedoria, como um homem
que é o antropólogo do momento, e em de santo do candomblé, da mulher bor-
um dos seus livros, ele está exatamente dadeira do Ceará. Para quem diga isso
costurando, estudando, para que serve a aí são coisas de cabeça. Eu separei umas
antropologia?  passagens de um diá-
E ele diz uma coi- logo que eu recomen-
sa reveladora. Meus
alunos me indicaram
A antropologia real é do extremamente. Na
verdade, não é um
e eu tinha provas, e
agora eu com 81 anos,
uma ciência que deve diálogo, é um longo
artigo  de ninguém
descobrindo Tim In-
gold. Nunca é tarde!
buscar sabedoria, não o menos que  Jürgen
Habermas, teórico da
Vejam vocês com esse escola de Frankfurt,
meu exemplo. Encan- conhecimento científico chama “Ciência e tec-
tado de ter descober- nologia como ideolo-
to! E fiz mestrado em tecnológico. gia”. Ficou tão gran-
1972, mas estou des- de que acabou sendo
cobrindo  agora. Mas publicado como livro
está bom! E o Tim Ingold, diz o seguinte: e ele está desenvolvendo toda uma teo-
Nós sempre pensamos ao longo das dé- ria justamente parecida com essa minha.
cadas que a antropologia se confunde Só que em níveis acima, ele está costu-
com a etnografia. Que a função da an- rando ciência e tecnologia que o mundo
tropologia é pesquisa, por exemplo, os ocidental, olha que isso ainda nos anos
jangadeiros no Ceará, os seringueiros de 1970, 1980. Ele dialoga com Herbert
no Acre e fazer uma etnografia, explicar Marcuse que é outro pensador alemão
quem eles são, como eles vivem, como ligado à escola de  Frankfurt. Os dois já
eles pensam, como se relacionam com a se foram.
natureza, quais são os seus mitos e cos- Tem uma parte que eu gostaria de ler
tumes, organização dos seus sistemas para vocês. Vou ler Habermas, mas colo-
de parentesco e o Tim Ingold diz: Não! cando numa citação de Marcuse: “O pon-
Isso não é antropologia, isso é etnografia to que eu estou tentando mostrar é que a
uma área. ciência, em virtude de seu próprio méto-
A antropologia real é uma ciência que do e seus conceitos, projetou e promoveu
deve buscar sabedoria, não o conheci- um universo no qual a dominação da na-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 21 CONFERÊNCIA 1


tureza permanece vinculada à domina- instrumentos de muito agrado de muitas
ção do homem, um vínculo que tende a pessoas do governo aqui desse país.
ter efeitos fatais para este universo como Acontece que essa ciência e essa tec-
um todo. A natureza, cientificamente nologia que se ancora nela e se desdobra
compreendida e dominada, reaparece para produzir coisas, tomou um rumo
no aparato técnico de produção, destrui- em que se coloca frente a natureza como
ção que mantém e aprimora a vida dos uma consumidora, destruidora dos bens
indivíduos ao mesmo tempo que subor- da natureza. Irreversivelmente, alguns,
dina os senhores do aparato. Assim, a o que estaria provocando uma irreversí-
hierarquia racional, ou seja, a da ciên- vel  destruição das condições de sobre-
cia, se funde com a social, no caso, o ca- vivência da humanidade. Então, é uma
pitalismo. Se esse for o caso, então, uma coisa que eu digo: o nosso governo atual
mudança na direção do progresso que não é um mau governo, mau governo era
pudesse romper esse vínculo do capital o do Temer. Esse é um governo do mal!
também afetaria a própria estrutura da Uma coisa não está fora da mesma coi-
ciência, o projeto científico, sem perder sa. A ciência nos faz doutores, sobretudo,
o seu carácter racional, suas hipóteses, nas suas esferas mais de ponta. Aquelas
desenvolveram um contexto experimen- circunstâncias que consomem a imensa
tal essencialmente diferente de um mun- maior parte dos recursos vide aqui in-
do pacificado, conseguinte os conceitos clusive no Brasil.
de natureza os quais a ciência chegaria, São ciências que – sobretudo no mun-
bem como os fatos que iria estabelecer do ocidental, regido pelo interesse no ca-
seriam essencialmente diferentes”. pital – são predadores, são destruidores
Marcuse está dizendo aí, vejam vo- e isso parte de uma isonomia, de uma se-
cês, estes pensadores da moda, têm mais melhança, de uma identidade entre o so-
de um terço desconhecidos. Como Mar- cial e o natural. A mesma lógica científica
cuse, através do Habermas.  Ele [Marcu- que mantém e reproduz a desigualdade
se] está dizendo o seguinte: o rumo que social, o enriquecimento vertiginoso de
a ciência e a tecnologia tomaram – isso alguns poucos e a pobreza a miséria dos
lá em décadas atrás, subordinando aos catadores de resto de carnes em cami-
interesses colonizadores, manipulado- nhões de lixo, inclusive, aí no Ceará.
res, gananciosos, isso ele não está falan- Essa ciência dominada pelo espírito
do, isso sou eu, daqueles que sustentam produtivo do capital, associado às tec-
e financiam o mundo da ciência, ou seja, nologias, inclusive, aos incêndios, às de-
os empresários, ou então o poder do es- predações da natureza, caatinga, cerra-
tado subordinado como o da Rússia, ao do e Amazônia, elas têm em comum, não
poder empresarial ainda aqui no Brasil. finalidade imediata que é a reprodução
Retomando, o rumo que ciência e tec- dos interesses do capital, mas como des-
nologia tomaram é o rumo  destruidor, tinação um pouco mais há frente na pró-
não é o rumo problemático, não é uma pria destruição das condições de vida
direção que poderia ser melhor. Não é aqui na terra. Então, essa reflexão con-
uma direção fatalmente destruidora, tinua e eu gostaria de ler uma passagem
ou seja, não é o exército, não as guerras um pouco mais a frente do mesmo Mar-
que nos ameaçam. É aquilo que milícia, cuse, através do Habermas.
o exército financia as armas atômicas, Ele primeiro fez uma crítica radical
as metralhadoras, os revólveres outros ao modelo de ciência que nos domina e

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 22 CONFERÊNCIA 1


agora eu gosto muito deste texto. Eu qua- assim mesmo como sendo o outro desse
se sei decorado. Ele vai dizer o que seria sujeito”. Eu estou citando Marcuse que
possível fazer com absoluta radicalidade. foi onde eu encontrei com mais beleza,
Aliás, Marcuse era um radical! Marcuse agora eu reencontrei com Ailton Kre-
tem em mente uma atitude alternativa nak. Leiam o livro dele recém publica-
para com a natureza, mas não possível do, A vida não é útil.
que ele vá ter essa atitude, a ideia de uma A síntese de Marcuse é a seguinte:
nova técnica. Invés de traçar a natureza se nós viermos do social para o natural,
como objeto passivo de uma possível ma- nós vivemos em uma sociedade capita-
nipulação técnica, podemos nos dirigir lista. Ele não usa essa palavra, mas está
a ela como um parceiro de uma possível implícito. Regido pela desigualdade, pela
interação. Invés da natureza explorada exclusão, pela desqualificação, por tudo
podemos, ir em busca da natureza fra- aquilo que Paulo Freire, antes mesmo
terna. Ao nível de uma intersubjetividade desse artigo de Marcuse, chamava de
ainda incompleta, podemos atribuir sub- uma pedagogia do oprimido, ele dizia
jetividade aos animais, às plantas e até profeticamente antes de Marcuse. “Uma
mesmo  às pedras. A pedra  pode ser um pedagogia não da vingança, mas da fra-
sujeito que está dizendo isso é cientista ternidade”. Paulo Freire dedica a peda-
alemão não sou eu. gogia do oprimido
Se fosse eu, o aos esfarrapados da
Brandão seria poe- terra. Olha, eu estou
ta, carioca. Vou vol- Invés da natureza explorada aqui, inclusive, com
tar ao nível  de uma a carta no livro Pe-
intersubjetividade  podemos, ir em busca da dagogia do Oprimido
incompleta. Pode- (o manuscrito), es-
mos atribuir subje- natureza fraterna. crito à mão e depois
tividade, ou seja, a impresso, e ele dedi-
condição de sujeito ca aos esfarrapados
aos animais, plan- do mundo e aos que
tas e até mesmo as pedras e comuni- nele se descobrem e assim descobrindo
carmos com a natureza em vez de nos e com eles sofrem, sobretudo, com ele
limitarmos a trabalhá-la, quebrando a junto. Paulo Freire, de alguma maneira,
comunicação e a ideia de que tal subje- antecipando Marcuse, cabe aos esfarra-
tividade da natureza ainda acirrada não pados, as pessoas, o chão da história, os
possa emergir. Eis que a comunicação camponeses, operários, os oprimidos a
entre os homens se torne livre. A ideia tarefa de se libertarem através de uma
é, no mínimo, aquela que se pode dizer conscientização, educação conscienti-
a continuidade de uma força de atração zadora, problematizadora, se libertarem
exponencial, só se os seres humanos da sua condição de oprimido, libertando
pudessem se comunicar sem coação, o opressor da sua condição de opressor,
e só se cada homem e mulher pudesse ou seja, não se trata de uma revolução
se reconhecer no seu outro. Só então, a vingativa ou domínio do proletariado
experiência humana poderia eventual- usurpador do poder, se trata de cons-
mente reconhecer a natureza como ou- truir a conciliação através da quebra, da
tro sujeito. Não a natureza como o seu ruptura  desse modelo perverso que nós
outro, como pretendia o idealismo, mas temos.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 23 CONFERÊNCIA 1


Marcuse muito depois vai dizer: paração, as necessidades das grandes
Numa sociedade regida por isso, desi- massas humanas e que são vítimas do
gualdade exclusão, pela injustiça, pela progresso desequilibrado da própria
privação da liberdade que nós conhe- ciência”. E aqui eu me lembro, aí no nor-
cemos vivencialmente tanto as relações deste, nós estávamos em uma reunião e
entre as pessoas na sociedade, quando alguém falou “desenvolvimento”. Nós
as relações entre as pessoas na vida, estávamos discutindo desenvolvimento
não podem apenas ser regidos pela sustentável, desenvolvimento capitalis-
destruição, pela ganância, pela apro- ta e aí um professor de uma comunidade
priação, pela devastação. Então, é ne- popular falou: “Quando a gente fala de-
cessário que, ao mesmo tempo, a huma- senvolvimento é preciso saber o que a
nidade entre a pedagogia e a ciência, a gente está falando? Porque para o capi-
arte, todos os campos de saberes criem talista é desenvolvimento e agora para
alternativas revolucionárias, transfor- nós pobre é desenvolvimento”. Ou seja,
madoras de superação desse modelo e o que está provendo o desenvolvimento
que isso se traduz tanto no campo das deles, das grandes indústrias, os gran-
relações sociais, entre nós, como no des avanços pela natureza estão provo-
campo  entre nós e a natureza. E aqui, cando para nós um desenvolvimento.
para citar um “nativo” americano, já Nós estamos sendo desenvolvidos, ou
que eu citei Paulo Freire, deixa eu citar seja, separados, expulsos das nossas
um outro amigo querido que também já comunidades, das nossas praias, dos
se foi e eu lhe dei um pouco menos do nossos lugares de natureza, das nossas
que Paulo que é o Orlando Fals Bord, culturas.
considerado por mim, um produtor na O desenvolvimento do empresário
América Latina,  já que é uma criação pode ser o desenvolvimento do traba-
intelectual latino-americana, da inves- lhador. Então, vou ficar por aqui. Eu co-
tigação, da ação participante. letei e comentei com Raquel Carine uma
O Orlando Fals Bord tem um texto série de passagens, todas rodando ao
que ainda não publiquei em português, redor da esperança, comecei a levantar
daquele livro Pesquisa participante, e um passado, tanta gente desesperança-
depois, Repensando a pesquisa partici- da e eu me lembrava muito do querido
pante, ele diz o seguinte:  “O verdadei- Paulo Freire. Ele gostava muito de brin-
ro cientista de hoje colocam-se ques- car com as palavras. A gente sabe que a
tões por qual é o tipo de conhecimento grande paixão de Paulo era a gramática
que queremos e precisamos? A que se da língua portuguesa e Paulo dizia: “Be-
distingue o conhecimento científico e leza, boniteza, humanismo crítico e hu-
quem dele se beneficiar. Portanto, esse manitarismo e, por outro lado, esperar
parece ser o momento apropriado para e esperança.  Esperar é aquilo que você
se examinar friamente os fatos e ten- acontecer e esperançar é aquilo que
tar melhor compreender a ciência e a você faz acontecer”.
emergência e a cultura subversiva [que
ele está propondo], pode ser compul-
sório para uma reordenação da atu-
ação científica a fim de torná-la única
na sociedade como um todo. Com isso
em mente, é inevitável evitar a com-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 24 CONFERÊNCIA 1


CONFERÊNCIA 2

JOS I VA
É C A R L O S D E PA

EDUCAÇÃO ARTÍSTICA
NA FRONTEIRA DA
RESISTÊNCIA CULTURAL
José Carlos de Paiva — Nascido no Porto em 1950. Professor Emérito da Universidade do Porto, Professor Jubila-
do da Faculdade de Belas Artes. Doutor em ‘Pintura’, Mestre em ‘Arte Multimédia’ e Licenciado em ‘Artes Plásticas
– Pintura’ pela Universidade do Porto — Faculdade de Belas Artes. Investigador Integrado do i2ADS (Instituto de
Investigação em Arte, Design e Sociedade), pertencendo à sua Direcção. Coordena a plataforma de investigação
‘Interculturalidade e Sociedade’ e o ‘IDENTIDADES_Colectivo de Acção e Investigação’ (ID_CAI). Percurso múltiplo
por vários caminhos, aparentemente dispersos, mas relacionados por uma atitude transversal de intervenção crí-
tica. Forte envolvimento em acções interculturais, descoloniais e de índole artístico e cultural com comunidades no
Brasil, Cabo Verde, Moçambique e ­Portugal.

(…) Os que permanecem e acenam, não O título que escolhi para esta minha
sabem.
Paul Celan, Em Viagem, (1952)
fala, é Educação Artística na fronteira
da resistência cultural e a partir dele
Deste outro lado do mar onde eu estou, tentarei não me fechar no campo da
deste corpo e da voz cansada, gostaria de Educação Artística onde habito, mas me
apresentar meus comprimentos à organi- alargar para o amplo campo da Educa-
zação do Fórum, saudando a Associação ção, tentando me aproximar do tema es-
Internacional de Pesquisa na Gradua- colhido para este XII FIPED, que é “A ci-
ção em Pedagogia, pela sua persistência ência como fronteira para a resistência
na promoção destes importantes eventos, democrática”.
me desculpando por terem de me escutar Apresento a densidade da inquie-
neste meu português tão singular. tação que me perturba neste tempo em
Me permitam que eu faça um agrade- que vivemos, tempo esquizofrénico onde
cimento público e especial à professora o neoliberalismo global invade a intimi-
Edite Colares amiga de longas caminha- dade de cada um, de todos e de tudo, com
das e que teve a coragem de me convidar seus dispositivos sedutores e alienantes,
para esta conferência. amordaçando as culturas e nos aprisio-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 25 CONFERÊNCIA 2


nando num estatuto de obediência ple- Corpo este que se fortaleceu na re-
na, naturalizada e inconsciente. sistência crítica aprendida nas desloca-
O meu corpo, hoje, é de um profes- ções de anos e anos, realizadas a Áfri-
sor aposentado, artista descontente e ca, ao Brasil e à América Latina. Nessas
investigador indisciplinado, masculi- deslocações, as aprendizagens que são
no e branco, cansado de conhecer tanta oferecidas, permitem olhar de modo crí-
pobreza e tão desmesurada ganância. tico para os processos exercidos sobre
Entendendo como o peso europeu his- a nossa construção como professores e
toricamente colonizador, quando os fei- pesquisadores.
tos da democracia não anularam e não Entendo como nos querem obedientes
abateram a herança e a persistência da e integrados, ou seres demasiado perme-
discriminação, racismo e colonialismo. áveis à sedução de um brilhantismo enva-
Corpo com uma vida sediada num país idecido que a expressão de nossa genia-
europeu, historicamente colonizador, lidade singular poderia conquistar nos
onde os feitos da de- palcos da cultura bur-
mocracia não anula- guesa e de uma acade-
ram nem esbateram mia inócua perante o
a herança e a persis-
tência da discrimina-
Neoliberalismo global sofrimento e a discri-
minação reinante.
ção, do racismo e do
colonialismo.
invade a intimidade de Identificando
minha postura políti-
a

Corpo ferrugen-
to pelas marcas que
cada um, de todos e de ca contra o neolibera-
lismo global, enten-
sobre ele foram co- tudo, com seus dispositivos do que a cultura e as
locadas, intranquilo práticas educativas,
perante os espectá- sedutores e alienantes. podem permitir ex-
culos de ostentação e periências relacio-
as narrativas de alie- nais produtoras de
nação, teimoso, num significado, permitin-
esforço de desobedi- do e fomentando um
ência agonística e militante optimista de ativismo democrático, inscrito de modo
práticas ­instigantes. cúmplice com as lutas anti-discrimina-
Corpo que se reconhece com a sua tórias, anti-racistas e anti-coloniais.
ideologia anti-discriminatória, anti-ra- Portanto, estou de acordo com o que
cista e anti-colonial, mas que também o FIPED afirma ao proclamar “A ciên-
se reconhece como permeável aos dis- cia como fronteira para a resistên-
cursos e às narrativas hegemónicas, cia democrática.” ao que acrescento a
instaladas por todo o lado, de modos os- EDUCAÇÃO ARTÍSTICA na fronteira
tensivos e dissimulados, subliminares e da RESISTÊNCIA CULTURAL, no sen-
sedutores, sempre nua defesa escondida tido que entendo a Educação Artística
dos gananciosos e insaciáveis apetites como área poderosa e inentiva para uma
do mundo financeiro e dos interesses EDUCAÇÂO de Resistênca, Cultural e
dos grandes grupos económicos. ­Democrática.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 26 CONFERÊNCIA 2


Essa resistência se fortalece fora das assusta e que ninguém sabe sequer se,
paredes da escola onde podemos melhor ou como pode acontecer. Para os nos-
aprender a nos situar, nos terrenos que sos descendentes e nossos estudantes,
confundem a resistência real, com o cul- estamos a criar, mesmo contra a nossa
tural e o político, com uma vida implica- vontade, um mundo de desigualdades
da nos movimentos sociais e na luta. gritantes, de medo e desesperança, onde
Apresento-me, assim, viajante para a inversão do rumo existente precisa de
fora de mim, identificado com as resis- ser radicalmente atacado, invertido.
tências epistemológicas e políticas que Essa é a nossa maior responsabilida-
se alimentam dos saberes e dos sabo- de educativa, social e política. Criar pos-
res que se conseguem recolher na vida sibilidades de futuro. Virar o mundo do
nas lutas protagonizadas e na resistên- avesso. Porque os tempos da esperança
cia. Precisamos de suspender dos fáceis progressista e democrática deram lugar
exercícios de autoridade, das tentações a um tempo de medo asfixiante.
da exibição singular, O neoliberalismo glo-
para nos tornarmos bal tomou conta do
cúmplice das lutas mundo, aprisionando
das comunidades que a educação aos seus
frequentamos, escu-
tando as suas falas,
A cultura e as práticas desígnios, sem ver-
gonha de promover o
tocando os seus cor-
pos e vivendo as suas
educativas, podem permitir caos e a guerra para
poder manter o do-
tensões. experiências relacionais mínio dos mercados e
Assim, sou este das matérias primas
que se apresenta, na produtoras de significado. e alimentar a indús-
frontalidade de se as- tria da guerra.
sumir no seu corpo O planeta está
politico. Ser irrequie- exausto e apresen-
to, incerto, incomple- ta-se com um futuro
to, sempre nascente, mas procurando catastrófico. O número dos sem-terra e
uma inscrição cultural e social de luta sem-nome, dos excluídos e exilados, não
contra a ganância neoliberal e os privilé- para de aumentar e o número de ultra-
gios que ela cria, portanto, numa postura -ricos não para de diminuir, sustentado
radical sempre do lado dos desfavoreci- por um extenso número de privilegiados
dos, dos discriminados, dos injustiçados, que procuram desesperadamente pelo
dos repelidos dos direitos de uma huma- seu conforto burguês.
nidade que deveria ser um comum, mas O próprio poder sobre a vida passou
que irradia parte de si para a condição a ser mais uma arma do poder político e
de exclusão. financeiro,
Vivemos em tempos cruéis, de fra- que detém o domínio sobre os dis-
cassos sucessivos, assistindo à des- positivos de submissão que determinam
truição dos recursos naturais, ao com- nossas vidas, modelam nossas vontades
prometimento de um amanhã que nos e nossos desejos. Já não mais estranha-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 27 CONFERÊNCIA 2


mos o poder exercido sobre nós pelos São já tantos os exemplos positivos
mídea, pelas religiões, pelas estruturas de Ensino Diferenciado de Projectos
hegemónicas de difusão cultural, ou da Políticos Pedagógicos imersos nos con-
‘indústria criativa’, mas ainda hesitamos textos próprios das suas comunidades.
quando queremos entender o poder que Exemplos que deveriam ser difundidos
a educação exerce na construção dos su- e acompanhados e não ocultados e des-
jeitos, como submissos, enquanto ‘bons valorizados. Na escuta desses exemplos,
cidadãos’. se entende verdadeiramente a dimensão
A história da educação, com muitos do pensamento freiriano e a importância
anos, não encontrou o sucesso educativo, da Educação e o que dela pode imergir de
nem o plano que perseguia de interfe- possibilidades de construção de um ou-
rência crítica na sociedade. Persegue-se tro futuro. Isolar as práticas educativas e
o culto do desenvol- culturais da vida é ali-
vimento psicológico mentar o alheamento
e da pedagogia socio- social que sustenta as
lógica, evitando enca- Isolar as práticas condições políticas
rar a aprendizagem em que a humanida-
como um acto polí-
educativas e culturais de caminha para a
tico. A escola, no seu
aparato, na sabedoria
da vida é alimentar o sua exaustão.
Há um caminho
inquestionável
seus professores, na
dos
alheamento social que educacional de deso-
bediência epistemo-
certeza de suas ver-
dades, no determi-
sustenta as condições lógica que é preciso
alimentar, criando
nismo dos processos
de avaliação que usa,
políticas em que a espaços de partilha
de novos entendi-
discrimina, esconde humanidade caminha para mentos, de valoriza-
o que condiciona do ção de tantos saberes
modo de ver_estar a sua exaustão. afastados das escolas,
no mundo, condicio- escutando o que está
na o futuro e, em cer- de fora dos manuais,
ta medida liquida a criando espaços para
utopia juvenil. Os conteúdos vinculados o crescimento dos desejos da juventude
apenas aos saberes hegemónicos deter- e das comunidades a que pertencem.
minados pelos programas escolares, in- O fracasso deste tempo, de pura es-
diferentes aos contextos educativos sin- quizofrenia, se esconde na sedução da
gulares onde são tratados ignorando e sua propaganda positiva, de aparên-
anulando os saberes ocultos, não deviam cias e camuflagem, onde o adormeci-
ser respeitados por estarem desligados mento social requerido, a cultura hege-
da consciencialização do tempo em que mónica se inscrevem e que a escola e a
vivemos e serem, usados como vocacio- universidade, na postura de uma falsa
nados para a promoção de atitudes de in- neutralidade, não querem entender e
tervenção crítica. denunciar.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 28 CONFERÊNCIA 2


“(…) A poesia, a arte, desarrumam para ter êxito, se fechando nas tecnologias que
tentar arrumar por dentro; e pode ha- permitem falsear as amizades e garan-
ver muito sentido na desarrumação.
tem que todos os problemas do mundo
Desarrumam para poderem depois en-
tender e fazer algum sentido do mundo.” serão resolvidos, onde se junta o usufruto
Ana Luísa Amaral, Poeta da cultura oficial, do belo e da arte, como
retiro da sujidade e aquecedor das almas;
Trago agora para esta fala, a necessi-
dade de retirada dos professores de um “Aquilo a que é necessário resistir não
é ao poder, nas suas formas instituídas,
posicionamento neutral, em defesa de
mas sim, sobretudo, ao nosso desejo de
uma postura crítica e democrática, dia- obedecermos, (…)”
logante com os estudantes e os pares, de Gros, Frederic. Desobedecer. Tradu-
vinculação à vida, às conflitualidades so- ção de Miguel Martins. Lisboa: Antígo-
ciais e à política. na Editores Refratários,
2019, p. 48.
Sendo franco no
que penso, digo que
Procura-se um espaço de (ii) outra catego-
ria, onde outros pro-
no longo percurso de
mais de 45 anos de
desobediência vinculada a fessores, escolhendo
a indiferença face ao
professor, assisti a
vários posicionamen-
propósitos educativos que circundante e vege-
tando num deixa an-
tos, que globalizo em
três categorias:
democratizem a construção dar e do não te abor-
reças com isso se vão
“O herói já não de sujeitos, combatendo o preocupando apenas
faz sacrifícios, com seu poder de
acumula êxitos, individualismo, esbatendo compra e seu reco-
a sua acção não
nhecimento social,
lhe amadurece o
sentido da liber-
genialidades e recusando sabendo que sua cor
cinzenta os protege,
a espetacularização do
dade, mas a car-
reira é o lugar de onde também se junta
revelação do seu
c o n f o r m i s m o .” individual. o usufruto da cultura
oficial, do belo e da
Adorno (2013)
arte, como retiro da
(i) quando grupos de professores, sujidade e aquecedor
procuram se situar num caminho de das almas;
aproveitamento oportunista e acrítico
“Como mudar um mundo onde os qui-
do que o sistema oferece, fechando-se na
nhentos indivíduos mais ricos têm tanto
autoridade dos seus programas e do seu rendimento quanto o dos 40 países mais
poder num acomodamento oportunista, pobres ou o de 416 milhões de pessoas e
procurando o seu conforto de ostentação onde o colapso ecológico é uma possibi-
social e um acesso desmedido de consu- lidade cada vez menos remota?
Boaventura Sousa SANTOS, . O Estado
mo, usando sem reservas os ascensores
do Mundo Segundo Três Interrogações,
das carreiras profissionais onde apenas é inquérito Jornal de Letras, 30 de Maio
preciso saber ultrapassar os pares, para de 2007

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 29 CONFERÊNCIA 2


(iii) e, outros que escolhem o espi- mos colocam à humanidade e às comu-
nhoso caminho da teimosia, da desobe- nidades discriminadas e da necessidade
diência, da interferência consistente e de se preparar hoje um amanhã que pre-
permanente, do desassossego, da cons- cisa ver invertida a marcha em curso da
trução da esperança, da confiança na co- humanidade para a sua catástrofe.
munidade.
“A Insatisfação é a capacidade de com-
Persigo claramente o entendimen-
preender que, para podermos aspirar
to sobre a possibilidade de realizar uma à transformação ética e equitativa do
educação irreverente, desobediente aos mundo global em que vivemos, siste-
cânones estabelecidos. Procura-se um mática e incansavelmente teremos de
espaço de desobediência vinculada a “regressar” às condições sociais e his-
tóricas daqueles que se encontram no
propósitos educativos que democrati-
domínio da morte social — os excluídos,
zem a construção de sujeitos, combaten- os marginalizados, os desprovidos.”
do o individualismo, esbatendo geniali- BHABHA, Homi K. (2007). Ética e Esté-
dades e recusando a espetacularização tica do Globalismo: Uma Perspectiva
Pós-Colonial, in A urgência da teoria,
do individual, colaborando na constru-
Lisboa, Edições Tinta-da-China e Fun-
ção de como corpos plenos de si, cons- dação Calouste Gulbenkian, tradução de
cientes de sua pertença a um comum e Catarina Mira. (p. 43)
construtores de um futuro de resistên-
cia à descriminação, ao racismo e ao A partir desta atenção, escolhendo
­colonialismo. um caminho nada fácil, pretendo de-
No contexto insuficiente e agonístico fender a possibilidade de se encarar a
da minha morada em Portugal, essa pro- educação como um espaço aberto e não
cura para ser significativa teve de se tor- ortodoxo, vinculado a uma missão cog-
nar atenta ao que decorre num Sul políti- nitiva e cultural abrangente, que forneça
co que se pretende pleno de si, presença condições para a construção em cada es-
que evidencia o oculto da sua resistência tudante de um sujeito crítico, criando as
anti-colonial, que revela a herança assu- possibilidades de cada um/a se entender
mida da luta contra a discriminação e o com a complexidade do mundo contem-
racismo, de ontem e de hoje. porâneo, conhecedor dos dilemas cultu-
Pode a minha fala ocultar a esperança rais e políticos e implicado com os dile-
que pretendo difundir de construção de mas societais.
comunidades escolares, de aprendentes, A prática educativa precisa de criar
envolvidas na formação de uma ‘massa experiências significativas fazendo
crítica,’ colaborativa e empenhada colec- emergir aprendizagens, como campo
tivamente na sua missão educativa, con- cognitivo, cultural, comunicacional e
fiante na construção nos/nas estudantes sensorial de relacionamento singular
de condições para o florescimento de seu com o corpo de cada um/a, partilhando a
próprio devir. aprendizagem com os contextos vividos
Que não restem dúvidas sobre o meu e a globalidade da actualidade.
reconhecimento da imprescindibilida- Apenas disse o que, possivelmen-
de da educação face aos desafios que a te, todos sabem dizer, sabendo que é no
complexidade destes tempos que vive- dia-a-dia do relacionamento educati-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 30 CONFERÊNCIA 2


vos nas salas de aula e nos espaços de escolha: a cumplicidade passiva.”
aprendizagem, nas reuniões de pares Gros, Frederic. Desobedecer. Tradução
de Miguel Martins. Lisboa: Antígona
é que está o verdadeiro problema. Nos
Editores Refratários, 2019, p. 174.
momentos sagrados de aprendizagem
precisamos alimentar a sede de conhe-
Sou esta desarrumação. Alimento
cimento, estimular a curiosidade num
a ambição deste op-
movimento que se
timismo ao assumir
entregue à consciên-
responsabilidade pe-
cia de que contribu-
ímos para o amanhã Alimento a ambição deste rante o tempo que
há-se vir, de tomar
do alunado. Que to-
dos e todas se podem optimismo ao assumir posição. É nesse ter-
ritório que me situo,
tornar cidadãos crí-
ticos, intervenientes responsabilidade perante não como espaço que
neutraliza e cria con-
implicados nos seus
contextos, e nunca o tempo que há-se vir, de dições de apazigua-
mento social, mas
neutrais e obedientes
a uma sociedade neo-
tomar posição. que traga a irreve-
rência que a cultura
liberal.
possa ser portadora,
para que este tempo
“Somos intelectu-
ais, artistas, escritores, mas porventura em que vivemos possa de fato criar uma
mais fundamentalmente levarmos a sé- possibilidade de ver um amanhã e um
rio a nossa profissão, o nosso destino de amanhã que se distancie do rumo por
“homens”, significa obrigarmo-nos ao onde hoje estamos caminhando.
compromisso, leia-se à luta, à tomada
Não vos canso mais, obrigado.
de posição. Porque a neutralidade é uma

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 31 CONFERÊNCIA 2


CONFERÊNCIA 3

S
SA
BE IA AR
I

LM EF
A RIA S A BI N O D A PEDAGOGIA NA
FRONTEIRA DAS DISPUTAS
NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES

Isabel Maria Sabino de Farias — Professora Associada da Universidade Estadual do Ceará (UECE), vinculada ao
Centro de Educação (CED) e ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE). Pedagoga (UECE). Doutora em
Educação Brasileira (UFC), com Estágio Pós-doutoral pela Universidade de Brasília (UNB) na área de currículo e
avaliação. Líder do grupo de pesquisa Educação, Cultura Escolar e Sociedade (EDUCAS/CNPq). Pesquisadora vincu-
lada ao Grupo de Trabalho (GT 8) Formação de Professores da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPEd). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2. E-mail: isabel.sabino@uece.br. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-1799-0963.

PARA COMEÇAR ESTA CONVERSA... essa situação tem sido particularmente


muito dramática diante do descaso do
Abro nossa conversa com essa singe- governo federal que, em tese, deveria
la, mas importante mensagem: “Essen- proteger e pensar na população, mas que
cial é a vida”. Essa mensagem é em fun- tem sido extremamente lento e omisso
ção dos dias sombrios e imprevisíveis nesse enfrentamento, especialmente, no
que nós estamos vivendo, que estamos que concerne a oferta de vacinas, pro-
atravessando. Entendo que, mais do que cesso marcado pela ausência de uma po-
nunca, nós precisamos reafirmar em lítica com ações contundentes. Situação
todas as situações, em todas as oportu- que tem se agravado muito ante as con-
nidades, essa mensagem: “essencial é a dições de precarização da vida humana,
vida”; defendê-la e preservá-la é urgente sobretudo, com o aumento da violência
no atual contexto da crise sanitária cau- que tem acometido as camadas mais
sada pela COVID-19. desprivilegiadas da população, em par-
Todos estamos vivendo essa crise sa- ticular, as minorias.
nitária causada pela COVID-19. Uma cri- Começo, portanto, manifestando a
se sanitária que tem ceifado milhares de minha solidariedade a todas as famílias
vidas em todo mundo e, aqui no Brasil, brasileiras. Registro minha solidarie-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 32 CONFERÊNCIA 3


dade e também o desejo de que façamos política educacional, em particular das
da nossa indignação, ante ao abando- políticas voltadas para a formação do-
no e descaso do Poder Público, um ato cente, uma situação extremamente deli-
de resistência e insurgência, transfor- cada, sendo necessário conhecer e com-
mando-o em luta nas próximas eleições. preender todo esse cenário de ataque
Com o nosso voto podemos mostrar que frontal às nossas conquistas nos últimos
toda vida importa, que o essencial é a quinze anos. Conhecer e problematizar
vida! esse quadro é um ato de resistência dos
É com esse mesmo sentimento, de mais potentes em defesa dos processos
defesa e respeito aos desafios da inclu- democráticos e, por isso mesmo, saúdo
são de todos, todas e todes, que vou pro- a todos os organizadores AINPGP, pois
ceder agora a minha audiodescrição. muito oportuna à escolha da temática
Entendo que essa também é uma ação geral desse evento.
política, uma aprendizagem que preci- Organizei a minha fala com o título:
samos desenvolver e estimular em todas “A Pedagogia na fronteira das disputas
as ocasiões do nosso labor profissional. na formação de professores(as)”. Come-
Eu sou uma mulher branca, cisgêne- ço, então, esclarecendo a noção de fron-
ra e nordestina. Estou sentada, atrás de teira. O termo fronteira evoca as tensões
mim tem uma parede clara com uns seis que margeiam o reconhecimento da Pe-
quadros da minha filha, que hoje tem 21 dagogia como campo de formação de
anos, nela fixados. São fotos de diferen- professores. É nessa direção que minha
tes tempos da vida. Acima dos quadros, fala deve caminhar, no sentido de situar
nessa mesma parede, tem um armário e problematizar o contexto atual das dis-
onde guardo parte dos meus livros. Te- putas em torno da educação e os ataques
nho cabelos castanhos, eles estão amar- à ela dirigidos, e como elas chegam à
rados em um coque, uso óculos e estou formação docente, especialmente, como
vestindo um macacão azul escuro. reverberam na Pedagogia e na formação
Ainda em minhas palavras iniciais, de professores do nosso país (HOBOLD;
quero felicitar os organizadores dessa FARIAS, 2021; CARDOSO; MENDONÇA;
12ª edição do Fórum Internacional de FARIAS, 2021; BRANDT; HOBOLD; FA-
Pedagogia (FIPED), na pessoa do profes- RIAS, 2021).
sor Alexandre Joca, presidente da AINP-
GP, pela escolha da temática: “A ciência A PEDAGOGIA NO FRONT DA DISPUTA
como fronteira para a resistência demo-
crática”. Considero que é uma temática Parto da imagem de uma tela a óleo
bastante apropriada para o momento pintada por Lucas Cranach; uma tela an-
histórico que nós vivemos, especialmen- tiga, datada de 1530 e intitulada “A quei-
te no campo da Educação. Momento ma dos escritos de João Rans diante de
histórico caracterizado por um tempo um príncipe”. Essa tela de Lucas Cranach
marcado por duros ataques a Educação mostra um servo atiçando uma fogueira,
e uma agenda agressiva para esse setor, e nessa fogueira, queimando livros na
em particular, para a formação de pro- frente de um príncipe da época da inqui-
fessores. Estamos vivendo no campo da sição. Trago essa tela justamente para

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 33 CONFERÊNCIA 3


expressar que a considero muito expres- ção CNE/CP nº 02/2019. Este dispositivo
siva do momento histórico que vivemos traz implicações para o curso de Peda-
nessas primeiras décadas do século XXI gogia, ao colocar em questão a identida-
no campo da Educação, em especial no de desse curso de licenciatura, portanto,
curso de Pedagogia. de formação inicial de professores. Está
Considero essa imagem muito em- outra vez sob holofotes porque a Resolu-
blemática do momento contemporâneo ção 02/2019 substitui a DCN da formação
que a Pedagogia enfrenta. Essa asser- de professores então vigente, no caso, a
ção pode até parecer óbvio, mas pre- Resolução CNE/CP nº 02/2015.
cisamos afirmá-la contundentemente, A resolução de 2019 vai, concomi-
deixar mais claro, esclarecer quais são tantemente, definir novas diretrizes
e o que significam os ataques que vêm curriculares nacionais para a formação
sendo dirigidos ao curso de Pedagogia. inicial de professores para a Educação
Como bem anotado por Leda Scheibe e Básica e instituir a base nacional comum
Zenilde Durli (2021), curricular (a BNC-
em artigo veiculado -Formação). Impor-
pela Revista da AN- ta lembrar que essa
FOPE Formação em nova regulação teve
Movimento, após 80 uma feitura apressa-
anos de existência, a
Pedagogia está no-
Não é a primeira vez que da e superficial; tudo
feito de modo muito
vamente sob ataque.
Oito décadas de lutas
a Pedagogia tem sua célere e homologa-
do no badalar das lu-
completadas em 2019, identidade questionada. zes do final do ano de
isso porque, mais 2019. Outro aspecto
uma vez, a Pedagogia relevante desse mo-
tem a sua finalidade e vimento contempo-
sua organização co- râneo de tensiona-
locada “em questão”. mento da Pedagogia é
Mas quem está me ouvindo pode se que ele conflita com a atual configuração
perguntar: que história é essa? Mas é do Curso disposto no normativo legal
isso mesmo: não é a primeira vez que a ainda vigente e aprovado pelo próprio
Pedagogia tem sua identidade questio- CNE em 2006 (Resolução nº 01/2006).
nada; não é a primeira vez que as finali- Com efeito, a fronteira de disputa em
dades e a própria organização do curso que a Pedagogia hoje se encontra está
de Pedagogia, ela é tensionada no cam- inserta nas disputas históricas que cer-
po macro das políticas educacionais e, cam a formação de professores, as quais,
de um modo mais preciso, estou me re- por sua vez, têm sua raiz no processo
ferindo a acontecimentos recentes da- histórico da própria profissionalização
tados de dezembro de 2019, ano em que da Educação, demarcado especialmente,
o Curso completou 80 anos. Justamente a partir de sua inclusão nos estudos de
nesse momento, o Brasil, mais uma vez, nível superior. É com a emergência des-
tensionou o campo ao aprovar a Resolu- sa preocupação, que remonta ao Estado

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 34 CONFERÊNCIA 3


Novo, que a formação profissional dos nutenção nesse começo do século XXI.
professores ganha maior visibilidade no O propósito de formar professores per-
campo das políticas sociais. Até então, os meia a constituição dos cursos e centro
professores aprendiam e se formavam de Humanidades, Filosofia e Letras; essa
com base nas experiências de instrução estrutura vai surgir para preparar os
pelo método mútuo ou ainda baseado, candidatos ao magistério que atuavam
isso já mais no final do século XX, nos no ensino secundário da época e no âm-
modelos emergentes das escolas nor- bito das faculdades de Filosofia, Ciências
mais e de cursos secundários. e Letras, e vai se configurar a partir do
Com a criação do Ministério da Edu- modelo que ficou classicamente conhe-
cação e a Reforma cido como “esquema
de Francisco Cam- 3 + 1”, configuração
po (VIEIRA; FARIAS, que até hoje sedimen-
2011), durante a dé-
A fronteira de disputa em ta a separação entre
cada de 1930, emerge
a preocupação com
que a Pedagogia hoje bacharelado e licen-
ciatura. E o que era
a profissionalização
do magistério, por
se encontra está inserta esse esquema? Con-
sistia em fazer três
conseguinte, com a
formação profissio-
nas disputas históricas anos de bacharelado,
que era pré-requisi-
nal dos professores,
processo que acirra
que cercam a formação to para obtenção do
diploma de licencia-
as disputas históricas de professores, as quais, tura, bastando para
em torno da profissão isso fazer mais um
docente. Esse front por sua vez, têm sua raiz ano. Quando a Peda-
marca a disputa con- gogia surge em 1939,
temporânea em torno no processo histórico da no seio da Faculdade
da formação de pro- de Filosofia, ela nasce
fessores, trazendo, própria profissionalização dentro desse modelo.
no seu bojo, a consti- De lá para cá, a
tuição do curso de Pe- da Educação. Pedagogia passou
dagogia. Assim, sem por vários processos
nenhuma pretensão de reconfiguração de
de fazer uma digressão histórica deta- sua finalidade e organização curricular.
lhada dos 80 anos de vida da Pedagogia, Superou o “esquema 3 + 1”, a ênfase pro-
o que quero dizer é que, desde seu sur- fissionalizante da formação e as habilita-
gimento, ela vem enfrentando várias re- ções oriundas da reforma universitária
configurações de sua finalidade e sua or- de 1968, realizada pela ditadura militar
ganização. Grosso modo, é possível dizer e, nas décadas subseqüentes, rompeu
que a Pedagogia traz em ser cerne o pro- com essa diretriz e se firmou como uma
pósito de formar professores, isso está licenciatura plena (Resolução CNE/CP
nas razões que motivaram a criação do nº 01/2006). Uma configuração cujo de-
curso em 1939 e que sustentam sua ma- lineamento resulta do movimento orga-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 35 CONFERÊNCIA 3


nizado dos educadores, luta puxada es- dispositiva situa a Pedagogia noutro
pecialmente pela ANFOPE que defendia patamar, reconhecendo seus egressos
e ainda defende a docência como base da como profissionais da Educação que
formação de professores. atuam na docência.
A Resolução CNE/CP nº 01/2006 é A Resolução CNE/CP nº 01/2006 traz
reconhecida como um avanço por vá- uma definição para o Curso, ao firmá-la
rios pesquisadores da área, entre eles, o como formação de professores e, nos
professor Luiz Dourado e as professoras anos de 2006 até o presente momento
Leda Scheibe e Zenilde Durli. Dentre as (2022), especialmente, desde a revoga-
principais mudanças estabelecidas por ção da Resolução CNE/CP nº 02/2015, ela
essa diretriz curricular do curso de Pe- tem dado sustentação às conquistas que
dagogia, destacam: a alteração de sua vêm sendo duramente atacadas pela Re-
finalidade, firmando-a como uma licen- solução CNE/CP nº 02/2019, tensionando
ciatura, como formação de professores e a validade, a pertinência e a necessidade
que vai assumir a docência como base o do curso de Pedagogia. Tensionamento,
exercício da docência; a extinção das ha- aliás, produzido, infelizmente, pelos re-
bilitações; o aumento da carga horária presentantes de plantão poder público
do Curso, que no momento de discussão federal infiltrados no MEC e no próprio
desse dispositivo enfrentava forte ten- Conselho Nacional de Educação; fato la-
dência e movimento de redução de sua mentável, pois, em tese, deveriam ser o
duração. Esta DCN manteve as 3.200 ho- grande defensor da educação pública,
ras de formação. mas hoje nós temos em funções chaves
É importante destacar que os no MEC e no CNE intelectuais orgâni-
avanços conquistados pela Resolução cos, burgueses alinhados aos interesses
01/2006 tiveram suporte nas defesas economicistas e privatistas de educação.
postuladas pelo movimento dos educa- Esse é um movimento que se delineia
dores puxado pela ANFOPE, bem como desde o governo Temer, instaurado pós-
pelo que estabelecia a LDB, aprovada -golpe de 2016, que resultou no impea-
em 1996, a qual definia que o curso de chment da Presidenta Dilma e no atual
Pedagogia se destina a formar profes- governo (2019-2022), momento em que
sores para exercer as funções de ma- assistimos a destituição de vários con-
gistério na Educação Infantil, nos anos selheiros progressistas que defendiam
iniciais do Ensino Fundamental, nos a educação pública e a entrada de re-
cursos de Ensino Médio na modalida- presentantes de segmentos dos grandes
de normal, na Educação Profissional conglomerados educacionais privados
na área de serviços de apoio escolar e e que vem buscando implementar uma
dentre outras áreas que sejam previstos orientação curricular engessada à for-
conhecimentos pedagógicos. Além dis- mação de professores.
so, o parágrafo 1º desta Resolução vai Recentemente, em uma aula inau-
estabelecer que as atividades docentes gural, a professora Olinda Evangelista
compreendem também a participação destacou as ligações dos setes princi-
na organização e gestão de sistema em pais intelectuais orgânicos burgueses
geral das instituições de ensino. Este dentro do CNE. Entre esses intelectuais,

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 36 CONFERÊNCIA 3


chamou atenção para Maria Helena Gui- preciso entender que esse é um contexto
marães de Castro, sublinhando tratar-se de disputa marcado pela defesa da fal-
de um dos principais intelectuais orgâ- sa neutralidade, por ataques a ciência,
nicos burguês, com longa trajetória de aos professores. Quem não lembra dos
atuação e defesa dos valores neoliberais, ataques noticiados na mídia desquali-
de interesses privados no campo da edu- ficando e desacreditando os professo-
cação e da formação de professores. Na res? E da avalanche de fake news sobre
base de todo o processo de “renovação” a qualidade da educação e das universi-
do CNE que resultou na promulgação da dades tentando desqualificar a educação
Resolução nº 02/2019 e nas tentativas de pública, laica, inclusiva e democrática?
revogação da DCN de Pedagogia (Reso- Essa disputa, portanto, se materializa no
lução CNE /CP nº 01/2006), temos ali a plano político e da prática social pela via
articulação de Maria Helena Guimarães curricular, por meio da BNCC da Educa-
de Castro. ção Básica.
É justamente a tensão existente en- A Resolução CNE /CP nº 02/2019
tre a Resolução CNE/CP nº 02/2019 e as atinge frontalmente a Pedagogia como
DCNs da Pedagogia (Resolução CNE /CP campo científico e de formação de pro-
nº 01/2006) que hoje se encontra no cer- fessores. O marco mais recente é exa-
ne da disputa no campo da formação de tamente isso, o processo de elaboração
professores em geral, e do pedagogo em e aprovação da base comum curricular
particular. Com efeito, é possível afirmar (BNCC-EB), iniciado em 2015 com fun-
que esses últimos seis anos da segunda damento no que estabelece o PNE 2014-
década do século XXI têm se revelado 2024 e a LDB de 1996. O resultado final
como um período bastante turbulento de tudo isso é a aprovação de um texto
para a educação brasileira, especial- curricular com inúmeras críticas, pois
mente, para a formação de professores; a versão final aprovada foi bastante re-
momento em que termos como des- pudiada e está longe de representar o
monte, retrocessos, democracia em ris- pensamento dos educadores brasilei-
co, negação de direitos constitucionais, ros, muito menos o que as pesquisas em
rupturas com práticas democráticas, re- educação indicam. Tanto é assim que a
centralização, regulação, padronização aprovação da BNCC da Educação Básica
curricular, entre tantos outros, simbo- ocorreu de forma fatiada, pedacinho por
lizam a disputa em torno de um projeto pedacinho, para ir vencendo pelo cansa-
educacional nacional e, por conseguinte, ço, ou, como se diz popularmente, “divi-
da formação de professores e professo- dir para vencer”.
ras, principais sujeitos desse processo. A ‘pedagogia das competências’ é o
Nesse contexto de contrarreforma grande marco que fundamenta toda a
(AGUIAR, 2018), o que está em disputa BNCC-EB. E essa é uma orientação pre-
é o projeto de sociedade e de Educação ocupante, porque traz como proposta a
que vinha em construção até antes do redução do processo formativo de profis-
golpe de 2016. E como é que esse con- sionais docente ao desenvolvimento de
texto, especialmente a Resolução CNE / competências operacionais, adequadas
CP nº 02/2019 vai atingir a Pedagogia? É ao processo de trabalho, numa perspec-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 37 CONFERÊNCIA 3


tiva de empobrecimento da formação, orienta a BNCC da Educação Básica – as
negando sua dimensão integral, amplia- competências.
da e com larga sustentação teórica. A Re- O célere processo de constituição
solução CNE/CP nº 02/2019 acompanha e aprovação da Resolução CNE/CP nº
essa orientação; ela se fundamenta na 02/2019, marca do movimento de con-
perspectiva das competências, alinha- trarreforma (AGUIAR, 208), pode ser di-
mento explícito logo no primeiro artigo mensionado na tramitação do documen-
desse ato normativo. Essa orientação, to de referência dessa diretriz, intitulado
vale lembrar, já estava sinalizada des- “Proposta para Base Nacional Comum da
de o anúncio, em 18/10/2017, da Política Formação de Professores da Educação
Nacional de Formação de Professores Básica (BRASIL, 2018), texto produzido
(PNFP), à época apresentada por Maria durante a gestão do ex-presidente Mi-
Helena Guimarães de Castro por meio chel Temer, encaminhado ao Conselho
de slides. Aliás, a pu- Nacional de Educa-
blicização da política ção (CNE) em dezem-
por slides é outro tra- bro de 2018 e, poste-
ço das ações do mo-
vimento de contrar-
A ‘pedagogia das riormente, recolhido
pelo Ministério da
reforma em curso competências’ é o grande Educação (MEC) no
nesse período. início da gestão do
O fato é que, logo marco que fundamenta atual governo (FA-
após a aprovação RIAS, 2019). Um texto
da BNCC da Educa- toda a BNCC-EB. E que registra três ver-
ção Básica (BRASIL, sões na plataforma do
2017), os intelectuais essa é uma orientação CNE, mas, na verda-
orgânicos burgue- de, nessa plataforma
ses, representantes preocupante. consta apenas a ter-
dos interesses pri- ceira versão, ou seja,
vados no MEC e no aos “pobres mortais”
CNE, partiram para não foi dado conhe-
uma forte ofensiva, visando revogar as cer seus primeiros esboços, ainda que os
DCNs então vigente, no caso, a Reso- ‘iluminados’ que formularam tais textos
lução CNE/CP nº 02/2015. Esta diretriz possam ter tido acesso. O fato é que a
resultou de amplo debate com a socie- terceira versão veio a público, de forma
dade civil organizada, mas por que o muito rápida, no finalzinho de setembro
MEC e CNE protagonizaram esse ata- de 2019, e chamando para uma audiência
que? A razão parece óbvia: porque o in- pública em 08 de outubro desse mesmo
teresse dos representantes vinculados ano, tendo sua aprovação final em 20 de
aos interesses privados e economicis- dezembro. E por que esse documento é
tas era instituir um marco normativo importante? Porque dele resultou o Pa-
que permitisse única e exclusivamen- recer CNE nº 22/2019, peça que permite
te, uma formação de professores fin- conhecer a argumentação que sustentou
cada no marco teórico pedagógico que a decisão do CNE de revogar a DCN então

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 38 CONFERÊNCIA 3


vigente – a Resolução CNE/CP nº 02/2015. Capítulo IV detalha os tipos de cursos de
Esse texto de referência foi rechaçado licenciatura e nele não inclui o curso de
em audiência pública, organizada pelo Pedagogia; nele são listados apenas três
CNE, em 08 de outubro de 2019, de forma tipos de licenciatura: Formação de pro-
unânime pelas entidades ali presentes fessores multidisciplinares da EI; For-
(ANPED, ANFOPE, ABDC, entre outras) e, mação de professores multidisciplinares
mesmo assim, o CNE fez vista grossa e dos AIEF; Formação de professores dos
aprovou em 07 de novembro de 2019, o AFEF e EM. O texto é claro, ainda que não
parecer, mais precisamente, uma versão o diga textualmente, deixando implícito
enxuta e limpa de muitos dos ataques que a Resolução desconsidera o curso de
oficiais manifestados sobre a formação Pedagogia como campo de formação de
de professores e ao curso de Pedagogia. professores. Ademais, ela pega os cam-
Ainda assim, na versão aprovada mante- pos de atuação assumidos historicamen-
ve-se o questionamento acerca da perti- te pela Pedagogia e nomeia cursos dife-
nência do curso de Pedagogia, acusando rentes para eles.
que a universidade nunca soube o que A Pedagogia aparece apenas no Ca-
fazer com a Pedagogia. pítulo VII – “Da formação para atividades
A Resolução CNE/CP n° 02/2019 as- pedagógicas e de gestão”, no qual o pe-
sume a BNCC da EB como referência (Pa- dagogo é configurado como técnico em
rágrafo único – Art. 1°). O texto possui 10 educação, retomando as antigas habili-
páginas e traz um anexo com 8 páginas; tações, lugar este já superado. A perspec-
tem 9 capítulos e 30 artigos, apresen- tiva da DCN 02/2019, como asseverado
tando inicialmente 5 considerandos, nos por Leda Scheibe e Zenilde Durli (2021),
quais destaca as aprendizagens essen- é de voltar ao passado, propondo a Peda-
ciais e as competências profissionais dos gogia como lugar para preparar os téc-
professores. Embora a Resolução tenha nicos de administração, planejamento,
9 capítulos e 30 artigos, apenas no Ca- inspeção educacional. Habilitações que
pítulo VII (Da formação para atividades prevaleceram sob a égide de orientações
pedagógicas e de gestão) faz referência profissionalizantes da época da ditadura
explícita a Pedagogia. Nos demais não há militar e que já supúnhamos superadas
referências. Ainda que haja esse silen- pela Resolução CNE/CP nº 01/2006, de-
ciamento, o conteúdo do Capítulo IV dei- corrente do debate que se deu de 1996 a
xa entrever a intenção dos seus formula- 2006, e aprovou as diretrizes da Pedago-
dores de por fim ao curso de Pedagogia. gia. A Resolução CNE/CP nº 02/2019 pro-
Importa reforçar que isso não é assumi- põe “a volta ao passado”, ao definir/criar
do de maneira clara, mas encontra-se dois cursos para formar professores
nas entrelinhas, anunciado de forma para os campos de atuação que histori-
subliminar, afinal, o não dito também diz camente foram assumidos pelo pedago-
muito. E é isso que fica evidenciado no go. Nega, subliminarmente, a Pedagogia
texto da Resolução nº 02/2019: a inten- como curso de formação de professores
ção de sacramentar a extinção da Peda- (definição estabelecida pela Resolução
gogia como licenciatura, como campo de CNE/CP nº 01/2006). Ademais, essa atu-
formção de professores. O artigo 13 do al DCN é um texto “higiênico” inclusive

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 39 CONFERÊNCIA 3


na adoção do termo Pedagogia. É clara públicas que repudiam as intenções do
a intenção de reduzir a Pedagogia à for- CNE, a exemplo da ANFOPE e ANPED,
mação de especialistas, à uma formação bem como a reorganização dos fó-
formata (ANPED, 2019). runs de defesa da Pedagogia, soma-
do a ampliação de publicações e lives
PROSSEGUIR RESISTINDO – DESAFIO acerca do campo. É nessa direção que,
PERMANENTE entre outras iniciativas, destaco o dos-
siê “Formação de professores: projetos
O front da disputa permanece ten- em disputas” (HOBOLD; FARIAS, 2021),
sionado. Desdobramentos recentes des- organizado pela Revista Práxis Educa-
se movimento em torno da Pedagogia foi cional, e o dossiê “Curso de Pedagogia
a audiência com o CNE, realizada em 10 no Brasil: tensões, controvérsias e pers-
de fevereiro de 2021, na qual, Maria He- pectivas” (MILITÃO; CRUZ, 2021), publi-
lena Guimarães (no- cado pela Revista da
vamente!) apresentou ANFOPE Formação
o Power point “Dire-
trizes Curriculares
Os anos de 2021 e 2022 em Movimento. São
ações que buscam
Nacionais de Peda-
gogia: proposta preli-
trazem como marca o alimentar e movi-
mentar o debate em
minar em discussão”, acirramento das disputas torno da formação de
nova tentativa para professores.
revogar a DCN da Pe- em torno da formação de Uma vitória bem
dagogia (Resolução recente importante
CNE/CP nº 01/2006). professores e a defesa, foi a extinção da Co-
Nesses slides, o CNE missão Bicameral do
assume clara posição em particular, do curso de CNE, constituída para
de defesa da separa- a revisão das Diretri-
ção dos cursos para Pedagogia. zes Curriculares Na-
formar professores cionais do Curso de
multidisciplinares Pedagogia, fato ocor-
para a Educação Infantil e para os anos rido em 06 de julho de 2021. Uma vitória,
iniciais do Ensino Fundamental. O deba- porque mostra que o ‘barulho’ provoca-
te foi acirrado, problematizando a posi- do pelos educadores, o movimento de
ção desrespeitosa do Conselho Nacional, disputa, embate e defesa da Pedagogia
em desconsiderar as posições das enti- encontrou eco, não passou despercebido
dades científicas acerca da Pedagogia, pelos representantes do MEC e do CNE,
especialmente, a premissa de que na do- ainda que continue sendo necessário
cência reside sua base de sustentação. permanecer vigilante, afinal a Resolu-
Os anos de 2021 e 2022 trazem ção 02/2019 está aprovada e tem força
como marca o acirramento das dispu- para forçar sua implementação. Resistir
tas em torno da formação de professo- é preciso mais do que nunca.
res e a defesa, em particular, do curso Resistir e construir no cotidiano, no
de Pedagogia. São inúmeras as notas contexto das universidades, discussões

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 40 CONFERÊNCIA 3


e estratégias para que possamos não news/posicao-da-anped-sobre-texto-
implementar a 02/2019, estabelecendo -referencia-dcn-e-bncc- -para-forma-
diálogos com os conselhos municipais, cao-inicial-e-continuada-de
colegiados e demais setores sociais or-
ganizados. Precisamos ampliar o deba- BRANDT, Andressa Graziele; HOBOLD,
te na defesa de uma formação que não Márcia de Souza; FARIAS, Isabel Maria
seja formatada, que não seja pragmáti- Sabino de. Curso de Pedagogia em ce-
ca e forjada na prática, mas que zele e nário de (contra)reforma: concepções
pense a formação de professores numa de formação de professores em disputa.
perspectiva ampliada de docência e Formação em Movimento. Rio de Janei-
que a defenda como base da formação ro, v.3, i.1, n.5, p. 50-70, jan./jun. 2021.
de todos os profes-
sores, inclusive, os BRASIL. MEC. Pro-
pedagogos. Enfim, é posta para Base Na-
necessário defender Precisamos ampliar o cional Comum da
Formação de Profes-
a Pedagogia como
licenciatura plena.
debate na defesa de uma sores da Educação
Uma licenciatura que
se faz no cotidiano
formação que não seja Básica. Brasília, 2018.
Disponível no endere-
das universidades.
formatada, que não seja ço: http://portal.mec.
gov.br/index.php?op-
REFERÊNCIAS pragmática e forjada na tion=com_docman&-
view=download&a-
AGUIAR, Márcia Ân-
gela da Silva. Relato
prática, mas que zele lias=105091-bnc-
-formacao-de-pro-
da resistência à ins- e pense a formação fessores-v0&cate-
tituição da BNCC pelo gory_slug=dezem-
Conselho Nacional de de professores numa b r o -2 0 1 8 -p d f &It e -
Educação mediante mid=30192 Acessado
pedido de vista e de- perspectiva ampliada de em: 01 maio 2019.
clarações de votos. In:
________; docência. CARDOSO, Nilson de
Souza; MENDONÇA,
DOURADO, Luiz Sueli Guadelupe de
Fernandes. (Orgs.). Lima; FARIAS, Isabel
A BNCC na contramão do PNE 2014- Maria Sabino de. O “ovo da serpente” na
2024: avaliação e perspectivas. Recife: formação docente: as diretrizes paulistas
ANPAE, 2018, p.8-22. como esteio da contrarreforma nacional.
Revista Práxis Educacional, Vitória da
ANPED. Uma formação formatada. Rio Conquista, v.17, n.46, p. 1-26, jul./set., 2021.
de Janeiro, 2019. Disponível em: https://
bit.ly/2I2KBv7. Acesso em: 15 jan.2020. FARIAS, Isabel Maria Sabino de. O dis-
Disponível em https://anped.org.br/ curso curricular da proposta para BNC

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 41 CONFERÊNCIA 3


da formação de professores da Educa- ZANCAN RODRIGUES, Larissa; PEREI-
ção Básica. Revista Retratos da Escola, RA, Beatriz; MOHR, Adriana. O Docu-
Brasília, v. 13, n. 25, p. 155-168, jan./maio mento “Proposta para Base Nacional
2019. Disponível em: https://bit.ly/2KlT- Comum da Formação de Professores da
J2A Acesso em: 24 ago. 2020. Educação Básica” (BNCFP): Dez Razões
para Temer e Contestar a BNCFP. Revis-
HOBOLD, Márcia Souza; FARIAS, Isabel ta Brasileira de Pesquisa em Educação
Maria Sabino de Farias (Orgs.). Forma- em Ciências,  Belo Horizonte, 20(u), p.1-
ção de Professores: projetos em disputa. 39. https://doi.org/10.28976/1984-2686r-
Dossiê Temático. Revista Práxis Educa- bpec2020u139.
cional, Vitória da Conquista, v.17, n.46,
jul./set. , 2021. SCHEIBE, Leda; DURLI, Zenilde. Curso
de Pedagogia em questão: de volta ao
MILITÃO, Andreia Nunes; CRUZ, Shirlei- passado? Formação em Movimento.
de Pereira da Silva. Curso de Pedagogia Rio de Janeiro, v.3, i.1, n.5, p. 29-49, jan./
no Brasil: tensões, controvérsias e pers- jun. 2021.
pectivas. Formação em Movimento.
Rio de Janeiro, v.3, i.1, n.5, p. 7-15, jan./ VIEIRA, Sofia Lerche; FARIAS, Isabel Ma-
jun.2021. ria Sabino de. Política Educacional no
Brasil: introdução histórica. Brasília:
Plano Editora, 2011.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 42 CONFERÊNCIA 3


CONFERÊNCIA 4

DESAFIOS DA PESQUISA
E DA FORMAÇÃO EM
RO
RI
MA

AA TO
S AN PEDAGOGIA NO BRASIL:
MÉL R IO
IA D O R O S Á
PERSPECTIVAS DA
REDE NACIONAL DE
PESQUISADORAS/ES EM
PEDAGOGIA – REPPED
Maria Amélia do Rosário Santoro — Graduada em Pedagogia e Pós-Graduada Especialista em Administração Escolar
pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMP). Especialista em Psicologia da Educação e Mestre
em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutora em Educação pela Universidade
de São Paulo (USP). Pós-Doutora em Pedagogia e Prática Docente pela Universidade de Paris VIII (UP-VIII) e Univer-
sidade Federal de Sergipe (UFS). Pesquisadora 2 CNPQ, desde 2007. Atua como Professora Titular e Pesquisadora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Suas pesquisas estão
inseridas nos seguintes temas: Pedagogias Críticas/pedagogias emancipatórias; Pesquisa-Ação, Práticas Pedagógi-
cas, Formação de Professores e Didática Crítica. Autora de vasta produção bibliográfica, publicou mais de 40 artigos
em periódicos e cerca de 12 livros. Orientou 47 dissertações de mestrado e 7 teses de doutorado.

É um prazer muito grande estar aqui eu a chamo, ‘arretada menina baiana’! –,


com vocês neste XII Fórum Internacional conseguiu mobilizar uma série de pes-
de Pedagogia e, graças a Deus, nós esta- quisadores. E isso está assim crescen-
mos online. Em alguns outros fóruns eu do, crescendo muito, e eu acho que vai
havia sido convidada e a agenda e des- crescer muito mais! Finalmente, a gente
locamento não tornavam isso possível. compõe e amplia esse Coletivo, que é o do
Antes de tudo, parabenizo à Aline, na re- Fórum Internacional, e tem outro Coleti-
presentação da RePPed – Rede Nacional vo para estabelecer novos processos de
de Pesquisadoras/es em Pedagogia. Há pesquisa, novos processos de ­formação.
muito tempo pensei nesta hipótese: or- Um prazer muito grande estar aqui
ganizar uma rede de pesquisadores em com a Liliane. Sempre sinto o contato
Pedagogia. Sempre pensava nisso e me dela à distância, sempre com alguma
questionava sobre o porquê de a ANPED análise, algum comentário sobre o meu
não ter esse GT da Pedagogia. Podíamos trabalho, em cima das pesquisas que a
ter uma “rede” ou algum movimento nes- gente faz. A gente sabe que é uma alia-
se sentido, e essa Aline – ‘danada’ como da constante e contínua, e que também

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 43 CONFERÊNCIA 4


é aquela batalhadora da Pedagogia. Eu cia como fronteira para a resistência de-
acredito que essa RePPeD seja um co- mocrática”, que é o mote deste encontro,
letivo composto por uma militância em eu pergunto: De que ciência falamos? É
favor da Pedagogia e na luta por uma uma ciência que incorpora a Pedagogia?
insurgência, contra uma injustiça histó- É uma ciência que incorpora o saber pe-
rica, que é não ser a Pedagogia conside- dagógico? Qual ciência é essa?
rada por todos como uma ciência, como O objetivo desta minha fala é fazer
uma ciência séria, como uma ciência da com que vocês compreendam que a Ci-
Educação, como uma ciência necessária, ência da Pedagogia é a ciência da resis-
uma ciência pertinente. tência, da insurgência. Ela não pode ser
Vocês sabem que, desde a minha tese uma Ciência acomodada a parâmetros,
– mas já estudando a protocolos previa-
muito antes 20, 30 mente estabelecidos.
anos –, eu tenho fala- A Ciência da Pedagogia é Ela é uma ciência que
do isso que, hoje, Bo- se faz no próprio pro-
aventura referenda a ciência da resistência, cesso. Então, como
como epistemicídio o título do nosso tra-
do saber pedagógico. da insurgência. Ela não balho é “Desafios da
Nosso saber pedagó- Pesquisa e da For-
gico esteve sempre pode ser uma Ciência mação em Pedagogia
apropriado, de uma no Brasil”, estou a me
maneira bastante acomodada a parâmetros, perguntar: em qual
cruel, de uma ma- ciência está inserida a
neira bastante colo- a protocolos previamente Pedagogia? Isso pare-
nizadora, por outras ce uma pergunta ba-
ciências. Por isso, estabelecidos. Ela é uma nal. Parece uma per-
considerei muito gunta normal. Mas
pertinente que a or- ciência que se faz no ainda é uma questão
ganização do Fórum não resolvida. É, ain-
tenha colocado a Ci- próprio processo. da, uma questão que
ência “como fronteira a RePPeD e os pesqui-
para a resistência de- sadores em Pedago-
mocrática”. gia têm de abraçar para si.
Vocês, talvez, já estejam cansados de Então, vejam só! E acompanhem de
me ouvir falar neste sentido, que é um onde vem o meu raciocínio. Quando a
mantra: para ser Ciência, e à Pedagogia gente fala em pesquisa, a gente fala de
é ciência! Só que ela não é uma ciência uma pesquisa na educação ou uma pes-
dura! Ela não é uma ciência da natureza! quisa para a educação, ou em uma pes-
Ela é uma ciência da práxis! É outro tipo quisa com a educação. Parece só uma
de ciência, e isso tem de ser incorporado sutileza, mas não é! Nas pesquisas em
na nossa perspectiva: que a Pedagogia tempos passados, nós tivemos muito
é sim, ciência. Mas ela é outra natureza deste processo colonizante: pesquisa-
de ciência! Quando a gente fala “a ciên- vam para a educação usar; pesquisavam

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 44 CONFERÊNCIA 4


para a educação aplicar. uma pesquisa ção. Eu estive refletindo sobre isso para
que atenda às especificidades da práxis estar aqui. A Pedagogia é a ciência que
educativa é algo recente. estuda a Educação, a práxis da Ciência
Necessitamos de uma Ciência Pe- Educativa. A Educação é a ciência que
dagógica ou uma Ciência da Educação? estuda a Pedagogia. Será? Quem estuda
Esta é outra questão: eu ainda tenho cha- Pedagogia é a Educação? Vejam quantas
mado de “Pedagogia” a ciência do fenô- contradições! Quando estamos forman-
meno educativo, da Educação. Mas essa do pedagogos, estou formando o quê?
ciência tem que ser uma Ciência Pedagó- Um educador de uma maneira genérica,
gica, que estuda o fenômeno educativo. professor ou pedagogo? Essas questões
Isso me levou a pensar o seguinte: existe ainda precisam ser melhor detalhadas.
esta similaridade dos fenômenos Peda- Quando estava estudando a questão
gogia e Educação, mas são fenômenos da educação e da Pedagogia, eu peguei
paralelos, próximos ou irmãos siameses, um texto do qual gosto muito, da Mari-
mas não são a mesma coisa. sa Barnabé e Viviane Castro, “Sobre as
Quando a gente fala em Educação, vontades da Pedagogia”. Elas discorrem
é um processo muito sobre a pluralização
mais amplo. A Edu- das Pedagogias e a
cação compõe-se de construção dos sujei-
diferentes “influên- Necessitamos de uma tos, e vão pedir aju-
cias educacionais”. Eu da para refletir com
costumo dizer: a Edu- Ciência Pedagógica ou uma Hannah Arendt, que
cação é para o bem tem um conceito ex-
e para o mal. Tudo o Ciência da Educação? tremamente bonito: a
que recai sobre um educação refere-se à
sujeito como influên- introdução do sujeito
cia que transforma, no mundo. O sujeito
que modifica o comportamento dele, entra no mundo e ele entra sob as asas de
são influências educacionais. Então, não processos educativos já postos, diz Han-
necessariamente ele está sendo educa- nah. A essência da educação é a natali-
do no sentido que nós desejamos. Nós, dade, isto é, o fato de que seres nascem
da Pedagogia, desejamos um sentido de para o mundo, nascem neste mundo, diz
formação para a humanidade, para a ci- Hannah na voz das autoras.
dadania, porque, muitas vezes, esta edu- Agora falo eu: entramos no mundo,
cação carrega influências que são para todos nós. O mundo se faz conosco e nós
uma deseducação do ponto de vista da fazemos o mundo. Uma relação dialéti-
intencionalidade pedagógica. ca. Eu entrei no mundo e o mundo vai
Quando falo de Ciência da Educação, ser alterado ou modificado com a mi-
eu tenho essa amplitude. Por isso, hoje nha entrada. Eu também serei alterada
em dia, ando pensando assim: em uma porque eu entrei no mundo neste lugar,
ciência pedagógica para a Educação; neste espaço social. Vejam o seguinte: aí
uma ciência pedagógica na educação; tem uma questão que acho fundamental:
uma ciência pedagógica com a educa- como nós entramos neste mundo? Quem

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 45 CONFERÊNCIA 4


é este mundo que nos acolhe? Ganhamos Nos meandros do processo educa-
ou não na loteria? Estamos nascendo em tivo, das demandas postas pelo mundo
um lugar onde vou ter os privilégios que nesse momento histórico do sujeito, a
estão postos, ou eu vou nascer em um lu- Pedagogia sempre será a responsável
gar que irei fazer parte de um grupo de de dar a esse sujeito saberes, práticas e
silenciados da sociedade? perspectivas, de modo que possa fazer
Vejam só: eu nasci! O mundo está tensões nesse mundo. Tensões em tudo
pronto! O mundo tem uma racionalida- aquilo que o mundo espera sobre ele:
de pronta e agora estou lá. Se não hou- que seja dócil, submisso e afável. Mas a
ver uma intervenção, uma interferência Pedagogia será o instrumento para fazer
– que suponho que seja pedagógica –, eu dele um insurgente, resistente ou outro
corro o risco de estar deixando no silen- caminho, aquele que faz jus ao que Paulo
ciamento camadas e camadas de pesso- Freire nos diz: nós somos condicionados
as que não terão outra maneira de sair há um monte de coisas, mas não pode-
dessa fatalidade de mos ser determina-
um mundo posto. Ou dos. Ou seja, nós te-
terão poucas! É aí que mos que ser sujeitos
eu coloco a necessi-
dade de uma Peda-
A Pedagogia, como ciência, da nossa história.
Agora, vocês con-
gogia. A Pedagogia,
como ciência, busca-
buscará intencionalidades cordam que a educa-
ção imposta de uma
rá intencionalidades
para encaminhar a
para encaminhar a maneira vertical, de
cima para baixo, car-
educação no sentido educação no sentido de rega uma racionali-
de mais humanida- dade, uma série de
de. Esse sujeito que mais humanidade. instrumentos e agen-
nasceu, segundo o ciamentos para pro-
Paulo Freire inaca- duzir determinadas
bado, como ele será subjetividades? Se
integrado a este mundo? Ele será inte- isso ficar só nesse ponto – a gente já viu
grado como um sujeito servil, oprimido, toda a história da Pedagogia, da Educa-
calado, submetido ou ele será um sujeito ção como reprodutora desse movimento
de autonomia, de liberdade que tem a ca- –, tudo fica como está. A Pedagogia será
pacidade de escolher seu lugar no mun- sempre insurgente, por isso, ela tem que
do? Quer dizer: onde nascemos e onde ser crítica, uma ciência crítica, porque
nasceu esse sujeito? A Pedagogia surge se ela for uma ciência submissa vai es-
para viabilizar, refinar, reinterpretar os tar em um processo de manutenção des-
modos dessa introdução do sujeito no sa lógica posta que se impõe ao sujeito
mundo. Mas, fundamentalmente, ela vai quando ele nasce.
poder ser aquela prática social que vai As Pedagogias operam em todo lu-
dar instrumento àquele sujeito para que gar, não somente na escola, mas também
responda de maneira diferente a essa si- nas famílias, mídias, espaços religiosos,
tuação que foi posta a ele. rede de amigos... Ela está aí toda coloca-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 46 CONFERÊNCIA 4


da. Muitas vezes, as pessoas falam que sido crescente neste último governo. E
ela “não faz nada”. Sim, de fato, a Pedago- é um movimento fortíssimo! Por quê?
gia sozinha não faz nada mesmo! Existe Porque é o medo de que a gente inverta
toda uma racionalidade, um espaço de esta racionalidade posta no mundo. Esse
adesão e convite do mundo que circula intenso economicismo colocou lucro no
em torno da Pedagogia. Se a Pedagogia, lugar da Educação. Colocou outra lógica,
como ciência, tiver representatividade que é a da manutenção dos privilégios:
no mundo, ela pode cocriar um discurso aos que têm muito, tudo será dado; aos
contra hegemônico e práticas críticas, que têm nada, até o pouco será tirado.
que podem produzir tensões no discur- Entendo que uma determinada eli-
so instituído hegemonicamente. Se os te, que pode participar das grandes es-
pedagogos não pesquisam na e com a colas particulares – porque ali eles têm
Pedagogia, outros vão pesquisar, outras tudo – acabam vivendo outras formas
ciências serão as guias e o raciocínio do de domesticação, porque não existe um
saber pedagógico. ensino voltado à hu-
Hoje em dia, estamos manidade, à solida-
sendo comandados, riedade. Eles são ro-
gerenciados pela ci-
ência econômica, pela
As Pedagogias operam em bôs formados para
fazer bem o vestibu-
lógica economicista.
Já fomos conduzidos
todo lugar, não somente na lar, para reproduzir
o sistema. Às vezes,
por outras lógicas,
como a da Sociologia,
escola, mas também nas temos essa fala meio
vulgar de dizer que
a da Psicologia, por famílias, mídias, espaços “na escola particular
isso, a Pedagogia é tudo acontece, tudo é
vista como uma ciên- religiosos, rede de amigos... de ponta, e na escola
cia “para aplicar”. Daí pública, não”. Só que
que a minha luta tem a escola pública ainda
sido para que a Peda- preserva um espaço
gogia seja essa ciência que filtra, orienta, de solidariedade, de olhar as diferenças.
desvela e interpreta esse mundo ao qual É uma formação técnica que não permite
aquele sujeito está submetido. Organi- observar e olhar como você chegou até
zar a Educação em outro sentido: não de aqui. Fabre, um pedagogo francês, real-
manutenção dos privilégios, das distân- ça que a Pedagogia surge para dar conta
cias abissais, desigualdades sociais, mas dos problemas da educação, e essa en-
fazendo o contrário disso. trada da Pedagogia se fará sempre nas
Historicamente, a Pedagogia tem sido urgências e insurgências. A Pedagogia
alijada desse papel de protagonizar a di- vai compreendendo, discutindo, à me-
reção da tarefa educativa. Vocês viram dida que os problemas surgem. Por isso,
esses, estamos vendo esses movimentos talvez, nós estejamos nesse momento
monstruosos que defendem: “onde já se bastantes ativos enquanto Pedagogia,
viu colocar uma formação crítica dentro porque os problemas surgiram com evi-
das escolas!?” Um movimento que tem dências muito fortes.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 47 CONFERÊNCIA 4


Falo que, graças a essa questão da outra maneira, mais justa. Quando esse
pandemia, não só nós olhamos as di- mundo está submerso numa rede de ra-
ferenças sociais, como elas ficaram cionalidade já posta, rede essa que pro-
mais explícitas, como vísceras abertas. duz e reproduz a desigualdade social,
As pessoas perceberam, por exemplo, como é que eu vou fazer para sair disso?
quanta diferença social existe na posse Como uma criança que nasceu numa re-
e na disponibilidade dessa questão da gião desprivilegiada pode negar essas
internet. Não basta fazer somente a aula influências? Pode pensar diferente e co-
remota; onde estão os instrumentos para meçar a negociar? Só através da educa-
viabilizar essa aula? Acho que a Internet ção, pedagógica e intencional.
serviu muito, e mui- A Pedagogia é
ta gente que aderiu a uma prática social
esse processo tem se intencional, ela tem
horrorizado, inclusi- Se a Pedagogia, essa intencionalida-
ve com essa questão de que é insurgen-
das desigualdades como ciência, tiver te! Há uma lógica
sociais afloradas na posta: quem me dá
pandemia. representatividade a chave para que eu
Neste período, possa sair das fatali-
percebi pessoas ex- no mundo, ela pode dades que estão pos-
tremamente inte- tas, quando eu nasci
ressadas em pensar
cocriar um discurso numa situação de di-
uma Pedagogia que
não seja aquela que
contra hegemônico e ficuldades, extrema
dificuldade? Quem
reproduz essa lógi-
ca absurda, injusta e
práticas críticas, que me dá a chave para
sair disso é a escola,
cruel que temos visto
acontecer na Educa-
podem produzir tensões onde fui encontrar
espaço para cons-
ção. Percebi que, ape-
sar dos horrores, nós
no discurso instituído trução de um sujeito
histórico! É quase um
demos um passo para hegemonicamente. circuito fechado, mas
a compreensão da há possibilidades, e é
função da Pedagogia. certo que essas per-
Este ser sujeito que passam pelas Peda-
chega ao mundo, que escolas ele tem? gogias, que vão encontrar maneiras de
Dependendo do lugar social que o indi- furar esse círculo pelas escolas, nos es-
víduo nasce, ele terá acesso a diferentes paços educativos e demais espaços onde
tipos de escola, criando oportunidades haja pessoas envolvidas nessa prática de
culturais diferentes e eternizando a si- uma vivência democrática pelos direitos.
tuação de que, aqueles que têm menos Mais uma vez, lembrando que nós
acesso aos bens culturais, serão aqueles somos condicionados, mas não pode-
que menos receberão da sociedade. Nós mos ser determinados, não podemos
temos de nos inserir nesse mundo de ceder ao ditado que diz: “Nasceu assim

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 48 CONFERÊNCIA 4


vai morrer assim porque assim Deus ções ele nasceu e o porquê de ele estar
quis”. O que Paulo Freire diz é que te- lá. A indocilidade reflexiva é o contrário
mos de enfrentar aqueles mitos que nos da docilidade, que é a submissão que a
paralisam. Quem pode ajudar a classe escola vem fazendo até hoje.
popular a superar isso e a encontrar Outro dia, quase chorei quando vi
novos caminhos de racionalidade para uma foto na Folha de São Paulo, que dizia
encontrar o pensamento crítico? Quem, o seguinte: as escolas abriram e as esco-
senão, a Pedagogia com outras ciên- las particulares dão condições para que
cias!? Essas outras ciências estarão ou as crianças se adaptem bem. Era uma es-
analisando, constatando, fazendo as es- cola dessas, consideradas maravilhosas
tatísticas que são importantes. No en- de São Paulo, e tinha foto da sala. O que
tanto, só a Pedagogia é que vai poder se via era uma cena totalmente antipe-
atuar no espaço da insurgência, pois a dagógica: Aquelas cadeiras enormes, a
Pedagogia é uma ciência politicamente criança com os pés balançando, e cerca-
colocada. Podemos ver que historica- dos de equipamentos. A impressão que
mente ela foi assim. dava era que esses coitados só tinham
Historicamen- a cabeça. Eu olhei e,
te, a Pedagogia tem para mim, parecia
sido extremamente que era uma sala de
reprodutivista, ex- Nós somos condicionados, prisioneiros cativos
cludente e opressora, que, por certo, não
no entanto, ela pode mas não podemos ser estavam pensando. O
também ser uma Pe- que garante a identi-
dagogia que vai tra- determinados. dade pedagógica de
balhar com o sujeito, uma escola é o retor-
fazendo com que ele no afetivo, diálogo e
escolha o seu lugar conversa. Por isso,
no mundo, e possa ampliar suas possi- precisamos de uma Pedagogia carrega-
bilidades de fazer história. Ou ela pode da de intencionalidade e que sempre te-
ser um instrumento de domesticação, nha em conta esta questão fundante: eu
de dominação, ou ela pode ser instru- estou aqui ao lado de quem? Olhando o
mento, uma prática libertária, como di- mundo a partir de onde? Se eu não fizer
ria Paulo Freire. Esses dois lados estão essas perguntas, eu vou estar excluindo
postos. A Pedagogia precisa produzir pessoas, e eu não posso imaginar uma
conhecimentos que gerem mais huma- Ciência que exclua as pessoas. Eu enten-
nidade; conhecimentos que favoreçam do que a Pedagogia não pode ser uma ci-
a prática de solidariedade, de curiosida- ência normativa que direciona o “faça” e
de, de perguntas críticas. o “seja”. Estudo isso desse ponto de vista.
Para isso, tenho utilizado esse con- A Pedagogia precisa esclarecer, pro-
ceito do Michel Foucault que é funda- duzir conscientização, desenvolver a
mental para uma Pedagogia crítica: que possibilidade de conhecer mais. A Pe-
ela exerça a indocilidade reflexiva, ou dagogia tem que ter como prática a pes-
seja, que o sujeito saiba em que condi- quisa. A ciência que reveste a Pedagogia

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 49 CONFERÊNCIA 4


não pode ser essa ciência clássica dos Outro dia, saiu uma matéria com uma
protocolos, que chega e diz assim: “Nes- pérola: não sei se foi o Ministro da Edu-
ta situação, faça isso!”. Tem que ser a que cação, dizendo “que as pesquisas saem
diz: “Olhe, pense, escute, compreenda, inadequadas porque não temos pesqui-
discuta”. A Pedagogia derivada do proje- sas suficientes para subsidiar”. Então, é
to modernista da razão competitiva, da uma inverdade! É uma injustiça muito
acomodação nos lugares sociais, alta- grande, porque quem quiser fazer polí-
mente cruel. A Pedagogia, ao contrário, tica séria é só ir e pegar o que nós peda-
precisa ser uma ciência crítica, refle- gogos temos produzido. Temos aí alguns
xiva, que se organiza em ação. Quando consensos fundamentais que nos dão
ela deixa de ser crítica, ela generaliza, direção de sentido, que ocorre sistema-
procedimentos, pensamentos, práticas e ticamente nas nossas pesquisas e nos-
perde a sua possibilidade de se fazer da sos conhecimentos. O que a gente tem
escola uma comunidade de interações, produzido não adentra a racionalidade
socializações, aprendizados coletivos e dominante, porque vai quebrar a hege-
trocas. A escola precisa ter certo artesa- monia desses privilégios. Eu sempre co-
nato que é fundamen- loquei isto: a Pedago-
tal para ela continuar gia trabalha com esta
sempre se ajustando dialética: observar
às especificidades dos criticamente o que
participantes. Ela não A Pedagogia tem que ter está acontecendo na
pode fazer as coisas sala de aula, na esco-
de martelada, porque como prática a pesquisa. la e demais espaços
ela acaba excluindo formativos, ao mes-
aqueles que preci- mo tempo que busca
sam de uma atenção compreender, com
­especial. os aportes teóricos
Sabemos que o mundo está organi- e práticos o que podem ser esses espa-
zado na lógica da manutenção de privi- ços formativos, escolas, espaços sociais,
légios, manter a elite branca lá, manter para uma melhor qualidade social da es-
o povo silenciado. Então, a meu ver, só cola. É o mesmo movimento que Paulo
a Pedagogia, nos diferentes esquemas Freire fala da denúncia e anúncio. Aqui
de práticas, permite uma produção de seria: conhecer como as coisas funcio-
conhecimento. Quando nós estamos fa- nam e perspectivar o que precisa ser al-
zendo trabalhos de conclusão de curso terado.
(TCC), fazendo Mestrados, Doutorados, A ciência pedagógica precisa incor-
fundamentalmente, nós estamos pro- porar a dialeticidade nas práticas pe-
duzindo uma Pedagogia como prática dagógicas, olhar como está a situação
diária. É um espaço onde eu, professo- educativa do momento e dimensionar,
ra, naquele espaço de sala de aula, posso coletivamente, as novas necessidades
produzir conhecimento e conhecimento que vão se apresentando. Esse movi-
que se contraponha a uma política que mento dialético deve ser a base do pen-
vem de cima para baixo. samento pedagógico tanto nas salas de

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 50 CONFERÊNCIA 4


aula como nos espaços coletivos, espaços dução, interpretação, socialização e sín-
culturais, na mídia, de forma a possibili- tese de saberes produzidos na e com as
tar que o sujeito se insira criticamente no práticas educativas, no sentido amplo.
mundo. Essa é a proposta de emancipar e Mas é bom que se saiba que prática edu-
que o sujeito saiba o seu lugar no mundo. cativa está gerando: a não-emancipação,
Emancipar não significa para ele condi- desumanização? Tenho enfatizado isto:
ção x,y,z; significa desenvolver a consci- o fato de a Pedagogia ter sido coloniza-
ência crítica do seu lugar social, das suas da por diversas ciências. A pedagogia,
possibilidades e das possibilidades de historicamente, ficou cativa de outras
intervenção no seu mundo. Uma cons- ciências e desta forma não pode prota-
ciência desse mundo que carrega uma gonizar processos e práticas decorren-
lógica pronta e que maquiavelicamen- tes de sua especificidade. Assim, ficou na
te está estruturada dependência de mé-
para a manutenção todos e processos de
dos privilégios. Isso é outras ciências.
emancipar um jovem,
uma criança, saber
A pedagogia, Já fomos teste-
munhas em alguns
que existe uma or-
dem ideológica feita
historicamente, ficou momentos da história
quando ela tentou se
para manter os privi-
légios e manter uma
cativa de outras ciências impor nesse sentido,
mas nós vemos que
determinada classe
social como submissa
e desta forma não pode todos esses proces-
sos emancipatórios
ou aquela que é sim- protagonizar processos e que foram surgindo
plesmente um objeto, foram terrivelmen-
escada que auxilia práticas decorrentes de te barrados. E vimos
a estrutura posta de como, de modo vi-
­privilégios. sua especificidade. Assim, goroso, Paulo Freire
Vejam! A coisa inverteu essa lógica
mais horrorosa é a ficou na dependência de desumanizadora e
gente saber que no colocou o dedo na fe-
período da pandemia, métodos e processos de rida, inverteu a lógica
os mais ricos ficaram da Pedagogia, perce-
não sei quantos por- outras ciências. beu que, quando esta
centos mais ricos. É verticaliza, ela desu-
uma ordem capitalis- maniza, silencia. En-
ta absurda que a gen- tão, a Pedagogia pre-
te está assistindo com indignação. Por cisa ser uma prática horizontal, que não
isso, precisamos de um pouco mais de fique colonizada por outras lógicas das
rebeldia, insurgência. É preciso apren- ciências. Lógico que ela vai se aproveitar
der a falar ‘não’! das outras ciências – mas ela vai se apro-
Tenho procurado colocar em evidên- veitar –, não as outras ciências dizendo o
cia que a Pedagogia é esse lócus de pro- que ela tem que fazer.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 51 CONFERÊNCIA 4


O Jean Houssaye, pedagogo francês, Sabemos que a Pedagogia crítica
vai dizer que os teóricos de outras áreas não é aceita, então, o nosso trabalho de
abusaram da leitura e interpretação da pedagogos críticos é um trabalho in-
Pedagogia, e restou a ela ser uma prá- surgente, que tem que sempre colocar a
tica de abrigo, perdendo o seu caráter mão na ferida, de estar explicitando as
e identidade. Cito o pesquisador Jean questões que geram a desumanização.
Houssaye, porque é um pesquisador que Tenho de trabalhar o ensino de forma
se insurgiu na Pedagogia francesa, que contextual e politicamente, a partir dos
tem uma forte raiz positivista.). Por isso contextos que circundam as práticas;
que a gente opta, luta e assina embaixo dos saberes dos sujeitos da prática e da
por uma ciência reflexiva que vai ze- perspectiva de emancipação desses su-
lar tanto para atenuar as condições que jeitos. A gente sabe que, para estudar a
produzem desigual- Pedagogia a partir da
dade, exclusão social, lógica da Ciência da
como denunciar es- Natureza, foi neces-
sas condições. Esse
aspecto da denúncia
A formação deve propiciar sário que o projeto da
Educação fosse mui-
faz parte da Pedago-
gia como Ciência da
que o pedagogo seja um to simplificado, re-
duzindo-a ao ensino.
Educação, e faz par-
te também dizer que
crítico das condições que Uma das consequ-
ências dessa lógica
ela não é a “ciência do produzem desumanidade pode ser encontrada
ensino”, ela é Ciência nas políticas da Edu-
da Educação, ou seja, no mundo e que dificultam cação que só que-
dessa situação ide- rem focar no ensino:
ológica dada e posta processos de inserção no qual a porcentagem
pela qual esse sujeito em respostas certas?
entra no mundo. mundo educativo. Quantos por centos
Eu estou fazen- erraram? Essa escola
do essas sinalizações é boa? essa escola é
para poder dizer que ruim? Aquela lógica
a formação do pedagogo não é formação mais simples, onde a lógica dos rankin-
para o ensino. Pode até ser, porém, não é gs” virou o Deus da análise crítica. Se
o único objetivo. A formação deve propi- está no ranking, está bom! O que esse
ciar que o pedagogo seja um crítico das ranking me representa e representa da
condições que produzem desumanidade dinâmica de uma sala de aula? Como
no mundo e que dificultam processos de isso pode ser um critério? Não é um cri-
inserção no mundo educativo, processos tério para sinalizar algumas práticas de
que geram transformações cognitivas, que rende mais, porém, não pode ser
tendo como meta a presença, a visibili- um caráter de exclusão! Isso é um cri-
dade dos invisíveis e silenciados. Só ela tério que vem de outras ciências com
pode fazer esse grito dentro dessa pers- lógicas modernistas. Nessa lógica só
pectiva ­científica! é considerada como prática educativa

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 52 CONFERÊNCIA 4


aquilo que nós podemos observar e me- Não podemos deixar que o conheci-
dir, controlar e fazer estatística. No en- mento seja restrito àquela classe social
tanto, as práticas são muito mais do que que lhe faz sentido. É preciso uma ci-
isso: elas incluem os sujeitos, presente, ência que inclua outras características
futuro, os sonhos, as emoções. como virtude, amor, solidariedade. Uma
A Pedagogia trabalha com o sujeito ciência que pergunte se aquele conheci-
pleno. Então, a epistemologia pedagógi- mento vai produzir mais ou menos hu-
ca crítica irá criar possibilidades sempre manidade. Uma ciência que se pergunte
de inclusão nas práticas escolares de ou- pela felicidade – e isso aí esteve fora por
tros saberes, outras práticas, provenien- muito tempo; uma ciência que incorpo-
tes de diferentes sujeitos que, até então, re complexidade e que não vá criar mais
estiveram invisibilizados pela ciência epistemicídio a desqualificar formas de
moderna e eurocên- conhecimento que
trica. Esse movimen- são preciosas, e nós
to há de tencionar e
aproximar as linhas
O futuro vai depender precisamos incorpo-
rar numa ecologia de
abissais que sepa-
ram os sujeitos: de
do que a gente vai fazer saberes. Uma ciência
que busque formas e
um lado, os que têm
os privilégios his-
hoje. A Pedagogia vai meios de coletivizar e
distribuir esses bens
tóricos, e, do outro ter de trabalhar nessa e saberes. Uma ciên-
lado, os oprimidos e cia que busque meios
excluídos. Será que perspectiva, que é o pouco de ser uma prática de
é preciso que os pro- justiça cognitiva.
cessos de humaniza- que a gente pode fazer É por essa razão
ção incluam outros que ela tem que se
saberes e diminuam numa sala de aula, numa organizar a partir de
as distâncias entre processos formati-
os opressores e os live. vos, uma racionali-
oprimidos? Esse é o dade proposta pelo
objetivo e a prática racionalismo históri-
da Pedagogia que é uma ciência crítico- co-dialético com base na emancipação.
-reflexiva, portanto, ela não pode se pau- Não a emancipação que eu tenho visto.
tar na dialeticidade da realidade social, O sentido de emancipação não é eu ofe-
mas, fundamentalmente, na diversidade recer para o outro o outro lugar, mas é
do mundo que abriu hoje os olhos para o processo de conscientização para que
a diversidade. Somos todos diversos! So- o sujeito reconheça suas possibilidades.
mos todos diferentes! Todos com direitos Digo isso porque eu não posso cair de
à inclusão! Por isso, é importante que a um processo de domesticação para ou-
Pedagogia tenha nessa batalha da orga- tro, tenho que fazer com que o sujeito
nização de currículos nessas bases na- adquira a sua prática de conscientiza-
cionais, a inclusão de conhecimentos de ção, que ele saiba modelar, criar, orga-
diferentes origens. nizar o próprio pensamento crítico. Ele

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 53 CONFERÊNCIA 4


não tem que pegar o meu pensamento, a gente vai fazer hoje. A Pedagogia vai
ele tem que ter a prática da liberdade. A ter de trabalhar nessa perspectiva, que
Pedagogia será sempre uma ciência en- é o pouco que a gente pode fazer numa
gajada, politicamente envolvida, e com a sala de aula, numa live, mas é isso que
perspectiva utópica do ser mais que tan- nós temos que fazer. Nós temos de estar
to falou Paulo Freire, pelos cânones da colocando outras referências para mos-
ciência positivista, a Pedagogia jamais trar possibilidade de sentir que o mundo
poderia ser ciência. não precisa ser assim. Outra Pedagogia
Eu tenho que saber que é possível. é possível! Um novo mundo é possível,
Tenho de ter consciência de que se o basta que juntos saibamos resistir e en-
presente está horroroso, se as condi- frentar as maldades do mundo capitalis-
ções estão terríveis, o futuro vai depen- ta ultraliberal.
der de nós! O futuro vai depender do que

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 54 CONFERÊNCIA 4


L E S T R A
PA S
R ESISTÊNCIA
MO AC I ON A D
O T ERN L DE

EM AGO G I A
IN P
C

OCR
EDUCAÇÃO

NACIONAL DE

ED
R
UM

TE PE
N
I
X I I F ÓR

D
UM

ÁT ICA
AG
X II F Ó R

OG
IA

S
CON

RA
A

O
C

N T
FE ES
ER RÊ L
N C I A S E PA
ST
F

ÊN E
D
O C I A S & PAL 2 1
XII 2 0
FIPED/
R ESISTÊNCIA
MO AC I ON A D
O T ERN L DE

EM AGO G I A
IN P
C

OCR
EDUCAÇÃO

NACIONAL DE

ED
R
UM

TE PE
N
I
X I I F ÓR

D
UM

ÁT ICA
AG
X II F Ó R

OG
IA

S
CON

RA
A

O
C

N
FE E ST

ER RÊ
N CIAS E P AL
ST
F

ÊN E
D
O C I A S & PAL 2 1
XII 2 0
FIPE D /
PALESTRA 1

JU D OR
LIÁ
N G AR CÍ A L A BRA

LOS VALORES EN
LA CIENCIA Y SUS
IMPLICACIONES POLÍTICAS
Julián García Labrador — Profesor de Filosofía en la Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales de la Universidad Rey
Juan Carlos, España. Es Doctor en Filosofía por la Universidad Complutense. Desarrolla su trabajo de campo con las
comunidades Siekopaai de la Amazonía ecuatoriana. Su trabajo se centra en el giro ontológico y ha publicado varios
textos sobre las relaciones entre la fenomenología y la antropología social y cultural. Contacto: Departamento de
Ciencias de la Educación, Lenguaje, Cultura y Artes, Ciencias Histórico- Jurídicas y Humanísticas y Lenguas Moder-
nas. Universidad Rey Juan Carlos, Calle de los Artilleros, s/n. 28032 – Vicálvaro – Madrid, España.
E-mail para contato: julian.labrador@urjc.es Orcid: http://orcid.org/0000-0001-7663-9562

Buenos días, muchas gracias a los decir que esa actividad es una ciencia?
organizadores, especialmente a Daniel Pero a partir de la década de los 60, las
Valerio. Voy hacer la presentación en es- preguntas que nos hacemos en la ciencia
pañol y lo voy hacer lo más despacio que cambiaron, entonces nos preguntamos
pueda para que se pueda comprender. El por el objetivo de la actividad científica,
tema son los valores en la ciencia y sus por el progreso de la ciencia, por la ra-
implicaciones políticas. Haré un acer- cionalidad de las ciencias y vamos a en-
camiento desde la filosofía de la ciencia, contrar una concepción no estándar que
para después establecer el alcance que es la de Kuhn, Feyerabend y otros. Am-
tiene en la política. Vamos preguntarnos bos contextos, ambas formas de enten-
acerca de a qué nos referimos con cien- der lo que es la ciencia van admitir valo-
cia, antes de 1960, en a) las escuelas del res en la ciencia, pero desde un punto de
positivismo lógico y b) Karl Popper junto vista distinto, porque las preguntas que
con sus discípulos: ¿cuáles eran las pre- se hacen son diferentes.
guntas que se hacían en la ciencia?, ¿cuál Hay una postura clásica u ortodoxa
es la estructura de la ciencia?, ¿cuál es que siempre se suele escuchar y es la
el contenido? y, sobre todo, ¿cuál es el que afirma que la ciencia es neutra en
método de la ciencia para que podamos cuanto a los valores, es decir, se suele

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 57 PALESTRA 1


decir que la ciencia no tendría en cuen- mo tenemos un contexto, que es el con-
ta a los valores ¿Por qué? Si hablamos texto de aplicación, ¿Por qué preferimos
de una ciencia podríamos tener en aplicar determinados resultados de la
cuenta cualquier valoración, sin em- investigación en lugar de otros? Aquí
bargo, desde la concepción no estándar también hay valores. ¿Por qué quiero
de la ciencia, entendemos que la ciencia aplicar, por ejemplo, con la inteligencia
es una actividad compleja, que se desa- artificial determinado algoritmo en lu-
rrolló en contextos, entonces la ciencia gar de otro?, ¿Qué es lo que pretendo?,
se haría preguntas que incluyen valo- ¿Cuál es el valor que está detrás? Des-
res ¿Cuáles son los contextos que tiene de estos contextos entendemos que la
la ciencia? En primer lugar el contexto ciencia si tiene que ver con los valores.
de descubrimiento, es decir, ¿qué que- Voy con el problema del contexto
remos descubrir?, ¿por qué nos inte- de justificación. Vamos a darnos cuenta
resa investigar la malaria y descubrir que tanto la concepción estándar de la
una cura para la malaria, en lugar de ciencia, como la concepción no están-
investigar otra cosa?, es decir, ¿por- dar tienen presentes los valores; vamos
que la ciencia decide investigar en una a pensar en una hipótesis o teoría cien-
dirección o en otra?. En el contexto ac- tífica, ¿por qué rechazamos una hipóte-
tual con la pandemia fue muy evidente, sis científica o una teoría científica? La
que nos interesó investigar una vacuna respuesta que domina en la comunidad
contra la covid-19, ¿por qué interesaba científica es porque esa hipótesis o teo-
esa vacuna?, ¿Por qué se investigó en ría, tiene dos componentes: a) buena ló-
esa dirección? Eso implica un valor, la gica, está bien armada, tiene coherencia
investigación estaba orientada por un interna y b) además tiene evidencia em-
valor: en este caso fue la salvación de pírica. Vamos con el testeo empírico, ¿en
vidas humanas. Pero es que además hay que consiste el testeo empírico de una
un contexto añadido, que es el contexto hipótesis o teoría científica? Derivamos
de prosecución, es decir, ¿Por qué que- consecuencias observacionales de la hi-
remos seguir investigando en el área de pótesis o teoría y estas consecuencias de
la vacuna contra la covid-19? ¿Por qué observación nos permiten aceptar o re-
seguir investigando allí?, o ¿por qué se- chazar la teoría. Hay dos vías para hacer
guir investigando contra la malaria?, esto, según estemos en una escuela o en
porque sigue habiendo personas que otra. Para los positivistas lógicos, habla-
mueren, porque sigue habiendo cues- remos de una lógica inductiva, hablaría-
tiones por solucionar, podríamos res- mos de probabilidad de que la hipótesis
ponder. O ¿Por qué se interrumpe un sea verdadera y hablamos de grado de
programa de investigación?, puede ser confirmación, es decir, vamos sumando
por falta de financiación, pero también los casos en los que la hipótesis muestra
puede ser porque hay un valor según el evidencia científica y eso nos da un nú-
cual no interesa continuar en esa línea mero real entre 0 y 1 y a eso se le llama
de investigación, o ¿Por qué aceptamos grado de confirmación (como estamos
una teoría científica en lugar de otra?, en lógica inductiva hablamos de “pro-
es el contexto de prosecución. Por ulti- babilidad”; no podemos hablar de “tota-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 58 PALESTRA 1


lidad” porque no tenemos, no contamos científicos eran socialistas convencidos.
con todos los casos posibles, únicamente Esto se suele obviar, pero creo que en
con una muestra o un número de casos) esta presentación hay que indicarlo. En
Si hablamos de porcentajes, estimamos concreto Carnap. Él tenía una mentali-
de grado de confirmación. dad progresista socialista y quería que la
Popper, que supongo que ya cono- ciencia ayudase al progreso y a la dismi-
cen, y sus discípulos critican la vía in- nución de la inequidad. Cuando Carnap,
ductiva y proponen una lógica deducti- dentro del ala izquierda del circulo de
va, pero para establecer el grado en la Viena, quiere reducir todo aquello de lo
que una hipótesis resiste los intentos de que podamos hablar a lo empíricamente
negarla, se intenta refutar. Cuanto más verificable trata de desmontar, trata de
resiste esa hipótesis ante los diferentes atacar, el lenguaje o el pseudo lenguaje
intentos, obtengo un numero entre 0 y del nazismo, ¿Qué es lo que trataba de de-
1 al que llamo grado de corroboración, cir Carnap? Que el lenguaje de la política
una de las diferencias principales entre y de la metafísica Nazi no era empírica-
los positivistas lógicos y Popper. Si en la mente verificable, no era científico y por
hipótesis o teoría hay un grado entre 0 y lo tanto, no podía ser admitido como algo
1 y tenemos entonces que aceptar deter- que contribuyera al progreso científico
minados valores para que, sin llegar a 1, de la humanidad. Hago este paréntesis
podamos aceptar una hipótesis o teoría porque me parece importante el posicio-
científica, ¿qué dicen los empiristas? ¿es namiento político de Carnap. Dentro del
suficiente con el grado de corroboración circulo de Viena, como les estaba dicien-
o con el grado de comprobación? Los do, no hablaron de valores porque desde
empiristas radicales dirán que sí, que no David Hunt se distinguían entre juicios
hace falta más, que aunque la hipótesis o de hecho y juicios de valor y solamente
teoría no llegue a 1, la podemos aceptar se podían incluir en la ciencia juicios de
según el porcentaje de probabilidades. hecho y entonces ¿qué fue lo que hizo
Sin embargo, incluso dentro del circulo Carnap? Carnap distinguió entre juicios
de Viena, dentro de los positivistas lógi- absolutos de valor que eran juicios total-
cos indicaban que no era suficiente; no mente subjetivos y que no tienen cabida
era suficiente contar con un grado de en la ciencia, y los juicios condicionantes
probabilidades para aceptar una teoría de valor, que son los juicios medios fines,
o no, sino que había que contar con otro es decir aquellos juicios que establecen
tipo de elementos y en la concepción la funcionalidad del medio como condi-
no estándar, Kuhn y Feyerabend dicen ción para alcanzar un fin y que son jui-
que no basta para aceptar una teoría cios elucidadles por la ciencia. La ciencia
­científica. me indica de qué medios dispongo para
¿Qué dice el circulo de Viena? El cir- alcanzar un fin, pero los juicios acerca
culo de Viena era la izquierda. Hago un del fin, implican tener presente un valor
paréntesis: ya saben que en el circulo que puedo aceptar.
de Viena el positivismo lógico,plantean El número real entre 0 y 1 en el cír-
eliminar todo aquello que no sea empí- culo de Viena, mide la probabilidad, de
ricamente verificable y algunos de sus que esa hipótesis o teoría sea verdadera,

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 59 PALESTRA 1


pero no suficiente, ¿por qué? Imaginen lo que entendemos por ciencia: la activi-
que tenemos una hipótesis científica con dad científica es una actividad que se lle-
un grado de confirmación 0,8. No tengo va a cabo por una “comunidad científica”
un uno: es la hipótesis de que un medi- Esto es muy importante. Los científicos
camento cura el cáncer, salva miles de no son aquellos personas asociales que
vida, protege a comunidades indígenas trabajan solitarios y aisladas. Los cientí-
de enfermedades tropicales o salva miles ficos, son una comunidad científica que
de vidas de la COVID-19. No tengo aun la tiene una unidad metodológica y que vi-
confirmación uno (1). Sin embargo, dirá ven de los paradigmas, hay valores epis-
Neurath, hay motivos auxiliares para témicos, como son: la verdad rigurosa
aceptar esa hipótesis científica. Carnap y exacta (accuracy), la simplicidad de la
dirá que hay elementos volicionales, es teoría, la predictividad, es decir que una
decir de la voluntad, para aceptar esta teoría que un paradigma me ayude a pre-
hipótesis científica. decir la consistencia
Estos motivos auxi- y la amplitud abarca-
liares o elementos dora, que hay un nú-
volicionales, resi- La ciencia me indica de mero de fenómenos
den en el interés por amplios que puedan
preservar o salvar la qué medios dispongo ser explicados con
vida humana, por eso ese paradigma. To-
entendemos que el para alcanzar un fin, pero dos estos son valores
juicio condicional de epistémicos propios
valor (salvar la vida los juicios acerca del fin, del paradigma. Pero,
humana) tiene un va- además, Kuhn indica
lor, al cual yo adju- implican tener presente un que existen ciertos
dico el medio de una criterios que funcio-
hipótesis científica valor que puedo aceptar. nan como valores no
que tiene un grado de epistémicos, es decir,
confirmación 0,8; no cada grupo científico,
hace falta que tenga grado de confirma- cada comunidad científica, jerarquiza de
ción uno (1), ¿Por qué? porque incluyo en diferente manera sus valores ¿Por qué?
la ciencia un valor, que me hace aceptar Porque hay valores contextuales, incluso
una teoría científica. Esto respecto al cír- autobiográficos, que nos permiten elegir
culo de Viena. Si avanzamos un poquito entre hipótesis y teorías y, en este sen-
más, retomando el inicio de la presenta- tido, las comunidades científicas tienen
ción, hablaremos de la concepción no es- diferente jerarquización de valores, de-
tándar, hablamos de Kuhn. Ya saben que pendiendo del lugar de enunciación. Por
en 1962, Kuhn publica La estructura de ejemplo, para Newton el valor más alto,
las revoluciones científicas, seguramen- era la verdad precisa y rigurosa así como
te uno de los libros más influyentes en la la predictividad; sin embargo, Einstein
filosofía de la ciencia en la segunda mi- tenía un valor supremo que era diferen-
tad del siglo XX, posiblemente el que más te, que era la simplicidad. Entonces la fí-
¿qué es lo que hace Kuhn? Kuhn cambia sica de Newton y la física de Einstein, no

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 60 PALESTRA 1


solo se distinguen en el contenido, sino peguntas pueden no ser las preguntas
que ese contenido está supeditado, de- de los políticos, pero sí son las preguntas
pende de un valor, de una jerarquía de de los científicos. Aparecen además en
valor, la cual nos está indicando lo más la práctica científica ciertos enunciados
valioso para un científico o para otro. acerca del tema elegido, son diagramas,
Esto mismo podríamos aplicarlo en la representaciones, graficas, estadísticas,
actualidad a las diferentes comunidad etc. Además, una práctica científica tiene
científicas. un conjunto de esquemas que subyacen
Hoy en día con Kitcher, que es uno a los textos que un científico considera
de los científicos o teóricos de la ciencia explicativo, es decir, no todo un texto
que sigue la estela de Kuhn, hablamos científico puede sacarse fuera de un con-
de la “practica científica como unidad de texto científico porque tiene un lenguaje,
análisis” ¿Qué es una práctica científica? preguntas, enunciados y esquemas que
Es una entidad multidimensional que están por debajo. En muchas ocasiones
tiene los 7 elementos que aparecen a su desde los medios de comunicación, y sigo
izquierda. En primer lugar, una práctica con el ejemplo de la Covid-19, los medios
científica tiene un lenguaje que el cien- de comunicación hicieron una divulga-
tífico usa en su trabajo profesional. Aquí ción de la investigación científica a cerca
voy abrir otro paréntesis y es que duran- de la Covid-19, sin estos esquemas. Hay
te el tiempo de pandemia, al menos en que tener en cuenta que, si vamos a di-
España, se empezó a utilizar un lenguaje vulgar o a traducir el lenguaje científico,
científico en el día a día, las personas co- tenemos que contar con los esquemas de
menzaban hablar de una manera cientí- investigación que subyacen al lenguaje
fica o a utilizar términos científicos, pero científico. Pero es que además en la prác-
no entendían cómo funcionaba la cien- tica científica, aparecen ejemplos están-
cia, ¿Por qué? porque la ciencia no hace dar de informantes creíbles y que son
enunciados absolutos, sino provisiona- criterios de credibilidad: son ejemplos,
les, pero las personas en esta época de para evidenciar que la práctica científi-
inseguridad demandaban lenguajes ab- ca está funcionando. Además, dentro de
solutos y muchos de los políticos, por lo esta entidad multidimensional, que es
menos acá, utilizaban un lenguaje de to- una práctica científica, contamos con los
talidad sin ser científicos y se producían paradigmas de observación y de expe-
las fricciones entre científicos y políti- rimentación, junto con instrumentos y
cos, porque el lenguaje de un científico herramientas que el científico considera
es provisorio y las consecuencias de ese fiables. Es la comunidad científica, la que
lenguaje provisorio son medidas provi- elige sus instrumentos y herramientas.
sionales. La ciencia camina despacio, la El problema deriva de la financiación
política pretende caminar muy deprisa que requiera, en muchos casos, la comu-
con medidas definitivas. Ahí vemos una nidad de científicos para poder trabajar
primera fricción. Además, para Kitcher con esos instrumentos y herramientas,
una práctica científica incluye una se- puesto que la financiación depende en
rie de preguntas y las peguntas son los muchas ocasiones de entidades no cien-
problemas significativos del área. Estas tíficas, pero es la comunidad científica la

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 61 PALESTRA 1


que confía en sus instrumentos. Como postura, requiere la asunción de un va-
último elemento de esta entidad multidi- lor; por eso no sirven únicamente los
mensional, encontramos los ejemplares puntos 1, 3, 4 y 7, sino que en la ciencia
de razonamiento correcto e incorrecto nos vamos a encontrar con la toma de
para aceptar enunciados propuestos, por decisiones ¿Por qué hacemos ciencia?,
ejemplo; la metodología del científico tie- ¿Por qué seguimos investigando?, ¿Qué
ne que tener ejemplares de razonamien- ejemplos estándar nos sirven?, ¿Cuáles
to correcto. Los medios de comunicación son los instrumentos de que dispone-
a este respecto de covid-19, no han sido mos? En este sentido, considero que la
ejemplo de ejemplares de razonamiento práctica científica como entidad multi-
correcto, porque han amplificado otro dimensional de Kitcher ofrece un arco
tipo de ejemplares. más amplio para considerar el valor en
Dentro de los elementos que com- las ciencias.
ponen esta entidad multidimensional, En relación con esto quisiera conti-
una versión empirista solo aceptaría el nuar con una cuestión que también tiene
punto 1, el punto 3, el 4 y el 7, sin embar- que ver con todo lo que estamos vivien-
go, para Kitcher en los 71 componentes do en esta época convulsa: la libertad de
hay valores epistémicos, pero que están la investigación científica. Estrictamen-
relacionados y están equilibrados con te hablando vamos a decir que no hay
intereses prácticos, es decir con valores una investigación libre o pura, porque
no epistémicos. Digo esto porque, tal cualquier investigación científica tiene
vez en ocasiones, en la opinión pública, que ver con la historicidad, tiene que ver
se entiende como ciencia únicamente con la ética, tiene que ver con la econo-
la versión empirista: el punto 1, el 3, el mía, tiene que ver con el carácter políti-
4 y el 7. Sin embargo, desde la concep- co del momento y con los intereses so-
ción NO estándar y desde los análisis ciales de la comunidad científica. Pensar
de la práctica científica, hemos de con- que la ciencia es absolutamente libre, es
siderar los 7 elementos. Por ejemplo, el algo mítico, no es real. Digo mito con el
interés en resolver un problema puede mayor de los respetos hacia el pensa-
interferir con el bienestar de algún gru- miento mítico. Es decir, la pureza cientí-
po de la sociedad y esto requiere tomar fica, como tal, sería algo ilusorio. Ahora
1 Concepción
bien, ¿tenemos que hablar de las restric-
No standard. Kitcher. (1), el lenguaje
que el científico utiliza en su trabajo profesional, (2), ciones en toda investigación científica?
las preguntas que identifica como los problemas Stuart Mill decía que es posible pensar
significativos del área, (3), los enunciados, (diagra-
mas, representaciones graficas), que acepta dentro en ciertas restricciones de la investiga-
del tema elegido dentro del área, (4), el conjunto de
esquemas que subyacen a los textos que el científi-
ción científica, si es que interfiriéramos
co consideraría como explicativos, (5), los ejemplos con la libertad de otros miembros de la
standard de informantes creíbles y los criterios de
credibilidad, (6), los paradigmas de observación sociedad. Es decir, al llevar a cabo una
y experimentación, junto con los instrumentos y investigación sin restricciones podría-
herramientas que el científico considera confiables,
así como sus criterios de experimentación, observa- mos llegar a interferir con la libertad de
ción y confiabilidad de instrumentos. (7), Ejemplares otros miembros. Imagínense cómo las
de razonamiento correcto e incorrecto, junto a los
criterios para aceptar los enunciados propuestos, (la investigaciones eugenésicas pueden in-
metodología del científico). (tomado de la presenta-
ción, explicación de los 7 puntos)
fluir en ciertos sectores menos favore-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 62 PALESTRA 1


cidos de la sociedad. De hecho, Kitcher lores y objetividad? La presencia de
piensa que el derecho a la investigación valores es ineludible, está presente en
libre es un derecho, pero no es más im- la ciencia, porque los científicos hacen
portante que el derecho de aquellos que elecciones de acuerdo a sus preferen-
sufren a ser protegidos. Es decir, res- cias. Una comunidad científica admi-
pecto de investigaciones que refuercen te la posibilidad de cometer errores.
prejuicios o estereotipos racistas o eu- Cuando una comunidad científica ad-
genésicas, el derecho a ser protegidos mite que puede cometer errores, está
de aquellos colectivos que sufren es más admitiendo algún tipo de valor, ¿Qué
fundamental que el derecho a la investi- tipo de errores encontramos en la in-
gación. Por eso Stuart Mill, decía que la vestigación científica? Errores de tipo
libertad de investigación no siempre es uno (1): son errores que ocurren cuando
buena o irrenunciable. La historicidad una hipótesis es rechazada. Imagínense
de las ciencias y los una vacuna contra la
valores que subyacen covid-19 (según una
a nuestra investiga- hipótesis verdadera
ción científica, ponen La presencia de valores es en la investigación
en duda que seamos aplicada y relevante
absolutamente libres ineludible, está presente para el público). Si
en la investigación. una vez testada como
Sin embargo, esto en la ciencia, porque verdadera, la recha-
tenemos que enten- zo, allí hay un error
derlo de una manera los científicos hacen tipo uno (1), porque
próxima a las cien- una investigación
cias. Kitcher no habla elecciones de acuerdo a aplicada era relevan-
de una censura pu- te para el público en
blica hacia los cientí- sus preferencias. general. El error tipo
ficos, sino de un im- dos (2), consiste en
perativo moral que aceptar una hipótesis
tiene que tener la comunidad científica, falsa. Por ejemplo; un tratamiento con-
es decir, es la propia comunidad científi- tra la covid, que no ha sido testado o que
ca la que tiene que medir las consecuen- es directamente falso. Esta posibilidad
cias morales de su investigación. ¿Cuál existe y en esta posibilidad encontra-
es entonces la finalidad, democratizar la mos ciertos valores. En las elecciones
investigación? Kitcher está pensando en del tipo de error que yo admito como
una ciencia y en una práctica científica comunidad científica, algo depende de
que sea consistente con la democracia la evidencia empírica, pero además hay
en la sociedad; el valor democrático, el valores no epistémicos, valores no cien-
valor social precede a la actividad cien- tíficos que forman parte de la misma. Es
tífica y es el valor que va a guiar la prác- decir, todo enunciado descriptivo esta
tica de la investigación. imbuido, tiene términos con un compo-
Entonces, ¿cómo tendríamos que nente valorativo, ¿Por qué? Porque de-
plantear la relación entre ciencia, va- pende de lo que quiero decir, a quienes

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 63 PALESTRA 1


se lo quiero decir y en última instancia de la ciencia, es que valores no episté-
hacia la finalidad que persigo. Otra cosa micos involucren la violación de valores
es cuando, por ejemplo, errores de tipo epistémicos, es decir, que desde fuera
uno (1) y tipo (2), con evidencia empírica de la ciencia se me diga que tengo que ir
testada, son aceptados porque hay una en contra de los valores científicos en la
finalidad extra científica, sea la que sea, ­investigación.
que me hace ir contra la ciencia. A ve- Dos (2), otra pregunta, ¿Cuándo es
ces desde la política se puede ir contra legítimo el uso de valores no episté-
la evidencia empírica, porque hay otro micos? Hay un criterio de legitimidad:
tipo de valores que están allí o contra- aunque los valores no epistémicos me
valores, incluso. Si por aceptar una hi- ayudan a elegir entre una teoría o entre
pótesis falsa o una hipótesis verdadera una hipótesis que aún no está confir-
en contra del interés general del públi- mada. Los resultados predeterminados
co, rechazo vacunar, o no adquiero es- no deben dirigir la investigación. Esto
tas vacunas y digo que no están testadas ocurría con Lysenko en la unión sovié-
aunque lo estén, es- tica, ocurría también
toy haciendo política en la Alemania Nazi,
con un contravalor cuando desde resul-
y, además, poniendo
en tela de juicio toda
¿Es positiva o negativa tados predetermina-
dos como el racismo
una evidencia empí-
rica que ha sido tes-
la presencia e valores no se pretendía orientar
la investigación cien-
teada. Entonces la epistémicos para el ideal de tífica hacia afirmacio-
presencia de valores nes racistas. O lo que
es ineludible siempre buena ciencia? hacía Lysenko en la
en la ciencia. Unión Soviética para
Vamos hacernos demostrar el mate-
unas preguntas cla- rialismo científico. El
ve. (1) Primero, ¿es siempre bienvenida criterio de legitimidad me impide apli-
la presencia de valores no epistémicos? car valores no epistémicos a una direc-
Bueno, diremos que, estos valores no ción determinada de la ciencia.
epistémicos, los puedo aceptar, si no Siguiente pregunta que nos hacemos
determinan completamente el resulta- (3), ¿es positiva o negativa la presencia e
do del testeo empírico, es lo que decían valores no epistémicos para el ideal de
Carnap y Neurath: si el valor de salva- buena ciencia? Es positiva porque den-
guardar la vida humana, me hace acep- tro del ideal de buena ciencia, existen los
tar una hipótesis que tiene un grado de valores. Entonces tenemos que tomar
confirmación 0,8, no está comprome- conciencia de cuáles son esos valores.
tiendo el resultado del testeo empírico, Además es importante la explicitación
no estoy mintiendo en ciencia, pero es de los valores no epistémicos en el ám-
que además esos valores no epistémicos bito público, porque la investigación
me permiten aceptar una teoría. Lo que científica, en muchos casos y retomando
no debo tolerar desde el punto de vista con la intencionalidad de Carnap, tiene

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 64 PALESTRA 1


que ver con el uso de políticas públicas. de Mileto y esa escuela tenía como con-
Si hacemos una investigación para po- signa, la posibilidad abierta de criticar al
tabilizar agua, para disminuir enferme- maestro, es decir no era una escuela de
dades, investigación de ingeniería, todo replicación o repetición de las enseñan-
eso tiene que tener un debate público, zas del maestro, sino que era una escuela
para que sean los valores democráticos crítica. Anaxímenes, Anaximandro dis-
de las políticas públicas los que nos per- cípulos de Tales tuvieron que criticar a
mitan adivinar hacia donde queremos su maestro y así es como la ciencia avan-
orientar la ciencia. za. Una comunidad científica es objeti-
Una pregunta más (4) ¿ qué valores va, según Helen Longino, si cumple las
hacen avanzar la ciencia?, bien la res- siguientes condiciones: (1) primero que
puesta en este caso, depende del con- tenga una estructura institucional para
texto, porque es el contexto histórico y permitir y facilitar la discusión. allí están
social el que nos dice hacia dónde va la las revistas especializadas de ciencia,
ciencia. asociaciones, congresos, etc. Este con-
Tenemos ya claro que la presencia greso que están ustedes realizando entra
de valores en la investigación no atenta dentro de una estructura institucional
contra la objetividad de la ciencia y que para poder facilitar la discusión, la cien-
objetividad no es igual a neutralidad, cia se construye así. Además, la comuni-
sino que objetividad seria el acuerdo o dad científica tiene estándar comparti-
consenso que alcanzamos por la discu- dos de críticas (2), no es únicamente que
sión critica. Estamos en un ámbito en tengamos una estructura, sino que ade-
que la ciencia es la practica científica ,se- más compartimos las críticas, comparti-
gún Kitcher, desarrollada por una comu- mos cómo se critica, compartimos cómo
nidad científica, según Kuhn, con objeto se argumenta. Además una comunidad
que tiene como objetivo el progreso de la científica (3) responde a toda crítica y
humanidad siguiendo con Carnap. se responde de manera argumentada y
Entonces, ¿que sería la objetividad por último (4) la autoridad intelectual de
científica? Aquí sigo a una teórica de la una comunidad científica es compartida
ciencia, a la profesora Helen Longino, igualitariamente por los miembros de
para la cual, el conocimiento científico esa comunidad científica. Si un político
tiene que tener una discusión critica. El no comparte estándares de crítica, no
conocimiento es objetivo, si se obtiene permite la discusión, no responde a la
por discusión critica interactiva y el mé- crítica, no forma parte de la comunidad
todo científico será objetivo, si permite científica, no es un igual de un científi-
criticar, porque en el mismo origen de co. Por eso los individuos, los científicos
la actividad científica está la crítica. Se- son objetivos si participan activamente
guramente conocen la escuela de Mileto, en la discusión crítica. Un científico que
los profesores presocráticos en aquella no admita crítica o que no someta a cri-
Grecia Antigua antes de Platón, antes de tica sus hallazgos, no está dentro de la
Sócrates. ¿Cuándo comienza todo el pen- comunidad científica, no está dentro de
samiento griego científico? Con Tales de la objetividad científica. Creo que en el
Mileto. Tales deja una escuela, la escuela contexto actual en el que hemos vivido

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 65 PALESTRA 1


una situación sin precedentes, una pan- hacia estos fines, también obtenidos ra-
demia sin precedentes y una crítica po- cionalmente en el pensamiento crítico.
lítica también sin precedentes hacia los Y ¿qué ocurre desde la política? En
científicos, nos tiene que hacer pensar muchas ocasiones encontramos proce-
en valores, ciencia y política. sos de decisión publica que cuentan con
Por último hay que pensar en la par- asesoramiento científico o deberían con-
ticipación social de la objetividad cien- tar con asesoramiento científico en tres
tífica. La objetividad es una cuestión de niveles: (1) primero en cuanto a la meto-
grado, por eso cuanto mayor sea la can- dología, es decir, hay unos requisitos de
tidad de puntos de vista participando en racionalidad científica. La ciencia ofrece
la discusión, mayor será la objetividad. las posibilidades reales de acción, pero
Además, esta objetividad exige partici- la ciencia no hace política, únicamente
pación social: igual que en muchos luga- quedaría como “derecho de verlo racio-
res se habla, desde el punto de vista de nal”. Es decir, la comunidad científica
la economía, de los presupuestos parti- puede ser una instancia negativa, que
cipativos, hablamos también de la parti- diga a la política lo que no puede hacer,
cipación social en la comunidad científi- por donde no puede ir. Por ejemplo: la ne-
ca. Es decir, existe un contexto social, los gación de un acceso a vacunas, o lo que
científicos, las comunidades científicas, ocurre con el cambio climático. La cien-
forman parte de un contexto social, exis- cia esta diciendo por dónde no ir, qué po-
ten demandas sociales. En consecuencia sibilidades no son. La política es la que
existen valores contextuales propios de suele marcar los fines, pero es la ciencia
cada entorno social y cultural que no la que ofrece posibilidades racionales.
atentan contra la objetividad, ni contra Segundo nivel (2) desde la ciencia hacia
la racionalidad de la ciencia, sino que la política, se procede con un consenso
hacen explícita la dimensión práctica que experimental: la comunidad cientí-
de la ciencia. Es decir, distinguimos en- fica, ofrece su consenso experimental
tre fines y medios: la racionalidad de la hacia la política. En tercer nivel (3) la es-
ciencia no es solo racionalidad de me- tructura externa entre política y ciencia
dios – fines, es decir, cuál es el medio que habría de ser la de colaboración amisto-
tengo que emplear científicamente para sa, los políticos necesitan, o la política,
conseguir tal fin, sino que nos interesa necesita de la ciencia, porque la política
que el fin sea racional, sea preferible y no lo sabe todo en cuanto a los medios y
que los fines están ligados a intereses y en cuanto a la racionalidad de las posibi-
esos intereses son válidos si pueden es- lidades. Estos tres niveles son los niveles
tar subordinados a intereses generales, que Otried Höffe, uno de los teóricos del
(salud, recursos, calidad de vida, acceso contrato social actuales ha implementa-
al conocimiento, acceso a la informa- do en su obra Justicia Política y creo que
ción, a la educación, libertad operativa, complementa bien, lo que hemos venido
etc.) Son fines que implican valores y son diciendo de valores en la ciencia, valores
fines objetivos porque nacen de una par- en la política.
ticipación social. Entonces los medios
científicos se orientan racionalmente

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 66 PALESTRA 1


RONDA DE INTERVENCIONES Profesor Julián: es una gran pre-
gunta, yo creo que el occidente no es li-
Moderador Daniel Valerio: Gracias bre, porque la ciencia está determinada
profesor Julián por su participación en por ciertos intereses económicos, pero
nuestra decima segunda edición y es son dos cosas distintas, porque el interés
muy importante eso, aclarar las cosas de de Lysenko era ideológico. El interés del
la importancia de la ciencia en las cues- occidente libre, que no es libre, es el in-
tiones de la participación social prin- terés económico. A mí no me gusta nin-
cipalmente a la crítica que hace parte guno de los dos, porque el interés eco-
también de las ciencias, todo eso es muy nómico, entra en contradicción con los
importante aclarar, porque en este mo- intereses sociales y el interés ideológico
mento en Brasil vivimos como una espe- de la URSS iba en contra del interés epis-
cie de Oscurantismo de ideas contra la témico de la ciencia. Entonces no es lo
ciencia. Es importante aclarar esa situa- mismo, pero las dos cosas atentan con-
ción. Tenemos algunas preguntas. hay tra la libertad de investigación científi-
una pregunta y un comentario. ca. Tenemos el caso de algunas vacunas
o medicamentos desarrollados contra
Pregunta por Paulo Lucas da Silva: enfermedades tropicales que no intere-
¿es correcto hablar de hipótesis falsa, sa desarrollarlos, porque muchas de las
una vez que toda hipótesis es una propo- farmacéuticas perderían muchos ingre-
sición, aguardando su comprobación o sos. Entonces creo que desde el punto de
refutación? Profesor Julián: sí, cuando vista del interés económico, muchas de
hablo de hipótesis falsa es hipótesis re- las investigaciones científicas están pre-
futada. sas de las grandes farmacéuticas, que
sería otro tema para hablar.
Daniel Valerio, la siguiente pregun-
ta, pregunta realizada por Paulo Lucas Pregunta de Marcelo Vieria Pus-
da Silva ¿cuando alguien admite que tilnik: Podríamos decir, que puede em-
una hipótesis puede ser absurda, no fal- peorar aún más, una vez que las críti-
sa, puedes comentar?, cas, pueden ser dirigidas al socialismo/
comunismo, pero mucho poco, para
Profesor Julián: sí, puede ser la hi- las practicas de la “democracia liberal”
pótesis más disparatada efectivamente, ¿cómo entiendes eso?
puede ser absurda y hasta que no es re-
futada no hablaríamos de una hipótesis Profesor Julian: creo que he inten-
falsa o desechada. tado responder con que acabo de indi-
car, acerca del componente ideológico
Pregunta de: Marcelo Vieria Pusti- del comunismo y del componente eco-
lnik ¿Concuerdo con los errores de ma- nómico de la democracia liberal, pero
nipulación de la ciencia en la Unión So- nos faltaría por delimitar, desde un pun-
viética, pero el occidente “libre”, no hace to de vista político, ¿Cuál sería el alcance
lo mismo? de la discusión de valores? Porque en la
democracia liberal, en la que dicen que

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 67 PALESTRA 1


vivimos, yo no advierto una discusión de philosophy of science. Nueva York: Basic
valores en la sociedad, es decir, se habla Books.
del mundo “libre”, pero no sé si hay liber-
tad para indicar los valores que tienen Feyerbend, P. 1975. Against Method. Lon-
que estar presentes en la ciencia. A pesar dres. New Left Books.
de lo que he dicho de Lysenko, también
mantengo mis críticas hacia las prácti- Gómez, R. 2014. La dimensión valorativa
cas de la democracia liberal, puesto que de las ciencias. Buenos Aires. Universi-
el interés económico tiene una intencio- dad Nacional de Quilmes.
nalidad, para acallar cualquier tipo de
crítica o discusión sobre valores. Desde Höffe, O. 2003. Politische Gerechtigkeit.
aquí entiendo que las democracias libe- Fráncfort del Meno: Suhrkamp Verlag
rales tampoco son un espejo, en el que se Kitcher, P. 2004 El avance de la ciencia.
pueda mirar cómo es la libertad de prác- Ciencia sin leyenda, objetividad sin ilu-
ticas científicas, pues hay valores deter- siones. México: UNAM
minados por detrás.
Kuhn, T. 1980 La estructura de las revo-
COMENTARIOS luciones científicas. México: FCE.

María Lourdes: una palestra muy Longino, H. 1998. “Values and Objec-
relevante, precisamos asegurar políti- tivity”. En Mc Curd and J. Cover (eds.)
cas que posibiliten el fortalecimiento de Philosophy of Science. The central Is-
la ciencia. sues. (pp. 170-191) Nueva York: W. Nor-
ton & Co.
REFERENCIAS
Popper, K. 1963. Conjectures and Refuta-
Carnap, R. 1966. Philosophical founda- tions. The Growth of Scientific Knowled-
tions of physics: An introduction to the ge. Londres: Routledge.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 68 PALESTRA 1


PALESTRA 2

MA
RÍA IA GA LA EDUCACIÓN DE
DE L A LUZ ARR
AMÉRICA LATINA EN EL
CONTEXTO DEL CAPITAL:
EXPERIENCIAS DE MÉXICO
Y BRASIL
María de la Luz Arriaga — Profesora de la Universidad Nacional Autónoma de México.

Es un placer y un honor estar com- Hace algunos años, en una investiga-


partiendo este panel con combativas ción realizada1, escribí:
compañeras como Eblin y Raquel, nos “Para entender el sustento teórico,
conocemos ya de hace muchos años, en ideológico, político y pedagógico de las
la lucha por la defensa de la educación reformas neoliberales en educación y el
pública como un derecho social. sentido de las reformas, la dinámica del
Cuando recibí la invitación de parte proceso en que se impusieron y las resis-
de la profesora Raquel, el título del even- tencias que enfrentaron, se debe partir
to me llamó mucho la atención, porque de entender los cambios que ha impuesto
coloca a la ciencia como frontera para la la globalización en la base económica de
resistencia democrática, es un concep- la sociedad, en los saberes de los trabaja-
to muy importante, es una concepción dores y en las políticas educativas. No se
política, de lucha y creo que habría que puede perder de vista que todo esto tiene
agregarle , no sólo la resistencia, sino la que ver con conocimientos, con califica-
construcción de alternativas, contra-he- ción de la fuerza de trabajo, con habilida-
gemónicas, llamado que hace Eblin, en la des, lo que, desde luego no es suficiente
parte final de su intervención. para entender los procesos, ya que tam-
Voy a retomar el concepto de “He- bién tiene que ver con una determinada
gemonía” de Antonio Gramsci, porque
1 Arriaga, Ma. De la Luz, “Las reformas educativas
nos da elementos para entender lo que neoliberales en América Latina, los casos de México
es el espacio educativo en una sociedad y Argentina en educación básica (procesos y resis-
tencias)”, Tesis de doctorado, estudios latinoameri-
­capitalista. canos, UNAM, México 2011, p.ii

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 69 PALESTRA 2


ideología, con valores, poder, específica- porque las reformas educativas en edu-
mente con el ejercicio del poder y con el cación básica y para educación supe-
poder contrahegemónico (sujetos que se rior, de corte neoliberal, son reformas
oponen al poder y generan instancias de ­privatizadoras.
poder popular o de transformación). Aunque mi intervención está cen-
Como está en cuestión la hegemonía trada en educación superior, voy a usar
y el conflicto es permanente en el espa- unos minutos para referirles que en Mé-
cio educativo, lo que encontramos es un xico en los años 2012- 2018, con el régi-
proceso contradictorio, y muy complejo. men del presidente Enrique Peña Nieto ,
Primero porque se realiza simultánea- se instrumentó una de las más agresivas
mente en distintos planos, internacio- reformas educativas en educación bási-
nal, nacional, local e institucional, en ca, trataron de eliminar la fuerza del ma-
segundo término porque están en juego gisterio democrático, no sólo en cuanto a
intereses y proyectos de clases y grupos la organización, fueron más allá, querían
sociales distintos sobre el tipo de socie- eliminar el papel de los maestros y las
dad, de Estado y de educación que im- maestras, como líderes sociales y acabar
pulsan y finalmente porque las reformas con su autonomía, acabar con la posibi-
se imponen al margen de los sujetos de lidad del desarrollo propio y el trabajo
la educación, docentes y estudiantes, por creativo con niños, niñas y ­adolescentes.
lo tanto carentes de consenso” (Arriaga, Con esta reforma y usando el argu-
2011, p.ii) mento de la evaluación y de la calidad
La clase en el poder, para asegurar educativa , llegaron al extremo de usar
su permanencia y su dominio requiere los resultados de la “evaluación” para el
del control de la educación. Y desde el despido de la profesora o el profesor si
bloque de los oprimidos, es un espacio en tres subsecuente calificaciones no era
fundamental para la construcción de op- declarado idóneo, ¿Quién decide lo que
ciones contrahegemónicas. es idóneo?, un organismo burocrático
En este marco, se precisa entender hecho a modo, donde hay participación
este momento, como nos llama también empresarial por supuesto, imagínense
el título del panel, ¿Cuál es el proyecto lo que eso significa, no era ni siquiera
del capital en educación y que experien- para el profesor que recién ingresaba,
cias hemos tenido de luchas, de cons- que eso también era injusto, era para
trucción, de resistencia en México y en cualquier profesor y profesora tuvie-
Brasil? ran la antigüedad que fuese, 10 años, 20
Comparto la idea de Eblin, sobre la años, no importaba. Tampoco diferen-
articulación entre el análisis teórico y, ciaba si se trataba de maestros de edu-
los trabajos de investigación desarrolla- cación indígena, maestros de educación
dos en educación superior y educación especial, maestros de educación prima-
básica, y su vínculo con las luchas que se ria, de educación secundaria, de bachi-
generan en estos dos niveles educativos, llerato, era para todas y todos los que
esto en ocasiones no se entiende desde pertenecieran a la Secretaria de Educa-
la academia, pero debemos tener claro ción Pública. Afortunadamente fueron
que el capital, sí lo entiende y lo aplica, 6 años de resistencia del magisterio de-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 70 PALESTRA 2


mocrático de educación básica, agrupa- vide y vencerás”, entonces ¿Cuáles han
do en la, Coordinadora Nacional de Tra- sido los ejes de esa estrategia?
bajadores de la Educación, corriente que Como mencioné han colocado en el
actúa al interior del Sindicato Nacional centro la evaluación y el concepto mer-
de Trabajadores de la Educación,2 y lo- cantil sobre “calidad”, la calidad la pode-
graron echar para atrás esta reforma en mos medir en un proceso de producción
la parte punitiva, cuando hubo un cam- de automóviles, teléfonos, de mesas,
bio de gobierno en el 2018 y llega Andrés pero en la educación eso es imposible
Manuel López Obrador que es el actual hacerlo, e intentar utilizar las medicio-
presidente. Desafortunadamente no se nes estandarizadas para logarlo, es una
eliminaron los elementos e instrumen- aberración.
tos de corte mercantilista en el modelo y La evaluación en la educación es par-
la gestión educativa. te del proceso educativo, pero articula-
do al proceso de enseñanza aprendizaje.
ASALTO DEL NEOLIBERALISMO A LAS Si se realiza por organismos externos
UNIVERSIDADES o fuera de ese proceso, la evaluación se
desvirtúa, entonces
¿Que vivimos en se usa la medición
México en educación estandarizada y se
superior? lo que he- Lo que hemos vivido es un acompaña de algo
mos vivido es un asal- que seguro ustedes
to del neoliberalismo asalto del neoliberalismo conocen muy bien, la
a las universidades y meritocracia, que im-
a las instituciones de a las universidades y a las puso aceleradamente
educación superior, el que se obtuvieran
no ha habido una re- instituciones de educación los grados a como
forma anunciada en fuera lugar, diploma-
una ley3, como fue superior. dos, especialidades,
en educación bási- maestrías, doctora-
ca y que generó una dos, incluso haciendo
respuesta masiva en todo el país, de los un mercado muy grande, con institu-
profesores y las profesoras y también ciones privadas que casi regalaban los
de comunidades de madres y padres de títulos de Master, nada más con que te
familia, para educación superior se ha inscribieras en línea y pagaras las altas
aplicado una estrategia silenciosa y seg- cuotas que cobraban.
mentada, el gobierno se dio cuenta de El otro elemento que se articula con
que le funcionaba más la política de “di- la medición y la meritocracia es el es-
2 Se fundó en diciembre de 1979, para demandar au- quema de “pago por productividad”. La
mento salarial y democracia sindical, a lo largo de diferenciación salarial, en México es
los años incorpora la defensa de la educación públi-
ca y la elaboración de alternativas educativas, den- inconstitucional, porque nuestra Car-
tro de concepciones de la pedagogía crítica. ta Magna establece que “a trabajo igual,
3 Después de la realización de esta palestra, se aprobó,

en marzo de 2021 y publicada el 21 de abril de 2021, salario igual”, hoy está rota esa garantía.
en el Diario Oficial de la Federación, La Ley General
de Educación Superior.
En las Universidades, tenemos trabajo

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 71 PALESTRA 2


igual, pero no tenemos salario igual, con Estos proyectos lo que generan, con
esto lo que han hecho, es imponer esque- la diferenciación salarial, con los esque-
mas individualistas de relación laboral. mas de productividad, con la meritocra-
Parte fundamental de la estrategia cia, es una desarticulación del tejido so-
para el control de las y los académicos cial de las académicas y los académicos y
de educación superior es la generali- nos empiezan a confrontar. Hay otro tipo
zación del pago por horas y las contra- de divisiones que se nos han impuesto,
taciones temporales. La mayoría de los se dice que en las universidades hay un
profesores y profesoras que imparten la proceso de envejecimiento de las plan-
docencia, son pagados “a destajo” y con- tas docentes y es cierto, porque nadie se
tratados por contratos temporales, que quiere jubilar con la tercera parte de su
son los profesores que reciben una re- salario, que es el producto de los esque-
muneración por, por hora pizarrón im- mas de pago por productividad, y a esto
partida, allí obviamente no hay pago del se agrega que durante muchos años no
tiempo utilizado para la preparación de se han creado plazas de profesores de
clases, no hay pago tiempo completo, “de
para capacitación, no carrera”, y las plazas
hay pago para la eva- que se desocupaban
luación de los estu- Así, en lo presupuestal es por jubilación o por
diantes y esto lo que fallecimiento de pro-
genera es una condi- reducción de presupuestos, fesores se “congela-
ción de precarización ban”. En mi Univer-
laboral. pero también uso de sidad, la UNAM, hay
¿Qué es lo que bus- muchos profesores
caban estas políticas
recursos públicos para jóvenes con estudios
de contratación? en
primer término, hacer
financiar al capital. de posgrado y con
años ya en el ejercicio
a un lado a las orga- docente, que están
nizaciones sindicales; buscando acceder a
es un ataque a la organización sindical, esas plazas de tiempo completo. Enton-
se pretende individualizar la relación la- ces esto también es un elemento de con-
boral. Se usa la inestabilidad en el puesto frontación entre profesores antiguos y
de trabajo y el estar sujetos a evaluacio- profesores más nuevos que quieren te-
nes permanentes, como forma de control. ner mejores condiciones.
El mensaje de las autoridades es: si no te Otro elemento ha sido la reducción
sometes a las instrucciones de las autori- presupuestaria, las instituciones edu-
dades y aceptas las políticas, educativas, cativas y particularmente las de educa-
está en riesgo tu trabajo y en momentos ción superior hemos estado sometidas a
de crisis económica eso es terrible, nadie lo que llamamos recortes presupuesta-
quiere estar desempleado, no puede estar les, pero también se han usado los fon-
desempleado, entonces este es uno de los dos públicos para subsidiar al capital,
elementos estratégicos y uno de los ejes ¿Cómo? a partir de convenios para su-
para que avancen las reformas. brogar servicios o renta de instalacio-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 72 PALESTRA 2


nes de las universidades o compra de de no ser importante a nivel mundial,
servicios a laboratorios privados. Así, en pero es muy importante el trabajo que
lo presupuestal es reducción de presu- se desarrolla y las valoraciones son muy
puestos, pero también uso de recursos ­distintas.
públicos para financiar al capital. Este proceso de imposición de esque-
El otro eje de esta reforma y estrate- mas gerenciales en las universidades
gia del capital en las universidades, ha para la gestión, que antes era académi-
sido la imposición de esquemas geren- ca, ahora está acompañado también de
ciales de la administración, estos, cada la formación de élites. yo creo que ope-
vez más nos obligan a cumplir con una ra también en Brasil. Es una “burocracia
serie de procesos administrativos que dorada”, porque reciben salarios muy
nos quitan casi la tercera parte de nues- altos, y porque están en los puestos de
tro tiempo, por ejemplo; para cumplir ejercicio del poder en las Instituciones,
con los requisitos de los programas, te- casi de manera vitalicia, pues se auto re-
nemos que someternos a una evaluación producen.
cada tres años y es juntar constancias, Las estructuras de gobierno en las
certificados, diplomas, etcétera. Como Universidades Mexicanas, son feudales,
son políticas mundiales, es muy fácil en- es una junta de gobierno, con un orga-
tender entre académicas y académicos, nismo que se llama Consejo Universita-
su significado y los parámetros que nos rio o Consejos Universitarios, la junta de
imponen: puntos por una conferencia, si gobierno nombra a los directores de las
es un evento internacional vale más que escuelas, de los institutos, esos directo-
un evento nacional. Por supuesto está res en automático constituyen parte de
muy castigada la docencia, se privilegia ese Consejo Universitario y sólo se eligen
más la investigación, las publicaciones, a profesores y estudiantes, en una de las
artículos, libros, etc. ¿Por qué creen uste- dos terceras partes, pero la tercera par-
des que han proliferado los libros colec- te la tienen asegurada los directores y
tivos? porque hacer un libro, por parte de las dos terceras partes restantes, de
de una o dos personas lleva años, hacer profesores y estudiantes, los directores
un libro colectivo es más fácil porque es definen en gran medida quiénes se inte-
una reunión de artículos o de ponencias, gran. ¿Quién elige al rector? esta junta
pero un libro colectivo vale casi lo mis- de gobierno, ¿Quién propone a los direc-
mo que un libro individual. Además, ésta tores de las escuelas? el rector, entonces
ha sido una vía para recolonizarnos, vale es una auto reproducción de estas élites,
más una publicación en una revista en no hay democracia, ni siquiera en los ór-
inglés, que sea reconocida a nivel inter- ganos más cercanos a las comunidades.
nacional, que una publicación en una re- No hay democracia y se combate a los
vista nacional, yo creo que esa es otra de colegios, a las academias.
las aberraciones, porque muchos de los Estos son los ejes, ahora bien, ¿Por
temas que trabajamos en ciencias socia- qué estos ejes? ¿Por qué se combate la
les pueden tener una relevancia enorme organización de profesoras y profeso-
a nivel de nuestros países o nuestras re- res? ¿Por qué esa búsqueda de controlar
giones o nuestras localidades, que pue- a las universidades de esta manera? lo

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 73 PALESTRA 2


mencioné en un inicio y Eblin también por supuesto y en términos de este foro,
lo señaló y es una política similar en to- les interesa también que no se desarro-
dos los países: con una reestructuración lle una ciencia propia, recordemos que
del capital que estamos viviendo desde en lo económico estamos en procesos
los años 70, 80 y en los 90 se consolida de integración dependiente a la econo-
el modelo neoliberal, el cual requieren mía mundial, particularmente en Méxi-
transformaciones radicales en la forma- co estamos subordinados a la economía
ción de la fuerza de trabajo e imponer un estadounidense, los gobiernos y los em-
sentido común dominante con un conte- presarios firmaron un tratado de libre
nido mercantil, individualista, de com- comercio con América del Norte en 1993,
petencia feroz. después lo cambiaron como un trata-
Con una revolución en la producción, do de libre comercio para América del
al incorporarse el uso de las tecnologías Norte, y somos de los primeros países
de la informática a la producción y a los de América Latina que nos incorporaron
servicios, se necesita un tipo de fuerza a la organización para la Cooperación y
de trabajo distinta, este es un objetivo el Desarrollo Económico (OCDE) eso fue
de las grandes empresas trasnaciona- un punto de quiebre en educación, pues
les, pero es una minoría del sector pro- incorporan las pruebas estandarizadas
ductivo por lo tanto requieren fuerza de de manera masiva, no sólo es la prueba
trabajo muy calificada pero en poca can- PISA, sino son evaluaciones de otro tipo
tidad y requieren una gran masa de tra- que se instrumentaron en México. La
bajadores que sepan leer las instruccio- OCDE, es la autora de todas las reformas
nes en inglés, oprimir botones pero no en educación superior y en educación
tiene una condición de transformación básica, es el gran dictador de políticas
para generar nueva ciencia y nueva tec- educativas en el mundo. Como el Fon-
nología. Esto es parte de lo más impor- do Monetario Internacional y el Banco
tante, entonces lo que se busca, es cam- Mundial con el fracaso de sus políticas
biar la formación en las universidades, ante las recurrentes crisis, quedaron
acortar el tiempo de las carreras de las desprestigiados, los grupos financieros
licenciaturas, incorporar la obligatorie- transnacionales recurrieron a organis-
dad de maestría y doctorado, pero en un mos como la OCDE
esquema de 3 años de licenciatura, dos Voy a tratar de ir cerrando mi inter-
de maestrías, tres de doctorado y lo que vención. El ataque a la Autonomía Uni-
van haciendo es un embudo para reducir versitaria y a la libertad de cátedra, es
el acceso a la educación superior. otra acción instrumentada por los gran-
El otro elemento que es muy impor- des grupos financieros y sus gobiernos.
tante, es que en su esencia, estos mode- Y constituye la esencia del programa de
los están buscados eliminar la educación Bolsonaro de la “Escuela sin partido”.
critica, eliminar la educación humanis- En las Universidades se hace política,
ta, restringir la enseñanza de la historia, la educación es política, por eso es abe-
de la filosofía en los planes de estudio rrante la “escuela sin partido” , pero en
parece que es un estorbo que los estu- realidad por lo que ese programa contie-
diantes sean seres pensantes, críticos, ne, lo que nos dice es, “sálganse ustedes,

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 74 PALESTRA 2


pero nosotros queremos seguir hacien- son los procesos de incorporación de las
do política, nuestra política, la política de plataformas, las escuelas perdieron en
derecha, la política de exclusión, la polí- los años de encierro con la pandemia,
tica fascista”. su papel central como centros de forma-
Existen más componentes de las re- ción, y de comunidad. Ahora parece que
formas, pero yo colocaría en el centro de son prescindibles y por supuesto, tam-
las transformaciones en curso, los que bién parece que los maestros y maestras
he mencionado, y que como hemos visto podemos ser prescindibles.
son muy similares a lo que ustedes han Por otra parte se evidenciaron los
vivido. impactos negativos en las condiciones
Y para finalizar, mencionaré sola- laborales de las y los docentes: precari-
mente algunas ideas sobre la coyuntura zación mayor, al trasladar los costos de
actual con la pandemia de COVID-19. La la impartición de las clases en línea a las
pandemia marcó un punto de quiebre y los profesores, alargamiento de la jor-
e intensificó los cambios en educación, nada de trabajo, afectación de la salud
particularmente en la Superior. El pro- docente, trastocamiento de la vida fami-
ceso que ya se impulsaba de incorporar liar, entre muchas otras afectaciones.
la educación en línea, como una alter- Los retos son muy grandes en este
nativa desde el capital transnacional y momento, y estamos obligadas y obliga-
sus gobiernos para “modernizar la edu- dos a ver hacia adelante ¿Qué hacer? La
cación y hacerla más flexible”, incluso definición por supuesto no es individual,
desplazando profesores, para hacerla es una construcción colectiva. Sólo men-
más barata, había tenido mucha resis- ciono que ya estamos haciendo, estamos
tencia y esto no sólo en México; en Ca- resistiendo, estamos analizando el mo-
nadá, hubo manifestaciones y un paro mento y queremos incidir en un cambio
de actividades de los sindicatos de la a partir de elaboración de alternativas,
Ontario Secondary School Teachers Fe- nuestro punto de partida es el recono-
deration (OSSTF, por sus siglas en inglés) cimiento de que el capital financiero
en contra del proyecto de que todos los transnacional en su propuesta actual lo
estudiantes de secundaria cursaran dos que quiere es el control y disputa de la
materias en línea, lo que significaba el educación publica en su conjunto, no es
despido de cerca de 10 000 profesores. una privatización como antes, que bus-
Lograron frenar la medida, pero con la caba tener más escuelas privadas, no,
pandemia de manera masiva a ellos y a ahora van por todo, buscan cambiar el
todas las maestras y maestros del mun- sentido de la educación, que le sirva este
do, nos obligaron a cerrar las escuelas y proceso de individualización de compe-
a usar las plataformas electrónicas. Las tencia desmedida, para poder mantener
nuevas tecnologías de la informática su dominio.
pueden constituir un instrumento para Ahora bien, ¿Cuáles son nuestras
facilitar el intercambio entre las comu- propuestas?, estamos elaborándolas,
nidades educativas, pero no pueden re- pero hay principios elementales, que-
emplazar a la educación presencial. La remos una educación universal, gratui-
pedagogía ha estado ausente de lo que ta, laica y para la emancipación, como

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 75 PALESTRA 2


dice Paulo Freire; una educación crítica, sindicatos, organizaciones estudiantiles,
humanista, integral, democrática, una académicos y académicas de México, Es-
educación en donde el trabajo docente y tados Unidos y Canadá, y desde 1999, en
el trabajo administrativo sea un trabajo una Red continental, la Red SEPA, que es
digno, en donde se valore a las y los do- la Red Social para la Educación Pública
centes se respete su en las Américas. Los
autonomía y su liber- trabajadores y las
tad de cátedra; tam- trabajadoras de la
bién queremos una Lo que hoy necesitamos educación de México,
educación dentro de como parte de Amé-
un proyecto de un es la construcción de una rica Latina estamos
país democrático, un unidas y unidos a us-
país en donde no sólo agenda de lucha común, tedes, pero ojo!, tam-
se respeten los dere- bién el imperialismo,
chos sociales, econó- no entre México y Brasil, la gran potencia es-
micos y políticos, sino tadounidense, con el
que se puedan ejercer entre América Latina, entre TLC de América del
realmente; luchamos Norte, buscó que los
por una educación América toda y en eso movimientos socia-
en donde se articu- les de México se se-
le, educación, cien- estamos comprometidos y pararan de lo que era
cia y cultura, esto es América Latina y les
­fundamental.
comprometidas, nosotros, salió mal, porque lo
Lo que hoy nece-
sitamos es la cons-
nosotras y no hablo nada que sucedió, fue que
nos convertimos en
trucción de una agen-
da de lucha común,
más por mí, sino por otros un puente entre las
luchas de maestros
no entre México y
Brasil, entre América
profesores y profesoras y maestras de Esta-
dos Unidos y Cana-
Latina, entre Améri-
ca toda y en eso esta-
en la construcción dá, con las luchas de
los maestros y maes-
mos comprometidos de Coaliciones, de tras, los estudiantes
y comprometidas, y las comunidades de
nosotros, nosotras y coordinaciones, de Redes. América Latina.
no hablo nada más Muchas gracias
por mí, sino por otros por la invitación y
profesores y profeso- repito, como dicen
ras en la construcción de Coaliciones, de las compañeras y compañeros de edu-
coordinaciones, de Redes. Yo participo cación básica, “unidos y organizados
desde 1993 en la Coalición Trinacional ­venceremos”.
en Defensa de la Educación Pública, con

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 76 PALESTRA 2


PALESTRA 3

AN AL
NA C AR
A TAR I N E A M
TRAJETÓRIA, INSERÇÃO
ACADÊMICA E A
IMPORTÂNCIA DO PIBID NA
FORMAÇÃO DOCENTE
Anna Catarine Amaral — É graduanda do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Ceará, Centro de Edu-
cação/UECE. Bacharel em Ciências Náuticas pela Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante, Centro de
Instrução Braz de Aguiar (2007). Participou como bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Do-
cência (PIBID), financiado pela CAPES, no período de 2018 a 2020. Atualmente é bolsista do Programa Residência
Pedagógica, subprojeto de pedagogia/alfabetização/CED/UECE, subsidiado pela CAPES (2020 – 2022).

Eu vou falar um pouco sobre “Traje- acabei me formando em Ciências Náu-


tória, inserção acadêmica e a importân- ticas e trabalhei por 11 anos como piloto
cia do PIBID na formação docente”. Vou em alto mar. E, apesar de ter sido um bom
falar um pouco porque eu escolhi a peda- trabalho, de eu ter viajado bastante, de
gogia. Eu sempre gostei muito de apren- ter conseguido uma estabilidade finan-
der e de ensinar. Desde pequena, talvez ceira, eu nunca fiquei satisfeita, eu que-
por influência do meu pai, eu tinha essa ria fazer algo mais, me sentir útil. Daí,
consciência de que a Educação era mui- eu saí do meu emprego em 2018 e decidi
to importante para nos tornar melho- começar “tudo de novo”. Voltei a estudar
res, não só uma questão de “ser alguém e fiz vestibular para a UECE. Para mim,
na vida”. Eu gostava muito de ensinar e Pedagogia foi uma escolha. Eu queria e
compartilhar aquilo que eu aprendia na quero ser professora, porque realmen-
escola e gostava de estar com os meus te é algo que me identifico e penso que
amigos e aprender com eles. E como eu posso contribuir para a construção de
tinha muita dificuldade de aprender e fo- uma sociedade mais humana, buscando
car a atenção, então, ensinar me ajudava formar seres humanos mais conscientes
a aprender. Só que a pedagogia não foi a e com autonomia para refletir, criticar,
minha primeira formação. contribuir e ser melhor.
Por influência do meu pai e até mes- Sou consciente das muitas dificulda-
mo da escola que eu estudava na época, des que a educação e as professoras so-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 77 PALESTRA 3


frem. Estar dentro do próprio PIBID e da gogia como uma ciência. Sofremos mui-
residência pedagógica, me proporcio- tos preconceitos: desvalorização profis-
naram isso. Eu vejo a falta de estrutura sional, social, econômica etc. As pessoas
das escolas públicas, a desvalorização pensam que ser professora é fácil, que
da ação docente e o desprezo pela for- estudar Pedagogia é fácil, mas não é. É
mação mais humanizada dos indivíduos, uma ciência vasta, que abrange diver-
entre outros. Mas como dizia Paulo Frei- sos conhecimentos a fim de que pos-
re “Educação não transforma o mun- sa formar um indivíduo de acordo com
do. Educação muda as pessoas. Pessoas suas necessidades e o meio que está in-
transformam o mundo.” E eu acredito serido. Essa questão surgiu de uma fala
muito nisso, na verdade, sempre acre- de uma professora minha na Disciplina
ditei, sempre pensei como eu posso ser de Introdução à Educação e me marcou
melhor, como posso contribuir melhor, bastante até hoje. Ela deixou esse senti-
foi isso que sempre tocou o meu cora- mento em mim, que precisamos nos as-
ção e fez com que sumir como pro-
eu entrasse na fessoras, como
­pedagogia. cientistas e pes-
Quando eu Sou consciente das muitas quisadores. Para
iniciei o curso, produzir melhor,
passei por todo dificuldades que a educação e as ensinar melhor.
esse processo das Como aponta Li-
dúvidas e receios professoras sofrem. Estar dentro bâneo,
e descobertas.
Como eu poderia
do próprio PIBID e da residência A Pedagogia ocu-
pa-se da educação
ser uma profes-
sora e como seria
pedagógica, me proporcionaram intencional. Como
tal, investiga os fato-

isso.
a prática, se eu res que contribuem
para a constru-
saberia lidar com
ção do ser humano
as crianças, se se- como membro de
ria uma profissio- uma determinada
nal competente, quais seriam minhas afi- sociedade, e os processos e meios dessa
nidades, mas a gente vai descobrindo isso formação. Os resultados obtidos des-
sa investigação servem de orientação
no próprio desenvolver do curso. As disci-
da educativa, determinam princípios e
plinas do curso vão nos dando uma noção formas de atuação, ou seja, dão uma di-
e vamos perpassando pelas disciplinas de reção de sentido à atividade de educar.
fundamentos da educação infantil, psico- (Libâneo, 2010, p. 33).
logia do desenvolvimento, alfabetização e
letramento etc. Estou citando essas por- Trouxe essa foto de um dos momen-
que foram as que mais gostei. Aí, a gente tos do PIBID, durante o governo Temer,
vai se afunilando, se descobrindo e dimi- quando nós sofremos ataques e fomos
nuindo a nossa insegurança. para a rua para resistir, para poder com-
Uma outra questão muito importante bater esse ataque. Nós precisamos lutar
é a necessidade de valorizarmos a Peda- por esses programas, o PIBID e a resi-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 78 PALESTRA 3


dência pedagógica, que ajudam, contri- pósito impulsionar a formação de pro-
buem e fazem toda a diferença na forma- fessores, fazendo o aprimoramento da
ção inicial docente: formação de docentes e a melhoria do
ensino básico da rede pública. O PIBID
FIGURA 01: Momento no PIBID tem o objetivo de relacionar teoria com
a prática e nos colocar no chão da esco-
la. Geralmente, no início do curso, temos
diversas questões sobre “será que es-
colhi o curso certo”, “vou conseguir ser
professora”, “se vou dar conta”, “como
a lida diária de um professor” etc. Por-
que o que a gente conhece como vida de
professor é aquela lembrança de quan-
do éramos alunos nas escolas. O PIBID
nos proporciona isso na prática, pois à
medida que eu vou aprendendo os fun-
FONTE: arquivo próprio. damentos, vou juntando as aprendiza-
Hoje, nós estamos também sofrendo gens das disciplinas com a experiên-
uma desvalorização, um descaso com cia de sala de aula do PIBID; ajudando
as bolsas, que estão com dois meses de a construir sabere, a se identificar com
atraso. E a gente precisa manter esses a futura profissão, de construir o gosto
programas que já foi uma conquista de pela vontade de ser professora de ensi-
muitas lutas e que fazem toda a diferen- nar, aprender. Eu desenvolvi uma criati-
ça para os futuros docentes. Trouxe a vidade que eu achava que eu não tinha,
importância da pesquisa para a docên- acho que só a prática faz isso, então, ele
cia, que foram as minhas experiências nos ajuda a compreender a rotina diária
no PIBID e residência pedagógica. Cos- e complexa de uma professora, não só
tumo dizer que eu sou muito privilegia- com a relação com os alunos, mas com
da porque quando eu entrei no meu pri- outros professores e a comunidade es-
meiro semestre de pedagogia, em julho colar, com os pais a gente vai ver tudo
de 2018, eu participei de um edital do PI- isso na prática.
BID, para o qual eu me inscrevi e passei. Muitas pessoas que entraram na pe-
E em 2020, logo quando acabou o PIBID, dagogia ficaram desmotivadas e desis-
eu passei na residência pedagógica. Por tiram porque não tiveram a chance de
que eu digo que é um privilégio? Porque conhecer a prática, e o PIBID proporcio-
não é todas as pessoas que têm oportu- na isso. Logo no início você tem acesso
nidade de participar dessas formações a várias formações. No meu caso, que
e eu penso que todo mundo deveria ter estava no primeiro semestre, essas for-
essa oportunidade, isso enriquece a nos- mações foram importantíssimas, por-
sa formação. que elas tinham o objetivo de nos pre-
Então, qual é o objetivo do PIBI? É parar para a inserção e compreensão
uma ação do ministério da educação, do contexto escolar, a questão das prá-
financiado pela CAPES, tem como pro- ticas pedagógicas, das legislações; de

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 79 PALESTRA 3


nos preparar para o iríamos vivenciar a pesquisar e replanejar para dar sen-
na rotina da escola. Logo depois, vem tido a prática. O PIBID nos possibilita
a ambientação na escola e começamos esse movimento e nos estimula a parti-
a frequentar a escola sobre a orienta- cipar dos eventos científicos, encontros
ção das supervisoras. A gente estuda o institucionais, seminários, congressos
projeto político pedagógico da escola, o e oficinas tantos como ouvintes como
regimento escolar e outros documentos pesquisadores. É por isso que hoje eu
da própria escola para a gente compa- estou aqui tentando compartilhar um
rar e compreender quais são os princí- pouco das minhas experiências, com o
pios daquela escola, quais são as ações fim de mostrar as minhas vivências, ex-
e objetivos. periências, reflexões sobre as práticas
Depois vem o período de observa- inovadoras. Esse período da pandemia
ção em sala de aula, posteriormente a mostrou isso, dentro da residência pe-
regências e experimenta- dagógica a gente inovou
ções, com o acompanha- bastante, fez coisas que a
mento das supervisoras gente achava que era in-
e coordenadora de área O PIBID contribuiu capaz de fazer e são práti-
que é fundamental no nos- cas que podem contribuir
so processo de ensino e
e muito para me com a comunidade escolar
aprendizagem. Porque ter
duas pessoas que estão
tornar um ser mais e com os trabalhos acadê-
micos.
ali, todo o tempo nos am-
parando, nos formando,
consciente, crítico, Enfim, o PIBID con-
tribuiu e muito para me
orientando, podendo per-
ceber o que a gente está
reflexivo, inovador tornar um ser mais cons-
ciente, crítico, reflexivo,
passando e colocar as dú-
vidas e dificuldades. E mui-
e superar os meus inovador e superar os
meus medos. Eu tinha e
tas vezes, o que a gente vê medos. tenho ainda muita dificul-
na teoria, planeja colocar dade de falar em público.
em prática, e na hora que E estar aqui é uma vitó-
a gente vai conversar com ria, eu agradeço muito a
a supervisora e ela diz “olha, acho que oportunidade, e finalizo trazendo Paulo
aqui não vai dar certo, porque a realida- Freire:
de da escola é outra”. Então, nós come-
çamos a perceber que não é só colocar Não há ensino sem pesquisa e pesquisa
sem ensino. Esses que-fazeres se encon-
teoria, temos que realmente conhecer a
tram um no corpo do outro. Enquanto
realidade daquela comunidade escolar é ensino continuo buscando, reprocu-
tem muita diferença. rando. Ensino porque busco, porque
Em seguida, vem a pesquisa-ação, indaguei, porque indago e me indago.
no sentido de pesquisar para aprimorar Pesquiso para constatar, constatando,
intervenho, intervindo educo e me edu-
a prática. Então, eu pesquiso para atu-
co. Pesquiso para conhecer o que ainda
ar diretamente na sala de aula e depois não conheço e comunicar ou anunciar a
eu vou refletir, analisar, avaliar e volto novidade. (FREIRE, 1996, p.29).

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 80 PALESTRA 3


Viva Paulo Freire! Presente sempre. cativa. 62. ed. Rio de Janeiro/São Paulo.
Obrigada. Estou emocionada. Paz e Terra, 2019.

REFERÊNCIAS LIBÂNEO, José Carlos. O campo do co-


nhecimento pedagógico e a identidade
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autono- profissional do pedagogo. In: P
­ edagogia
mia: saberes necessários à prática edu- e pedagogos, para quê. São Paulo:
­Cortez, 2010. p.25–42.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 81 PALESTRA 3


PALESTRA 4

FE LA
RN R TE
AND
A D O R O CIO PO
INDAGAÇÕES DISCENTES
SOBRE A PRODUÇÃO
DO CONHECIMENTO NA
INICIAÇÃO CIENTÍFICA
Fernanda do Rocio Portela — Estuda Letras-Português na Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Atualmente é
professora no curso de língua portuguesa e cultura brasileira para imigrantes e refugiados na Bibli-ASPA, pelo
programa de bolsas “Aprendendo na comunidade” da USP. Realiza pesquisa de Iniciação Científica, sob o título “Re-
presentação de refugiadas e refugiados nas literaturas do Sul Global”. Foi bolsista do Programa Unificado de Bolsas
(PUB) e pesquisa no projeto “Configurações da dimensão política no discurso materializado em dissertações e teses
de Educação Ambiental”.

Vou apresentar para vocês uma ex- materializado em dissertações e teses


periência minha e de uma colega de de Educação Ambiental”, que é um pro-
pesquisa, chamada Mariana Mativi. Fi- jeto apoiado pelo CNPq e coordenado
zemos juntas essa apresentação por- pelo professor Dr. Valdir Heitor Barzotto.
que basicamente a nossa experiência de Esse projeto que nós fizemos parte tem
pesquisa na graduação começou com parceria com a UNESP – Rio Claro, com
a mesma pesquisa, ao mesmo tempo e o Instituto de Biologia, uma vez que é
com o mesmo orientador. Sou aluna do uma pesquisa sobre tese e dissertações
5° ano de graduação em Letras, já estou no tema de educação ambiental. Nes-
na minha segunda iniciação científica e sa pesquisa maior nós desenvolvemos
vou apresentar um pouco. As pesquisas projetos individuais. O meu projeto foi
que nós, eu e a Mariana desenvolvemos apoiado pelo PUB – USP e o da Mariana
desde 2019, tem e teve o apoio da FFLCH, pelo CNPq. Para integrarmos esse proje-
CNPq, PRG – USP e o Programa unificado to de pesquisa, começamos a fazer parte
de bolsas de estudo para estudantes de de um grupo de pesquisa “Grupo de Es-
graduação (PUB). tudos: pesquisa em Educação Ambiental
A primeira pesquisa na graduação no Brasil (EArte)’’, o grupo tem parceria
que nós tivemos contato foi “Configura- com a biologia UNESP – Rio Claro, coor-
ções da dimensão política no discurso denado pelo professor Dr. Luiz Marcelo

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 82 PALESTRA 4


de Carvalho, e no que diz respeito à par- produção de conhecimento. Com esse
te da USP, é a parceria com a Faculdade grupo de pesquisa, nós também desen-
de Educação, que é coordenada pelo pro- volvemos projetos o meu era intitulado;
fessor Dr. Valdir Heitor Barzotto, que era “Saber e crescer: os poderes vedados ao
o nosso orientador na época. Nós entra- sujeito contemporâneo em texto acadê-
mos nesse grupo de pesquisa em 2019 e mico sobre educação ambiental”, em que
ficamos até o ano de 2020, então, metade eu buscava entender como o sujeito era
do projeto foi feito de forma presencial, limitado ou emancipado nas teses, como
mas a conclusão desses projetos e gru- esse sujeito estava colocado nas teses e
pos de pesquisa foram de forma online, dissertações. A Mariana desenvolveu o
no método de ensino online, em termos projeto; “Por meio da leitura do mundo
de encontros e reuniões. e da palavra: uma análise dos sujeitos
A pesquisa que eu desenvolvi cha- frente às questões ambientais”.
ma-se “Configurações da perspectiva de Nessa primeira fase das nossas pes-
crise em tese que versam sobre educação quisas acadêmicas que constituíam
ambiental”, ela era focada nessa temáti- um projeto de pesquisa maior, eles gi-
ca de crise como a crise era apresentada ravam muito em torno da produção de
nas teses. Já a Mariana desenvolveu um conhecimentos e como ele era produzi-
projeto intitulado: “As relações do sujei- do e compartilhado, e como o grupo se
to com o conhecimento em textos aca- entendia enquanto gerador de conhe-
dêmicos que usam o conceito de desen- cimento. Nós participamos de eventos
volvimento sustentável”. A partir desse tais como: “28° Simpósio Internacional
trabalho, ela buscava como o sujeito e a de Iniciação Científica e Tecnológica da
produção de conhecimento estavam se USP (SIICUSP)”; “XIX Seminário de Meto-
relacionando no texto. Junto com esse dologia do Ensino de Língua Portuguesa
mesmo grupo de pesquisa, nós começa- (SMELP)”; “WorkShop GEPPEP”. Todas as
mos a participar de um outro “Grupo de produções que nós fizemos no ano pas-
Estudos e Pesquisa: Produção Escrita e sado de artigos, pesquisas e projetos que
Psicanálise” (GEPPEP), coordenado pelo nós desenvolvemos, nós apresentamos
professor Dr. Valdir Heitor Barzotto e nesses três eventos. Como nós estáva-
pela professora Dra. Claudia Rosa Riolfi, mos trabalhando com a questão da pro-
ambos são da Faculdade de Educação – dução de conhecimento, o nosso princi-
USP. pal aparato teórico era a filosofia. Teoria
A ideia desse projeto é produzir co- da Linguagem de Bakhtin, um texto de
nhecimento a respeito da leitura e es- 2006 em que ele trabalha com a questão
crita e como a universidade se relaciona do discurso, da significação, sentido e de
com essa produção de conhecimento. como todos esses aparatos estão quando
O que nós tentamos fazer nesse grupo nós estamos produzindo um texto, pro-
de pesquisa está atrelado nisso, em sa- jeto. Porque na hora que nós vamos fazer
ber como a academia se relaciona para um projeto a gente pensa no que já sabe
com a sociedade e como os estudan- e no que a gente vai produzir e quais se-
tes se relacionam com a universidade e rão os nossos resultados. Foi essencial e
como nós, de fato, podemos fazer uma toda a nossa base de pesquisa a teoria de

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 83 PALESTRA 4


Bakhtin. Trago uma citação que ilustra que nós temos vontade produzir conhe-
bem essa questão do conhecimento: cimento ou se ela é somente porque nós
temos que nos formar e temos que entre-
O discurso alheio é definido por estes gar um TCC, artigo, iniciação científica.
discursos de outrem inserido no discur-
Parte da nossa conclusão das nos-
so daquele que está desenvolvendo seu
próprio discurso. Porém a inserção des- sas pesquisas consideravam que ha-
se outro discurso apresenta além de um via muitas repetições, plágios. Fizemos
discurso dentro de outro, ao aderir este essa pesquisa e verificamos plágios em
discurso de outrem o sujeito discursa reproduções só mudando um pouco e
acerca deste, assumindo-o ou rejeitan-
pensamos nessas reflexões se o conhe-
do-o. Sobre esta relação há a afirmação.
Essa percepção ativa e intradiscusiva se cimento é de fato produzido ou se ele é
dá em duas direções: em um primeiro somente reproduzido, mascarado e pla-
momento o enunciado alheio é emol- giado. O mesmo acontece quando nós vi-
durado pelo contexto real e comenta- mos as teses e dissertações das pessoas
dor (que, em parte, coincide com aquilo
e conforme a teoria de Bakhtin. Começa-
que é chamado de fundo de percepção
da palavra), pela situação (interna ou mos a olhar para as nossas próprias pro-
externa), pela ex- duções. Será que eu
pressão visível e realmente estou pro-
assim por diante;
duzindo alguma coisa
e em um segundo
momento, prepa-
Será que eu realmente ou só estou reprodu-
zindo e copiando?
estou produzindo alguma
re-se uma réplica
(Gegenrede) tanto Trabalhar nesse
a preparação da viés foi muito impor-
réplica, isto é, a coisa ou só estou tante para nós pen-
réplica na unida-
sarmos o impacto das
de de percepção
ativa e podem ser
reproduzindo e copiando? nossas próprias pro-
isoladas apenas duções, e outra coisa
de modo abstrato. muito importante é
(BAKHTIN, 2006,
compartilhar esses conhecimentos, uma
p, 254).
vez que nós começamos a compartilhar
Essa parte vai mostrar como nós re- e participar de eventos, como ouvintes,
produzimos um conhecimento que nós comunicadoras, mediadoras de mesa,
já sabemos e como nós o transformamos participar na organização de eventos.
ele em um novo conteúdo, novo conheci- Começamos a ver como ter essa rede
mento. As reflexões que nós tivemos so- de compartilhamento, essas trocas en-
bre a produção de conhecimento, mesmo tre pesquisadores são muito importan-
que focada na educação ambiental, como tes, principalmente, porque, para mim
que a academia entende a produção de e Mariana, era a primeira pesquisa que
conhecimento atualmente, se é uma pro- de fato nós estamos fazendo. desenvol-
dução de conhecimento de fato ou se é vendo os projetos, estávamos em grupos
uma reprodução de conhecimentos, ou de pesquisa com doutores, mestrandos,
se é uma reprodução de conhecimen- pós-doutores e nós estávamos na gradu-
to, se é uma produção de conhecimento ação. Nossa! As vezes, a gente fica meio

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 84 PALESTRA 4


sem graça, meio como fosse uma falta de Como resultados dessas experiên-
autonomia para falar alguma coisa e de- cias, percebemos que o processo de ini-
pois nós percebemos que não. Não é bem ciação científica possibilita um desenvol-
assim! A partir do momento nesse mun- vimento significativo na compreensão
do de pesquisa na graduação, e nós co- e aplicação da metodologia científica.
meçamos a nos envolver com isso, perce- Além disso, o tema de nossas pesqui-
bemos que é muito importante e pensar sas possibilitou uma reflexão constante
que são esses caminhos sobre o lugar que
que outras pessoas que
estão no pós-doutorado
O processo de iniciação ocupamos e a fun-
ção das pesquisas
já passaram e esse é o
momento que nós es-
científica possibilita para a produção
de conhecimento.
tamos passando e a im-
portância de participar
um desenvolvimento Todos sabemos da
importância de in-
de diferentes grupos de significativo na serir o discurso do
pesquisa. outro em nossos
Os grupos de pes- compreensão e aplicação da trabalhos, para
quisa que nós partici- embasamento te-
pamos em 2019 e 2020 metodologia científica. Além órico, discussões,
tinham vieses bastantes perspectivas de
diferentes: um era sobre disso, o tema de nossas análise.
educação ambiental, Ac r e d i t a m o s
uma matéria muito mais pesquisas possibilitou uma que, durante nos-
direcionada a biologia; o so “percurso cien-
outro era sobre a escrita reflexão constante sobre tífico”, analisamos
e a pesquisa. Como nós dissertações e
iríamos produzir o nos- o lugar que ocupamos e a teses, buscando
so próprio texto, criar entender como
nossos projetos e como função das pesquisas para a utilizavam esses
eles podem ser bem de- outros discursos
senvolvidos com aquilo produção de conhecimento. e percebemos que
que nós acreditamos. a autoria surgia
Mesmo assim, nós conseguimos casar através do uso da base teórica para de-
os dois temas e nos relacionamos para senvolvimento de um novo discurso e
conseguir desenvolver e concluir o nosso não apenas na verificação da teoria já
projeto de pesquisa. Outro ponto é como comprovada. Sendo assim, fizemos um
nós conseguimos conectar a ciência aca- trabalho duplo: a análise do corpus e tam-
dêmica para com a nossa realidade e bém de nossa própria produção a partir
trazer essa experiência acadêmica para dele. Nós questionamos muito: estamos
além desses eventos, mas para o cotidia- acrescentando uma reflexão – um resul-
no da faculdade e na nossa percepção de tado – ou só reproduzimos ­citações?
mundo, como nós percebemos o mundo
fora do mundo acadêmico.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 85 PALESTRA 4


PALESTRA 5

PES
LA

LO
SS TO
RY

AP N
IN A
GÉ D O NA SC IME

APRENDIZAGEM DISCENTE
EM PESQUISA NA
GRADUAÇÃO
Laryssa Pinagé do Nascimento Lopes — Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE),
atualmente é bolsista do Programa Residência Pedagógica.

A partir do tema do painel “Aprendi- Então, tudo que eu experienciei nes-


zagem discente em pesquisa na gradu- se momento foi me moldando como gra-
ação”, trouxe alguns recortes da minha duanda, e nesse processo de iniciação
trajetória para poder compartilhar. Logo pude começar a entender a Pedagogia
no primeiro semestre que ingressei na e conhecer propriamente o chão da es-
UECE, tive a oportunidade de participar cola. A prática e conceitos aprendidos
do processo seletivo do Programa Ins- foram essenciais para o consolidamen-
titucional de Bolsas de Iniciação à Do- to que eu viria a precisar no Residência
cência (PIBID), ao mesmo tempo em que ­Pedagógica.
eu estava adentrando ao espaço da uni- O Programa Residência Pedagógi-
versidade. O PIBID, a finalidade dele, é a ca (PRP) é um programa que tem como
de formação de futuros professores de finalidade a formação e o incentivo de
licenciatura que atuaram na educação futuros educadores, parecido com o PI-
básica, e a inserção é feita em escolas da BID, entretanto, ele vai se diferenciar no
rede pública, tanto municipal quanto da aperfeiçoamento e aprofundamento das
estadual. Enquanto no PIBID eu estava práticas pedagógicas nas escolas públi-
tendo as práticas, na graduação estava cas. Só que devido a pandemia do vírus
tendo a consolidação dos fundamentos Sars-CoV-2, o PRP teve seu início de for-
teóricos nas disciplinas de psicologia ma remota. Houve uma mudança na in-
da aprendizagem, história da educação, serção de ambientação das escolas e das
educação e inclusão. aulas, as socializações, estudos e comu-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 86 PALESTRA 5


nicação foi feita através das plataformas do a primeira uma análise aprofundada,
online, tudo feito a distância. Ao longo e a segunda com palavras chaves ou fra-
do período que estou no Residência Pe- ses sintetizadas.
dagógica, a minha relação com a pesqui- Já a linguagem do diário de bordo
sa despertou a partir das inserções nas irá variar de indivíduo ao outro porque
regências e tive uma outra perspecti- é a escrita é particular, ainda mais, se
va; o meu olhar foi se moldando para o considerarmos qual abordagem – quali-
­científico. tativa ou quantitativa – a pesquisa terá.
A Residência Pedagógica do curso Finalmente, quando chegar a hora da
de Pedagogia do Centro de Educação da elaboração do estudo, o processo se tor-
UECE – que tem como subprojeto a al- nara mais fácil. O essencial a destacar é
fabetização – é direcionado ao processo que o exercício da escrita é imprescindí-
de aquisição da escrita e da leitura das vel ao discente, pois ali estará contida a
crianças e como se dá esse processo. A visão singular sobre o que foi observa-
partir da elaboração dos planos de aula do e evidenciando fatos que lhe foram
e das regências, fomos construindo es- ­marcantes.
tratégias que pudesse direcionar e ala- A fundamentação teórica é neces-
vancar o processo de alfabetização das sária para dar embasamento ao que as-
crianças, sempre respeitando suas es- sunto que você está falando. Ao longo da
pecificidades, e durante o período sur- graduação, os professores nos ensina a
giram indagações e observações: “Como sermos críticos, mas a movimentação
é que podemos transformar tudo aquilo de por isso em prática é ainda mais di-
que estamos vivenciando em pesqui- fícil se for em oposição do autor. A edu-
sa?”. Entretanto, as experiências por si cação tradicional, na qual não se pode
só não foram suficientes para começar a questionar e o aluno deve ser passível a
escrever os trabalhos acadêmicos. Para autoridade, continua enraíza a partir do
isso, três aspectos se tornaram impres- momento de se pôr em prática a concor-
cindíveis na escrita científica: 1) Diário dar ou divergir da opinião do outro. Esse
de bordo, 2) Fundamentação teórica e 3) exercício nos faz compreender a pers-
­Colaboração. pectiva do autor, do que acreditamos e
o que somos. Entretanto, deixo claro que
ASPECTOS NECESSÁRIOS PARA O tal atividade deve ser feita com ética e
DESENVOLVIMENTO DE UMA PRODUÇÃO respeito aos anos de dedicação e pesqui-
ACADÊMICA sa da obra em questão. No caso dos estu-
dos que desenvolvi em parceria com as
O diário de bordo entra com as infor- colegas, buscamos autores que estavam
mações relacionados ao chão da escola. relacionados ao subprojeto, a alfabetiza-
Então, as aulas, as regências, os diálo- ção, que falavam a respeito daquela es-
gos – das crianças, da preceptora e das tudo e dessem suporte as ideias trazidas
bolsistas, os debates e outras memórias no corpo do texto.
foram anotadas e guardadas para poder Um outro ponto coloco a acrescentar
revisitar. As formas de organização mais que é a colaboração no processo científi-
utilizadas são a descritiva e tópica, sen- co. Na Residência Pedagógica nós temos

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 87 PALESTRA 5


diversas formações – eventos, oficinas, o discente tenha contato com a produção
seminários, dentre outras coisas – e em científica, tendo em vista que a Institui-
uma dessas oficinas, a professora pales- ção de Ensino Superior (IES) promove
trante falava sobre a produção científica bolsas próprias ou em parceria com ou-
e disse que o processo de produção não tras entidades, como por exemplo, a Co-
precisa ser solitário, mas sim de colabo- ordenadoria de Aperfeiçoamento de Pes-
ração. Quando um projeto é desenvolvi- soal de Nível Superior (CAPES). Inseridos
do com outras pessoas terá um olhar que em alguma bolsa, nos é pedido um retor-
vai adicionar, de orientação acerca da no das atividades desenvolvidas, em for-
estrutura, de trazer outros fundamen- ma de publicação científica em eventos
tos teóricos, troca de ideias e foi isso que para possamos compartilhar os saberes
eu percebi. Quando os assuntos surgiam aprendidos e como podem contribuir
durante as observações, as regências, e para a sociedade. Tendo em vista que
ia compartilhar com as minhas colegas, existem diversas estruturas de publica-
elas diziam: “Eu também estava queren- ções – artigo, resumo, relato de experiên-
do falar sobre isso, era algo que já vinha cia, etc. –, aos poucos, vamos conhecendo
anotando e pensava em debater”. A par- seus elementos constituintes, havendo
tir disso chegou o momento de colocar dentro de cada campo de conhecimento
a mão na massa, já que eu tenho esses inúmeras temáticas a serem exploradas.
três meios. Os assuntos que inspiraram a mim e
as colegas estavam relacionados a situa-
DO DISCENTE AO PESQUISADOR ções e/ou momento que aconteceram no
decorrer dos desdobramentos cotidiano
Na perspectiva das vastas experi- escolar, mais especificamente, na sala de
ências ao longo dos módulos e da moti- aula da preceptora de aula. Haja vista que
vação diante de tornar esses momentos o edital do PRP 2020 – 2022 ocorreu por
significativos em concretizações trans- meio remoto, em sua maior parte, abor-
critas para compartilhar com a comuni- damos as ferramentas virtuais utilizadas,
dade acadêmica, originou-se uma movi- a metodologia ativa (estratégia digital
mentação de publicação científica. Sob usada no ensino), culminâncias de ativi-
a orientação da coordenadora de área e dades, dentre outras. Uma vez introdu-
da preceptora de sala, nós bolsistas, pas- zido no contexto escolar, passamos a ter
samos pelas etapas essenciais de pro- afinidade com a área de conhecimento,
dução: planejamento, pesquisa, análise, como por exemplo, educação infantil, for-
elaboração, aporte teórico, releitura e mação de professores, políticas públicas,
finalização. Em contato próximo com a gestão escolar, etc – que nos interessa, o
escola-campo, as práticas pedagógicas e click do que discorrer no escrito se torna
a dinâmica ocorrida em classe tornaram leve e proveitoso porque parte do inte-
os momentos ímpares, sendo fontes ina- resse pessoal. Não existe receita de como
cabáveis de inspirações para se tornar surge a temática, pois para alguns é de
temáticas. forma espontânea, e para outros se dá
As bolsas científicas de extensão e através do processo de autoconhecimen-
programas de iniciação possibilitam que to da identidade docente em formação.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 88 PALESTRA 5


INSPIRAÇÕES NO DECORRER PRP QUE ca de gramática, produção textual e in-
CONTRIBUÍRAM NAS PUBLICAÇÕES EM terpretação e verificar o diagnóstico
EVENTOS preciso de leitura e escrita de cada edu-
cando. Os momentos da correção – que
Dentre as múltiplas atividades rea- aconteceram em mais de uma aula – fo-
lizadas ao longo do PRP, as Tecnologias ram momentos divertidos e educativos, a
da Informação e da Comunicação (TICs) ponto de em 2022 conseguirmos realizar
foram fundamentais como suporte a novamente a partir da devolutiva positi-
prática pedagógica, já que houve uma va das turmas de 4º ano. Tais momentos
remodelação no processo de ensino. Pla- se transformaram em escritos publica-
taformas e aplicativos virtuais – Canva, dos na Semana Universitária da UECE
Edpuzzle, Google Meet, YouTube, dentre e no Fórum Internacional de Pedagogia
outros – proporcionaram o acesso das (FIPED), que abordavam a autonomia das
crianças desde a atividades diagnósticas crianças e ação-reflexão a partir da cor-
até a elaboração de dinâmicas. Pensando reção da ADR e utilização das metodolo-
em elevar a qualidade das aulas, na re- gias ativas para o desenvolvimento da
novação dentro do campo educacional autonomia discente, ­respectivamente.
e a instauração do ensino remoto, a me-
todologia ativa foi resgatada. Utilizando RELEVÂNCIA DAS BOLSAS NA GRADUAÇÃO
as inúmeras alternativas de aplicação
da metodologia ativas, notamos que as O espaço universitário pode ser as-
crianças se tornaram sujeitos autôno- sustador com tantas normas, diferentes
mos críticos e tecnológicos tipos de trabalhos acadêmicos, qual a te-
Na transição do ensino remoto pra o mática a escolher, quais as etapas neces-
híbrido, as escolas públicas fortalezen- sárias e o como fazer são perguntas que
ses foram retomando a rotina escolar, de início pode desnortear o discente, e
mas de modo que cada turma fosse divi- ver o desenvolvimento de uma produção
da em grupo A e B evitar aglomerações científica como algo distante. Entretanto,
nas salas de aula. Durante a transição, os textos que vão sendo passados pelos
ocorreu a Atividade Diagnóstica de Rede professores e professoras ajuda a com-
(ADR), do Programa de Alfabetização na preender a linguagem acadêmica – que
Idade Certa (PAIC). A ADR é uma prova é mais densa e complexa – e em contato
externa aplicada na Educação Infantil com os autores passamos dialogar com
até o 9º ano do Ensino Fundamental, e eles. Aos poucos, passamos da adapta-
a prova de Matemática e Língua Portu- ção a aptidão a iniciar um estudo.
guesa contém vinte e duas questões que Poder participar do PIBID e PRP foi
envolvem gramática, interpretação e uma experiência inigualável, pois a in-
produção textual. Como forma de apro- tercessão entre o que aprendi nas es-
veitar aquele rico material, a preceptora colas públicas e saberes que venho acu-
organizou uma correção coletiva da ARD mulando ao longo do curso sobre as
de Língua Portuguesa. concepções, os teóricos, epistemologia
Os objetivos dessa dinâmica foram e história da educação tem suma im-
identificar quais os acertos e erros acer- portância na minha identidade docente.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 89 PALESTRA 5


As vivencias acerca cientistas, pois afi-
dos desdobramentos nal a Pedagogia é a
enfrentados na pro-
fissão e no ambiente
Participar do PIBID e ciência da educa-
ção, logo, entende-
escolar, de conhecer
a comunidade ao en-
PRP foi uma experiência remos o nosso papel
na sociedade como
torno da escola, das
relações de apoio
inigualável, pois a agente de mudança.
Concordo com Paulo
com o corpo docen-
te, da renovação da
intercessão entre o que Freire, quando este
diz que a educação
prática pedagógica e aprendi nas escolas é transformadora de
da efetivação da qua- pessoas e que as pes-
lidade e permanência públicas e saberes que soas transformam
dos educandos, fa- o mundo. A defesa e
zem parte da docên- venho acumulando ao ampliação de bolsas
cia e tornam a forma- efetivam a perma-
ção inicial mais rica e longo do curso sobre as nência do discente
contextualizada. To- no ensino superior e
dos as aprendizagens concepções, os teóricos, continuação de pro-
se tornaram indis- duções acadêmicas
pensáveis para que epistemologia e história atualizadas nas li-
construísse o olhar cenciaturas. Ressalto
pesquisador. da educação tem suma a importância desses
A partir do mo- programas, a impor-
mento que nos re- importância na minha tância que eles têm
conhecermos como na nossa ­ formação
identidade docente. como estudantes.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 90 PALESTRA 5


PALESTRA 6

ESCOLA SEM PARTIDO


OU IMPOSIÇÃO DO
PENSAMENTO ÚNICO?
CRIMINALIZALIZAÇÃO
DOS(AS)
S
LIZ LO CE PROFESSORES(AS) E
E

AB N
ETH
C A R L A VA SCO
RESISTÊNCIAS EM TEMPOS
DE CERCEAMENTO
DAS LIBERDADES
DEMOCRÁTICAS
Elizabeth Carla Vasconcelos — Graduada em Enfermagem, Mestra em Enfermagem pela Faculdade de Enfermagem
da UERJ, Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ. Professora Associada IV do Departamento Interdisciplinar de
Rio das Ostras/UFF. Atualmente é Diretora do ANDES-SN.

Bom dia a todos, todas e todes que es- Encontro Nacional de Educação (ENE),
tão aqui participando do XII Fórum Inter- que aconteceu em Brasília, e lá, se pen-
nacional de Pedagogia! Bom dia, Raquel sou na construção de uma Frente Na-
Brandão, Roberto, Dediane, que está nos cional que pudesse agrupar um gru-
ajudando! Bom dia, muito especial à com- po político de entidades, movimentos
panheira Raquel Dias; para mim, um dos sociais, sindicatos que pudesse estar
maiores exemplos da luta em defesa da à frente desse enfrentamento. Essa
educação pública! Me sinto muito feliz de Frente foi formada por centrais sin-
ela ter me convidado para estar aqui nes- dicais, sindicatos, partidos políticos,
sa mesa para trazer um pouco, depois da mandatos parlamentares, movimen-
fala brilhante, tanto dela como da Raquel tos sociais, estudantis, populares na
Brandão, para vocês um movimento que perspectiva da defesa da liberdade de
foi construído, movimento de muita re- expressão e de opinião nos estabele-
sistência, que foi a criação, a construção cimentos de ensino e contra qualquer
da Frente Nacional Escola sem Mordaça. forma de opressão. Ela é crida no ENE
Vou trazer um pouco do contexto histó- e vai se fortalecendo, e um dos objeti-
rico, do trabalho, da importância dessa vos era acompanhar todos os ataques e
Frente para barrar os muitos dos ataques os projetos de lei que estavam cada vez
ligados à Escola sem Partido. surgindo mais para impor esse projeto
A gente constituiu a Frente Nacio- de uma escola sem partido, uma escola,
nal Escola sem Mordaça, em 2016, no II na verdade, com mordaça.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 91 PALESTRA 6


Acompanhando o histórico da Fren- após muita pressão, a votação não ocor-
te, a gente vai ver que 2018 foi um ano reu. No dia seguinte dessa reunião, tam-
extremamente importante para Frente bém foi um momento importante, pri-
Nacional Escola sem Mordaça. Havia um meiro porque a gente teve oportunidade
PL, o 7180 de 2014, que começou a trami- de fazer uma grande discussão com o
tar e, em 2018, chegou à Comissão Espe- professor Fernando Penna e Rogério
cial da Câmara dos Deputados. Era um Junqueira, que fizeram uma exposição
momento extremamente importante de da temática, resgatando tudo que estava
aglutinação das forças para tentar bar- acontecendo, outros temas que estavam
rar. 2018 foi um ano de muita mobiliza- relacionados e que a gente tinha que li-
ção da Frente. O primeiro momento da dar com essa perspectiva de uma escola
Frente de 2018 foi uma reunião de dois com mordaça. Então, tiramos vários en-
dias que aconteceu no ANDES-SN (Sin- caminhamentos nessa reunião que deu
dicato Nacional dos Docentes das Insti- um norte para nossa luta ao longo de
tuições de Ensino Superior), que tinha 2018 e 2019.
como objetivo traçar ações que realmen- Uma das coisas naquela reunião
te pudesse barrar o andamento daquele que foi tirada era a importância de que
projeto na Câmara dos Deputados, reu- a gente tinha criado um site em 2016,
nindo várias entidades, além do ANDES- mas esse site precisava ser reativado e
-SN, a Fasubra (Federação de Sindicatos alimentado, era pensar em ações que
de Trabalhadores Técnico-Administrati- pudesse o tempo todo estar alimentan-
vos em Instituições de Ensino Superior do o site para agregar todos os ataques e
Públicas do Brasil), o Sinasefe (Sindica- todos os enfrentamentos que estávamos
to Nacional dos Servidores Federais da realizando. Outra coisa que era impor-
Educação Básica, Profissional e Tecnoló- tante naquele momento era tentar fa-
gica), a Frente Baiana Escola sem Morda- zer um grande seminário nacional para
ça, a Apeoesp (Sindicato dos Professores discutir detalhadamente esse tema “Es-
do Ensino Oficial do Estado de São Pau- cola sem Partido” e como iria construir
lo), a Frente Escola sem Mordaça do Rio ações para continuar acompanhando o
de Janeiro, o PSOL, a Campanha Nacio- PL 7180, que no dia anterior havia sido
nal pelo Direito à Educação, o Sindsco- suspensa a votação, mas que iria conti-
pe (Sindicato dos Servidores do Colégio nuar existindo e a gente tinha que con-
Pedro II), vários movimentos, a Contee tinuar fazendo pressão ali. E como era
(Confederação Nacional dos Trabalhado- importante naquele momento ter um
res em Estabelecimentos de Ensino). mapeamento de todos os estados que
Foram dois dias muito intensos. No tinham o PL Escola sem Partido. Como
primeiro dia da reunião, que era 11 de era importante naquele momento ter o
julho, estava o projeto que iria ser vota- mapeamento de todos os estados de in-
do na Comissão Especial da Câmara dos formações do projeto Escola sem Parti-
Deputados. Então, esse primeiro dia foi do, pois, ao mesmo tempo em que havia
um encontrão em que todos foram para o PL tramitando na Câmara, a gente ti-
a Câmara para acompanhar a votação e nha em vários estados, várias prefeitu-
acabou que teve tumultos na Câmara e, ras, vários municípios a colocação do

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 92 PALESTRA 6


projeto de lei que vinha ao encontro do significava o projeto Escola sem Partido.
Projeto Escola sem Partido. A gente de- Naquele momento, começou-se a pensar
finiu que precisava fazer uma pesquisa na construção, ao longo de 2018 a gente
nacional, um levantamento nacional, foi construindo, do manifesto conjunto
um mapeamento nacional, e o professor de todas as entidades em defesa da edu-
Fernando Penna ficou com a função de cação pública.
coordenar isso e o ANDES-SN, a Fasu- O ano de 2018 foi extremamente im-
bra e o Sinasefe, as três entidades nacio- portante porque foi um ano de muitas
nais ligadas à educação, financiariam lutas. Naquele momento, a gente tinha
os bolsistas para a gente conseguir fa- um ataque muito profundo, já havia uma
zer a coleta desses dados. Foi uma coisa ameaça de um governo de extrema-di-
extremamente importante. Outra coi- reita, Bolsonaro crescendo no primeiro
sa importante também que ficou como turno, no segundo turno. A gente viu a
encaminhamento era mobilizar ações importância de ampliar a adesão das en-
jurídicas contra as lideranças do Escola tidades da educação, das entidades cien-
sem Partido e se viu naquele momento a tíficas para dentro da Frente Nacional
importância de se ter Escola sem Mordaça.
assessoria jurídica e Então, a gente come-
as assessorias jurí-
dicas do ANDES-SN,
O ano de 2018 foi çou um movimento
de envolver outras
da Fasubra, do Sina-
sefe se disponibiliza-
extremamente importante entidades que não es-
tavam na Frente, mas
ram a estar dentro da porque foi um ano de que pudessem parti-
Frente pensando em cipar. Outra coisa im-
ações de como po- muitas lutas. portante foi que na-
deria avançar sobre quele momento tinha
isso. A importância um julgamento no
de construir, ao longo de 2018, um Dia STF (Supremo Tribunal Federal), de uma
Nacional de Luta em Defesa da Educa- Ação Direta de Inconstitucionalidade
ção, já vislumbrava uma data logo no da Lei Escola sem Partido, em Alagoas,
início de dezembro. e a Frente fez uma grande mobilização
A necessidade de fazer uma articula- para acompanhar esse julgamento, que
ção de audiência pública dentro do Con- iria acontecer no dia 28 de novembro, e
gresso Nacional para fazer um debate passamos a fazer algumas reuniões es-
que pudesse dar conta disso. Constru- pecíficas do coletivo jurídico para prepa-
ção de uma audiência com os ministros rar orientações jurídicas sobre as ações
do STF, que a Raquel também coloca um que estavam ocorrendo nacionalmente
pouco como foi esse movimento, a gente contra a liberdade dos trabalhadores de
pensou em solicitar audiência individu- educação. O jurídico teve papel funda-
al com os ministros para poder traba- mental e a gente, inclusive, conseguiu
lhar como eles como era a nossa defesa construir uma cartilha de orientação
de autonomia das universidades, dos jurídica, com exemplos de peças que po-
Institutos Federais e dos CEFET e o que deriam ser acionadas pelas nossas ins-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 93 PALESTRA 6


tituições, nos nossos locais de trabalho, tecer em 2019, começamos a incentivar
pela própria forma como nacionalmente a CONEDEP (Coordenação Nacional das
os ataques estavam ocorrendo dentro de Entidades em Defesa da Educação Pú-
nossas instituições. Foi um ataque muito blica) e nas coordenações estaduais, a
profundo à educação pública, às escolas trazer o debate dos projetos Escola sem
públicas e a vários professores que es- Partido para dentro dos encontros pre-
tavam sofrendo processos administra- paratórios porque era uma maneira de
tivos, devido a denúncia dessa perspec- mapear como estavam em nível estadu-
tiva de estarem incentivando debate de al e municipal esses projetos Escola sem
ideias, sobre comunismo, tirando toda Partido.
nossa liberdade de cátedra. Essa cartilha À medida que fomos avançando em
de orientação jurídica foi muito impor- 2018, a gente viu que era importante re-
tante porque trazia no bojo dela algumas formular o site para ficar mais dinâmi-
ações, como estavam acontecendo essas co, colocar dentro dele as denúncias, as
ações e os tipos de de- ações, as produções,
nuncias que estavam os mapeamentos que
acontecendo.
Outra coisa que
A gente viu a importância a gente estava fazen-
do. Então, tirou-se
foi muito importan-
te em 2018 foi que, a
de ampliar a adesão das uma comissão para
pensar na reformu-
partir da Frente, co-
meçamos a fazer um
entidades da educação, das lação do site. Forte
na construção de que
movimento de incen- entidades científicas para dezembro seria o mês
tivo de criação dessas que a gente faria uma
frentes nos estados e dentro da Frente Nacional grande mobilização
municípios. Então, a nas instituições de
gente teve uma pulve- Escola sem Mordaça. ensino em defesa da
rização dessas ações educação pública e
que a gente estava denúncia do que sig-
construindo nacionalmente nos estados nificava esse projeto Escola sem Parti-
e nos municípios também. Outra coisa do. Tiramos a data do dia 5 de dezembro
importante que a gente conseguiu cons- para esse dia de mobilização, tentando
truir, ao longo de 2018, foi uma rede de construir uma audiência pública na Câ-
solidariedade e tiramos na Frente a im- mara também. Outra coisa muito im-
portância de criar uma rede parlamen- portante que teve, já no final de 2018, foi
tar em defesa da educação pública, de uma audiência pública popular com a
mobilizar o parlamento contra o ataque Anistia Internacional, que aconteceu na
que estava acontecendo, a importância UERJ (Universidade do Estado do Rio de
de ter apoio no sentido contrário daquilo Janeiro), no dia 27 de novembro de 2018
que estava vindo. Em 2018, já estávamos e, a partir dessa audiência, a gente con-
dando encaminhamento para a constru- seguiu fazer a construção de um calen-
ção do III ENE, já estavam ocorrendo os dário de debates no Colégio Pedro II, no
encontros preparatórios, que iria acon- Rio de Janeiro, que naquele momento

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 94 PALESTRA 6


passava por um ataque brutal, e o quan- acessado pelo link: www.escolasemmor-
to era importante a construção dessa daca.org.br. Além da mudança de layout,
resistência no Colégio Pedro II, envol- foi um site que trouxe várias novidades
vendo toda a comunidade escolar. Então, de instrumentalização para a luta em
foi muito interessante, muito marcante defesa da educação pública e da liberda-
esse momento, e que teve uma participa- de de cátedra. Esse link, esse canalzinho
ção muito importante da Frente Nacio- para colher as denúncias das pessoas
nal Escola sem Mordaça ajudando nessa ameaçadas, perseguidas, foi importan-
­construção. te, porque a gente conseguiu, através do
Outra coisa importante que aconte- site, dá voz a essas denúncias, muitas ve-
ceu foi a construção do site. O site tinha zes, o professor se sente tão acuado, que
o desafio muito grande de dar conta de é difícil para ele verbalizar e registrar a
tudo que a gente tinha para colocar nele, denúncia. A perspectiva da construção
poder divulgá-lo bem e todo professor desse link, desse site foi de poder dar
pudesse estar acessando-o. E, a partir voz a ele, e o link tem uma segurança de
dele, fazer as denúncias, que era extre- que esse formulário que ele preenche se
mamente importante de estar no site. A mantem em sigilo porque é encaminha-
gente queria colocar dentro do site as do diretamente para a assessoria jurídi-
informações sobre a Frente, o que sig- ca da entidade sindical que representa
nificava a Frente, como era composta, as a pessoa denunciante e tem todo o tra-
iniciativas que estavam sendo construí- balho de apoio e assessoria. Outra coisa
das, as orientações jurídicas e políticas interessante no site é a aba de projetos.
para as pessoas que estavam sendo ví- Você entrando nele, consegue ter acesso
timas de perseguição. A gente já estava a esse mapeamento que Raquel Dias e
avançando no mapeamento dos projetos Raquel Brandão falaram, dos projetos de
Escola sem Partido, então, a gente criou lei dos estados, municípios e do Distri-
um site que tinha uma aba de denúncia to Federal, que tem o mesmo teor do PL
que garantia o sigilo de informações. 7180. Acho que uma das grandes vitórias
Criamos uma comissão que pudesse tra- da Frente foram esse acompanhamento
tar dessas denúncias. e o arquivamento do PL na Câmara Fede-
Pensando na identidade visual que ral, embora a gente saiba que os estados
poderia construir para poder divulgar, e municípios continuam o ataque muito
a importância de fazer o relançamento tenso, a gente continua vivendo um mo-
do site. Já estava chegando em 2019 e a mento muito pesado de ataque brutal à
gente havia passado seis meses na refor- educação pública, à saúde pública, à au-
mulação do site, até que em 07 de junho tonomia universitária e docente. A gente
de 2019, fez o relançamento do novo site, precisa continuar mapeando e lutando.
com transmissão online nacional, foi um A Frente Nacional Escola sem Mor-
evento muito interessante, teve partici- daça, ao longo de 2018 e 2019, pela pró-
pação muito grande das diversas entida- pria atividade, pela própria dinâmica
des que compunham a Frente Nacional da Frente, de ser um momento muito
Escola sem Mordaça, frentes estaduais, importante de ataques e termos que de-
de apoiadores, esse novo site pode ser fender a educação pública que a gente

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 95 PALESTRA 6


acredita, a gente acabou realizando duas todas aquelas ações ajuizadas pela Ra-
plenárias e foram duas plenárias muito quel Dodge, que era na época Procura-
interessantes. A gente iria realizar o III dora Geral da República. A gente pensou
ENE, em abril de 2019, e tinha sido no II naquele momento também em partici-
ENE que tinha sido deliberada a criação par de uma ação que estava acontecen-
da Frente; então, no III ENE, a gente reali- do na ALERJ (Assembleia Legislativa do
zou uma plenária da Frente Nacional Es- Rio de Janeiro), da Frente Parlamentar
cola sem Mordaça, muito boa, com muita em Defesa da Educação Democrática
participação, que a gente pode trazer o do Rio de Janeiro, e pensamos e tira-
histórico da Frente, que tinha acumula- mos como encaminhamento na ANPEd
do de 2016 para 2018 na construção da de tentar reunir os casos e as sentenças
Frente. Foi um espaço muito bom, por- contrários aos PL que tinham peças nas
que a gente pode ouvir as frentes esta- questões de gênero e poder socializar no
duais, os desafios, as ações. Então, foi site da Frente, pois, naquele momento,
muito boa essa realização da plenária no pelas falas, havia várias denúncias de
III ENE, como se estivesse devolvendo o projetos de lei com a retirada do debate
que a gente tinha conseguido dar conta de gênero dentro da educação no ensino
do que havia sido deliberado em 2016. fundamental. Foi bastante interessante
Outra plenária muito boa que a gen- esse encaminhamento de que a Frente
te fez em 2019 foi na 39ª Reunião Anual pudesse acompanhar e colocar no site e
da ANPEd (Associação Nacional de Pós- dar maior visualização e uma denúncia
-Graduação e Pesquisa em Educação), maior.
da qual o ANDES-SN participou, na Uni- A Frente produziu muito material.
versidade Federal Fluminense (UFF), em No ano de 2020, a gente publicou pelo
Niterói, que reúne muitos pesquisadores ANDES-SN o terceiro volume da car-
da educação, professores, estudantes e tilha Projeto do Capital para a Educa-
foi um dia muito bom, a gente realizou ção: uma análise e ações de luta (AN-
uma reunião teve a participação de vá- DES-SN, 2020) e nesse terceiro volume
rias entidades, de várias universidades e trouxe um capítulo sobre Escola sem
a gente pode atualizar, fazer esse infor- Partido versus Escola sem Mordaça,
me da construção histórica da Frente. O dentre outros temas que estava trazen-
objetivo que a gente tinha era ampliar a do na cartilha, educação domiciliar, es-
participação na Frente Nacional e nas colas militarizadas, ensino a distância,
frentes estaduais, fortalecer os espaços a gente construiu um volume que abre
nacionalmente, nos estados e municí- cartilha fazendo no primeiro capitulo
pios. A gente conseguiu construir essa essa discussão, essa atualização. Outra
perspectiva do fortalecimento que pu- produção também muito interessante
desse trazer mais subsídios para pensar. que trouxe elementos para munir nos-
Nesse dia, pensando na perspectiva sa luta foi na perspectiva da construção
de se contrapor aos projetos de lei ins- da cartilha de orientação jurídica, que
pirados no Escola sem Partido, a gente foi muito bem divulgada e utilizada, que
pensou em se tornar Amicus Curie no está disponível no site, inclusive, e to-
Superior Tribunal Federal, vinculado a dos nós podemos acessar e é mais uma

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 96 PALESTRA 6


munição para nossa luta. Também o timento de qualidade tanto na educação,
mapeamento dos projetos por estado e na saúde, barrar a reforma administrati-
o conteúdo desses projetos, também foi va, esse projeto, essa PEC 32, que é mais
uma pesquisa, um levantamento muito uma ameaça que acaba fortalecendo
importante que também está disponível essa perspectiva do Escola COM Morda-
no site e pode fazer uso dele. ça. É muito importante a luta na Frente
Para finalizar, a Frente traz a pers- Nacional Escola sem Mordaça, mas a
pectiva de resistência tanto na arena po- construção, reconstrução, manuten-
lítica, arena jurídica, arena teórica, midi- ção dessas frentes estaduais, temos que
ática, porque ela traz vencer esse momento
todas as informações, que a gente está vi-
ela agrega, tem o site, A Frente traz a perspectiva vendo com muita for-
é importante acessar ça e unidade.
o site, é importante de resistência tanto na Quero agradecer
alimentar o site, por- muito a oportunidade
que é um dos espaços arena política, arena de estar aqui, espero
para derrotar esse ter contribuído, tentei
avanço obscuran- jurídica, arena teórica, trazer o histórico da
tista contra a escola, Frente e como a gen-
contra a ciência, con- midiática. te consegue realmen-
tra o conhecimento, te, a partir da Frente,
contra o professor e construir a resistên-
a professora, contra os estudante, nos- cia, que a gente precisa cada vez mais
sos direitos sociais e democráticos, o fortalecer. Obrigada a todos!
quanto cada vez mais, pela conjuntura
que a gente vive, o quanto é importan- REFERENCIAS
te fortalecer essa luta e essa defesa de
uma escola pública, gratuita, laica, crí- ANDES-SN. Projeto do capital para a
tica, democrática, socialmente referen- educação: análise e ações para a luta.
ciada, e juntar a essa luta a necessidade V. 3. 2020. Disponível em: https://issuu.
de derrotar a Emenda Constitucional 95, com/andessn/docs/cartilha_gtpe_
que tira qualquer perspectiva de inves- vol03_–_web. Acesso em: 18/02/2022.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 97 PALESTRA 6


PALESTRA 7

EBLIN FA R A G E

APONTAMENTOS SOBRE O
PROJETO DO CAPITAL PARA
A EDUCAÇÃO NO BRASIL
Eblin Farage — Assistente Social, mestre em Serviço Social pelo PPGSS-UFRJ, doutora em Serviço Social pelo PPGSS
da UERJ, atualmente é professora associada da Escola de Serviço Social da UFF, membro do Programa de Pós-Gra-
duação em Serviço Social e Desenvolvimento Regional da UFF, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas
sobre Favelas e Espaços Populares (NEPFE), ex-presidente do ANDES-SN (gestão 2016-2018) e ex-secretária geral do
ANDES-SN (gestão 2018-2020).

Minha tarefa nesta mesa, com as seu desenvolvimento ocorreu de forma


queridas Raquel Dias e Maria de La Luz, tardia, por conta da particularidade de
é trazer alguns elementos gerais para nossa colonização portuguesa e da ca-
pensar a educação na América Latina, racterística de exploração. Muito tar-
com enfoque na particularidade do Bra- diamente, as universidades começam a
sil, dando ênfase ao que há de comum ser organizadas no Brasil, as primeiras
nesses projetos de educação. A primei- faculdades só principiam com a vinda
ra questão é identificar que, apesar de da família real. Então, as marcas de um
haver a mesma base no projeto de edu- país colonizado, escravocrata, acabam
cação superior no conjunto da América permeando a realidade e estruturando
Latina, em cada país, dada a sua parti- a política educacional brasileira, que é
cularidade, esse processo se desenvol- marcada por uma perspectiva elitizada.
ve com diferenças. É muito importante, Em nossa particularidade, preservamos
como dizia Florestan Fernandes, que esses traços que, de alguma maneira,
se “considere a particularidade de cada são gerais da América Latina, mas tam-
­realidade”. bém desenvolvemos, a partir da nossa
Quando pensamos o Brasil no con- realidade, traços específicos da educa-
texto da América Latina, apesar de so- ção superior no Brasil.
frermos a mesma influência europeia A primeira questão é que, dada a
de educação superior, em nosso país, dimensão continental do Brasil, a edu-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 98 PALESTRA 7


cação superior não se desenvolve com e espalhada pelo território. Porém, há de
o mesmo modelo que ocorre na maior se registrar a fundamental diferença en-
parte da América Latina, o de universi- tre o setor público e o privado da educa-
dades nacionais. Esse modelo de gran- ção superior no país. Por conta, inclusi-
des universidades, grandes mesmo, com ve, de nossa legislação, as universidades
cem mil alunos, cento e vinte mil alu- são aquelas baseadas no tripé ensino,
nos, chamado de universidades nacio- pesquisa e extensão, com um conjunto
nais, tornou-se muito presente na maior de cursos de graduação e pós-gradua-
parte dos países da América Latina, e ção que desenvolve ciência, com aten-
até hoje, é preservado. Esse modelo não dimento gratuito. Já na maior parte do
perseverou no Brasil, apesar de ter sido ensino superior privado, a organização
tentado, por exemplo, com a atualmen- é de faculdades e instituições isoladas,
te, denominada Universidade Federal do que não necessariamente desenvolvem
Rio de Janeiro (UFRJ) que, em determi- o tripé do ensino, pesquisa e extensão.
nado momento, foi a Esse é um dos impor-
Universidade do Bra- tantes elementos da
sil. Esse modelo não nossa crítica à expan-
se manteve, e a ca- As marcas de um país são do ensino priva-
racterística do nosso do no Brasil, porque
sistema educacional colonizado, escravocrata, promoveu uma re-
superior conformou- dução da formação
-se em uma estrutu- acabam permeando a a apenas umas das
ra diluída, espalhada dimensões da educa-
pelos estados brasi-
realidade e estruturando ção superior, que é o
leiros. Até em razão
dessa fragmentação,
a política educacional ensino, ou seja, a gra-
duação. E nós enten-
existem diferenças
extremas entre os
brasileira. demos que a forma-
ção acadêmica deve
estados e regiões do ser construída sobre
país na distribuição os três eixos do tripé,
das instituições de ensino públicas, com por isso, sustentamos a defesa da uni-
grande concentração no Sudeste. versidade pública a partir da articulação
Com o desenvolvimento da iniciativa entre ensino, pesquisa e extensão.
privada e o gradativo avanço do projeto Outro ponto comum ao conjunto da
do capital para a educação, evidencia- América Latina é a influência inicial-
-se a estrutura privatista para a educa- mente europeia e mais tarde norte-a-
ção. Hoje, a educação superior no Brasil mericana, do qual é expressão a recente
é amplamente dominada pela iniciativa proposta de contrarreforma da educa-
privada, que se espalha por todo o país. ção superior no Brasil, denominada Fu-
Quando comparadas, temos a educação ture-se. Um fio condutor do projeto de
pública superior, concentrada e com me- uma educação colonizada é a referência
nor abrangência, enquanto a educação retórica da necessidade de desenvolvi-
privada superior é absolutamente ampla mento dos países de capitalismo tardio.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 99 PALESTRA 7


Então, em nome de uma suposta tenta- sil. Como exemplo, gosto de citar o meu
tiva, de um discurso, de garantir de de- curso. Sou professora da Escola de Ser-
senvolvimento que consiga equiparar viço Social da UFF, eu me formei nessa
esses países aos de capitalismo avan- mesma universidade, quando o curso
çado, impõe-se o modelo de educação tinha mais de 5.000 horas, no final de
superior pensado pelos organismos dos década de 1990. Hoje, o curso em que
países de capitalismo central. Por que eu formei tem apenas cerca de 3.200 ho-
estou chamando atenção para o fato de ras. Assim, explicita-se a pressão sobre
ser esse um ‘discurso’? Porque na verda- os processos de reestruturação, com o
de sabemos que é ideológico, uma retó- objetivo de uma formação mais aligeira-
rica, já que o projeto de educação do ca- da, baseada na redução da carga horária
pital para o conjunto da América Latina dos projetos políticos pedagógicos (PPP)
está muito explicitado nos documentos dos cursos de graduação e também de
dos organismos internacionais, ou como pós-graduação.
a professora Kátia Lima denomina, nos No Brasil, já tivemos formação de
escritos dos ‘organis- doutorado com seis
mos coletivos do capi- anos, formação em
tal’, particularmente: mestrado com quatro
Organização Mundial Impõe-se o modelo de anos. Agora, o douto-
do Comércio (OMC), rado é de quatro anos
Fundo Monetário In- educação superior pensado e o mestrado de dois
ternacional (FMI), anos, e já começam
Banco Mundial (BM),
pelos organismos dos experiências de pós-
etc. Essas instituições
pensam a educação
países de capitalismo -graduação em ní-
vel de mestrado com
para a América Lati-
na e a ideia é sempre
central. um ano e oito meses.
Movimentos que bus-
uma educação padro- cam, cada vez mais,
nizada, que desconsi- aligeirar a formação,
dera as particularidades tão relevantes diminuir os currículos e certificar em
em qualquer análise. Que educação é larga escala. Esse é o grande objetivo,
essa e que projeto é esse de educação? quanto mais o país certifica, mais nos
Primeiro, um projeto de educação ali- termos do capitalismo internacional, vai
geirado e com uma formação que busca demonstrando que está se desenvolven-
ser em larga escala, que se estrutura so- do. Não é à toa que se cria o Índice de De-
bre dois elementos centrais, comuns ao senvolvimento Humano (IDH).
conjunto da América Latina, que são: 1) O que é o IDH? Quando analisamos a
currículos formativos mínimos e 2) ava- história do IDH, quando surge, quais os
liação padronizada. elementos considerados na metrificação
O primeiro elemento, a redução dos do IDH, identificamos que a educação é
currículos básicos da formação na gra- uma desses elementos. Mas a única coi-
duação, é visível, ao se analisar as mu- sa que o IDH considera da educação é
danças dos cursos de graduação no Bra- o número de certificações e o acesso à

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 100 PALESTRA 7


certificação, ou seja, desconsidera quali- cidade de um país continental como o
dade e processualidade. Esse modelo de Brasil e também a particularidade regio-
educação aligeirada, que diminui currí- nal. Pensar que uma mesma prova, apli-
culos e busca certificação em larga es- cada de norte a sul, deve aferir o conte-
cala acaba tornando-se uma imposição údo, o conhecimento, e desconsiderar a
ao conjunto de países da América Latina, realidade dos estudantes e seus proces-
parte da Europa e se espalha na América sos de ensino-aprendizagem, é uma pa-
Latina em uma perspectiva, ainda pior, dronização que busca a massificação da
de aligeirar currículos, que foi denomi- educação.
nado de processo de Bolonha. No Brasil, Este modelo de educação é denomi-
temos essa experiência na UNILAB, uma nado pelo Banco Mundial de “educação
universidade federal que fica dividida terciária”. É nesse projeto de educação,
entre dois estados, Ceará e Bahia, e que do capital para a América Latina, que en-
se organiza com o chamado ciclo básico tra o elemento da educação como mer-
da formação. Em dois cadoria. Gradativa-
anos, o estudante mente, e em especial
sai com um diploma pelo marco da Orga-
genérico, que conta A redução dos currículos nização Mundial do
para o IDH e para me- Comércio, denomi-
lhorar os índices do básicos da formação na nar a educação como
país, mas não neces- um serviço impulsio-
sariamente para me-
graduação, é visível, ao se na sua venda e sua
lhorar a condição de
vida dos sujeitos ou
analisar as mudanças dos dimensão sob a lógica
de mercadoria. Inten-
para aumentar a pos-
sibilidade de acesso
cursos de graduação no sifica a importante
disputa pelo próprio
ao mercado de traba-
lho com q­ ualidade.
Brasil. caráter da educação.
O que é educação? É
Outro elemento uma mercadoria, que
comum desse projeto pode ser vendida em
de educação para a América Latina são qualquer esquina, ou é um bem social,
as avaliações padronizadas. A imposição um direito social que deve ser garanti-
de um modelo que provocou reivindica- do ao conjunto da população? Esse é um
ções na América Latina, em especial, na elemento importante e que marca o con-
educação básica, como a “provinha Bra- junto da América Latina à medida que a
sil” ou como é o próprio ENEM, ou seja, educação mercantilizada se amplia.
provas de acesso a um nível da educa- Ao analisar a experiência do Brasil,
ção, ou provas para medir a qualidade identificamos como é drástica a transfor-
da educação que são padronizadas, que mação que sofremos. Durante a ditadura
desconsideram aquilo que nós avalia- empresarial-militar, na década de 1970,
mos como sendo uma das essências da tínhamos uma educação superior que
educação, que é sua dimensão dialógica, era cerca de 80% pública e 20% privada.
considerando a diversidade e a multipli- Já os dados do último censo educacional

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 101 PALESTRA 7


no Brasil, de 2019, mostram justamente o será o impacto do projeto do capital para
contrário. O número de vagas da inicia- o conjunto da América Latina, após esse
tiva privada ultrapassou os 80%, ou seja, grande balão de ensaio que se tornou o
cresceu muito. Neste processo de mer- ensino remoto emergencial, imposto pe-
cantilização e privatização, o aligeira- las condições da pandemia.
mento é um elemento importante, afinal É muito importante refletir sobre os
quem quer ou pode pagar por cursos lon- vários ‘tentáculos’ do projeto do capital
gos? No Brasil, a maior parte das pessoas para reestruturar a educação. Flores-
que pagam faculdade privada, não neces- tan Fernandes, quando analisava a edu-
sariamente são quem tem dinheiro. As cação brasileira, dizia que a burguesia
classes populares acabam por se inserir nacional era tão subserviente ao capital
nas faculdades privadas porque o acesso internacional, que não conseguiu sequer
à universidade pública ainda é difícil, não fazer uma contrarreforma da educação
é universal, tem barreiras, e é meritocrá- que interessasse ao capital. No Brasil,
tico. O acesso à iniciativa privada impõe nem mesmo uma verdadeira contrar-
uma educação aligei- reforma para aten-
rada, e na maior parte der os interesses do
das experiências, re- Quanto mais o país capital, foi efetivada,
duzida a apenas uma e ainda assim temos
dimensão da forma- certifica, mais, nos um estrago. Esse é
ção, que é o ensino. um elemento impor-
Não há o desenvolvi-
termos do capitalismo tante quando pensa-
mento do tripé ensi-
no-pesquisa-exten-
internacional, vai mos a educação. Para
nós que estamos vi-
são, é uma formação
em larga escala.
demonstrando que está se vendo esse momento,
é ainda mais necessá-
Nesse processo de
certificação em larga
desenvolvendo. rio refletir que o pro-
jeto do capital para
escala da iniciativa educação na América
privada, um elemento, que no contexto da Latina não significa apenas um projeto
pandemia da covid-19, ganhou drástica ‘de fora para dentro’, há interesses inter-
relevância, foi a modalidade de educação nos. É necessário identificar o grau de
à distância. Essa modalidade hoje está na adesão da burguesia nacional, o grau de
iniciativa privada e no setor público, mas adesão dos setores nacionais ao projeto
sua difusão e impacto são muito maiores de uma educação mercantilizada, su-
na iniciativa privada. Segundo os dados balternizada, alienante, aligeirada. So-
do último censo de 2020, com dados de mente fazendo a leitura desse conjunto
2019, portanto, de antes da pandemia, de fatores conseguiremos compreender
a educação à distância cresceu 45% no o que vivemos hoje dentro das nossas
Brasil, enquanto a educação presencial ­universidades.
reduziu em 5%. Isso ocorreu antes da Algumas perguntas pode nos auxiliar
pandemia, imaginemos, ou aguardemos a fazer a reflexão sobre o cenário atual.
os dados do próximo censo revelar, o que Será que quando for possível retornar

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 102 PALESTRA 7


100% presencialmente toda a comuni- e dando substância não só para que ela
dade acadêmica vai de fato querer re- continue buscando lucro e se aproprian-
tornar? Será que uma parte das nossas do da riqueza socialmente produzida,
comunidades acadêmicas não viu tam- como também possibilitando a apropria-
bém no ensino remoto emergencial uma ção privada do fundo público.
possibilidade de fazer educação? Vejam, É importante identificar esses ele-
muito diferente do que o governo Bol- mentos que estruturam a educação supe-
sonaro diz que nós somos, um antro de rior na América Latina e, ao mesmo tem-
comunistas, nas universidades públicas po, identificá-los, impregnados em nosso
brasileiras há uma enorme capilarida- país e em nossas universidades. A inten-
de do projeto da educação mercadoria. sidade da absorção desses elementos tem
Gostaria muito que o Bolsonaro tivesse relação inversa com a defesa de um pro-
razão pelos menos nisso, mas nem nis- jeto antagônico, um projeto contra-hege-
so ele tem razão, na verdade, dentro das mônico que é o projeto de educação que
nossas universidades também existem nós, do movimento docente, construímos
os projetos antagôni- e defendemos, uma
cos em disputa. educação pública,
Um dos exemplos gratuita, laica e social-
de adesão subalter- Nesse projeto de educação, mente referenciada,
nizada ao projeto do antirracista, antima-
capital é o Future-se. do capital para a América chista, antissexista,
Um projeto que de- anticapacitista, antiL-
monstra a ineficiên- Latina, que entra o GBTfóbica. Esta edu-
cia do governo em cação que defende-
conhecer a realidade
elemento da educação mos não interessa ao
nacional e entender
que a burguesia na-
como mercadoria. capital. Para o capi-
tal, interessa apenas
cional não tem se- a subordinação da
quer o desejo de ter o classe trabalhadora
mínimo de investimento em ciência, tec- e não uma educação que contribua para
nologia e educação, como avidamente o a emancipação humana, nos termos que
deseja uma parte da burguesia europeia Marx aponta. Para o capital, pessoas apas-
e norte-americana. Os empresários na- sivadas serão mais subservientes a sua
cionais não querem dar nome a prédio ordem e vão, inclusive, por um processo
em nossas universidades, as empresas ideológico, ‘sonhar’ que é possível ser pa-
não querem investir em ciência e tec- trão de si mesmo, como o neoliberalismo
nologia porque o Estado subserviente à e as transformações no mundo do traba-
burguesia nacional faz esse investimen- lho apontam. Um processo material e ide-
to. Então, o projeto do Future-se, que se- ológico que estamos vivendo no mundo
guiu um modelo norte americano, não todo, com o impacto devastador em países
tem possibilidade de sucesso no Brasil. capitalismo tardio como o Brasil.
O que a burguesia sanguessuga quer, de Hoje está em jogo reafirmar o proje-
fato, é que o Estado continue produzindo to de educação contra-hegemônico que

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 103 PALESTRA 7


nós defendemos e pontuar que existem O terceiro elemento central, no con-
questões centrais. Primeiro, pensar que junto da América Latina, é uma necessá-
a defesa de um projeto de educação su- ria e profunda articulação com o conjunto
perior no Brasil, no mundo e no conjunto da sociedade. Isso porque a educação pú-
de países da América Latina, passa por blica não pode ser uma defesa só nossa –
articulações entre educação superior daqueles e daquelas que estamos na edu-
e educação básica. Devemos superar a cação superior –, mas sim uma defesa do
separação entre os níveis de educação conjunto da sociedade. O quarto elemento
e construir uma luta conjunta, valori- é combater aquilo que para nós – defenso-
zando a formação humana, que deve ser res da educação como direito –, foi emer-
concebida de forma integral. Portanto, gencial, mas que certamente o capital vai
todos os segmentos e etapas da nossa querer tornar permanente na educação
formação têm que ser construídos de da América Latina, que é o ensino remoto
forma coletiva. Nesse sentido, a articula- emergencial. Não é à toa, que no caso do
ção entre educação superior e básica me Brasil, o governo já se adiantou e formu-
parece fundamental. lou um projeto chamado REÚNE DIGITAL,
O segundo ele- que prevê, entre ou-
mento, ao qual no tras coisas, a revoga-
Brasil estamos atra- É muito importante refletir ção do decreto que re-
sados, é a luta pelo gulamenta a educação
acesso educacional sobre os vários ‘tentáculos’ à distância. Segundo o
universal no ensino projeto do REÚNE DI-
público superior. Nin- do projeto do capital para GITAL, do atual gover-
guém vai deixar uma no federal, a educação
escola pública fechar reestruturar a educação. à distância não será
ou um posto de saú- mais uma modalidade
de fechar porque es- e sim a educação.
ses equipamentos fazem sentido na vida O governo ficou ‘animado’ com a ideia
da maior parte da população. Dentre as de continuarmos a trabalhar em casa e
poucas áreas com acesso quase univer- transferir para nós e os nossos salários,
sal, mesmo com a notória precariedade os gastos com a conta de luz, a responsa-
em que existem no Brasil, estão a educa- bilidade por montar e manter a estrutura
ção e a saúde básica. A educação superior para dar aulas, em suma, para garantir
não é universal, e não faz sentido no coti- o trabalho. O governo gostou de ter tido
diano de muitos brasileiros. Assim, nem evasão de estudantes do ensino superior
sempre a população consegue identificar público, pois reduziu custos, fortaleceu
o sentido de defender algo que, aparen- a iniciativa privada na educação e, prin-
temente – e talvez concretamente –, não cipalmente, consolidou a opção por uma
lhe diga respeito diretamente, porque educação aligeirada, superficial e com
nem sempre é possível compreender os rebaixamento dos conteúdos. Forma esta
nexos entre o que produzimos na univer- de educação que interessa ao domínio
sidade e o que afeta a vida cotidiana de cultural e ideológico que a extrema direi-
trabalhadores e trabalhadoras. ta quer implantar no Brasil. É necessário

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 104 PALESTRA 7


desafiar-nos a pensar o que queremos Por fim, parece que temos como desa-
para a educação no conjunto da América fios, nesse momento de nossa conjuntu-
Latina, considerando um projeto que in- ra, pensar quem é a classe trabalhadora
teresse a classe trabalhadora e, portanto, hoje e qual é a demanda que vem de nos-
absolutamente antagônico ao que vem sa classe para impulsionar a educação
sendo desenvolvido até agora. Ou seja, pública superior. Como terceiro desafio,
uma educação em que desenvolvamos pensar que a educação não deve ser en-
nossas capacidades de pensar, identificar tendida apenas como mercadoria para o
e saber ler a realidade, de saber qual é o capital, isso é insuficiente diante do pro-
projeto do capital para os países de capi- jeto da extrema direita se continuarmos
talismo tardio como o Brasil. Países que a fazer as análises pensando apenas na
estão sofrendo reestruturação do mundo educação como mercadoria que vai ser
do trabalho que, sequer, vendida, temos ape-
demanda hoje uma qua- nas a parcialidade
lificação profissional.
Hoje está em jogo reafirmar do problema.
Porque para ser Uber,
para trabalhar como
o projeto de educação Uma das gran-
des questões é vis-
‘patrão de si mesmo’,
para não ter carteira de
contra-hegemônico que lumbrar o cenário
em sua totalidade,
trabalho assinada, não
precisa de muita forma-
nós defendemos e pontuar identificando que a
educação, no pro-
ção profissional.
No modelo educa-
que existem questões jeto da extrema di-
reita, é assumida
cional defendido pela centrais. como elemento de
extrema direita, há um alienação, por isso,
processo de descarte, os projetos de es-
não só da ciência, como a gente identifi- cola sem partido, por isso, as tentativas
ca que esse governo está fazendo, mas da de aprovar os projetos de educação do-
própria formação humana, porque o que miciliar. Então, o elemento estruturante
de fato se pretende é a subserviência da na política que defendem é o projeto da
população. Uma educação crítica nos aju- alienação, que no Brasil se articula ao
da a pensar e ler o mundo, como dizia Pau- projeto da extrema direita com traços
lo Freire, “para além de ler as palavras”, fascistas, fundamentalistas e milicianos.
porque para ler o mundo, segundo Paulo A educação que nós defendemos para
Freire, nem é necessário ler as palavras. a América Latina tem que ser capaz de
Esta é a educação que nos ajuda a pensar, e contribuir para combater o projeto de
ela não interessa ao governo e aos empre- devastação e desumanização que a ex-
sários. Por isso, é muito importante que trema direita tem intensificado, no Bra-
nós, ao debatermos a educação superior sil, a partir do governo Bolsonaro. Para
nesse país, sejamos capazes de analisar- isso, é necessário organização coletiva e
mos o mundo do trabalho para avançar no a construção de um projeto que interes-
diálogo com a sociedade na busca de apoio se a classe trabalhadora. Obrigada e va-
e construção coletiva do projeto. mos ao debate.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 105 PALESTRA 7


PALESTRA 8

ESCOLA SEM PARTIDO


OU IMPOSIÇÃO DO
PENSAMENTO ÚNICO?
CRIMINALIZAÇÃO DOS(AS)
ÃO
QU
RA

EL ND RA PROFESSORES(AS) E
ARA B
ÚJO M O N T EIR O
RESISTÊNCIAS EM TEMPOS
DE CERCEAMENTO
DAS LIBERDADES
DEMOCRÁTICAS
Raquel Araújo Monteiro Brandão — Professora de Sociologia da rede estadual do Ceará. Doutoranda e mestre em
Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Bom dia a todos e todas! Nós sauda- rem na sociedade. O estranhamento é o


mos aos participantes do FIPED. Sau- espanto e não considerar normal, nem
damos ainda, a professora Raquel Dias, natural os acontecimentos e as ações
uma batalhadora incansável da educação sociais. Conceber a desnaturalização
pública, de qualidade, socialmente refe- é partir da noção de construção social
renciada e que vem lutando, incansavel- da realidade, da historicidade de fatos,
mente, contra o Escola sem Partido. Sau- é compreender que a realidade social é
damos também a professora ­Elizabeth produto de decisões e é também parte
Barbosa, que tivemos a grata satisfação dos interesses coletivos e individuais.
de conhecer em julho desse ano (2021), Nesse sentido, um dos primeiros as-
por ocasião de uma entrevista realizada pectos que é necessário problematizar
para nossa pesquisa! Saudamos e para- referente ao Escola sem Partido (EsP), é a
benizamos também aos organizadores terminologia – Escola sem Partido, com
desse evento acadêmico e político, cujo bastantes pontos de interrogações. O
tema é “Ciência como fronteira para que é isso? Escola sem Partido? Para que
a resistência democrática”. Saudamos e para quem, Escola sem Partido? O que
também ao professor Roberto e a Dedia- essa expressão “sem partido” denota? É
ne, que está no apoio desta mesa! um tema bem chamativo, aparentemen-
Um dos primeiros exercícios que a te, evoca neutralidade e tenta afastar de
gente aprende no curso de Ciências So- si algo socialmente considerado ruim e
ciais é o estranhamento e a desnatura- nocivo, a política, ou melhor, a deturpa-
lização dos fenômenos sociais que ocor- ção da política, que seria a politicagem, a

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 106 PALESTRA 8


ação de políticos profissionais como te- idênticas às que encontramos no modelo
mos visto na conjuntura atual brasileira. americano. Qual a agenda do EsP? (Vou
Abrir um parêntese para falar da ques- adiantar porque a professora Raquel já
tão dos precatórios dos professores com falou e explicou muito bem). Seria a des-
orçamento secreto de mais de 1 bilhão contaminação e desmonopolização polí-
de reais para comprar deputados sob o tica das escolas e o EsP reivindica isso,
pretexto do Programa Auxílio Brasil, por uma escola neutra. Segundo o EsP, esses
exemplo. seriam alguns problemas da educação:
Adotando essa postura sociológi- militância político-partidária dos pro-
ca, a gente indagou desde o início da fessores, discussão sobre sexualidade
nossa pesquisa, era algo que nos inco- e discussões sobre gênero. Analisando
modava, o título “Escola sem Partido”. A os documentos, os PL (projetos de lei), o
gente começou a investigar a origem, o site, as falas, os discursos, as audiências
nascimento e os verdadeiros idealizado- públicas parece que todos os problemas
res de uma escola tal qual apresentada educacionais brasileiros são esses, se-
pelo Escola sem Par- gundo a ótica do Es-
tido. Inicialmente, cola sem Partido.
nos movíamos pela O Escola sem Par-
ideia de que a política O que é isso? Escola sem tido vai reivindicar
e os projetos educa- (in)justamente a ideia
cionais no Brasil não Partido? Para que e para de que o professor
são originais, eles são não pode ter partido
oriundos de ideias de quem, Escola sem Partido? político, é como se
fora, outsiders, estra- fosse um crime; ali-
nhos, diferentes das O que essa expressão “sem ás, os professores são
nossas. Muitas vezes, taxados abertamen-
com algumas adap- partido” denota? te de doutrinadores,
tações ou mesmo co- assediadores e estu-
piados literalmente. pradores ideológicos
Então, o Escola sem Partido não é, como de crianças e adolescentes. É como se os
a professora Raquel Dias mencionou an- docentes sequer pudessem ser filiados a
teriormente, um projeto essencialmente partidos políticos, mas a gente sabe que
brasileiro, ele surge nos Estados Unidos, filiar-se a partido político é direito políti-
na Europa, vem para a América do Sul, co garantido constitucionalmente, como
então, ele não é um projeto brasileiro. também a liberdade de expressão e a li-
Ele é importado desse “Não doutrinação” berdade de ensino.
e de outras experiências similares con- O Escola sem Partido vai (in)justa-
servadoras e reacionárias que propa- mente reivindicar que alunos e profes-
gam a ideia de que as escolas doutrinam sores não se interessem e discutam po-
política e ideologicamente os alunos. A lítica, é como se fosse um pecado, uma
análise desses sites nos faz concluir que aberração pensar, discutir fazer política
todas as propostas colocadas pelo Es- no âmbito escolar. Mas tem uma ques-
cola sem Partido são copiadas, iguais, tão que não é tocada, que o sentido real e

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 107 PALESTRA 8


verdadeiro do que é política, que é o as- ideologia promovida pelos professores.
pecto de pensar na coletividade, no bem Essa ofensiva gera um clima muito ruim
comum, na resolução dos problemas co- na escola, um clima tenso de vigilância,
letivos. A gente encontrou durante a pes- suspeição, denúncia e punição do traba-
quisa várias falas que nos levam a pensar lho docente, incluindo os alunos nessa
dessa forma. Aquele movimento dos es- questão toda, para eles se colocarem, se
tudantes secundaristas, em 2016, é visto contrapor aos professores da pior forma
como balbúrdia, e o deputado Eduar­do possível. De fato, nosso trabalho está sob
Bolsonaro chegou a falar isso na Câma- fogo cruzado.
ra dos Deputados, que era baderna, bal- Na nossa tese, a gente vai exemplifi-
búrdia, o movimento estudantil. Nesse car vários casos que ocorreram no Bra-
ínterim, também, [fa- sil, como o daquela
lou que] os direitos professora de Curi-
humanos são só para tiba, que utilizou o
malandros e deve- O Escola sem Partido vai funk Baile de Fave-
riam ser garantidos la para trabalhar as
apenas para huma-
(in)justamente reivindicar questões de Marx em
nos que são “direi-
tos” ou aqueles que
que alunos e professores sala de aula, na dis-
ciplina de Sociologia;
andam na linha, aos
homens não direitos
não se interessem e também a gente traz
uma entrevista na
deveriam ser reser-
vados os piores tra-
discutam política, é como nossa pesquisa com o
professor Euclides de
tamentos possíveis,
como a pena de mor-
se fosse um pecado, uma Agrela, aqui do Ceará,
que, em sala de aula,
te, por exemplo. aberração pensar, discutir também foi gravado e
De fato, como a suas falas foram joga-
professora Raquel fazer política no âmbito das nas redes sociais
Dias mencionou an- de forma totalmente
teriormente, nós es- escolar. deturpadas. A gente
tamos vivenciando na vai exemplificando e
conjuntura brasileira mostrando esses ca-
essa criminalização sos de criminaliza-
do trabalho docente. No site do Esco- ção, por exemplo, com os representantes
la sem Partido, nós encontramos esses do legislativo que entram nas escolas,
itens, denominados “Flagrando o dou- com a ideia de pressionar e fiscalizar as
trinador” e “Planeje sua denúncia”. Sim, escolas e, ainda, colocam como se fosse o
porque os PL Escola sem Partido preve- cumprimento do dever deles. São vários
em pena de multa aos professores e um termos, inclusive de baixo calão que são
modelo de Notificação Extrajudicial, que usados contra o professor no contexto
seria um documento elaborado preli- desse Escola sem Partido.
minarmente para os pais, para as famí- Na nossa pesquisa, usamos muito as
lias que se sentirem atentadas, contra a redes sociais, o Facebook, as páginas do

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 108 PALESTRA 8


Escola sem Partido e, também, a gen- processos administrativos, afastamen-
te analisava os comentários realizados tos de docentes e até exoneração, nós
por usuários das redes e a gente elencou tivemos conhecimento de alguns casos.
vários termos pejorativos destinados Qual seria o modus operandi do Es-
aos professores. A liberdade de ensinar, cola sem Partido? Eles atacam sistema-
direito constitucional, é desrespeitado ticamente a escola pública de gestão pú-
abertamente pelo Escola sem Partido, blica. A gente gosta de ressaltar isso. Eles
logo, atingiu frontalmente o ato edu- afirmam reiteradamente que a escola vai
cativo, a construção e socialização de mal, que não apresenta resultados satis-
saberes e conhecimentos científicos, a fatórios, que no ranking internacional
principal função social da escola públi- do Pisa, a educação brasileira ocupa po-
ca. Há uma aberta e aguda criminaliza- sição desprivilegiada, que os alunos vão
ção do trabalho docente, devido a isso, muito mal em língua portuguesa e mate-
muitos professores recuam, ficam silen- mática, que a gestão escolar é péssima,
ciados, com medo da perseguição aca- que os professores não têm formação
bam praticando o que a gente chama de adequada e que agem como proselitistas
autocensura, evitan- no exercício do seu
do trabalhar alguns trabalho. Eles trazem
conteúdos conside- à tona a crise escolar
rados nessa conjun- Nós estamos vivenciando tão propalada, disse-
tura como polêmicos, minada em décadas
como gênero, a pro-
na conjuntura brasileira anteriores, como um
fessora Raquel Dias já
mencionou, ditadura
essa criminalização do reagrupamento
estratégias utilizadas
de

civil-militar, nazis-
mo, racismo, o poder
trabalho docente. outrora pelos golpes
de poder para deto-
do Estado, a própria nar a escola publica
conjuntura política, a de gestão publica,
questão sanitária da Covid-19, as ques- eles reavivam o marxismo cultural, da
tões econômicas, a gente está com uma década de 1930, da Intentona Comunista,
inflação enorme, o retorno às atividades e depois, também, da ditadura civil-mili-
com segurança sanitária, justamente tar, da década de 1960, isso gera um pâ-
porque nessa época de pandemia acu- nico horrível, juntamente com a “ideolo-
saram de desocupados, de que eles não gia de gênero”.
querem retornar às suas atividades sim- Para não apontar os déficits reais e a
plesmente porque não querem. Então, as falta de investimento causados por eles
consequências dessa criminalização do mesmos, digo, legisladores do Brasil, tan-
trabalho docente são o adoecimento do to nos âmbitos federal, estaduais, muni-
corpo, do psicológico dos professores, cipais, resolvem culpabilizar os docentes
há professores que relatam ansiedade, pelos resultados escolares pífios, é um
depressão, síndrome do pânico e muito estratagema que cai como uma luva em
medo. Resulta também em desconto de um país, cuja desvalorização profissional
salário e em questões administrativas, da categoria é estratosférica e histórica.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 109 PALESTRA 8


Eles utilizam também Fake News, o falso foram disseminadas, especialmente,
moralismo, o fundamentalismo religioso. no contexto das eleições de 2018, que é
A gente está vendo agora falando sobre a questão do kit gay, não existe kit gay,
o Enem, questões de gênero e direitos é uma invenção, é uma Fake News, na
humanos, os técnicos do Inep que pedi- verdade, existe o Programa Escola sem
ram demissão às vésperas da realização Homofobia; “ideologia de gênero”; ma-
do Enem. Está em xeque princípios de- madeira erótica; a questão de que Jean
mocráticos como pluralidade religiosa, Wyllys iria obrigar casamento gay em
tolerância e diversidade sexual. Funda- igrejas; enfim, foram muitas Fake News,
mentalismo religioso detona o princípio que acabam tomando proporção, espaço
constitucional da laicidade do Estado em na realidade, na vida social. Falando em
nome de interesses espúrios. Muitas igre- censuras, a gente vai ter hoje no Brasil.
jas vão funcionar hoje Na nossa pesqui-
como novos espaços, sa, a gente conseguiu
como se fossem cur- ver uma série de cen-
rais eleitorais da atu- Resolvem culpabilizar os suras ao trabalho do-
alidade. Os cultos pas- cente, à produção do
saram a ter palanque docentes pelos resultados conhecimento cien-
de líderes religiosos; tífico. O Brasil é des-
agora, são os novos escolares pífios, é um taque no relatório
porta-vozes de parti- sobre perseguição a
dos e plataformas po- estratagema que cai universidades e aca-
líticas conservadoras dêmicos. Esse é um
e reacionárias. E aí a como uma luva em um relatório internacio-
questão do que eles nal. O próprio presi-
fazem: negacionismo, país, cuja desvalorização dente falou sobre o
anticientificismo, re-
visionismo histórico,
profissional da categoria é PNLD, que os livros
didáticos são cheios
propagação de mun-
do paralelo, teorias
estratosférica e histórica. de “muitas coisas” e
precisam ser revis-
da conspiração, pro- tos. E isso se aproxi-
dução da ignorância, ma muito do que está
algumas formas encontradas para disse- sendo proposta pela reforma do ensino
minar ideologias da extrema-direita. Isso médio e, nós, professores, estamos ven-
ganha corpo e status de verdade e traz do os livros didáticos que foram todos
consequências deletérias para a vida so- remodelados da pior forma possível. Te-
cial. Entrevistando a professora Elizabeth mos também a escolha dos reitores, dos
Barbosa, que é enfermeira, ela me relatou interventores das instituições de ensino
as principais consequências do desservi- superior. Nós vamos ter hackers inva-
ço que o Escola sem Partido presta para a dindo as aulas online. O próprio ministro
política de saúde no Brasil. da Educação vai dizer que nas universi-
Nós trouxemos algumas Fake News dades se faz balbúrdia e só tem maco-
relacionadas ao Escola sem Partido que nheiro. Tudo isso são amostras, exem-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 110 PALESTRA 8


plos de como se criminaliza a produção de think tanks, como o Instituto Liberal
do conhecimento no Brasil. e outros. Movimentos diversos pela pri-
Por que todo esse atentado contra a vatização da educação brasileira estão
educação? Segundo Gaudêncio Frigotto na ordem do dia. A história da educação
(2017, p. 18), “[...] as teses do Escola sem brasileira nos revela a disputas pelo fi-
Partido não podem ser entendidas nelas nanciamento das escolas públicas. O EsP
mesmas”. Estamos diante de uma cam- é uma das expressões fortes do neolibe-
panha interessada na educação pública. ralismo escolar. A teoria do capital hu-
A compreensão do Escola sem Partido mano serve de embasamento para fun-
perpassa a análise do conservadorismo damentar a importância de formação de
e o reacionarismo em escala mundial. recursos humanos. A gente vê toda uma
Devemos entender o Escola sem Parti- nova / velha linguagem na educação,
do relacionado às crises conjunturais e que é a questão da liberdade dos pais de
sistêmicas do neoliberalismo, do recru- escolher, os vouchers, os créditos fiscais,
descimento do conservadorismo, do Mo- as contas de poupança na educação, pri-
vimento de Reforma Global da Educação vatização. O neoliberalismo traz toda a
(FREITAS, 2018), da dominação imperia- cartilha de como elaborar políticas edu-
lista dos Estados Unidos que determina cacionais.
os modelos educacionais para países pe- Eu destaco quando o Miguel Nagib
riféricos, através dos organismos mul- postou no site sobre meritocracia, “Me-
tilaterais, como Banco Mundial, entre nos Marx, Mais Misses”, quando eles fa-
outros. Segundo Freitas (2018) e Adrião lam que lutam contra as ideologias nas
(2018), essas instituições usam as escolas escolas, na verdade, se é que existe uma,
para moldar o homem para o mercado. seria suplantada por essa ideologia mer-
Alguns autores chamam esse processo cadológica, por essa ideologia neolibe-
de “capitalização da educação”, “empre- ral. Então, falando sobre meritocracia,
sariamento da educação”, “neolibera- Miguel Nagib diz que, no discurso meri-
lismo escolar” e “processo de reforma tocrático, se um consegue, o outro tam-
global da educação”. Uma expressão dis- bém pode conseguir com resiliência, não
so é accountability com a transferência importa as condições habitacionais, não
direta dos resultados escolares gestores importa nada, se quiser, é só batalhar
e professores. A OMC reconhece a edu- para conseguir porque vivemos em uma
cação como um produto, a educação é democracia e “todos são livres e iguais”.
vista como um produto. A educação é um A ideia de que a gente está vendo hoje é
complexo social imprescindível para ge- do empreendedorismo de si mesmo, são
renciar a pobreza em favor da mundiali- novas formas de subjetivação e concor-
zação do capital. rência no mundo do trabalho. Essa ide-
Eu costumo chamar Escola COM ologia empregada é burguesa e esse dis-
partido por muitas questões que me fa- curso da liberdade só beneficia a elite. Eu
zem pensar dessa forma. Miguel Nagib, costumo dizer que o Escola COM Partido
criador, fundador desse movimento, de- está situado à direita ou à extrema-direi-
monstra essas relações de empresaria- ta do espectro político, ele integra uma
mento com a educação pública, através agenda reacionária da elite brasileira

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 111 PALESTRA 8


para a escola pública, ela é pauta do “cen- nhecimentos mínimos para a manuten-
trão”, da extrema-direita, de empresá- ção da sociedade e a não transformação
rios, dos institutos, dos thinks tanks, não de sua realidade social. Para a elite pros-
é a pauta dos educadores, não é a pauta perar, é preciso manter cabrestos e im-
dos que querem promover a emancipa- por suas próprias condições, como espo-
ção, a produção e divulgação do conheci- liação e exploração da força de trabalho,
mento científico. O ANDES-SN produziu usando a escola como fator de reprodu-
um material muito interessante, não sei ção social desse sistema.
se a professora Elizabeth vai mencionar Nesse sentido, a escola é doutrina-
na fala dela, o mapeamento desenvolvi- dora, sim, dos papéis que a burguesia
do de todos os PL traz, quais são os par- impõe. Na medida em que reivindica a
tidos que mais pensaram os projetos de neutralidade de professores, acabam
lei com esse teor do por suplantá-la pela
Escola sem Partido, e ideologia do merca-
a gente analisou esse
material e vimos que
Na verdade, não existe essa do, graças à mídia, à
ignorância da mas-
a maioria dos parti-
dos que protocolaram
história de doutrinação, sa, aos descalabros
da burguesia passam
projetos são da direita
ou da extrema-direita
de manipulação dos despercebidos ou,
muitas vezes, são re-
e sob esse manto da
pseudoneutralidade,
professores. É um projeto troalimentados por
quem sofre direta-
esconde a essência do de educação da direita mente as consequên-
objeto, pois, fala em cias da miséria, como
neutralidade, mas, na brasileira de escola pública, vimos no período
verdade, é para ca- eleitoral, “as pessoas
muflar o real objetivo que é voltado para a classe negras defendendo
de detonar a escola o candidato, as pes-
pública. trabalhadora. soas homossexuais,
Então, na verda- as pessoas pobres”,
de, não existe essa enfim. O poder legis-
história de doutrinação, de manipulação lativo, nos três níveis, comprou ferre-
dos professores. É um projeto de educa- nhamente essa proposta de tornar lei
ção da direita brasileira de escola públi- o Escola sem Partido e, por extensão, a
ca, que é voltado para a classe trabalha- disputa por um projeto de educação, de
dora. E dizer isso nos remete a uma série escola e de sociedade. É válido destacar
de significados que ultrapassam a edu- que muitos vereadores e deputados, em
cação, em relação se a própria estrutura 2018, foram eleitos com essa bandeira de
social cindida em classes, historicamen- uma escola neutra, não doutrinadora e
te, a escola é dualista. Por isso, os conhe- até com um discurso de ódio contra ne-
cimentos mínimos para a manutenção gros, mulheres e homossexuais.
da ordem e não a transformação de sua Para encerrar, o Escola sem Partido
realidade social. Por isso, destina os co- é uma cortina de fumaça para impedir

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 112 PALESTRA 8


a discussão das políticas educacionais de doutrinação, que são instituições que
imperativas no Brasil. Durante a nossa tem enorme reconhecimento no meio
pesquisa, fizemos esse exercício, de fi- científico e acadêmico. A reivindicação
carmos atentas as atividades legislati- é de a escola seja mera reprodutora dos
vas de defensores do Escola sem Parti- conteúdos e das desigualdades sociais
do. A gente usava muito as redes sociais, como forma de perpetuação das classes
acompanhava muito as redes sociais dominantes no poder.
desses que faziam apologia ao Escola Diferentemente do que dissemina
sem Partido para compreender a fala o Escola sem Partido, as escolas públi-
deles, o que eles defendiam em matéria cas no Brasil não são freirianas, quiçá,
de educação. Não vimos posicionamento fosse. Seria maravilhoso! Muitas ainda
a favor de melhores condições do traba- adotam a pedagogia tradicional, critica-
lho docente, tão pouco, a reivindicação da ostensivamente por Paulo Freire. Os
por melhoria nas estruturas escolares, métodos de ensino privilegiam a memo-
nenhum desses representantes do legis- rização, avaliação é somativa. Nessas
lativo apresentam e se colocam à dispo- escolas, as relações são verticalizadas,
sição para solucionar os problemas do os alunos são meros ouvintes passi-
sistema educacional brasileiro. Eles se vos, nos conteúdos transmitidos impe-
limitam a dizer que o problema da edu- ra ainda a educação bancária. Por fim,
cação brasileira é de ordem ideológica, trata-se de um programa, movimento,
é exatamente ai o imbróglio da questão, projeto na contramão da emancipação
que tem a ver com a temática do evento dos sujeitos educandos. Para a educa-
FIPED, ensinar, analisar, problematizar ção emancipadora, que tanto almeja-
as questões sociais e históricas e fazer a mos, é necessário lutar contra a farsa
ciência tão considerada perigosa e dou- da Escola COM Partido. Quero agrade-
trinadora. Falam em marxismo cultural, cer a todos! Obrigada!
em doutrinação das escolas, em pautas
conservadoras, mas a gente reitera, eles REFERÊNCIAS
não tocam nos aspectos problemáticos,
nas questões estruturais que atingem a ADRIÃO, Theresa. Dimensões e formas
educação pública. da privatização da educação no Brasil:
A propósito, a gestão Bolsonaro é caracterização a partir de mapeamen-
marcada pelo ataque à educação em to- to de produções nacionais e internacio-
das as modalidades e níveis com comple- nais. Currículo sem fronteiras, Rio de
to desmonte das políticas educacionais Janeiro, v. 18, n. 1, p. 8-28, 2018.
no Brasil. O ataque é desferido de modo
que não haja investimentos suficientes FREITAS, Luiz Carlos de. A reforma em-
para manutenção básica de instituições, presarial da educação: nova direita, ve-
como a Federal do Rio de Janeiro, por lhas ideias. São Paulo: Expressão Popu-
exemplo, que é considerada nas graças lar, 2018.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 113 PALESTRA 8


PALESTRA 9

ESCOLA SEM PARTIDO


OU IMPOSIÇÃO DO
PENSAMENTO ÚNICO?
CRIMINALIZALIZAÇÃO
DOS(AS)
RAQ ÚJ O PROFESSORES(AS) E
U EL DI A S A R A
RESISTÊNCIAS EM TEMPOS
DE CERCEAMENTO
DAS LIBERDADES
DEMOCRÁTICAS
Raquel Dias Araújo — Professora Associada do Centro de Educação da Universidade Estadual do Ceará (CED-UECE).
Doutora em Educação com Pós-Doutorado em História. Estuda e Pesquisa Política Educacional, Formação e Identi-
dade da(o) Pedagoga(o), Movimento Docente e Estudantil. Coordena o Grupo de Estudos Educação: Teoria e História.
É vice-presidenta da SINDUECE.

Bom dia a todos, todas e todes! Pri- tados da sua pesquisa; a companheira
meiramente, quero saudar as pessoas Beth, companheira de militância no Sin-
que estão nos assistindo, acompanhan- dicato Nacional – ANDES-SN (Sindicato
do o XII Fórum Internacional de Pedago- dos Docentes das Instituições de Ensi-
gia – FIPED e as pessoas que possibilita- no Superior), com a qual tive a alegria
ram que este evento esteja acontecendo de compartilhar uma gestão e também
e que constituem a Associação Inter- de acompanhar a Frente Nacional Esco-
nacional de Pesquisa na Graduação de la sem Mordaça enquanto estivemos na
Pedagogia – AINPGP, os companheiros gestão do ANDES-SN; e também o cama-
e companheiras que deram a batalha rada Roberto, um querido, camarada de
para que este evento esteja acontecen- luta, e Dediane, que está nos auxiliando,
do. Em segundo lugar, quero saudar, muito obrigada!
especialmente, as camaradas que estão No ano passado, participei do FIPED
compondo essa mesa comigo, a minha de Salamanca e estávamos vivendo uma
xará, Raquel Araújo, professora da rede situação muito difícil, um contexto avas-
pública, doutoranda em educação, que salador de avanço da Covid, uma situa-
está pesquisando também esse tema no ção muito assustadora de adoecimento
doutorado, vai defender sua tese ainda físico e mental, avanço do bolsonarismo
esse mês e vai compartilhar conosco um e da extrema-direita e, agora, um ano
pouco do trabalho que vem pesquisan- depois, pois, o FIPED foi em outubro, es-
do, já vai adiantar uma parte dos resul- tamos aqui novamente, no FIPED, para

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 114 PALESTRA 9


falar sobre criminalização os professo- da conjuntura e dessa situação quando
res e das professoras, do cerceamento se vai falar de um tema tão importante,
das liberdades democráticas, imposição que é a criminalização dos professores e
do pensamento único. Enquanto prepa- das professoras e de um projeto que está
rava os slides, fiquei pensando: Qual é em sintonia com essa política mais geral
o contexto? O que mudou de lá para cá? do governo Bolsonaro, que é uma polí-
Quais são as sequelas da pandemia que tica genocida, que criminaliza não ape-
não cessaram? nas professores, mas aqueles e aquelas
Há mais de 600 mil mortes no país, com os quais o governo não tem nenhum
e enquanto houve essas perdas, também tipo de diálogo, as chamadas “minorias
aumentou o número de bilionários no sociais”, as mulheres, negros e negras,
país durante a pandemia, quando, em LGBTQIA+, indígenas, quilombolas etc.
larga medida, morreram os pobres, os O tema que eu vou apresentar, “A li-
mais empobrecidos, que tinham menos teratura sobre o Escola sem Partido e os
condições de cuidar da sua saúde. O nú- temas principais: um estado da arte”2
mero de bilionários aumentou em 44%, (ARAUJO, 2021), é uma pesquisa que re-
que representa o total de 65 pessoas no alizei no Pós-doutorado, na Universida-
Brasil, que são donas de 1,2 trilhões de de Federal Fluminense, durante a pan-
reais, isso é quase o PIB (Produto Interno demia, com a supervisão da professora
Bruto) do país (BRASIL DE FATO, 2021). Dra. Virgínia Fontes, e estar hoje para
Em contrapartida, a miséria aumentou falar sobre, é também uma forma de re-
terrivelmente, 20 milhões de pessoas sistência. A professora Virgínia dizia que
passam fome, quase 20 milhões de de- fazer uma pesquisa durante a pandemia
sempregados, essa é a situação do ano é como “escalar muitas montanhas” e
passado para cá, ou seja, a situação pio- é isso mesmo. Eu fiz a pesquisa no Pós
rou muito. Piorou também em termos Doc, mas era um tema que eu já vinha
da política, com tudo o que tem ocorrido pesquisando, estudando há uns cinco
na política brasileira, com todos os des- anos. Os objetivos da pesquisa eram fa-
mandos desse governo ou desgoverno zer uma contextualização do Escola sem
que, nesse momento, tenta aprovar a Partido (EsP), destacando seus objetivos,
PEC 32 (Reforma Administrativa)1, que suas principais propostas, seus modos
vai destruir o serviço público, que vai de atuação, seus representantes e uma
atingir, principalmente, as pessoas mais amostra dos projetos de lei; apresentar
empobrecidas do nosso país, que mais um estado da arte acerca do EsP, a partir
uma vez, serão as principais atingidas. do levantamento bibliográfico relativo ao
Então, eu gostaria de começar por período de 2016 a 2020, totalizando uma
isso, porque não poderia deixar de falar amostra de 49 produções, com destaque
1 A votação da PEC 32 (Reforma Administrativa) foi para o artigo de Rossi e Pátaro (2020), “
suspensa no final do ano de 2021 pela pressão e luta ‘Lei da Mordaça’ na literatura científica:
hercúlea dos movimentos organizados dos servi-
dores públicos, que se mantiveram em Brasília, ao um estudo da arte sobre o movimento
longo de todo o processo de discussão e tentativas
de aprovação da PEC na Câmara dos Deputados, re- 2 Artigoproduzido como resultado da pesquisa de
alizando atos na Câmara, passeatas, intervenções doutorado publicado na revista Dialectus. Disponí-
teatrais, atos no aeroporto de Brasília e dos estados, vel em: http://www.periodicos.ufc.br/dialectus/arti-
conversa com parlamentares etc. cle/view/71861/197307.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 115 PALESTRA 9


Escola sem Partido”, no período de 2016 lei, um canal de denúncia contra profes-
a 2018. Os autores revisaram 55 litera- sores, que, segundo o movimento EsP e
turas e eu tomo o artigo como ponto de Miguel Nagib, seriam professores que
partida e atualizo, a partir de 2018 até estariam praticando doutrinação nas
2020, mas recupero a bibliografia que eu escolas. Então, surgiu o primeiro pro-
já havia sido revisada no mesmo período jeto de lei, encomendado ao Miguel Na-
de 2016 de 2018. gib pelo então deputado estadual, Flávio
Eu coloco aqui uma amostra das Bolsonaro (RJ), do Rio de Janeiro, o PL
quatro principais obras que se tornaram 2974/2014, que foi o primeiro projeto de
bastantes conhecidas e tratam do tem do lei a dar entrada em uma casa legislati-
EsP, mas principalmente duas: “Escola va e, logo em seguida, o irmão do Flávio
‘sem’ Partido: esfinge que ameaça a edu- Bolsonaro, no caso, o então vereador,
cação”, organizada por Gaudêncio Fri- Carlos Bolsonaro (RJ), dá entrada em um
gotto (2017), na qual ele procura decifrar projeto de lei na Câmara Municipal do
o EsP e identificar seus males. Nele, o Rio de Janeiro, ou seja, os dois filhos do
EsP é identificado com a esfinge; a outra presidente Bolsonaro.
obra é “Educação democrática” (2018), No mesmo ano, em 2014, temos o
na qual, Ramos (2018, p. 8), na apresen- início da tramitação do projeto de lei na
tação, diz que obra é um ato e uma arma” Câmara dos Deputados, o PL 7180/2014,
na direção da conquista da “real demo- do deputado federal, Erivelton Santana
cracia”, então, esse segundo livro, feito (BA). Esse PL propunha uma alteração
o desvelamento do Escola sem Partido, na Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
oferece um instrumento de luta contra ção Nacional (LDB), incluindo um in-
o EsP a partir dos artigos produzidos ciso no artigo 3º, dizendo o seguinte:
pelos autores e pelas autoras que se co- “XIII – respeito às convicções do aluno,
locam no campo da defesa da educação de seus pais ou responsáveis, tendo os
­democrática. valores de ordem familiar precedência
Agora, vamos falar sobre o movi- sobre a educação escolar nos aspectos
mento Escola sem Partido. Ele surgiu relacionados à educação moral, sexual e
em 2004, pelas mãos do advogado Mi- religiosa, vedada a transversalidade ou
guel Nagib, primeiro, como Organização técnicas subliminares no ensino desses
Não Governamental, mas só vai ganhar temas” (BRASIL, 2014).
destaque em 2014/2015, acompanhando Então, o Escola sem Partido tem mui-
essa onda, esse avanço das ideias de ex- ta relação com o debate sobre as ques-
trema-direita no país, principalmente, tões de gênero, tanto que os projetos que
a partir de 2016, com o golpe que tirou hoje tramitam na Câmara dos Deputa-
Dilma Rousseff da presidência e colocou dos e estão apensados ao Projeto Escola
Michel Temer em seu lugar. Em 2014, sem Partido tratam também de temas de
surgiu o primeiro Projeto de Lei (PL), gênero, diversidade sexual, orientação
baseado nas ideias do EsP, que até então sexual, são temas considerados correla-
era um movimento organizado por meio tos. Em 2015, o PL 7180/2014 foi arquivo,
de um site, no qual as pessoas encontra- mas depois será desarquivado. No mes-
ram orientações, modelos de projetos de mo ano, surgiu um novo projeto, o PL

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 116 PALESTRA 9


867/2015, o primeiro projeto em âmbito a luta contra a aprovação do PL Esco-
federal, a receber o nome Escola sem la sem Partido, em 2018, com Fernando
Partido, embora o PL 7180/2014 já tives- Penna (UFF), grande lutador contra o
se o teor do Escola sem Partido, mas não EsP. Agora, vamos apresentar o estado
tinha esse nome. O PL 867/2015 recebe da arte, no qual identificamos os autores
esse nome porque, como ementa, propõe e as autoras, assim como os temas prin-
incluir na LDB o Programa Escola sem cipais ou as categorias de análise que
Partido, portanto, é mais amplo, e sugere aparecem nessas bibliografias e quais
afixar nas salas de professores e de aulas aparecem mais.
das escolas um cartaz com os “deveres Uma das categorias mais presentes
dos professores” e o projeto já traz o teor nessas bibliografias é o “EsP como um
de criminalização dos professores e das discurso / movimento reacionário”, é as-
professoras. Então, ele é apensado, que sim como os autores e as autoras se re-
significa anexado, ao PL 7180/2014, que é ferem a esse movimento. Frigotto (2018,
desarquivado, passando a ser o PL prin- p. 23) situa o EsP no contexto no avanço
cipal, tendo 23 projetos de lei apensados das ideias reacionárias no Brasil, prin-
a ele, que continua cipalmente, a par-
tramitando na Câ- tir do golpe de 2016,
mara dos Deputados. que violou o “Estado
Aqui temos algumas O Escola sem Partido tem de direito e a frágil
inspirações do Escola democracia”, assim
sem Partido, pois não muita relação com o debate como Saviani (apud
é um movimento que HERMIDA; LIRA,
nasce no Brasil. É um sobre as questões de 2018, p. 784) identifica
movimento que nasce o projeto Escola sem
nos Estados Unidos,
gênero. Partido como “com-
com o mesmo teor de ponente da onda rea-
luta contra a doutri- cionária [...]” que vem
nação. São três exemplos: No Indoctrina- tomando proporções nos últimos anos
tion, Campus Watch e Creation Studies no Brasil. Carvalho (2019) diz que esse
Institute. Todos são sites que promovem movimento é parte do movimento que
discussões sobre, respectivamente, con- a direita realiza na sua busca para con-
tra a suposta doutrinação, a questão do solidar o golpe de 2016, então, há uma
Oriente Médio e contra a luta em defesa sintonia nas análises dos autores sobre o
da Palestina e a teoria da criação versus significado, a natureza desse movimen-
a teoria da evolução. to no contexto que ele surge e que ele se
Para ilustrar, temos, de um lado, a consolida. Fontes (2016, p. 18) apresenta o
imagem no slide do Miguel Nagib com a EsP como “exemplo gritante de proposta
logo do EsP, segurando um cartaz com explícita de deseducação, ou de imposi-
deveres dos professores e, do outro lado, ção da censura direta sobre o processo
temos a Frente Escola sem Mordaça e de socialização do conhecimento”.
um adesivo da Frente e nossa foto na A segunda categoria, também muito
Câmara dos Deputados, quando fizemos presente nas bibliografias é a “doutrina-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 117 PALESTRA 9


ção”. Para o EsP, a escola seria um ins- dora, é, predominante, doutrinadora das
trumento de doutrinação ideológica, que ideias dominantes, mas ela não é só isso,
difunde por meio do professor e da pro- ela também tem contradições.
fessora uma ideologia de esquerda e de Então, se a escola é até hoje doutrina-
gênero. Então, Ramos (2018, p. 7), no seu dora das ideias dominantes desde quan-
estudo, teria concluído que o EsP teria do ela foi criada, o que é que o Escola sem
escolhido como “síntese das suas ‘antí- Partido combate? É estranho isso! Que-
teses’ o termo doutrinação” e aquilo que ro trazer essa citação do ANDES-SN que
chamam de “ideologias de esquerda e de diz são as “contradições que permeiam
gênero”. A doutrinação seria o que, para a escola como um espaço de disputa de
o EsP? O pensamento crítico. Os profes- projetos” (2020, p. 16) que o EsP combate.
sores e as professoras são os inimigos Não é a doutrina das classes dominantes,
do EsP. É importante dizer que não há no mas aquilo que nasce como semente das
site ou qualquer documento do EsP o que contradições da escola, aquilo que a Ra-
seria a doutrinação, não a conceituação quel, o Roberto, a Beth dizem na escola,
de doutrinação fei- nós somos a semente
ta pelo EsP! Martins da contradição, não
(2019, p. 103) diz o que somos o que é pre-
“é um processo social É preciso dizer que não dominante, somos
que incute ideias, va- a minoria. Se fôsse-
lores, concepções de
existe “ideologia de gênero”. mos a maioria, não
mundo, normas de teríamos o Bolsona-
comportamentos em ro como presidente,
um indivíduo ou em
um conjunto deles
Ela só existe no campo não teríamos tido um
golpe em 2016, não
por meios autoritá-
rios, que não aceitam
reacionário. teríamos um projeto
de lei como o EsP tra-
questionamentos de mitando e muitas ou-
qualquer ordem”. tras coisas que temos
Partindo desse conceito de Martins em nosso país. Apresento uma ilustração
(2019), pergunto: A escola é doutrinado- do que vocês podem encontrar no site do
ra? Sim, a escola é doutrinadora, mas EsP. Lá, tem esse artigo “Por que o pen-
ela não é doutrinadora daquilo que o EsP samento pedagógico de Paulo Freire leva
diz que ela é, doutrinadora de ideologia à doutrinação ideológica, política e par-
de esquerda e de “ideologia de gênero”. tidária?”, que trata sobre o Paulo Freire,
A escola foi criada na Grécia Antiga, há considerado o maior inimigo do EsP.
mais de 2500 anos, exatamente para ser A terceira categoria é “gênero e ‘ideo-
doutrinadora, foi criada como o lugar do logia de gênero’”, que é bastante comple-
ócio, só ia para a escola quem não tinha o xa. O que seria essa “ideologia de gênero”
que fazer, ou seja, a escola para os filhos a qual os defensores do EsP se referem?
dos senhores de escravos para ensinar a Primeiro, é preciso dizer que não existe
arte de mandar nos escravos, é uma es- “ideologia de gênero”. Não existe “ideolo-
cola doutrinadora, sempre foi doutrina- gia de gênero” na literatura que trata das

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 118 PALESTRA 9


questões de gênero, em nenhuma litera- chamado pelos movimentos feministas e
tura dos estudiosos e das estudiosas que os defensores das questões de gênero de
estudam as questões de gênero, não exis- “cruzada ofensiva antigênero”, da qual o
te essa categoria. Ela só existe no campo EsP é hoje um dos principais represen-
reacionário. As únicas pessoas que falam tantes dessa cruzada. Lá no site (do EsP),
em “ideologia de gênero” e escrevem so- vocês vão encontrar essas duas notícias:
bre “ideologia de gênero” são do campo “Escola sem Partido obtém liminar na
reacionário, do EsP e seus apologistas, Justiça para que calouros da UFLA não
é uma criação do campo reacionário. E sejam obrigados a participar de oficinas
por que criaram essa categoria e atribu- de feminismo, gênero e história do mo-
íram a nós? Para desqualificar e retroce- vimento LGBT” e “MP processo colégio
der os pequenos avanços conquistados particular de BH por martelar ideologia
na área que estuda e luta pelas pautas de gênero na cabeça dos alunos”.
de gênero. É “um ró- A quarta catego-
tulo que denomina ria é “criminalização
de forma pejorativa
toda uma discussão
Não existe neutralidade. dos professores e
das professoras”, ou
teórica e política de- seja, o resultado disso
senvolvida pelo mo- não poderia ser outra
vimento feminista e
LGBT cujo objetivo é
Todos são orientados por coisa a não ser a cri-
minalização dos pro-
desconstruir estere-
ótipos que excluem
uma base ideológica. fessores e das pro-
fessoras. Então, o EsP
e violentam aqueles A questão é: sua base caracteriza o profes-
que fogem do padrão sor como “militante
moral hegemônico” ideológica é inclusiva ou disfarçado”, como se
(CONTI; PIOLLI, 2019, não pudesse ser mi-
p. 299). Então, os de- excludente?” litante, “abusador,
bates de gênero que estuprador e seques-
surgiram na década trador intelectual”
de 1950, primeiramente, surgiram no (PENNA, 2018, p. 114). O que o Escola sem
campo psicomédico, só depois foram in- Partido pretende? Instituir uma cultura
corporados pelo movimento feminista. de pânico e terror, silenciar docentes e
Essa reação ou cruzada antigênero vai se alunos(as), “submetê-los a uma intensa,
dá depois de duas conferências, a Con- constante e ininterrupta coação, pres-
ferência Internacional sobre População, são, violência e tortura política, ideológi-
que ocorreu no Cairo, em 1994, e a Con- ca e mental com a finalidade de ‘loboto-
ferência Mundial sobre as Mulheres, que mizá-los’. Com isso, sequestram o futuro
ocorreu em Pequim, em 1995. O Vaticano dos estudantes, da educação e do país”
convocou especialistas para uma mar- (ORSO, 2019, p. 155).
cha, uma contraofensiva que reafirmava Aqui, eu trago uma fala do Miguel
duas coisas; a dominação masculina e a Nagib, numa audiência pública, realiza-
matriz heterossexual, que passou a ser da em 2017, citada por Salles e Silva (2018,

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 119 PALESTRA 9


p. 161), no livro Educação Democrática, O que significa reivindicar neutra-
se referindo aos professores, em que ele lidade do conhecimento produzido e
diz assim: reproduzido na escola? Significa dizer
que o currículo teria uma natureza me-
[...] abusadores que procuram minimi- ramente técnica, ou seja, os professores
zar a gravidade dos seus atos apelando
iriam só transmitir os conteúdos, “de
para a condição pessoal das suas víti-
mas [que são os alunos] [...] E digo mais: preferência aqueles que são do interes-
é um argumento também típico dos es- se dos grupos que estão no poder e suas
tupradores que alegam em sua defesa ideologias” (ROSSI; PÁTARO, 2020, p. 5).
que aquela menina de doze anos, que Mas Martins (2019, p. 112) diz que isso
eles acabaram de violentar, não é tão
(neutralidade) seria
inocente quanto parece. Este é o argu-
mento de que o aluno não é uma folha
em branco. impraticável, uma vez que estão a tratar
de educação e esta se refere a processos
de formação a que os indivíduos e gru-
Essa é a comparação que ele faz com pos sociais são submetidos, seja na esco-
os professores e as professoras. Não vou la, seja em qualquer outro ambiente, vi-
nem comentar porque dispensa comen- sando a um ideal, que é eminentemente
político. Isso é inexorável, pois ninguém
tários. A última categoria é “ideologia e
nasce pronto. Todos e todas nascem ina-
neutralidade”. Depois de tudo isso, fica cabados, incompletos e a completude se
até difícil acreditar que um projeto como faz por processo que são chamados de
esse se reivindica neutro ou poderia ser educativos.
chamado de “Escola sem Partido” ou “Es-
cola sem Ideologia”. Rossi e Pátaro (2020) Então, não existe neutralidade e nós
revelam que ideologia e neutralidade são aprendemos isso com Paulo Freire: “não
categorias que se encontram com mais existe imparcialidade. Todos são orien-
frequência nos trabalhos analisados, o tados por uma base ideológica. A ques-
que indica, na opinião dos autores, que tão é: sua base ideológica é inclusiva ou
são “categorias centrais no discurso do excludente?”. Essa é a questão! E aqui
ESP”. Lessa (2019, p. 5) traz uma definição uma amostra da nossa intervenção, mi-
para ideologias, que “são conhecimentos litância contra essa aberração. Aqui uma
e ideias que cumprem a função social de imagem da nossa intervenção na Uni-
organizar como conjuntos de indivíduos versidade Estadual do Ceará, numa pa-
atuam sobre os conflitos do seu dia a dia” lestra com Miguel Nagib, um dia gran-
e não “algo ruim, como uma coisa a ser dioso, quando ele saiu pela porta dos
eliminada da vida social”, como procla- fundos; no dia de uma audiência pública,
mam os apologistas do EsP, que tratam na Câmara dos Deputados, com Fernan-
a ideologia como algo negativo. Então, o do Penna; no ENALIC (Encontro Nacio-
discurso contra as ideologias nada mais nal das Licenciaturas), com Fernando
é do que outra ideologia! Uma escola sem Penna e Nilson Cardoso (UECE); no dia
ideologia, na verdade, é uma escola com que nós estávamos lutando contra o EsP
ideologia, mas a ideologia do Escola sem na Comissão Especial. São amostras do
Partido, que também é uma escola COM trabalho que nós viemos realizando por-
partido. que não tem como sermos professores e

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 120 PALESTRA 9


professoras sem o compromisso político lionarios-cresce-no-brasil-e-seu-patri-
de lutar por uma educação pública, gra- monio-dobra. Acesso em: 18/02/2022.
tuita, de qualidade, socialmente referen-
ciada e inclusiva! Obrigada! CARVALHO, Celso. O discurso de des-
politização como meio de politização da
REFERÊNCIAS educação: a ação ideológica do movi-
mento Escola sem Partido. IN: BATISTA,
ANDES-SN. Projeto do capital para a Eraldo Leme; ORSO, Paulino José; LUCE-
educação: análise e ações para a luta. NA, Carlos (Org.). Escola sem Partido ou
V. 3. 2020. Disponível em: https://issuu. escola da mordaça e do partido único
com/andessn/docs/cartilha_gtpe_ a serviço do capital. Uberlândia: Nave-
vol03_–_web. Acesso em: 18/02/2022. gando Publicações, 2019.

ARAUJO, Raquel Dias. A literatura sobre o CONTI, Mariana; PIOLLI, Evaldo. O mo-
Escola sem Partido e os temas principais: vimento Escola sem Partido e o “cemi-
um estado da arte. Revista Dialectus. Ano tério dos vivos”: a proposição da lei e a
10, n. 23, maio – agosto, 2021, p. 279-306. resistência em Campinas. In: BATISTA,
Disponível em: http://www.periodicos.ufc. Eraldo Leme; ORSO, Paulino José; LUCE-
br/dialectus/article/view/71861/197307. NA, Carlos (Org.). Escola sem Partido ou
Acesso em: 18/02/2022. escola da mordaça e do partido único
a serviço do capital. Uberlândia: Nave-
BRASIL. Câmara dos Deputados. PL Nº gando Publicações, 2019.
7180/2014. Altera o art. 3º da Lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996. (Programa FONTES, Virgínia. Formação dos traba-
Escola Sem Partido). 2014. Disponível lhadores e luta de classes. Trabalho Ne-
em: http://www.camara.gov.br/proposi- cessário, Ano 14, Nº 25/2016. Disponível
coesWeb/fichadetramitacao?idProposi- em: http://periodicos.uff.br/trabalhone-
cao=606722 Acesso em: 18/02/2022. cessario/article/view/9618 Acesso em:
18/02/2022.
BRASIL. Câmara dos Deputados. PL Nº
867/2015. Inclui, entre as diretrizes e FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Escola
bases da educação nacional, o “Progra- sem Partido: esfinge que ameaça a edu-
ma Escola sem Partido”. 2015. Disponível cação e a sociedade brasileira. Rio de
em: https://www.camara.leg.br/propo- Janeiro: UERJ/LPP, 2017. Disponível em:
sicoesWeb/fichadetramitacao?idPropo- https://www.academia.edu/37628475/
sicao=1050668 Acesso em: 18/02/2022. E S C O L A _ S E M _ PA R T I D O _ E s f i n -
ge_que_amea%C3%A7a_a_educa%-
BRASIL DE FATO. Enquanto fome C3%A7%C3%A3o_e_a_sociedade_
avança, número de bilionários cres- brasileira Acesso em: 18/02/2022.
ce no Brasil, e seu patrimônio dobra.
06/04/2021. Disponível em: https:// FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Educação
www.brasildefato.com.br/2021/04/06/ democrática: antídoto a o Escola sem
enquanto-fome-avanca-numero-de-bi- Partido. Rio de Janeiro: UERJ/LPP, 2018.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 121 PALESTRA 9


HERMIDA, Jorge Ferando; LIRA, Jail- cação democrática em tempos de retro-
ton de Souza. Políticas educacionais cessos. IN: PENNA, Fernando; QUEIROZ,
em tempos de golpe: entrevista com Felipe; FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.).
Dermeval Saviani. 2018. Disponível em: Educação democrática: antídoto a o Es-
http://www.scielo.br/pdf/es/v39n144/ cola sem Partido. Rio de Janeiro: UERJ/
1678-4626-es-39-144-779.pdf Acesso em: LPP, 2018.
18/02/2022.
RAMOS, Marise Nogueira. Apresentação.
LESSA, Sérgio. Escola sem Partido e so- IN: PENNA, Fernando; QUEIROZ, Felipe;
ciedade sem ideologias. Maceió: Coleti- FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Educação
vo Veredas, 2019. democrática: Antídoto ao Escola sem
Partido. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2018.
MARTINS, Marcos Francisco. “Escola
sem Partido”: um partido contra o direi- ROSSI, Jean Pablo Guimarães; PÁTA-
to de aprendizagem. IN: BATISTA, Eral- RO, Ricardo Fernandes. A “lei da Mor-
do Leme; ORSO, Paulino José; LUCENA, daça” na literatura científica: Um esta-
Carlos (Org.). Escola sem Partido ou do da arte sobre o movimento Escola
escola da mordaça e do partido único sem Partido. V. 36. Educação em Re-
a serviço do capital. Uberlândia: Nave- vista. Belo Horizonte, 2020. Disponí-
gando Publicações, 2019. vel em: https://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S010246982020000100249&s-
ORSO, Paulino José. Escola “sem” Parti- cript=sci_abstract&tlng=pt Acesso em:
do ou um partido a serviço da burguesia? 18/02/2022.
IN: BATISTA, Eraldo Leme; ORSO, Paulino
José; LUCENA, Carlos (Org.). Escola sem SALLES, Diogo da Costa; SILVA, Renata
Partido ou escola da mordaça e do par- da C. A. da. O Escola sem Partido na des-
tido único a serviço do capital. Uber- democratização brasileira. IN: PENNA,
lândia: Navegando Publicações, 2019. Fernando; QUEIROZ, Felipe; FRIGOTTO,
Gaudêncio (Org.). Educação democráti-
PENNA, Fernando de Araújo. Construin- ca: antídoto ao Escola sem Partido. Rio
do estratégias para uma luta pela edu- de Janeiro: UERJ/LPP, 2018.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 122 PALESTRA 9


PALESTRA 10

CRI HO
S T I A NE M A R I N
A INATUAL ATUALIDADE
E A CLAREZA DO
ESCURO EM TEMPOS DE
NEOCONSERVADORISMO
Cristiane Marinho — Professora Permanente de Filosofia no Mestrado Acadêmico em Serviço Social – MASS/UECE;
Doutora em Educação – UFC; Doutora em Filosofia – UFG; Estágio de Pós-Doutorado em Filosofia da Educação – FE/
UNICAMP; Mestra em Filosofia – UFMG/UFPB; Especialista em Economia Política – UECE; Graduada em Filosofia –
FAFIFOR. E-mail: cmarinho2004@gmail.com

O filósofo italiano, Giorgio Agamben, e, assim, ser anacrônico, pois só assim é


abre seu pequeno ensaio intitulado “O possível compreender seu próprio tem-
que é o contemporâneo?”, de 2007, com po, na medida em que não se coincide
as perguntas: “De quem e do que somos com ele.
contemporâneos? E, antes de tudo, o que Contudo, alerta Agamben, não coin-
significa ser contemporâneo?” (AGAM- cidir com seu próprio tempo, em uma
BEN, 2009, p.57). Inicialmente, Agamben ação de discronia, não é sinônimo de ne-
responde referenciando Nietzsche, no gação de seu tempo ou mesmo uma nos-
Considerações intempestivas, quando o talgia por épocas passadas. Ao contrário,
filósofo alemão questiona o orgulho que ser contemporâneo é ter uma relação
se tem de cada época a qual pertence- peculiar com o próprio tempo, aderin-
mos. O questionamento nietzschiano se do a ele e tomando distância, estando no
baseia na afirmação de que, ser verda- presente e sendo anacrônico simultane-
deiramente contemporâneo, é ser inatu- amente. Pois assim, diz o filósofo italia-
al, não atual, ou seja, não simplesmente no: “aqueles que coincidem muito ple-
só se orgulhar do seu presente, mas não namente com a época, que em todos os
ser adequado às pretensões do presen- aspectos a esta aderem perfeitamente,
te, não se adequar ao presente em uma não são contemporâneos porque, exa-
aceitação orgulhosa e cega. Portanto, ser tamente por isso, não conseguem vê-la,
contemporâneo para Nietzsche, é se des- não podem manter fixo o olhar sobre ela”
locar das marcas de seu tempo presente (AGAMBEN, 2009, p.59).

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 123 PALESTRA 10


Depois dessa primeira definição de Agamben nos chama ainda atenção
contemporâneo e contemporaneidade, para o fato da contemporaneidade ser
Agamben sugere uma segunda defini- muito próxima da moda e do arcaico. A
ção: “[...] contemporâneo é aquele que moda é temporária mesmo sendo atual.
mantém fixo o olhar no seu tempo, para Da mesma forma, o arcaico não restou
nele perceber não as luzes, mas o escu- inerte no passado, mas sustenta a exis-
ro. Todos os tempos são, para quem de- tência do contemporâneo. Podemos di-
les experimenta contemporaneidade, zer com Agamben, que a inatualidade do
obscuros. Contemporâneo é justamente contemporâneo afirma a presença dos
aquele que sabe ver essa obscuridade, encontros entre os tempos e as gerações.
que é capaz de escrever mergulhando Em suma, e arrematando as conclusões
a pena nas trevas do presente” (AGAM- e Agamben:
BEN, 2009, pp. 62-63). Contudo, alerta o
filósofo, enxergar o escuro não é sinôni- Isso significa que o contemporâneo
não é apenas aquele que, percebendo
mo de inércia ou passividade, mas uma
o escuro do presente, nele apreende a
coragem e uma disposição de “neutrali- resoluta luz; é também aquele que, di-
zar as luzes que provêm da época para vidindo e interpolando o tempo, está
descobrir as suas trevas, o seu escuro à altura de transformá-lo e de colocá-
especial, que não é, no entanto, separá- -lo em relação com os outros tempos,
de nele ler de modo inédito a história)
vel daquelas luzes”. Contudo, sem se dei-
de “citá-la” segundo uma necessidade
xar cegar ou ofuscar pelas luzes e sim, que não provém de maneira nenhuma
enxergar nas luzes o que há de obscuro e do seu arbítrio, mas de uma exigência
lhe interrogar continuamente. E esse é o à qual ele não pode responder. É como
se aquela invisível luz, que é o escuro do
legítimo procedimento que caracteriza a
presente, projetasse a sua sombra sobre
atitude de ser contemporâneo. o passado, e este, tocado por esse facho
Da mesma forma, para Agamben, de sombra, adquirisse a capacidade de
ser contemporâneo não é indicativo de responder às trevas do agora (AGAM-
buscar enxergar somente o escuro e BEN, 2009, p. 72).

prosseguir pessimista. Ao contrário, ser


contemporâneo é também ser capaz de Em Foucault (1985), também é possí-
enxergar uma luz no escuro, apesar des- vel encontrar essa mesma preocupação
sa luz, feito a luz das estrelas, ser visível, com o tempo presente, com o contem-
mas sem nos alcançar, porque o tempo porâneo, e que também tem esse mes-
presente é distante e inalcançável, por mo viés niezsctcheano. É, aliás, a grande
estar sempre sendo construído e sempre aposta filosófica foucaultiana e que con-
chegando. Não se trata do tempo cro- siste em pensar o tempo presente, um
nológico e, por isso, o contemporâneo fazer filosófico que ele chama de Onto-
é sempre inatual, não atual, extempo- logia do presente, a qual mobiliza os três
râneo e intempestivo, como diria Niet- grandes eixos de sua pesquisa, que são
zsche. Como diz Agamben, é necessário saber, poder e ética.
“reconhecer nas trevas do presente a luz Dessa forma, é possível afirmar que
que, sem nunca poder nos alcançar, está a construção de uma Ontologia do Pre-
perenemente em viagem até nós”. sente foucaultiana implica na busca de

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 124 PALESTRA 10


saber “não o que somos, mas como nos compreender as possíveis determina-
tornamos o que somos”. Para que nos ções entre heterotopia política e estéti-
tornemos outros e construamos hete- ca da existência na contemporaneidade.
rotopias políticas que sejam, ao mesmo Da mesma forma, coloca-se essa relação
tempo, resultado de estéticas da exis- dentro do contexto ético-político do ne-
tência, mas também seu fortalecimento, oliberalismo. Seria possível o exercício
potência e multiplicação. Heterotopias de uma estética da existência em um
políticas como micro resistências polí- mundo neoliberal? Quais são os limites e
ticas e estética da existência como mi- potencialidades dos processos de subje-
cro resistências éticas, mas sem perder tivação tanto no âmbito da formação do
suas conexões com toda a macroestru- poder quanto no sentido da construção
tura ético-política e econômica. Foucault de resistência ao poder?
investiga na sua ontologia do presente Diante dessas reflexões em torno
as novas formas do poder e seu enfren- do que é a contemporaneidade e o con-
tamento, as possibilidades de criação temporâneo, é imperativo nos pergun-
de espaços políticos tarmos sobre a nossa
alternativos, cria- contemporaneidade
dos pelos processos neoliberal; a ascen-
rebeldes às normati-
Se no presente o poder já são da extrema direi-
zações e pela descen-
tralização do poder
não se exerce da mesma ta no mundo inteiro;
a onda moral conser-
no Estado, a qual age
por capilaridade e no
forma, a resistência às vadora; a negação das
ciências humanas e
âmbito dos processos
de subjetivação, e nas
relações de poder também exatas; a imposição
compulsória do refe-
relações econômicas,
bem como questiona
não podem ser as mesmas. rencial heterossexu-
al; o fortalecimento
a ideia iluminista de do racismo biopolíti-
sujeito. co; a desvalorização/
Em sendo assim, a resposta para o destruição da vida humana, da vida da
enfrentamento ao poder contemporâneo flora e da fauna em benefício da acumu-
em Foucault, é ou deve ser inatual, pois lação do capital; a instrumentalização da
não cabe mais somente a resposta clás- educação; a condução de condutas como
sica da política representativa do con- formação de rebanho; e por aí vai....
tratualismo moderno ou até mesmo do Como visto acima, ser contemporâ-
proletariado derrotando o Estado bur- neo é também, paradoxalmente, ser ana-
guês via Revolução. Se no presente o po- crônico, é não corroborar com a imposi-
der já não se exerce da mesma forma, a ção das estratégias do poder em voga no
resistência às relações de poder também presente. É não aceitar de forma passiva
não podem ser as mesmas. A construção que aprender é empreender, e que so-
da ontologia do presente foucaultiana mos empresários de nós mesmos, nos
estabelece e se assenta em um forte di- relacionando com pessoas que também
álogo entre Política e Ética, na busca de são empresas. Nesse sentido, ser inatu-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 125 PALESTRA 10


al na conjuntura neoliberal é recusar a coletividade e da liberdade. Pois, ser con-
formatação de nossas vidas sob o signo temporâneo é andar na contramão crí-
da concorrência, na qual o outro é um tica da história presente, não se deixar
adversário a ser vencido e que a derro- inebriar pelo brilho mentiroso das luzes,
ta imposta ao outro seja benefício a meu mas sim desvendar criticamente as ver-
favor. dades forjadas no escuro. Ser um con-
Se ser contemporâneo é não rever- temporâneo inatual é investigar quais
berar as notas da música que as relações verdades são criadas para que se mani-
de poder tocam, então, a contempora- pule e silencie livremente as ciências ou
neidade exige que se dance outra dança as substitua por outras verdades tam-
que não siga os passos do suposto bri- bém criadas dos evangelhos. Verdades
lho do empreendedorismo que mente e criadas estas que caibam nas necessida-
nega a vitória do coletivo, mas que, ver- des de acúmulo do grande capital e auxi-
dadeiramente, estrangula as subjetivi- lie a fortalecer a estrutura moral conser-
dades iludidas com o vadora que também
sucesso social e eco- sustenta a produção
nômico, enquanto so- Ser contemporâneo é de mais valia e for-
mente o capital lucra talece o giro de va-
e acumula às custas também, paradoxalmente, lorização do capital
das ilusões perdidas financeiro predomi-
e, muitas vezes, vidas ser anacrônico, é não nante no presente.
perdidas para o suicí- Contudo, como
dio, senão para uma corroborar com a dito por Agamben,
espécie de morte que
traz o neoliberalismo
imposição das estratégias essa inatualidade no
jeito de ser contem-
ao sofrimento psí-
quico. Até mesmo a
do poder em voga no porâneo não é indica-
tivo de pessimismo.
morte em vida, lenta-
mente negada e san-
presente. Inversamente,
inatual na contem-
ser

grada pela ausência poraneidade é ques-


da serviços públicos, tionar o status quo,
inflação alta, falta de perspectiva e de buscar formar resistências às relações
­esperança. de poder existentes nas esferas política,
Ser contemporâneo é não ser atual. moral, educacional e filosófica. Na polí-
Quando a ascensão da extrema direita tica, fortalecendo os movimentos sociais
no mundo inteiro, inclusive, no Brasil sem cair em um identitarismo que negue
de Bolsonaro, levanta as bandeiras do a coletividade e vise a potencialização
conservadorismo político e moral como das políticas públicas; na moral, susten-
sendo a evolução máxima da civilização, tando uma ética não prescritiva e não
devemos ser descontínuos e lutar pela negadora das pluralidades subjetivas
valorização das diferenças e singulari- nos âmbitos sexuais, de gênero e que o
dades dos sujeitos e fazer valer os laços amor possa amar em suas infinitas for-
sociais que garantem a supremacia da mas de ser.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 126 PALESTRA 10


Na educação, ampliando a aprendi- da educação, pois a importância dada à
zagem para além da mesquinha e atual imanência nessa filosofia repercute de
instrumentalização do saber empreen- forma intrigante em um país marca-
dedor e que a aprendizagem seja apren- do filosoficamente pela metafísica e por
dizagem de tudo que leve às práticas de todos os desdobramentos filosóficos da
liberdade e sonho e esperança e vida, representação, inclusive em certa feição
pois só assim sobreviveremos e fare- do marxismo ortodoxo.
mos sobreviver o futuro como aquilo A importância de um pensamento
que ainda pode existir e que também a filosófico da imanência vem destronar
aprendizagem na educação comtemple as ilusões de uma realidade una e trans-
o que já construímos no passado, aque- cendente e da ideia de uma totalidade
le arcaico de que fala que contenha todas
Agamben. Como diz as respostas para to-
a música de Gal Cos- dos os problemas,
ta, na pele do futuro;
Ser inatual na conjuntura inclusive os da edu-
na filosofia, fazendo
romper as amarras
neoliberal é recusar a cação. Como diz De-
leuze, a imanência,
de uma filosofia da
representação que
formatação de nossas não sendo abstrata
ou teórica, torna-se
tantos fundamentos
e modelos platônicos
vidas sob o signo da um perigo, uma ame-
aça às concepções
criou, mostrando que
a filosofia está entre
concorrência, na qual o transcendentes exa-
tamente porque “ela
nós como o pão da co- outro é um adversário a engole os sábios e os
munhão coletiva ou deuses” (DELEUZE;
o copo de cerveja na ser vencido e que a derrota GUATTARI, 1992, p.
mesa de bar. 63). Acrescentaría-
Que na contem- imposta ao outro seja mos: ela engole os sá-
poraneidade inatual bios, os deuses, os ho-
possamos ser sujeitos benefício a meu favor. mens e as ilusões das
de liberdade, amor e imagens que pensam
coletividade; educa- ser. Como no livro O
dores que não sejam meros repetidores mágico de Oz, o Mágico farsante, talvez
de prescrições morais e vigias da sexu- pudéssemos descobrir a metafísica e os
alidade alheia, como proposto pela Mi- disfarces da filosofia da representação
nistra Damares e, como diria Deleuze, via filosofia da diferença e que nossos es-
que não sejamos um professor-profeta pantalhos têm cérebro e pensam, nossos
e nem professor-privado a reproduzir- homens de lata têm coração e se emocio-
mos tão somente a tradição e nos repro- nam e nossos leões covardes são corajo-
duzindo em série. Essa contemporanei- sos. E que, no final da história, somos nós
dade inatual brasileira ganharia muito mesmos, imanentemente, que fazemos
como metodologia de leitura, lançando nossas próprias mágicas em um proces-
mão da filosofia da diferença na área so de educação contínua e que clama por

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 127 PALESTRA 10


uma perspectiva interseccional, decolo- (Biblioteca de filosofia e história das ci-
nial, questiona o patriarcado e a heteros- ências; v. 7).
sexualidade compulsória e que seja fe-
minista. Que a educação contemporânea DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix. O que
seja crítica da contemporaneidade e de é a filosofia? Tradução de Bento Prado
seus valores anticoletivistas e antiliber- Jr. E Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janei-
tários (cf. MARINHO, 2012). ro: Ed. 34, 1992. (Coleção TRANS).

REFERÊNCIAS MARINHO, Cristiane M. A Filosofia da


Diferença de Gilles Deleuze na Fi-
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contem- losofia da Educação no Brasil. 2012.
porâneo? e outros ensaios. Chapecó: Ar- Pós-doutorado. Universidade Estadual
gos/Editora da Unechapecó, 2009. de Campinas, Faculdade de Educação.
Acesso em 20 de fevereiro 2022. Disponí-
FOUCAULT, Michel. Microfísica do po- vel em: http://www.bibliotecadigital.uni-
der: organização Roberto Machado. 5ª camp.br/document/?code=74567&opt=1
ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 128 PALESTRA 10


PALESTRA 11

RA
KEU

ZER
BE
TR
EG

LÁ ES
UD AR
IA D SO
A C O N CEI Ç Ã O

EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA
COMO SUPORTE METODOLÓGICO
PARA A PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Keutre Gláudia da Conceição Soares Bezerra — Doutora em Letras, professora permanente do Departamento de
Educação, do Campus Avançado de Pau dos Ferros/UERN; coordenadora de área do PIBID/Alfabetização/CAPF;
líder do grupo de pesquisa GEPPE e coordenadora do Programa BALE e do NDE do Curso de Pedagogia; docente
permanente do PPGE/UERN. Atua nas áreas de Contação de histórias, formação do leitor e alfabetização.

Este texto retrata a fala proferida em to metodológico quanto epistemológico


uma mesa redonda intitulada “Epistemo- para se efetivar a pesquisa. Tive o pra-
logia qualitativa e subjetividade: aborda- zer de encontrar esse tema a partir da
gem teórico-metodológica para a pes- iniciativa de minha orientadora do dou-
quisa em educação”, apresentada no XII torado, a professora Doutora Maria Lú-
FIPED (Fórum internacional de Pedago- cia Pessoa Sampaio, que me apresentou
gia), ocorrido nos dias 08 a 10 de novem- a proposta teórica e epistemológica da
bro de 2021, no formato online, devido à epistemologia qualitativa e estou tentan-
pandemia da COVID-19. Na mesa, estive- do dar continuidade à abordagem pro-
ram debatendo o tema conosco, a profes- posta nesse caminho metodológico nas
sora Doutora Francileide Batista de Almei- pesquisas que oriento no mestrado em
da Vieira, da UFRN e o professor Mestre, ensino, no Programa de Pós-graduação
Aldeci Fernandes da Cunha, da UERN. A em Ensino (PPGE), da Universidade do
mediação foi feita pela discente do mes- Estado do Rio Grande do Norte.
trado Acadêmico em Ensino da UERN/ Para começar, gostaria de falar um
CAPF, Antonia Sara Samilly Regis Paiva. pouco sobre a epistemologia qualitativa
A epistemologia qualitativa se confi- como um suporte para a pesquisa em
gura como um caminho, uma proposta, educação e falar que essa proposta da
que não é abordada como um método. É epistemologia qualitativa, junto com o
uma proposta que traz um suporte tan- tema da subjetividade, vem da psicolo-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 129 PALESTRA 11


gia. Não é uma proposta que foi pensada da pesquisa estejam próximos entre si e
para a educação, e sim para a psicologia, próximos do objeto de estudo.
a partir do percursor, do propositor, tan- Nessa proposta de pesquisa, o mo-
to da teoria como da epistemologia, o es- delo de interpretação e de análise pro-
tudioso, González Rey, que dedicou seus posto, seria o modelo construtivo inter-
estudos à área da psicologia. Ele pensou pretativo. Este modelo vem para propor
tanto no estudo teórico como no estudo que a pessoa que vai pesquisar não use
epistemo-metodológico para estudar os o modelo dedutivo, nem o indutivo, mas
temas da psicologia. um modelo que vai dar margem para
No entanto, ao longo dos estudos que que a subjetividade e a criatividade do
González Rey e seu grupo foram cons- pesquisador estejam mais implicados
truindo, com o passar do tempo, tanto no processo de pesquisa. Sendo assim, o
os estudos voltados para a subjetividade, processo de pesquisa é encarado como
como a proposta da epistemologia qua- um sistema de relações, que envolve o
litativa passaram a ser muito usadas na teórico e o dialógico como pontos cen-
educação e nas pes- trais da ação do pes-
quisas, que ele deno- quisador. Isso signifi-
mina como pesquisa
antropossociais, ou
A epistemologia qualitativa ca que, ao pesquisar,
o investigador vai
seja, engloba várias
áreas do conheci-
se configura como um transitar no ambiente
de pesquisa, dialogar
mento nas quais essa
proposta se adequa e
caminho, uma proposta, com os dados, com os
sujeitos, com o espa-
colabora para que as que não é abordada como ço de pesquisa, tanto
pessoas possam fazer que esse modelo con-
seus estudos. um método. sidera o espaço social
Então, a proposta da pesquisa como um
de estudo da episte- elemento primordial
mologia qualitativa parte de três prin- na questão da construção do conheci-
cípios gerais, que são: o conhecimento mento. Quanto mais o pesquisador esti-
como uma produção construtivo-inter- ver imerso nesse cenário social, conhe-
pretativa; o caráter interativo do proces- cer esse cenário da pesquisa, mais tem
so de conhecimento e também a questão condições de construir conhecimento.
do singular como elemento da produ- Então, de acordo com Gonzalez Rey
ção do conhecimento (GONZÀLEZ REY, (2005), essa proposta funciona a partir
2003). Nessa proposta, a importância do confronto, que se refere ao confron-
da criatividade do pesquisador ganha to entre a teoria, os dados empíricos e a
destaque, pois o pesquisador, ao con- criatividade do pesquisador, que gera
trário da proposição de pesquisa mais uma atenção em termos de olhar e in-
tradicional, que defende a neutralidade, terpretar e a partir desses processos,
o afastamento do pesquisador do objeto chega ao que ele chama de construção
e do espaço da pesquisa, essa proposta teórica, que seria os resultados da pes-
defende que o pesquisador e os sujeitos quisa. Esse confronto dialógico com os

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 130 PALESTRA 11


dados só é possível a partir desse papel tativa, coloca o pesquisador como centro
ativo do investigador e dos participan- do processo produtivo. O pesquisador
tes da pesquisa, que a partir desse diá- está ali no centro do processo investi-
logo, dessa vivência, vai se efetivando gativo, ele olha, ele vê e, a partir daquele
essa construção teórica graças a essa processo dialógico, vai construindo a in-
relação que é ativa e que é dialógica. A formação dentro de sua ­pesquisa.
análise se baseia nessa construção do Nesse modelo, o conhecimento é
conhecimento, mediante a significa- entendido como produção e não como
ção das informações e do papel ativo do apropriação, pois o pesquisador não vai
pesquisador e dos sujeitos envolvidos ao ambiente de pesquisa e coleta dados
no processo da pesquisa. A proposta da no sentido de apanhar, de se apropriar
epistemologia qualitativa trabalha com de um conhecimento ou de uma infor-
a noção de construção da informação, mação que está pronta para ser colhida.
não trabalha com o Ele vai lá para cons-
princípio de coleta de truir, produzir esse
dados como é comum O pesquisador vai conhecimento, por
trabalhar na pesqui- isso, entendemos que
sa mais tradicional, construindo a informação a lógica configuracio-
inspirada no mode- nal encara a ciência
lo positivista e sim a partir do momento em como um processo
com o pressuposto complexo, no qual o
de construção da in-
que vai se posicionando pesquisador atua de
formação. Como mé-
todo, a epistemologia
no processo de pesquisa, uma forma constru-
tiva ao elaborar o co-
qualitativa propõe a
lógica configuracio-
com um olhar mais criativo nhecimento a partir
do diálogo, do con-
nal, em detrimento
da dedução e da indu-
e ativo na construção do fronto entre os da-
dos, que é considera-
ção (GONZÁLEZ REY;
MITJÁNS MARTÍNEZ,
conhecimento. do como informação.
Então, o pesquisador
2017). Assim, quan- vai construindo a in-
do o pesquisador está tomando as de- formação a partir do momento em que
cisões metodológicas, ao decidir em re- vai se posicionando no processo de pes-
lação ao método, não escolhe a indução quisa, com um olhar mais criativo e ativo
e nem tampouco a dedução, que são os na construção do conhecimento, que se
dois principais métodos que costumam torna possível graças a criatividade do
embasar a pesquisa, principalmente na pesquisador e sua interação no ambien-
área das ciências humanas. te social da investigação.
Com isso, González Rey (2005) propõe Nessa perspectiva, para a construção
um novo método, uma nova forma de in- teórica da pesquisa no modelo proposto,
vestigação, que seria a lógica configura- um aspecto muito importante se refere
cional. Essa lógica configuracional, como aos indicadores, esses indicadores são o
toda a proposta da epistemologia quali- que vai viabilizar o desenvolvimento do

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 131 PALESTRA 11


que o percursor da proposta. González Como a proposta foi pensada em sua
Rey (2003) chamou de novas zonas de gênese para a psicologia, parte do pen-
sentido, que são justamente as percep- samento do autor vem da posição de
ções que o pesquisador vai tendo duran- pensar o psiquismo humano como algo
te o desenvolvimento da pesquisa. complexo, da complexidade do psiquis-
Dentro do universo e do cenário so- mo humano visto pela perspectiva histó-
cial da pesquisa, o pesquisador vai per- rico-cultural. Foi então que ele começou
cebendo novas zonas de sentido, que a perceber que compreender essa com-
são como novos aportes, novos conhe- plexidade, demandaria uma forma, um
cimentos, novas informações, que vão caminho que atendesse as singularida-
surgindo dentro daquele diálogo, da des do psiquismo ­humano.
convivência que o pesquisador tem no A partir da concepção histórico-cul-
ambiente de pesquisa e nesse caminho tural, vinda principalmente do marxis-
ele vai gerar elementos que são signifi- mo, do materialismo dialético como al-
cativos para a construção teórica do ob- ternativa criativa e revolucionária, no
jeto de estudo investigado. Sendo assim, contexto das Investigações científicas
o pesquisador vai definir os indicadores, do início do século XX, o caminho teóri-
que vão sendo definidos ao longo da pes- co epistemológico que González Rey tri-
quisa. Nessa proposta, do começo até o lhou, passou pelos estudos de Vigotsky,
final da construção teórica, o pesquisa- do marxismo e de Rubinstein. Com isso,
dor vai construindo esses indicadores, o percursor da epistemologia qualitati-
que trazem novas zonas de sentidos, va percebe que o cognitivo, o afetivo, o
estas se transformam em novas ideias a social e o individual, precisariam estar
partir do diálogo entre o pesquisador e no centro das pesquisas. Então, temas
os elementos da pesquisa, como também como o afetivo e o social que não eram
com o ambiente, e com os sujeitos que considerados como objeto de estudo,
são participantes da pesquisa. passaram a ser vistos como temas que
Outro aspecto importante nessa precisam ser considerados e a experiên-
abordagem são as hipóteses que nesse cia humana começa a ser encarada como
modelo não são entendidas como algo matéria-prima da vida social.
que pode ou não ser comprovado, mas A partir dessa visão da experiência
como um caminho para que se chegue humana como essa matéria-prima, foi
à explicação teórica. O pesquisador não que o pesquisador González Rey pen-
vai elaborar hipóteses que serão refuta- sou que demandaria uma nova forma
das ou que serão comprovadas, mas vai também de olhar a pesquisa, de trilhar o
construindo indicadores que vão levar caminho da pesquisa, porque, ao consi-
a uma nova construção teórica com re- derar a subjetividade como um sistema
lação ao objeto de estudo. É importante pluridimensional, começou a perceber
também conhecermos alguns pressu- que o caminho da pesquisa no mode-
postos teórico-conceituais que embasam lo tradicional não daria conta de trazer
a construção da proposta da epistemo- para o centro da discussão e da constru-
logia qualitativa, a partir dos trabalhos ção do conhecimento campos, como o
do percursor da proposta, Gonzalez Rey. afetivo, o social, o individual e o sujeito.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 132 PALESTRA 11


Nessa perspectiva, para que esses te- proposta dos estudos que envolvem a
mas pudessem ser trazidos para o cen- subjetividade, que seria a interação dos
tro da investigação científica, demanda- elementos de sentido. Os elementos de
ria uma nova proposta, um novo modelo sentido e o sentido subjetivo trazem as
de estudo. Foi então que o pesquisador configurações subjetivas, que são aque-
começou a construir o modelo da epis- las experiências que o sujeito vive como
temologia qualitativa. Nesse contexto, membro de uma cultura e que vai mobili-
ele começou a pensar essa proposta, que zar toda a sua forma de viver e de pensar,
começou a ser construída já há algum que vai trazer para sua vida, para sua for-
tempo. O grupo de estudos formado por ma de ver e de se comportar, uma nova
Gonzalez Rey e seus colaboradores, con- configuração, ou seja, uma nova posição,
tinua se debruçando sobre essa propos- um novo entendimento. Um dos pressu-
ta, defendendo-a no campo das ciências postos teóricos importantes que embasa
antropossociais, cada dia mais como a proposta da epistemologia qualitativa é
uma proposta apta a nos fazer entender a questão do sujeito complexo, que Gon-
vários aspectos da construção humana. zález Rey aborda com base nos estudos
E dentro dessa proposição de González de Edgar Morin, para trazer a discussão
Rey, ele aborda alguns conceitos que são que caracteriza o homem como um ser
muito interessantes para o pesquisa- complexo, trazendo para dentro dessa
dor entender nesse caminho, como por configuração epistemológica.
exemplo, o sentido subjetivo, catego- Diante dessa exposição em termos
ria que se baseia no conceito de sentido conceituais e epistemológicos, gostaria
apontado por Vigotsky, cujo significado de falar um pouco sobre a pesquisa que
foi reconstruído por González Rey (2012), realizei pautada nessa abordagem da
trazendo assim uma nova categoria, que epistemologia qualitativa, porque con-
seria o sentido subjetivo. sidero que falar sobre a epistemologia
Nessa perspectiva, o que ele traz de qualitativa, sobre a subjetividade, sobre
Vigotsky é o caráter simbólico como ele- a criatividade se torna muito mais signi-
mento mediador da relação do homem ficativa quando podemos também mos-
com o mundo, pois quando Vigotsky traz trar um exemplo.
a categoria de sentido para o centro dos Enquanto pesquisadora, realizei a pes-
estudos da psicologia, traz com a intenção quisa de doutorado com o título “Expres-
de mostrar como o caráter simbólico é um são criativa e subjetividade na contação
elemento mediador entre o homem e a de histórias, no programa biblioteca am-
sociedade, e o sentido subjetivo fica sendo bulante e literatura nas escolas BALE”. As-
caracterizado na perspectiva de Gonzá- sim, o programa BALE foi o espaço social
lez Rey como o resultado de uma configu- no qual desenvolvi a pesquisa, que teve
ração subjetiva que se organiza em torno como objetivo geral, identificar elementos
da experiência. Então, além do simbólico da configuração subjetiva apresentada
e do emocional dentro da perspectiva da por cantadores de histórias do programa
subjetividade, ele traz a experiência e as BALE e compreender como eles se rela-
configurações subjetivas também como cionam com a expressão criativa apre-
um dos sentidos que estão no centro da sentada na realização dessa ­atividade.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 133 PALESTRA 11


A partir do momento que comecei a informais e o completamento de frases. A
pesquisa no BALE, passei a efetivar aque- partir daí, elaboramos algumas constru-
la imersão do pesquisador no ambiente ções teóricas, das quais podemos desta-
de pesquisa, no cenário social da pesqui- car que dentro do BALE, o sujeito edifica
sa e com os sujeitos, já que enquanto co- sua formação sociocultural a partir da
ordenadora do BALE, enquanto membro subjetividade individual e social que são
da equipe por muito tempo, tinha essa implicadas nesse processo, surgindo no-
característica, já que vivia no ambiente vos sentidos subjetivos que vão ter signi-
e tinha essa proximidade. Então, a partir ficado para a vida de cada sujeito, muito
do caminho proposto pela epistemologia além do espaço do BALE.
qualitativa, foi possível identificar que No espaço da contação de história,
elementos dessa configuração subjetiva começa a surgir novos sentidos subjeti-
dos contadores de história, que consi- vos, que vão trazer as novas configura-
deramos contador de história todas as ções que irão repercutir em toda a vida
pessoas que atuam no programa BALE, daquele sujeito, muito além do espaço
mesmo que não estejam contando dire- do programa. A superação do sentido
tamente a história, mas consideramos subjetivo que dificultava a interação
que todos participam indiretamente dos participantes, a superação de difi-
dessa atividade também se configuram culdades, como a timidez, foi uma das
como contadores. coisas que eles mais falaram. Os cola-
Para a efetivação da pesquisa, pro- boradores/as relataram a partir do que
curei entender o seguinte: de todo o fa- tinham vivenciado no programa BALE,
zer deles dentro do BALE, o que se confi- sentidos subjetivos que estão relacio-
gura como elementos que mudaram sua nados com a criatividade, com a emo-
perspectiva para uma expressão mais ção e com a interação.
criativa a partir dessa atividade de con- A partir de tudo isso, fui percebendo
tação de história. O objeto de estudo foi o através do confronto entre os indicado-
programa BALE e a contação de história, res, como por exemplo, quando na fala
baseado na seguinte pergunta de parti- de um dos colaboradores, percebi um
da: que elementos da configuração sub- indicador de que ele superou a timidez,
jetiva são mobilizados pelos contadores quando disse que era muito tímido com
de histórias do programa BALE e como a contação de história e com o palco, e
esses elementos se relacionam com a não é mais, devido a atividade de conta-
expressão criativa na atividade de con- ção de histórias no BALE, traz um indica-
tação de história? Com isso, procurei dor de que ele superou essa timidez, pois
ver que elementos os colaboradores/as afirmou que era tímido, e deixou de ser,
mobilizavam. passando a interagir e trabalhar com a
Para um melhor entendimento, tra- contação de histórias.
go aqui algumas construções teóricas a Enfim, essa discussão é apenas uma
partir da pesquisa que fiz, na qual tra- introdução sobre a proposta da episte-
balhei com vários elementos e vários mologia qualitativa que trouxemos de
instrumentos de pesquisa, entre eles a forma bem sucinta. Para concluir, dei-
narrativa, o questionário, os momentos xamos a reflexão sobre a necessidade de

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 134 PALESTRA 11


pensarmos em outros momentos para plexidade e Pesquisa em Psicologia. São
falarmos sobre a epistemologia quali- Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
tativa, pois trata-se de uma abordagem
GONZÁLEZ REY, Fernando Luiz. A con-
muito interessante para a prática da
figuração subjetiva dos processos psí-
pesquisa em educação.
quicos: avançando na compreensão da
aprendizagem como produção subjeti-
REFERÊNCIAS
va. In: MITJÁNS MARTÍNEZ, Albertina;
SCOZ, Beatriz Judith Lima, CASTANHO,
GONZÁLEZ REY, Fernando Luiz. Sujei-
Marisa Irene Siqueira. (Orgs.). Ensino e
to e subjetividade: uma aproximação
aprendizagem: a subjetividade em foco.
histórico-cultural. São Paulo: Pioneira
Brasília: Liber Livros, 2012.
Thomson Learning, 2003.

GONZÁLEZ REY, Fernando Luiz. O valor GONZÁLEZ REY, Fernando Luis; MIT-
heurístico da subjetividade na investiga- JÁNS MARTÍNEZ, Albertina. Subjetivi-
ção psicológica. In: GONZÁLEZ REY, Fer- dade: teoria, epistemologia e método.
nando Luiz. (org.). Subjetividade, Com- Campinas-SP: Editora Alínea, 2017.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 135 PALESTRA 11


PALESTRA 12

TA
BE OS
A CONTEMPORANEIDADE DAS
RO

R TA C
O
LIA N A CEN
DA MAS
DISCUSSÕES SOBRE EDUCAÇÃO
EM PAULO FREIRE E BELL
HOOKS: POR UMA CONSTRUÇÃO
DE UMA PEDAGOGIA ENGAJADA1
Roberta Liana Damasceno Costa — Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UERJ. Mestra e
Graduada em Filosofia pela UFC. MBA em Gestão de IES – FVJ. Professora Temporária do Curso de Filosofia – UVA.
E-mail: roberta_liana@uvanet.br ou robertafilos@gmail.com

Meu diálogo com vocês e com meus de um outro tempo, um novo tempo. Por
companheiros de mesa é buscar expli- isso, antes de falar sobre o contexto de
citar a potência da pedagogia engajada uma pedagogia engajada, preciso abrir
de bell hooks como proposta de supe- um momento para expor a ideia do novo
ração de uma educação tradicional, por e do velho em Paulo Freire e quem sabe
ser essa pedagogia vista por princípios assim compreender a contemporanei-
antissexista, anticlassista e antirracis- dade do seu pensamento, por entender
ta e por produzir a revolução de valores ser um pensar que nos coloca a enfren-
em vista de uma emancipação humana. tar o tempo.
Não poderia deixar de unir a essa pro- Na Pedagogia da Autonomia
posta de educação emancipadora de bell (1996/2019), Freire nos chama à discus-
hooks as ideias da perspectiva de uma são sobre o risco, a aceitação do novo e
educação como prática de liberdade de as rejeições a qualquer forma de discri-
Paulo Freire, uma vez que esses pensa- minação. E temos aí abertura para pen-
dores-educadores, no conjunto de suas sar o tempo, mas pensar o sentido das
ideias elaboradas e a apropriadas como coisas. Freire (1996/2019, p. 36) diz “é
chaves de leitura e reflexão, nos permi- próprio do pensar certo a disponibilida-
tem ver o momento presente e mobilizar de ao risco, a aceitação do novo que não
a criação de utopias – utopias aqui deve pode ser negado ou acolhido só porque é
ser entendido como momentos que rea-
lizamos de deslocamento do nosso tem- 1 Texto da fala realizada na Mesa-Redonda sob o título:
po para vislumbrar ações na construção Filosofia, Educação e Gênero na ­Contemporaneidade.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 136 PALESTRA 12


novo, assim como o critério de recusa ao certo é que não é algo espontâneo e é por
velho não é apenas o cronológico”. Mas esse motivo que a prática educacional
o que é pensar certo? Exige-se aqui um deve ter o seu papel de revitalização da
entendimento do método que Paulo Frei- experiência vital da humanidade do ser
re adota e que também é absorvido por que é a curiosidade humana. O pensar
bell hooks. Devemos entender que o pen- certo é fazer certo, é testemunho, esse
sar certo está ligado a uma problemática testemunho é a vivificação da minha co-
existencial em nosso cotidiano, seja ele municabilidade que foi elaborado ao me
escolar ou não, que é a retirada do sen- confrontar “com sujeitos que pensam
tido que é dado as coisas mais importan- mediados por objetos ou objetos sobre
tes em nossas vidas, nas apresentadas que incide o próprio pensar dos sujeitos”
pelo desencontro entre o novo e o velho. (idem, p. 38).
É preciso acolher o novo com sua novi- Chamo atenção para esse movimen-
dade, seus desafios, suas diferentes cul- to até aqui feito, pois estamos buscando
turas, raças, costu- falar sobre uma supe-
mes, mas não se pode ração das contradi-
esquecer os movi-
mentos de mudança e
Estamos buscando falar ções de nosso tempo
com a revolução de
de permanência que sobre uma superação das valores via uma pe-
a tradição ou melhor dagogia engajada,
o passado nos consti- contradições de nosso mas para que possa-
tuiu para que possa- mos superar as con-
mos também realizar tempo com a revolução de tradições do nosso
o reconhecimento de tempo via pedagogia
nossas contradições, valores via uma pedagogia engajada é preciso
erros e acertos. Que- nos deslocar dele; em
ro chamar atenção a engajada. que sentido? O filóso-
seguinte afirmação fo Giorgio Agamben,
sobre o pensar certo em seu texto O que é
freireano que é “a rejeição mais decidi- o contemporâneo? fala que estar con-
da a qualquer forma de discriminação.” temporâneo, ao seu tempo, é entender a
(FREIRE 1996/2019, p. 37). metáfora das estrelas, ver que elas estão
Portanto, “o pensar certo não é a a distância, mas que aparece uma inter-
pura condução ao alcance do conteúdo ligação. Nos afastamos do tempo para
informativo do conhecer a realidade, é melhor olhá-lo, percebê-lo. Recorremos
testemunho que exige profundidade e ao pensar certo, que é dialógico, e, para
não superficialidade, é ter a radicalida- que possamos superar as contradições
de do pensar concreta no fazer.” (Idem, p. do nosso tempo, confrontamos passado
37). O pensar certo nos exige a saída da e presente, o novo. Só assim olhar e per-
ingenuidade da curiosidade que se dá no ceber o nosso tempo será possível.
afeto da experiência do nosso acesso ao Enquanto educadores, não acredi-
mundo para a curiosidade epistemológi- tamos que pensar certo é uma dádiva e
ca. Uma outra compreensão do pensar que o nosso lugar é de produzir o pensar

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 137 PALESTRA 12


certo. O pensar certo “que supera o ingê- repensar crítico acerca das estruturas
nuo tem que ser produzido pelo próprio dos modos de conhecimento e das anti-
aprendiz em comunhão com o professor gas epistemologias. Hooks adverte que
formador” (idem, p.39). Somente quando não basta apenas apontar o dedo des-
se constrói a reflexão crítica, que é pro- credenciando a racionalidade moderna,
duzida pelo pensar certo, mais assumo burguesa e elitista se não acrescentar
as condições de estar sendo e percebo as que essa razão que nos é colocada possui
razões de ser e de propor mudanças. A a autoridade de quem faz, ou seja, uma
educação que não direciona no pensar voz branca e masculina. Tais elementos
certo é errada, pois não reconhece as conjugados fazem emergir a teia com-
injustiças, as opressões, a deslealdade. plexa de uma estrutura de dominação e
Paulo Freire entende a educação como o de exploração que tenta nos impedir em
coração da vida política e da transforma- produzir uma teoria e uma prática liber-
ção social libertadora. A educação que tadora, a essa estrutura chamamos de
visa ser transformadora deve adotar o Capitalismo e a sua lógica de funciona-
pensar certo como via desta possibilida- mento de neoliberalismo já tantas vezes
de e fazer dos sujeitos os reais seres da combatido nos textos de Paulo Freire.
mudança. Visto a tentativa do pensar cer- Quando Hooks reacende nos seus es-
to sobre nossas discussões sobre o olhar critos a proposta de construir uma edu-
e perceber o nosso tempo, trago a pers- cação engajada, retorna a educadora a
pectiva de bell hooks na esteira freirea- uma perspectiva de classe, no sentido de
na ao pensar a educação como algo que tomada de consciência e neste momen-
se faz junto e que implica o ato em que to trago a concepção do pensar certo de
todos tomam posse do ­conhecimento. Freire, que em hooks é pensar a própria
Não existe para hooks, como relato voz, reconhecendo a singularidade de
de sua trajetória, a perspectiva liberta- cada voz e autoridade atribuída a ela,
dora da educação se não houver o re- através do incentivo à autoafirmação e
conhecimento dos sujeitos da prática ao engajamento como parte da forma-
educativa nas suas particularidades e na ção política do sujeito em grupo social.
sua diversidade. Bell Hooks usa como re- A pedagogia engajada de Hooks encon-
ferência as experiências escolares pelas tra o pensar certo de Freire e supera os
quais passou, relatando processos vio- limites da exposição das contradições
lentos ou libertadores. Em seus relatos expostas por Freire; ofertar e construir
de processos libertadores existe um cré- uma pedagogia engajada é comprome-
dito dado ao movimento feminista negro ter-se com o amor, a esperança e o cui-
que teve como enfrentamento a supe- dado – o pensar certo só é possível nessa
ração da visão hegemônica branca dos busca pela autoformação, bem-estar e
discursos feministas e de suas práticas na capacitação de todos os sujeitos.
que também insidiam na educação. Para O desafio para a concretização dessa
a educadora estadunidense, a educação pedagogia está posta por Hooks (2019), na
libertadora não pode ter teoria e práti- busca em “descolonizar a mente”, é nos
cas separados, a educação libertadora desvencilhar, nos afastar da nossa for-
requer um firme compromisso como o mação educacional de todos os tipos de

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 138 PALESTRA 12


poderes: político, religioso, econômico e que, ao pensar sobre as contradições do
educacional bancário liberal. A pedago- nosso tempo e espaço (seja o escolar, o
gia engajada requer “coragem”, vinda da político e o social), “em que raça, classe e
comunhão entre educadores e educan- gênero, ao serem impedidos de entrar na
dos, e criticidade, para que saiamos da sala de aula ou espaços onde se promove
cultura da dominação, na qual pobres e a fundação de valores societários, esses
ricos, mulheres e homens, brancos e ne- impedimentos produzem um obstácu-
gros foram construídos e socializados, e lo na construção no nosso horizonte de
só assim nos livramos dos paradigmas utopia, obstáculo que resulta violações e
hegemônicos que es- violências.” (Almeida
truturam as cadeias e Lole, 2020, p.203).
de opressão. O olhar- O desafio para a Resultado disso é um
-pensar certo da pe- desenraizamento dos
dagogia engajada de concretização dessa sujeitos, retirando-
Bell Hooks é o novo -lhes da humanidade
e passado do pen- pedagogia está posta por de ser o que são e es-
samento freireano, tão sendo, mas acima
pois nos ensina que Hooks (2019), na busca de tudo os afastam
a luta contra o poder da sua capacidade
não requer uma pro- em “descolonizar a mente”, de engajamento no
priedade das lutas e mundo e de trazer a
o protagonismo de
é nos desvencilhar, nos beleza das estrelas
classes específicas,
pois no campo edu-
afastar da nossa formação para as conquistas de
suas lutas.
cacional essas lutas
nos atravessam e
educacional de todos os REFERÊNCIAS
são compartilhadas
e neste caso a luta se
tipos de poderes: político, FREIRE, Paulo. Peda-
constitui com sujei-
tos que não podem
religioso, econômico e gogia da autonomia.
São Paulo: Editora Paz
ser mais vistos como educacional bancário e Terra, 1996/2019.
objetos. Precisamos
acolher os novos su- liberal. HOOKS, bell.  Ensi-
jeitos dessas lutas nando a transgredir:
sem que a própria a educação como prá-
história das lutas não seja esquecida e tica de liberdade. 2. ed. São Paulo: Mar-
somente assim possamos analisar e pen- tins Fontes, 2019.
sar caminhos que promovam o avanço
dessas conquistas oriundas de nossas LIMA DE ALMEIDA, C. C.; LOLE, A. EDU-
lutas contra as opressões que encontra- CAÇÃO POPULAR NAS LUTAS LIBER-
mos no contexto social e escolar. TÁRIAS CONTEMPORÂNEAS. In:  Movi-
É preciso que façamos um distancia- mento-revista de educação, v. 7, n. 12, p.
mento, como das estrelas no céu, para 183-204, 9 jun. 2020.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 139 PALESTRA 12


PALESTRA 13

S
RE
MA

IA HA
LI N
R

IS A
BEL RA
S I LVA B E Z E R

CONVERSAS SOBRE
METODOLOGIAS PEDAGÓGICAS
A
ID

DJ
NA

NOS ESPAÇOS NÃO ESCOLARES:


ME

AR L
IN E EA
L LE O LIVEIE R A D
UM OLHAR SOBRE A PEDAGOGIA
COMUNITÁRIA E A EDUCAÇÃO
POPULAR
Maria Isabel Silva Bezerra Linhares – Gradua em Serviço Social (Universidade Estadual do Ceará – UECE) e For-
mação Especial Pedagógica (Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA). Mestrado em Gestão Pública (UVA) e
Doutorado em Sociologia, pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Atualmente vinculada ao o Programa de Pós Doutorado em Estudos Culturais do Programa Avançado em Cultura
Contemporânea (PACC), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizando estágio pós-doutoral, vin-
culada a área de pesquisa Modos de Ser na Cidade: diversidade cultural, relações de poder, políticas de identidade,
novas tecnologias e expressões do imaginário. É bolsista de produtividade em pesquisa, estímulo à interiorização
e à inovação tecnológica – BPI (Edital 02/2020) da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – FUNCAP. Desde 2002, é professora da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Atualmente, faço
parte do quadro permanente de Professores/Orientadores do Programa de Mestrado Profissional de Sociologia em
Rede Nacional (PROFSOCIO-UVA).

Nadja Rinelle Oliveira de Almeida – Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú
(UVA). Doutora e Mestre em educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora do Curso de Pedagogia
da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Pesquisadora o Laboratório Trabalho, Educação, Gênero e Subjeti-
vidades (LATEGS-UVA)

Nosso cordial bom dia a todos(as/es) faz necessário construir saberes e com-
aqui presentes no XII Fórum Internacio- partilhar novos conhecimentos, consi-
nal de Pedagogia! Agradecemos a honra derando a ciência como fronteira para
em poder compartilhar um debate tão a resistência democrática, conforme
importante sobre as contribuições da anuncia o tema do XII FIPED.
pedagogia freireana nas experiências Compartilhamos nessa Mesa algu-
educacionais contemporâneas, espe- mas contribuições de experiências com
cialmente nesse momento, no qual se discentes do curso de Pedagogia, da

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 140 PALESTRA 13


Universidade Estadual Vale do Acaraú sadores(as), cujos estudos são pauta-
(UVA), no debate com colegas de outras dos nos círculos dialógicos freireanos,
Instituições de Educação Superior (IES), intensificou o desejo de encontrar e
cuja experiência parte de uma disciplina, dialogar com novas falas, espaços,
sob nossa coordenação, “Metodologias reflexões, identificações e constru-
pedagógicas nos espaços não escolares”. ções docentes neste evento, como um
Nossa fala busca contemplar os diálogos processo de expansão das experiên-
que vimos construindo desde meados de cias educacionais capazes de libertar
2020 até então, portanto, fazemos um as nossas falas, atuações e ocupações
recorte de parte dessa experiência, para educacionais histórico-críticas.
demonstrar a belezura do diálogo com- A disciplina “Metodologias pedagógi-
partilhado com grupos de pessoas que cas nos espaços não-formais” se propõe
se movimentam a partir da dialogicida- a condução de educandos(as) a construir
de freireana. olhares e percepções sobre práticas pe-
Desse modo, destacamos como prin- dagógicas que podem ser descobertas,
cipal objetivo, discutir a importância do reconhecidas e desenvolvidas nos es-
Círculo Dialógico enquanto metodologia paços não-escolares. E essa descoberta/
pedagógica em ambientes não formais, reconhecimento tem seus alicerces em
ressaltando a atuação de pedagogos(as) uma prática política ancorada em um
nesses espaços e a importância da dia- pensar crítico, que é capaz de identificar,
logicidade na busca por uma educação problematizar e gerar um movimento
democrática. Referido componente cur- para a elaboração de uma relação dia-
ricular integra o conjunto das discipli- lógica e pedagógica que considera edu-
nas optativas da Matriz 2018, do curso de cador e educando como sujeitos poten-
Pedagogia, e teve como principal objeti- tes para transformar realidades a eles
vo criar um movimento dialógico, com apresentadas e experienciadas. Para
base na partilha das identificações, re- além de relatar parte das experiências
flexões, afetos e proposições vivenciadas constituídas no decorrer dos semestres,
nos encontros on-line, cujos encontros parte-se da compreensão que a humani-
dialógicos se pautaram em expressões, dade, enquanto conjunto das existências
proposições e categorias educacionais constituídas culturalmente nos aspectos
brasileiras contemporâneas, customiza- históricos, políticos, econômicos e so-
das epistemologicamente com a pedago- ciais, nos conduz ao reconhecimento dos
gia freiriana. A disciplina foi ministrada distintos processos plurais da educação
por mim, Profa. Isabel Linhares, e contou brasileira. Enquanto educadores(as),
com a colaboração da Profa. Nadja Rinel- propor debates neste ano de 2021, cente-
le de Almeida, Profa. Inambê Sales, e das nário do patrono da educação brasileira,
monitoras Heline Carvalho e Ana Janiele Paulo Freire, implica reafirmar as con-
(no semestre 2021.1), Janiele Santista e tribuições do seu legado na/para expe-
Amanda Costa (no semeste 2021.2). riências educacionais contemporâneas.
Esta experiência educacional que E como temos feito para desenvolver
norteou o caminhar do debate, a par- esses diálogos? Considerando o longo
tir dos encontros virtuais com pesqui- período de isolamento social decorrente

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 141 PALESTRA 13


da pandemia ocasionada pelo COVID-19, mação do(a) educador(a) social, o qual in-
a Universidade está trabalhando de troduz nosso debate com as turmas que
modo remoto. Nesse contexto, organiza- cursaram a disciplina “Metodologias Pe-
mos nossos encontros através de Rodas dagógicas nos espaços não-escolares”.
de Conversas, na modalidade on-line, Ao tratarmos de educação, é preciso
com temáticas que contribuíram com as compreender que esta é um fenômeno
questões teórico-metodológicas sobre plural e ocorre nos mais diversos âmbi-
o fazer pedagógico de pedagogos(as), tos, como também traz consigo inúme-
para/na sua atuação nos espaços não- ros objetivos, que dependerão do modelo
-formais da educação. Os temas pro- de sociedade em que o educando está in-
postos pelos convidados fizeram uma serido e que modelo de sociedade deseja
revisão da pedagogia alcançar.
freireana, especifica- Brandão (1981),
mente pautadas nos em sua obra O que
círculos dialógicos.
O princípio da Educação é educação?, afirma
Com esse objetivo, or-
ganizamos as Rodas
popular é a obtenção que ninguém está
isento dela, visto que
de Conversas a partir
de temas, enquanto
de uma forma de a educação está nos
mais variados espa-
subsídios teórico-
-metodológicos para
educação onde os ços da sociedade, e
é realizada das mais
atuação de Pedago-
gos(as) nos espaços
saberes dos indivíduos diversas formas, seja
pelo saber científico
não-escolares, como: sejam respeitados e e articulado, como
a Pedagogia Comuni- também pelo saber
tária, Teatro do Opri- esquematizados para passado de geração
mido, Dialogicidade para geração. Nessa
Freiriana, Educação uma prática pedagógica perspectiva, Freire
Biocêntrica, Círculo (1997) ressalta que a
Reflexivo Biográfico, cotidiana. educação não é neu-
Afetos da imagem, tra e que toda edu-
Sociopoética, Técni- cação antes de tudo
cas Projetivas, entre outros. é um ato político. As considerações de
Para dar suporte ao debate, propuse- Freire nos conduzem ao pensamento de
mos uma revisão bibliográfica, tomando Gadotti (2012), o qual destaca uma divi-
como referência os estudos de Brandão são entre as chamadas pedagogias vol-
(1989), Franco e Loureiro (2012), Gohn tadas apenas para o saber puramente
(2006), Freire (1987), Braga, Figueredo, científico e as pedagogias críticas.
entre outros. No decorrer dessa expo- Neste sentido, entende-se que o prin-
sição, nos propomos a sintetizar as pri- cípio da Educação popular é a obtenção
meiras experimentações acerca do diá- de uma forma de educação onde os sa-
logo com a Pedagogia Comunitária e a beres dos indivíduos sejam respeitados
Educação Popular: contributos para for- e esquematizados para uma prática pe-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 142 PALESTRA 13


dagógica cotidiana, a partir da realida- cipa da construção do mundo. Segundo
de dos indivíduos que resulte em trans- Calado (2008), a Educação Popular é um
formação social. Tema de debates entre processo formativo permanente, pro-
diversos pensadores da educação, afir- tagonizado pela classe trabalhadora e
ma-se que as pedagogias voltadas ape- seus aliados, continuamente alimentado
nas para o saber científico contribuem pela utopia, em permanente construção
apenas para manutenção do status quo, de uma sociedade economicamente jus-
negando ou obscurecendo o papel que a ta, socialmente solidária, politicamen-
educação deve ter de emancipar os indi- te igualitária, culturalmente diversa,
víduos. Por sua vez, afirma-se que as pe- dentro de um processo coerentemente
dagogias críticas estão atreladas ao de- marcado por práticas, procedimentos,
sejo de mudança, transformação social dinâmicas e posturas correspondentes
e libertação. E é nessa ao mesmo horizonte.
perspectiva que estão Já a educação comu-
inseridas a educação
popular e a pedago-
A Educação Popular nitária ou pedagogia
comunitária, de acor-
gia comunitária.
Inspirada em
se coloca como práxis do com Gadotti (2012),
é uma expressão da
Paulo Freire, a Edu-
cação Popular se co-
que busca reconhecer educação popular,
que visa também a
loca como práxis que
busca reconhecer os
os saberes das garantia de uma me-
lhor condição de vida
saberes das classes classes populares e a para os indivíduos
populares e a cons- da comunidade local,
trução democrática construção democrática que ao longo de sua
e compartilhada do vida foram excluídos
conhecimento. Sua e compartilhada do dos mais diversos es-
origem está ligada a paços, inclusive da-
movimentos sociais conhecimento. queles voltados para
que se insurgiram na o processo de ensino
América Latina, por e aprendizagem.
volta da segunda metade do século 20, Cabe ressaltar que a pedagogia co-
contra os processos de colonização e go- munitária vai além do formativo, ela é
vernos autoritários. antes de tudo uma pedagogia liberta-
Considerando que a educação é um dora, que visa uma busca pela transfor-
fenômeno complexo com várias verten- mação na e com a comunidade. Diante
tes e concepções, não é possível falar de do exposto, pode-se compreender que o
uma educação de forma geral, apartan- objetivo de ambas as educações é possi-
do-se de seu contexto histórico e social. bilitar oportunidades em que os indiví-
Dessa forma, a educação popular perce- duos tenham seus direitos garantidos, e
be o ser humano com uma construção possam ser agentes transformadores de
histórica e produto de sua própria rein- suas próprias realidades, afinal todo ser
venção, como um ser político que parti- humano deseja expandir-se no sentido

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 143 PALESTRA 13


ontológico e contribuir na sociedade em a formação de pedagogos(as) para atua-
que vive, porém, muitos são excluídos no ção nos espaços não-formais da educa-
decorrer de suas trajetórias. ção contempla uma formação integral,
Essa perspectiva nos conduz a com- cujas funções se afirmam na perspectiva
preender que Educação Popular e Edu- socioeducativa, pois atenta-se e foca-se
cação Comunitária, não estão no campo na comunidade, no desenvolvimento de
da educação formal, porém, ambas são projetos sociais e/ou comunitários.
comprometidas com o rigor científico O exercício de ser Educador Social/
e lutam para alcançar esse espaço nas Popular pauta-se na construção de socie-
políticas públicas educacionais de nos- dade mais justa, igualitária, transforma-
so país, conforme afirma Gadotti (2012), dora, revolucionária e dinâmica dentro
ao destacar que, a educação social, po- das instituições comunitárias, pois cada
pular e comunitária pode exercitar-se uma delas tem objetivos, missão, públi-
também fora da modalidade da educa- co-alvo, filosofia, tipos de profissionais.
ção chamada ‘formal’. É nesse processo que
Para o autor, elas são o educador se faz do-
tão “formais” quanto
outras, se levarmos
A formação de cente, pois ele conhe-
ce o espaço, interage,
em conta seu rigor
científico, seus fins e
pedagogos(as) para contribui,
pesquisa,
investe,
conhece,
objetivos, sua neces-
sidade de reconheci-
atuação nos espaços analisa e aprende o
que deve ser apre-
mento, regulamen-
tação e certificação.
não-formais da educação endido. O educador
social/popular traba-
Daí a importância de
saber qual educação
contempla uma formação lha justamente para
o crescimento e de-
estamos falando. A integral. senvolvimento dos
Educação Popular, sujeitos, por meio
por exemplo, tem se da criação de novos
colocado no sentido projetos, conheci-
de se tornar política pública, portanto, mento das realidades, tendo um olhar
disputar hegemonia com outras educa- reflexivo e crítico, moldando o processo
ções no sistema formal de ­ensino. socioeducativo, promovendo qualidade
Retomando as reflexões sobre o rigor de vida aos educandos. Esse educador
científico que existem dentro dessas áre- contribuirá para uma emancipação hu-
as da educação, é possível trazer à tona a mana dos sujeitos, tendo como foco a sua
formação de educadores que atuam den- transformação, por isso, é fundamental
tro desses espaços. Sobre isso, Gadotti que seja garantido uma formação inte-
(2012) levanta alguns aspectos desses gral desse profissional, a qual contemple
profissionais e pontua que estes além competências com relação a pedagogia
de possuírem domínio pedagógico, tam- comunitária e Educação Popular, valo-
bém estão comprometidos com a trans- rizando os saberes prévios dos povos e
formação social. Nessa perspectiva, que suas realidades culturais na construção

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 144 PALESTRA 13


de novos saberes, onde o diálogo e con- Diante do exposto, sugere-se um
tribuição comunitária sejam fundamen- olhar atento para a formação inicial e
tais para uma melhor leitura da realida- continuada de pedagogos(as), o que im-
de social, cultural, política e econômica. plica dizer que essa formação deve estar
Nesse processo, o educador é a ponte, o antenada com a compreensão e desve-
mediador. lamento da cultura popular, ou seja, as
Nesse sentido, recorremos à compre- políticas de formação continuada, uma
ensão da dialogicidade em Freire (1987). vez materializadas nos Projetos Políticos
Para ele, a dialogicidade vai muito além Pedagógicos dos Cursos de Graduação,
do encontro de seres, da comunhão entre devem (re)conhecer a realidade de seus
pessoas, também gira em torno do que vai educandos, propor metodologias par-
ser abordado na ação dialógica, do assun- ticipativas, de modo que esta formação
to que vai ser tratado promova o envolvi-
e como será tratado. mento e a participa-
Freire (1987) afirma Em uma educação onde ção da comunidade,
que a ação dialógica ( r e) c o n h e c i m e n t o ,
começa na busca do o mundo passa a ser o empoderamento e,
conteúdo programá- consequentemente,
tico que não deve ser mediatizador e não os transformação social.
imposto, mas buscado
por meio da intera- conteúdos possuídos pelo REFERÊNCIAS
ção com o educando.
A educação dialógica
educador, não há espaço BRANDÃO, Carlos
deve fazer com que o
educador respeite a
para a verticalidade, para Rodrigues. O que é
Educação. 25 ed. São
visão de mundo dos
educandos e junto a
a doação de saberes, mas Paulo:
1989
Brasiliense.

eles, em comunhão,
reflitam, entendam e
para a construção de forma DE PAULA, Lucimara
desmascarem a rea-
lidade que os cercam
horizontal. Cristina. Contribui-
ções da dialogicidade
através de conteúdos em Paulo Freire às
humanizantes e não dominantes. pesquisas e propostas sobre a formação
Em uma educação onde o mundo de educadores. Cadernos de Pesquisa:
passa a ser o mediatizador e não os con- pensamento educacional. Curitiba. v.
teúdos possuídos pelo educador, não há 12. n. 30. p. 57-73. Jan/abr. 2017.
espaço para a verticalidade, para a doa-
ção de saberes, mas para a construção FRANCO, J. B.; LOUREIRO, C. F. B. Aspec-
de forma horizontal, onde os atores são tos Teóricos e Metodológicos do Círculo
tanto educadores como educandos, que de Cultura: uma possibilidade pedagó-
devem buscar o conhecimento em co- gica e dialógica em educação ambiental.
munhão, de forma dialógica, onde um Ambiente & Educação, [S. l.], v. 17,
sempre aprende com o outro. n. 1, p. 11–27, 2012. Disponível em: https://

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 145 PALESTRA 13


periodicos.furg.br/ambeduc/article/ GOHN, Maria da Glória. Educação não-
view/2422. Acesso em: 14 jul. 2021. -formal, participação da sociedade civil
e estruturas colegiadas nas escolas. En-
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, saio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janei-
17. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. ro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006

FREIRE, P. Professora sim, tia não: car- LIMA, Aparecida. Educação Comuni-
tas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho tária. Disponível em: https://siteanti-
d’água, 1997. go.portaleducacao.com.br/conteudo/
artigos/educacao/educacaocomunita-
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: ria/53129#. Acesso em: 18 de julho de 2021.
saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1997. OLINDA, Ercília Maria Braga, PINTO,
Elismária Catarina Barros. O Círculo
GADOTTI, Moacir. Educação popular, Reflexivo Biográfico na Pesquisa com
educação social, educação comunitária: Jovens da Periferia de Maracanaú-CE.
conceitos e práticas diversas, cimenta- Revista @mbienteeducação. São Paulo:
das por uma causa comum. Revista Di- Universidade Cidade de São Paulo, v.12,
álogos: pesquisa em extensão univer- n.2, p. 263-286 maio/ago 2019.
sitária. IV Congresso Internacional de
Pedagogia Social: domínio epistemológi- PETRUS, Antonio. Pedagogia Social.
co. Brasília. 2012. p. 10-32. Barcelona: Ariel, 1997.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 146 PALESTRA 13


PALESTRA 14

SABERES/CONHECIMENTOS E
ENSINO MÉDIO NA FORMAÇÃO
DA JUVENTUDE: DIÁLOGOS EM
TO
EN
AF

SO
ON

AS IM
C
TORNO DAS EPISTEMOLOGIAS
WE N
L L IT USA
ON DE SO

DAS ÁGUAS E DO CONTROLE


SOCIAL

Maria Bárbara da Costa Cardoso – Docente e coor-


denadora da rede pública de Educação Básica, coor-
denadora do Ensino Fundamental – anos iniciais da
SEMEC Abaetetuba, membro do GEPESEED/UFPA.
SO

AR
DO
M

IA R E-mail: barbara.costa@csfx.org.br.
B ÁR CA
B A R A D A C O S TA
Maria do Socorro Vasconcelos Pereira – Docente e
coordenadora da rede pública de Educação Bási-
ca, coordenadora de Planejamento e Formação da
SEMEC Abaetetuba, membro do GEPESEED/UFPA.
E-mail: vasconcelosmariadosocorro67@gmail.com.

Rayana Barros da Silva – Graduanda do curso de


Pedagogia da Universidade Federal do Pará-Cam-
pus de Abaetetuba, membro do GEPESEED/UFPA.
E-mail: rayanabarros18@gmail.com.
IRA
MA

RE
RI

PE

DO S
A

SOC ELO
O R R O VA S C O N C
Este texto é produto do debate esta-
belecido sob a forma de mesa redonda
no XII Fórum Internacional de Pedago-
gia – XII FIPED, cujo objetivo é realizar o
registro e ampliar o acesso ao conheci-
mento produzido e socializado nas ati-
vidades, publicados sob a forma de “Ca-
dernos da AINPGP”.
RA
YA N S IL
VA O conjunto de reflexões que consti-
A B A R R OS DA
tuem este material é resultado das pes-
quisas produzidas pelos estudos sobre
os conceitos de Estado, educação e políti-
cas educacionais voltadas para o Ensino
Afonso Welliton de Sousa Nascimento – Prof. Dr. da Médio, que abriga parte da compreensão
Universidade Federal do Pará-Campus de Abaete-
tuba, coordenador do Grupo de Estudo, Pesquisa e teórica, articulada com as legislações
Extensão, Sociedade, Estado, Educação: ênfase nos nacional, estadual e municipais, pla-
governos municipais e educação do campo- GEPE-
SEED. E-mail: afonsows27@gmail.com. nos, projetos e programas de governos

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 147 PALESTRA 14


das três esferas de poder, subsidiam as grupo de pesquisa, seguido da exposição
análises sobre as políticas educacionais teórico-conceitual em que o tema se in-
desenvolvidas no Estado do Pará, espe- sere, finalizado pela breve conclusão da
cificamente, sobre um conjunto de mu- atividade sob a lógica em que foi condu-
nicípios que formam as regiões do Baixo zida no formato de exposição oral, em
Tocantins e do Vale do Acará e são obje- que se assume a defesa pela viabilização
to de investigação do grupo de pesqui- de outras epistemologias para a media-
sa GEPSEED, cujo objetivo é investigar ção dos processos formativos da juven-
como se efetivam as políticas públicas tude amazônida. Quando começamos a
de ensino médio na formação dos jo- discutir a temática dos saberes/conhe-
vens, em escolas públicas estaduais que cimentos presentes no ensino médio en-
atendem estudantes do campo ou da pe- quanto etapa da formação da juventude,
riferia, seja no ensino médio regular ou com vistas a potencializar os diálogos em
sistema modular de ensino. torno das Epistemologias das Águas e do
O material acumulado a partir de Controle Social, partimos de uma discus-
pesquisas bibliográficas e documen- são na qual é importante o olhar sobre o
tais, efetivadas nos níveis de graduação papel da ciência, para além do cunho teo-
e pós-graduação, projetos de pesquisa cêntrico que foi se constituindo na Idade
e extensão são reunidos sob a forma de Média, cabendo pensar outra perspecti-
banco de dados para dar continuidade va epistemológica, pela qual seja possível
na alimentação do observatório de po- estabelecer diálogos com os saberes e as
líticas educacionais desenvolvidas pelo formações imersas na diversidade ama-
estado paraense, nos municípios das zônica, em como se pensa a Amazônia
regiões Tocantina e Vale do Acará; tem na modernidade, dentro desses aspectos
se constituído em estratégia metodoló- científicos acadêmicos, considerando a
gica dos processos de pesquisa a par- diversidade das populações.
tir do desenvolvimento da atividade de A concepção de educação ao longo do
levantamento de dados e aplicação dos percurso histórico foi avançando, na an-
instrumentos pelos pesquisadores in- tiguidade era de cunho conservadora na
tegrantes do grupo; oferece subsídios qual tinha como objetivo instruir o sujei-
aos processos formativos desenvolvidos to para superar, segundo Kant, o caráter
pelo grupo de pesquisa junto às institui- da animalidade, usando como método de
ções de ensino e movimentos sociais dos formação a disciplina e instrução. Já a
territórios investigados, assim como são escola na modernidade se constitui por
evidências analíticas dos conteúdos que princípios iluministas desde a Revolução
constituem as produções de eventos de Francesa, possuindo um elemento fun-
cunho acadêmico de nível local, regional damental, traduzido por Francis Bacon,
e nacional. como o novo método científico constitu-
Desta feita, o texto está estruturado ído pelo empirismo, preconizando o ca-
no formato em que foi explanado duran- ráter da formação de um sujeito autôno-
te o evento, sob a forma de mesa redon- mo, racional e livre.
da, composta pela exposição introdutória Desse modo, o construto de currículo
da origem do objeto problematizado pelo perpassa por duas dimensões: o da for-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 148 PALESTRA 14


mação tradicional, feita pelo uso da dis- ocupar o espaço do trabalho manual de-
ciplina e pela instrução, e de outro, en- senvolvido na fábrica, a fim de garantir a
globa o desenvolvimento da capacidade sua ­sobrevivência.
da instrução de um mundo de segunda Outro elemento importante de con-
ordem, construída pelo gênero humano, traponto entre o liberalismo clássico e,
definida dentro do espaço educacional de certa forma, o positivismo cultural,
pelo caráter do desenvolvimento do mé- desenvolvido na escola e na formação
todo científico e, automaticamente, por educacional, é o do pensamento tradu-
dentro disso, surge o aparecimento da zido pelo materialismo histórico, princi-
ciência e da tecnologia na perspectiva de palmente, com a figura de Marx, citan-
uma escola laica. do a escola politécnica, na qual se inicia
Em síntese, a epistemologia educa- com a ideia da omnilateralidade huma-
cional da modernidade se pauta em três na, de pensar o ser humano em toda a
elementos, o da escola laica, fundamen- sua integralidade, seja ela no mundo cul-
tada na ciência, na construção do conhe- tural, seja também no envolvimento com
cimento e saberes humanos, segundo o o mundo do trabalho. Desse modo, Marx
desenvolvimento da ciência como um faz uma crítica profunda à modernida-
ponto central da construção desses ele- de, porque, ao mesmo tempo em que a
mentos e, por último, o papel do/a pro- modernidade traz o caráter do sujeito
fessor/a, definido conforme Durkheim, autônomo racional e livre, essa moder-
na sua obra clássica “Sociologia da Edu- nidade não é igualitária economicamen-
cação”, como um sujeito que se repre- te, é efetivamente construída da divisão
senta como elite pensante, pelo qual tem das classes sociais.
como fundamento último o caráter do No fim do século XX e início do Sé-
espírito da humanidade, de formar ci- culo XXI, temos um elemento central do
dadãos capazes de contribuir com a har- debate construído, a crise da ciência mo-
monia social. derna. De certa forma, o ethos cultural
Contrastando a isso, na modernida- antropocêntrico e o ethos cultural cien-
de, segundo Habermas, há um caráter tífico estabelecem limites à questão da
utópico da educação, baseada na teoria sobrevivência do próprio planeta, oca-
iluminista que tem uma visão pautada sionado pela centralidade da ciência na
no mundo industrial, voltada para o de- qual transforma a natureza em objeto de
senvolvimento científico-tecnológico. estudo, colocando efetivamente os seres
Nessa perspectiva, há dois modelos de humanos como o centro deste universo,
educação: de um lado, temos primeiro ocasionando o problema da apropriação
uma formação propedêutica, como ele- do domínio e do estabelecimento do de-
mento constante da formação da elite senvolvimento da riqueza, pela qual é
que ocupa os cargos e espaços superio- dividida em classe composta entre dois
res da sociedade, e segundo, uma escola elementos que é importante o do poder
pública baseada na instrução popular, e o dinheiro.
pensada inclusive pelo próprio ilumi- Consonante a teoria dos sete saberes
nismo como um instrumento de profis- e a teoria da complexidade de Edgar Mo-
sionalizar as camadas populares para rin, o ser humano não é o centro da cul-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 149 PALESTRA 14


tura antropocêntrica e nem da cultura ministro Ricardo Salles, que se mostrou
educacional laica, definido na formação uma ameaça global ao meio ambiente,
pública. O ser humano, como a própria propondo durante a pandemia “passar a
Hannah Arendt discute no conceito de boiada” de desregulamentações das polí-
vida ativa, na área do racionalismo crí- ticas de preservação ambiental, o avan-
tico, pertence à natureza e tem o poder ço desenfreado do agronegócio brasi-
de agir sobre ela. Nesse sentido, com o leiro não estabelece nenhum processo
avanço científico proporcionado pelas de proteção e formação cultural. Nesse
guerras mundiais e, principalmente, parâmetro, é preciso dialogar confor-
pela guerra fria, mesmo que o homem me Edgar Morin, sobre a necessidade
consiga avançar para Marte com a cor- efetiva de uma substituição desse siste-
rida de ocupação do espaço, não encon- ma lógico, no qual o ser humano não é
traríamos um espaço o centro dessa cultu-
objetivo onde conse- ra, mas extensão que
guíssemos sobrevi- perpassa necessaria-
ver sem aparelho. Temos efetivamente mente por um novo
Na atual conjuntu- desenvolvimento
ra do governo, temos vivenciado no país a crise ­curricular.
efetivamente viven- Nesse contexto, é
ciado no país a crise do meio ambiente. importante analisar o
do meio ambiente, o ensino médio a partir
desequilíbrio do pla-
[...] das populações e das
neta avança sobre
todo o processo da
A Amazônia tem um papel culturas amazôni-
cas, desenvolvendo o
diversidade cultural,
trazida pelas popu-
fundamental para garantir diálogo com a diver-
sidade da produção
lações tradicionais.
Dessa maneira, pre-
a sobrevivência da vida na de um conhecimento
que não é hegemôni-
cisamos repensar a
nova dimensão da
terra. co. Não está posto na
cultura escolar, con-
epistemologia e pen- forme a perspectiva
sar a dimensão do de Miguel Arroyo,
currículo, pois a Amazônia tem um pa- pensando a escola pública como um ter-
pel fundamental para garantir a sobre- ritório dos coletivos populares, dos alu-
vivência da vida na terra, além disso, é nos indígenas, quilombolas, ribeirinhos
base hoje de discussão da reunião in- e da periferia da cidade, cabendo aqui
ternacional sobre o desenvolvimento da universalizar o acesso e garantir a per-
ecologia. manência desse coletivo dentro dos es-
Contudo, o governo não mostra se- paços educativos.
riedade e nem diálogo consistente com a Nesse parâmetro, começa a ser pos-
temática. Na última gestão do Ministério ta outra dimensão epistemológica, não
do Meio Ambiente, ficou transparente o mais com o olhar de apropriação e ex-
descaso com a Amazônia, pelas falas do ploração da natureza, mas voltado para

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 150 PALESTRA 14


uma lógica de debate da sustentabili- único, exclusivo, tem que ser repensado,
dade racional econômica, na qual in- a partir das relações sociais e culturais
centiva os saberes culturais dos povos constituída pelas populações que estão
tradicionais, como é que esses saberes nesse desenvolvimento científico e tec-
potencializam outras formas epistemo- nológico, como enclave acaba aparecen-
lógicas de desenvolvimento cultural, do hoje, por exemplo, a Amazônia como
estabelecendo o dialogo com a pedago- última fronteira do desenvolvimento do
gia das águas para compreender a di- capitalismo no Brasil, seja pelo desen-
nâmica da natureza, o significado do rio volvimento dos grandes conglomera-
para além da dificuldade de ir e vir, mas dos, seja na exploração do potencial do
como um fenômeno fundamental que ouro e dos minerais, ocasionando con-
garante a sobrevivência e construção sequentemente o desaparecimento cul-
de famílias, mantém relações, define tural de diversas populações. Quando
tempo de existência e constitui a cidada- estabelecemos o diálogo entre o saber
nia de um povo. Logo, o diálogo de uma cultural e o trabalho nas comunidades,
virada epistemológica é pautado nos entendemos o trabalho como um meio
saberes postos nas políticas educacio- de garantir a sobrevivência, não em
nais, cabendo questionar: Como é que condição precária de assistência ou ex-
as políticas públicas tem se efetivado na ploração, porém como condição de vida,
formação do ensino médio? No seu de- com acesso da população tradicional a
senho curricular? Quando olhamos, por produções culturais, desenvolvimento
exemplo, as diretrizes educacionais, científico-tecnológicos, a proteção do
quais são os elementos fundantes do seu espaço.
ensino médio? Quando estudamos o de- Nesse sentido, o desenho curricular
senvolvimento da política pública, seja posto pelas políticas educacionais deve
no ensino médio integrado, tendo como estabelecer o diálogo em uma alternân-
enfoque a superação entre o ensino cia pedagógica, onde a cultura, o traba-
propedêutico e avanço da politécnica, o lho e a vivência façam parte desse novo
que está em pauta na verdade é o desen- construto no Pará. No Estado paraense,
volvimento do capital e de uma ciência está se organizando a construção das es-
tecnológica que potencializa o processo colas de várzeas, sendo constituída por
de uma formação urbanocêntrica, o que meio do avanço da educação a distância
não está nesse currículo? A pauta são os (EAD), como solução para a formação
objetivos de vida e as diversidades cul- nas comunidades mais distantes, ope-
turais da população amazônica, seja o racionalizada pelo SEI – Sistema Educa-
ribeirinho, o indígena, o quilombola, o cional Interativo, tomando como exem-
camponês etc? plo o desenvolvimento de alternativas
De certa forma, é necessário repen- tecnológicas que está sendo praticado
sar esse currículo a partir de outra lógi- no Amazonas. Assim, precisamos ficar
ca; primeiro, que não se negue o conhe- atentos à criação da escola de várzea,
cimento antropocêntrico, porque ele foi mesmo que constituída de todas as pla-
importante para o desenvolvimento da taformas de internet, é mais uma tenta-
sociedade humana, mas não pode ser tiva de expandir o processo de formação

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 151 PALESTRA 14


urbanocêntrica, do que uma concepção gia de construção de políticas públicas
de currículo que dialogue objetivamente que tenha como referência as múltiplas
com as comunidades. determinações emanadas da realidade
Outro ponto importante é o olhar vivida das famílias, dos/as jovens, das
para a juventude do campo, temos feito instituições de ensino, constituídas de
um debate em torno do que chamamos evidências para organização das agen-
de centro tecnológico de formação, no das, demandas, proposições, programas
qual os jovens possui acesso à cultura e projetos de ações fincadas a partir de
urbana e antropocêntrica, bem como, ao profundo mergulho e enfrentamento
mesmo tempo, é capaz de constituir nes- teórico-prático das pseudoconcretici-
se espaço o diálogo com os saberes e as dades do real de que recomenda Karel
culturas tradicionais, constituídas como Kosic.
um elemento essencial do processo de Nesse sentido, o grupo de pesqui-
construção do saber. Fazer uma virada sa GEPSEED tem se ocupado das refle-
epistemológica não é somente ter o co- xões sobre esse tema, explorando-o por
nhecimento da ciência, da escola laica, meio de pesquisas desenvolvidas desde
da politecnia, mas são elementos agora o Programa Institucional de Bolsas de
de um diálogo possível entre o saber cul- Iniciação Científica – PIBIC, com estu-
tural, saber científico, desenvolvimento dantes de graduação até os/as pesqui-
de vivências e de formas alternativas de sadores da pós-graduação (mestrado)
vivência na sociedade, superando o ca- para fins de investigar como se efetivam
ráter de enclave que é muito forte dentro as políticas educacionais de Ensino Mé-
da cultura e da sociedade humana, esse é dio na formação dos/as estudantes, em
o grande desafio. escolas públicas, tendo como lócus de
Todavia, para o desenvolvimento das estudo os municípios de Abaetetuba,
políticas públicas educacionais, seja no Barcarena, Concórdia do Pará, Moju e
ensino médio ou nas demais etapas da Tomé-Açu, cuja referência teórico-me-
educação básica, tendo como horizonte todológica e análises de dados têm prio-
a superação da emancipação política e rizado a compreensão das legislações e
avanço da emancipação humana de que práticas efetivadas nos municípios so-
fala Ivo Tonet. Na perspectiva de mini- bre as políticas educacionais, e buscado
mizar a subsunção dessas políticas ao viabilizar reflexões com os sujeitos so-
desenvolvimento do capital e de uma ci- ciais da necessidade de a política edu-
ência que potencializa os processos de cacional considerar aspectos da região,
formação urbanocêntrico, de um currí- como um espaço socioeducativo e polí-
culo exógeno, como define Luiz Carlos tico, onde a concepção de educação ga-
Freitas, feito para o outro e não com o ranta aos sistemas de ensino uma maior
outro, como adverte Paulo Freire, que liberdade para formular os seus proje-
tenha como referência as diversidades tos pedagógicos, com a participação da
culturais da população amazônica, seja comunidade no processo de construção
o ribeirinho, o indígena, o quilombola, o desses, com o objetivo de proporcionar
camponês, carece também de potencia- aos estudantes uma escola que garanti-
lizar o controle social, enquanto estraté- rá a consistência na aplicação de valo-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 152 PALESTRA 14


res e princípios pautados não somente res com olhares renovados sobre o de-
no trabalho, mas também, na cidadania senvolvimento das políticas públicas e
e diversidade. da importância destas para o estabele-
Por meio do levantamento estatís- cimento de regras e procedimentos, de-
tico de matrícula, aprovação, reprova- finição de padrões de qualidade a partir
ção, abandono e distorção idade-série, da realidade institucional, dos debates
são construídas compreensões sobre sobre aprendizagem, expectativas e res-
a oferta do ensino nas realidades dos ponsabilidades que envolvem a forma-
territórios amazônicos, assim como a ção do sujeito o
­ mnilateral.
partir desses dados, são projetadas per- De acordo com parte dos resultados
cepções subjacentes aos discursos e in- dos estudos que o GEPSEED tem desen-
fluências de políticas e programas edu- volvido, torna-se evidente que o Ensino
cacionais conduzidos Médio na região do
pela administração Baixo Tocantins, in-
pública, instituindo serida no seio amazô-
nos sistemas educa- Que os princípios pautados nico, especificamen-
cionais as formas de te, nos municípios de
responsabilidade do para a etapa do ensino Abaetetuba, Barca-
Estado com a educa- rena, Concórdia do
ção das classes po- médio não se restrinjam Pará, Moju e Tomé-
pulares, bem como -Açu, encontra con-
a identificação dos
somente aos ditames do siderável dificuldade
elementos econômi-
cos que permeiam a
capital, mas incorporem no comprimento da
meta prevista pela
educação pública em
nível nacional, que se
elementos de promoção política nacional de
educação, expressa
refletem sobre a ter-
ritorialidade regional
da cidadania assentada na na Lei do Plano Na-
cional de Educação
e local.
O trabalho de-
diversidade. – Lei nº 13.005, de 25
de junho de 2014, es-
senvolvido por meio pecificamente, no que
desta mesa permite, se refere ao aumento
simultaneamente, estabelecer reflexões da taxa de matrículas na etapa de ensino,
e ampliar os olhares sobre as diferen- cujo percentual sofreu decréscimo no
tes epistemologias que envolvem a ci- decorrer da série histórica de existên-
ência no decorrer do tempo histórico e cia do Plano. Também não é animador
nos processos de ensino hodiernos para entre os municípios estudados as taxas
a formação dos/as jovens amazônidas. de rendimento aprovação, reprovação,
Também permite divulgar o trabalho de- abandono e distorção idade-série que,
senvolvido pelo grupo de pesquisa, pe- embora a taxa de aprovação tenha apre-
los/as jovens estudantes de graduação, sentado singela melhora, ainda caminha
assim como fomenta a possibilidade e a passos lentos, assim como as demais
aperfeiçoamento de novos pesquisado- ainda se encontram elevadas.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 153 PALESTRA 14


O diálogo fluído dos saberes/conhe- avaliação, redimensionamento desse
cimentos que permeiam o ensino médio instrumento de organização da institui-
na formação da juventude a partir da ção e das práticas de ensino, como meio
interlocução em torno da epistemolo- de viabilizar as famílias, estudantes,
gia das águas e do controle social, como profissionais e comunidade diálogos so-
espaço singular e desafio promissor aos bre a vivência da escola, dos sujeitos e
sujeitos amazônidas dá realce às neces- do território no conjunto da Amazônia,
sidades em que se encontram envol- do Estado do Pará, da Região Norte e da
tas a definição de políticas públicas e a nação brasileira, no horizonte de que os
política educacional, na perspectiva de princípios pautados para a etapa do en-
considerar aspectos da região como um sino médio não se restrinjam somente
espaço socioeducativo e político, onde aos ditames do capital, mas incorporem
a concepção de educação garanta aos elementos de promoção da cidadania
sistemas de ensino uma maior liberda- assentada na diversidade, sob cuja base
de para formular os seus projetos peda- seja referendada a definição de qualida-
gógicos, com a participação efetiva da de para a educação no contexto da re-
comunidade no processo de construção, gião vivida.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 154 PALESTRA 14


PALESTRA 15

MA OS
RIA NT
ERI D A SA
A N D A S I LV

MA A
IO

RIA MP
LÚ CIA S SO A S A
PE
BIBLIOTECÁRIO ESCOLAR:
MEMÓRIA E IDENTIDADE

Maria Eridan da Silva Santos – Professora aposentada pelo Estado do Rio grande do Norte na Educação Básica:
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (1997), especialização em
educação na área de formação de professor pela Universidade do Estado do Rio grande do Norte, especialista em
linguagens e educação na área de educação de Jovens e Adultos pela UNP e mestrado em Educação pela Universi-
dade do Estado do Rio Grande do Norte (2016). Dotoura pelo PPGL/ DINTER/ UERN/IFPE.

Maria Lúcia Pessoa Sampaio – Docente do Departamento de Educação (DE), da Universidade do Estado do Rio Gran-
de do Norte (UERN); pesquisadora permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGE) e colaboradora
do Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL); atuando na Secretaria de Estado da Administração
(SEAD) na Assessora Técnica da Escola de Governo Cardeal Dom Eugênio de Araújo Sales.

É um privilégio e uma honra fazer mente investigar e analisar nessa pers-


parte dessa mesa-redonda, me sinto sa- pectiva de perceber a biblioteca escolar
tisfeita e já agradecendo aqui a presença como um espaço de movimento, como
de todos que estão participando dessa um espaço dinâmico, um espaço de vida,
nossa atividade. A minha fala é um frag- através dessas memórias e dessas iden-
mento da nossa pesquisa do doutorado. tidades que são construídas nesse espa-
Trabalha com memórias e identidades ço da biblioteca escolar. A minha orien-
do bibliotecário escolar e leitor em for- tadora é a professora doutora Maria
mação no Alto Oeste Potiguar. A gente Lúcia Pessoa Sampaio, já qualificamos
fez um recorte para trazer aqui para vo- e logo, logo, pretendemos defender essa
cês: O que é que a gente conseguiu real- tese.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 155 PALESTRA 15


Pollak traz um conceito de memó- vam: realizar atividades de leitura, de
ria para a gente refletir: é um elemento mediação de leitura.
constituinte do sentimento de identida- Elas tratam também das transfor-
de, tanto individual quanto coletiva, na mações das bibliotecas. Quando elas
medida que ela é também um fator tam- entraram, quando elas começaram na
bém extremamente importante de sen- biblioteca escolar, a maioria das biblio-
timento de comunidade e de coerência tecas funcionavam em salas de aulas,
de uma pessoa ou de um grupo em sua muitas vezes, até divididas: um espaço
construção de si. Vemos que a memória pequeno onde agregava também outros
está aí imbricada, memória e identidade objetos. Às vezes, até coisas que não ser-
são interdependentes, elas se imbricam. viam mais eram guardadas lá. Eram es-
Então é nas nossas ações, é na nossa paços muitos pequenos e elas lembram
construção, no nosso fazer que a gente que isso foi mudando. Com o passar do
vai se constituindo enquanto pessoa, e tempo, houve algumas transformações,
o que eu sou hoje, tem tudo a ver com o e as transformações espaciais e de or-
que eu já fui, com que eu já fiz, com o que ganização contribuíram para a partici-
eu já consegui vivenciar. pação mais assídua dos alunos, porque
Trago aqui a voz dos bibliotecários antes eles nem entravam na biblioteca.
e quero contextualizar aqui essas falas Na verdade, eles não se sentiam moti-
assim: a nossa pesquisa traz falas de vados, e a biblioteca não tinha também
bibliotecários que a gente trata como nenhum atrativo. As transformações
professores: antes de bibliotecários, são que foram acontecendo foram mudando
também professores aposentados e ati- para espaços maiores, foram ganhando
vos. Porém, no nosso resumo aqui das alguns móveis adequados, o acervo foi
falas, nós trouxemos dois bibliotecários crescendo, que antes praticamente não
aposentados, a gente procurou saber tinha, foram aparecendo o kit tecnoló-
as principais memórias que eles têm gico agregado à biblioteca, e os alunos
da biblioteca escolar e eles trazem mui- começaram a participar e começaram
tas atividades que eles lembram muito a ver que a biblioteca realmente era um
bem, como culminância de alguns pro- espaço dinâmico e vivo e que eles po-
jetos, alguns saraus, datas comemo- diam ter acesso e vivenciar ali, naquela
rativas, concursos e premiação para biblioteca, momento de transformação
leitores. Eles trazem aí um leque de ati- nas suas vidas.
vidades que eles consideram que são Então, nós procuramos saber a influ-
as principais memórias. Por quê essas ência da biblioteca escola, a experiência
atividades foram realizadas na bibliote- deles na biblioteca escolar, o que é que
ca escolar em condições, muitas vezes, influencia na identidade e eles disseram
carentes, faltando muita coisa – que que influenciou demais. Eles observa-
a gente vai ver mais na frente –, mas, ram uma mudança de consciência, por-
mesmo assim, elas fizeram acontecer que a biblioteca escolar é um espaço que
essas atividades e, por isso, elas guar- humaniza: através da leitura, eles são
dam na memória o sucesso que tiveram humanizados. É um espaço que dá pra-
mesmo nas condições em que trabalha- zer e satisfação. É um espaço que lhe de-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 156 PALESTRA 15


safia: pela leitura você supera desafios livros e tivessem motivados para a leitu-
e dificuldades diversas, e à medida que ra, como por exemplo, a hora do conto, o
você aumenta a curiosidade de estar len- palanque da leitura, a sacola itinerante,
do, de estar lidando com a leitura, com o campeonato literário, contação de his-
a literatura, você aguça a sua criativida- tória, o diário de leitura. Então, foram es-
de. E daí acontece uma interação maior, tratégias que elas desenvolveram e que
uma colaboração maior entre os segui- elas conseguiram realmente considerar
mentos da escola: a participação, ela é como exitosa e que até elas socializaram
mais colaborativa, é mais interativa. E aí com as bibliotecárias que entraram após
com tudo isso acontece um processo de elas para que continuassem com essas
socialização e motivação para você es- estratégias.
tar e você fazer acon- E aí nós procu-
tecer a mediação e a ramos saber as cir-
leitura nesse espaço cunstâncias que es-
da biblioteca esco-
Pela leitura você supera ses bibliotecários
lar. Então, à medida
que a gente lê, quan-
desafios e dificuldades entraram, chegaram,
a ser bibliotecários.
to mais leitura você
tiver, mais conheci-
diversas, e à medida Aqui na nossa região,
a gente não tem uma
mento você ganha, e,
quando você ganha
que você aumenta a formação específica
e a gente até espe-
conhecimento, a sua
identidade vai sendo
curiosidade de estar rava que as respos-
tas fossem “Ah, por
transformada: A Eri- lendo, de estar lidando motivo de saúde”, ou
dan de ontem não é “porque me botaram
a Eridan de hoje. Eu com a leitura, com a e tal”, e, para a nossa
já passei por um pro- surpresa, elas disse-
cesso de formação, literatura, você aguça a sua ram que as circuns-
por uma experiência tâncias foram a rea-
que me fez mudar de criatividade. lização de um sonho
ideia, que me fez co- de ser bibliotecária,
nhecer mais, então exatamente pela afi-
tem toda uma influência. nidade que tinha com a leitura, pelo en-
Nós procuramos saber se elas lem- cantamento com a literatura, o desejo de
bravam de alguma atividade exitosa que formar leitores por gostar de ler e que-
tiveram na biblioteca escolar, e elas dis- rer novas experiências além da experi-
seram que foram algumas estratégias ência de sala de aula. Eles acreditavam
que desenvolveram na biblioteca esco- também que na biblioteca podiam estar
lar, que elas conseguiram perceber que desenvolvendo uma prática prazerosa e
essas estratégias desenvolvidas lá real- se identificando com a leitura cada vez
mente tiveram êxito, e, foi como se um mais.
convite para que os leitores entrassem, Então, era um desejo que eles tinham:
se sentissem à vontade, escolhessem os querer contribuir com a qualidade no

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 157 PALESTRA 15


processo de ensino-aprendizagem. E aí, Perguntamos sobre a formação, to-
dada essas circunstâncias de vontade, dos responderam que nunca tiveram
de desejo, de encantamento, eles consi- uma formação específica, mas isso nun-
deram que a função do bibliotecário é de ca foi empecilho para que eles paras-
incentivar, mediar e disseminar a leitu- sem, nunca foi empecilho para que eles
ra – ser aquele transformador da reali- deixassem de fazer alguma coisa na bi-
dade social através da leitura –, formar blioteca escolar, mesmo que de forma
leitores, reorganizar o espaço, mobilizar acanhada, ou algumas atividades que
o acervo para o processo de formação eles consideravam pequenas que depois,
leitora na escola. E, com esse gosto, com nesse conjunto de fazer, essas ativida-
essa vontade, e considerando a função des se tornaram grandes. Mas eles sen-
de bibliotecário nessa perspectiva, eles tem falta dessa formação e consideram
despertaram e eles falam, assim, com que é muito importante: “imagina só se
muito entusiasmo tivéssemos uma for-
sobre esses senti- mação”, porque a im-
mentos. Eles têm um
sentimento de gra-
Um sentimento de portância para de-
senvolver um melhor
tidão por participar
dessa experiência na
gratidão por participar trabalho, eles colo-
cam essa formação
biblioteca escolar, é
um reconhecimen-
dessa experiência na em frente: “Se a gente
tivesse tido uma for-
to da importância da biblioteca escolar, é mação, com certeza o
leitura na vida. É um nosso trabalho seria
sentimento de liber- um reconhecimento da muito melhor, a gente
dade, é uma incan- conseguir muito mais
sável busca cada vez importância da leitura na resultados positivos
mais pela leitura. É na biblioteca escolar”.
um sentimento de vida. E aí nós procu-
construir novos sabe- ramos saber como é
res, de transformar feito o acervo na es-
vidas, e elas consideram que isso é um cola, aí a gente traz aqui duas imagens
privilégio muito grande. Então elas sen- ilustrativas para dizer o que era antes e
tem uma alegria, um contentamento, em o que era depois. Antes, a biblioteca vis-
ver o aluno escolher, manusear, sentir o ta como um depósito mesmo, era como
cheiro, deleitar-se com a leitura de um se não fizesse parte do processo ensi-
livro. Numa sociedade, elas alertam para no-aprendizagem, era como se ela não
isso: elas conseguiram essa façanha tivesse tanta influência no desenvolvi-
numa sociedade tecnológica e digital mento da criança. Era comum a gente
que tem muito a oferecer, não é só a bi- ver, no espaço que era a biblioteca, uma
blioteca escolar, nós temos aí uma gama pessoa sentada e os livros arrumados
de possibilidade de prazer, de formas de em prateleiras, e, depois, com as trans-
leitura. Então elas consideram isso mui- formações ocorridas, é uma biblioteca, é
to interessante. um espaço de vida, é um espaço onde en-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 158 PALESTRA 15


tra e sai, onde acontece atividades, onde limita – é uma dificuldade que elas en-
alunos pesquisam livros, onde alunos frentaram durante a experiência.
consultam, onde acontece contação de O acervo, quando é reduzido, tam-
história, atividades de mediação. Então, bém era um desafio grande, até elas con-
o acervo está sempre em movimento – tam algumas histórias dos meninos: a
ele deixou de ser aquele acervo arruma- busca dos títulos e, às vezes, tinha um ou
dinho nas prateleiras e ele passou a ser dois, e aí quando era contado uma histó-
um acervo de mão em mão, um acervo ria que ele gostava e eles queriam e não
que anda, um acervo que é usado. Então tinha como. Era bem limitado o acervo,
há todo um movimento na biblioteca es- que hoje elas dizem que já melhorou
colar. muito, já conseguiram muitos livros, já
Os desafios e dificuldades que elas conseguiram melhorar o acervo. O es-
enfrentaram: “Despertar o gosto pela paço também era um grande desafio que
leitura num espaço que não desperta não favorecia o acolhimento, a precarie-
vontade da gente estar é muito difícil, dade nos recursos humanos, porque em
mas aí a gente foi conseguindo, aos pou- muitas escolas tinha o bibliotecário de
cos, transformar esse espaço e, também, manhã, à tarde já não tinha. Um desafio,
mesmo com tantas dificuldades e desa- uma dificuldade, às vezes quebrava um
fios, a gente foi conseguindo despertar o pouco o desenvolvimento dos projetos,
gosto pela leitura”. Outro desafio, dificul- das atividades, que lá eram desenvolvi-
dade, também é a questão da formação das. E precisava de uma parceria mais
– eles voltam a afirmar isso – e planejar sólida entre o professor bibliotecário,
e executar adequadamente. Pela falta biblioteca e sala de aula. Elas colocaram
de formação, elas colocam que também que tiveram muita dificuldade de con-
muitas das atividades desenvolvidas não quistar a confiança do professor de sala
saíam como elas planejavam, não saíam de aula, conquistar desse professor essa
como elas esperavam. E a falta de valori- parceria de forma mais intensa onde os
zação da biblioteca escolar dentro da es- dois seguimentos – bibliotecário e pro-
cola também foi um ponto que elas con- fessor de sala de aula – pudessem intera-
sideram como uma grande dificuldade, gir, pudessem colaborar, nas ações tanto
até porque elas consideram que o con- de sala de aula como da biblioteca esco-
ceito de biblioteca escolar que permeia lar nessa perspectiva de formar leitores
na escola influi diretamente na função por gosto.
da biblioteca, influi diretamente nas Procuramos saber deles quais as
ações desenvolvidas na biblioteca: quan- prioridades, na concepção deles, quais
to mais você acredita na biblioteca como as prioridades da biblioteca escolar. Eles
esses espaço formador, transformador, disseram que a prioridade, na concepção
melhor ela desenvolve a sua função, terá deles, é a formação de leitores por acre-
mais procura, terá mais parcerias, terá ditarem que, pela leitura, nós podemos
mais interação entre os seguimentos. estar melhorando a qualidade da educa-
Então esse conceito limitado de biblio- ção: “estaremos colaborando de forma
teca como espaço de guardar livros, ou mais significativa e deixando o nosso
como espaço só para consultar livros, aluno mais confiante para desenvolver

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 159 PALESTRA 15


as atividades inerentes as outras disci- escolar onde ele trabalhou. E aí eles co-
plinas do currículo”. Então, a leitura abre locaram que toda biblioteca escolar este-
portas, a leitura transforma, ela motiva, ja cheia de livros e de leitores. O leitor e
ela incentiva. E a prioridade é dar voz a o livro são, assim, indispensáveis e são
esses alunos através da leitura, transfor- uma esperança: se a biblioteca está cheia
mando-os em leitores, conquistando-os de livros e de leitores, a leitura se desen-
a serem leitores por gosto e prazer. volverá, a leitura está aflorando, a leitu-
A formação de leitor, fomentar a lei- ra está realmente mexendo e remexendo
tura, estruturar, estimular a paixão pelo com a vida de alguém. Que nunca seja
livro, mobilizar o acervo, mediação de extinta ou esquecida – isso porque em
leitura, essas são as prioridades que eles algumas cidades que a gente pesquisou,
conseguiram selecionar e desenvolver em algumas escolas, passaram por mo-
durante o tempo que estavam na biblio- mento em que a biblioteca escolar quase
teca escolar. Eles até falam “parece coisa que foi extinta. E aí eles tiveram que ela
pequena, né? Mas qualquer uma dessas nunca seja extinta realmente, que mes-
prioridades foi muito significativa para mo com a tecnologia e outros meios de
a gente desenvolver o nosso trabalho e mídia, tenha sempre gente frequentan-
conseguir hoje estar do a biblioteca esco-
falando de uma ex- lar. Que seja um es-
periência que, para paço de prazer – é um
nós, foi satisfatória e
Que toda biblioteca escolar espaço de conquista
para a escola foi mui-
to significativo”. E aí
esteja cheia de livros e de –, e quanto mais o bi-
bliotecário mobilizar
eles dizem que o que
é indispensável na
leitores. acervo, socializar,
divulgar, incentivar,
biblioteca escolar: aí mais leitores ele vai
elas colocaram livros, conquistar. Que a bi-
um ambiente acolhedor e adequado, o blioteca continue a transformar e a sal-
gosto de ler, o incentivo e a motivação var vidas. E aqui, na fala deles, durante a
e mediação de leitura. Então, nesse “in- tese, a gente tem alguns fragmentos onde
dispensável”, eles se colocam, também, a fala de muitos leitores, e de bibliotecá-
como indispensáveis, já que despertar rios também, que a biblioteca realmente
o gosto pela leitura, transformar a bi- tem um poder transformador, de trans-
blioteca escolar nesse espaço acolhedor formar histórias, de transformar uma
e adequado, motivar e mediar a leitura, sociedade, de transformar o homem.
precisasse de uma pessoa que o faça – na Que seja reconhecida como fonte de vida
nossa concepção, e na deles também, o – e, na verdade, na concepção de leitu-
bibliotecário escolar é fundamental e in- ra enquanto transformadora, enquanto
dispensável para que isso aconteça. libertadora, enquanto prazer, enquan-
Perguntamos o que é que eles espe- to gosto, na verdade, a gente considera
ram da biblioteca escolar, mesmo estan- uma fonte de vida. Concordamos com
do aposentados agora, mas alguns ainda eles nesse sentido – e que continue in-
acompanham o trabalho na biblioteca centivando a leitura para que tenhamos

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 160 PALESTRA 15


mais vidas transformadas, para que te- REFERÊNCIAS
nhamos mais pessoas mais informadas,
com maior conhecimento construindo BOSI, Ecléa. Memória e Identidade:
a sua identidade de forma mais crítica, lembranças de velhos. – 3ª Ed. – São Pau-
mais autônoma, mais consistente. lo: Campanha das Letras, 1994.
É um pequeno fragmento, e encer-
ramos com um conceito de memória do CAMPELLO, Bernadete Santos et al. A bi-
papa João Paulo II. Ele diz assim: “a me- blioteca escolar. Temas para uma práti-
mória é a faculdade que modela a identi- ca pedagógica, 2. ed. Belo Horizonte: Au-
dade dos seres humanos tanto em nível tentica, 2008.
pessoal quanto coletivo”. De fato, é atra-
vés dela que se forma e define na psique CANDAU, Joel. Memória e Identidade. 1.
das pessoas a percepção da própria iden- Ed., 4ª reimpressão. – São Paulo: Contex-
tidade. Essa memória permite ao homem to, 2018
compreender a si FRAGOSO, Graça
próprio nas suas ra- Maria. Biblioteca es-
ízes mais profundas
e, ao mesmo tempo,
A memória têm esse poder colar: que espaço é
esse? Salto para o Fu-
na perspectiva defi-
nitiva de humanidade
de estar construindo novas turo. AnoXXI, Boletim
14. outubro /2011.
permitindo-lhe com-
preender também as
identidades, de estar
KUHLTHAU, Carol.
várias comunidades constituindo aí uma história Como usar a biblio-
nas quais se forma teca na escola. 3. ed.
a sua história. A me- não só individual, mas Belo Horizonte, Au-
mória têm esse poder tentica, 2009.
de estar construindo coletiva.
novas identidades, de PAULO II, João. Me-
estar constituindo aí mória e Identidade.
uma história não só individual, mas co- Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
letiva. Que todas as nossas ações e todo
o nosso fazer se desenvolve realmente POLLAK, M. Memória e Identidade So-
dentro de um contexto social, dentro de cial. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
um grupo social. E aí é isso, ficamos, as- vol. 5, n.10, 1992, p. 200-2012.
sim, muito contentes com essas memó-
rias, porque a nossa tese é essa, trazer ROMÃO, Lucília Maria Sousa. Sentidos
a biblioteca escolar nessa perspectiva de Biblioteca Escolar. São Carlos: Gráfica
de êxito e de sucesso como um espaço Editora Compacta, 2008.
de vida, um espaço de movimento, um
espaço de transformação. Obrigada a SAMPAIO, Maria Lucia; TORRES, Ma-
­todos! ria Gorete Paulo. Eu não gostava de ler
e precisava aprender a gostar. In: SILVA,
Ananias Agostinho da; TORRES, Maria

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 161 PALESTRA 15


Gorete Paulo; SAMPAIO, Maria Lucia. transformam. (Dissertação de Mestrado
(orgs). Leitura, Mediação e Ensino: em Ensino). Universidade do Estado do
múltiplas abordagens. São Carlos: Pedro Rio Grande do Norte. Programa de Pós-
& João Editores, 2020. Graduação em Ensino (PPGE), Departa-
mento de Educação/ Campus Avançados
SANTOS, Maria Eridan da Silva. Mediar, Profª Maria Elisa de Albuquerque Maia.
Formar e Autoformar na Biblioteca Es- Pau dos Ferros, RN, 2016.
colar e Ambulante: Análise de Ações que

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 162 PALESTRA 15


PALESTRA 16

RA
AN EI IV
FR

C IC
L EID E OL
E CE S Á RIO D

MEMÓRIAS DE PROFESSORAS
MA A ALFABETIZADORAS
IO

RIA MP
LÚ CIA SA
PE S SO A
APOSENTADAS: TRAJETÓRIAS
DO DESENVOLVIMENTO DA
DOCÊNCIA LEIGA
Francicleide Cesário de Oliveira – Professora Adjunto II da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN,
lotada no Departamento de Educação, do Campus Avançado Professora Maria Elisa de Albuquerque Maia, em Pau
dos Ferros/RN. Doutoranda do Programa Pós-Graduação em Letras/PPGL da UERN. Mestra em Educação pelo Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação/POSEDUC da UERN; Especialista em Educação, na área de Formação do
Educador (2007) e Graduada em Pedagogia (2003) pelo CAMEAM/UERN. Pesquisadora Institucional e Vice-líder do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Planejamento do Processo Ensino-aprendizagem/GEPPE/UERN.

Maria Lúcia Pessoa Sampaio – Docente do Departamento de Educação (DE), da Universidade do Estado do Rio Gran-
de do Norte (UERN); pesquisadora permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGE) e colaboradora
do Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL); atuando na Secretaria de Estado da Administração
(SEAD) na Assessora Técnica da Escola de Governo Cardeal Dom Eugênio de Araújo Sales.

Bom dia! Bom dia, professora Lúcia, tadas: trajetórias do desenvolvimento


bom dia todas as pessoas que estão nos da docência leiga. Então, este momento,
prestigiando nessa mesa sobre memó- esta fala que vamos expor aqui para vo-
rias – memórias de professoras alfabe- cês, é um recorte da nossa pesquisa de
tizadoras, de professoras aposentadas, tese que está em construção, orientada
professoras do ensino superior. Nes- pela professora Doutora Maria Lúcia
ta mesa-redonda, vamos compartilhar Pessoa Sampaio. Como Lúcia falou, já
com vocês um pouco dessas memórias, está em processo de andamento, o proje-
objeto de estudo de nossas pesquisas. to de tese já está qualificado, e trazemos
Vamos começar com as memórias um recorte dessas trajetórias do desen-
de professoras alfabetizadoras aposen- volvimento da docência leiga de profes-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 163 PALESTRA 16


soras alfabetizadoras, que colaboraram, juízos de valores, de acordo com as nos-
revisitando suas memórias para trazer sas experiências de hoje, com a nossa
lembranças e recordações sobre como visão de mundo de hoje. Por isso, é esse
desenvolveram suas experiências com processo contínuo de reelaborações, de
a docência na alfabetização de crianças, releituras.
levando em consideração as práticas pe- Nesse sentido, a memória também
dagógicas, a construção e mobilização é uma possibilidade de investigação da
de saberes docentes e a constituição da história, do desenvolvimento da educa-
identidade docente ao longo da carreira. ção e das práticas educativas. A exemplo
Todas as professoras sujeitos da pesqui- dessas nossas pesquisas que apresen-
sa foram alfabetizadoras de crianças, tamos aqui, hoje, nessa mesa redonda,
atuaram sem a formação pedagógica e que são frutos de investigações da his-
hoje são aposentadas. tória da educação, do desenvolvimento
Para nos situar, começamos trazen- da educação, do desenvolvimento das
do a compreensão de práticas pedagógicas
memória que vamos e educativas, e que
falar aqui, de onde fa- usamos a memória
lamos e em quem nos A memória também é para construir a his-
baseamos para falar tória, aquela história
sobre memória. En- uma possibilidade de que ainda não foi con-
tendemos a memória tada, aquela história
como esse processo
investigação da história, que ainda não está
de revisitação, de re-
leitura das experiên-
do desenvolvimento da registrada na história
oficial.
cias passadas que é,
então, uma recons-
educação e das práticas A memória tem
também essa poten-
trução do passado,
realizada com auxílio
educativas. cialidade de fazer
esse registro da his-
de dados do presente. tória, de uma história
A memória, portanto, que foi negligenciada,
não se trata de um resgate do passado, de uma história que foi silenciada. Então,
nem de reviver o passado, mas uma re- por isso, memória não se trata de reviver
leitura, uma revisitação, é, pois, a reme- o passado, mas é como diz a Ecléa Bosi,
moração. Assim, a nossa compreensão lembrar não é viver o passado, lembrar
de memória é no sentido de entendê-la é repensar. E esse repensar as imagens
como um processo contínuo de reela- e as ideias das experiências do passado,
borações, de reconstruções de signifi- de acordo com as ideias de hoje. Portan-
cados. Porque quando relembramos ou to, é uma revisita e um repensar das ex-
recordamos, fazemos uma visita ao pas- periências que já se passaram.
sado, mas não conseguimos trazer essas Dando continuidade, nós também
experiências tais quais como foram vi- vamos conceituar a docência leiga para
venciadas. Ao trazê-las, ao revisitá-las, entendermos o nosso lugar de fala que
trazemos carregadas de significados, de são das professoras alfabetizadoras lei-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 164 PALESTRA 16


gas aposentadas, por isso, trazemos um recia um cargo de professora, mas cla-
pouco do conceito da docência leiga para ro que queria algo em troca; segundo,
entendermos de onde estamos falando era favorável para o sistema econômico
e de onde estamos analisando. Então, o porque essas professoras leigas eram
que é ser “professora leiga”? Professora contratadas com um salário muito pre-
leiga era aquela professora que não pos- cário, dependia minimamente do se-
suía a titulação, que não possuía a qua- tor econômico; terceiro, culturalmente,
lificação pedagógica para o magistério. também, pois já era uma cultura da edu-
Embora ela não possuísse essa habilita- cação brasileira permanecer com essas
ção específica, exigida legalmente, exigi- professoras leigas.
da por lei para atuação na docência, ela Além disso, com todo esse contexto,
exercia a docência, ou seja, mesmo não outro motivo para que tanto tempo exis-
tendo a titulação, a qualificação específi- tisse a docência leiga foi porque existiam
ca, a habilitação para atuação no magis- poucas pessoas que tinham a formação
tério, essas professoras desenvolviam e pedagógica. Então, concluir o quinto
desenvolveram a profissão docente por ano primário já no contexto da década
um longo período da história da educa- de 1950, como também antes de 50 até a
ção brasileira. década de 1970, já era uma formação que
Nesse sentido, percebemos que a do- poucas pessoas tinham acesso. Isso por
cência leiga foi uma realidade no Brasil quê? Porque a educação ainda era para
durante muito tempo. Então, por muitos poucos, poucas pessoas tinham direito
anos, muitas décadas da história da edu- a educação aqui no Brasil. Então, essas
cação brasileira, a presença da profes- pessoas que concluíam o quinto ano pri-
sora leiga foi muito marcante e, por isso, mário já estavam aptas a exercer a do-
compreendemos que as professoras lei- cência, já estavam aptas a alfabetizar.
gas têm um papel importante na histó- Isso acontecia também porque o con-
ria da docência brasileira, porque foram ceito de alfabetização, naquele contexto
elas que, por muito tempo, deram conta histórico, era restrito a codificar e deco-
da educação, do desenvolvimento da do- dificar. Então, se você sabia ler e escre-
cência com a ausência da formação pe- ver, já era uma formação suficiente para
dagógica e com a escassez de recursos ensinar também outras pessoas a ler e
pedagógicos e estruturais. a escrever; por isso, que essa também é
Consideramos importante explicar uma das motivações que fez com que a
o porquê que durante tanto tempo a docência leiga se tornasse essa realida-
docência leiga foi vigente na educação de no Brasil durante muito tempo. Então,
brasileira. Primeiro, porque era muito você sabe ler e escrever, você já é capaz
favorável para o sistema político: não de ensinar a ler e a escrever. Não havia
existiam concursos públicos. Então, uma preocupação com a formação peda-
as professoras, para iniciar a carrei- gógica, didático-pedagógica. A docência
ra, eram indicadas por políticos. Isso se resumia a um exercício bem técnico
funcionava como um “curral” eleitoral. mesmo. Por essa razão, a docência leiga
Acontecia, portanto, as trocas de favo- perdurou por muitas décadas na história
res que um político, por exemplo, ofe- da educação brasileira.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 165 PALESTRA 16


Fizemos essa contextualização para ano primário e ofereceram uma sala de
adentrar nas memórias das professoras, aula para ela; a outra precisou ir pedir,
de como elas ingressaram na carreira ou outras pessoas irem pedir; outra, o
docente: Como foi o início da carreira pai deu o terreno para a construção da
docente dessas professoras? Como elas escola e em troca perguntou “você tem
iniciaram? O que elas sabiam? Qual era alguém para indicar para ser profes-
a formação dessas professoras? Para sora?”. Como podemos perceber, eram
obter essas informações, realizamos en- essas formas de ingresso no serviço pú-
trevistas de história oral temática com 5 blico, tendo em vista a não existência do
(cinco) professoras alfabetizadoras apo- concurso público.
sentadas, que desenvolveram a docência Além disso, precisava também ates-
no contexto das décadas de 1950 a 1970. tar vaga em uma escola para garantir
As professoras nos contam que suas a nomeação. Quando recebia o convite,
primeiras experiências como docentes ou ia solicitar uma nomeação, precisa-
eram em aulas particulares: terminava o va o diretor da escola dar um atesta-
quinto ano, ou já estava alfabetizada, e já do que naquela escola tinha vaga para
iam alfabetizar os irmãos mais novos, ou poder ser nomeada. Como dissemos, o
também iam alfabetizar crianças da co- grau de escolaridade dessas professo-
munidade, formavam a turma e davam ras quando começaram a ensinar, era
aula particular. Essas foram as primei- apenas o quinto ano primário: todas
ras experiências, isso era muito comum elas tinham apenas concluído o quinto
acontecer no contexto histórico das dé- ano primário.
cadas de 1950 a 1970, era muito comum E naquele contexto entre a década de
acontecer essas experiências dando aula 1950 e 1970, essa escolaridade já era algo
particular. que poucas pessoas conseguiam atingir,
Das professoras que entrevistamos, poucas pessoas conseguiam chegar no
quase todas elas começaram dando aula quinto ano, porque também não existia
particular. E como foi que aconteceu a universalização do ensino. A educação
o ingresso no serviço público? Então, era para poucos, existiam poucas es-
acontecia por meio de amizades, trocas colas e havia uma série de dificuldades
de favores, influência política direta ou para estudar, tanto para conseguir uma
indiretamente – se você tivesse amizade vaga, como também as dificuldades que
com o prefeito, ou tivesse alguém que as pessoas tinham para ter acesso a es-
pudesse falar com o prefeito, com o go- cola, pois como eram poucas escolas, as
vernador, com algum político, que tives- distâncias de determinadas comunida-
se amizades e pedir. Ou então, quando des para a escola eram grandes.
tinha amizade direta, o própria prefeito Para ilustrar, trazemos alguns re-
às vezes vinha oferecer. Das professo- cortes das professoras das memórias
ras entrevistadas para nossa pesquisa, das professoras que colaboraram com a
tivemos esses diversos casos: uma, o pesquisa. Uma das professoras (coloca-
prefeito foi oferecer direto na casa dela, mos aqui as iniciais delas, mas vamos di-
dos pais dela, porque ela já ensinava zer os nomes porque temos autorização
particular, já tinha concluído o quinto para isso) é Raimunda Queiroz do Nasci-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 166 PALESTRA 16


mento. Ela diz que o prefeito foi atrás de to mais desafiador. Desse modo, perce-
um terreno para construir uma escola do bemos que havia vários desafios imbuí-
estado. O pai dela foi quem doou à escola dos nessa ausência da formação.
e ela diz “Então quando papai doou o ter- Elas também falam sobre a ausência
reno, construíram a escola e ele”, no caso do material didático pedagógico e das
o prefeito, “perguntou se tinha alguém orientações para o planejamento. Infor-
da família que ele desse o nome para ir mam que não tinham livros didáticos,
ser professora lá na escola, papai disse: ou paradidáticos, para que auxiliassem
tenho. Aí justamente fui eu e a minha tia”. no planejamento delas. As orientações
No caso, a tia dela também foi uma das pedagógicas para o planejamento tam-
nossas professoras entrevistadas. En- bém eram coisas raras que aconteciam.
tão, se confirma aqui a troca de favores: Outra dificuldade é com relação as es-
o pai doou o terreno e, em troca o prefei- truturas, as condições estruturais das
to deu a vaga para o cargo de professora escolas. Além das condições estruturais,
a pessoas da família. a existência de poucas escolas e a distân-
Outra, que é a dona Élcia, ela vai nos cia entre essas escolas, o que fazia com
confirmar aqui que era essa necessidade que muitas crianças não tivessem aces-
de atestar a vaga. Então, o diretor dava so à escola, que era justamente essas
aquela vaga e tinha os papéis atestando distâncias. Essa falta de condição e essas
que tinha aquela vaga e davam a nome- distâncias faziam com que, muitas vezes,
ação. Então, era assim que acontecia de- as professoras montassem uma sala de
pois de receber, então, o convite ou outra aula dentro da própria casa. Essa prática
forma de nomeação. também era muito comum no contexto
Nesse contexto, também, elas reme- que estamos nos referindo.
moram as dificuldades e as possibilida- Apresentamos dois recortes das en-
des do fazer docente. Uma das grandes trevistas para ilustrar essa ausência da
dificuldades era a ausência da formação. formação que fazia com que as profes-
A ausência da formação pedagógica era soras não se sentissem muito à vontade
a principal dificuldade elencada por elas. com relação aos saberes. Então a Altimi-
Assim, compreendemos que a ausência sa diz assim: “Eu não me sentia bem certa
da formação vai gerar o não saber dire- do que estava fazendo, porque eu estava
cionar as atividades. Quando elas come- aprendendo, ensinando e aprendendo.
çaram a ser professora tinham apenas Com o tempo, a pessoa vai aprendendo”.
o quinto ano primário, então, esse “não Esta fala mostra que as professoras re-
saber” gerava muita insegurança para conhecem como a ausência da formação
desenvolver as ações relacionadas à do- dificultava o processo. Sobre as dificul-
cência: o medo de não conseguir saber dades das questões estruturais, Élcia nos
dar aulas, de não conseguir fazer com relata que a diretora disse que ela con-
que os alunos aprendessem. Isso não seguisse 30 alunos, arranjasse uma sala
significa dizer que quem tem a formação disponível, botasse uma mesa, ajeitasse
pedagógica não sinta esses medos e in- uma bancada e formasse ali a sua sala de
seguranças também, mas claro que para aula, na própria casa, ela dava um jeito
elas que não tinham a formação era mui- de ela não precisar ir para uma escola

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 167 PALESTRA 16


distante de sua casa. Nesse sentido, per- GARCIA, Walter. Apresentação. In: BRA-
cebemos que havia todo esse contexto de SIL. Ministério da Educação. Secretaria
dificuldades para as professoras. Nacional de Educação básica. Professor
Com relação às possibilidades, mes- leigo: institucionalizar ou erradicar?
mo em meio a tantas dificuldades, as São Paulo: Cortez; Brasília: SENEB, 1991.
professoras informam que conseguiam (Cadernos SENEB; 3).
alfabetizar as crianças. É claro que nos
sabemos que esse processo de alfabeti- MANKE, Lisiane Sias. Um estudo acerca
zação acontecia de acordo com as me- da história de vida profissional de pro-
todologias vigentes daquele contexto e, fessoras primárias leigas. In: Revista
também, com o conceito de alfabetização História da Educação, Pelotas, v. 12, n.
que se resumia a codificar e decodificar. 25, p. 153-178, Maio/Ago. 2008. Disponí-
Essas professoras eram movidas pela vel em: https://www.redalyc.org/articu-
vontade de melhorar, de ser melhores lo.oa?id=321627131006. Acesso em 03 jul.
professoras, não de ser a melhor, mas de 2021
melhorar as suas ações docentes, e por
isso elas não se acomodavam por não MURTA, Cláudia. Tornar-se professor:
saber: o fato de não um estudo sobre pro-
ter a formação peda- fessores leigos Ama-
gógica não impedia
que elas continuas-
Elas sempre buscavam zônidas. 2006. Tese.
(Doutorado em Psi-
sem buscando. Então mais aprender para cologia) – Instituto de
elas sempre busca- Psicologia, Univer-
vam mais aprender fazer com que os alunos sidade de São Paulo/
para fazer com que os USP, São Paulo, 2006.
alunos aprendessem. aprendessem.
Assim, finalizamos a PORTELLI, Alessan-
nossa apresentação, dro. História oral
e deixamos aqui algumas referências como arte da escuta. São Paulo: Letra e
que nos baseamos para trazer essa ex- Voz, 2016.
posição. Muito obrigada pela atenção.
SOARES, Magda. Alfaletrar: toda crian-
REFERÊNCIAS ça pode aprender a ler e a escrever. São
Paulo: Contexto, 2020.
BOSI, Ecléia. Memória e sociedade:
lembranças de velhos. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1994.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 168 PALESTRA 16


PALESTRA 17

NO TEAR DO TEMPO, TECER


IA
ND
RA F CA
S
L DA MEMÓRIAS, (RE) CONTAR
ERNANDES
HISTÓRIAS DE PROFESSORES
APOSENTADOS DO CURSO DE
PEDAGOGIA DA UERN DE PAU
DOS FERROS
Iandra Fernandes Caldas – Professora Adjunto II da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN, lota-
da no Departamento de Educação, do Campus Avançado de Pau dos Ferros/CAPF. Doutora em Letras pelo PPGL/
UERN. Mestra em Educação pelo POSEDUC/UERN; Especialista em Psicopedagogia e Literatura e Estudos Culturais
(UERN) Graduada em Pedagogia pelo CAPF/UERN. Pesquisadora Institucional do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Planejamento do Processo Ensino-aprendizagem/GEPPE/UERN. Membro da Associação Brasileira de História Oral.
Áreas de interesse de pesquisas: Formação de Professores e Desenvolvimento Profissional Docente, Memória, His-
tória Oral, Identidade e Literatura.

Bom dia a todos. Quero agradecer a sa história que talvez não seja senão a
presença de todos, todas e todes os par- repetição de outras histórias, possamos
ticipantes, e dizer que é um prazer estar adivinhar algo daquilo do que somos”.
aqui com a minha sempre orientadora, Eu trago essa reflexão, por que ela me
a professora Dra. Maria Lúcia Pessoa provoca uma inquietação. Eu sou filha da
Sampaio e as minhas colegas de traba- UERN, nessa instituição, fiz duas gradu-
lho/mesa e parceiras de pesquisa, todas ações, fiz especialização, fiz mestrado, o
nós somos apaixonadas pela temática da doutorado, e pretendo fazer, para cul-
memória. minar essa história com chave de ouro,
Então, a minha tese se intitula “No o pós-doutorado na UERN também, se
Tear do Tempo: tecer memórias, recon- Deus quiser.
tar histórias de professores aposenta- Então essa história dessas professo-
dos do curso de pedagogia da UERN de ras também faz parte da minha história,
Pau dos Ferros”. Esse trabalho é meu em essas professoras aposentadas, essas
parceria com a professora Maria Lúcia, “recordadoras” da minha pesquisa, elas
e eu quero abrir a minha fala trazendo também fazem parte da minha história,
uma reflexão do Larossa (2006, p. 21). Ele e eu trago a metáfora do tecer, da trama,
diz assim: “[…] talvez nessa história em da linha, para esse relato sobre a memó-
que o homem se narra a si mesmo, nes- ria dessas professoras, porque a trama

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 169 PALESTRA 17


da vida é tecida em muitas histórias e ria oral, a formação e o desenvolvimen-
o homem, nós, seres humanos, somos to profissional docente. A metodologia
essencialmente narradores: ao relatar- que eu utilizo é a história oral, mas ela
mos as nossas memórias, nós podemos também se caracteriza como teoria na
contribuir para que os outros ressignifi- minha discussão. Os sujeitos da pesqui-
quem a sua própria história. sa são os “recordadores” (denominação
Narrar não é apenas demonstrar um escolhida e fundamentada pela pesqui-
conhecimento, um saber, mas é a pró- sadora no corpo da tese), os professores
pria realização de um saber. Quem nar- aposentados. O meu trabalho traz uma
ra, quando narra, organiza o seu mun- abordagem qualitativa, a metodologia é
do, a sua história, dá sentido à sua vida, especificamente a história oral temática,
comunica uma história. Através do con- e utilizamos a entrevista temática, orga-
fronto entre passado e presente, é que o nizada em um roteiro, mas esse roteiro
mundo é transformado, ele vai ganhan- servia apenas como base para embasar
do sentido para nós mesmos, para os a fluição do recordar. O corpus da minha
“recordadores”, aqueles que relatam as pesquisa se constituiu nas entrevistas
suas histórias. A própria história do su- transcritas.
jeito ganha novos sentidos, ganha uma Sobre a formação, elas relatam com
reelaboração, uma reinterpretação. O muita ênfase, com muito orgulho, todo o
fio da memória entra nessa dinâmica do processo de formação e desenvolvimen-
contar, do recordar, como uma trama to profissional, sendo esses processos
que compõe a existência. O voltar à me- reafirmados como uma categoria tam-
mória não significa estabelecer uma li- bém empírica, e assim, estabelecemos
nha direta com o passado, mas reestabe- as aproximações e os distanciamentos
lecer uma linha entre passado, presente das falas desses professores. Foram 10
e futuro, para que se constitua um diálo- professores entrevistados – suas coloca-
go interminável entre esses três tempos. ções se aproximam em algum momento
A minha tese se fundamenta através e se distanciam em outros. Elas se apro-
do excerto que, através da memória e da ximam porque a história/memória cole-
oralidade, é possível relevar a história da tiva da docência no ensino superior em
formação, o desenvolvimento profissio- nossa região foi fundada por esse grupo
nal, dessas professoras aposentadas do de professores, mas cada um tem a sua
curso de pedagogia da UERN, e através individualidade, tem a sua própria his-
da história dessas professoras, é tam- tória, tem a sua própria interpretação
bém possível reconstruir a história da de mundo e da palavra. Então, essa me-
educação como um todo, mas especifica- mória individual também aparece nas
mente da educação do ensino superior análises. Nós analisamos o gênero me-
em nossa região, porque elas foram pre- morialístico, o texto memorialístico, e
cursoras, as pioneiras, como uma delas o roteiro da entrevista se organizou em
se define na educação superior em nossa 5 pontos básicos, 5 tópicos básicos. Eu
região. pedi para que elas relatassem um pou-
Então, a tese traz categorias que nós co sobre a infância, a família, um pouco
trabalhamos como a memória, a histó- da origem delas, onde elas nasceram, em

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 170 PALESTRA 17


que local elas cresceram, quais são as A professora Maria Nilma de Souza,
memórias dessa infância, dessa família. o subtópico de cada um dos entrevista-
Isso é muito importante, porque mesmo dos são frases ditas por eles que os iden-
o meu trabalho tendo como tema a for- tificam e marcaram o ato de rememorar,
mação e o desenvolvimento profissional, o momento da rememoração. Por exem-
tendo como foco esses dois eixos, mas é plo, essa professora tem um momento
impossível, como diz o Novoa (1997), dis- na sua fala que ela disse assim: “Como
sociar a vida pessoal da vida profissio- disse o Paulo Freire, eu sou professora
nal, a pessoa do profissional – ambos es- a favor da docência, contra o despudor,
tão intimamente ligados, história de vida a favor da liberdade, contra o autori-
de cada um deles vai influenciar ampla- tarismo” (M.N.S., 2017). Ela diz que, ela
mente na sua formação e no seu desen- e o irmão Assis, eles iam para a aula de
volvimento profissional. bicicleta, eles moravam na zona rural
O segundo tópico (do roteiro da en- e era bastante distante aqui de Pau dos
trevista) é a educação básica e o ensino Ferros/RN, o local mais próximo que ti-
superior. Então, elas fazem um breve nha escola. A distância entre o local onde
relato do início da educação básica até o ela morava e a cidade de Pau dos Ferros
ensino superior. No terceiro tópico, per- eram 8 km, e todos os dias eles vinham
guntamos sobre o tornar-se professor, de jumento, depois de bicicleta esses 8
os desafios da profissão no seu espaço de km para estudar. (M.N.S., 2017). Nos fa-
trabalho. Também perguntamos sobre a zendo refletir sobre as dificuldades en-
formação leitora, porque compreende- frentadas na época e, vale salientar que
mos que essa formação é imprescindível a maioria dos recordadores vieram da
no desenvolvimento enquanto profissio- zona rural. Na verdade, dos 10 recorda-
nal, seja em qual profissão estejamos. No dores, apenas 2 nasceram na zona urba-
epílogo, nós perguntando como elas se na, os demais, todos nasceram na zona
reconhecem, como os recordadores se rural. E a maioria, também, vieram de
reconhecem no âmbito pessoal, no âmbi- famílias simples, bastante simples: agri-
to profissional, como elas se identificam. cultores, pequenos comerciantes, carro-
Posso divulgar a imagem dos recor- ceiros, professores.
dadores por que tenho autorização de Com relação a sua primeira expe-
áudio, de vídeo, da imagem, da trans- riencia profissional, ela relata que co-
crição da fala. Eles foram tecelãs de meçou ensinando numa pré-escola, era
memória – Todos foram professores do uma professora leiga. Ela começou mi-
Departamento de Educação – DE, Cam- nistrando aula na pré-escola, mas ainda
pus Avançado de Pau dos Ferros – CAPF. não tinha uma formação específica, as-
Como não é possível diante do nosso sim, passou um longo período trabalhan-
tempo de fala, trazer os 10 recordadores do com a pré-escola, com os anos iniciais
– Nove mulheres e apenas um homem, do ensino fundamental, até conseguir
eu escolhi três para que vocês pudessem fazer o magistério e, posteriormente,
conhecer um pouco dessas pessoas que o ensino superior. Após a conclusão do
fizeram a história da educação em nossa curso superior em Pedagogia – no hoje
região. CAPF/UERN, na década de 1980 –, ela foi

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 171 PALESTRA 17


convidada para lecionar no Campus, na- te destacar o fato de que quase todos
quela época era uma realidade, não exis- os nossos entrevistados cursaram essa
tia obrigatoriedade de concurso público, ­especialização.
existiam pouquíssimas pessoas com o Ao término de sua fala, ela expres-
nível superior dispostas a lecionar. En- sa seu orgulho pelo Campus, ao dizer:
tão, os professores eram contratados “Eu tenho um sentimento sobre o cam-
através de um convite. Assim, resumin- pus, um sentimento, sabe? De você ter
do: o Campus começou a funcionar em pego, assim, aquela menina que saiu do
76, ela foi da primeira turma, concluiu seu ventre, aquela menina que começou
o ensino superior em 80 e, logo em se- com um projeto de vida e hoje…” – (e que
guida, já foi convidada para trabalhar na hoje chegou aonde está, se desenvolveu,
universidade. cresceu, ganhou destaque). No caso
Nossa segunda recordadora foi a desta fala, ela se compara, professora
professora Maria Elisa de Albuquerque Lúcia, que estava presente no dia da en-
Maia, a frase que nos marcou em sua fala trevista, e a filha dela estava defenden-
foi: “[…] eu diria que eu fui uma pionei- do o seu TCC, ainda completa: “Aquele
ra na educação do Alto Oeste Potiguar” Campus tão pequenininho, aquela se-
(M.E.A.M. 2017). Dona Maria Eliza, como mentinha tão difícil de ser criada, de ser
era conhecida, foi percussora nas dis- regada, e hoje é o que é”, né?”. (M.E.A.M.
cussões acerca da vinda do Campus da 2017, p. 291).
UERN para a cidade de Pau dos Ferros, Outra das nossas recordadoras, a
foi a primeira diretora e, posteriormen- professora Maria Neuma Azevedo, ela
te, seu esposo cedeu um terreno para a diz uma frase muito interessante: “De
construção da cede do mesmo, sendo vendedora da Avon andando numa mo-
só muito posteriormente, efetivado o nareta emprestada à assistente social e
acordo de compra do terreno pelo esta- professora na academia. Fui orientado-
do. Ela participou de muitos momentos ra e professora de muita gente”. (M.N.A.,
cruciais da nossa universidade, especi- 2018, p. 88). Ela é uma mulher respeitada
ficamente no Campus, junto com Padre em nossa região, pelo seu trabalho, pela
Sátiro (figura muito importante na nossa carreira que construiu, como Assistente
região que também foi reitor da nossa Social ela trabalhou em muitos municí-
universidade), ao encampar, junto com pios aqui do Alto Oeste Potiguar, além de
docentes, discentes, técnicos e pessoal ser professora na universidade. A pro-
de apoio o processo de estadualização da fessora relata ter tido uma infância bas-
universidade. O padre Sátiro mobilizou tante sofrida: perdeu o pai ainda muito
toda a comunidade uerniana na época jovem, quando cursava o ensino médio,
e eles foram até a assembleia legislativa era uma pessoa muito trabalhadora. In-
do Estado, reivindicar a estadualização. gressou na universidade no curso de
Também relata sobre a vinda do curso de serviço Social, lá fez boas amizades, foi
especialização, que foi o primeiro curso monitora do Padre Sátiro que era reitor
de especialização aqui na nossa região, na época.
a saber: Metodologias do Ensino Supe- Ao se referir a sua profissão, ela cons-
rior e da Pesquisa, que se faz importan- tata: “Eu me tornei esse professor assim:

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 172 PALESTRA 17


que conseguiu trazer a teoria para a prá- mulheres, professoras pioneiras, do en-
tica e a prática para a teoria. Eu me de- sino superior na nossa região, procuro
dicava muito a estudar e a buscar coisas personificar essas histórias através da
novas. O que eu via de coisas novas, eu poesia de “Com licença poética” de Adé-
achava que deveria trazer para discutir lia Prado, que diz assim:
com os meus alunos. Eu não tinha ne-
nhuma especialização na área de edu- Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
cação...” (M.N.A., 2018, p.99), mas ela ten-
vai carregar bandeira.
tava, sempre tentou, fazer o seu melhor. Cargo muito pesado pra mulher,
A professora Neuma foi uma professora esta espécie ainda envergonhada. [...]
inovadora, levantava muitas discussões Cumpro a sina.
em sala de aula, trazia temas polêmicos, Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
levava os alunos para aulas de campo, o
Minha tristeza não tem pedigree,
que na época era uma novidade. Então, já a minha vontade de alegria,
ela foi uma professora a frente do seu sua raiz vai ao meu mil avô.
tempo. Vai ser coxo na vida,
é maldição pra homem.
E vale salientar que todos os entre-
Mulher é desdobrável. Eu sou.
vistados relatam que na época não havia
uma biblioteca com variedade de obras,
Esse poema, com certeza, caracteri-
de livros, que eles pudessem estar uti-
za essas mulheres nesse meu trabalho,
lizando, não havia material didático, os
porque elas foram mulheres desdobrá-
professores compravam os livros que
veis, elas foram mulheres que se des-
utilizavam para dar aula e os alunos re-
dobraram frente a realidade da época e
produziam através da xérox, um capítulo,
foram percussoras na educação básica e
uma parte do texto, porque não havia, na
no ensino superior em nossa região.
biblioteca, livros disponíveis para todos
E nós temos o único professor ho-
os alunos. Muitas vezes não havia mate-
mem, Francisco Assis Correia Rêgo, ba-
rial didático para que elas trabalhassem,
charel em direito que exerceu a advo-
só o quadro negro e o giz. Depois, algum
cacia e foi professor na universidade, e
tempo depois, surgiu o retroprojetor,
ele diz uma frase bem forte: “Eu sou um
que eles achavam já uma inovação muito
advogado de sucesso, um professor de
grande. Já perto de se aposentar, surgiu
sucesso e um homem feliz. É assim que
a televisão, surgiu o aparelho de video-
eu posso me definir” (F.A.C.R., 2018). Ele
cassete, então, podiam projetar, filmes,
diz que sempre foi muito estudioso, nós
documentários, etc. As condições de tra-
o entrevistamos em sua fazenda, onde
balho eram muito precárias. O Campus
ele mora desde que se aposentou, ele diz:
inicialmente funcionava nas escolas da-
qui da região, os cursos eram distribu- […] eu sempre fui um estudioso, olha
ídos em várias escolas. Nós tínhamos 3 aqui na fazenda, livros, revistas, revista
cursos inicialmente: o curso de Letras, o Veja, jornais e outras coisas. Eu sempre
curso de Ciências Econômica e o curso adorei ler […] eu leio muito. Na época, eu
não só lia os livros didáticos, eu usava
de Pedagogia.
pouco os livros didáticos, usava mais
Desses relatos, a maioria sendo de apostilhas e pesquisas tal, mas além dos

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 173 PALESTRA 17


livros, revistas, também. Por exemplo, a nha intenção com esse trabalho é deixar
parte de direito público, privado eu ti- um documento escrito que traduza todo
nha todos os livros sobre direito públi-
o caminhar de professores que, em suas
co e privado, então eu tinha nas minhas
mãos, além de toda minha experiência, épocas, marcaram a docência em múl-
também vamos dizer assim a profissão tiplas dimensões. Não só a docência no
de advogado […] jogado dentro da do- ensino superior, mas a docência também
cência [...]. (F.A.C.R, 2018, p.13).
da educação básica, porque todos traba-
lharam na educação básica também, an-
Ele tem muito orgulho de dizer que tes de trabalhar no ensino superior.
é professor, que também foi professor, O doutor Assis, por exemplo, apesar
diz que sempre foi um homem muito de ser advogado, ser bacharel, ele traba-
autônomo, autêntico, ele traz isso com lhou no ensino médio, ele deu aula du-
muita ênfase na voz, relata que muitas rante um tempo na Escola Estadual José
vezes esses professores trabalhavam o Fernandes de Melo, antes de ser convi-
semestre inteiro e, às vezes, passavam o dado a trabalhar no ensino superior. Por
semestre, o ano, sem receber, a sorte que intermédio dessas narrativas, desses
tinham outros trabalhos. (F.A.C.R., 2018). 10 protagonistas, e das experiências de
E para encerrar a minha fala, eu tra- vida e de formação deles, nós consegui-
go uma citação de Monberger (2014, 35- mos dar sentido e significado ao que fo-
36): “Não fazemos a narrativa de nossa mos enquanto instituição universitária,
vida por que temos uma história, nós ao que somos hoje e ao que podemos ser.
temos uma história por que fazemos a Para finalizar, encerro com um poe-
narrativa de nossa vida”. ma de autoria própria sobre a minha vi-
A título de considerações finais, cos- vência nessa pesquisa:
turando essa trama, essas histórias fio-
-a-fio, podemos dizer que consegui nar- NO TEAR DO TEMPO
rar a história dessas professoras, desse
Ando me fazendo pesquisadora!
professor. São histórias belíssimas, são Tecelã de memórias,
histórias desafiadoras. Queria eu ter Artesã de palavras, ideias e ­sentimentos.
tempo aqui suficiente de relatar cada E diante do tear da formação de professores,
Me encanto com os fios das lembranças,
uma, porque é surpreendente. Fizemos
De cada um dos recordadores,
esse esforço de ouvir a voz desses pro- Fios paralelos (urdidura), distintas histórias.
fessores, isso significa para mim, reco-  
Sou tecelã cuidadosa,
nhecer que essas trajetórias tem um sig-
Fasso dos fios, matriz dessa tecitura!
nificado importantíssimo na construção Com o auxílio da navete (agulha)
da nossa história, da história do ensino Conduzo os fios transversais da trama,
superior da nossa região, da identidade Que a pesquisa narrativa entrelaça.
docente do ensino superior.  
E o que era paralelo... se emaranha,
Esses professores trazem consigo
Em um novelo que a todos envolve e aproxima.
o ambiente universitário, a construção Fiar é o que faço, com o tempo,
coletiva da educação superior em nossa Transformo linhas em retalhos,
região: são memórias individuais e me- De rendas tecidas por atos e escolhas.
mórias coletivas de uma profissão. A mi- Elas revelam valores e constroem ­sentidos,
Do ontem, do hoje e do amanhã!

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 174 PALESTRA 17


 Assim, eu quero agradecer imensa- dade do Estado do Rio Grande do Norte
mente essa audição, a presença de vocês Pau dos Ferros, 2021, p. 294.
aqui e quero dizer que o bonito dessa
vida é poder fazer essas costuras, cos- LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana:
turar essas memórias, desatar os nós do danças, piruetas e mascaradas. Tradu-
tempo e contar uma história, ou muitas ção Alfredo Veiga-Neto. 4ª. ed. 3ª imp.
histórias. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

REFERENCIAS NÓVOA, Antônio (Org.). Os professores


e sua formação. 3. ed. Lisboa: Dom Qui-
CALDAS, Iandra Fernandes. No Tear do xote, 1997. (Coleção Temas em Educação).
Tempo: tecer memórias, recontar his-
tórias de professores aposentados do DELORY-MONBERGER, Christine. As his-
curso de pedagogia da UERN de Pau dos tórias de vida: da invenção de si ao proje-
Ferros. Tese (Doutorado em Programa to de formação. Natal: EDUFRN; Porto Ale-
de Pós-Graduação em Letras). Universi- gre: EDIPUCRS; Brasília: EDUNEB, 2014.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 175 PALESTRA 17


PALESTRA 18

S
OR
DE AN
D

GIV N
AL G ER
O N Ç A LV E S F

A EDUCAÇÃO COMO
FERRAMENTA NOS COMBATES
AO NEGACIONISMO
Dorgival Gonçalves Fernandes – Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal da Paraíba (1988), Mes-
trado em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (1997), Doutorado em Educação pela Universidade Federal
de São Carlos (2003). Realizou Estágio de Pós-Doutorado em Educação na Universidade de São Paulo (2015). Atual-
mente é professor associado IV da Universidade Federal de Campina Grande, campus de Cajazeiras. Tem experi-
ência na área de Educação, com ênfase no ensino de Filosofia da Educação, História da Educação e Teorias da Edu-
cação, Educação de Jovens e Adultos e Educação Popular. Pesquisa na área de Educação Escolar com enfoque nos
seguintes temas: Filosofia da diferença e Educação; Juventude e Escola, Formação e Atuação Docente, com enfoque
teórico centrado no pensamento de Michel Foucault . É líder do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em
Educação, Linguagem e Práticas sociais – GIEPELPS/UFCG.

No tempo presente, vivemos em uma cimentos já devidamente comprovado e


sociedade marcada, em escala ociden- validado sobre fatos históricos, desco-
tal global, por movimentos de distopia, bertas, invenções e produções cientifi-
disjunção e disrupção, em sentido políti- cas, seja a partir da criação e divulgação
co, econômico, social, cultural, religioso de saberes estranhos ao bom senso.
e epistemológico. Em tal sociedade, o co- Desse modo, a verdade, ou as verda-
nhecimento, enquanto resultado da ação des, construídas com base na episteme
racional e metódica de especialistas do ou na doxa, passaram a ser elementos de
campo das ciências, transformou-se em disputa entre narrativas não apenas di-
um determinado sentido, numa merca- ferentes, mas antagônicas. Em tal pers-
doria; noutro sentido, o campo de produ- pectiva, para além dos canais comunica-
ção do conhecimento, ou seja, o campo cionais canônicos do conhecimento, tais
das ciências passou a sofrer diversos ti- como livros, dissertações, teses, artigos
pos de ataques, descrédito e recusa, sen- acadêmicos e matérias jornalísticas pro-
do refutada em função de outros sabe- duzidas por especialistas, emerge com
res, não atestados pelo bom senso, que se força singular nos canais de mídias da
contrapõem ao conhecimento científico, internet, nas quais se constituem as cha-
seja a partir do revisionismo de conhe- madas redes sociais, a exemplo do Fa-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 176 PALESTRA 18


cebook, WhatsApp, Instagram e Twitter, palmente no caso de padres pertencen-
blogs, entre outros. tes à ala conservadora da Igreja Católica
Para serem veiculados por meio des- e de pastores vinculados às igrejas evan-
ses canais, de amplo e rápido alcance, gélicas de matriz neopentecostais. Neste
são produzidos e circulam em forma de caso, temos a formação de agrupamen-
texto escrito, de áudio e/ou audiovisu- tos de indivíduos políticos e religiosos
al, conteúdos de sentidos informativos e que pensam e agem de modo alinhado
formativos, como também conteúdos que à perspectiva política neoconservado-
desinformam grande número de sujeitos ra que negam as pautas progressistas
e deformam entendimentos sobre fatos, referentes aos direitos humanos, so-
ações e situações, pois muitas vezes tais ciais, trabalhistas, religiosos, sexuais e
canais são usados para a disseminação ecológicos, procurando fazer a história
de “Fake News” e de “pós-verdades”. retroceder no campo da política, che-
Nesses canais, tanto leigos como gando-se mesmo à defesa de valores e
especialistas “desvirtuados”, cientistas entendimentos característicos e vigen-
ou não, emitem suas opiniões e buscam tes na Idade Média, a exemplo da não se-
dar-lhes um status de verdade, verdade paração/divisão entre Estado e igreja e
particular, muitas vezes controversa. a validação social de ideias e ideais obs-
Tais opiniões se sustentar como vontade curantistas acerca do conhecimento e de
de verdade geral e impositiva, materiali- modos de vida.
zando o que comumente tem sido enten- Acreditamos que a educação esco-
dido como negacionismo. lar e universitária, formal e institucio-
Mediante tal situação, a educação nalizada, bem como a educação popu-
formal e institucionalizada, promovida lar, não-formal, podem contribuir, em
por escolas e universidades, deve assu- grande monta, à contraposição e ao
mir um papel relevante e profícuo, ob- enfrentamento desse estado de coisas,
jetivando o esclarecimento social que empregando em seus currículos e nas
deve se pautar pelo conhecimento racio- suas ações comunicativas não apenas
nal, científico, respaldado por uma epis- os conhecimentos em si, como fato, mas
temologia, e por saberes enraizados no também os processos de construção e de
bom senso. Infelizmente, esses canais validação epistêmica e social desses co-
tem sido usados em larga escala por po- nhecimentos como conteúdos de ensino
líticos que ocupam cargos importantes e aprendizagem. Assim, primeiramente,
na esfera social, a exemplo do presidente ao falar-se sobre a educação em tempos
da República, que os tem usado para se de negacionismo, penso fazer-se neces-
comunicar com os seus eleitores, disse- sário afirmar a potência, a atualidade e
minar informações falsas, como temos a proficuidade da pedagogia dialógica,
assistido no caso das vacinas contra o formulada por Paulo Freire (1987; 1996),
vírus da Covid-19, produzindo desinfor- posto que esta pedagogia assevera refor-
mação e causando prejuízos à vida da mulações nos processos de ensinar e de
população. aprender, transformando, desse modo,
Nessa mesma direção, temos assisti- duas áreas caras à educação: o currículo
do as ações de líderes religiosos, princi- e a comunicação. Nesta perspectiva, se

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 177 PALESTRA 18


faz necessário e possível, tomando como operacionalidade, posto que, como afir-
referência os postulados freireanos, re- ma Michel Foucault (1999): “A verdade é
verberar por todos os espaços sociais o deste mundo; ela é produzida nele graças
sentido e a prática do diálogo educativo e a múltiplas coerções e nele produz efeitos
da curiosidade epistemológica para que regulamentados de ­poder”.
se possa enfrentar essa onda de nega- Por conta da complexidade e das
cionismos que nos afeta. controvérsias e confusões que per-
O negacionismo é algo complexo e po- meiam a construção do significado do
lissêmico, podendo assumir vários sen- negacionismo, nem sempre os negacio-
tidos, concepções e nistas são diabólicos,
perspectivas. Assim, perversos, maus, mas
sobre esse fenômeno, Se faz necessário e quase sempre os são.
têm sido produzidas Por isso, é preciso fa-
muitas controvérsias
possível, tomando como zer a distinção entre o
e confusões. Sendo fi-
lho do fascismo, do re-
referência os postulados falso especialista que
produz negacionis-
acionarismo, do enga-
no, do oportunismo,
freireanos, reverberar por mos e aqueles que os
seguem como crentes
do ceticismo, da des-
confiança solitária e
todos os espaços sociais acríticos, que podem
ser filiados ideologi-
do monetarismo, mui-
tas vezes o negacio-
o sentido e a prática do camente tanto à di-
reita como à esquer-
nismo é confundido diálogo educativo e da da, bem como entre
com esses, noutras, se o cientista negacio-
emparelham. Assim, curiosidade epistemológica nista de caráter du-
tem sido frequente vidoso e oportunista
se misturar causas e para que se possa e o leigo curioso, ig-
efeitos, origens e deri- norante, desconfiado
vações do negacionis- enfrentar essa onda de e perplexo em rela-
mo e do fascismo. ção ao conhecimento.
Para melhor iden- negacionismos que nos Para problematizar-
tificar o negacionis- mos sobre a condição
mo, é necessário com- afeta. de leigos seguidores,
preender: a) o que são ou seja, os sujeitos
as Ciências, os seus modos e processos que denominamos aqui como crentes
de construção, erigidos a partir de ten- acríticos, é interessante uma indagação
tativas, aproximações, acertos, erros, ex- feita por Clarice Lispector (1999), no livro
perimentações e atualizações; b) o que é o A descoberta do mundo: “Para vermos o
conhecimento e os seus sistemas de pro- azul, olhamos para o céu. A terra é azul
dução e de validação social, que se pau- para quem a olha do céu. Azul será uma
tam em relações de poder e saber, poder cor em si, ou uma questão de distância?”.
e interesses; c) o que é a verdade e as suas Eu, há um tempo, falei para a minha es-
políticas de estabelecimento, circulação e posa sobre o meu espanto quanto aos

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 178 PALESTRA 18


movimentos da terra no espaço, e ela, fastos. Assim, os negacionistas são vis-
espantada com o meu espanto, me deu tos como sujeitos ignorantes e irracio-
uma aula sobre rotação e translação, e nais ou mau caráter que se escoram em
sobre as leis da gravidade. Eu nunca fui crenças descabidas, informações falsas
um bom aluno em Física! Então, às ve- e teorias conspiratórias. Temos algumas
zes, quando estamos num espaço aberto tipificações do negacionismo:
e me lembro de tal fato, olho para o céu O negacionismo religioso. Exemplo:
e em tom de brincadeira, lhe pergunto: e conforme o Velho Testamento e as ideias
agora, estamos de cabeça para cima ou de Aristóteles e Ptolomeu, a terra seria
de cabeça para baixo? o centro do universo, e assim, o sol gira-
As assinalações va em torno da terra
acima nos permitem – a teoria geocêntri-
entender que se refe- ca. Por defenderem
rir ao negacionismo e
O negacionismo é uma o contrário, isto é, a
aos negacionistas, de
modo genérico, pode
postura ideológica, teoria heliocêntri-
ca, a Igreja Católica
configurar um erro,
haja vista que, como
ancorada na negação obrigou Galileu Gali-
lei a renegar as suas
afirma Kallás (2021),
“não permite a distin-
em se acreditar em teorias e condenou
Giordano Bruno à
ção entre um amplo
espectro de compor-
conhecimentos e ­fogueira.
O negacionismo
tamentos, colocando fatos comprovados, científico. Ex: o terra-
no mesmo lugar ver- planismo, a negação
dadeiros negacionis- consensualizados do efeito protetivo
tas, criadores de teo- das vacinas, a afir-
rias conspiratórias e, e acordados pela mação das vacinas
por exemplo, pessoas como promotoras de
com limitação de in- comunidade científica e doenças, os métodos
formações”. para evitar o contágio
O negacionismo é acadêmica. pelo Coronavirus e o
uma postura ideoló- aquecimento global.
gica, ancorada na ne- O negacionismo
gação em se acreditar político: Ex. a negação
em conhecimentos e fatos comprovados, da existência do holocausto, a negação
consensualizados e acordados pela co- da existência da ditadura militar no Bra-
munidade científica e acadêmica, a par- sil, a afirmação de que o nazismo foi/é
tir de diversos estudos elaborados de um movimento de esquerda. Há ainda
modo sistemático e rigoroso. Este visa dois tipos que podem atravessar qual-
criar revisionismo histórico e científi- quer um dos citados: o negacionismo de-
co infundado, confusão social e política, fensivo e o negacionismo i­ gnorante.
desqualificação e descrédito da ciência, Sobre a educação e os embates com
alimentar preconceitos e interesses ne- o negacionismo. Acreditamos que o ele-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 179 PALESTRA 18


mento de proa no combate ao negacio- liferação de ideias fundamentalistas
nismo seja a prática dialógica. Para este e reacionárias e a ascensão de grupos
combate, enuncio três vias. Primeira via. de extrema-direita ao poder institu-
A conquista dos negacionistas para o lado cional no Brasil, parece que todos nós
do bom senso, a partir da compreensão nos tornamos negacionistas uns para
do seu pensamento: sua base, razões, or- os outros, ou seja, os sensatos, para os
ganização, causas e efeitos, haja vista a negacionistas, é que são os negacionis-
dificuldade para se conseguir combater tas. Ademais, é preciso fazer a distinção
o que se desconhece, pautando-se ape- entre o negacionista e o fascista, pois
nas na refutação. Assim, remeto-me ao com fascistas a possibilidade de diálogo
diálogo entre sensatos e ­negacionistas. é quase zero.
O compositor e cantor Gonzaguinha, Segunda via. Procurar afetar o currí-
na canção “Redescobrir”, nos diz que culo escolar, visando promover, de modo
“tudo principia na própria pessoa”; bell transdisciplinar, a atitude filosófica no
hooks (2020), no livro tudo sobre o amor, processo de ensino e aprendizagem,
nos afirma que o pessoal é político, e explicitando o processo de produção de
Foucault (2010), tratando do exercício da conhecimentos e não apenas o seu resul-
ética, no livro A hermenêutica do sujeito, tado que, muitas vezes, parece ao aluno,
assinala o cuidado de si como condição mas também a muitos professores, assu-
do conhecer a si mesmo, para conhecer mir um sentido mágico.
o outro e dele cuidar, propiciando que Neste caso, é salutar ressaltar a im-
este aprenda a cuidar de si. portância da pesquisa envolvendo pro-
Neste caso, creio ser necessário ao fessor e alunos como mecanismo de
sensato pensar a si mesmo, analisar os ensino e aprendizagem. Para tanto, é
seus processos de crenças e modos de necessário repensarmos o modo padrão
construir e lidar com as suas verdades da relação professor-aluno, que deve ser
para, assim, produzir condição de pos- de proximidade e parceria, movida pela
sibilidade para dialogar com o outro. O curiosidade, e trazermos a prática da
negacionista, visando transpor bolhas pesquisa para a cotidianidade da forma-
e ir além da conversa centrada entre ção docente nos cursos de licenciatura e
iguais, principalmente, entre nós acadê- de formação continuada.
micos que, muitas vezes, nos comporta- Terceira via. Explorar e otimizar
mos como a vanguarda intelectualizada possibilidades midiáticas de comunica-
da verdade sempre certa, posto que no ção científica, utilizando-se os canais de
universo acadêmico, na maioria das ve- comunicação engendrados pela internet
zes, falamos para uma bolha particular, como redes sociais. Neste sentido, desde
como se vivêssemos em quartos espe- o advento da popularização do acesso à
lhados, reproduzindo certa arrogância internet, diversos cientistas dos vários
sapiencial e distanciamento social da campos do conhecimento têm produzi-
universidade. do conteúdos e os veiculados por meio
Também é necessário que fiquemos das redes sociais. Esta iniciativa tem
atentos à operacionalidade correta do ganhado corpo, principalmente, a par-
conceito negacionismo, pois com a pro- tir da candidatura do atual Presidente

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 180 PALESTRA 18


da República, quando este apareceu na FOUCAULT, Michel. Verdade e poder. In.
cena política nacional defendendo ideias FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder.
e ações pautadas pelo negacionismo. Organização e tradução de Roberto Ma-
Porém, via de regra, tem atingido um chado. 14ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999.
público restrito, formado por pessoas
curiosas ou que já tem algum grau de FOUCAULT, Michel. A Hermenêutica do
pertencimento à comunidade acadêmi- Sujeito. 3ª ed. Tradução de Márcio Alves
ca. Assim sendo, acreditamos que seja Fonseca e Salma Tannus Muchail. São
necessário desenvolver mecanismos de Paulo: Martins Fontes, 2010.
popularização da ciência, utilizando-se
atrativos comunicacionais em termos de FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido.
linguagem menos especializada, hermé- 17ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987.
tica, para que se possa atingir um gran-
de público, como o fazem, por exemplo, FREIRE, Paulo. Pedagogia da autono-
os políticos e religiosos reacionários, e mia: saberes necessários à prática edu-
assim, poder fazer frente a esses. cativa. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

REFERÊNCIAS LISPECTOR, Clarice. A descoberta do


mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
hook, bell. Tudo sobre o amor: novas
perspectivas. Tradução de Stephanie KALLAS, Esper. Chamar de negacionista
Borges. São Paulo: Elefante, 2020. quem hesita em se vacinar é erro que difi-
culta luta contra Covid. Folha de São Pau-
lo, São Paulo, 09 out. 2021. Ilustríssima.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 181 PALESTRA 18


PALESTRA 19

PERSPECTIVAS DE
ELZ OS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS
AN IR D O S S ANT
SOBRE CIÊNCIA E EDUCAÇÃO
EM TEMPOS DE PANDEMIA:
ANÚNCIOS DE UMA PEDAGOGIA
DA INDAGAÇÃO?
Elzanir dos Santos – Graduada em Pedagogia, com mestrado e Doutorado em Educação Brasileira pela Universi-
dade Federal do Ceará. Atualmente é Professora Associada do Departamento de Metodologias da Educação/Cen-
tro de Educação da Universidade Federal da Paraíba. É vice-lider do grupo Currículo, Formação de Professores e
Pesquisa (Auto)Biográfica. Desenvolve pesquisas no campo de Formação de Professores, com ênfase em Pesqui-
sa (Auto) Biográfica, atuando principalmente nas seguintes áreas: Didática, Avaliação da Aprendizagem e Estágio
­Supervisionado.

Minha fala irá abordar análises e novas reflexões e novas perguntas, ou


reflexões sobre ciência e educação em ao contrário, se estamos repetindo as
tempos pandêmicos, no contexto da mesmas formas de pensar e agir que já
Covid-19, a partir de narrativas de pro- orientavam nossa vida, enquanto huma-
fessores universitários. Estas análises nidade, e as quais, há tempos, vinham se
resultaram de um artigo produzido por mostrando ­ineficazes.
mim e Alexandre Martins Joca e que es- Iniciamos, então com uma pergun-
tão publicados no livro Educação e saú- ta “É possível (re) aprender a nadar em
de para a igualdade em relatos de expe- alto-mar?” Esta indagação remete a este
riências e pesquisas na pandemia: foco contexto pandêmico, no qual fomos pe-
na educação especial, EJA, indígena, gos de surpresa e convocados à luta pela
quilombola, básica e superior. Assim, sobrevivência, à luta por garantia da
indagamos, a partir da inspiração no li- vida, em primeiro lugar. Assim, tivemos
vro A cruel pedagogia do vírus, de Boa- que, de forma repentina, nos submeter
ventura de Sousa Santos, publicado em a novas aprendizagens sobre como (re)
2020, em que medida esse contexto tem existir e resistir, nos (re) significando e
sido capaz de nos mobilizar para que al- (re) elaborando nosso modo de ver a nós
teremos nosso olhar sobre a realidade mesmos, aos outros e ao mundo. Isto
em geral e educacional em particular; tudo consubstanciado numa luta e espe-
se temos sido estimulados a formular rança diária em busca do já conhecido e

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 182 PALESTRA 19


ao mesmo tempo, nos obrigando a modi- nos lançou, de forma disruptiva, num
ficar nossos modos de viver. Assim, “rea- cenário de incertezas, de medo, de re-
definição das nossas relações com nós
prender a nadar em alto mar”, conforme
mesmos, com os outros e com o mun-
nossa análise do. Ela instaurou um tempo de suspen-
são, de reflexões, problematizações, um
exige do aprendiz um esforço corporal,
tempo de perguntas (quais perguntas?)
cognitivo e emocional e o autoconhe-
orientadas, sobretudo, para o campo da
cimento sobre controle do corpo e da
saúde, da economia e da educação (SAN-
mente, no esforço de manter-se sobre
TOS; LIMA; SOUSA, 2020. p. 1635).
as águas. Exige, também, a capacidade
de analisar não somente a si mesmos
como náufragos – em nossos limites e
É possível afirmar que ninguém dei-
possibilidades – mas também o mar, as xou de ter sua vida alterada pelas con-
ondas e seus movimentos, no intuito de sequências desse contexto, embora haja
apreender e construir estratégias capa- diferenças significativas no modo como
zes de potencializar as possibilidades de
as vidas foram afetadas. Um exemplo
sobrevivência. (JOCA E SANTOS, 2021,
p.31) refere-se ao cumprimento da medida de
isolamento e/ou dis-
A metodologia tanciamento social
utilizada constituiu- recomendada como
-se de uma pesquisa Fomos pegos de surpresa medida de prote-
qualitativa, que uti-
lizou como instru-
e convocados à luta pela ção contra o vírus. A
maioria dos/as tra-
mento de produção
de dados a entrevis-
sobrevivência, à luta por balhadores do se-
tor privado teve que
ta estruturada, junto
a cinco professores
garantia da vida, em primeiro voltar ao trabalho
presencial de forma
universitários de di-
ferentes instituições
lugar. muito precoce por-
que os gestores da
públicas de ensino. política econômica
As entrevistas foram construíram um dis-
realizadas em maio de 2020, início da curso segundo o qual a garantia do em-
pandemia. Indagamos aos/às professo- prego deveria ser anterior à garantia da
res/as sobre como eles/as estavam ana- vida.
lisando a pandemia, a educação, a ciên- Defendemos, então, que as reflexões
cia, suas possíveis aprendizagens, neste advindas nesse cenário devem gerar
cenário, e perspectivas para uma reali- perguntas diferentes daquelas formula-
dade pós-pandemia. das até este momento. No campo da edu-
Inicialmente, fez-se necessário situ- cação, por exemplo a indagação principal
ar o drama que vivenciamos, em termos que assumiu o debate foi “como cumprir
da saúde pública, da economia, do em- o calendário letivo?” Quando na verdade,
prego, da educação e da vida como um deveria ser: “como a escola pode contri-
todo. O que nos levou a repensar inúme- buir para cuidar da vida dos/as estudan-
ros aspectos da nossa vida. Assim afir- tes nesse contexto?” É necessário desta-
mamos que a pandemia: car ainda a questão das desigualdades, as

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 183 PALESTRA 19


quais já eram bastante acentuadas, mas valorização destas dimensões e a sua
que assumiram uma configuração ainda ­desqualificação.
mais perversa no atual cenário, resulta- No atual contexto, a ciência, a edu-
do da assunção, ao Palácio do Planalto, de cação e a docência são atravessadas por
um governo conservador que aposta na discursos que se alternam ou convivem,
necropolítica, que se centra numa gestão e que são pautados, ora na valorização
autoritária e discriminatória, assumin- destas dimensões – resultantes da im-
do como principal alvo dos seus ataques prescindibilidade que elas ocuparam
grupos historicamente excluídos. Nessa no contexto da pandemia – ora em ar-
ótica, análises daquele período, ano de gumentações que as desqualificam, ne-
2020, reiteravam que gam ou criminalizam. Como chegamos
a isto? Se olharmos numa perspectiva
O Governo tem se demonstrado inca- histórica, constatamos que o século XX
paz de responder efetivamente às exi-
foi um marco quan-
gências impos-
tas pelas crises to ao consenso em
sanitária e eco-
nômica, apro-
Ninguém deixou de ter torno da importân-
cia da ciência, da
fundadas com
a chegada da sua vida alterada pelas educação, da escola,
da Universidade – e,
pandemia. [...]
Além dos seve-
ros cortes nos
consequências desse consequentemen-
te, da sua democra-
recursos desti-
nados às políti-
contexto, embora haja tização –, em razão
da necessidade de
cas sociais nos
últimos cinco diferenças significativas no superar o analfabe-
anos, percebe- tismo e intensificar
-se progressi-
vo avanços de
modo como as vidas foram o desenvolvimento
cientifico, com vistas
movimentos de
direita, não so- afetadas. a alavancar o pro-
mente no País, gresso do país. Tais
como também consensos pareciam
em grande parte do mundo. Nesse mo- inabaláveis, no entanto, a partir do sécu-
mento, a direita tem conseguido ope- lo XXI vimos o fortalecimento de concep-
rar por incorporações tradicionais,
ções fundamentalistas, conservadoras e
fazendo ressuscitar velhos jargões e
apostando no medo das classes médias obscurantistas. Tudo isso favorecido pe-
com o estímulo ao ódio social, como las fake news, as quais encontram terre-
a homofobia, o machismo, o racismo no fértil, em um cenário de acesso, con-
(JUNIOR; OLIVEIRA, 2020, p. 722). sumo e produção de (des) informações
sem controle.
Em seguida, apontamos para um as- Neste contexto, presenciamos a de-
pecto deste tempo pandêmico que são fesa da chamada “escola sem partido”,
as disputas de narrativas, em torno da a qual coloca em xeque a liberdade de
ciência, da educação e da docência, em cátedra de professores; a criminaliza-
um movimento que se alterna entre a ção ou o silenciamento do debate acer-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 184 PALESTRA 19


ca das questões de gênero, bem como o Dessa forma, um dos entrevista-
negacionismo da eficácia da vacina para dos aponta o drama que vivenciamos,
combater o vírus da Covid-19; a defesa de desde o início da pandemia – agravado
que a Universidade é apenas para uma por gestores que elegeram as institui-
elite e muitos outros retrocessos e obs- ções de pesquisa e ensino como “inimi-
curantismos. Ao lado dessa perspectiva gas” – e, ao mesmo tempo, este cenário
assistimos à ampliação e intensificação permitiu que elas evidenciassem sua
de uma narrativa de valorização do pa- imprescindibilidade. O depoimento a se-
pel da ciência e da Universidade, gra- guir é ilustrativo:
ças ao empenho nos
estudos e produção o momento é de angústia

de vacinas; e da im- O século XX foi um marco e desolação diante da fal-


ta de um Ministério que
portância da escola e
dos/as professores/ quanto ao consenso em apresente alternativas e
que enxerga as Institui-
as em razão do ensi- ções de Ensino Superior
no remoto, que obri- torno da importância da do País (IES) como inimi-
gas ideológicas. Porém,
gou famílias e res-
ponsáveis a serem ciência, da educação, da salta aos olhos e tem sido
destaque na imprensa
mediadores do co-
nhecimento escolar. escola, da Universidade nacional o fato de que
aquelas áreas que estão
conseguindo atuar, como
Qual destas nar-
rativas irá sobrepor-
[...] os Hospitais Universitá-
rios; pesquisadores da
-se a outra? A res-
posta a esta questão
a partir do século XXI área de saúde, engenha-
rias etc., estão compro-

vimos o fortalecimento
dependerá de inú- vando o quão importan-
tes são as Universidades
meros fatores, den-
Públicas e Institutos Fe-
tre eles a capacidade
de a escola, a Univer-
de concepções derais no enfrentamento
das crises sociais.” (Profº
sidade, a ciência, o/a
professor/a reorien-
fundamentalistas, Anderson/UFAL)

tar seu pensar-fazer, conservadoras e Outro aspecto


ressaltado nos enun-
no sentido de esta-
belecer um melhor obscurantistas. ciados diz respeito à
diálogo com a socie- produção da Univer-
dade. As narrativas sidade e suas formas
dos/as cinco professores/as indicam de difusão, as quais precisam, na ótica
pontos de luz e esperança – do verbo es- da professora Letícia, serem alteradas.
perançar de Paulo Freire –, partindo de Assim, ela ­afirma:
reflexões, indagações e reinvindicações
para que sejamos capazes, em um novo Precisamos fazer com que nossas pes-
quisas e atividades docentes estejam
tempo, de repensar nossas concepções
mais próximas da população que está
e ações no campo social, político, educa- sendo bombardeada constantemente
cional e científico. com fake news que desqualificam a uni-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 185 PALESTRA 19


versidade. Se continuarmos produzin- nossas instituições, particularmente no
do conhecimentos de modo endógeno, campo da saúde e da educação. Desse
sem fazer circular essa produção e sem
modo, se por um lado, vemos ressurgir
gerar impacto social, não iremos supe-
rar ideias que atualmente se constroem o movimento, por parte de um pequeno
de que a universidade é inútil”. (Profª. grupo, da homeschooling, presencia-
Letícia/UFPI). mos, de outro, a intensificação de uma
maior consciência acerca da profissio-
Esta argumentação encontra am- nalidade do trabalho docente, o qual não
paro nas contribuições de Boaventura pode/deve ser exercido por qualquer
de Sousa Santos (2002), o qual consta- pessoa, em virtude das inúmeras exigên-
ta a erosão que a legitimidade social da cias desse fazer e que, em virtude disso,
Universidade vem sofrendo há tempos, requerem um saber especializado. Este
em razão da sua elitização e, portanto, pode ser um indício de que o significado
distanciamento em relação à sociedade social do ensino escolar e universitário
mais ampla. Segundo este autor, para e, consequentemente, da docência, está
recuperar tal legitimidade, será neces- sendo reconfigurado.
sária a produção de um conhecimento Conforme já mencionado, o contex-
que nasça dos anseios da população e to pandêmico nos convocou a repensar
que sua difusão seja realizada numa lin- muitos dos nossos modos de agir e con-
guagem mais acessível; que os saberes ceber, especialmente a escola, a univer-
do senso comum sejam mais valoriza- sidade, a ciência. Nessa direção, e como
dos e postos em diálogo com o conheci- tentativa de esperançar tempos outros, o
mento cientifico; além disso, faz-se ur- professor Anderson anuncia possibilida-
gente maior aproximação com a escola des para um futuro próximo:
de Educação Básica e os Movimentos
É possível...Que gestores, pais, profes-
Sociais, através das ações de extensão.
sores e estudantes compreendam que
Ao serem indagados sobre as aprendi- fora da educação em espaços coletivos,
zagens deste momento, a professora a formação intelectual, humanista e so-
Kamila afirma: cial, de todos que participam dessa tro-
ca interativa, fica comprometida. Essa é
um dos maiores aprendizados que ex- nossa esperança. Mas, repito, tudo ain-
trairemos desta experiência será o de da está no campo do “é possível”. (Prof.
valorizar e defender os diversos espa- Anderson – UFAL)
ços institucionais que já conquistamos,
como escolas e universidades, o que
Assim, reforçamos a necessidade
acredito que nos mobilizará a continu-
ar na luta para fortalecer a educação no e urgência de que esta possibilidade se
Brasil. (Profª. Kamila/UERN). materialize e que a escola seja entendida
e reivindicada, por todos/as como locus
Portanto, em razão de que toda cri- privilegiado de aprendizagem sobre ser,
se se apresenta com uma oportunidade. conviver, fazer e pensar a vida e suas
O depoimento anterior nos indica que, contradições. Ainda mais, porque sa-
apesar de tudo, e por isso mesmo, deve- bemos que essa instituição se constitui
mos aproveitar este cenário distópico, como a única instância de saber sistema-
gerado pela pandemia, para fortalecer tizado para a maior parte da população

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 186 PALESTRA 19


brasileira. Além disso, está cada mais Segundo ele o atual contexto nos impõe
evidente que mesmo diante do avanço a necessidade de uma reorientação de
das novas tecnologias e das formas hi- trajetórias, acarretando marcas profun-
bridas de ensino, a mediação exercida das em nossos percursos e solicitando
pelo/a professor/a não pode ser descar- que não desconsideremos a “pedagogia
tada e sim (re) atualizada. do vírus”, a qual, se assim quisermos,
Importa destacar finalmente que, pode nos ensinar muito sobre nosso agir
nas narrativas dos professores/as aqui e pensar a nós mesmos e ao mundo, so-
apresentadas, de forma breve, (re) sur- bre nossos sonhos...
gem questionamentos, reflexões sobre
a necessidade de reinvenção de concep- REFERÊNCIAS
ções e práticas pedagógicas na escola,
na Universidade; sobre a eficácia, a via- JOCA, Alexandre Martins; SANTOS, El-
bilidade e as consequências da adoção zanir dos. É possível (re) aprender a
do ensino remoto, nadar em alto-mar:
em que o papel da indícios de uma peda-
família e as questões
sociais e culturais de
O contexto pandêmico gogia da indagação?
In: COÊLHO, Raimun-
desigualdades foram
colocados em evidên-
nos convocou a repensar da de Fátima Neves;
SILVA, Maria Eliene
cia; sobre aprendiza- muitos dos nossos modos Magalhães da. Edu-
gens, possibilidades cação e saúde para
e anúncios de ressig- de agir e conceber, a igualdade em rela-
nificação da impor- tos de experiências
tância da escola, da especialmente a escola, a e pesquisas na pan-
docência, da Univer- demia: foco na edu-
sidade e da ciência, universidade, a ciência. cação especial, EJA,
por parte da socieda- indígena, quilombo-
de civil. la, básica e superior.
Concluímos, trazendo de Boaventura Fortaleza: Imprece, 2021, p.31-49.
de Sousa Santos (2020) para o diálogo.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 187 PALESTRA 19


PALESTRA 20

AL O CA
EXA
N D R E M AR TIN SJ
(IN)FORMAÇÃO, CONHECIMENTO
E UNIVERSIDADE EM
CONTEXTOS DE ASCENSÃO DO
NEGACIONAISMO CIENTÍFICO
Alexandre Martins Joca — Professor adjunto da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG (Câmpus de Ca-
jazeiras). Graduado em Letras (2000) e em Pedagogia (2016); Mestre (2008) e Doutor em Educação Brasileira (2013)
pela UFC. É professor colaborador do Programa de Pós-graduação PROFLETRAS (UFCG – Campus de Cajazeiras,
nas disciplinas: Linguagem, práticas sociais e ensino; Ensino e texto). Atua principalmente nos seguintes temas:
Direitos Humanos, Gênero e diversidade sexual, juventudes, questões étnico-raciais, arte e educação, educação se-
xual escolarizada e pesquisa educacional. É presidente da Associação Internacional de Pesquisa na Graduação em
Pedagogia (AINGPG), realizadora dos Fóruns Internacionais de Pedagogia – FIPED.

Bom dia a todas e todos! Primeiro a relevância da ciência para a humani-


quero agradecer o companheirismo do dade, para a vida – no sentido da própria
professor Dorgival e da professora Elza- existência. O exemplo da pandemia da
nir, por estarem comigo aqui discutindo COVID é o mais significativo para a gente
e compartilhando essas questões com pensar o quanto a ciência se faz importan-
vocês. A gente tem trabalhado juntos em te para garantir a nossa existência. Con-
uma série de atividades, conversando e traditoriamente, é necessário ainda que a
discutindo muito sobre questões em tor- gente esteja ressaltando algo que deveria
no da educação; entre elas, o fenômeno ser tão óbvio. Aliado a isso, vale destacar
do negacionismo com o qual nós temos também a relevância de fazer pesquisa na
convivido com maior intensidade nos úl- academia, da produção do conhecimento
timos tempos. Assim, temos elaborado e do papel social/político da Universidade
reflexões a partir de nossas experiências na produção do conhecimento científico.
como docentes. Então esta mesa, mais do Contextualizando com a proposta do
que qualquer outra coisa, é uma mesa so- XII FIPED, quero destacar a relevância
bre reflexões de docentes a partir de seus da graduação para a formação d@ pes-
fazeres profissionais que se processam quisador@s, para pensar o espaço/tem-
no espaço acadêmico, na U ­ niversidade. po da graduação como essencial à for-
Antes de qualquer coisa, considero mação inicial de pesquisadores/as, para
importante e necessário está ressaltando a formação profissional, intelectual, hu-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 188 PALESTRA 20


mana, política e cultural. Essas questões referimos a essa onda conservadora que
que, aparentemente, podem parecer tão se apropria do negacionismo científico
óbvias, se fazem neste momento neces- e das fake News como estratégias para
sárias de serem reafirmadas, dado o propagar uma visão de mundo racista
contexto dos últimos anos, especialmen- (em todos os sentidos do termo), exclu-
te em se tratando do cenário brasileiro e dente e antidemocrática. Uma perspec-
que tem uma relação direta com o fenô- tiva que nos aproxima dos preceitos ou
meno do negacionismo científico. princípios medievais.
Eu vou trazer aqui algumas questões Eu vou dividir minha fala em quatros
que eu e a professora Elzanir pontua- momento; (01) o (des)conhecimento como
mos em um artigo intitulado “Formação estratégia de (re)produção da (des)igual-
e Conhecimento: a educação como re- dade social; (02) século XX e a ampliação
sistência ao obscurantismo”. Trata-se de do acesso à educação (03) (in)formação
um texto no qual elaboramos algumas sem conhecimento e/ou conhecimento
reflexões sobre a educação como meca- sem (in)formação e (04) disseminação de
nismo de resistência ao obscurantismo. informação e/ou do conhecimento sobre
Quando tratamos de obscurantismo, nos o saber científico. Antes de discutir es-
ses pontos, eu quero trazer alguns olha-
res sobre o fenômeno do negacionismo
científico a partir do senso comum. Isso
Quando tratamos de porque os saberes do senso comum nos
dizem muito sobre os fenômenos sociais.
obscurantismo, nos Eles estão em constante diálogo com a
ciência e vice-versa. Para isso, eu vou
referimos a essa onda utilizar de um gênero textual – a charge
– para a gente ilustrar as reflexões elabo-
conservadora que se radas no âmbito do senso comum sobre
o fenômeno do negacionismo científico:
apropria do negacionismo
científico e das fake
News como estratégias
para propagar uma
visão de mundo racista
(em todos os sentidos
do termo), excludente e
antidemocrática.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 189 PALESTRA 20


conhecimento dentro desse contexto do
fenômeno negacionista. Para isso, trago
dois questionamentos iniciais: Há re-
lação entre o negacionismo e o acesso
à educação? O negacionismo científico
ameaça ou põe em risco a produção do
saber científico na academia? São esses
questionamentos que movem a condu-
ção dessa conversa aqui com vocês.
A princípio, meu objetivo é trazer a
relação entre a ascensão do negacionis-
mo e o acesso a educação. É evidente que
o negacionismo tem uma relação com
outros aspectos e outras dimensões, pois
envolve ideologia, política, cultura etc. É
evidente também que estes aspectos se
correlacionam, mas a minha fala vai no
sentido de pensar a relação entre a as-
censão do negacionismo e os sistemas
No âmbito do senso comum, a crítica educacionais no Brasil, mais especifica-
ao negacionismo científico tem questio- mente, para pensar como o sistema edu-
nado o que faz com que determinadas cacional foi se construindo no sentido de
pessoas passem a porem em xeque, a possibilitar essa ascensão, a ponto de se
duvidar de saberes e de preceitos pensa- colocar tão frágil frente a este fenômeno.
dos, até pouco tempo, como inquestioná- Quando falo do (des)conhecimento
veis. Daí questiona-se: “É uma doença?”, como estratégia de (re)produção da (des)
“É burrice?”. “O que justificaria um pen- igualdade social, quero trazer para o
samento tão irracional?”. Essas charges debate a reflexão de sobre como a socie-
vão retratando, ilustrando, a partir da dade brasileira foi se constituindo sob
ironia, do sacarmos, esses questiona- um processo intencional de profundas
mentos que nós temos feito nos últimos desigualdades. Dentro dessas desigual-
tempos no nosso cotidiano, ao nos de- dades, os mecanismos de poder perpe-
pararmos com as manifestações nega- tuam essas desigualdades sociais e edu-
cionistas? Isso porque às vezes ficamos cacionais, de maneira a produzir uma
a pensar se as pessoas enlouqueceram política de pertencimento (para alguns)
ao defender a teoria do terraplanismo. É ou de negação (para outros) cultural
o negar por negar? Qual a origem dessa no Brasil. Ou seja, uma população para
onda do negacionismo? De que maneira quem o conhecimento é acessível e ou-
vamos justificá-lo? tra para quem o conhecimento é visto
Aqui, a minha fala está na perspec- como algo distante, como algo que não
tiva de pensar o cenário da educação, e lhe ­pertence.
mais especificamente, de pensar o es- Dessa maneira, essa desigualdade
paço da Universidade e da produção do que sustenta esse modelo de socieda-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 190 PALESTRA 20


de é caracterizada pela negação do co- mento, ou seja, a capacidade de produzir
nhecimento a determinadas pessoas e conhecimento a partir da informação.
pela perpetuação desse cenário de desi- Nós vamos identificar certo distan-
gualdade educacional. Esse modelo de ciamento – de grande parte da popula-
desigualdade tem classe, etnia, gênero. ção – do conhecimento científico. Dis-
Quando falo dessa desigualdade educa- tanciamento denunciado, nos dias de
cional vale fazer os seguintes questiona- hoje, pelos baixos índices de pessoas
mentos: a quem pertence os espaços edu- com nível superior e os tímidos percen-
cacionais? A quem pertence a capacidade tuais de negros na universidade – quan-
de produzir e de refletir sobre o conheci- do comparados com a população total
mento? Quem são os sujeitos que “estão deste segmento. São indicadores de que
predestinados”, ou melhor, “para quem se existe ainda um distanciamento do co-
tenta predestinar” à limitação de apenas nhecimento científico no cotidiano de
absorver a informação. Digo “informa- muitos/as. É lógico que no âmbito mais
ção”, no intuito de dizer que aqui, “infor- pragmático, o conhecimento científico
mação” e “conhecimento” são conceitos faz, indiscutivelmente, parte de nossa
que vão se diferenciar vida, pois os nossos
nesse contexto. modos de vida estão
Quando falamos
em desigualdade so-
A quem pertence a atrelados à ciência,
às suas descobertas,
cial, vamos pensar o
século XX como um
capacidade de produzir às suas criações, con-
forme destacamos no
divisor de águas no e de refletir sobre o início de nossa fala
sentido de ampliação trazendo o exemplo
de acesso à educação, conhecimento? da pandemia da CO-
mas quando olha- VID 19. O que chama-
mos para o sistema mos a atenção aqui
educacional, nós vamos perceber que, é que, no cotidiano de grande parte da
no Brasil, a escola – entendida como população, não se discute, de manei-
a educação básica – se populariza, ela ra intencional e/ou sistemática, sobre
amplia o leque de acesso, mas a Uni- esse conhecimento, de maneira que não
versidade continua como um espaço atribuímos à ciência, aos/às cientistas,
restrito à elite. O século XX também à Universidade o valor simbólico e so-
vai se caracterizar por um amplo aces- cial à nossa sociedade. Isso diz respeito
so à informação. As novas tecnologias à questão que temos posto nos últimos
estão postas como fenômeno inegável tempos, acerca do diálogo da Univer-
para a ampliação do acesso à informa- sidade com a sociedade. Daí, quando
ção, no entanto, este acesso não se ca- vivenciamos um contexto de ascensão
racteriza como uma democratização de fake News, quando vivenciamos um
da informação, pois ampliamos o aces- contexto de ascensão do negacionismo,
so a informação, mas não o democrati- nós, professores/as universitários es-
zamos. Isso porque não democratizamos tamos sempre nos questionando: onde
a capacidade de assimilação do conheci- estamos errando? Isso porque estamos

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 191 PALESTRA 20


sempre atribuindo à Universidade e aos quero restringir a disseminação do ne-
sistemas educacionais o papel e a função gacionismo a esse segmento social, mas
de formar a sociedade. para pensar que o sistema educacional,
Quando nos deparamos com um cená- o acesso à educação, como um impor-
rio em que as pessoas passam a acreditar tante mecanismo de enfrentamento des-
que a terra seja plana; em que as pessoas se fenômeno, no sentido de possibilitar a
são facilmente ludibriadas pelas estra- um segmento significativo da sociedade
tégias voltadas à depreciação da ciência, a capacidade de distinguir e compreen-
da Universidade, da docência; em que se der o jogo de poder, de manipulação, de
passa a questionar a relevância da escola interesses que envolvem esse fenômeno.
para a formação dos sujeitos etc., ficamos O acesso ao conhecimento tem sido
nos questionando sobre o que podemos dificultado por inúmeras estratégias,
fazer, enquanto Universidade e educado- dentre as quais a proposital fragilidade
res/as, para reverter esse ­cenário. dos sistemas educacionais e processos
Todas essas transformações ocor- formativos excludentes. A Universida-
ridas, especialmente no século XX, que de, especificamente, tem se constituído
muitos chamam de como um espaço ex-
“era da informação”, é tremamente exclu-
responsável por uma
diversidade de trans-
Existe ainda um dente, a ponto de ter-
mos um Ministro da
formações nos nos-
sos modos de vida.
distanciamento do Educação que (re)
afirma a Universida-
Formas de comunica-
ção, conforme já fala-
conhecimento científico no de como uma institui-
ção para parte da so-
mos aqui, ampliam o
alcance da socializa-
cotidiano de muitos/as. ciedade, para poucos.
Essa afirmativa tem
ção da informação e, como base a lógica
supostamente, do co- da divisão do traba-
nhecimento, embora se mantendo a ló- lho – braçal/intelectual – reproduzida no
gica de desigualdade de acesso por par- campo educacional e questionada pelos
te dos distintos grupos sociais. Quando pioneiros da educação. Uma lógica ainda
colocamos uma lupa sobre esse cenário, vigente no pensamento social brasileiro.
vamos perceber que o acesso a informa- Então, como estratégia de perpetuação
ção não necessariamente implicará em dessas desigualdades e desses lugares
acesso ao conhecimento. Daí, diferen- sociais, nós vamos ter o negacionismo
ciar “informação” de “conhecimento” é que se utiliza de fake News e de outros
essencial nesse momento. modos de manipulação.
A questão seria: Essas transforma- Assim, podemos perceber o negacio-
ções do século XX contribuiriam para nismo como um fenômeno intencional;
o aumento do acesso ao conhecimento como uma estratégia de perpetuação de
sistematizado por parte das classes me- desigualdades sociais e de opressões e
nos privilegiadas socialmente? Quando que tem as questões de classe, étnicas e
trago “classes menos privilegiadas”, não de gênero como referencias (re)afirma-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 192 PALESTRA 20


tivos de uma ideologia de poder e de um dos lugares. Daí, vamos perceber a fra-
modelo de sociedade e de mundo. Daí, se gilidade dessa pseudo “democratização
configura como uma questão relevante da informação” e pseudo “democratiza-
para nós, educadores/as, estarmos tra- ção do conhecimento”. Isso implica em
zendo essa pauta para os nossos espaços um contexto de negação do direito à in-
profissionais. formação e às tecnologias digitais. Esse
Em síntese, como a sociedade bra- cenário da pandemia evidencia esta afir-
sileira foi se constituindo pela via de mativa a partir de um forte referencial de
processos formativos excludentes e de divisão de ­classes.
produções de conhecimento reservadas Vale reconhecer também que as tec-
para acesso de uma parcela minoritária nologias afetaram nossos modos de
da população, a sociedade, caracteriza- aprender e de ensinar, modificando, in-
da pela (in)formação clusive, o curso do
sem conhecimento desenvolvimento cog-
ou pelo conhecimen-
to sem (in)formação,
A sociedade brasileira foi nitivo e emocional de
crianças e jovens. En-
mostra-se como fru-
to de um projeto de
se constituindo pela via tão, para que a gente
pense o fenômeno do
mundo baseado na
manutenção de sis-
de processos formativos negacionismo a partir
da perspectiva educa-
temas de opressão e
desigualdades.
excludentes e de produções cional, penso ser ex-
tremamente necessá-
Caminhando para de conhecimento rio, nos debruçarmos
a finalização de mi- no desenvolvimento
nha fala, considero reservadas para acesso de de estratégias de virar
pertinente pensar- esse jogo, no intuito
mos sobre o acesso uma parcela minoritária da de fazer que as tecno-
ao conhecimento por logias deixem de ser
intermédio das tec- população. um espaço de grande
nologias digitais, ob- propagação de infor-
servando que os be- mação e passem a so-
nefícios dessa produção de informações cializar, compartilhar e democratizar o
não chegam igualmente para todos (daí conhecimento, inclusive, o conhecimento
não serem democráticos). O exemplo científico. Penso ser a Universidade a ins-
mais presente nesses últimos tempos foi tituição que tem o potencial para vislum-
quando pensávamos que todos tinham brar alternativas a esses desafios.
acesso às tecnologias e veio a pandemia Além do acesso à informação e ao co-
da COVID 19, e nós descobrimos que nos- nhecimento não ser igualitário, é preciso
sos alunos não tem computador, não tem lembrar que, por muitas vezes, as pesso-
internet e que, no máximo, ele tem um as são reduzidas, colocadas no lugar de
celular que mal conecta a internet, pois consumidores de informação, de manei-
ele mora em uma cidade longínqua onde ra que não há aqui a intenção de que essa
o sinal de internet só alcança determina- informação propicie a produção de co-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 193 PALESTRA 20


nhecimento. Isso porque “a informação Como hipóteses, podemos destacar
representa apenas o primeiro estágio do (1ª) A fragilidade do hábito da leitura no
processo de conhecer”, sendo “o segun- Brasil – que tem como uma de suas cau-
do, o processo de classificar, analisar, e sas a clássica dificuldade de acesso ao
contextualizar tais informações” e o ter- livro; (2ª) O distanciamento cultural do
ceiro que corresponderia “à inteligência exercício da leitura científica pelos sujei-
e à sabedoria e diz respeito à capacidade tos não universitários; (3ª) A debilidade
de refletir e utilizar o conhecimento para do ensino escolar, que tem (ou deveria
transformar e melhorar a humanidade”. ter) como um de seus objetivos centrais
(GUEDIN, OLIVEIRA, ALMEIDA, 2015). ensinar o que é produzido nos diversos
Vale observar que em termos de campos científicos. Ora! Quando a gen-
massa populacional, os múltiplos meca- te pensa isso, o que eu quero dizer é que
nismos e meios de comunicação tecnoló- quando a gente faz os seguintes ques-
gicos parecem atuar tionamentos: Como a
com maior predomi- Universidade vai dia-
nância na difusão de
informação do que na
As tecnologias afetaram logar com a socieda-
de? Como poderemos
de conhecimento, ou
seja, informam, mas
nossos modos de aprender potencializar esse
diálogo, no intuito de
não contribuem para
a formação, pois o
e de ensinar, modificando, que o negacionismo
científico não ganhe
acesso à informação
se diferencia signifi-
inclusive, o curso do tanta força na dispu-
ta de narrativas so-
cativamente do aces- desenvolvimento cognitivo bre a ciência, sobre a
so ao conhecimento. Universidade, sobre
Quero chamar a aten- e emocional de crianças e a educação? O que eu
ção para pensarmos penso?
que existem também jovens. Antes de pensar-
os espaços virtuais mos nos mecanis-
propagadores do co- mos de comunica-
nhecimento científi- ção da Universidade,
co: a política de publicação de livros em imagino ser necessário pensarmos que
formato de e-book; as diversas revistas nós temos aí dois espaços de diálogo: a
científicas eletrônicas; os bancos de te- Universidade e a sociedade. Penso que
ses e dissertações das Instituições de a pergunta de partida deva ser: Como
Ensino Superior (IES); os eventos aca- essa sociedade foi constituída a ponto
dêmicos virtuais etc. No entanto, estes de grande parte da população não con-
espaços, culturalmente, ainda perma- seguir alcançar os mecanismos de co-
necem bastante restritos à comunidade municação da Universidade? Ou seja, na
acadêmica, estudantes, docentes e pes- prática, quando a gente acusa a Univer-
quisadore(a)s. Isso ocorre por uma série sidade de falar pra ela mesma, em vez
de questões sociais, culturais e portanto, de pensarmos a transformação do texto
educacionais. acadêmico, de pensar um texto simpló-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 194 PALESTRA 20


rio, no sentido de mais acessível, consi- do caráter político do negacionismo e da
dero necessário pensarmos na formação ciência, eu fico imaginado que nós, equi-
de uma sociedade na qual grande parte vocadamente, nos últimos tempos temos
da população que não consegue desen- negado muito a política. Nós temos de-
volver habilidades que proporcione o monizado a política! E penso que há aí
acesso ao conhecimento acadêmico. um equívoco conceitual de política. Eu
Daí, penso que o acesso aos bens cul- aqui a defender a política no seu sentido
turais é essencial para a gente construir mais amplo. Sem ela não há nem ciência.
uma sociedade que consiga dialogar Tão pouco estaríamos aqui discutindo
com a Universidade, com o conhecimen- essas questões.
to científico. Acho que temos dois aspec- Caminhando para a finalização de
tos aqui: a universidade se fazer mais minha fala, sistematizo a minha intenção
acessível e o outro, de longo prazo, que de reafirmar o movimento negacionista,
é a formação de uma sociedade que seja que protagoniza a difusão de fake news
capaz de compreen- sobre o conhecimento
der os mecanismos científico, como uma
de interação da Uni- estratégia ampla e efi-
versidade, de intera- ciente de propagação
gir com ela, e isso se
O acesso aos bens culturais de “informações” que,
daria a partir de uma
política de democra-
é essencial para a gente de um lado, põe em
xeque o saber científi-
tização dos bens cul-
turais e de um siste-
construir uma sociedade co e, em certa medida,
desestabiliza o lugar
ma educacional mais
inclusivo.
que consiga dialogar com a soberano que a ciên-
cia passou a ocupar
Talvez essas hipó-
teses nos ajudem no
Universidade. na cultura pós Idade
Média. Por outro lado,
debate sobre um su- instiga e instaura o
posto distanciamento debate sobre a ciência
entre universidade no cotidiano da popu-
e sociedade. Isso porque este distancia- lação, até então distante desses questio-
mento tem sido apontado como uma das namentos. Poderíamos pensar essa “po-
janelas para a ascensão de uma política pularização da (ou sobre a) ciência” como
negacionista da ciência. Nesta perspecti- algo positivo, se não pairassem sobre
va, Figueroa (2020), ao argumentar que o uma exitosa emergência de “opiniões” e
negacionismo é tão político quanto a ci- narrativas ideológicas carregadas de in-
ência, alerta sobre os riscos da negação tencionalidades negacionistas do conhe-
às evidências cientificas durante a pan- cimento cientifico.
demia do Novo Corona Vírus. Segundo Neste contexto, penso que o nosso de-
ela, portanto, “Este “negacionismo” tem safio maior aqui na Universidade, seja a
sua origem sempre em dois fatores inse- elaboração de estratégias educativas – de
paráveis: dinheiro e política” (FIGUEROA, ensino, de aprendizagem e de formação
2020, tradução minha). Quando ela fala – voltadas à produção, difusão e amplia-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 195 PALESTRA 20


ção do alcance do conhecimento científi- GUEDIN, Evandro; OLIVEIRA, Elisangela
co, sem esquecer, contudo, da necessária S. de; ALMEIDA, Whasgthon A. de. Es-
função educativa de transformar infor- tágio com pesquisa. São Paulo: Cortez,
mação em conhecimento, e este, em in- 2015.
formação e formação. ­Obrigado!
JOCA, Alexandre Martins; SANTOS, El-
REFERÊNCIAS zanir dos. Formação e conhecimento: a
educação como resistência ao obscuran-
FIGUEROA, Vanilia. Sí, la ciência es poli- tismo. In: Inferências sobre (e na) gradu-
tica y el negacionismo también. Centro ação. 1. Ed. / Organizadores: Alexandre
de Comunicación de las Ciencias. Uni- Martins Joca, Daniel Valério Martins, El-
versidad Autónoma del Chile. Santiago, zanir dos Santos. Cajazeiras/PB: Edições
2020. Disponível em: https://ciencias. AINPGP, 2021 (Processos formativos e
uautonoma.cl/noticias/si-la-ciencia-es- produção do conhecimento, v. 1).
-politica-y-el-negacionismo-tambien/.
Acesso em: 11 set. 2021.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 196 PALESTRA 20


PALESTRA 21

LU IL VA
IZ E AS
T E V I CE N T E D

(RE) PENSANDO O LUGAR DE


FALA NAS PESQUISAS SOBRE
MULHERES NEGRAS
Luizete Vicente da Silva — Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação pela Universidade Federal
do Ceará (UFC). Especialista em Gestão Estratégicas em Políticas Públicas pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) e mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi professora substituta da Uni-
versidade Federal de Campina Grande (UFCG) e coordenadora pedagógica do Projeto A Cor da Cultura. É roteirista
e diretora do curta-metragem Os Cabelos de Yami financiado pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (SE-
CULT/Ce). Militante do Movimento Negro do Ceará e faz parte do Grupo Mulheres Negras Ciberativistas do Ceará.
Compõem a Comissão de Mulheres da Federação Nacional das Jornalistas (Fenaj). Faz parte grupo de estudo Mídia,
Política e Cultura e do Conselho Consultivo de Leitores do jornal O Povo (2020-21). Desenvolve pesquisas nas áreas
de mídias sociais, políticas públicas e relações étnico-raciais, juventude, mulheres negras.

Bom dia! Primeiro quero agradecer importante a democracia que tem uma
este momento tão importante que é com- relação direta com o tema que estamos
por um espaço apenas com mulheres, discutindo aqui. Porque estamos falando
todas mulheres negras que discutem sobre ferramentas metodológicas e pre-
diferentes temáticas. Companheiras de cisamos compreender como funcionam
caminhada, de espaços diferentes, mas, essas ferramentas metodológicas para
que se cruzam, assim como se cruzam as articular as pesquisas.
histórias de diversas mulheres negras. Eu, enquanto, mulher negra, que es-
Então, primeiro celebrar este momento tou na Universidade e faço parte deste
e, em segundo lugar, dar um bom dia a espaço da academia, tenho que lem-
todos, todas e todes que acompanham brar que antes de fazer parte deste lo-
este debate, que estão participando. É cal, faço parte de um movimento social
uma alegria sabermos que é possível en- que compõem as trincheiras de luta do
contrar um espaço como é este. nosso país e do mundo, como é o movi-
Neste ano, o FIPED – Fórum Interna- mento negro, o movimento de mulheres
cional de Pedagogia que tem como tema negras na luta por direitos, por direitos
‘A ciência como fronteira para a resis- básicos. Por direito a uma cidadania,
tência democrática’, traz como tema tão por direitos na sua totalidade e que, por

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 197 PALESTRA 21


acreditar nesta luta, crio a estratégia de dentro do espaço da Academia é neces-
compor o espaço do movimento social sário para que possamos falar é primei-
e, além do movimento, a estratégia de ra pessoa. Esse lugar de fala que Djamila
compor espaço da Academia. Para mim, Ribeiro estabelece a partir da sua escri-
é muito importante compreender ‘qual ta, mas que algo tão real e até antes dela.
é o meu papel dentro da Universidade?’ Não à toa, ela compreende isso e fala so-
‘qual a minha tarefa?’ A todo instante eu bre em seu livro.
preciso pensar nisso. E aí as pessoas me E, por conta disso, eu inicio a pesqui-
dizem: ‘será que eu preciso ficar sempre sa, que não vem com o doutorado, ela
atento? E eu digo, sim! Como a música ‘é vem de antes, pois, desde a graduação,
preciso estar atento e forte’ – trecho da eu tenho discutido a população negra.
música Divino Maravilhoso composta Apenas faço alguns recortes, entrando
por Caetano Veloso e Gilberto Gil, escri- em novos espaços, mas sempre como
ta em 1968 –. público principal, a população negra,
Precisamos estar atentos, a todo ins- pois, antes de ser pesquisadora, sou
tante, dentro da Universidade, para per- mulher negra e militante. Isso faz parte
ceber como andam da minha caminha-
as pesquisas sobre da, seja na vida, seja
a população negra.
Para que as pessoas
É sempre este Outro que na academia, seja no
movimento social ou
entendam que é algo
real, a produção e a
nos olha e que tenta nos em outros espaços
que eu venha aden-
discussão sobre a po-
pulação negra dentro
classificar, nos inserir e nos trar discutindo o
tema. Desde a minha
da Universidade. Vale
lembrar, que a ciência
explicar quem somos. graduação, tenho fa-
lado sobre isso, pro-
a pesquisa são pontos duzindo pesquisas
importantes na Uni- onde discuto popu-
versidade e por isso, ela tem a tarefa de lação negra e sempre com o recorte da
inserir, cada vez mais, estes temas. comunicação.
Além dos diferentes atores sociais Por ser jornalista e estar no douto-
que, até em então, sempre eram fala- rado em comunicação, sei que este é um
dos em terceira pessoa, citados. Sempre espaço em disputa, pois sei que a co-
eram os Outros que nos vieram. Sempre municação como temos presenciado e,
eram os Outros que falaram sobre nós. principalmente, a comunicação do nos-
Stuart Hall fala muito sobre isso. A escri- so país, e tem pouca, ou quase nenhuma,
tora Grada Kilomba também fala sobre representatividade negra. Vemos como
isso utilizando o termo ‘O Outro do Ou- os problemas quando se trata da regu-
tro’. E é muito importante entendermos lamentação dos meios de comunicação
sobre isso, porque é sempre este Outro e a população negra – como é o caso da
que nos olha e que tenta nos classificar, implementação do Estatuto da Igualdade
nos inserir e nos explicar quem somos. Racial –. Além disso, temos uma comu-
E, cada vez mais, ter mulheres negras nicação que está na mão quem tem mais

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 198 PALESTRA 21


poder, são relações de poder, e a comu- na divulgação de temas, nas denuncias,
nicação está dentro desta estrutura. dentre outras áreas.
Isso nos mostra como comunicação e E quando falamos sobre a participa-
a população negra tem uma relação di- ção da população negra nas redes sociais,
reta, sim! A todo instante, a gente acom- temos um grande problema. Quando se
panha o debate sobre a população negra faz o recorte, por exemplo, do acesso à
dentro da comunicação, seja de forma Internet para população negra, ainda é
direta ou indireta, como nos programas mínimo. Sabemos que no Brasil ainda é
policiais onde é protagonista, na produ- grande, o problema do acesso à Inter-
ção de conteúdo sobre temas diversos, net e, com a pandemia ficou ainda pior,
nas telenovelas. Enfim, existe esta po- pois, deixou mais evidente este buraco
pulação. Sabemos que ela compõe esta e esta desigualdade de acesso existen-
estrutura, mas, precisa ser discutida sua te. É um desafio gigantesco a população
forma participação. Por isso, a pesquisa negra está nesse espaço, e estou falan-
que eu realizo vem deste local da partici- do apenas do acesso, pois sabemos que
pação na comunicação, onde eu discuto 23% da população nem tem acesso à in-
as mulheres negras e ternet no nosso país1.
sua identidade a re- E isso ficou evidente
presentatividade nas
redes sociais, e, em
A comunicação do com a pandemia. E
quando falamos deles
especial o Instagram.
Para mim, é mui-
nosso país, e tem pouca, – a população negra
– como sujeitos que
to importante porque ou quase nenhuma, produzem conteúdo,
é uma rede social que o problema fica ain-
hoje, cada vez mais, representatividade negra. da maior. E eu falo
está em evidência. sobre isso na minha
Na verdade, o Insta- pesquisa que discuti
gram, o Facebook, esta identidade, esta
o YouTube estão em evidência e fazem representação, das mulheres negras na
parte da vida da população brasileira. Internet.
Temos acompanhado todos os anos as Sem contar que quando se colocar o
pesquisas que falam do grande aumen- recorte de gênero, a situação fica mais
to de pessoas que adentrar estas redes complicada, porque nós temos visto di-
e participam deste espaço. Percebemos versas pesquisas que falam sobre a falta
como estas redes sociais são utilizadas, da representação negra, enquanto pro-
seja com a ideia de entretenimento, ou dutores de conteúdos para a Internet.
para outras coisas como, por exemplo, Ou quando são produtores de conteú-
temos visto nos últimos anos no período dos, estas produções têm baixo alcance,
eleitoral no Brasil, mas, não só na socie- isso porque precisamos entender como
dade brasileira no mundo inteiro, a par- 1 Matériado jornal Gazeta do Povo que diz 23% dos
ticipação das redes sociais. Não se pode brasileiros ainda não têm acesso à internet, aponta
pesquisa. Disponível em https://www.gazetadopo-
negar que elas tiveram um papel impor- vo.com.br/gazz-conecta/23-dos-brasileiros-ain-
da-nao-tem-acesso-a-internet-aponta-pesquisa/.
tantíssimo neste debate. Nas eleições, Acesso em 08 de novembro de 2021.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 199 PALESTRA 21


funcionam estas plataformas e diver- desastrosas e discriminatórias. Mas isso
sos desdobramentos sobre o tema têm não é por acaso, estas plataformas são
aparecido como, por exemplo, o que são gerenciadas por pessoas e são estas pes-
os “algoritmos racistas” que têm apa- soas que fazem escolhas. Não podemos
recido em várias pesquisas e eu falo na nos enganar, estão produzindo, codifi-
minha pesquisa. Precisamos ter cuida- cando e divulgando conteúdos que aju-
do ao observar as redes sociais e como dam a perpetuar o racismo, isso é real.
funcionam estas estruturas. Tem até um Nós temos hoje este problema no
pesquisador, que é da Universidade Fe- Brasil e no mundo, e a minha pesquisa
deral do Grande ABC, Tarcízio Silva, que tem essa percepção. Quando eu con-
fala exatamente sobre isso – os algorit- verso com as entrevistadas – que par-
mos racistas – na sua pesquisa. Ele dis- ticipam da pesquisa – elas contam so-
cute o branqueamento da mídia e sabe- bre o problema da representação nas
mos que não é novidade a perpetuação redes sociais. Elas falam que tem pági-
das relações de poder quando falamos nas de/com/para pessoas negras, mas
da branquitude. Eles estas páginas não
sempre tiveram em tem tanto alcance se
suas mãos a estrutu-
ra política, econômi-
O debate da representação comparada a página
de pessoas não-ne-
ca, geográfica, dentre
outras estruturas, e
tem sido um problema, gras. A página que
eu pesquiso, a “Pro-
agora tem a continui- na verdade, quando fissionais Negros do
dade com as novas Ceará”, que tem o ob-
tecnologias. colocamos a questão das jetivo de divulgar os
As novas tecno- trabalhos/serviços
logias também são redes sociais. da população negra,
espaços de domina- onde eu faço de gêne-
ção e através destas ro e converso apenas
plataformas que farão uma leitura sobre com as mulheres negras, apresenta este
o perfil de seus usuários. Por exemplo, problema do alcance. E que isso tudo
quando você colocava no Google a frase tem haver com a Educação? Se parar-
‘mulher negra’, fazendo uma busca rápi- mos pra pensar, isso tem é uma relação
da no site, encontra coisas terríveis, fotos direta com a Educação, pois é apenas a
e tantas outras formas de representação. reprodução de uma estrutura dominan-
Hoje mudou um pouco mais, com as di- te que deve ser discutida em todos os
versas denúncias e várias palavras-cha- espaços para que não seja somente uma
ve ou frases, têm sido mudadas no Goo- reprodução do racismo. É preciso pen-
gle. Isso porque têm ocorrido denúncias sar uma educação que seja libertadora,
do movimento de mulheres, do movi- como já dizia o Freire.
mento negro, do movimento de direitos Vemos apenas a reprodução do racis-
da criança e do adolescente. Tem coisas mo sendo potencializado com as tecno-
que quando você coloca no Google, ele logias. Durante a pesquisa, tenho perce-
faz uma leitura rápida, e algumas vezes bido que o debate da representação tem

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 200 PALESTRA 21


sido um problema, na verdade, quando do falamos destas ferramentas meto-
colocamos a questão das redes sociais. dológicas que podem ajudar a articular
Apesar de termos hoje várias páginas as pesquisas de/sobre mulheres, raça
YouTubers e de influenciadoras digitais e classe, pesquisas que trazem outros
negras, elas ainda encontram barreiras, saberes, com recorte de orientação se-
seja no pouco alcance, nas baixas curti- xual e tantas outras intersecções, ainda
das e comentários, quando fazem uma temos passos a dar. Percebemos que os
postagem, e ainda têm as mensagens passos estão sendo dados, mas, o cami-
discriminatórias no público ou no priva- nho ainda é muito longo, os passos ainda
do, dentre outras coisas. são lentos.
Por isso, a pesquisa na comunicação Temos percebido um maior número
sobre mulheres negras, me traz muitos de pesquisas que possam discutir estes
desafios, porque, quando eu paro para temas, produções nestas áreas que pos-
pensar que nós temos hoje leis, e eu não sam se articular, que possam discutir
estou nem falando da lei que criminali- tema, trazendo autores e autoras, mu-
za o racismo que, por sinal, temos algo a lheres negras que pesquisa isto no Bra-
celebrar que foi a equiparação, feita pelo sil e no mundo e que, muitas vezes, não
Supremo Tribunal Federal, do crime de chegam para nós. Semana passada, eu
injuria racial ao crime de racismo2. Ago- fiquei surpresa. Eu estou lendo um livro,
ra o crime de injúria racial é passível de da escritora Bell Hooks sobre Educação,
punição. Isso foi necessário porque al- e eu fiquei surpresa, ao saber que o livro
guns casos de racismos no Brasil eram é de 1994, mas ele – o livro – só chega
colocados como injúria racial e com este aqui no Brasil em 2013. Ao mesmo tempo,
debate o Supremo endurece e quem sabe percebo que não é uma novidade porque
podemos ver mais justiça. eu li o livro Mulheres, Classe e Raça, da
Mas temos a lei 10.639/2003, que fala Angela Davis, e este outro livro também
sobre a obrigatoriedade da implemen- não é novo, mas ele só chega agora por
tação da história e cultura afro-brasi- aqui. Isso nos mostra que, a todo instan-
leira e africana e, após isso, temos a lei te, as epistemologias negras são bar-
11.645/2008, também torna obrigatório o radas para que não cheguem, elas são
ensino da cultura indígena, que também barradas para que não tenhamos acesso
importante e precisamos falar sobre a a isso. Para que não tenhamos a possibi-
população indígena. Estas leis mostram lidade de conhecer ou de ler e, como isso,
que a educação brasileira tem um papel a caminhar de outra forma, produzir de
importante na construção de mudan- uma forma diferente.
ças. Ainda temos grandes desafios, como Taiane lembrou-me que o livro da
dar visibilidade da população negra na Angela Davis demorou 36 anos para ser
educação, por exemplo. Por isso, quan- lançado aqui no Brasil. E só falei destes
2 Matéria
dois exemplos, o livro da Bell Hooks, que
no jornal G1: Supremo decide que injúria
racial é imprescritível e pode ser equiparada ao cri- é de 1994, e o livro da Angela Davis, que
me de racismo’ Disponível em: https://g1.globo.com/ é 1985, que foi lançado recentemente. Te-
politica/noticia/2021/10/28/supremo-tem-maioria-
-para-considerar-que-injuria-racial-pode-ser-equi- mos diversos livros que não chegam. Só
parada-ao-crime-de-racismo.ghtml Acesso em: 08
de novembro de 2021.
mostra que estamos longe do que deseja-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 201 PALESTRA 21


mos, de uma metodologia que possa evi- visão deles, este é nosso lugar e as Uni-
denciar os saberes e práticas da popula- versidades, também vão reproduzir isso,
ção negra dentro do espaço acadêmico. mais uma vez, e vão criar estratégias de
E que aqueles três compromissos que mascarar esta prática. Onde até podem
alicercem a Universidade que são o ensi- falar da população negra, mas, ‘quem
no, pesquisa e extensão não parecem ser vai falar sobre isso?’ Quando eu levo este
tão evidentes, quando falamos das pes- tema para o espaço da comunicação, eu
quisas sobre/com/a população negra. E compreendo que lá é um lugar de dis-
quando eu falo disto trago o momento puta, como todo espaço da academia, a
de chegada da população negra a Acade- comunicação também é um lugar de dis-
mia, da forma se perceber e se identifica puta. Principalmente, quando eu enten-
com este espaço e como consegue ter li- dendo que a comunicação é o lugar de
berdade para fazer pesquisas isso. produção muito elitista e que tem seus
Precisamos entender que são tantas interesses.
populações que estão inseridas nestas Então, quando você escolhe temas
estruturas e que não como estes, vai per-
chegam informações ceber que ter pro-
para nós. Precisamos
cobrar da Universi-
A falta de acesso às blemas na busca
por produções que
dade uma atuação
responsável sobre os
produções negras no Brasil ajudem na pesqui-
sa, problemas com
diversos temas, pois a
Universidade é o lugar
é uma estratégia, não é um os seus companhei-
ros – professores,
de ensino, o lugar de problema, é uma estratégia estudantes, coor-
construção do conhe- denadores e outros
cimento, mas também das estruturas de poder. membros que fazem
é o lugar de luta e resis- parte da comunidade
tência para construção acadêmica – que des-
de uma sociedade mais digna e mais justa, qualificam nossas produções. Vemos a
e com a participação de diferentes agentes inexistência do tema ou distorção que
sociais, dentre eles mulheres e homens ne- acaba deixando nítida a reprodução de
gros acessando este espaço. um racismo estrutural dentro da Aca-
Precisamos entender que a falta de demia. E quando pensamos a Univer-
acesso às produções negras no Brasil é sidade como um espaço libertário de
uma estratégia, não é um problema, é construção de saberes e de trocas de
uma estratégia das estruturas de poder, experiências, o que não deixa de ser,
deste patriarcado que tem a tarefa de mas que também é um espaço de repro-
negar nossos direitos e nos impedir de dução do racismo, também é um espaço
acessar este tipo de produção. Porque é discriminatório, também é um espaço
necessário que continuemos no lugar do de negação da população negra.
colonizado, nosso lugar é esse. Vivemos Não tenham dúvidas sobre isso! Por
em um país em que tem uma represen- este motivo, não chegam estas Produ-
tação direta com isso, o colonizado. Na ções. Por isso, as cadeiras da sala de aula

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 202 PALESTRA 21


têm um número pequeno da população FREIRE, Paulo. Conscientização. São
negra, apenas de sermos um país com Paulo: Cortez e Moraes, 2016.
mais de 50% da população negra. Somos
o segundo país maior número de pesso- HALL, Stuart. A identidade cultural na
as negras fora do continente africano, pós-modernidade. Tradução de Tomaz
o que só mostra que a negação é uma Tadeu da Silva & Guacira Lopes Lou-
estratégia e a academia também utiliza ro. Rio de Janeiro: Edições Lamparina,
desta estratégia. E precisamos entender 2014.
isso, pois só assim conseguiremos arti-
cular as nossas pesquisas. hooks, bell. Ensinando a transgredir: a
Gostaria, mais uma vez, de agra- educação como prática da liberdade. São
decer! E espero que temas como a de- Paulo Martins Fontes, 2013.
colonialidade, a interseccionalidade, o
mulherismo, dentre outros temas im- KILOMBA, Grada. Memórias da planta-
portantes, sejam mais discutidos na ção: episódios de racismo cotidiano. Rio
Academia. Que sejam feitas reflexões de Janeiro: Editora Cobogó, 2019. 
necessárias para a criação de metodo-
logias e para a troca de saberes. Isso é RIBEIRO, Djamila. O que é: lugar de
muito importante porque tivemos por fala? – Belo Horizonte (MG): Letramento:
décadas e séculos a produção de teo- Justificando, 2017.
rias que negavam a nossa existência e
nos excluíam da construção do saber SILVA, Tarcízio. Racismo Algorítmico
acadêmico. Precisamos, cada vez mais, em Plataformas Digitais: microagres-
evidenciar outras teorias, outras meto- sões e discriminação em código. VI Sim-
dologias, outras práticas dentro da aca- pósio Internacional Lavits – Assimetrias
demia. Um bom dia pra nós! e (in)visibilidades: vigilância, gênero e
raça. Artigo, 2019. Disponível em: https://
REFERÊNCIAS lavits.org/wp-content/uploads/2019/12/
Silva-2019-LAVITSS.pdf Acesso em 10 de
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. out de 2021.
Ed. São Paulo; Boitempo, 2016.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 203 PALESTRA 21


PALESTRA 22

A
ZIL
MAR S I LV
A A LV E S D A

VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO
AMBIENTE ESCOLAR
Zilmara Alves da Silva — Pós-graduação em Neuroeducação pelo Centro Universitário Christus e graduação em Pe-
dagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Sergipe.
Militante e Ativista em Direitos Humanos, atuando principalmente na área da infância, adolescência e j­ uventudes.

Bom dia a todos que estão nos assis- a gente percebe esse crescimento da vio-
tindo. É uma alegria, um prazer enorme lência, principalmente, quando se fala da
estar aqui e compartilhar um pouco so- violência nas escolas se retrata na maio-
bre essa temática de violência, principal- ria das vezes ao público juvenil.
mente, nesse contexto de violência nas Nas grandes capitais do país, a gen-
escolas. A proposta inicial é apresentar te vê os vídeos nas redes e mídias sendo
um pouco do conceito de violência, aju- pulverizados e trazendo esse retrato da
dar a cada ouvinte, a cada participante, a violência escolar muito vinculada ao pú-
ter uma noção de todo o desenrolar des- blico juvenil. Então, esse sentimento de
sa mesa que estará acontecendo. insegurança da questão da violência ele
Falar de violência é sempre uma te- vem permeando nossas vidas cotidia-
mática interessante porque é um contex- namente. E isso tem instigado os nossos
to que estamos inseridos e vivenciando pesquisadores, os nossos estudantes a
diariamente. Violência faz parte do nos- estarem buscando compreender por que
so cotidiano, infelizmente. Nós somos a violência é um fenômeno que precisa
absorvidos por esse universo, vimos e ser compreendido, como é que começa
ouvimos sobre a violência todos os dias, tudo isso.
seja na televisão, seja nas ruas por onde Atualmente, 63% dos brasileiros
a gente passa, seja no nosso cotidiano, a acreditam que a violência nessas suas
gente vai sendo informados e mergulha- multifaces é o maior risco para a saúde
dos nesse universo. Então, diariamente, pessoal e 58% se sentem menos seguros

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 204 PALESTRA 22


que há 5 anos atrás. Entre as mulheres, de Emicida – quando fala que “o que nos
80% dizem se sentir menos seguras no diferencia da elite é a questão do dinhei-
país do que os homens, o que é compre- ro”, então a gente está falando de uma
ensível, devido ao alarmante índice de burguesia mesmo.
violência que alguns estados como o Ce- A escola pública foi pensada para
ará, por exemplo, que já está sendo con- um público burguês que já detinha pri-
siderado também como um fenômeno. vilégios e que quando houve a redemo-
Há uma necessidade de se reconhe- cratização no Brasil, a educação passou
cer que as políticas adotadas para essa a ser obrigatória e acessível para todos
violência, com forte predominância e todas, mas quando esse público aden-
numa política de repressão, não tem sur- tra a escola, ela não está preparada para
tido efeitos desejados. Elas têm falhados receber esse pessoal. Então, quando há o
no sentido de não levar em consideração volume desse público novo, que vai che-
as diversas dimensões das vidas das ju- gando as escolas e você encontra uma
ventudes, como educação, trabalho, fa- escola que não foi preparada, ela começa
mília, saúde, renda, igualdade racial, de a não saber com lidar com essa situação.
gênero e oportunida- Há uma plurali-
des iguais para todos. dade de pensamen-
Não se pode falar em
Essa escola que tos, de pessoas que
redução de violên-
cia quando você tem
vivenciamos, ela não foi estão adentrando es-
ses espaços, que têm
esse conjunto, essas
dimensões, que en-
pensada para esse público formas diferentes de
compreender a vida,
volve a vida quando
elas sendo negligen-
que hoje adentra as de resolver seus con-
flitos e esse ambiente
ciadas. A questão da
repressão ela não vai
escolas. escolar agora é um
ambiente de profun-
trazer uma solução das mudanças. É um
para o que a gente está vivendo hoje. ambiente de aprendizagem para todos,
Quando a gente vai para o reducionis- mas também é um ambiente de conflito.
mo para falar da violência nas escolas, é Então, a violência que ocorre na escola, é
algo que vem sendo discutido há muitos um recorte do que ocorre no seu entor-
anos e a sua visibilidade vem sendo am- no, não é somente a escola que é violen-
pliada a partir da década de oitenta com ta, mas escola como parte da comunida-
o processo da ­redemocratização. de, ela recebe essas representações que
É importante lembrar que essa esco- estão no seu entorno, na sua comunida-
la que vivenciamos, ela não foi pensada de, na cidade que está inserida com as
para esse público que hoje adentra as es- suas complexidades e representações. A
colas. É preciso lembrar que a escola pú- escola, ela está em um ambiente de vio-
blica foi pensada para ser voltada para lência porque o seu entorno, a sua comu-
um público seleto, e eu não vou dizer que nidade e a sua cidade também estão em
é um público elitista, pois o que diferen- volta nesse ambiente de violência, mas
cia – aí eu vou fazer minhas as palavras ao mesmo tempo, é preciso compreen-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 205 PALESTRA 22


der também que a escola é um espaço de ela não concorda que a violência é ine-
disputa de poder, de consciência, é um rente a condição humana no sentido de
espaço de disciplinamento de corpos, ser algo que a gente não possa se livrar,
como diz Foucault. e ai eu concordo quando ela afirma, que
Ao mesmo tempo em que a escola a violência se distinguem pelo seu ca-
é esse espaço de disputa, ela também é ráter instrumental e requer orientação
um espaço de contradição, nós vamos tendo em vista um fim, a violência pre-
imaginar que, ao mesmo tempo que ela cisa de justificativa. Temos outros auto-
disciplina corpos, ela abre oportunidade res de um modelo ecológico da violência
também para questionarmos essas coi- que foi apresentado pela UNESCO em
sas que acontece dentro dela e fora dela, 2010, onde a violência é o resultado da
então, ela é esse ambiente, esse espaço complexa relação de fatores individuais,
de contradição. Mas o que é violência de relacionamentos estabelecidos, co-
mesmo? Como é que a gente conceitua munitários e sociais, sendo necessário
essa questão da violência? ter sempre em mente as intersecções e
Morais, na sua obra, ele fala que a conexões existentes entre os diferentes
violência é algo inerente ao ser huma- ­níveis.
no e possui espectro amplo e cheio de A proposta que a gente tem para essa
matizes, pois da violência brutal até as mesa é caminhar nossa fala para um diá-
violências mais sutis, ocorre uma com- logo sobre a violência de gênero, a ques-
plexa matização, ou seja, para Morais, tão de gênero dentro das escolas, sobre
a violência sempre fez parte da relação uma invisibilização que está posta. Para
humana, mas ao longo do tempo, vem isso, a nossa companheira, a professo-
se desenvolvendo e ampliando seus as- ra Aparecida, tem uma bagagem muito
pectos que a caracterizam dentro de interessante para compartilhar com a
um contexto e cultura. Só que Hannah gente, sobre a violência de gênero espe-
Arendt, ela rejeita essa tese do conceito cificamente nas escolas. Eu vim só para
biológico proposto por Moraes, da vio- compartilhar uma noção do conceito de
lência como condição animal, humana violência, para que a gente possa aden-
e defende a ideia de Fanon, que enten- trar na violência de gênero com um pou-
de a violência intrínseca a própria vida, co de propriedade.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 206 PALESTRA 22


sentação sobre o contexto de violência
no Brasil, destacando que nós somos de
fato uma sociedade violenta, nós somos
violentadas na nossa origem, quando fo-
mos invadidos pelos portugueses, quan-
do nossos índios foram escravizados,
quando toda uma população de regiões
africanas veio forçadamente para nosso
país, então colônia, e aqui foram escravi-

TO
AR OU zados, violência que ainda hoje acontece
M

IA C
APA ZA e é legitimada. Então, na minha fala eu
R E C I DA D E S O U
trago um pouco dos conceitos de Han-
nah Arendt, porque eu a considero uma
das teóricas que mais se aprofundou so-
bre a temática.
Também discutirei o conceito de gê-
nero e procurando trazer um pouco da
Maria Aparecida de Souza Couto — Assistente So-
cial (universidade católica de Salvador), licenciada
compreensão sobre educação em geral e
em educação física, mestre e doutora em educação educação escolar, buscando questionar:
(universidade federal de Sergipe); professora da rede
pública estadual e atua como docente em curso de li- O que a violência e as relações de gênero
cenciatura em pedagogia da rede privada de ensino. têm a ver com a escola? Qual o meu papel
na condição de educador/a, ao perceber
Bom dia a todas as pessoas que nos situações de violência na escola? A minha
assistem. De início, preciso agradecer a atitude é de normatizar como algo banal,
todos que compactuaram para que esse como parte do cotidiano ou lanço um
evento viesse a termo, em especial, a Zil- olhar de estranhamento e adoto atitudes
mara, ao Guilherme, a Adriana e a pro- que me levam a promover mudanças.
fessor Maria Helena Santana Cruz, men- Neste sentido, compactuo com Han-
tora deste encontro. nah Arendt que “[...] é surpreendente que
Importante ressaltar que, na condi- a violência tenha sido raramente esco-
ção de professora do curso de pedago- lhida como objeto de consideração espe-
gia, nós nos deparamos frequentemente cial. [...] Isto indica o quanto a violência e
com um currículo esvaziado e distante de sua arbitrariedade foram consideradas
temáticas contemporâneas como as que corriqueiras e, portanto, desconsidera-
discutiremos hoje. Portanto, parabéns à das, ninguém questiona ou examina o
organização do evento por trazer esta que é óbvio para todos” (ARENDT, 1994, p.
mesa com as intersecções sobre violên- 16). Nos atendo a essa primeira parte da
cia e as relações de gênero nas escolas, frase, é como nós estamos hoje, nós esta-
espero que tenhamos uma boa vivência mos num caldo de violência tão denso, os
aqui hoje, um bom compartilhamento de indicadores do Mapa da Violência já nos
ideias. dizem que somos mais de 62 mil pesso-
Neste sentido, tentarei dialogar com as vítimas da violência que leva a termo,
a Zilmara; ela fez uma brilhante apre- que leva à morte, são mais de 62 milhões

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 207 PALESTRA 22


de pessoas que morrem anualmente no para que haja a efetividade da ação, pois
Brasil em função da violência do homicí- poder é obra de consenso; existe con-
dio; o feminicídio ceifa a vida de quase 5 flitos de ideias? Sim, mas o conflito de
milhões de mulheres ­anualmente. posturas teóricas, de ponto de vistas, de
São dados gritantes, que nos indi- como colocaria em prática determinada
cam uma banalidade enorme. Ninguém ação, é necessário para que haja justa-
questiona ou examina o que é obvio para mente divergência, liberdade de expres-
todos, e a violência na escola, como dis- são e da consequente ação.
se Zilmara, tem sido olhada nesta ótica É pela divergência, segundo Aristó-
também, é considerada comum, obvia. teles, que nós encontraremos o caminho
Creio que nós estamos no estágio de do meio; poder e violência são diametral-
transformação da humanidade no qual mente opostos, onde um aniquila, nega,
começamos a rejeitar esse tipo de ação exclui o outro; por isso, a existência abso-
humana, começamos a estranhar o que luta de um é a ausência do outro. A violên-
antes parecia comum, normal, começa- cia destrói o poder porque esta é a condi-
mos a estranhar a violência de gênero, ção para que ela exista. Então, à violência
começamos a estranhar a violência en- em suas variadas formas de manifesta-
tre os pares, a violên- ção, seja simbólica,
cia na escola. [...] há patrimonial, psico-
um processo corren- lógica, física destrói
te de desconstrução Gênero nada mais é do qualquer forma de
dessa naturalização poder. [...]. Waiselfisz
da violência, um dos
que a construção social do (2000), autor do Mapa
aspectos é: olha nós
aqui discutindo hoje,
masculino e do feminino. da Violência tem essa
citação que é fantásti-
violência, assunto ca: “Atos de violência
nada palatável, po- apresentam-se hoje
rém de extrema necessidade. na consciência social não apenas como
Ela tem um caráter instrumental, ou crimes, homicídios, roubos ou delinqu-
seja, ela precisa de uma orientação jus- ências, mas nas relações familiares, nas
tificação para os fins que a precede. Já o relações de gênero e de raça, na escola
poder é inerente a qualquer grupo polí- nos diversos aspectos da vida social, não
tico, o poder no sentido de obra de con- considerando a agressão física. Abarca
senso, obra de diálogo, então, todos nós também situações de humilhação, exclu-
temos poder. Nosso grupo, nós não nos são, ameaças, desrespeito, indiferença,
conhecíamos, tivemos o poder de orga- omissão para com o outro, desrespeito
nizar nossa fala e hoje estarmos aqui. para com as diferenças (WAISELFISZ,
Isto é um poder político de articulação de 2000, p. 9). Então, [...] violência é a com-
ideias para um propósito objetivo. Então, pleta violação dos direitos humanos, em
o poder é resultante da capacidade inte- parte ou integralmente. E aí vem gênero.
rativa dos homens e das mulheres para O que é gênero?
agir em comunhão, em conjunto isso, na Gênero nada mais é do que a constru-
essência, requer o consenso de muitos ção social do masculino e do feminino, e

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 208 PALESTRA 22


essa construção social ocorre em corpos menino e brincadeira de menina, roupa
biologicamente definidos, às vezes bio- de menino, roupa de menina, cor para
logicamente indefinidos. Por que isso? É menina, cor para menina, pois instinti-
na biologia que nós temos a explicação vamente a criança brinca com o que está
do encontro do gameta feminino, game- à sua volta, quando ela brinca ela cres-
ta masculino, gera-se uma criança com ce, ela interage, ela desenvolve-se como
uma genitália, essa genitália o (a) carac- pessoa, mas ela também enfrenta o que o
terizará como masculino ou feminino e adulto diz que ela tem que ser.
sobre esse corpo sexuado constrói-se Desde cedo, a construção social do
ideias, características que vão definin- masculino e do feminino, da identida-
do o que é masculino e feminino, somos de de homens e de mulheres está sendo
gerados ao mesmo tempo em que somos construída no seio da família e, poste-
rotulados, determinados a ser o que a riormente, na escola. E essa construção
sociedade previamente definiu para nós, vai para a formação profissional e, pos-
tendo como parâmetro determinista a teriormente, para o mercado de traba-
genitália com a qual nascemos. O corpo lho. O feminino, seja lá em que corpo es-
biológico carrega em si a marca do gêne- teja, enfrenta barreiras e empecilhos, de
ro, as características distintivas são so- modo a garantir o seu lugar na estrutura
cialmente construídas, são elas que de- social machista e patriarcal dominan-
terminam se o sujeito será socialmente te. Ainda estamos sobre a égide de uma
masculino ou feminino. Ocorre que essa construção patriarcal, ou seja, é o pai,
construção está imersa em relações de seja ele pai homem, o pai irmão, a mulher
desigualdades para as mulheres, como que assume o controle da casa que, por
também do feminino, expressos em cor- vezes, adota também, adota não, é criada
pos masculinos, frente aos homens. En- nesse caldo cultural e acaba manifestan-
tende-se que essas representações estão do-se tão machista quanto os homens, o
imersas no cerne da violência praticadas que nós repudiamos, porque o que o ma-
contra as mulheres, ou seja, a preponde- chismo faz? Ele sufoca, ele reprime, ele
rância do masculino em detrimento do coloca obstáculos para que o feminino
feminino. não avance. Ele coloca estratégias que
A identidade de gênero do sujeito, impede que a mulher cresça, coloca obs-
quem ele vai ser, quem ela vai ser, já está táculos que a faz duvidar da sua capaci-
datado pela sociedade antes mesmo dela dade, que a faz duvidar da sua condição
ou dele chegar no mundo novo, como de pessoa inteligente; então, sobre a égi-
uma situação como algo determinado. E de o machismo, o olhar patriarcal age de
aí, eu pergunto: Como aprendemos a ser várias maneiras para minar a ascensão
homem, a ser mulheres? Olha os brin- do feminino. Isso está aí, basta ver as es-
quedos aqui, a menina brincando de car- tatísticas sobre quantas mulheres estão
rinho e o menino com um boneco e uma nos melhores postos de trabalho, não só
boneca, faltou a menina estar de azul e o nas empresas, nas industrias, mas no
menino de rosa! sistema estatal, nas instituições, lem-
Para começar, devemos desconstruir bremos que igrejas, escolas, estado são
nas escolas que existe brincadeira de instituições extremamente masculinas;

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 209 PALESTRA 22


a luta é ferrenha, a luta é dolorosa, mas lização entre os pares na cultura de um
estamos enfrentando batalhas, como diz determinado grupo social em dado mo-
a música, temos “dias de luta e dias de mento histórico, situado historicamen-
gloria”. te. É o caldo cultural que a criança leva
E a interseção entre gênero e violên- das relações familiares e o caldo cultural
cia passa a ser finalmente compreendida da escola que, é dentro desse caldeirão
uma referência sobre as quais estão las- enorme que nós vamos ter a educação e
tradas as relações sociais na sociedade. as violências em conflito.
Nós temos um país que é omisso e cor- Então, a escola é o lugar que recebe
rupto, que tem uma educação precária, essa diversidade de cultura e de gêne-
que chancela a exclusão, a desigualdade ro, mas também um local de relações de
social, a desestruturação familiar (esse poder, de trocas, pois “as diferentes ins-
nome que eu não concordo muito), mas tituições e práticas sociais são constitu-
que é fruto também de toda essa desi- ídas pelos gêneros e são também cons-
gualdade, do desemprego; é o tráfico de tituintes dos gêneros; engendram-se a
droga, de mulheres e partir das relações de
de crianças e de ór- gênero, assim como
gãos; do preconceito
e uma miríade de tan-
A escola é o lugar que também das rela-
ções de classe, étni-
tas outras questões
que estão envolvidas
recebe essa diversidade cas, etc. Uma dessas
instituições é a esco-
na concepção da vio-
lência. E aí, o gestor
de cultura e de gênero, la, responsável pela
modelagem, pela “fa-
escolar, o docente, se mas também um local de bricação” de sujeitos.
veem em meio a esse (LOURO, 1977, p. 25).
caldeirão de violên- relações de poder. Guacira Lopes Louro,
cias e de mudança so- assim como Foucault,
cial que a sociedade fala da modelagem,
tem tido e se vê incapaz de agir. fabricação dos sujeitos, é a escola e suas
Eu trago o conceito de Charlot (1991) regras, a escola e suas normas, a escola e
para nos ajudar a alargar o pensamen- suas rotinas que vai fabricando sujeitos,
to sobre a Educação formal como um ou como diria Thomaz Tadeus da Silva,
triplo processo de humanização, socia- criando identidades. Finalizo dizendo
lização e singularização, ou seja, colo- que é papel da família, escola e institui-
camos nossas crianças na escola para ções educar conjuntamente para o res-
elas humanizarem-se, socializarem-se e peito as pessoas, independentemente do
tornarem-se um ser singular, único, di- gênero, da orienta sexual, religião, clas-
ferente entre os iguais. [...]. Adentrar os se ou etnia. Bem, tentei fazer aqui uma
muros escolares significa humanizar-se, breve discussão de uma temática que
inserir-se no mundo humano com seus gosto muito, espero ter atendido às ex-
símbolos, signos e construção de senti- pectativas. Muito obrigada.
dos, que é conseguido a partir da socia-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 210 PALESTRA 22


uma professora ou professor da educa-
ção básica? Aí vocês podem ir colocan-
do no chat, que depois no final, quando
abrir para o debate, a gente retoma essa
provocação inicial. Dando uma continui-
dade, sobre a fala da professora Zilmara,
que iniciou trazendo uma introdução do
que é essa violência na escola, a profes-
sora Maria Aparecida vem falando sobre
GU essa banalização da violência, uma ba-
IL H VA
SI
L
A
ER M
E H E N RIQ U ED nalização da morte, onde nós estamos
vivendo num cosmo que é comum bana-
lizar a morte, isso já virou comum.
Hoje, eu venho trazer e dividir com
vocês alguns cenários da minha trajetó-
ria na docência, que envolve uma violên-
cia simbólica e do gênero. Eu costumo
Guilherme Henrique da Silva — Mestre em Educa-
ção pela Universidade Federal de Sergipe – UFS- São sempre de localizar que sou um aluno
Cristóvão; Especialista em Artes e Tecnologia pelo
Instituto Federal do Norte de Minas Gerais- IFNMG-
egresso da escola pública, professor de
Diamantina/MG; Licenciado em História e Bacharel história, formado em uma universidade
em Humanidades pela Universidade Federal dos Va-
les Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM- Diamantina/ pública federal e estou no início da mi-
MG. nha docência, [...] mas isso é para situar
as minhas posições políticas, éticas e pe-
Obrigado pela apresentação. A gen- dagógicas, o famoso lugar de fala. Às ve-
te que é professor, acaba empolgando zes, há uma interpretação errônea desse
na conversa, se deixar, a gente fica uma lugar de fala, não é para condensar, sou
manhã e uma tarde conversando aqui. de um lugar e só eu posso falar, não o lu-
Primeiramente, eu quero agradecer gar de fala aqui é no sentido de onde vem
toda equipe da organização desse evento e da construção do meu conhecimento e
maravilhoso, iniciado na segunda-feira, do meu pensamento e o que eu vou tra-
com muitas mesas e reflexões que nos zer hoje são cenários que me ocorreram
fazem pensar a nossa atualidade e os ca- na escola e que motivaram a escrita da
minhos da educação, pelas veredas que pesquisa do mestrado.
estamos trilhando. Quero agradecer, em Esse início da docência se deu no co-
especial, a professora Zilmara, pelo con- meço desse ano, acredito que para o re-
vide, professor Maria Aparecida e a pro- cém formado, há essa preocupação que,
fessora Adriana, que estamos compondo no meu caso, foi revestida como uma
o grupo, e que vem trazendo reflexões inquietação, de que forma se portar, li-
acerca desses movimentos dentro das dar na escola e aí porque eu digo isso.
escolas, a questão da violência, sobretu- Por questões que já vinha fazendo na
do, a violência de gênero. graduação, à respeito da identidade, do
Eu sempre gosto de iniciar com uma gênero e se que forma eu vou trabalhar
provocação. Essas unhas pintadas são de isso, o meu corpo dentro da sala de aula.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 211 PALESTRA 22


Bem, o início da docência se dá em uma A gente como professor sabe, a gente
escola pública, localizada em um bairro está ali com aquele pensamento cons-
de classe média, da cidade de Limeira, truído e na hora eu parei e pensei (junho,
em São Paulo. Contudo, é uma escola nós estamos no mês do orgulho LGBT-
guarda-chuva, aquele que recebe os alu- QIA+), então, interrompi a aula, e iniciei.
nos de localidades da cidade, ela só está O mês do orgulho é quando comemora
localizada num bairro que não condiz os direitos da comunidade LGBTQIA+,
com a realizada da escola, com o per- passei por cada letra da sigla e fui expli-
fil e o alunado. Começo essa jornada na cando para esses estudantes.
pandemia, então no sistema de ativida- Terminando dizendo que é um mo-
de on-line, em São Paulo a secretaria de vimento político, social, assim como nós
Educação ela criou o centro de Mídias, temos outros movimentos sociais como
nele você tem os professores específicos feminismo, questões étnico-raciais, fui
de cada disciplina [...] que é transmitido ali para contextualizar, para fazer uma
pelo canal do youtube, TV escola ou TV introdução, que muitas vezes você vê os
aberta. merchan, o mês do orgulho. Numa situ-
O professor da ação não pandêmica
escola estaria res- havia a parada LGB-
ponsável apenas por
acompanhar e apro-
O professor da escola TQIA+ e, às vezes, fica
muito no holofote,
fundar os conteúdos,
uma vez que esses
estaria responsável mas não aprofunda,
não diz para o cida-
conteúdos já haviam apenas por acompanhar e dão, para as pessoas
sido preparados e que é um movimen-
apresentados por aprofundar os conteúdos. to político, um movi-
meio das aulas lá no mento social onde se
Centro de Mídias. reivindica os direitos
Dito isso, eu venho dessa comunidade.
para a questão do currículo, e aí em me- Nessa conversa com os estudantes,
ados de junho, eu estou discutindo com eis que um me pergunta: Mas por que
os alunos do nono ano, aprofundando alguns usam coisas de mulher? E esse
uma aula que já havíamos assistidos alguns, imediatamente imaginei que ela
pelo Centro de Mídias (CMSP), estáva- estava falando da questão do homem ho-
mos discutindo sobre a Neocolonização mossexual e logo eu devolvi a pergunta:
da África e da Ásia do século XIX parte II, O que são coisas de mulher? E aí, um se-
havia ali ocorrido uma primeira introdu- gundo aluno, num tom de ironia, meio
ção, falando das relações de poder entre jocoso e agressivo dispara: Aquelas coi-
as nações, da exploração do continente sas de viado! Coisa que viado usa, saia,
africano, dos saques... e aí, eu me lembro esmalte, bolsa... Imediatamente, pensei
bem, estávamos discutindo a conferên- se era uma resposta direcionada a mim,
cia de Berlim século XIX, eis que um es- dado aos meus cabelos longos, trejeitos e
tudante me para a aula e pergunta: Pro- a gente sabe que o aluno percebe, aluno
fessor, o que é a semana do orgulho? é uma coisa maravilhosa de inteligente

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 212 PALESTRA 22


e fiquei pensando... como eu vou condu- mossexuais e com a mulher, que reforça
zir essa aula aqui agora, essa situação? com a violência de gênero.
E aí eu devolvo a pergunta novamente: Na aula, eu trouxe algumas informa-
Vocês acham que uma unha pintada tor- ções, abri um google e mostrei alguns
na um homem menos homem? Um ca- dados do feminicídio, numa perspecti-
belo grande, um homem usar uma saia, va de 193 países, o nosso é o 5º país que
um homem usar um bolsa ou um salto, mais mata, e quando a gente vai falar da
torna ele menos homem? Vai destituir mulher negra, essa situação fica mais
da sua humanidade? Nesse momento, alarmante. O que nós estamos fazendo
ocorre novamente um silêncio na turma, nessa sala de aula? São coisas que nós
e eu do continuidade na aula, falando de temos que prestar a atenção, coisas que
ações do nosso dia a dia, tal qual ocor- a gente fala e novamente, vocês são li-
reu na sala de aula naquele momento vres para utilizar o que bem entender,
que corroboram com os estereótipos de bota, calça, chapéu, anéis... terminando
gênero criado pela sociedade, e eu falo: essa aula, eu indiquei a música do Pepeu
Olha, a partir do momento que vocês vão Gomes “Masculino e feminino”, “ser um
desqualificar a figura masculina por ela homem feminino, não fere o meu lado
adotar objetos feminino, que são uma masculino”, ouçam essa música em casa
criação social, porque e na próxima aula nós
você tem uma saia, conversamos.
uma bolsa, a socie-
Uma unha pintada torna Neste momento,
dade diz que aquilo é
do mundo feminino, é
um homem menos passou na minha ca-
beça um flash back
uma criação, quando
na verdade vocês são
homem? do professor que já
foi aluno e que viveu
livres para usarem o essas experiências no
que quiserem, quando bem entenderem. papel de aluno, essa violência na sala de
A única coisa que vocês devem se aula e como a gente cria barreiras para
preocupar é se vocês estão felizes com o não sofrer na sala de aula. Neste mo-
objeto, com a vestimenta que estão por- mento, eu estava na figura do professor,
tando naquele momento. É essa a pre- e o que eu vou fazer? Como atuar? E aí,
ocupação que vocês têm que ter, mas a eu venho com essa ideia, de uma possí-
partir do momento que vocês desqualifi- vel destituição da autonomia do profes-
cam ou falam que aquilo é coisa de mu- sorado, desse sistema de aula online em
lher, vocês também estão corroborando São Paulo, dado que essas aulas, elas são
com esse estereotipo pautado pelo ma- transmitidas a partir do estúdio e o pro-
chismo, porque tudo que você está falan- fessor deve aprofundar, eu não pude dar
do aí dessa figura masculina, envolvendo essa continuidade nesta temática na ou-
adereços feminino, você está colocando tra semana, porque já tenho um conteú-
esse universo feminino numa situação do estipulado que não foi preparado por
inferior. Então, são duas situações aí que mim, ele chegou de “cima para ­baixo”.
contribuem para esse estereotipo: uma Eu falei rapidamente em uma aula,
a questão do preconceito contra os ho- vocês imaginam o quanto que eu fiquei

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 213 PALESTRA 22


com sede de discutir, imagino que os es- organiza identidades culturais, de gêne-
tudantes também, atribuo também essa ro, identidades raciais, sexuais... (SILVA,
possível destituição de autonomia tan- 2006, p. 27).
to a gestão quanto ao perfil econômico Talvez, se no currículo de São Paulo
dos estudantes, uma vez que essas aulas tivesse uma abertura ou uma temática
eram transmitidas pela tv aberta, então, sobre a semana do orgulho, o aluno te-
qualquer estudante com TV em casa po- ria outras possíveis pergunta, pois já
deria assistir, se eu fosse dar a aula via estaríamos trabalhando na sala de aula,
google meet, eu não sei se os estudantes que esse era o mês que se comemora, o
teriam condições de assistir. No outro mês de vitória da conquista desse gru-
dia, eu volto para a sala de aula com as po. Então, diante dessa perspectiva “[...]
unhas pintadas, eu pinto minhas unhas o currículo não pode ser visto simples-
de preto e vou dar aula com os cabelos mente como um espaço de transmissão
soltos para mostrar que o professor con- de conhecimentos. O currículo está cen-
tinua ali, independente do meu cabelo tralmente envolvido naquilo que somos,
grande ou da minha unha, isso não vai naquilo que nos tornamos, naquilo que
me desqualificar, não desqualifica a mi- nos tornaremos. O currículo produz, o
nha postura, não me deixa com menos currículo nos produz.” (SILVA, 2006, p.
conhecimento. 27). Foi um pouco disso que tentei levar,
E aí eu trago para problematizarmos falar naquele suspiro de aula que se ini-
o professor Luiz Ramires “[...] a escola é ciou a partir da pergunta do estudante.
também o lugar da imposição de modos Aqui, algumas reflexões que eu venho te-
de perceber, pensar, sentir e agir con- cendo na escrita da dissertação, discutir
siderados “apropriados” a cada um dos os direitos humanos em um cosmo que
sexos. A violência simbólica não é vis- banaliza o outro, é uma questão desafia-
ta como tal porque é exercida na forma dora, sobretudo, quando a sala de aula
de “autoridade” que o saber acadêmi- passa a ocupar os espaços de moradia
co e a tomada de decisões conferem a dos estudantes.
professores e dirigentes educacionais” A sala de aula adentrou a casa dos es-
(RAMIRES, 2011, p. 135). Ou seja, a esco- tudantes, ela se encontra em um espaço
la também vai direcionando isso que a de disputa e a gente bem sabe como que
professora Maria Aparecida falou ante- ocorre as conspirações e as fake News,
riormente. Então é o local onde ocorre a então, não tem só o aluno estudando, eu
violência simbólica. costumo dizer que a nossa sala de aula
A escola é esse lugar que molda, e aí se estendeu de tal forma que a família
no papel do professor: Como que a gen- inteira, quando presente no espaço, ela
te vai fazer, vai interferir nesta reali- passa a participar das nossas aulas, vá-
dade? Por meio do currículo? Por meio rias cenas do pai entrar na aula, a mãe,
das ações? Aqui a gente chama Thomaz o tio, o irmão, o cachorro e o periqui-
Tadeu da Silva evocando as teorias do to.... todo mundo participando. Então,
currículo, numa versão pós-crítica “As falar desse sistema acaba se tornando
perspectivas mais recentes ampliam delicado pelas interpretações que vão
essa visão: o currículo também produz e ocorrer.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 214 PALESTRA 22


O ato de pintar a unha no outro dia, (as) alunos (as), mas nunca imerso de for-
quando eu retorno para a aula, é uma for- ma paternalista de modo a começar a fa-
ma de mostrar que eles podem atravessar lar por eles mais do que verdadeiramente
fronteiras socialmente construídas, pois ouvi-los.” (FREIRE, 2014, p. 90).
aquilo que é considerado diferente tam- Tenho partido desta metodologia
bém pode atravessar as fronteiras do cur- tanto na sala de aula quanto o Guilherme
rículo, atravessar as fronteiras de uma es- pesquisador. Essa pergunta é motivado-
cola, de uma história que ainda no século ra. É uma das perguntas centrais da mi-
XXI são tradicionais. E para finalizar essa nha pesquisa. Uma pergunta que vem do
exposição, eu tenho realizado leituras de aluno e, a partir da fala dele, é que eu vou
Paulo Freire e no livro Por uma pedago- fazer essas reflexões. Não sou eu que vou
gia da autonomia, no texto “educando um falar por ele. Acredito que esse é o movi-
educador” ela vai trazer “Tudo isso signi- mento nosso, de professor, abrir as cai-
fica que o educador (a) deve estar imerso xinhas. Encerro minha fala e, mais uma
na experiência histórica e concreta dos vez, agradeço. E vamos aí para o diálogo.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 215 PALESTRA 22


PALESTRA 23

TO
AR OU
M

IA C
APA ZA
R E C I DA D E S O U

A ANTROPOLOGIA E A
EDUCAÇÃO: TENSÕES,
INTERSECÇÕES E DIÁLOGOS1
Ivana de Oliveira Gomes e Silva — Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (2003) e mes-
trado em Antropologia pela Universidade Federal do Pará (2009), Doutora em Geografia pela UNESP- Presidente
Prudente (2013-2017) Realiza pesquisa em Geografia do Trabalho. Atualmente é pesquisadora colaboradora da Uni-
versidade Federal do Pará, pesquisadora da Universidade Federal do Pará e professor adjunto da Universidade Fe-
deral do Pará. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Prática de Ensino, atuando principalmente nos
seguintes temas: educação, educação e sociedade, antropologia, pesquisa em geografia do trabalho e teoria crítica.

O presente texto é fruto de apresen- zar o que nos une no campo das Ciências
tação e debates, oferecidos na Mesa Re- Humanas, dada a proximidade inques-
donda “Fundamentos para a educação e tionável entre educar e refletir acerca da
resistência: Filosofia, Antropologia, His- humanidade e da cultura, na perspectiva
tória e Psicologia em perspectiva, no de- do bem viver.
correr da programação do XII FIPED”. A Conceitualmente, a Antropologia se
exposição oral envolveu comunicações refere ao mundo da cultura, se fazen-
de pesquisas interdisciplinares que ana- do presente em todas as esferas do fa-
lisam a Educação na relação com Dinâ- zer humano, inclusive, na educação. No
micas Territoriais, Memória, Cultura, contexto das divisões das grandes áreas
Identidades e Resistências. científicas, a Antropologia faz parte das
A interface dos estudos das autoras Ciências Humanas, ao lado da Filosofia,
e autores presentes na mesa redonda, Educação, História, Geografia, Psicolo-
envolve os campos da Antropologia, Fi- gia, entre outras. Antropologia, do grego
losofia, História, Psicologia e Geogra- ἄνθρωπος, anthropos, “ser humano”; e λόγος,
fia, articuladas ao campo da Educação, logos, “razão”, “pensamento”, “discurso”,
especificamente ao âmbito do curso de
1 Fundamentos para a Educação e Resistência: Filo-
Pedagogia. Nossa apresentação no XII sofia, História, Antropologia e Psicologia em pers-
FIPED se colocou no sentido de enfati- pectiva. https://streamyard.com/rw3c7ksgck

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 216 PALESTRA 23


“estudo”) é a ciência que tem como objeto Neusa Maria Mendes de Gusmão,
o estudo sobre o ser humano e a huma- pesquisadora que se volta para a relação
nidade de maneira totalizante, ou seja, entre Antropologia e Educação no Brasil,
abrangendo todas as suas dimensões. afirma existir “um campo de confronta-
Presente desde a Antiguidade, seu esta- ção em que a compartimentação do sa-
tuto científico data do século XIX. ber atribui à antropologia a condição de
No âmbito da disciplina Antropolo- ciência e à educação, a condição de prá-
gia, enquanto componente curricular tica” (1997, p. 8). Tal confrontação provo-
nos cursos de Pedagogia no Brasil, há cou uma suposta rivalidade, segundo a
um marco temporal que localiza na dé- autora, na qual “profissionais de ambos
cada de 1970-1980, o início do debate os lados se acusam e se defendem com
e da inclusão da Ciência Antropoló- base em pré-noções, práticas reducio-
gica nos currículos, como referência nistas e muito desconhecimento. Muitas
para as pesquisas educacionais de coisas separam antropólogos e educado-
tipo etnográfico. Nessa história, des- res, mas muitas outras os unem” (idem,
tacaram-se pesqui- ibidem). Neusa Maria
sadoras como Marli Mendes de Gusmão,
André, Neusa Gus- Marli André, Maurí-
mão, entre outras.
A Antropologia se refere cio Rodrigues de Sou-
Marli André, desde
a década de 1970,
ao mundo da cultura, se za, Ana Lúcia Valente
e Ana Luiza Carvalho
dedicou seus estudos
às pesquisas em edu-
fazendo presente em todas da Rocha, são algu-
mas referências na
cação, refinando me-
todologia e métodos.
as esferas do fazer humano, pesquisa acadêmica
brasileira que articu-
Protagonizou uma
carreira fértil até o
inclusive, na educação. lam em seus traba-
lhos os dois campos
ano de 2021. O maior do conhecimento,
destaque para os es- autoras e autores que
tudantes do curso de Pedagogia da mi- estabelecem o desafio de uma discussão
nha geração foi sua obra Etnografia da sobre a questão do respeito à diversi-
Prática Escolar, livro que trata da pes- dade cultural na escola, problematizan-
quisa etnográfica em educação, fazen- do a escola contemporânea e capitalis-
do a aproximação entre os dois campos. ta como uma instituição a serviço das
Intelectual da educação brasileira, Marli ideias capitalistas e homogeneizadoras,
André produziu 111 artigos em periódi- que se impõe em um contexto de enorme
cos, abordando temas como Pesquisa diversidade cultural, no Brasil e em ou-
Qualitativa, Didática, Formação de Pro- tros países ditos “em ­desenvolvimento”.
fessores. Marli André trouxe a Antropo- A Antropologia, como uma, entre as
logia e seus instrumentos de pesquisa outras Ciências Humanas, não opera so-
para o campo da pesquisa educacional, zinha, considerada “filha” da Filosofia,
o seu legado para os acadêmicos de Pe- já estava presente nos debates dos filó-
dagogia é imenso. sofos gregos, nos relatos e descrições

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 217 PALESTRA 23


de viajantes europeus, que registravam partir da constituinte, foram garantidos
suas impressões acerca dos povos que direitos que eram pauta de lutas de di-
conheciam (e atacavam, destruíam). Atu- versos segmentos, excluídos das políti-
almente, a ciência antropológica atua cas públicas no Brasil há séculos, como é
nos mais diversos contextos culturais, o caso dos povos indígenas e das popula-
investiga as culturas ocidentais e orien- ções afrodescendentes.
tais, enfim, globais, mergulhando em A questão do reconhecimento da
suas particularidades, estranhando o diversidade étnico-racial existente no
familiar e buscando interpretar pensa- país passou a ser um campo de lutas re-
mentos dos povos de todo o planeta. conhecido e amparado pela Constitui-
Na atualidade, desde o início do sé- ção Federal, mas as regulamentações
culo XXI, existe um consenso de que o e complementações legais tardaram a
mundo se globalizou, que uma cultu- acontecer, com negociações e disputas
ra de consumo se tornou oficialmente em todo o processo. A construção da LDB
mundializada quando os mercados se na década de 1990 é bem representati-
unificaram, no movimento em que o ca- va dessas disputas, visto que os substi-
pital tenta agarrar e envolver todos os tutivos de Cid Saboia e de Darci Ribeiro
cantos do planeta. Por diversas razões, (antropólogo), apresentavam direções e
diferentes grupos humanos se deslo- princípios bem diferentes, um trazendo
cam incessantemente, e, não obstante, a voz das bases de movimentos sociais, o
o efeito padronizador do capitalismo, outro mesclando o discurso neoliberal à
em diferentes espaços e latitudes. As- tímidos avanços, e, nessa disputa preva-
sim, as particularidades se reafirmam, leceu o texto conservador, apresentado
pois diferentes povos, grupos, regiões e por Ribeiro.
culturas reivindicam um lugar próprio Na sequência das lutas da sociedade
e singular, disputando espaço contra os civil, as leis 10.639 (2003), e depois, a Lei
avanços totalitários do capital, que não 11.645 (2008), trouxeram ao texto da LDB
raro destrói biomas e culturas, na busca a obrigatoriedade de inclusão dos conte-
insaciável por lucro. údos escolares que reconheçam a exis-
A educação, dialeticamente entendi- tência, contribuição e o legado dos povos
da como possibilitadora de conformação indígenas e das populações afrodescen-
e transformação, precisa enfrentar tais dentes na formação do Brasil. Aqui, a
situações e promover o desenvolvimento Antropologia, de forma efetiva, compa-
de perspectivas para o futuro humano. A receu ao currículo da educação básica,
antropologia é, nesse contexto, a ciência enquanto ciência que se volta ao estudo
que trata da interpretação das culturas, das culturas, embora apareçam no tex-
como define Clifford Geertz, portanto, to as disciplinas de história e literatura,
inegavelmente parceira das Ciências da traduzidas como matérias veiculadoras
Educação. preferenciais dos conteúdos relaciona-
No Brasil, a constituição de 1988 trou- dos às culturas que se entrelaçam na
xe esperanças de um amplo processo de formação do Brasil.
democratização aos movimentos sociais Em uma análise ampla do campo
e ao país, pois no texto da lei magna, a educacional, é inegável que a Antropo-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 218 PALESTRA 23


logia contribui, desde a formação inicial mídia, no meio empresarial, criando um
de pedagogas e pedagogos, principal- ambiente de questionamentos raivosos
mente, no que diz respeito a uma apro- e obstáculos à cada direito reconhecido.
ximação do saber/fazer antropológico a Foi nesse ambiente de disputas e narrati-
partir dos recursos teórico-metodológi- vas em oposição, que diversos movimen-
co traduzidos para as pesquisas educa- tos reformistas e uma recém convertida
cionais e práticas pedagógicas. Enten- extrema direita, se aglutinaram e passa-
de-se que o diálogo da Pedagogia com a ram a compor frentes, que visam negar
Antropologia acontece na busca por fon- e suprimir direitos constitucionais, des-
tes diversas e objetos específicos, para figurando a Constituição cidadã, seja no
tratar o fenômeno educacional em situ- âmbito do direito à cidadania universal
ações locais, regionais e com suas pro- ou no campo dos direitos específicos. Um
blemáticas próprias (LIMONTA VIEIRA e exemplo disso é o caso das terras dos po-
BADIA, 2015). vos indígenas e dos quilombolas, seja na
A partir das mudanças na LDB, no diversidade como eixo educativo, ou ain-
âmbito dos currículos dos cursos de for- da nas leis ambientais, alterando-as por
mação docente, nos cursos de pedagogia meio de projetos de leis, atos adminis-
e demais licenciaturas foram incluídas trativos e emendas (PECs), elaboradas
disciplinas de caráter antropológico, com a fúria de quem “passa a boiada” por
para viabilizar a práxis em consonân- sobre o povo brasileiro.
cia com a inclusão da história e culturas Assistimos ao surgimento e avan-
indígenas e afrodescendentes nos cur- ço de movimentos como o “Escola sem
rículos da educação básica. Mesmo aos partido”, cotidianas manifestações de
tropeços, após o reconhecimento legal ódio ao pensamento diverso e à ciência,
extensivo ao currículo, havia a perspec- discursos e ações de racismo e machis-
tiva de mudanças estruturais no quadro mo, mostrando um quadro social e po-
de desigualdades sociais e étnico-ra- lítico que exige a busca do diálogo inter
ciais, pois havia um debate em apro- e transdisciplinar, que seja capaz de re-
fundamento e ações por uma educação cuperar da modernidade, o pensamento
antirracista, da inclusão de indígenas crítico para compreender as proprie-
e negros por meio de cotas nas univer- dades da vida social e resgatar a noção
sidades e no serviço público, provendo de cultura, como noção crítica e engaja-
uma reparação que envolvia educação da, ou seja, que entende a cultura como
em nível superior e oferta de empregos questão política.
condizentes. Por uma dezena de anos, No presente contexto, precisamos
havia uma sinalização de que se conso- reconhecer que há um movimento de
lidariam avanços consistentes nas polí- retrocesso em curso, nas políticas edu-
ticas públicas. cacionais, principalmente, no campo do
Contudo, na sociedade nacional, os currículo, tendo a BNCC na posição de
grupos tradicionalmente dominantes, destaque. Somam-se à Base Nacional
não aceitaram pacificamente as mudan- Comum Curricular, o Novo Ensino Mé-
ças estruturais em curso, agiram por dio (Lei 13.415 de 16.2.2017) que promoveu
meio de seus porta-vozes na política, na alterações radicais na proposta da Lei de

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 219 PALESTRA 23


Diretrizes e Bases (LDB), relativamente a estrutural das famílias dos estudantes,
essa etapa da Educação Básica. entre outros.
A Lei 13.415, decorrente de uma me- Haveria que se entender que o afas-
dida provisória (MP 746/2016), foi ob- tamento de muitos jovens da escola e,
jeto de críticas já a partir dessa origem particularmente, do Ensino Médio, pode
autoritária, a qual provocou inúmeras decorrer da necessidade de contribuir
ocupações de escolas públicas do país para a renda familiar, além de serem
por parte dos alunos nelas matriculados, assediados pelos constantes apelos do
dirigidas tanto à forma quanto ao con- consumo, da mídia e, por extensão, de
teúdo da política educacional propos- integrantes dos grupos sociais a que
ta. Segue sendo implantada em cenário pertencem, a buscarem recursos para
educacional decadente, reduzindo carga satisfazer necessidades próprias à sua
horária das disciplinas fundamentais ao idade e convivência social. A análise an-
desenvolvimento do pensamento crítico, tropológica deixou de comparecer aos
sociologia, filosofia, ciências humanas, estudos dos propositores da reforma.
pilares da democra- Outro passo em
cia cidadã, outrora marcha ré no nível
reconhecidas em sua
importância estraté-
Há um movimento de superior de ensino,
são as resoluções
gica para as políticas
educacionais.
retrocesso em curso, nas que alteram as licen-
ciaturas e formação
A tendência a re-
duzir o acesso às uni-
políticas educacionais, de professores, tais
como a famigerada
versidades também principalmente, no campo Resolução 02/2019.
fica evidente, pois Novamente, se per-
que o “Novo” Ensino do currículo. cebe o ataque aos
Médio indica a for- componentes curri-
mação profissional culares das Ciências
em nível médio, como se trabalhar, em Humanas, e até mesmo ao curso de Pe-
tempos de estudar, fosse uma “escolha” dagogia, com a exigência reducionista
para os adolescentes da classe traba- de formar quadros técnicos “enxutos”,
lhadora. Ao apoiar-se na argumenta- ou seja, formar meros executores do en-
ção da baixa qualidade do Ensino Médio sino, obedientes e passivos. O discurso
ofertado no país, e numa suposta ne- que justificaria tais mudanças, elenca
cessidade de torná-lo atrativo aos alu- termos como qualidade da educação,
nos, em face dos índices de abandono e flexibilização curricular, direitos de
de reprovação. Ocorre que a Lei ignora aprendizagens, passando ao largo das
os contornos socioeconômicos, cultu- questões dos fundamentos históricos,
rais e profissionais determinantes de políticos e sociais da educação nacional.
tal cenário, tais como, a precarização A formação de pedagogas e pedago-
do ensino médio, que apresenta infra- gos, potenciais docentes e gestores da
estrutura sucateada, carreira docente educação básica, passa necessariamen-
defasada, a gravidez precoce, a pobreza te por uma formação cultural bem arti-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 220 PALESTRA 23


culada no âmbito das ciências humanas, sistência na Área de Controle da UHE de
pois a sólida formação teórica, necessá- Belo Monte (PA). Tese. UNESP, 2017.
ria ao exercício profissional, requer fun-
damentos e compromisso político com o GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. “An-
futuro da humanidade. Não há justifica- tropologia, Cultura e Educação na For-
tiva razoável para esvaziar de conteúdos mação de Professores”. Revista Anthro-
filosóficos, historiográficos, antropoló- pológicas, 27(1), 2016.
gicos e psicológicos, os futuros profis-
sionais da educação. Por isso estudamos, Gusmão, Neusa Maria Mendes de. An-
pesquisamos e lutamos. Obrigada. tropologia e educação: Origens de
um diálogo. Cadernos CEDES [onli-
REFERÊNCIAS ne]. 1997, v. 18, n. 43 [Acessado 02 No-
vembro 2020], pp. 8-25. Disponível
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. em: <https://doi.org/10.1590/S0101-
Etnografia da prática escolar. Campi- 32621997000200002>. Epub 03 Maio
nas-SP: Papirus Editora, 1995. 1999. ISSN 1678-7110. https://doi.
org/10.1590/S0101-32621997000200002.
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso
de. Pesquisa em Educação: desafios LIMONTA VIEIRA, K. A.; BADIA, D. D. O
contemporâneos. vol. 1, n.1 – pp. 43-57, ensino de antropologia nos cursos de
2006. Disponível em DOI:http://dx.doi. pedagogia: caminhos para a diversida-
org/10.18675/2177-580X.vol1.n1.p43-57 de. Práxis Educacional, [S. l.], v. 11, n. 20,
p. 247-269, 2015. Disponível em: https://
GOMES E SILVA, Ivana de Oliveira. Con- periodicos2.uesb.br/index.php/praxis/
flitos Territoriais na Amazônia: (Des) article/view/849. Acesso em: 2 abr. 2021.
Identidades do Trabalho e Lutas de Re-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 221 PALESTRA 23


PALESTRA 24

PA U LV A
L O L U C A S D A SI

“A VIDA NÃO VIVE”


Paulo Lucas da Silva — Graduação em Licenciatura Plena em Filosofia (Habilitação para Filosofia e Psicologia, 2°
Grau; e História, 1° e 2° Graus), pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição – FAFIMC (1989,
Viamão, RS); Especialização em Docência do Ensino Superior – UFPA (1998, Altamira, PA); Mestrado em Educação:
Políticas Públicas – UFPA (2001, Belém, PA) e Doutorado em Educação Conhecimento e Inclusão Social FAE/UFMG
(2006, Belo Horizonte, MG). Atualmente é professor efetivo – Associado I – da Universidade Federal do Pará, Campus
Universitário de Castanhal, Pesquisador do CNPq. Tem experiência na área de Filosofia e Educação, com ênfase em
História da Filosofia e Filosofia da Educação, Metodologia e Pesquisa Educacional, Novas Tecnologias e Trabalho Do-
cente, Educação Rural (do Campo), Pedagogia da Alternância e Casas Familiares Rurais, Epistemologia e Educação.

Fundamentos para a Educação e Resis- produto de milhares de reais, por umas


tência: Filosofia, História, Antropologia poucas centenas “de dinheiro”; a repro-
e Psicologia em perspectiva.
dutibilidade técnica tornou os bens de
consumo e luxo acessíveis ao grande
Em uma análise sumária da história
público. Os governos, instigados pela
(da humanidade), nenhum século foi tão
indústria, pelo aumento populacional
produtivo, dinâmico, educativo, belige-
e por movimentos sociais reivindicató-
rante, expandido, moderno, quanto o
rios, multiplicaram as escolas, e estes
século XX. Também se pode afirmar que
estabelecimentos, foram insuficientes,
este século XX foi fruto legítimo dos sé-
necessitando e abrindo mercado para o
culos anteriores, de forma especial, dos
setor privado em educação. As culturas
séculos XVIII e XIX. Os anos 1900 não fo-
locais se fizeram ouvir e o mercado, a
ram tão criativos quanto produtivos. Foi
educação e a ciência se viram obrigados
um tempo de ampliação, materialização
a se dedicar a nichos relegados. No in-
e aperfeiçoamento da cultura desenvol-
terior do próprio século XX, as gerações
vida anteriormente.
se viram como ultrapassadas, frente aos
A produção industrial experimen-
novos aparatos da indústria, da tecnolo-
tou a produção em larga escala, a pon-
gia, da educação, da ideologia.
to de vender ao público consumidor um

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 222 PALESTRA 24


O século XXI, apesar dos seus meros Filosofia. Estas aulas foram transcritas
20% de vigência, dão mostras de que o por alunos, esta, por exemplo, foi mate-
século XX está superado. Com surpresa, rializada por Heidelberg e, Hegel, enal-
pessoas nascidas em 2005, 2010, cha- tecia aquele momento, com as seguintes
marem 2001 de “antigamente”. A poucos palavras:
meses da instalação da internet “5G” no
Brasil, os nascidos em 1960, 1970, 1980, se Com efeito, parece chegado o momento
em que à filosofia é de novo permitido
perguntam: o que é isto que estão falan-
ser objeto da atenção e do amor; esta ci-
do? A humanidade vivencia, se espanta, ência quase emudecida pode novamen-
se questiona, sofre e segue a vida com: te elevar a sua voz e esperar que o mun-
crise da bolsa de valores; desemprego do, que para ela se tornara surdo, se
na indústria; crise na Síria; ECO92, Pro- digne outra vez a prestar-lhe ouvidos. A
urgência da época atribuiu uma impor-
tocolo de Kioto (1997), Tratado de Paris
tância tão grande aos pequenos interes-
(2015, COP21), COP26; pandemia do novo ses da vulgar vida cotidiana, os elevados
coronavírus; queda do avião da celebri- interesses da realidade e as lutas em
dade que vendia shows; corrupção dos torno deles travadas reclamaram de tal
modo todas as potências, toda a força do
governos; ignorância institucionalizada
espírito e os meios externos que, para a
e liberdades legalizadas; fome e exces- vida interior mais elevada, a mais pura
so de produção de alimentos; WhatsApp espiritualidade do sentido não se pode
fora do ar; violência no interior da escola conservar livre e as naturezas mais bem
– que é contra a violência, por natureza; dotadas ficaram prisioneiras de tais in-
teresses e foram em parte por eles sa-
mulheres árabes reivindicando seus di-
crificadas; o espírito do mundo esteve,
reitos de pessoas e de mulheres; femini- de fato, tão ocupado na realidade efetiva
cídio e Lei Maria da Penha; autoprocla- que não conseguiu voltar-se para o inte-
mados religiosos que defendem a vida rior desse mesmo e em si concentrar-se
eternano Céu, acumulando bens terre- . Ora, visto que a torrente da realidade
efetiva sofreu uma interrupção, uma
nos; incentivo ao consumo e cobrança
vez que a nossa nação alemã se arran-
de economia; filhos assassinando pais; cou à rudeza e salvou a sua nacionali-
crime de motorista de carro de luxo con- dade, fundamento de toda a vida viva,
tra pedestres na calçada; necessidade de é-nos lícito esperar que além do Estado,
que absorvera todos os interesses, tam-
comprar o que não se precisa; religiosos
bém a Igreja venha a soergue- se e que,
que amam a vida, matando a vida, para além do reino do mundo, para onde con-
defender sua causa; mãe presa por rou- fluíam até agora os pensamentos e os
bar comida para seus filhos matarem a esforços, se venha de novo a pensar no
fome; democracia e violência; cultura e reino de Deus: por outras palavras, que,
além dos interesses políticos e outros li-
barbárie; negacionismo e programa de
gados a trivial realidade efetiva, floresça
poder... Exagerei e, esta lista, não se en- também de novo a ciência pura, o livre e
cerra nisto. A realidade nos rouba a aten- racional mundo do espírito. [...]
ção, nosso tempo, nosso humor, nossa Aconteceu, assim, que, enquanto na-
vida interior. turezas sólidas se viraram para o prá-
tico, a banalidade e a superficialidade
No século XIX, Hegel retornava à
elevaram uma voz e se difundiram na
Universidade e, em 28 de outubro de filosofia (Grifos originais; HEGEL, 2005,
1816, proferia uma aula sobre História da p. 9. 10).

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 223 PALESTRA 24


O texto de Hegel saúda um tempo Semelhante a Kant, Hegel admite que
novo, como retomada do que foi relega- a cultura é produto da educação. O ser
do. Destaca a “importância tão grande” humano se eleva do mundo da natureza
dada “aos pequenos interesses da vulgar para o mundo do espírito, pela educação.
vida cotidiana”. O autor não está despre- Trata-se do processo do “ser em si” e do
zando a vida prática e os sem números “ser para si”, uma das teorias mais ricas
de apelos que nos tomam – como merca- de Hegel. A educação é o momento de o
do trabalho, economia de mercado, em- sujeito abandonar-se, no para si, como
prego, pagamento de contas, dinheiro um perder-se. É o que Hegel chama de
para comprar alimentos, vaga na escola desensimesmar-se.
para o filho, buracos nas ruas da cidade. No momento do ser em si, a pessoa
– Hegel não despreza isto, e como ide- vive fechada em si, cultivando suas idios-
alista, é tão realista que se pode dizer, sincrasias, veleidades e obtusidades.
tem um respeito admirável, pela reali- Cultiva-se, ensimesmada, carente de in-
dade cotidiana. O que está em jogo é a sumos, se se pode assim dizer. Por este
redução. Redução da vida e das possibi- motivo, o autor admite que a educação é
lidades humanas, em louvor dogmático um processo coletivo, por excelência. O
a um aspecto do viver. A vida humana autodidata é uma situação problemática.
que, após alcançar um patamar elevado A educação, o ser para si, é o momento
de cultura e de perspectivas ainda me- de estranhamento frente ao “não eu”, ou
lhores, se recolheu ao pragmático, ao “do eu fora de mim” em contato com os
fazer. outros “eus”. A riqueza da educação não
A expressão “vulgar”, que tem tom se encontra no processo de sair do ser
pejorativo, em português, tem origem no em si, para o ser para si, mas nisto e no
grego e se diria koiné (koinη), ou comum, retorno do ser para si, ao ser em si, ago-
vulgar, popular. Hegel é conhecedor ra munido de conteúdos, desensimes-
exímio de grego, da língua e da filosofia mado e culturalmente, dialeticamente,
grega. Quando o filósofo alemão se refe- ensimesmado, novamente.
re a “vulgar”, remonta a sua concepção
de humanidade, natureza e cultura, vida O homem, segundo Hegel, está sempre
interagindo com seu meio sendo cons-
prática e vida do espírito. Para Hegel, o
tantemente afetado pela exterioridade.
ser humano nasce como ser natural, mas Com isso o homem pode aceitar tal es-
para se humanizar, as pessoas têm a pos- tímulo como determinante ou negá-lo
sibilidade e necessidade de elevar-se ao como insignificante. Ora, o homem pode
mundo do espírito, ao nível da cultura. reconhecer o que lhe vem de fora e ade-
quá-lo às suas intenções. Hegel entende
Cultivar o corpo, o bem-estar, riquezas e
que a natureza encontra-se enclausu-
o viver, estaria em um plano aquém das rada em determinações que lhe são in-
possibilidades do espírito, em um plano trínsecas e sobre as quais ela não exerce
tão natural que se igualaria, em muito, ação alguma. O homem pode extrapolar
a determinação da necessidade e satis-
aquilo que os demais seres vivos prati-
fação imediatas. Essa abertura do hu-
cam diuturnamente. A vida humana se mano à exterioridade é o que possibilita
humaniza no interior da cultura, na sua a educação, pois aqui reside a relação, o
produção e no cultivo do espírito. espaço da coletividade. De igual modo

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 224 PALESTRA 24


a sociedade torna-se uma realidade pendentes da natureza, como somos de
porque deixa de fundamentar-se sobre nossos pais, avós, bisavós etc.
particularidades exclusivistas (Novelli,
Hegel expõe a dialética entre o prá-
2001, p. 70-71).
tico e o teórico, entre o universal e o
O processo dinâmico de saída e re- particular. A dialética que é diferente de
torno a si não se esgota e nem se esgota dicotomia. Na relação dicotômica o uni-
em si mesmo. As pessoas são influencia- versal está contra o particular; na dialé-
das, “alimentadas” pelo mundo exter- tica ambos estão em processo, de tal
no a si e também fazem parte do mun- forma que um pode assumir a condição
do externo que influencia e alimenta as do outro, sem prejuízo do ser. O avanço
outras pessoas. São “eus” em formação do fazer não poderia significar desprezo
compartilhada, colaborada. A educação, pelo pensar. Por este motivo, a Filosofia
o processo de elevação ao estado do es- esclareceu muito cedo que seres huma-
pírito é o perder-se que se recupera ao nos humanizados não são teóricos ou
formar-se, o perder- práticos. Os humani-
-se que se estrutura, zados, as pessoas em
de forma inovadora e
civilizada.
A educação, o ser para processo de humani-
zação, são práxis, ou
A educação é o
abandono das formas
si, é o momento de seja, teoria e prática;
uma prática coeren-
rústicas, agrestes,
para alcançar e rea-
estranhamento frente ao te com uma teoria,
por certo coerente.
lizar a humanidade “não eu”, ou “do eu fora de (Permito-me citar um
a qual todos os seres professor que afir-
humanos são cha- mim” em contato com os mava: “quem lê, não
mados, pela própria incomoda, ao ler.” E
natureza. Não se tra- outros “eus”. complementava com
ta de negar, destru- o comentário: “quem
tivamente, a nature- faz uma coisa errada,
za, mas de superá-la de forma dialética. pode corrigir, muitas vezes; quem pen-
Todo ser civilizado preservaria a nature- sa algo errado, pode corrigir sempre e
za. Os mal-educados, incivilizados, es- sempre há formas de consertar o pensa-
tes sim, destroem, corrompem, negam e mento equivocado.”
juram que dominam a natureza. O fazer, Talvez devêssemos, como humani-
pragmático e utilitário, lucrativo e ex- dade, renunciar ao fazer e nos dedicar
plorador, destrói a natureza, derrotando ao pensar, ao filosofar. Isto seria bem in-
também a cultura. A superação (Aufhe- teressante, mas se poderia chegar ao ab-
ben) da natureza, em Hegel e na melhor surdo, à inanição. Os feitos da humani-
acepção dialética, tem a ver com o res- dade, da ciência e da indústria, são feitos
peito máximo à natureza, como base, memoráveis e salvaram a existência da
sustentação e necessidade para o que se humanidade, com louvores. A pergunta
vai consolidar: é o respeito à ancestrali- que se pode propor é: A humanidade é,
dade; somos não só herdeiros, como de- hoje, mais feliz, do que nos tempos sem

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 225 PALESTRA 24


ciência, tecnologias e produção de bens, Na sequência os autores reconhecem
como na situação atual? Freud (1992, p. que subestimaram as dificuldades, pois
ainda tinham ‘uma excessiva confiança
682), em texto de 1930, “O mal-estar na
na consciência do momento presente’.
civilização” assim avaliou: O processo civilizatório demonstrava
grande fracasso. A situação de guerra,
Durante as últimas gerações, a huma- os campos de concentração, bombar-
nidade efetuou um progresso extra- deios e assassinatos em massa demons-
ordinário nas ciências naturais e em travam mais do que a insanidade de um
sua aplicação técnica, estabelecendo assassino: era uma tendência da época,
seu controle sobre a natureza de uma gerada no interior e com os recursos da
maneira jamais imaginada. As etapas cultura. As atrocidades caracterizavam
isoladas desse progresso são do conhe- a humanidade e seu processo civiliza-
cimento comum, sendo desnecessário tório. Os ideais da modernidade eram
enumerá-las. Os homens se orgulham escarnecidos com o sangue que escor-
de suas realizações e têm todo direito ria pelas mãos dos seguidores do Füher.
de se orgulharem. Contudo, parecem A barbárie possivelmente não seria
ter observado que o poder recentemen- tão bárbara se não convivesse com um
te adquirido sobre o espaço e o tempo, grande avanço tecnológico e cultural,
a subjugação das forças da natureza, geograficamente situada no “berço da
consecução de um anseio que remon- civilização ocidental”, na Europa. O que
ta a milhares de anos, não aumentou a se pode constatar é alguma proporcio-
quantidade de satisfação prazerosa que nalidade entre o avanço tecnológico e
poderiam esperar da vida e não os tor- cultural e o avanço da barbárie a ponto
nou mais felizes. Reconhecendo esse de serem compatíveis e – sob uma hipó-
fato, devemos contentar-nos em con- tese desanimadora – parece que um não
cluir que o poder sobre a natureza não existiria sem o outro (cf. SILVA, 2006, p.
constitui a única precondição da felici- 65, mimeo).
dade humana, assim como não é o único
objetivo do esforço cultural.
Na estrutura da “Dialética do es-
clarecimento” pode-se perceber – sem
Freud chama a atenção para uma
querer aqui aprofundar esta constata-
riqueza de produções que não geraram
ção sumária – a trajetória dos autores,
mais felicidade. Ele mesmo observa que
ao iniciarem a obra com uma análise do
não se pode tirar o mérito destes feitos
universal e teórico (“Conceito” e “Excur-
todos e a contribuição destas façanhas,
sos”), passando pela análise da estrutu-
para a economia da nossa felicidade. O
ra de dominação do geral sobre o parti-
que lhe causa estranheza é que, apesar
cular, que se converte em massa, como
da pletora tecnológica e material, não
má-universalidade, (“Indústria cultural:
houve aumento da felicidade. Horkhei-
o esclarecimento como mistificação das
mer e Adorno (1985, p. 11), em 1947, escre-
massas), até chegar ao particular e prá-
viam sobre os objetivos da sua “Dialética
tico (“Os elementos do anti-semitismo:
do esclarecimento”: “[...] O que nos pro-
limites do esclarecimento”).
puséramos era, de fato, nada menos do
Em cada “momento”, no entanto, os
que descobrir por que a humanidade, em
autores evitam a exclusividade do uni-
vez de entrar em um estado verdadeira-
versal ou do particular, do teórico ou
mente humano, está se afundando em
do prático: tudo se encontra na mesma
uma nova espécie de barbárie.”
rede dialética da existência. Mas há em

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 226 PALESTRA 24


todo este percurso uma demonstração da, arremendada (de forma lucrativa).
de como o prático, o utilitário e o lucra- Se alguém passa fome, cria-se campa-
tivo assumem as rédeas da humanidade. nhas, auxílios e mutirões para dar uma
A negação do indivíduo, das suas carac- “quentinha”, uma ou duas vezes por ano.
terísticas mais humanas, é o objetivo de Não se está interessado em resolver as
toda a redução do esclarecimento. Os raízes da fome, porque muitos dos bem
autores chegam a escrever, de forma tão feitores seriam desmascarados, mas ao
explícita, quanto trágica: dar restos e sobras de comida, pode-se
até aparecer nas redes sociais como uma
O indivíduo se vê completamente anula- “alma caridosa”. Todos louvam a carida-
do em face dos poderes econômicos. [...]
de, mesmo a de bandidos.
O eu integralmente capturado pela ci-
vilização se reduz a um elemento dessa Se no início da pandemia da Sars
inumanidade, à qual a civilização desde Cov2, o governo no Brasil colocou em
o início procurou escapar. Concretiza- xeque a relação saúde (vida e morte) das
-se assim o mais antigo medo, o medo pessoas versus economia, não foi por
da perda do próprio nome. [...]
mero acaso, nem por ignorância: era
O triunfo das corporações gigantescas
sobre a livre iniciativa empresarial é um programa para matar gente, sob o
decantada pela indústria cultural como argumento falacioso de que a economia
eternidade da livre iniciativa empresa- não podia parar, empregos precisavam
rial. O inimigo que se combate é o inimi- ser preservados. Todos os países ricos e
go que já está derrotado, o sujeito pen-
em desenvolvimento ativaram medidas
sante (HORKHEIMER e ADORNO, 1985,
p. 14; 42; 139-40). de isolamento e distanciamento social,
­lockdown.
O percurso da Dialética do esclareci- O Brasil, apenas sob intervenção ju-
mento, afinal, demonstra o quanto a hu- dicial. Hoje, depois de dois anos de Co-
manidade ansiou por liberdade e poder, vid 19, os países começam a se libertar
sobre a natureza, por meio do esclareci- da pandemia e suas economias apontam
mento, ao mesmo tempo em que gostou boas perspectivas. O Brasil, não, perdeu
do poder, traindo os ideais do iluminis- quase um milhão de vidas (660.000 pes-
mo; admitiu-se um esclarecimento “meia soas vitimadas pela Covid, em números
boca”, utilitário e lucrativo, divertido e oficiais, sob a denúncia de subnotifica-
alienante, ou seja, o modo de produção ções de óbitos, pela União, estados e mu-
capitalista, da sociedade, renunciou ao nicípios), bate recordes de desemprego,
esclarecimento e ao desenvolvimento do fome alastrada e ausência de perspecti-
espírito, bastando a materialidade vul- vas de melhorias, porque este governo
gar da vida quotidiana. não tem um plano de governo, quando
O que precisa ser esclarecido, de muito uma obsessão pelo poder grossei-
forma veemente e fundamentada, é que ro. É um governo criminoso, que pratica
este modo de produção, esta linha de re- a ignorância, de forma alegórica. Des-
produção da sociedade não a reproduz, preza a Filosofia, a Sociologia, a Pedago-
simplesmente; a reproduz, de forma gia. Achincalha a ciência e destrói o que
sofisticada, na direção de sua extinção. há de mais cultural e civilizado no país.
Esta extinção precisa ser escamotea- São seres que não chegaram ao nível do

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 227 PALESTRA 24


espírito, mas descobriram como ganhar definitivamente falsa (HORKHEIMER e
dinheiro e satisfação pessoal e de seus ADORNO, 1973, p. 21).

asseclas, de forma rude e grosseira.


Alguém poderia achar que este go- Nas universidades, há muito se prati-
verno é diferente, porque é criminoso. ca, de forma acanhada, os mesmos prin-
Há quem pense que um governo não re- cípios nefastos que alimentam este go-
presenta quem o elegeu. Há quem admi- verno. Na Universidade Federal do Pará,
ta que este governo é diferente dos go- UFPA, por exemplo, até 1999, o curso de
vernos anteriores. Filosoficamente, há Pedagogia ministrava quatro disciplinas
que se pensar na relação causa e conse- de Filosofia (365 h/a). No Campus Uni-
quência. Em uma perspectiva popular, é versitário de Castanhal, como exemplo,
muito interessante o adágio: a fruta não esta carga horária foi reduzida a 180 h/a:
cai longe do pé. Religiosamente, cabe as- Situação atual, no Campus
Até 1999, na UFPA
severar: quem tem ouvidos, ouça! Este de Castanhal
Introdução à 75 Filosofia (e) da Educa- 60
1 1
governo é apenas uma consequência Filosofia h/a ção I h/a
Filosofia da 90 Filosofia (e) da Educa- 60
do que passou e a apresentação anteci- 2
Educação I h/a
2
ção II h/a
pada de muito mal que há de vir, caso 3
Filosofia da 90 Ética, Estética e 60
Educação II h/a Trabalho pedagógico h/a
a sociedade não retorne ao caminho da Filosofia da 60
4
Educação III h/a
formação cultural, ou como escrevem 315 180
Horkheimer e Adorno, se a ciência não
retornar a interesses corretos. Há exemplos preocupantes da re-
núncia, da Universidade à teoria, que é
[...] a ciência só pode ser algo mais do
que simples duplicação da Realidade no o seu fundamento e sustento existencial.
pensamento se Os cursos de gra-
estiver impreg- duação estão muito
nada de espírito
crítico. Explicar A preocupação do curso de preocupados com a
a realidade sig-
realidade, que muda
nifica sempre Pedagogia em responder a significativa e rapida-
romper o círculo mente, e acabam por
da duplicação.
Crítica não sig-
todas as demandas sociais, formar profissionais
tecnicamente bons,
o torna cada vez mais
nifica, neste caso,
subjetivismo mas mas teoricamente li-
confronto da mitados a demandas
coisa com o seu um curso de formação de “atuais”, pragmáticas.
próprio conceito. A preocupação do
O dado só se ofe-
rece a uma visão
técnicos escolares. curso de Pedagogia
que o considere em responder a todas
sob o aspecto de as demandas sociais,
um verdadeiro interesse, seja de uma o torna cada vez mais um curso de for-
sociedade livre, de um Estado justo ou
mação de técnicos escolares. Historica-
do desenvolvimento da humanidade. E
quem não compara as coisas humanas
mente, tem-se aniquilado a formação
com o que elas querem significar, vê-as teórica, em detrimento de disciplinas
não só de uma forma superficial mas pragmáticas. Em um debate, em cole-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 228 PALESTRA 24


giado de docentes, colocou-se a questão impacto sobre as práticas (ALVES-MAZ-
sobre o que era mais importante: a esté- ZOTTI, 2001, p. 40).

tica, ou a arte. A estética perdeu de 12 a 2.


Durante o curso, discentes de Pedagogia Não se trata de uma constatação: é
costumavam reclamar que o curso era uma constatação alarmante. As boas
muito teórico; quando se formavam e práticas de pesquisa requerem uma si-
iniciavam suas atividades profissionais tuação em que vigorem o espírito culto
em um escola, reclamavam porque, dife- que almeja conhecimentos, debates, in-
rente do que diziam, o curso era muito centivos, avanços. A situação apontada
prático: precisavam de teoria! não corresponde a isto e não está pre-
O que sucumbe não é só a teoria, ou sente em uma universidade, está no Bra-
a dignidade da Universidade: é a pessoa; sil inteiro. (Universidades europeias, em
“O inimigo que se combate é o inimigo muitos casos, tendem a acentuar méto-
que já está derrotado, o sujeito pensan- dos e técnicas positivistas, radicais, que
te” (HORKHEIMER e ADORNO, 1985, p. mais dilaceram o objeto pesquisado, do
140). O sujeito pensante! Alves-Mazzotti que produzem conhecimentos provoca-
(2001, p. 40) já identificava, na virada do dores de outros conhecimentos.).
milênio, problemas da pesquisa acadê- É bastante interessante perceber
mica em duas vertentes: institucional e como são realizados os trabalhos de con-
individual.] clusão de curso nas graduações atual-
Em nível institucional, a pesquisa, a mente. Na maioria dos casos, o trabalho
produção de conhecimento, portanto, versa sobre uma escola, sobre alunos,
estaria comprometida por causa da: “(a) sobre docentes, sobre um problema si-
primazia do ensino sobre a pesquisa [...]; tuado e localizado, que nem chega, ami-
quase ausência de equipes com articula- úde, ao grau de problema científico. São
ção e continuidade suficientes para o es- trabalhos que tem um valor de registro,
tabelecimento de linhas de investigação mas não alcançam o valor de teoria, que
[...]; e (c) falta de apoio das universidades sirva para outras realidades semelhan-
e das agências de fomento do desenvol- tes, em diferentes épocas. Em uma uni-
vimento de pesquisas”. Ao analisar as versidade se desenvolveu a ideia de que
pesquisas, a partir de seus conteúdos, quem realizasse um trabalho de conclu-
Mazzotti ressalta: são de curso com “pesquisa de campo”
(empírica), não precisaria ler livros, tex-
No que se refere às deficiências apon- tos, autores... como se a prática escrita,
tadas nas pesquisas produzidas, desta- descrita, narrada, pudesse significar
cam-se: (a) pobreza teórico-metodoló- ciência. Robson Loureiro escreveu um
gica na abordagem dos temas, com um
texto, cujo título expõe, magistralmen-
grande número de estudos puramente
descritivos e/ou “exploratórios”; (b) pul- te, o espírito acadêmico, hoje: “Aversão
verização e irrelevância dos temas esco- à teoria e indigência da prática: crítica
lhidos; (c) adoção acrítica de modismos a partir da filosofia de Adorno”. Apenas
na seleção de quadros teórico-metodo-
para aguçar a curiosidade, da leitora
lógicos; (d) preocupação com a aplicabi-
lidade imediata dos resultados; e (e) di-
e do leitor, o autor começa narrando a
vulgação restrita dos resultados e pouco saga do bombeiro, cuja função social e

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 229 PALESTRA 24


profissional é a de apagar incêndios, se pp. 39-50. Disponível em: https://doi.
converte, agora em queimar livros, para org/10.1590/S0100-15742001000200002.
que as pessoas não lessem, para não se
entristecer, para não se questionar. FREUD, S. Obras psicológicas: Antolo-
O tema geral da nossa Mesa é “Fun- gia organizada e comentada por Peter
damentos para a Educação e Resistên- Gay. Rio de Janeiro: Imago, 1992. (Psico-
cia: Filosofia, História, Antropologia e logia psicanalítica).
Psicologia em perspectiva” e eu dedi-
quei como título particular: “A vida não HEGEL, G. W. F. Introdução à História
vive”, que é uma das epígrafes do livro: da Filosofia, Trad. Heloisa da Graça Bu-
“Minima moralia: reflexões a partir da rati. São Paulo: Rideel, 2005.
vida danificada”, de Adorno (1992). Escre-
vi ou comecei a escrever “teses” sobre a HORKHEIMER, M. e ADORNO, T. W.
resistência, nestes tempos de ditadura Dialética do esclarecimento: fragmen-
da ignorância criminosa. Guardei as te- tos filosóficos. trad. Guido Antônio de Al-
ses, que já chegavam a quarenta (40), e meida, Rio de Janeiro: Jorge Zaar, 1985.
formulei este manuscrito, para defender
apenas isto: a resistência em Educação LOUREIRO, Robson. Aversão à teoria e
depende do pensamento que esclarece, indigência da prática: crítica a partir da
se autocritica, e que orienta uma prática filosofia de Adorno. IN: Educ. Soc., Cam-
coerente com aquilo que promove a feli- pinas, vol. 28, n. 99, p. 522-541, maio/ago.
cidade de todas as gentes. 2007 Disponível em: https://www.scielo.
À guisa de conclusão, agradeço às br/j/es/a/3HRP8Q3cGbsRhyrdWHxhg-
pessoas que me ouviram, tão generosa- MG/?lang=pt&format=pdf
mente, e externo o meu agradecimento
às professoras Geise, Ivana e Márcia, NOVELLI, Pedro Geraldo. O conceito
cuja presença, em qualquer lugar, signi- de Educação em Hegel. Interface – Co-
fica beleza, esclarecimento, compromis- municação, Saúde, Educação [online].
so e humanidade. Muito obrigado! 2001, v. 5, n. 9 [Acessado 4 de março 2012],
pp. 65-88. Disponível em: https://doi.
REFERÊNCIAS org/10.1590/S1414-32832001000200005.

ADORNO, Th. W. Minima moralia: re- SILVA, P. L. ‘Minima moralia’ e Educa-


flexões a partir da vida danificada. trad. ção: reflexões sobre a formação humana
Luiz Eduardo Bicca, São Paulo: Ática, na educação rural. Belo Horizonte: Fa-
1992. (Temas, vol. 30). culdade de Educação – Universidade Fe-
deral de Minas Gerais (FAE-UFMG). Tese
ALVES-MAZOTTI, Alda Judith. Relevân- de Doutorado, 2006. Disponível em: < ht-
cia e aplicabilidade da pesquisa em edu- tps://repositorio.ufmg.br/handle/1843/
cação. Cadernos de Pesquisa [online]. BUOS-97JK9X/statistics>, acesso em 03
2001, n. 113 [Acessado 26 Abril 2009], de junho de 2020.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 230 PALESTRA 24


PALESTRA 25

MA VA
R CI A R AI
PIR ES S A

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO:
OUTROS SUJEITOS, OUTRAS
HISTÓRIAS E RESISTÊNCIAS
Marcia Pires Saraiva — Graduada em História pela Universidade Federal do Pará (2000) e Mestrado em Planejamen-
to do Desenvolvimento pelo Núcleo de Altos Estudos Amazonicos NAEA- UFPA. Docente na Universidade Federal do
Pará – UFPA campus de Altamira e coordena projetos de pesquisa e extensão voltados para a temática indígena da
região e coordena o Grupo de estudo História, Índios e Desenvolvimento- GEHIND.

MESA REDONDA de História dominante era a concepção


FUNDAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO E positivista e esta concepção tinha a pre-
RESISTENCIA: FILOSOFIA, ANTROPOLOGIA, missa, a partir de teóricos como Leopold
HISTÓRIA E PSICOLOGIA EM PERPECTIVA von Ranke de que “se não há documen-
tos, não há história”.
Bom dia a todos e a todas! Eu vou tra- O conceito de documento assentado
zer para a discussão um pequeno recorte no positivismo era a noção de documen-
do meu referencial teórico e metodológi- to escrito. É por meio do que está escri-
co que estou percorrendo na minha tese to que podemos obter a prova de que o
para o meu doutorado na Faculdade de passado de fato aconteceu, ou seja, do-
Educação, na Universidade de São Paulo cumento como sinônimo de prova e de
– FEUSP/USP, na linha de pesquisa “Cul- verdade histórica. Com esse pensamen-
tura, Filosofia e História da Educação”. to, a concepção positivista elegeu como
Meu objetivo aqui é contribuir com a História, a oficial, a história dos heróis e
formação e com a pesquisa neste cam- importantes acontecimentos baseados
po, situando a minha discussão no cam- nessas fontes escritas como única histó-
po da História da Educação, a partir do ria possível (DOSSE, 2012). Burke (1992, p.
meu recorte teórico – metodológico e a 10) denomina esta concepção como sen-
seleção das fontes. O meu recorte que fiz do a “visão do senso comum da história,
para a tese é da História Cultural. Até a pois é considerado a maneira de se fazer
Segunda Guerra mundial, a concepção história, ao invés de ser percebida como

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 231 PALESTRA 25


uma dentre várias abordagens possíveis res, memorandos, ofícios, leis, e a legis-
do passado”. lação. Daí, os arquivos públicos serem
Este pensamento, na concepção de importantes para preservação de uma
Souza Junior (1988), dominou a histo- certa memória, a memória do Estado, da
riografia até o começo do século XX, no nação.
qual o historiador positivista concentra- Os Annales vão procurar problema-
va suas atenções no “fato singular” ou tizar os documentos passando a vê-los
no “acontecimento” considerado por ele como produto de uma dada sociedade,
como agente criador da mudança. Por esta fabricou esse documento e que,
essa razão, ainda segundo Souza Junior portanto, o mesmo possui um discurso e
(1988), os historiadores positivistas en- ele não pode ser visto como neutro e sim
caram os acontecimentos como sendo imerso em relações de poder. Logo, os
os “fatos históricos” em si, cabendo-lhe procedimentos de pesquisa devem ser
a tarefa de recolhe-los de forma latente, revistos no qual o historiador não pode
transparente, coordena-los numa cadeia apenas extrair a informação que está
linear de causalidade e efeito. A História contida nele, sendo relevante fazer per-
passou-se a atribuir o papel de recons- guntas, formular questões. Os Annales
trução fiel do passado dos homens a vão propor a história-problema: inves-
partir do resgate imparcial dos grandes tigar, contextualizar aquele documento.
fatos que marcaram o caminho da hu- Por exemplo a carta de Caminha é um
manidade (NOVA, 2000). documento emblemático que demarca
No final dos anos vinte, com a Escola uma escrita fundadora para história do
dos Annales, é que o campo historiográ- Brasil.
fico vai passar por um intenso debate, Entretanto, já existia toda uma dinâ-
marcado por reformulações e críticas mica histórica dos povos indígenas no
a concepção positivista, dando início a que hoje chamamos de Brasil. Os Anna-
uma renovação teórica e epistemológi- les vão propor ampliar o conceito de do-
ca na ciência histórica. Burke (1997) ex- cumento restrito aos documentos escri-
pressou o movimento dos Annales como tos. Para os Annales, o documento passa
“a revolução francesa da historiografia” a ser qualquer vestígio deixado pelo
expressando deste modo o impacto que homem, vestígio do passado produzido
essas reflexões teóricas significaram pelo homem, incluindo aí documentos
para o campo da ciência histórica. visuais, orais e materiais. Bloch (2001, p.
Nessa Escola, são marcantes as con- 79) afirma que “a diversidade dos teste-
tribuições de Marc Bloch e Lucien Fe- munhos históricos é quase infinita, sen-
bvre. Uma dessas inovações proposta do que tudo o que o homem diz ou escre-
pelos Annales, é a crítica ao documento ve, tudo que fabrica, tudo que toca pode
escrito como primado para a pesquisa e deve informar sobre ele”.
histórica, uma vez que se era privilegia- Neste sentido, todos os testemunhos
do os documentos de cunho oficial refe- assim como o documento escrito são for-
rentes ao Estado, a política, a diplomacia, mas discursivas de representar o pas-
aos assuntos da guerra, como exemplos, sado. Exemplo: monumentos que fazem
podemos citar as cartas de governado- referência ao período colonial, como

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 232 PALESTRA 25


a estátua do Borba Gato, que procura ou ocasionalmente eclesiásticos. Ao res-
enaltecê-lo como herói, visão esta ques- to da humanidade foi destinado um pa-
pel secundário no drama da história.
tionada no presente por grupos sociais
indígenas e negros, demonstrando que
Assim, se antes era privilegiado a
os documentos não são neutros, e que os
carta do governador, pela perspectiva da
documentos são experiências vividas de
nova história vai se importante as cartas
um tempo histórico e que trazem repre-
de família, os diários que serão fontes
sentações, emoções remetendo para di-
importantes para se trazer, por exem-
mensões subjetivas enfim exprimem um
plo, a história das mulheres, da família,
discurso que deve ser lido como Le Goff
da criança. Le Goff (2011, p.147) define o
(2013, p. 495) assim definiu:
programa da nova história como:
o documento não é qualquer coisa que
fica por conta do passado, é um produto estudo dos homens, de todos os homens,
da sociedade que o fabricou segundo as e não unicamente dos reis e dos grandes
relações de forças que ai detinham o po- homens. História das estruturas, e não
der. Só a análise do documento, enquan- apenas dos acontecimentos. História em
to monumento movimento, história das
permite a memó- evoluções e das transfor-
ria coletiva recu- mações, e não estática,
pera-lo e ao his- Já existia toda uma história-quadro. História
explicativa, e não histó-
toriador usá-lo
cientificamente,
isto é, com pleno
dinâmica histórica dos ria puramente narrativa,
descritiva ou dogmática.
conhecimento de
causa. povos indígenas no que Mas o que que a
Educação tem a ver
Com esse alarga- hoje chamamos de Brasil. com essa discussão?
mento do conceito de A nova perspectiva de
documento, a escrita investigação passou a
da história muda; se antes, pela perspec- se interessar pelos professores, para os
tiva da história positivista se privilegiava pais, os alunos, as escolas, o cotidiano
uma história vista de cima, a história dos escolar, temas esses que não eram ex-
vencedores à nova história, vai trazer plorados pela historiografia positivista.
a história das pessoas comuns. A nova Se interessar pelos sujeitos sociais, suas
história vai trabalhar, segundo Burke experiências, suas práticas, suas visões
(1992), com as opiniões, visões, experi- sobre a educação. Antes, como era a es-
ências das pessoas comuns e com uma crita da história da educação? Se estuda-
história vista de baixo, trazendo outros vam muito, por exemplo, as leis, a polí-
sujeitos para a cena da história. A propó- tica do Estado, as reformas educativas.
sito disso Burke (1992, p.12) explica: Os marcos cronológicos eram marcos
cronológicos oficiais com recortes tem-
a história tradicional oferece uma visão porais muito precisos.
de cima, no sentido de que tem sempre Ao se deslocar para os sujeitos e suas
se concentrado nos grandes feitos dos visões, a história da educação passou a
grandes homens, estadistas, generais
se preocupar como os sujeitos contam a

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 233 PALESTRA 25


história, e nesse sentido, os processos de o aporte teórico da história cultural se-
mudança e permanências são mais com- gundo Cardoso (2011, p. 289) trouxe para
plexos. Uma lei que está no plano formal, a história da educação:
ela leva tempo para ter aderência nas
práticas sociais. Então, a Educação pas- Ampliação dos objetos de pesquisa, das
abordagens, das fontes a serem consul-
sou a ser vista também como um espaço
tadas, bem como do tratamento dessas
de poder, de disputas, em que os sujeitos fontes, oferecendo aos pesquisadores
sociais da educação traduzem as regras (as) a possibilidade de olhares múltiplos
legais, as normas pedagógicas, os orde- sobre os diversos aspectos constituintes
namentos e os imperativos políticos sen- das práticas educativas, revelando di-
mensões antes pouco exploradas, possi-
do importante investigar como isso se
bilitando dar voz aos atores, explicitan-
traduz nas práticas dos sujeitos e como o do sua dinâmica e sua complexidade.
seu cotidiano é organizado a partir dis-
so (VIDAL, 2006). Há uma tensão entre Desta forma, Veiga e Fonseca (2008,
o instituído e o não p.08), tornou-se pos-
instituído, ou seja, as sível:
resistências.
Na concepção de
Ao se deslocar para os problematizar a educa-
ção em diferentes tempos
Lopes e Galvão (2001,
p.40) essa nova con-
sujeitos e suas visões, históricos, em espaço es-
colares ou não, basean-
cepção acerca da
história provocaram
a história da educação do-se em diferentes te-
mas (o corpo, o aluno, a
uma verdadeira revo- passou a se preocupar leitura, as disciplinas es-
colares, a cidade, as ins-
lução na história da
tituições, métodos de
educação enfocando como os sujeitos contam a ensino, estatísticas, ofí-
temas como: cios, materiais escolares,

a cultura e o co-
história. saberes) em diferentes
sujeitos ( a criança, a mu-
tidiano escolares, lher, o negro, o indígena,
a organização e o aluno, o professor, os
o funcionamento interno das escolas, dirigentes escolares), de diferentes fon-
a construção do conhecimento escolar, tes documentais (imprensa, periódicos,
o currículo e as disciplinas, os agentes relatórios, oficiais, correspondências,
educacionais (professores, professoras, manuais escolares, inventários, livros
mas também os alunos, alunas), a im- de leituras, imagens...) em diferentes
prensa pedagógicos, os livros didáticos abordagens teóricos-conceituais.
etc.
A nova História, ela vai abrir um
E, fundamentalmente, revisitando campo de possibilidades investigativas
temas com novos olhares e novas ques- passando a explorar outros tipos de do-
tões. A História da Educação se preocu- cumentos: a cultura material da escola
pava com a normatividade, com o que como a lousa, os cadernos escolares, os
deve ser, que era o conjunto das normas livros, os uniformes, os moveis, a mobí-
legais ou administrativas que regulavam lia tudo isso são documentos que falam
o campo educacional. Deste modo, sob sobre a identidade da escola. Katiene

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 234 PALESTRA 25


Silva (2018), por exemplo, fez um estu- trazer a superfície a história da es-
do sobre o uso dos uniformes escolares cola, com os seus sujeitos sociais, nós
na expansão da escola pública em São temos que buscar ser criativos. Para
Paulo, interrogando o que significou es- trazer as vozes desses sujeitos, temos
ses usos o que isso diz sobre a educação que buscar as fontes. Muitas vezes,
naquela época; Fiscarelle e Souza (2007) pela ótica da documentação oficial,
investigaram os troféus e as medalhas os professores são denominados de
de uma escola estadual Bento Abreu, de- incompetentes, de vagabundos e isso
monstrando os significados desses ob- contribui para uma desvalorização
jetos para esta escola e para os sujeitos do trabalho do professor, sendo im-
da escola. Outro tipo de fontes que po- portante a gente trazer as suas pers-
demos destacar são as fotografias esco- pectivas, as suas lutas, o seu trabalho,
lares como um tipo de documento que como afirma Franco (2001) trazer a
possibilita analisar a disposição da sala luz pessoas e experiências históri-
de aula, os bancos, se eram coletivos ou cas que ainda não forma registradas.
individuais, os materiais didáticos pre- Deste modo, para investigar a história
sentes na imagem, tudo são discursos da escola, busco outras pistas como as
sobre a educação de um determinado fontes orais, as fotografias e elemen-
tempo histórico. tos da cultura material da escola. Es-
Esses documentos permitem reve- ses documentos são o que me permite
lar o que não está dito nos documentos investigar a história desta escola com
oficiais, escritos, por exemplo, ou que as poucas evidencias de caráter oficial e
pessoas não querem dizer. A nova His- fontes escritas.
tória da educação vai trazer as histórias Espero ter conseguido convidar a
que estão soterradas sendo importan- quem está nos assistindo a enveredar
te escavar trazer à tona essas histórias, pela pesquisa histórica em/na Educação.
esses sujeitos sociais, as resistências. Obrigada!
No meu caso, que estou pesquisando a
história de uma escola indígena, muito REFERENCIAS
pouco documentos escritos tem sobre a
escola. A própria ausência de documen- BLOCH, Marc. A história, os homens e
tos oficiais sobre a escola mostra a invi- o tempo. In: Apologia da História ou
sibilidade dessas escolas para o Estado, o ofício de historiador. Rio de Janeiro:
era como se ela não existisse do ponto ZAHAR, 2001, p. 51- 60.
de vista oficial e elas continuaria sem
existir pela perspectiva positivista. Juliá BURKE, Peter (Org.). A Escrita da Histó-
(2001) diz que o historiador tem que sa- ria: Novas Perspectivas. São Paulo: Edi-
ber fazer flecha com qualquer madeira, tora UNESP, 1992.
ou seja, temos que ir em busca, construir
nossos instrumentos de trabalho como CARDOSO, Mauricio E. Por uma Histó-
já ensinava Bloch. ria cultural da educação: possibilidades
Que escola é essa que o poder ins- e abordagens. Cadernos de História da
tituído quer tanto esconder então, Educação v. 10, n.2, jul/dez, 2011, p. 282-302.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 235 PALESTRA 25


DOSSE, François. História do tempo pre- NOVA, Cristiane. A “história” diante dos
sente e historiografia Tempo e Argu- desafios imagéticos. Projeto História, nº
mento. Florianópolis, v. 4, n. 1 p. 05 – 22, 21, 2000, p.141-162.
jan/jun. 2012.
SILVA, Katiene. Criança calçada, crian-
FISCARELLE, Rosilene de Oliveira e ça sadia! Os uniformes no período de
SOUZA, Rosa Fátima. Símbolos da exce- expansão da Escola pública paulista. São
lência escolar: história e memória da es- Paulo: Editora: Appris, 2018.
cola pública inscrita nos troféus. RBHE,
n. 14 – maio-agosto, 2007, p.68-95. SOUZA JUNIOR, José A. A “Escola Fran-
cesa” ou “Escola dos Annales”. Cadernos
JULIA, Dominique. A cultura escolar de Filosofia e Ciências Humanas, UFPA,
como objeto histórico. Revista Brasilei- Belém, nº 17, 1988, p. 67-88.
ra de História da Educação. Editora Au-
tores Associados: Campinas: São Paulo, VEIGA, Cynthia; FONSECA, Thais. Apre-
n.1, 2001, p.09-40. sentação. In: VEIGA, Cynthia; FONSECA,
Thais (Orgs). História e historiografia
Le GOFF, Jacques. Documento/monu- da Educação no Brasil. Belo Horizonte:
mento. In: História e memória. Campi- Autentica, 2008).
nas São Paulo editora Unicamp, 2013.
LOPES, E, Marta Teixeira; GALVÃO, A. VIDAL, Diana. Cultura e práticas esco-
Maria de Oliveira. História da Educa- lares: a escola pública brasileira como
ção. Rio de Janeiro, DP&A, 2001. objeto de pesquisa. História da educação:
ediciones Universidade de Salamanca,
25, 2006, p.153-171.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 236 PALESTRA 25


PALESTRA 26

S
IAN ZE
Y BE NE
S S A S I LV A M E

AP IR ES
ARE OP
CID A CA R N EIR

A FORMAÇÃO SENSÍVEL
DA INFÂNCIA: RELATOS DA
PANDEMIA
Iany Bessa Silva Menezes — *Doutoranda em Educação(UFC). Mestre em Educação (UECE). Licenciada em Pedago-
gia; Especialista em Arte Educação, Psicopedagogia; Tecnologia da Educação. Habilitada em Gestão Educacional;
Educação Infantil; Vídeo Aulas e Mediação em Ambientes Virtuais Aprendizagem. Profa. da Educação presencial e à
distância e Formadora do Curso de Pedagogia UAB/SATE/UECE.

Aparecida Carneiro Pires — Mestre em Educação (UFU); Dra em Educação (UFBA); Pós doutoramento em Educação
(UFRGS).

MESA-REDONDA outras instituições na educação à dis-


A EDUCAÇÃO INFANTIL: SABERES E tância. Fizemos um recorte, enfatizando
EXPERIÊNCIAS NO ENSINO REMOTO a pesquisa de doutorado em educação da
professora Iany e um curso que a mes-
Neste texto relataremos um pou- ma ofereceu, pautado em uma formação
co da experiência que tivemos ao longo mais sensível dos/as professores/as que
desse período da pandemia do Covid-19, atendem crianças.
com alunos/as da educação e da peda- Desse modo, abordaremos um pouco
gogia, da UAB/UECE e UFCG que são dessa necessidade que temos de com-
espaços onde atuamos/a, bem como em preender essa formação de professores

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 237 PALESTRA 26


de criança, em tempos de pandemia, pois um entendimento melhor, de como atuar
somos docentes que atuamos na forma- com essas crianças. Os/as professores/
ção de professores/as e observamos que as precisariam realmente ter uma for-
não foi fácil sair do presencial com as mação mais sensível. Qual foi o nosso
crianças e entrar na tela do computador cenário?
e fazer uma aula para crianças online. Essa cultura digital, essa construção
Então, pensando que é necessário a de novos conhecimentos para alunos
gente reconhecer essa necessidade, uma e professores da pedagogia, nós tive-
formação mais sensível para atuar com mos duas turmas das quais nós fizemos
as crianças no ensino remoto. Isso não muitas reuniões, formação, porque eles
foi fácil como é para os adultos, nós te- também estavam fazendo parte de dis-
mos com os adultos um feedback rápido, ciplinas de Arte Educação, de Educação
já com as crianças esse feedback até que Infantil, enfim, a coordenação do curso
não é tão rápido assim, porque a gente autorizou perfeitamente essa pesquisa
precisa da família também para nos aju- e trazemos só um relato porque isso vai
dar nesse ensino. Ficamos muito sensi- entrar em uma pesquisa maior.
bilizadas com os professores/as e com Um novo momento é essa sociedade
os/as alunos/as da pedagogia, que são em rede, nós temos muitas informações,
professores/as e que já estão atuando, temos que desenvolver competências
mesmo sem ter a formação, em peque- além daquelas que nós já precisamos
nas escolas, e tiveram que garantir o seu para desenvolver as aulas, tanto no pre-
trabalho, tiveram que garantir seu sus- sencial quanto no remoto, nós temos po-
tento fazendo essas formações. tenciais mudanças em todas as esferas
Para coletar essas informações, além da sociedade e isso implica demais no
das aulas, utilizamos muitas reuniões professor. Cada meio de comunicação
online para conversarmos com os/as traz consigo um ciclo cultural que lhe
alunos/as sobre a relevância desta for- é próprio. A pandemia nos impeliu de
mação. Assim, vendo ao longo do tem- entrar cada vez mais nessa cybercultu-
po que eles/as iam tendo cada dia mais ra, na cultura digital, nessa cultura das
a necessidade de pesquisar, de entender tecnologias, das redes. Isso nos implica
como é que as crianças poderiam enten- também, nos traz uma formação para
der melhor aquilo, na verdade, se quer além da formação acadêmica teórica,
passar na prática com as crianças, por- são novas demandas na educação, um
que as crianças aprendem de uma forma novo perfil de professor, e uma forma-
muito concreta, e de repente a gente na ção mais sensível pode auxiliar esse pro-
tela do computador. fessor a esse novo perfil.
No relatório produzido pela Unicef, Temos também as potencialidades e
verificamos 137 milhões de crianças e os desafios do whatsapp usados como
adolescentes na América Latina, seus uma ferramenta instantânea de comu-
processos educacionais sendo pausa- nicação. O AVA vai permitir enviar as
dos, o que foi muito gritante no período atividades, fóruns e também promover
da pandemia. Isso nos deixou além de diálogos nesses fóruns, precisariam ser
uma necessidade imensa de passar para ativos, tanto professores quanto alunos,

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 238 PALESTRA 26


o diálogo é quase que síncrono, nós sa- formar para entender essa presenciali-
bemos que no AVA o diálogo não é assín- dade que a gente tem que ocupar na tela
crono. Precisamos também das reuniões do ­computador.
do ensino remoto da UAB-UECE para E a escola é importante a presença
favorecer essa sensibilidade. Aí eu per- de todos/todas, nesse momento do afas-
gunto a vocês: Quais são as nossas refe- tamento social. A gente precisa ler essa
rências? Porque para estar no AVA, para sociedade e entender toda essa sensi-
estar no ensino virtual, para ter uma for- bilidade de uma forma em que a gente
mação mais sensível, nós temos todo um também se coloque enquanto professor,
arcabouço de teorias que vão nos dando entender as novas necessidades e ter
habilidades e competências, mas o que essa implicação necessária para esse
nos toca na nossa sensibilidade e quais ensino remoto. Tivemos muitas oficinas
são as nossas referências? As brincadei- com professores, com gestores, consul-
ras, a nossa relação com a natureza, da tores, com tutores de como enfrentar
nossa relação com o fazer artístico com esses desafios que a pandemia nos trou-
a criação, então tudo isso precisou ser xe. planejando encontros virtuais, orien-
aflorado nessa formação. tações, etc. São problemas que partem
Eu queria que vocês ficassem pen- do pedagógico, mas trazem as questões
sando, o que é ser um professor media- emocionais muito presentes porque nós
dor de conhecimentos e cuidados? Qual perdemos alunos/as e professores/as. É
é o lugar da docência hoje? Não é mais importante destacar que nós educado-
só o ensinar e aprender, mas é fortalecer res/as fomos bravos/as guerreiros/as,
essa identidade, saber que lugar a gente desse cuidado com os alunos em forma-
ocupa, ser esse porta-voz do esperançar ção então nós tivemos a oficina: A crian-
tão tocado por Paulo Freire, e eu também ça que há em você. Puderam fazer essas
trago essa citação do Nóvoa, que diz as- pazes com as crianças interiores e pen-
sim “temos que nos apropriarmos e re- sar quem está do outro lado, esse sujeito
corrermos a tudo que pudermos para criança.
não nos afastarmos do nosso propósito Dessa forma, os/as professores/as
que é ensinar”. e alunos/as relataram que era necessá-
Logo, precisamos a partir das nos- rio momento assim como esse, nós tive-
sas referências despertar e formar essa mos na oficina: ao sabor do vento forte,
sensibilidade em nós mesmos, para não em que nós colocamos direcionamen-
estar na tela só trazendo conteúdos, tos para o nosso plano de vida toda, nós
práticas e formas dos estudantes apren- pensamos muitas coisas, os professo-
derem em alguma coisa, seja crianças res relataram para uma produção desse
da educação básica, sejam crianças da material mais reflexivo. Foi um momen-
Educação infantil, nós precisamos nos to também para redefinição dos nossos
identificarmos docentes, precisamos planos, dos planos dos nossos alunos da
trazer essas questões, inventar essas UAB, isso foi muito importante. Tivemos
maneiras de estar presente, de estar também a oficina “Arte Educação”, pro-
presente na tela. E o que a gente pode fa- fessores foram trazendo relatos que a
zer? Nós precisamos mudar e nos trans- arte educação tem tentado driblar todas

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 239 PALESTRA 26


essas adversidades que são muitas, para está aprisionado na cadeira, que a gen-
fazer desse espaço/tempo lugar de en- te está tão ligada na tela do computador.
contros e de reflexões com os estudan- São momentos assim que a gente talvez
tes sobre a verdadeira educação que nós não consiga fazer no remoto, mas que
queremos, o que nós queremos como gente já consegue trazer nas reuniões de
educadores, como é que nós podemos planejamento, para entrada das crian-
estar presentes no mundo. ças na escola depois da pandemia.
Portanto, nessa produção da arte-e- Na próxima tela nós vamos ver um
ducação, foram muitos momentos assim pouco desse desafio dos professores,
e muita sensibilidade com os alunos da que é a presencialidade, o que é uma for-
UAB. Conseguimos fazer do outro lado mação reflexiva, o que é tentar manter-
da tela, a partir de materiais que os pro- -se vivo na dimensão da formação, estar
fessores e alunos tinham em casa, mui- presente não se aquela formação que só
tas oficinas para que eles se colocassem anota, que só assiste, mas aquela for-
empaticamente no lugar das crianças, e mação que se coloca em empaticamente
entender que propos- que se pensa no su-
tas nós poderíamos jeito criança. Então,
fazer, de forma a não regressar para poder
atingir só as crianças,
O que é ser um regressar para a es-
mas também atingir
a família. O João dos
professor mediador cola, com essa ressig-
nificação da escola, as
Santos, que é esse
autor que eu estou
de conhecimentos e nossas práticas peda-
gógicas, educativas
estudando no douto-
rado, ele fala da famí-
cuidados? Qual é o lugar da para as crianças e
você sempre esse su-
lia alargada que são
para além dos pais,
docência hoje? porte para os nossos
alunos, então, a for-
tios, padrinhos, a se- mação mais sensível,
cretária que fica com ela diz que nós somos
a criança. Então, é importante essa for- somatório de todas as nossas experiên-
mação mais sensível para que essas pes- cias, nós somos o que essas experiências
soas que estão com as crianças possam nos formam, pelas nossas necessidades
realmente entender tudo de uma forma e pelo que nós entendemos da Educação
mais afetiva. como sujeitos.
Quando as formações elas voltam Como conclusão desse momento
para a escola, é necessário que se faça a que é só uma parte, a formação de pro-
formação brincante também para além fessores, ela é muito acadêmica, muito
do currículo da educação infantil, até teórica, ela tem pouca vivência. Então, é
porque o brincar ele vai permear todo necessário fazer as pazes com essa nos-
esse currículo da educação infantil. Vo- sa criança sensível, antes do trabalho,
cês estão vendo aí os professores fa- com as crianças, os professores neces-
zendo algumas brincadeiras, como isso sitam aprender a desenvolver proce-
é importante no tempo em que o corpo dimentos sensíveis, práticas, aprender

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 240 PALESTRA 26


sobre as novas tecnologias e aliar as ele pode realizar. Eu tinha muitas falas
tecnologias, a ludicidade. Oferecer uma de muitos professores formados, como
formação em tempo de pandemia, uma eu trouxe para vocês aquelas três pro-
formação sensível é uma condição a fessoras lá brincando, é se colocar nesse
qual nós não produzimos sensibilida- disposto lúdico tão proposto por Huizin-
de empatia e experiências e favoreçam ga, que ele fala: o sujeito, ele precisa de-
a alegria desse momento, porque nós senvolver, está aberto a essa ludicidade,
também precisamos nos alegrar, pre- ir para ponta do lápis mesmo, não existe
cisamos superar isso tudo, e pensar nada que a gente faça sem um bom pla-
nessa formação que, mesmo pela tela, nejamento.
precisa ser mais afetiva, ela precisa ser Pensar nisso, eu queria falar um
mais empática. pouco no estudo que eu fiz aqui sobre a
Como realizar o trabalho lúdico em formação de professores, ele parte jus-
aulas remotas? O professor tem que ter tamente do que eu observei sobre o que
esse disposto lúdico, tem que ter essa as professoras Conceição e Marilete
vontade, se planejar, se fundamentar. colocaram da importância de esse brin-
Depois, ele precisa envolver a família e car, brincar livre, desse brincar com
trazer uma proposta prática em que a outro, desse brincar nos espaços, desse
família também se brincar estruturado,
envolva, ou a mãe, o desse brincar nas
pai, a secretária ou a
irmã mais velha. En-
Como realizar o trabalho praças, nos espaços.
Os/as professores/as
tenda, a gente não faz lúdico em aulas remotas? precisam desse brin-
o trabalho sozinha car, eles precisam se
quando a gente está sentir disposto nesse
no remoto e trazer bem na prática mes- brincar e essa minha pesquisa, ela vem
mo, colocar a tela na frente da ação que desde a graduação, fiz isso na gradua-
a gente quer fazer, ou seja, do brinque- ção, pensei nos brinquedos, depois eu
do, de um jogo e fazer mesmo. Aprender pensei como os professores brincavam
fazendo, fazer fazendo porque, se a gen- nas minhas especializações, e em todas
te não se lança, a gente nunca consegue elas eu fui puxando esse recorte. No
fazer esse trabalho lúdico, por isso, que mestrado, foi as formações dos profes-
na minha fala eu falo dessa necessidade sores em arte, porque a gente chegava
do professor ter esse disposto, ele pegar nas escolas e via aquelas exposições
um planejamento, ele fazer pesquisas dos iguais o mesmo sol, o mesmo pa-
sobre atividades lúdicas, coisas que ele lhaço, e cadê a criança por trás desses
poderia realizar em sala de aula e que desenhos?

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 241 PALESTRA 26


PALESTRA 27

PEDR EZ
O G O N Z ÁL

FORMAÇÃO INICIAL: OBJETIVO


E RESULTADOS, DESEJOS E
REALIDADES
Pedro González — Professor aposentado da Universidade de Açores/PT e Articulador de relações internacionais da
Associação Internacional de Pesquisa na Graduação em Pedagogia – AINPGP.

— Bom dia a todos! Bom dia, Marcelo! mento, estou aposentado, mas conti-
Bom dia, Tânia! Bom dia, Laryssa! Bom nuo implicado, de diferentes maneiras,
dia ao público que está participando. em diversos projetos da universidade,
— Uma palavra de reconhecimento e quando os colegas brasileiros se lem-
e agradecimento ao Marcelo e à Tânia bram de mim, aceito com muito agrado
pelo convite a participar neste even- os desafios feitos neste âmbito.
to. Eu sou um dos antigos participantes O tema que tratamos nesta mesa é
do FIPED, já desde o primeiro, de 2008. candente e urgentemente atual: A For-
Logo a seguir, organizamos em Portu- mação Inicial de Professores.
gal, em 2009, o primeiro FIPED fora do O meu grande investimento durante
Brasil. Em Portugal, dissemos que fomos toda a minha vida profissional tem sido
evoluindo e organizamos na sequência na formação de professores. Nesta linha
do FIPED, um evento mais abrangente, queria focar a minha intervenção em três
quanto ao público participante, ao qual grandes aspetos. Três grandes pergun-
denominamos JOvens INvestigadores, tas, não sei se chego a responder, mas
JOIN, que teve seguimento no Brasil e aproveitamos o momento para questio-
espero que continue. É, de alguma ma- narmos e refletirmos em ­conjunto:
neira, um filho brasileiro, ou um retorno — Os professores formados na univer-
às origens desta proposta de iniciação à sidade marcam a diferença nas ­escolas?
investigação. — O aproveitamento dos alunos me-
— Nos últimos 20 anos, fui docente lhorou com a chegada de professores
na Universidade dos Açores. Neste mo- formados nas universidades?

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 242 PALESTRA 27


— O conceito de professor é constru- questões, um primeiro aspecto a consi-
ído na universidade? derar é aproximar-nos a um esboço de
Em Portugal, a formação inicial de caracterização do perfil dos professores
docentes dos primeiros ciclos de ensi- de hoje em Portugal. Tendo em conta a
no básico, a partir da segunda metade minha experiência de trabalho e o con-
da década de 80, passou a ter lugar em tato com docentes brasileiros, penso
escolas superiores de institutos politéc- que existem diferenças significativas na
nicos, propositadamente criadas para o evolução das exigências de formação,
efeito. Também algumas universidades como no contexto onde desenvolvem
se implicaram nessa formação inicial. o seu quotidiano profissional, entre os
Pouco tempo depois, o nível de licencia- dois países. Estas comparações ajudam-
tura se tornou obrigatório para estes ní- -nos a tomarmos consciência de aspec-
veis de ensino. A questão inevitável que tos que poderiam passar despercebidos
surge, neste contexto é, se existe alguma em análises isoladas. Ontem, assistindo
diferença positiva pelo facto de esta for- a um programa na televisão, um jovem
mação passar a ser feita em instituições de 32 anos, professor de Filosofia, efeti-
de ensino superior. O aproveitamento vo numa escola em Portugal, era apre-
dos alunos melhorou sentado como per-
como resultado dessa tencendo a esse um
mudança na forma- — Os professores formados por cento de profes-
ção dos docentes? sores com idade infe-
Paralelamente, na universidade marcam a rior a 35 anos efetivo
emerge outra ques- nas escolas. O resto
tão importante que diferença nas escolas? de professores supe-
se relaciona com o ra os 50 e 60 anos.
conceito de professor A universidade de
que é construído neste contexto do ensi- onde venho, a dos Açores, também pa-
no superior. Qual o conceito de profes- dece deste problema de envelhecimento
sor e onde é construído? É construído no do pessoal docente. Na minha faculdade,
Ensino Superior ou nas escolas onde os os últimos professores que ingressaram
docentes desenvolvem o seu cotidiano foi há 20 anos. Além deste aspeto etário,
profissional? Qual é, se existe, o diálogo outra característica predominante é a
destes dois âmbitos, ensino superior e a feminização da profissão, principalmen-
escola de todos os dias, nesta construção te, nos primeiros níveis de ensino, e vai
do conceito de professor? Como enten- diminuindo para, no ensino superior,
demos o papel de professor hoje? É al- ser predominante a presença masculina.
guém que transmite conteúdo ou é mais O domínio do patriarcado é uma questão
na perspectiva de Paulo Freire? Ou na para ser analisada com mais cuidado, já
perspectiva de Piaget? Defende-se um que em muitas escolas de diversos níveis
papel de professor para além de mero de ensino, apesar da feminização, os lu-
transmissor de ­conteúdos? gares de chefia são exercidos por ele-
Na procura de fazer uma contex- mentos masculinos. Da minha experiên-
tualização e tratar de responder estas cia na universidade, desde que estou em

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 243 PALESTRA 27


Portugal, no ensino superior desde 1987, perior. A grande questão que podemos
mais de noventa por cento dos meus alu- colocar no âmbito universitário é que
nos, o curso de professor em que se ins- instrumentos construímos ou ajudamos
creviam não era a sua primeira escolha. a construir, para que estes futuros pro-
Um dado significativo publicado num fessores possam intervir para alterar ou
jornal há pouco tempo, é que a percen- melhorar a realidade.
tagem de jovens que escolhe áreas rela- Ao longo destes anos de trabalho
cionadas com a educação é inferior com- conjunto com algumas universidades
parativamente com anos anteriores. Os e colegas brasileiros, não deixa de me
estudantes escolhem a opção de forma- surpreender o facto de me encontrar
ção de professores por resignação, pois com jovens estudantes universitários,
estão conscientes que não vão conseguir no Brasil, com uma consciência políti-
ingressar no curso que pretendiam. Por ca consistente e sólida muito capazes
outro lado, e poderíamos considerar de verbalizar fundamentadamente os
como um aspecto positivo, é que gran- seus princípios e objetivos sociais, polí-
de percentagem destes alunos inscritos ticos e educacionais. Pergunto-me, por
na formação de professores é a primeira isso, de que maneira que estes estudan-
geração de universi- tes, futuros docentes,
tários da sua família. irão traduzir essas
É a primeira geração Encontrei, muitas ideias numa orga-
que consegue ingres- nização pedagógica
sar na universidade,
vezes, alunos muito que altere e melhore
o que é positivo. Po-
deríamos entender
entusiasmados em mudar a a escola do nosso dia
a dia com consequ-
que estes dados in-
dicam que há evolu-
escola. ências positivas nas
aprendizagens dos
ção social, ao mesmo seus alunos. Confio
tempo, não podemos deixar de ter em que possam ter uma relação diferente e
conta os dados acima referidos que rela- melhor com os seus alunos por que tem
cionam a sua origem socioeconómica e uma proximidade etária com as crian-
a escolha de cursos de formação de pro- ças, adolescentes e primeira juventude.
fessores. Por que tem ou podem ter uma perspec-
Na minha experiência profissional tiva emancipadora e de valorização das
encontrei, muitas vezes, alunos muito diferenças graças a sua formação. Por
entusiasmados em mudar a escola e, ob- que, em princípio, não estarão “contami-
viamente, na sua perspectiva de jovens, nados” por uma cultura, tanto da escola
mudar também o mundo, o que achava como da profissão de professor, que po-
muito positivo. Estes alunos costuma- derá ser menos favorável a estes valores
vam verbalizar que “a escola não é como sociais e emancipatórios.
nos apresentam na universidade”. Isso De qualquer maneira, esta possível
poderia indiciar um divórcio entre a es- melhor relação e formação poderá não
cola que estes alunos viveram e viven- se traduzir numa organização do tra-
ciaram, e a que é teorizada no ensino su- balho de aprender que tenha em conta a

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 244 PALESTRA 27


todos os alunos, que fomente alguns va- tes, futuros professores, que egressam do
lores relativamente consensuais como a ensino superior, têm que se inserir numa
cooperação, solidariedade, autonomia, cultura pedagógica e profissional muito
atenção ao diverso, etc. A força da cultu- forte da escola, que determina, ou pelo
ra da escola “tradicional” torce vontades menos, condiciona fortemente o como
destes jovens professores, com o intuito vão trabalhar. Apesar de sua formação
de continuar a reproduzir formas de or- inicial e da existência de alguma margem
ganizar as atividades de aprendizagens de manobra, estes novos professores não
dos alunos muito transmissivas e crian- têm, às vezes, nem a experiência, nem a
do dependências. característica de maturidade suficien-
Este contexto pandémico veio ques- te para contestar essa cultura da escola.
tionar a crença na onipotência das tec- Os jovens professores, como qualquer
nologias, ao mesmo tempo que a escola um de nós, quando queremos nos inserir
de sempre melhorou a sua cotação aos num grupo, temos que procurar coinci-
olhos da sociedade, não pelo que fez, mas dir ou conciliar com essa cultura onde
porque sentiram a sua falta. Apesar de se vive. Ao entrarmos num grupo, é di-
reconhecermos a imensa ajuda que pro- fícil ou mesmo impossível, mudar a cul-
porcionaram as tecnologias para man- tura do mesmo, especialmente, quando
ter a comunicação entre a escola e os somos muito jovens. Temos que ter em
alunos, estas eram insuficientes, sem a conta esta situação quando falamos dos
mediação do professor. O ensino domés- problemas da formação inicial e das con-
tico (home schooling) tem o seu valor, sequências na escola.
mas nesta situação de pandemia, a esco- É esta cultura de escola que chamo
la de todos os dias adquiriu outro valor, de pedagogia burocrática. Giroux fala de
e sairá, tanto a escola como o papel do uma pedagogia baseada na função, do
professor, mais valorizada, mesmo que funcionalismo, da burocracia em última
seja pelo valor da sua mera existência. instância. Esta cultura também é con-
Outra caraterística do perfil da esco- sequência das políticas neoliberais que
la e do professor em Portugal é relativa procuram de diversas formas, “otimizar,
ao número de alunos por turmas. Gradu- tornar “eficiente” a escola, na perspecti-
almente, e ao longo dos anos, as turmas va da economia. Outra ideia subjacente a
foram reduzindo o seu tamanho. Mesmo esta perspectiva é meramente condutis-
assim, em muitos casos, os números do ta. Se o professor fala, os alunos apren-
insucesso mantiveram-se estáveis. Isto dem, se o professor transmite coisas,
leva-me a afirmar que, se não mudarmos os alunos aprendem. Essa perspectiva
a forma de trabalhar, ou seja, a organi- neoliberal também se traduz em decre-
zação social para aprender, não estare- tos, portarias, circulares, que incidem
mos atacando um aspeto decisivo para a na autonomia dos professores. Muito
melhoria das aprendizagens de todos os deles indicam e forçam a como fazer,
alunos. Turmas menos numerosas pode- por exemplo, a avaliação e o tipo de es-
rá ser necessário, mas não suficiente. tratégia que podemos adotar na escola.
Dois conceitos centrais que eu queria Inclusive que instrumentos ou recursos
focar aqui, são os seguintes: os estudan- utilizar. Um exemplo disto é a sugestão

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 245 PALESTRA 27


ou obrigatoriedade, por parte das auto- ção sobre cooperação. Se avaliarmos o
ridades educativas, na escolha e utiliza- nosso sistema de avaliação e classifica-
ção dos livros didáticos. Havendo tantas ção numérico, encontramos que é es-
fontes de informação disponíveis e aces- sencialmente competitivo. Muitos ficam
síveis, continuamos presos a uma fonte satisfeitos por terem uma distribuição
predominante. A ditadura do livro único. homogénea na escala.
Não temos tempo de analisar aqui o pa- Por outro lado, se entendemos que so-
pel dos diretivos unipessoais ou conse- mos diferentes, não será necessariamen-
lhos, para assegurar que essas diretivas te por competição que aprenderemos.
se cumpram. São eles que “gerenciam” a Existe muitíssima literatura, resultado
implantação de uma pedagogia burocrá- de investigação, que se debruça sobre o
tica, promovem o acolhimento daquilo conceito de cooperação na escola, como
que se ajusta a esta pedagogia “oficial” se aprende mais e melhor em um clima
e vão tolerando, muitas vezes, desam- cooperativo. O nosso sistema educativo
parando, quem defende uma pedagogia empurra para a competição em todos
alternativa. os níveis de ensino. Daí a existência de
Volto a insistir sobre a abrangên- avaliações uniformes, decidida de forma
cia de uma “proposta alternativa”, uma centralizada, destinadas a obter “produ-
proposta pedagógica alternativa não se tos” homogéneos, comparativos, ou seja,
pode reduzir a uma atividade diferente, além da organização pedagógica que fo-
a uma técnica diferente, deverá ser uma menta a transmissão e passividade do
estratégia, deverá ser um sistema, deve- aluno, também o sistema de avaliação,
rá ser uma estrutura pedagógica. De ou- contribui para esses ­objetivos.
tra maneira, não terá consequências na Encontramos em diversos níveis da
alteração da realidade. Não iremos mu- escolaridade uma pressão social de par-
dar a escola porque mudamos uma ativi- te de alguns pais e de grupos económi-
dade ou introduzimos uma técnica. Terá cos para manter um sistema educativo
que haver uma mudança estrutural do centrado em conteúdos. Obviamente que
que se faça nas salas de aulas. Terá que não desvalorizamos a aprendizagem de
haver outra disponibilidade de parte da conteúdos. É fundamental, mas a educa-
escola e a sua organização na constru- ção não se pode esgotar nesse nível. Para
ção de alternativas que apostem na or- esta pedagogia burocrática, não interes-
ganização das aprendizagens, em erigir sa a formação do cidadão, não interessa
uma estrutura e construir a fundamen- a formação pessoal e social do aluno, in-
tação continuadamente. teressa que domine conteúdos, interessa
A Pedagogia Burocrática também se um trabalhador obediente, interessa a
caracteriza por defender aquela organi- formação do “empreendedor”. Em Por-
zação pedagógica cuja aposta principal tugal surgiram, nos últimos anos, “dis-
se centra no domínio dos conteúdos, de- ciplinas” destinadas a adolescentes e
fende que a escola está para transmitir jovens vocacionadas para o empreende-
conteúdo, e esse conteúdo que se apren- dorismo. O nosso sistema educativo to-
de precisa ser mostrado nos exames. lera essa pressão social, convive com ela
Prioriza fundamentalmente a competi- e se organiza para isso. O que se prioriza

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 246 PALESTRA 27


é a organização para ensinar e não uma conceito de linearidade que põe em pri-
organização social para aprender. As- meiro lugar a teoria e a seguir a prática.
sim, os objetivos são diferentes, saberes Em última instância, como aprende o
a priorizar diferentes. profissional da educação?
A formação inicial de professores em Outro aspeto importante que temos
Portugal foi evoluindo desde as escolas que ter em conta nesta análise é a rela-
de magistério até a formação superior, ção assimétrica da universidade com as
com a exigência, neste momento, da ob- escolas onde os alunos aprendem a pro-
tenção do grau de mestrado. Desde há fissão. A decisão fundamental na elabo-
alguns anos, o estágio pedagógico foi ração do currículo da formação inicial
sendo reduzido para um semestre, em é da responsabilidade do ensino supe-
muitos casos, ou mais semestres, coinci- rior. O que evidencio é a necessidade de
dente com os níveis de ensino a que se o ensino superior trabalhar com mais
destina. Se a isto acrescentamos que um proximidade com as escolas. É preciso
semestre significa 15 criar mecanismos de
semanas letivas, e as auscultação regu-
intervenções são or-
ganizadas por par pe-
Como se constrói lares, através de in-
vestigação ou outro
dagógico, o tempo de
intervenção na sala
a pedagogia? Qual tipo de projetos de
intervenção, de modo
ficaria pelas 6 ou 7 se-
manas no semestre.
a consequência na a desenvolver no en-
sino superior uma
Tradicionalmente, o pedagogia da reflexão maior sensibilidade
ensino superior so- e empatia com o que
brevaloriza a dimen- sobre a prática feita pelos acontece nas escolas
são teórica da forma- e que redundará em
ção. Isso também tem profissionais da educação? melhorias na forma-
reflexo na estrutura ção inicial e contínua.
dos cursos de forma- Não se trata de im-
ção de professores. É importante, neste plementar uma pedagogia que uns pou-
sentido, refletir sobre a epistemologia da cos escolheram, mas de construir, tendo
prática, sobre a importância da contri- também em conta a história da pedago-
buição da reflexão a partir da prática em gia, uma estrutura pedagógica orientada
contexto. por valores consensuais que contribuam
Uma discussão a fazer na formação à melhoria da qualidade da educação,
de professores poderia centrar-se nas que possa orientar o trabalho pedagógi-
seguintes perguntas: Como se constrói a co dos docentes e ajude na clarificação
pedagogia? Qual a consequência na pe- dos valores defendidos pela escola para,
dagogia da reflexão sobre a prática feita entre outros, esclarecer e orientar os
pelos profissionais da educação? Alguns pais e a comunidade ­educativa.
autores sublinham a construção da teo- Um aspecto também que deverá
ria a partir da reflexão sobre a prática. ser valorizado é a formação contínua
Esta perspectiva vá em contramão do dos professores cooperantes, que es-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 247 PALESTRA 27


tão nas escolas, que são os “donos” da dedicados a analisar e aprimorar a di-
sala, onde os alunos fazem as práticas. mensão burocrática do que fazemos. É
É fundamental o papel da universida- preciso pensar a pedagogia, reconstruí-
de para assegurar a formação contínua -la cooperadamente, partilhá-la siste-
desses professores não só quando são maticamente, porque na partilha apren-
cooperantes. As universidades que têm demos e nos formamos. É necessário
cursos de formação de professores de- centrar a nossa reflexão conjunta (coo-
vem apostar seriamente na formação perada) nos valores que orientam o que
contínua de professores para assegurar fazemos e construir a pedagogia a partir
qualidade na altura de escolha dos que desses valores e ensaiar formas de im-
seriam convidados para serem coope- plementação. Não significa que se faça
rantes. Isto poderá implicar a opção por a mesma atividade ou técnica que os co-
determinadas linhas pedagógicas que legas, mas sim partilhar valores que se
terá a sua vertente ideológica ou política traduzam numa organização das apren-
que a universidade deverá assumir. Mui- dizagens comum. Os meios que utiliza-
to da formação de professores é política. mos no quotidiano pedagógico tem que
Uma parte apenas será técnica. A opção veicular em si os valores que defende-
por determinada linha, mesmo aparen- mos (NIZA, 1992).
temente técnica, é política. A educação É importante a participação dos pro-
não é neutra. fessores na organização da sua forma-
Um aspeto a ter em conta é que não ção. A universidade não pode se limitar
existe linearidade na transferência da a oferecer um cardápio (ementa) do que
dimensão teórica para a prática. A pe- pode disponibilizar. A formação como a
dagogia sempre terá que ser reconstru- pedagogia também deve ser construída
ída em função de opções, de valores, de em função do que os professores já do-
princípios e em função da realidade com minam e do que se propõem. Como bem
que trabalhamos. Não vamos buscar uma dizia Berger é mais importante partir de
pedagogia na prateleira ou na gaveta e um balanço de saberes do que de uma
a levamos à prática. É preciso a mesma, lista de carências.
ser refletida, apropriada e reconstruída Em jeito de conclusão, deveríamos
pelos professores. perspectivar uma parceria mais consis-
Sublinho também a necessidade do tente entre universidade e escolas, um
ano de indução como acontece noutras melhor conhecimento da realidade com
profissões. Nem que seja pela saúde que se trabalha, tanto na formação como
mental do jovem professor, não o deverí- na comunidade com os alunos redunda
amos deixar sozinho no/s seu/s primei- em benefícios mútuos.
ro/s ano/s de profissão. É imprescindível Os momentos de aproximação à prá-
o acompanhamento do novo professor tica não se podem reduzir ao tempo de
por colegas mais experientes. estágio. O envolvimento de todas as dis-
Existe no Brasil e em Portugal uma ciplinas do currículo universitário deve
longa tradição individualista do trabalho implicar um compromisso com a aproxi-
do professor. Os encontros de trabalho mação à realidade da prática das escolas.
interno da escola são maioritariamente Quando desempenhava funções

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 248 PALESTRA 27


de diretor de um curso de licenciatura infância é uma conquista que não se re-
de formação de professores há alguns duz ao âmbito educativo, mas contribui
anos, todos os semestres organizáva- também para a melhoria da imagem so-
mos uma “semana de imersão” em que cial dos profissionais da educação.
os professores das diversas disciplinas Ainda falta muito por fazer. Quan-
da licenciatura, permitiam que os alunos do analisamos os números e razões do
contatassem com diferentes escolas pre- insucesso, ainda nos encontramos com
viamente selecionadas, participando em fatores sociais, culturais, económicos
situação de sala. Esta semana de imersão que permaneceram. Apesar de termos
permitia a vivência de situações reais avançado muitíssimo na reflexão sobre
pedagógicas e a emergência de diversos a formação de professores, ainda pre-
produtos, desde a observação de diver- dominam estratégias transmissivas que
sos aspetos da sala e dos alunos, a pe- apostam mais no formar do que no for-
quenas intervenções junto dos mesmos. mar-se, como bem o expressa António
O importante é impregnar-se, vivenciar Nóvoa.
o ambiente de sala de aula observando Lendo um jornal a semana passada,
em diferentes pers- este apresentava nú-
pectivas com o apoio meros vergonhosos
dos docentes das di- O importante é para uma democracia
versas disciplinas e para um país que se
­universitárias. impregnar-se, vivenciar considera desenvolvi-
E mesmo por úl- do. Indicava que 77%
timo, a melhoria da
o ambiente de sala de dos jovens entre 15 e 24
educação, no geral, foi-
-se fazendo em várias
aula observando em anos, isto em Portugal,
não tinham concluído o
perspectivas. Embora
ainda seja árduo o ca-
diferentes perspectivas. 5º e 6º ano da educação
em 2011, e um abando-
minho a trilhar. Com- no de 43,8%. Esses nú-
parativamente a décadas atrás, houve meros são escandalosos. Essa realidade
alguma melhoria, nunca suficiente, rela- é lamentável. Noutro jornal, encontrava
cionada com o abandono, a reprovação, a há pouquíssimos dias, a informação que
consciência e a intervenção com grupos desde 2000, o número de estudantes que
heterogéneos. Inclusive, houve avanços querem ser professores caiu 70%. Ven-
na consciência da necessidade e do papel do os números dos que ingressaram em
da educação na sociedade e na economia cursos de formação de professores este
em diversas camadas sociais. Cada vez ano, 2021, estes indicam que houve mui-
vamos tendo mais alunos que são a pri- tos cursos de formação de professores
meira geração de universitários da sua em várias instituições de Portugal que
família. não tiveram alunos suficientes para ini-
A exigência de mestrado na formação ciar as atividades letivas.
de todos os professores e educadores de Obrigadíssimo! E agora quero ouvir
os outros colegas.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 249 PALESTRA 27


Dando continuidade a essa nossa
temática, eu recortei para tentar falar
sobre a docência enquanto espaço de
formação de pesquisadores, para tentar
problematizar como a gente conseguiria
na hipótese de formação de professores,
a partir de pesquisa enquanto ato de re-
sistência e como eixo articulador do cur-
so de formação de professores, seja na
pedagogia, seja nas demais licenciatura.
TÂ N I A B E Z E R R A Então, sobretudo no contexto atual do
Brasil, falar de pesquisa, falar de ciên-
cia e falar de formação de professores, é
Tânia Bezerra — Professora Adjunta da Universidade
Estadual do Ceará. Possui graduação em Pedagogia
estar no campo das disputas e no campo
pela Universidade Federal do Ceará (2004); Mestrado das resistências. Qual seria então a nos-
em Educação Brasileira pela Universidade Federal do
Ceará (2007) e Doutorado em Educação Brasileira pela
sa demanda? A demanda para os cursos
Universidade Federal do Ceará (2011). Pós-doutorado de formação de professores no Brasil,
em Educação pela Universidade do Porto, vinculada a
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação – FP- a demanda e por quantidade de ensino
CEUP, no âmbito de Formação de Professores. Pesqui- e da aprendizagem, tanto nas escolas,
sadora do EIP/UP. Tem experiência na área de Educação
e Formação de Professores, no setor práticas de ensino. quanto nas universidades públicas, isso
Como pesquisadora atua nas seguintes linhas: Traba- acontece sob um cenário, sob um quadro
lho e Educação; Práxis Docente; Economia, Política, So-
ciabilidade e Educação; Também desenvolve pesquisas de constantes ataques a professores.
na área de Educação Infantil e Formação Docente. A professora Isabel, na palestra de
abertura, hoje, conseguiu de forma
Então gente, bom dia! Agradecer ao
bastante elucidativa, mostrar o quan-
senhor, Pedro Gonzáles, pela fala, que
to o nosso campo de atuação, o quanto
traz muitas provocações. Dizer da mi-
de conhecimento é historicamente um
nha imensa gratidão de estar com essas
campo de disputas hegemônicas e con-
pessoas queridas por aqui, acho que eu,
tra hegemônicas e um campo minado,
Pedro e Marcelo, já temos essa mesa ca-
no contexto atual por fortes ataques, vez
tiva no FIPED, são duas pessoas queridas
que, formar professores que vão estrar à
e que me completam. Dá bom dia a vocês.
frente da formação humana do ponto de
Agradecer a Laryssa, essa menina linda
vista institucional, é um campo de dispu-
que está aqui nos ajudando na mediação.
ta ideológica, epistemológica e filosófica.
Gratidão Laryssa! É exatamente essa a
Porque estarão à frente da formação de
ideia do FIPED, que vocês estejam nesses
sujeitos, que precisam ser formados a
espaços e que estejam, sobretudo, prota-
partir da emancipação humana. Uma
gonizando esses espaços. Dá aí bom dia
medida conservadora, acabam estando
às pessoas que estão nos assistindo, vá-
sempre arrodeados da ideia de conser-
rias pessoas queridas a Silinha, a Raquel,
var o poder, da opressão, da exploração,
várias pessoas que estão nos mandando
nesse sentindo.
beijos por aí, a Anita também e o pessoal
Então, e aí a ideia é uma educação e
da Residência Pedagógica.
uma pesquisa para além do capital. E aí,

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 250 PALESTRA 27


alguém pode dizer assim: e como a gente uma formação de professores, a partir
pensar, nessa demanda, nessa pesquisa, da pesquisa de sua própria prática, que
em um contexto capitalista, porá além do é mais ou menos aquilo que a gente ver,
capital? De fato, é difícil. É contraditório. por exemplo, no Movimento da Escola
Nós não somos impermeáveis, mas di- Moderna, onde os professores se reú-
gamos assim, a nossa missão histórica nem, eles se reúnem para observar, para
é justamente de fazer a contraposição e debater, para socializar a sua prática no
subverter essa lógica. Seria então, uma sentido de avançar nelas. Então, a saída
formação de professores e professoras, seria uma formação de professores pes-
uma formação humana que acontece nos quisadores de sua própria prática. E aí, é
tecidos das relações sociais, que aconte- o que a gente faz em alguns programas
ce com o uso social dessas práticas, com como o PIBID, não é Laryssa? Laryssa,
a aplicação social dessas práticas, uma depois pode falar um pouco sobre isso,
formação que seja contextualizada no a gente até já conversou sobre isso sá-
âmbito da sociedade e que tenha aplica- bado, a gente faz nos Programas como a
bilidade nesse sentido e que, sobretudo, Residência Pedagógica, onde a gente ob-
não separa teoria e prática. Portanto, serva o chão da escola, como esse espaço
uma formação pautada no papel histó- de contradição, mas também, um espaço
rico que precisamos construir, uma pes- de reinvenção.
quisa engajada, com condições reais de Então, uma educação que pensa a
vida, de existência, de aplicabilidade na pesquisa, que pensa a formação de pro-
vida prática das pessoas. fessores para a emancipação humana,
É, o Pedro, ele sempre me provoca, como ser ético, provido de vontade, que
me instiga quando ele diz assim: Olha, o se firma então como um ser histórico,
professor e a professora brasileira que precisamente na sua condição de sujeito,
eu tenho conhecimento claro, fazendo de autor. Um professor que é sujeito, que
o recorte das nossas experienciais, ele é sobretudo, alguém que organiza e tem
diz, ele tem um discurso muito engaja- consciência da prática e da sua condição,
do, mas um discurso que nem sempre tanto humana, quanto histórica, ou seja,
repercute nas suas práticas em sala de em uma raiz mais profunda da politi-
aula. Tem um discurso político, engaja- cidade da educação, é que se acha uma
do, mas acaba, sem perceber, reprodu- educabilidade mesmo do ser humano, ou
zindo, reificando práticas em sala de aula seja, uma postura docente, que pensa a
conservadoras. Por quê? Porque há uma humanidade, o ato humanizador como
formação, Pedro e eu, pensando sobre forma de emancipação, sobretudo em
isso, há uma formação ainda muito con- tempos de tantos ataques. E o que seria
servadora, e aí, organizada por uma es- isso, essa educação e essa pesquisa para
cola muito conservadora, com materiais emancipação? Seria a proposta a partir
e recursos didáticos muitos conservado- das contradições, claro. Por que? Porque
res e que, portanto, essa subversão ela se nós temos um sistema de ensino no Bra-
torna ainda mais difícil, mas não impos- sil, que substitui os sentidos e significa-
sível. Então, por isso, a minha proposta dos da aprendizagem, por uma avaliação
na fala de hoje é falar de um professor, de do rendimento e do resultado. Temos o

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 251 PALESTRA 27


quê? A divulgação dos dados quantitati- Sim, é possível subverter, mas a forma
vos que escondem mecanismos internos como está estruturado, não traz esse
de exclusão, ao longo do processo de es- sentindo.
colarização, ou seja, ao tempo que a gen- E aí, é nesse sentindo que eu pergun-
te fala de uma escola para a emancipa- to: Que escola sobrou para os pobres?
ção humana, tanto tenha a possiblidade Diante dessa clara concepção de escola
de humanizar como de e transformar, a e dessa precária política de formação de
gente tem determinados ensejamentos professores, que escolas sobrou para os
que são as avaliações externas, que são pobres? Uma escola que se fala da uni-
as exigências que vinculam o envolvi- versalização do acesso, mas em prejuízo
mento nas escolas com os resultados, e da qualidade, uma escola onde a gen-
aí vem a lógica da meritocracia: quanto te percebe claramente a inversão das
melhor forem os resultados na escola, funções, do direito à aprendizagem e ao
maior seria o inves- conhecimento, as ne-
timento aí a gente cessidades mínimas
tem um anacronis-
mo sistêmico nesse
As escolas que tem os de aprendizagens
para a sobrevivência.
­sentindo.
Por que? Porque
piores resultados entre A gente tem acesso a
várias escolas den-
as escolas que tem os
piores resultados en-
aspas, por exemplo, são tro da Residência
Pedagógica, dentro
tre aspas, por exem-
plo, são justamente as
justamente as escolas do PIBID, dentro das
disciplinas de está-
escolas que precisam que precisam de maior gio supervisionado,
de maior investimen- e o que a gente vê é
to, e não ao contrá- investimento, e não ao um completo desca-
rio, e aí, a gente vai, so no que se refere
ao invés de tornando contrário. a mínima estrutu-
equitativo o sistema ra para que se tenha
escolar, a gente vai realmente as condi-
tornando cada vez mais desigual. As es- ções de aprendizagem. Escolas escuras,
colas que tem os melhores índices no com problemas de higiene, com quase
SAEB, as escolas que tem os melhores nenhum espaço para interação e so-
índices no SPAECE, na Provinha Brasil cialização, escolas em sentido único de
etc., são as escolas que tem os maiores ­precarização.
investimentos, e aí eu pergunto: o que é E aí, o Pedro, por exemplo, a gente já
que esse sistema está escondendo? Atra- conversou sobre isso em outros momen-
vés desses dados quantitativos, o que se tos né? E como aprender nessas situa-
pode perceber de exclusão, a reeficação ções de precariedade? E como ensinar
da exclusão das escolas com menor re- uma criança que chegou na escola com
sultados, receber menores recursos e, fome? E como dá a ela o sentindo estéti-
portanto, vão continuar se atingir, claro. co mesmo? É claro que o sentindo esté-
Há uma ideia de subversão dessa lógica? tico do que é belo, do que é socialmente

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 252 PALESTRA 27


aceitável, também é um fator atraente O que é que eu quero dizer como
para a aprendizagem. Quem de nós não isso? O tempo que a escola pública ela
gostaria de chegar em uma escola bem não consegue atingir o que seria uma
diferente da maioria das nossas esco- aprendizagem significativa em âmbi-
las, que são as escolas que sobraram to geral, porque ela sofre pelo descaso
para os pobres. E aí, o Pablo Gentili, ele público, pelas ausências de recursos,
vai dizer assim: qualidade para poucos por uma formação de professores pre-
não é qualidade, é privilégio, estrutura carizadas e etc., a escola particular,
para todos inaugura uma escola para os embora rica e farta em recursos, ela
privilégios, e aí nesse sentido, voltan- tem um arremedo que ela chama de
do para a nossa temática, nós temos a qualidade, que é centralizada em quê?
precarização e a proletarização da cate- Nos resultados e que, portanto, não é
goria docente, que vai cada vez mais se qualidade o que se refere a uma apren-
afastado de sua hipótese de intelectua- dizagem significativa. No espaço públi-
lização, de sua hipótese de uma forma- co, a gente tem um engessamento das
ção erudita e culta para um mundo do ações docentes, em Programas como:
trabalho tão exaustivo que lhe permite PAC, PINAC e as avaliações exteriores,
um salário tão restrito, com condições as avaliações externas, mas na escola
de trabalho tão inóspita, de violência, particular, nós temos o cerceamento
de cansaço, de exaustão que nós temos da liberdade de Cátedra, um direcio-
hoje no Brasil, um sério índice de evasão namento aos resultados e a mercanti-
no magistério. Algumas áreas no Brasil, lização da educação, ou seja, nas duas
por exemplo, sofrem com a ausência de esferas do modelo escolar, nós temos a
professores de pessoas que queiram ser pauta do/no trabalho docente. O que é
professores justamente por conta desse que me refiro a isso? O trabalho docen-
cenário da escola que é destinada a ca- te que não tem propriedade das suas
madas populares. ações, porque é regido pelo mercado
Uma escola dual traz a ideia de es- de uma forma geral.
tranhamento docente, uma escola con- Então, como seria a formação ini-
teudista, ao mesmo tempo que é con- cial? Qual seria a proposta? Já que fize-
teudista, e também é excludente e com mos a crítica, precisamos sair da crítica
um discurso de acolhimento social e e participar das propostas. Importante
socialização. No espaço privado, é dife- trabalhar o ensino como prática social
rente, nas escolas privadas, apresenta- e profissional, e que se realize nas esco-
-se como qualidade de ensino, aí já se las públicas, comprometendo-se com as
tem estrutura, mas também é precária demandas da comunidade. Dá respostas
em formação de professores, altamente às demandas da comunidade e uma ne-
precarizante ao trabalho docente, mas cessidade inadiável de tornar a pesquisa
que se coaduna muito bem com o mode- na graduação como eixo de politicidade
lo que é proposto pelo Brasil, que é um centralidade da formação inicial. Então,
modelo que dá palco à meritocracia, que trazer a pesquisa na graduação, como
dá palco a resultado, ou seja, é um arre- proposta de investigação da própria
medo de ­qualidade. prática de investigação das demandas

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 253 PALESTRA 27


da comunidade, para tentar dar retorno Então, a proposta é uma educação
e reconstruir essa ideia. que critica o tecnicismo, o conservado-
E como se daria isso? E aí, a gente rismo na educação e que propõem uma
volta para os bancos da universidade. As ideia subversiva. Subversiva mesmo,
pesquisas em educação, no âmbito das como pensou Paulo Freire, por exemplo,
universidades, precisam buscar cami- como pensaram tantos outros educado-
nhos/reflexões para os desafios cotidia- res de Educação Popular, do Movimento
nos na comunidade. Aí eu lembro muito Popular que reúnem pessoas nos mais
de uma palestra que uma vez eu fui dar, diversos espaços, mas que conseguem
uma formação que eu fui dar no interior trabalhar a partir de suas experiências
do Piauí, onde um professor da Zona Ru- e não só a partir de suas experiências
ral me perguntava assim: “professora, na ampliação dessas experiências, mas
que pesquisas na universidade vocês têm e sobretudo, para melhorar essas expe-
desenvolvido para riências. A necessi-
tentar melhorar esses dade de ruptura com
índices de alfabetiza-
ção por aqui”? E aí ele
Importante trabalhar caráter reacionário
de uma educação ou
perguntava, dentro
daquela fala que pa-
o ensino como prática de uma pesquisa que
não pode ser mera-
rece simples, mas ele
queria assim: “qual o
social e profissional, e mente institucional
que precisa ser de re-
retorno?” “O que vo-
cês têm para nos re-
que se realize nas escolas torno à comunidade.
Então, o trabalho
tornar?” Portanto, eu públicas, comprometendo- docente precisa acon-
falo de uma necessi- tecer a partir da valo-
dade de dialogar com se com as demandas da rização da docência
as escolas sobre os retomar as especifi-
resultados e aponta- comunidade. cidades da categoria
mentos das pesquisas docente de intelectu-
realizadas, e não que alização e autonomia.
nós sejamos apenas àqueles professores Compreender que os/as professores/as
beija-flor, vai lá na escola, faz uma entre- são intelectuais orgânicos/as no sentin-
vista e volta para apresentar o trabalho do grasmickano mesmo, é preciso reor-
na universidade. Vai lá na escola, faz uma ganizar a cultura escolar ouvir e perce-
observação, faz umas interações e vol- ber as vozes do chão da escola enquanto
ta para a universidade para apresentar saberes inadiáveis não apenas para da-
isso em forma de pesquisa, pronto reali- dos e coletas empíricas, mas no sentindo
zei a pesquisa. E o retorno? Para além da de dar o retorno. Já vou concluir.
crítica, porque é muito tranquilo ir até à As práticas pedagógicas constituem-
escola e dizer que as escolas têm esses e -se campos de conhecimentos, e aí pre-
aqueles outros problemas. Que soluções cisa perceber que elas se produzem na
nós podemos construir, mesmo nessa es- interação nos cursos de formação de pro-
cassez de recursos, de investimentos etc. fessores e o campo social no qual se de-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 254 PALESTRA 27


senvolve. E por isso, a esse projeto da es-
tanto podem como de- cola sem partido, e
vem constituir-se em Reinventar a escola e a nos manifestando
atividade de pesquisa. por uma escola sem
Eu não vou fa- universidade, pela e através mordaça que, de
lar dessa parte que fato, pense a eman-
meu tempo passou. da pesquisa, mas de uma cipação e a liberdade
Passa, passa, pas- do pensamento, na
sa. Concluindo: A pesquisa engajada e para a ideia de reinventar a
práxis docente deve escola e a universi-
realizar que nos emancipação humana. dade, pela e através
tornem sujeitos autô- da pesquisa, mas de
nomos/emancipados uma pesquisa enga-
e aprendizes de novas ­possibilidades. jada e para a emancipação humana, é
E que pensem a docência como es- essa a ideia. Obrigada gente! Estamos
paço de resistência. E aí a gente pre- aí abertos para o debate. Pesquisar e
cisa finalizar a fala de hoje fazendo educar para o engajamento.
uma crítica e dando o nosso repúdio

Muito bem, é bastante confortável


ter uma fala depois de duas falas muito
bem qualificadas e que já me pouparam
bastante tempo para colocar as ideias.
Parabéns ao Pedro e à Tânia pelas apre-
sentações e colocações. Bom dia Larys-
sa, que ainda não cumprimentei à mesa
e a todos que estão aí assistindo.
As provocações já colocadas até en-
tão, nos colocam defronte de algumas
MAR N IK
C ELO P U S TIL questões que eu acho que vou conseguir,
talvez, complementar. Eu não tenho ne-
Marcelo Pustilnik — Graduado em Pedagogia pela nhuma apresentação de PowerPoint
FE-UNICAMP (2002), Mestre em Ensino e História
de Ciências da Terra pelo IG-UNICAMP (2005). Dou- para mostrar, eu vou só desenvolver
tor em Educação na FE-Unicamp (2011). Pós-Doutor
as ideias mesmo. Uma questão que fica
em Inovação Pedagógica pela Universidade do Por-
to. Professor Associado na Universidade Federal de para mim muito forte sempre, essa é
Santa Maria – UFSM – RS – no Departamento de Fun-
damentos da Educação. Líder do Grupo de Pesqui-
uma discussão que já é antiga e, inclusi-
sa APRENDE STEAM (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogru- ve, no Pós-Doc estive junto com a Tânia
po/5226621408334323). Desenvolve pesquisa na área
de Educação, com ênfase em Aprendizagem, princi-
lá em Portugal, não é Tânia? Junto com
palmente nos seguintes temas: ensino e aprendiza- o Pedro também, a gente já vem discu-
gem, formação continuada de professores, educação e
tecnologias, no uso da robótica em educação e na edu-
tindo isso há muito tempo. É assim, a es-
cação a distância. Discute estes temas dentro da polí- cola que é dada, essa escola que a Tânia
ticas públicas, política educacional e financiamento da
educação conectados com o desenvolvimento humano apresenta, que o Pedro apresenta, ele
transpessoal e o paradigma transdisciplinar. mostrou a escola portuguesa, mas ela é

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 255 PALESTRA 27


muito parecida com as escolas brasilei- a Tânia apresentou alguns dados, algu-
ras, com seus problemas estruturais. Ela mas dessas questões, e pergunto: qual
não é a escola verdadeira, ela não é a es- é o papel desse sistema de avaliação? É
cola viva, ela é a escola morta, a escola garantir que a escola nunca se modifique
que o sistema mantém na UTI e vai en- e cumpra o papel que ela tem para o sis-
tregando vegetativamente a quantidade tema, então a avaliação diz que a melhor
suficiente de recursos para que ela não escola do mundo é a escola que está lá
morra, porque ela tem um papel de con- em Singapura. A OCDE avalia pelo PISA,
trole social muito grande, ela não é uma está lá, Singapura nos primeiros luga-
escola emancipadora e nem tem a inten- res, mas qual é a escola de Singapura?
ção que seja emancipadora, se fosse se- Será que essa escola de Singapura serve
riamos um outro país, um outro mundo, para a escola do Sertão brasileiro? Ser-
uma outra sociedade. ve para a periferias das grandes cida-
Então, a formação de professores, des brasileiras? Ela serve para Portugal
ela precisaria, de alguma forma, dialo- e para e para a periferia de Portugal?
gar com esse elemento de que a escola Certamente que não. Singapura é uma
dada é uma escola morta. A universida- Cidade-Estado com 4 milhões de habi-
de, ela tem pesquisa, a Tânia apresentou tantes, um centro econômico poderoso
vários elementos, o do Oriente, lá do ex-
Pedro trouxe vários tremo Oriente, com o
elementos. A univer-
sidade tem a reflexão,
Precisamos descolonizar a maior índice de renda
per capita do mundo,
tem um papel, inclu-
sive, na sociedade de
escola. é um centro comer-
cial onde passa mi-
poder desnudar a re- lhões de negócios por
alidade e ela não faz dia e, ao mesmo tem-
isso com o campo educacional. Ela não po, 4 milhões de pessoas. É uma cidade
faz isso na formação de professores, ela só, a avaliação fica restrita a uma cidade
diz para os alunos, estudantes de forma- que é menor, talvez, que Fortaleza.
ção de professores que eles precisam Então não posso querer pegar a
aprender a lidar com essa escola do jeito OCDE, com o resultado do PISA, que faz
que ela está, ou seja, os estudantes vão esse tipo de avaliação e dizer que a esco-
entrar na escola para tentar manter vivo la brasileira é ruim, eu não posso querer
o morto, nós vamos fazer parte dessa comparar, por exemplo, a escola, diga-
engrenagem que é: recursos mínimos, mos francesa, ou a escola lá da Finlân-
básicos para que o morto não morra e dia, que hoje tem um sistema fantástico
a escola permaneça com esse papel de de educação com a realidade brasileira.
controle social, sem ser emancipatória. A Finlândia, há 30 anos, tomou uma de-
Então, isso pra mim é uma questão cisão de pegar o dinheiro do petróleo que
central quando a gente está falando de eles encontraram, que era um dinheiro
formação de professor mesmo. O que novo, que não tinha no país, e usar todo
eu quero dizer com isso? Que nós temos esse dinheiro na educação. Faz 30 anos
uma estrutura de sistema de avaliação, que a Finlândia investe pesado em Edu-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 256 PALESTRA 27


cação, investimento mesmo, de dinhei- bou de apresentar isso. Então, a gente
ro. O que resultou? As maiores cabeças tem que romper com tudo isso, tem que
pensantes do país estão trabalhando dizer: Dane-se! Quem disse que a OCDE
no campo da educação, é a função mais me interessa? Quem disse que o PISA é o
concorrida de cargo público no país, in- modelo de avaliação que vai servir para
clusive, na concorrência de acesso para o tipo de escola e de sociedade que nós
a universidade, ou seja, ganha da medi- achamos que vai ser a melhor para dimi-
cina, ganha do direito, das engenharias. nuir as desigualdades? Ou, por exemplo
É o oposto daquilo que é a realidade bra- no caso de nosso país, ajudará impedir
sileira. Primeiro, porque os salários de que o fascismo tome conta, como tomou,
professores lá são os maiores, então, é ou impedir que uma igreja Neopentecos-
para onde vão as maiores cabeças pen- tal aliene a tal forma a população, a ponto
santes do país, atrás dos recursos. Aqui que ela apoie um projeto que é contrário
no Brasil não, os professores são os pio- aos próprios interesses, que são contrá-
res salários, então, as cabeças pensantes rios a essa classe, que é a classe traba-
vão para outras áreas, certamente. Isso lhadora. Então, quero dizer, como é que
de certa maneira também perpassa em a gente vai criar esse tipo de estrutura?
Portugal. A pandemia trouxe um desafio inte-
Mas essa não é a principal discussão ressante para nós do campo educacio-
que eu quero trazer, a principal discus- nal, porque ela desmonta tudo isso, ela
são, talvez, de base marxista, em certo mostrou que é possível continuar um
sentido, de que toda mudança radical projeto de educação sem a sala de aula. É
não pode ser feita na superestrutura, e possível um projeto de educação sem um
sim na infraestrutura. Se eu quero fazer professor controlando seus alunos. Que
uma mudança real, eu devo destruir os é possível funcionar o sistema educa-
alicerces daquela estrutura e construir cional sem que o aluno chegue às 07:00
alicerces novos. O Pedro, de certa for- horas na escola e tenha controle dos ho-
ma, aponta para isso na fala dele; a Tâ- rários e dos intervalos e toda aquela es-
nia vai no sentido do rompimento dessa trutura que a gente mantém dizendo que
estrutura, mas precisamos olhar para isso é importante. A pandemia balançou
isso de uma outra maneira na formação este sistema, e nós do campo progres-
de professores. Nossos estudantes de- sista, deveríamos aproveitar isso e ir um
veriam entender que essa escola, com a pouco mais adiante, de modo a criar as
estrutura que está dada, ela não presta, rupturas que são necessárias. Em outras
ela não serve nem para o país, nem para palavras: precisamos descolonizar a es-
as populações que são atendidas, ela não cola. Essa escola que vem de uma tradi-
serve para os professores, ela não tem ção durkheimiana, da Modernidade com
nenhum outro papel na sociedade, a não sua revolução industrial, da escola quar-
ser manter a sociedade no sistema re- tel, do que Foucault chama de “Vigiar e
produtivo daquilo que ela já é: desigual, Punir”. E o que a gente está fazendo para
escravocrata, colonizador. Esses são desconstruir isso, de fato?
os sistemas de avaliação, servem para A Tânia coloca aquilo, que o profes-
manter essa escola morta, a Tânia aca- sore não tem uma validade na socieda-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 257 PALESTRA 27


de, no seu trabalho, como um profissio- os professores de Geografia, de Sociolo-
nal autônomo, capaz de tomar todas as gia, de Filosofia, então, essas disciplinas,
suas decisões, ele é monitorado, tutora- esses professores foram colocados como
do. Tutorado pelas Secretárias, Ministé- não importantes nas reformas. Por isso,
rios, Processos de Avaliação, como se ele a escola pública pode não ter mais esses
precisasse o tempo todo estar sendo su- professores nos seus quadros, por que a
pervisionado para ver se o trabalho dele BNCC permite isso. Então, esse trabalho,
é adequado. Então, a formação nossa essa linha tênue entre pensarmos uma
não forma profissionais autônomos ca- nova escola e, ao mesmo tempo, não per-
pazes de pensar sua própria capacidade demos a visão de um projeto emancipa-
de produção? E ele precisa o tempo todo tório de futuro, ele é muito delicado e a
dessa tutoria, essa vigilância sobre o seu universidade deveria ter um papel muito
trabalho? forte no sentido de preparar melhor os
É curioso que as mudanças educa- seus estudantes para isso.
cionais recentes, as propostas governa- É uma discussão delicada, o Pedro
mentais, são todas conservadoras e de colocou e a Tânia também, nós encontra-
cunho destrutivo para a emancipação mos, por exemplo, na hora dos estágios,
da educação, elas vão tirando, inclusive, a confirmação das práticas tradicionais
a importância de disciplinas, de conhe- e regulatórias da escola. O sistema de
cimentos filosóficos, sociológicos, histó- avaliação, os estágios vão lá e validam
ricos, geográficos, que são justamente todos os sistemas de avaliação, aplica-
conhecimentos que trazem a emancipa- ção de prova, aplicação de formas de
ção do pensar. Até a educação física foi controle disciplinares, punição de alu-
atingida, por que a educação física foi nos, tarefas pré-formatadas sem olhar
atingida nas últimas reformas? A edu- as necessidades reais dos estudantes,
cação física que lá nos anos 70 tinha o aplicação do livro didático, como se o li-
papel disciplinador do corpo e de criar vro didático fosse uma coisa importante
esse padrão militar, vamos dizer assim, na escola. Será que é importante o que
da disciplina dos corpos e da obediência. está escrito no livro didático, será? Nós
Ela sofreu mudanças nos anos 90 e início nem olhamos sequer para os nossos es-
dos anos 2000 na sua formação inicial do tudantes dentro das universidades, não
professor de educação física, dentro das os indagamos: Você pensa como? De que
universidades, e ela deixou de cumprir jeito você compreende a realidade? Qual
esse papel controlador e passou para o é a sua necessidade real ao chegar à uni-
papel emancipador, de reflexão, de des- versidade? Não, a universidade já está
cobrir o potencial do estudante para que pronta e dada e ela passa um conjunto
ele entenda o seu corpo como aquele es- de saberes e informações para os seus
paço que é dele, de que não pode sofrer estudantes, como se eles chegassem
o abuso, que ele tem direito de fazer as tabula rasa, reproduzimos as mesmas
escolhas. Os professores de educação mazelas.
física estiveram presentes de uma ma- Então, todo esse conflito é o que nós
neira muito forte naquele movimento de precisamos enfrentar. Talvez esteja den-
2016 de ocupação das escolas, bem como tro daquilo que eu chamo da disruptura.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 258 PALESTRA 27


Nós precisamos fazer essa descoloniza- mos abordar isso um pouquinho melhor.
ção do pensamento científico das uni- Quer dizer, como que a experimentação
versidades para descolonizar a escola dentro da escola tem um poder muito
também, porque só vamos descolonizar grande de fazer transformações e garan-
a escola se os novos professores con- tir que os alunos aprendam. Uma pro-
seguirem chegar com as ideias desco- posta na qual ganha-se empatia, ganha-
lonizadas, mas se nós continuamos co- -se colaboração, ganha-se com todo esse
lonizando as ideias eles vão chegar nas processo que está sendo experimentado.
escolas as reafirmando. É muito difícil Não quero me alongar muito não, por-
fazer a disruptura, porque a resistência que eu gostaria que a gente aprofundas-
dos pais, da comunidade, dos próprios se mais esse diálogo e que as perguntas
colegas de trabalho são resistências viessem mais nesse sentido: Em como
muito fortes, o sistema não quer, mas podemos romper? O Pedro tem uma ex-
certamente é possível. E o curioso é o se- periência muito grande no Movimento
guinte: depois que você faz a disruptura, Escola Moderna Português, que é fan-
o teu trabalho como tástico nesse sentido
docente é muito mais da disruptura, pois é
fácil, por que você
entra em um proces-
Só vamos descolonizar um professor que não
depende do Sistema
so colaborativo com
os alunos e você vai
a escola se os novos Educacional, ele não
depende da vontade
enfrentar muito me-
nos os problemas de
professores conseguirem do diretor da escola,
ele não depende da
indisciplina, doença chegar com as ideias escola. É um profes-
docente, problemas sor da escola pública,
de voz, porque você descolonizadas. que na hora que ele
vai gritar menos com entra na sua sala de
seus alunos, você vai aula, ele faz a disrup-
conseguir avançar naquilo que são os tura e ele muda completamente sua aula,
resultados do que você mais quer alcan- subvertendo completamente esse mode-
çar: que eles aprendam. Porque a apren- lo escolar tradicional, ele cria um outro
dizagem vai se dar por outros modelos, modelo pedagógico. Finalizando assim,
não mais pelo: Sou eu quem sabe e vou a gente abre o espaço para outros diá-
ter que colocar isso tudo na cabeça dos logos aqui, outras contribuições vindas
meus alunos, vou ensiná-los. A gente já de vocês que nos permitam avançar. Vou
sabe que isso não funciona. encerrando aqui a minha fala para que a
Eu vou oferecer, depois dessa mesa, gente tenha mais tempo para poder fa-
uma oficina dentro desse FIPED, que é zer esses diálogos, esses debates. Então,
na área do STEAM, da robótica, onde ire- bons debates para todos nós.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 259 PALESTRA 27


DEBATES E CONTRIBUIÇÕES

ONRTR
EC IB
ES NACIONAL D
U
ER
AT


T CIONAL P
IN RNA D EP
TE
DEB

ÕE
ED GOG
IN
M

AC I O NA
RU

ED

A
RN LD
M

GO
TE

A
RU
XII FÓ

S
E
IN
XII FÓ

PE

GIA
F Ó RU M

IA
AG O G I A
X II

CO AS
N F E R Ê N CI

DEBATES E CONTRIBUIÇÕES

PERGUNTA DE PARTICIPANTES tão é muito interessante. Eu imagino


aqui como está a viver a sua realidade.
Pergunta 01: “Sempre a gente se per- Essa questão deve ser analisada em uma
gunta, qual é a finalidade da educação perspectiva institucional, pode ser ini-
brasileira? A quem ela deve se destinar?” ciativa dos professores, também isso é
possível. Estou pensando também na ini-
Pergunta 01: “Como promover essa ciativa dos professores universitários de
parceria entre a universidade e a esco- encontrar maneiras de se aproximar. Os
la, uma vez que ainda presenciamos a professores universitários, suponho eu,
resistência por parte das escolas e pro- que tal como é aqui, tem mais autonomia
fessores?” nesse tipo de coisa, para tomar decisões.
Mas, se fosse uma decisão institucional,
aí seria muito melhor, não é? Eu acho
que passa por esses dois aspectos que
falava, por uma parte, é uma perspec-
tiva de investigação-ação. Eu, quando
falo de instituição, tenho medo por que
conheço o trabalho de investigação-a-
ção, muito deles, dos espanhóis, feito
por professores universitários, não com
todos, não é? Feito por outros, especial-
PEDR ES mente por professores universitários. O
O G O N Z ÁL
conceito de investigação-ação que tenho
Pedro Gonzáles: posso dizer algu- eu, estão implicados, são os atores, são
ma coisa, não sei se responder, mas é investigadores e isso se pode fazer de
uma tentativa de aproximação, a ques- uma maneira de se aproximar aos tra-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 260 PALESTRA 27


balhos com professores, implicados com os professores da universidade. Os pro-
professores. Tem que ser por outra par- fessores que vão decidir avançar para
te essa coisa valorizada como formação essa proposta têm que conhecer os pro-
para os professores das escolas, por que fessores das escolas, o tipo do trabalho,
isso traz aprendizagem. A investigação- a qualidade do trabalho, porque os alu-
-ação ensina sobre o problema da reali- nos não têm as ferramentas o suficiente
dade que elas têm. Eu insisto muito nis- para poder decidir se estas práticas são
so, que não é qualquer investigação, tem de qualidade, ou se ainda precisam ajus-
uma coisa que acho que tem que ser ana- tar alguma coisa. Ainda não tem, porque
lisada, tem que ser questionada muito as muitas vezes, quando nós escolhemos
metodologias clássicas de investigação um professor, ele se acha o melhor e o
feita dentro da universidade, como fa- professor está convencido disso, o pró-
zem no mestrado e doutoramentos. Os prio professor da escola está convencido
mestrados e doutoramentos têm limites que é o melhor, porque foi escolhido pela
muitos estreitos e obriga as pessoas a en- universidade, mas esse tipo de coisa tem
colher muitas coisas. Uma investigação- que ser trabalhado, e essas são também
-ação com os professores pode ter outro oportunidades de se aproximar, fazer
horizonte, outra perspectiva, outra ma- uma semana de todos os cursos onde,
neira de racionar, não é? De acordo com em diferentes momentos os estudantes
o tipo de trabalho que está a fazer e isso vivenciem isso, não precisa ser na mes-
seria plural, encontrar formas de apro- ma semana, em um momento um, e ou-
ximação tem que ver com essas possibi- tro momento, o outro. Eu iniciei primeiro
lidades que só consegue decidir dentro com os últimos anos, em um semestre,
da ação. Aqui situa o problema que eu depois em todos os semestres fazíamos
tinha, que eu comentei com vocês, aque- uma semana na qual podíamos estar
la semana de imersão, o problema, entre com os alunos, especialmente, em uma
aspas, é que eu, como Diretor de Curso, escola concretamente. Eu conheci uma
não podia decidir que os professores não experiência na qual não permitiram a
tivessem aulas, isso é decisão só do Rei- entrada dos alunos do primeiro ano, por-
tor. Então o que eu fazia? Negociava com que a sala era um lugar muito perigoso,
os professores da universidade para que porque os alunos não tinham formação,
eles dessem a aula de uma determinada entre outras razões, certamente equivo-
semana na escola. Não era uma aula de cadas, como: no ano passado eram alu-
transmissão de conteúdo, era para per- nos em uma sala de aula, por isso agora
mitir que os alunos pudessem aprender não tinha condições de fazer o certo em
em um contexto no qual trabalhassem uma sala, como regentes, mas isso nega
a Matemática na prática, trabalhassem o processo de formação e acompanha-
com a Psicologia na ação, trabalhassem mento dos professores da universidade.
conhecimentos da Sociologia etc., reco- Mas uma outra experiência, conhe-
lher informações e estar lá na escola, isso ci aqui, em outras escolas superiores
sim eu podia fazer. Uma das condições em educação, outras universidades, de
que eu achava importante é que os pro- imersão, aqui em Portugal tem muitas
fessores das escolas têm que conhecer aldeias, acho que no Brasil não se usa

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 261 PALESTRA 27


esse conceito de pequenos povoados
espalhados pelo país e por volta das ci-
dades maiores. Então, os alunos iam
nas escolas desses povoados. Para isso,
tinham que fazer acordos com a Câma-
ra, o Município etc., os alunos iam e fi-
cavam uma semana na escola tipo rural,
um rural que não é o rural do Brasil, o
rural aqui é são pessoas trabalhando no
campo vivem nessas aldeias. Eu nasci na
MAR N IK
Argentina, no campo, e para mim, cam- C ELO P U S TIL
po é campo, é ter vizinhos há 50 quilô-
metros, isso não existe aqui, 50 quilôme- Marcelo Pustilnik: Se permite, Pe-
tros acaba o país já e a Espanha (risos). dro. Complementando um pouco essa
O conceito era esse, depois não sei se discussão, acho que o grande problema,
continuaram a fazer, mas me pareceu muitas vezes acontece, é que as pessoas
uma ideia interessante, não era neces- ficam esperando que alguém dê a solu-
sariamente aquilo que eu defendia, mas ção, e a solução não existe de forma ab-
a imersão de alunos, jovens que vivem soluta, a solução está em cada uma das
sempre na cidade e têm que ir passar escolas, em cada uma das salas de aula,
uma semana vivendo lá porque amanhã em cada comunidade, ou seja, ela é úni-
vão ser seus alunos, também foi uma ex- ca. O modelo que se aplica em um lugar,
periência muito rica de intercâmbio com não necessariamente vai dar certo no
os alunos da aldeia, com hábitos rurais. outro. E as pessoas ficam procurando al-
Depois era um trabalho que, na maioria, guém que dê um modelo para dar certo,
obrigava os professores das disciplinas isso não funciona. As pessoas têm que
fazerem o planejamento numa perspec- ser inteligentes, precisam ter coragem
tiva de trabalhar a sua disciplina focado de enfrentar os problemas, elas têm que
na Pedagogia, focado na prática, não é a desnudar quais são realmente as neces-
matemática pela matemática, é a mate- sidades locais, só vão saber isso se elas
mática porque tem que ser trabalhada olham de uma maneira muito profunda
na escola, não é a Sociologia só pela So- para a realidade.
ciologia, mas na perspectiva do trabalho
na escola, isso também é formativo para Pedro Gonzáles: Por incrível que
os professores. Não se consegue de uma pareça, o discurso dos professores está
dia para o outro, tem que se trabalhar cheio de: “Nós não podemos trabalhar
muito, há que se trabalhar, mas é um de- com receitas”, mas depois o que eles fa-
safio que temos e é o belo da profissão, zem e ir em busca de receitas, não é? E
se fosse fácil íamos ao supermercado e creio eu, não podemos ir buscar a Peda-
comprávamos na prateleira uma Peda- gogia em uma prateleira, em uma gave-
gogia. Temos muito o que fazer, não sei ta, temos de construir, tem que ser sua-
se tem uma outra questão. da, muito suada.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 262 PALESTRA 27


A gente já viu os módulos teóricos e ago-
ra a gente vai para a escola, mesmo que
ao longo de todo o curso, a gente sempre
fale da necessidade, da indissociabili-
dade entre teoria e prática, e aí a gente
acaba tendo disciplinas eminentemen-
te teóricas e eminentemente práticas, e
isso complica bastante, né? E aí acaba
que, quando o professor a professora em
formação, termina o estágio supervisio-
TÂ N I A B E Z E R R A nado e vai para a prática, se despede da
universidade, não é? E mesmo quando
Tânia Bezerra: Só para fechar mes- volta para a universidade em uma Pós-
mo, é uma pergunta, ela é complexa e aí -Graduação, seja Lato Sensu ou Stricto
a gente tem aí inúmeras possibilidades. Senso, volta no sentido de fazer pesqui-
Mas assim, eu acho que o intuito é mes- sa, aí vem dentro do que eu falei ali na
mo provocar e a gente construir juntos minha fala: “Pesquisas que não dão re-
essa resposta, e ela não está pronta, e torno para a escola. Pesquisas que não
ela também não se adequa a toda e qual- tentam modificar a comunidade, não é?”
quer realidade, cada situação tem a sua Modificar no sentindo de dar retorno, de
especificidade, mas eu acho que a for- dar resposta à comunidade.
mação inicial é uma das saídas para isso. Então, eu acho que isso deve aconte-
Eu acho que esse distanciamento entre cer na reformulação dos currículos nos
escola e universidade ele é construído cursos de formação de professores, na
desde a formação inicial, então, a forma reestruturação da carreira docente, não
como a universidade e como os cursos de é? E que isso se dá, desde a formação
formação de professores se organizam, ­inicial.
podem se organizar para ter um acesso
livre à escola e vice e versa, tem que co- Marcelo Pustilnik: Você me permite,
meçar desde cedo e, por isso, que acon- Tânia? Primeiro tem que acontecer na
tece tanto esse apartamento essa forma cabeça dos professores das universida-
dual de trabalho. A própria forma como des, porque se não acontecer na cabeça
os cursos de formação de professores se deles e no coração, porque não é só cabe-
estrutura, propicia isso. A grade curri- ça. Senão, a gente só faz a reforma sobre
cular acontece mais ou menos assim: os a infraestrutura que já existe, quer di-
Módulos Teóricos e Fundamentos e lá no zer, a gente não faz realmente a reforma
final tem o Estágio, não é? Então, eu me real, ou seja, a gente não faz a transfor-
pergunto: Não deveria o estágio ele estar mação. Aqui na Universidade Federal de
dividido desde o início da formação, não Santa Maria, os alunos vão para a escola
é?” Para que esse contato sempre acon- desde o primeiro semestre. A gente tem
tecesse? Então, a gente tem lá o final do essa visão de formação que ele vai olhar
curso aquelas cargas horárias imensas a escola desde o primeiro semestre, são
de estágio, onde se tem a ideia, pronto! os quatro anos dele na formação, ou cin-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 263 PALESTRA 27


co no noturno, ele vai para à escola todo nunca partimos do zero, uma investiga-
semestre, mas ele vai com o olhar condi- ção-ação tem que ter em conta qual é o
cionado de que aquela escola é a escola nosso enquadramento, qual os objetivos
real, aquela escola é a escola que já está que queremos. Isso tem que ser definido,
dada, já está pronta, ele só vai olhar. Ago- pois não estamos aqui a brincar, a desco-
ra ele sai da visão de alunos para uma brir coisas que já foram descobertas, não
visão de professor em formação, mas da é? Eu acho que isso é fundamental para
mesma escola, sem refletir se essa esco- podermos construir. Não partimos de
la realmente está sadia, se ela presta ou zero. Partirmos não de um vazio, mas de
se eles nem identificam que a escola está algo que temos. E o que temos até agora
morrendo. É um defunto em uma UTI, para avançar? Mas é preciso definir isso!
eles não identificam isso, então esse, me É preciso um enquadramento! É preciso
parece, é o desafio maior que a gente tem ter as balizas de onde estamos e traba-
a enfrentar. É conseguir fazer essa mu- lhar por isso, é preciso definir concei-
dança no campo de formação de profes- tos. Bem, acho que, fundamentalmente,
sor, para isso ser refletido na universi- a disciplina de Filosofia nas escolas, não
dade e depois na escola. É a minha visão. sei como é o panorama aí, se ainda exis-
te a Filosofia. Nos cursos universitários,
Pedro Gonzáles: Em última instân- para ter essa visão de sistema, para ter
cia é matar a escola, mas temos que ter essa estrutura maior, do que meramente
outra na mão já! (Risos) uma perspectiva apenas. Agora as coi-
sas que ficam pendentes que eu estava
Marcelo Pustilnik: Não precisa ter a falar no outro momento, este assunto
outra na mão já. Quando a gente está em da formação dos professores, quando
um trapézio no circo, a gente balança falamos da formação contínua, as pes-
para lá e para cá, é gostoso, mas chega soas só ficam satisfeitas quando fazem
uma hora que se não soltar o trapézio, a uma lista. As escolas oferecem uma lista
gente não vai saber se o outro está lá do de “cursinhos”, um dia, uma hora, duas
outro lado ou não, precisa soltar o tra- horas, três horas assim, uma coisa solta.
pézio e confiar que você vai pegar o ou- Na experiência da Escola Moderna, tem
tro. Pelo menos na minha vida sempre gente que está trabalhando há 40 anos e
foi assim, eu me lanço e aí vou descobrir não basta, pois está permanentemente
qual vai ser o novo passo, muitas vezes em formação, não acaba, não acabamos,
eu não sei qual é o novo passo, mas me se queremos ir a par do que se vai cons-
lanço. truindo, não é? Este conceito de forma-
ção continuada e contínua. E depois há
Pedro Gonzáles: Deixa eu ver se isso um aspecto muito importante e este as-
se relaciona com a investigação-ação. sunto de implicar os professores do que
Existem muitos conceitos que a investi- queremos de formação e se comprome-
gação-ação tem que trabalhar a partir do terem com isso, não é? Não dá certo isso
zero, como se tivesse que construir uma de oferecer um cardápio, onde eles de-
coisa totalmente nova e não é assim, nós vem escolher, eles devem antes sentir a
vivemos de herança em herança. Nós necessidade em função do que eles pre-

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 264 PALESTRA 27


cisam avançar e aí está um problema do Formação entre aspas, faz uma forma-
trabalho do professor com os meninos, ção e também ir descobrindo do que ne-
como o trabalho de outra pessoa com os cessitamos. Coisas para falar em um ou-
professores. Muitos dos professores não tro momento.
sabem do que necessitam, aqui um tra-
balho de investigação de um colega na Tânia Serra: A gente ainda tem mui-
década de 90, deve ter sido quando veio to a discutir, não é? Na verdade, essa
muito dinheiro da Comunidade Euro- temática ela é interminável, e é mesmo
peia. As escolas superiores e outras ins- a ideia da educação. Da educação, por
tituições de formação se atiraram para exemplo, pensada por Paulo Freire, do
fazer essa imensa formação, as pessoas inacabamento, somos seres, somos se-
davam por escolher porque tinham três res inacabados, com proposta inacaba-
horas, porque tinha cinco horas, porque das e, portanto, com temáticas inaca-
era quinta-feira à tarde, porque era o fim badas, e quanto mais a gente fala, e eu
de semana e não porque necessitavam. gosto muito dizer isso nas minhas aulas
Quando faziam um levantamento do da disciplina de Linguagem, é quanto
que realmente necessitavam, não coin- mais a gente fala, mais a gente vai crian-
cidiam com isso. Tinham um alto nível do novas temáticas, não é? Quanto mais
de insucesso com seus alunos, tinham a gente discute e socializa, mais a gen-
grandes dificuldades com as disciplinas te vai apontando novas possibilidades.
e esse tipo de coisa não era trabalhado, Ainda assim, quero agradecer aos meus
como se fosse outra coisa. Vocês devem amigos e companheiros de mesa, Mar-
ter passado por este aperto de trabalhar celo e Pedro, a menina Laryssa, por ter
para a informática, não é? Os professo- aí, de forma tão linda, mediado esse mo-
res tinham que fazer o curso de informá- mento. Um cheiro grande, saudades! Es-
tica, tinham que fazer, sei lá outra coisa pero que o próximo FIPED a gente possa
qualquer, não coincidindo com aquela se vê pessoalmente, está? Eu me sinto
coisa que realmente faz. Eu acho que realizada, não é? Por esse momento de
um trabalho a fazer muito importante, hoje, obrigada!
tomar consciência do que se necessita,
não é? Por exemplo, muitas instituições Marcelo Pustilnik: Gente, foi muito
de formações que fazem, o primeiro é prazeroso esse debate, essa discussão.
o levantamento de necessidades, onde Muitas saudades mesmo das conversas
se pede que os professores verbalizem mais pessoais, mais fraternas. Essa dis-
o que necessita. O que acontece, é que tância nos deixa um pouco frios e conti-
muitos deles não verbalizam porque não nuar essa nossa aventura de tentar criar
sabem dizer o que realmente necessitam alguma coisa nova no campo de forma-
e nisso tem que ser ajudado, o Curso de ção de professor.

XII FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA 265 PALESTRA 27


EDUCAÇÃO COMO RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA:
Conferências & Palestras do XII FIPED

Este
caderno reúne discus-
sões realizadas no XII Fórum Interna-
cional de Pedagogia – XII FIPED que trouxe como
tema “A educação como fronteira à resistência demo-
crática”. É o registro de conferências e palestras, realizadas na
modalidade online, por professoras, professores e estudantes brasi-
leiros, portugueses, mexicanos e espanhóis. As conferências e palestras
que o compõem trazem em comum a historicidade em torno da educação
e da democracia sob ameaças neofascistas, em especial, do contexto bra-
sileiro. Os textos trazem reflexões sobre uma diversidade de subtemas que
tomam a educação, a pedagogia, a pesquisa e a democracia como campo de
tensões socioeducacionais. Aqui, encontramos relatos de estudantes gra-
duandas e graduandos, a compartilharem suas primeiras experiências
científicas e falas de experientes e/ou jovens professoras e professores,
pesquisadoras e pesquisadores nas quais elaboram análises contex-
tuais e propõem alternativas de resistências e lutas no campo da
pesquisa e da educação.

R NACIONAL DE
TE PE
N
I

D
UM

AG
X II F Ó R

OG
IA
S
A

O
C

N
FE E ST

N CIAS E P AL

Você também pode gostar